Guerra - o Horror Da Guerra e Seu Legado para A Humanidade - Ian Morris
Guerra - o Horror Da Guerra e Seu Legado para A Humanidade - Ian Morris
Guerra - o Horror Da Guerra e Seu Legado para A Humanidade - Ian Morris
Sobre a obra:
Sobre nós:
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Ficha Técnica
Copyright ©2014, Ian Morris
Copyright dos mapas ©2014, Michele Angel
Publicado primeiramente por Farrar, Straus and Giroux, 2014.
Publicado mediante acordo com Sandra Dijkstra Literary Agency e Sandra Bruna Agencia Literaria, SL.
Tradução para a Língua Portuguesa © 2015, LeYa Editora Ltda., Luis Reyes Gil
Título original: War! What is it good for?
Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610, de 19.2.1998.
É proibida a reprodução total ou parcial sem a expressa anuência da editora.
Este livro foi revisado segundo o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Produção editorial: AGWM Produções Editoriais
Revisão: Mineo Takatama e Alessandra Miranda de Sá
Capa: Rafael Nobre – Babilonia Cultura Editorial
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Angélica Ilacqua CRB-8/7057
Morris, Ian
Guerra: o horror da guerra e seu legado para a humanidade / Ian Morris; tradução de Luis Reyes Gil. –
São Paulo : LeYa, 2015.
Bibliografia
ISBN 9788544102572
Título original: War! What is it good for?
1. Guerra – Aspectos sociais 2. Guerra e civilização
3. Ciência política 4. Geopolítica I. Título II. Gil, Luis Reyes
15-0924 CDD 303.66
Índice para catálogo sistemático:
1. Guerras – Aspectos sociais
Todos os direitos desta edição reservados à
LEYA EDITORA LTDA.
Avenida Angélica, 2318 – 13º andar
01228-200 – Consolação – São Paulo – SP – Brasil
www.leya.com.br
Tradução
Luis Reyes Gil
Introdução: amiga do agente funerário
War!
Huh, good God.
What is it good for?
Absolutely nothing.
Say it, say it, say it...
Oooh, war! I despise
Because it means destruction
Of innocent lives
War means tears
To thousands of mothers’ eyes
When their sons go to fight
And lose their lives...
War!
It ain’t nothing but a heartbreaker.
War!
Friend only to the undertaker...3
Porcos de guerra
Por vários aspectos, sou provavelmente a pessoa menos
capaz de oferecer tal perspectiva. Excetuando minha
pequena rusga com Petrov, nunca lutei em uma guerra,
nem mesmo vi de perto uma carnificina. O mais próximo
que cheguei disso foi em Tel Aviv em 2001, quando um
homem-bomba explodiu uma discoteca a poucas centenas
de metros de onde eu me hospedava, mutilando 21
adolescentes. Acho que ouvi a explosão, mas não tenho
certeza; estava sentado no bar do hotel onde se realizava
uma festa de formatura do ensino médio de estudantes
mais afortunados. Mas ninguém conseguiu deixar de ouvir
as sirenes das ambulâncias.
E tampouco venho de uma distinta família de militares.
Meus pais, ambos nascidos na Inglaterra em 1929, eram
jovens demais para a Segunda Guerra Mundial, e por
trabalhar nas minas meu pai perdeu também a Guerra da
Coreia. A mineração de carvão matara seu próprio pai
antes do início da Segunda Guerra Mundial, enquanto o pai
da minha mãe escapara de lutar porque era metalúrgico
(era comunista também, embora isso tenha deixado de ser
um grande problema depois que a Alemanha atacou a
União Soviética em 1941). O tio da minha mãe, Fred, serviu
com o general Montgomery no norte da África, mas nunca
disparou seu fuzil, nem sequer viu alguma vez um alemão.
Pelo seu relato, a guerra consistia em pular dentro de
caminhões para caçar inimigos invisíveis pelo deserto e
depois pular dentro de outros caminhões para ser
perseguido no caminho de retorno ao ponto de partida.
Seu contato mais próximo com o perigo, dizia sempre, foi
quando perdeu a dentadura em uma tempestade no
deserto.
