Admirável Mundo Novo: Análise Do Discurso Da Música "Admirável Gado Novo" de Zé Ramalho E Sua Relação Com O Livro

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XXI CONGRESSO NACIONAL DE LINGUÍSTICA E FILOLOGIA

ANÁLISE DO DISCURSO DA MÚSICA


“ADMIRÁVEL GADO NOVO” DE ZÉ RAMALHO
E SUA RELAÇÃO COM O LIVRO
ADMIRÁVEL MUNDO NOVO
Tatiane Almeida de Souza (UENF)
[email protected]
Dhienes Charla Ferreira Tinoco (UENF)
[email protected]
Priscila de Andrade Barroso Peixoto (UENF)
[email protected]
Eliana Crispim França Luquetti (UENF)
[email protected]

RESUMO
Em 1979, Zé Ramalho lança a música “Admirável Gado Novo” com a finalidade
de propagar sua insatisfação com o sistema vigente e fazer com que a população refle-
tisse sobre sua atual condição humana. Desta forma, este artigo visa analisar a análise
do discurso do pensamento crítico da canção “Admirável Gado Novo”, de autoria do
cantor Zé Ramalho, e sua relação com o livro de Aldous Huxley chamado Admirável
Mundo Novo. Para isso, utilizamos teorias que contemplam a temática, ancorados em
teóricos como, Eni Pulcinelli Orlandi (2005), Marilena Chauí (1984), José Manuel de
Sacadura Rocha (2009), entre outros. Logo, a pesquisa é de cunho bibliográfico. Sendo
assim, o que se pode concluir com a presente análise é que ambas as obras visam de-
nunciar as formas de manipulação impostas à sociedade, os malefícios do sistema ca-
pitalista e conscientizar a população acerca dos mecanismos de alienação instaurados
para estabelecer a ordem pelo Estado.
Palavras-chave: Sistema Capitalista. Alienação. Análise do discurso.

1. Introdução
Análise do discurso tem por finalidade analisar a composição de
um texto, ou seja, entender a mensagem ideológica presente no texto.
Todo discurso traz consigo uma ideologia, logo, há uma mensagem a ser
transmitida. Desta forma, o texto carrega características sociais e políti-
cas no qual seu autor está inserido. Além de uma análise textual, a análise
do discurso é constituída por uma análise do contexto a qual foi construí-
da.
Diante disso, o discurso em si é um ato acerca do meio, da organi-
zação social, expondo emoções e posições. Ou seja, através do seu dis-
curso o sujeito toma uma posição. Porém, para se cear ao real discurso e

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entender sua mensagem é necessário ver além do que realmente está sen-
do dito, além da língua, da palavra. É necessário analisar o contexto no
qual o discurso foi criado, interpretar a fala dos sujeitos, sendo a ideolo-
gia impressa na linguagem num formato de texto.
Desta forma, o objetivo do presente trabalho é analisar o discurso
presente na canção de Zé Ramalho intitulada “Admirável ado Novo” e
sua relação com o livro Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley. No
entanto, a metodologia utilizada é a qualitativa, baseada nos autores Eni
Pulcinelli Orlandi (2005), Marilena Chauí (1984), José Manuel de Saca-
dura Rocha (2009), entre outros.
A década de 70, no Brasil, foi um período de muita instabilidade
política e repressão social. A ditadura militar reprimia qualquer arte ou
forma de pensar que fosse uma afronta ao modelo político, pois para
manter a ordem, as ideias, os discursos propagados com anseios de liber-
dade e de mudança tinham que ser aniquilados.
Diante desse cenário, em 1979, Zé Ramalho, famoso poeta e can-
tor brasileiro, lança o seu segundo trabalho denominado Zé Ramalho 2 ou
A Peleja do Diabo contra o Dono do Céu. O maior sucesso, de repercus-
são nacional, foi a música "Admirável Gado Novo", sendo a mesma aber-
tura da novela O Rei do Gado, em 1996.
Zé Ramalho, em "Admirável Gado Novo", faz uma denúncia soci-
al, criticando a ditadura militar e os abusos de poder, através de metáfo-
ras e intertextualizando com o livro Admirável Mundo Novo de Aldous
Huxley, publicado em 1932. A música instiga os movimentos de resis-
tência ao poder instaurado da ditadura militar em prol de melhores condi-
ções vida pelas camadas menos favorecidas. No entanto, o autor une a in-
satisfação do povo com o Regime Militar com o romance futurista de Al-
dous Huxley, possibilitando uma conversa entre o período em que Zé vi-
via e o livro, ou seja, denunciava o contexto do Regime Militar e o con-
texto ficcional do romance do livro, que tem como história o controle das
pessoas alienadas através de drogas.
Sendo assim, o presente artigo está dividido em duas partes. A
primeira é a análise discurso da música, decifrando a verdadeira mensa-
gem de Zé Ramalho para seus contemporâneos. No entanto, a segunda
parte identifica a relação de discurso do livro de Aldous Huxley e da mú-
sica, seus pontos semelhantes em esferas diferentes.

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2. Uma análise do discurso da música “Admirável Gado Novo” de Zé


Ramalho
A análise do discurso nasceu na França nos anos 60, sendo o dis-
curso seu objeto de estudo. Ao analisar o discurso, a língua para análise
do discurso não é apenas um mecanismo cuja finalidade é somente o ato
de falar ou transmitir informações. Considera a língua uma perspectiva
discursiva que investiga o exterior da linguagem, sua ideologia e a in-
fluência social. Para Eni Pulcinelli Orlandi (2006, p.16) "pensar o texto
em seu funcionamento, é pensá-lo em relação às suas condições de pro-
dução, é ligá-lo a sua exterioridade".
Segundo Eni Pulcinelli Orlandi (2005), ao falar dos objetivos da
análise do discurso, cita que a linguagem é um fator intrínseco a análise
do discurso, pois a mesma assume um caráter de mediação indispensável
entre o meio social e o homem. Sendo assim, a análise do discurso enten-
de que a língua é um mecanismo de interação.
Ainda de acordo com Eni Pulcinelli Orlandi (2005),
a análise do discurso, como seu próprio nome indica, não trata da língua, não
trata da gramática, embora todas essas coisas lhe interessem. Ela trata do dis-
curso. E a palavra discurso, etimologicamente, tem em si a ideia de curso, de
percurso, de correr por, de movimento. (ORLANDI, 2005, p. 31)

Sendo assim, não se pode analisar um discurso sem levar em con-


sideração os meios e as condições no qual o mesmo foi produzido, pois
fazem parte profundamente para sua construção. Ou seja, o discurso vai
depender das condições em que o indivíduo que o produz se encontra.
Dessa forma, o sujeito propaga sua ideologia através do discurso,
manifestando suas emoções e insatisfações pessoais construídas no de-
correr de sua interação com seu meio. Diante disso, as relações sóciohis-
tórico-ideológicas vão organizar o discurso e a mensagem a ser passada.
No que tange a canção de Zé Ramalho, “Admirável Gado Novo”,
a intenção é analisar o discurso que o autor quis propagar em sua obra,
analisando o ano da composição, momento político e a ideologia a ser
passada.
José Ramalho Neto, mais conhecido como Zé Ramalho é um can-
tor e compositor brasileiro. É um músico conhecido por sua intensidade
em suas canções, pois as mesmas, em sua grande maioria, citam às suas
próprias experiências pessoais, como a tristeza de um amor não corres-
pondido, o movimento hippie, a necessidade de ter dinheiro para sobrevi-

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ver num sistema capitalista, a luta diária do homem frente a uma socie-
dade preconceituosa, entre outras. A mensagem de suas canções tem ca-
ráter místico e social, se constituindo assim em um artista diversificado
conseguindo atingir variados públicos e ultrapassar gerações.
A música “Admirável Gado Novo” foi lançada em 1979, ainda no
período da Ditadura Militar. A mesma ganhou seu sucesso como tema de
personagens de um acampamento de sem-terra na novela de Benedito
Ruy Barbosa, “O Rei do Gado”. No entanto, mesmo depois de quase qua-
renta anos de sua criação, a mensagem da canção se torna cada dia mais
contemporânea. Desta forma, segue transcrita a letra desta música:
Admirável Gado Novo249
Letra e música – Zé Ramalho
Vocês que fazem parte dessa massa
Que passa nos projetos do futuro
É duro tanto ter que caminhar
E dar muito mais do que receber
E ter que demonstrar sua coragem
À margem do que possa parecer
E ver que toda essa engrenagem
Já sente a ferrugem lhe comer
Eh, oô, vida de gado
Povo marcado
Eh, povo feliz!
Lá fora faz um tempo confortável
A vigilância cuida do normal
Os automóveis ouvem a notícia
Os homens a publicam no jornal
E correm através da madrugada
A única velhice que chegou
Demoram-se na beira da estrada
E passam a contar o que sobrou!
Eh, oô, vida de gado
Povo marcado
Eh, povo feliz!
O povo foge da ignorância
Apesar de viver tão perto dela
E sonham com melhores tempos idos
Contemplam esta vida numa cela

249 Letra da música retirada do site https://www.letras.mus.br/ze-ramalho/49361, no dia 25/06/2017.

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Esperam nova possibilidade


De verem esse mundo se acabar
A arca de Noé, o dirigível,
Não voam, nem se pode flutuar
Eh, oô, vida de gado
Povo marcado
Eh, povo feliz!

Pode-se notar que a canção faz referência, em seu título, ao livro


de Aldous Huxley, publicado em 1932, Admirável Mundo Novo. O livro
retrata um romance numa sociedade futurista onde todos são condiciona-
dos a viverem em obediência às leis e as regras sociais, sem qualquer tipo
de contestação de sua natureza. Os indivíduos são controlados pela inges-
tão de uma droga chamada "soma", neutralizando qualquer sentimento de
dúvida ou manifestação. Nessa sociedade criada por Aldous Huxley, os
valores serão extintos e os cidadãos serão controlados pelo Estado.
Sendo assim, ao dar nome à canção, Zé Ramalho esboçou as con-
dições da sociedade brasileira na época de sua composição, onde a mes-
ma se encontrava em plena ditadura militar, sendo o povo comparado
com o gado, marcado e conduzido segundo os interesses e regras impos-
tas pela classe dominante. Ou seja, a maioria, a classe trabalhadora, é
quem sustenta o poder, trabalhando, vivendo e morrendo para enriquecer
as elites. E é tamanha ignorância de sua exploração, que, mesmo explo-
rada, não o percebe, sente-se feliz, confortável.
Outra característica é massificação das pessoas, pois de acordo
com Hannah Arendt (2000),
Neste particular, pouco importa se uma nação se compõe de homens
iguais ou desiguais, pois a sociedade exige sempre que os seus membros ajam
como se fossem membros de uma enorme família dotada apenas de uma opi-
nião e de um único interesse. (ARENDT, 2000, p. 49)

Na primeira parte da música, há mais uma referencia ao livro de


Aldous Huxley:
Vocês que fazem parte desta massa, que passa nos projetos do futuro.

Nessa parte da música, o autor faz evidencia a massificação das


pessoas, sendo estas dominadas pelo seu dominador, livres de qualquer
sentimento de conflito ou contestação. Em "projetos do futuro" podem
ser entendidos como promessas de dias melhores e a mais uma referência
ao ambiente futurista de Admirável Mundo Novo.
Prosseguindo a análise, no verso a seguir,

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É duro tanto ter que caminhar e dar muito mais do que receber,

faz-se referência à mais valia – teoria marxista. Logo, na “mais-valia”, a


massa trabalhadora produz muito mais do que efetivamente pode consu-
mir, dando muito mais do que recebem. Assim, “[...] estamos diante do
modo de constituição real do sistema capitalista” (CHAUÍ, 1984, p. 51).
Dessa forma, essa massa acaba dando muito mais do que recebe, sendo
esse fato uma característica nata do capitalismo.
Sendo assim, cabe ressaltar o conceito de “mais-valia”:
Suponhamos, então, que, para fabricar um metro de linho e para extrair
um quilo de ferro, os trabalhadores precisem de 8 horas de trabalho. Supo-
nhamos que o preço desses produtos no mercado seja de Cr$ 16,00. Diremos,
então, que cada hora de trabalho equivale a Cr$ 2,00. Porém, quando vamos
verificar qual é o salário desses trabalhadores, descobrimos que não recebem
Cr$ 16,00, mas sim Cr$ 8,00. Há, portanto, 4 horas de trabalho que não foram
pagas, apesar de estarem incluídas no preço final da mercadoria. Essas 4 horas
de trabalho não pagos constituem a mais-valia, o lucro do proprietário da mina
de ferro ou do proprietário da fábrica de linho. (CHAUÍ, 1984, p. 50-51)

Seguindo a letra da canção, nota-se mais uma clara referência ao


sistema capitalista:
E ver que toda essa engrenagem, já sente a ferrugem lhe comer.

Essa expressão é uma metáfora para se referir queda do regime


militar que estava em vigor no período da canção como à autodestruição
do capitalismo. De acordo com o pensamento marxista,
o capitalismo carrega os germes de sua própria destruição, e seria suplantado
pelo Socialismo onde os trabalhadores formariam uma sociedade baseada na
propriedade coletiva dos meios de produção, pois, propõe a visão marxista,
que todo sistema econômico traz no seu embrião as contradições que irão des-
truí-lo por meio da luta de classes. (LIMA, 2007)

Ao chegarmos ao refrão da canção,


Eh, oô, vida de gado, povo marcado, eh, povo feliz,

nos deparamos com os sons usados pelos velos boiadeiros para conduzi-
rem seu rebanho. No entanto, a metáfora “vida de gado” no remete a "vi-
da do povo", povo este que é "marcado" mas é um “povo feliz”. A pala-
vra povo quer dizer “grande número de pessoas que constituem uma tri-
bo, raça ou nação” (SILVA, 1998, p. 624).
O compositor ao mencionar “povo marcado, povo feliz”, retrata a
vida do povo brasileiro, pois o mesmo sofre com o sistema, mas não per-
de sua alegria. Ou seja, um povo alienado e conformado com suas condi-

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ções de vida, ao sistema capitalista, mas ainda sente felicidade, sendo es-
ta decorrente da esperança da fé, da política, do consumo, entre outras.
Na segunda parte da canção, o compositor continua trazendo sua
visão e sua ideologia de um modo subjetivo.
Lá fora faz um tempo confortável, a vigilância cuida do normal,

nota-se que o compositor faz alusão a atual condição humana, onde todos
são vigiados, seja pelo Estado, pela Igreja ou pela mídia, a não se revol-
tarem, dando uma sensação de que a normalidade está controlada. Dessa
forma, o certo, o previsível, o normal é se conformar ao modo de vida
instalado pelo sistema dominador, pois quanto mais tranquilo e submisso
for o renano, mais fácil será direcioná-lo.
Os automóveis ouvem a notícia, os homens a publicam no jornal,

evidencia, mais uma vez, a coisificação do ser humano, pois automóveis


não escutam. Sobre a coisificação humana, é válido lembrar que
por seu próprio dinamismo, os homens pensam, de forma vulgar que vão ao
mercado vender e comprar coisas; eles na verdade vão vender e comprar tra-
balho humano que agiu, em última instância, sobre a natureza, ou seja, eles
compram e vendem a sobrevivência, não de quem está vendendo ou compran-
do um bem ou serviço, mas sim de quem já, num processo determinado, ven-
deu a sua força de trabalho como mercadoria e como alternativa única de so-
brevivência econômica. (ROCHA, 2009, p. 142)

Com isso, é acarretada a desumanização, pois o homem se torna


sobrevivente do capital e se subordina ao acúmulo das finanças.
Na terceira e última parte da música,
O povo foge da ignorância, apesar de viver tão perto dela. E sonham com
melhores tempos idos, contemplam essa vida numa cela,

o compositor faz referência a alienação do povo, a ignorância de não per-


ceber o que os dominam mesmo estando diante do sistema. Sonham com
dias melhores, porém se acomodam em suas prisões e passam a contem-
plar dentro de suas "celas", lembrando os dias bons que tiveram e ainda
podem ter e com a possibilidade do sistema dominador ser cessado.
Por fim, em
E esperam nova possibilidade, de verem esse mundo se acabar. A arca de
Noé, o dirigível, não voam, nem se pode flutuar,

a religião é mencionada, pois traz uma esperança de fuga para os que cre-
em nela. O povo procura um caminho para fugir da situação em que vive,

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busca um caminho melhor. Deus constituiu a Arca como meio de fuga
para a salvação e o dirigível, através de suas armas, é um meio capaz de
acabar com o sistema. Entretanto, a menção acerca da Arca de Noé e o
Dirigível seria uma saída para se livrarem do sistema dominador.
Ainda sobre a religião, Zé Ramalho demonstra uma concepção da
mesma bem semelhante ao pensamento marxista, pois para Karl Marx
(1844),
O sofrimento religioso é, a um único e mesmo tempo, a expressão do so-
frimento real e um protesto contra o sofrimento real. A religião é o suspiro da
criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração e a alma de condições
desalmadas. É o ópio do povo. (MARX, p. 5)

Ao final dessa análise, podemos observar que Zé Ramalho fez


uma denúncia social em seu discurso. Utilizou-se de vários conceitos
marxistas para exprimir a realidade na composição de sua canção, como a
luta de classes, a exploração do homem pelo homem, a alienação e a reli-
gião. Critica o regime militar em vigor na época e ao sistema capitalista.

3. Livro Admirável Mundo Novo e sua relação com a canção “Admi-


rável Gado Novo”
O livro de Aldous Huxley Admirável Mundo Novo, publicado em
1932, retrata uma sociedade totalmente controlada, de acordo com um
sistema de castas. As pessoas não possuem vontade própria, pois são
condicionadas a viverem em harmonia com as regras impostas. A domi-
nação é consentida sem qualquer manifestação, pois são psicologicamen-
te introduzidas durante o sono.
“Soma” é o nome dado à uma droga para controlar os cidadãos. É
uma dose de felicidade, para que os mesmos não se revoltem contra o sis-
tema implantado. A sociedade não possui valores éticos ou morais. O
conceito de família não existe.
Aldous Huxley mostra a dualidade entre a ciência, a sociedade e o
prodígio, uma vez que este último tem sua ascensão, acarreta vários pro-
blemas para a sociedade. Neste novo mundo a reprodução humana é arti-
ficial e cada novo membro pertence à uma escala de castas, (Alfa+, Alfa,
Beta+, Beta, Gama, Delta ou Épsilon).
Dessa forma, Aldous Huxley prenunciou uma civilização onde to-
dos os homens são controlados por uma excessiva ordem desde seu nas-
cimento. Todos os sentimentos, dúvidas, desejos eram controlados pela

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soma, garantindo assim a ordem, sem revoltas.


Como se vê, tratava-se de uma sociedade de autômatos, na qual
não era necessário recorrer à repressão violenta porque simplesmente não
havia o mínimo risco de ocorrer qualquer tipo de revolta. Uma sociedade
em que cada indivíduo se sentia feliz com a função exercida (pois desde
o início haviam sido condicionados a exercerem tal função).
O livro de Aldous Huxley se relaciona com a música de Zé Rama-
lho, pois o mesmo faz uma clara referência ao sistema de ordem produzi-
do em Admirável Mundo Novo. Ambas as obras retratam sociedades es-
truturadas sob uma ordem rígida e opressora, no livro os valores são to-
talmente excluídos, enquanto na canção a sociedade se estrutura como
um rebanho.
Nota-se em ambos, também, o intuito do Estado em manter a or-
dem e usa de artifícios para instaurá-la. No livro, o "Estado" usa a soma
(uma droga) e na música, se utiliza de promessas que nunca serão cum-
pridas.
A relação entre Admirável Mundo Novo e “Admirável Gado No-
vo” está muito além do título dessas obras, ela também se faz presente na
temática abordada, ou seja, nas críticas a sociedade que se deixa manipu-
lar, que não exerce a sua autonomia e individualidade e no que resulta es-
se jogo de regras e convenções que julgam e qualificam o ser humano.
No entanto, ambas denunciam de alguma forma como a sociedade
estava sendo estruturada, de acordo com a época de composição de cada
uma. Mas o que é explícito é que sempre há um dominador e que os sis-
temas de dominação sempre existiram, apenas foram se modificando com
o decorrer do tempo.

4. Considerações finais
Diante da análise, percebe-se que a ideologia impregnada na can-
ção de Zé Ramalho visa conscientizar o povo brasileiro de sua condição
humana. Salienta para as consequências que o sistema capitalista traz pa-
ra a sociedade.
A música “Admirável Gado Novo”, traz ante de tudo, uma crítica
às formas de governo, sendo o mesmo opressor e detentor de dominação
através de “obrigações” estabelecidas à população que se vê sem saída.
Sendo assim, a canção salienta alguns questionamentos, como: A popula-

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ção é vista pelos governantes realmente como um rebanho? O voto é um
direito, ou seria um dever? A sociedade possui, de fato, direito de esco-
lha? Em um trecho do livro, Aldous Huxley (1968) salienta: “A liberdade
é perigosa para a sociedade, pois quebra a estabilidade. Por isso, não po-
dem desenvolver a ciência ou a arte, pois estas precisam do caos para
existirem”.
Nessa citação, pode-se perceber porque durante tantos anos a livre
expressão foi coibida. O livre arbítrio era reprimido pela ditadura militar,
pois quem o insultasse ou se rebelasse, era preso e mandado para o exílio
como forma de manter a ordem. E mesmo diante dessa realidade, Zé Ra-
malho conseguiu, através das palavras, expor sua ideologia e seu incon-
formismo com a situação da sociedade nas entrelinhas.
Entretanto, o livro de Aldous Huxley publicado em 1932 e a can-
ção de Zé Ramalho lançada em 1979 se fazem presentes nos dias de hoje.
A mensagem que ambas passaram se perpetua no mundo intitulado pós-
moderno.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CHAUÍ, Marilena. O que é Ideologia? São Paulo: Abril Cultu-
ral/Brasiliense, 1984.
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<https://www.marxists.org/portugues/marx/1844/critica/index.htm>.
HUXLEY, Aldous. Admirável mundo novo. Rio de Janeiro: Companhia
Brasileira de Divulgação do Livro, 1968.
LIMA, José Edson Ferreira. A denúncia social na música "Admirável
Gado Novo" de Zé Ramalho: os mecanismos massivos de alienação. Re-
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ORLANDI, Eni Pulcinelli. Discurso e leitura. São Paulo: Cortez, 2005.
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