Em vez de servir meu país, eu desperdicei minha
juventude em bandas de rock. Talvez fosse um pouco
menos paz e amor que muitos contemporâneos meus da
década de 1970, mas meus instintos mal articulados ainda
estavam em grande parte do lado da canção War. O
primeiro solo de guitarra que eu consegui tocar de fato foi
aquele riff pesado do épico do Black Sabbath, War pigs,
com aquelas duras frases de abertura:
O plano de ataque
Os primeiros cinco capítulos deste livro contam a história
da guerra e vão do mundo violento e emprobrecido dos
caçadores-coletores pré-históricos à era de Petrov. É uma
história confusa, como a história sempre se mostra quando
cavoucamos os detalhes, mas revela uma tendência
poderosa. Sob certas circunstâncias – que eu examino nos
capítulos 1 e 2 –, a guerra pode ser uma força produtiva,
no sentido de criar Leviatãs responsáveis por tornar as
pessoas mais seguras e ricas. Sob outras – que examino no
capítulo 3 –, ela pode se tornar francamente
contraproducente, fragmentando as sociedades maiores,
mais ricas e seguras em sociedades menores, mais pobres
e mais violentas. Mas sob outras circunstâncias – que
exponho nos capítulos 4 e 5 – a guerra pode se tornar mais
produtiva que nunca, gerando não só Leviatãs, mas
globocops11. Estes atravessam o mundo como colossos,
transformando a vida de maneiras que teriam parecido
mágicas em qualquer época anterior, mas também
controlam um poder de destruição que poderia aniquilar
totalmente a vida do planeta.
No capítulo 6, divido a narrativa para tentar compreender
essa história situando-a em seu contexto evolucionário
mais amplo, antes de passar ao capítulo 7 e perguntar o
que tudo isso nos diz sobre o rumo que o mundo pode
estar tomando no século XXI. A resposta, argumento eu, é
ao mesmo tempo alarmante e animadora – alarmante
porque os próximos 40 anos serão os mais perigosos da
história, mas animadora porque há razões para acreditar
que, em vez de simplesmente sobreviver, iremos triunfar.
A longa história da guerra está se aproximando de seu
extraordinário ponto culminante, mas para entender o que
está acontecendo devemos começar – como farei agora –
rememorando em profundidade o nosso violento passado.
2Todas as notas sem indicação [N. T.] ou [N. E.] foram escritas pelo próprio
autor. [N. E.]
3 Em tradução livre: “Guerra! / Ah, meu Deus. / Ela traz algo de bom? / Nada,
absolutamente. / Diga, diga, diga... / Ah, a guerra! Eu a desprezo / Porque ela
significa destruição / De vidas inocentes / Guerra é sinônimo de lágrimas / Nos
olhos de milhares de mães / Quando seus filhos partem para a luta / E perdem a
vida... / Guerra! / Só serve para partir corações. / Guerra! / Ela só é amiga do
agente funerário...”. [N. T.]
6 Rousseau passou sua adolescência em Paris, mas, como sua obra começou a
ser considerada uma afronta aos costumes morais e religiosos, acabou se
refugiando em Neuchâtel, na Suíça. [N. E.]
7 Founding Fathers of the United States, os Pais Fundadores dos Estados Unidos,
são os líderes políticos que assinaram entre outros decretos a Declaração de
Independência ou aqueles que participaram da Constituição dos Estados Unidos
em 1787. [N. E.]
8 “Generais reunidos com suas tropas / Como bruxas em missas negras.” [N. T.]
Pax Romana
O inverno se aproximava. Com os inimigos batidos e o
exército dispersado, Agrícola deixou os caledônios com seu
sofrimento e dirigiu-se com seus soldados rumo às bases.
Quanto mais marchavam para o sul, adentrando o
território que Roma detinha havia décadas, menos a
paisagem se parecia com terra devastada. Não havia
ruínas queimadas nem refugiados passando fome; em vez
disso, os romanos viam campos bem cuidados, cidades
movimentadas e mercadores ansiosos para vender-lhes
algo. Prósperos fazendeiros tomavam vinho produzido na
região em taças importadas, e os antigos chefes militares
bretões haviam trocado os fortes da montanha por
luxuosas casas. Exibiam togas por cima das tatuagens e
mandavam os filhos à escola para aprender latim.
Havia aqui um paradoxo que poderia ter intrigado
Cálgaco, se ele estivesse vivo para vê-lo. Para a maioria
das pessoas do lado romano da fronteira, porém, a
explicação para o fato de o Império Romano não ser uma
terra devastada era óbvia. O orador Marco Túlio Cícero
expressara isso melhor um século e meio antes em carta
ao seu irmão Quinto, então governador da rica província
grega da Ásia (que corresponde ao quinhão ocidental da
atual Turquia). Era um posto excelente, mas Quinto tinha
temperamento difícil, e os que estavam sob seu comando
na província se queixavam.
Após algumas páginas de severos conselhos de irmão
mais velho, Cícero muda o tom. O problema, conclui, não é
inteiramente de Quinto. Os gregos precisavam encarar os
fatos. “Deixe a Ásia refletir sobre isso”, assinalou ele. “Se
ela não estivesse sob nosso governo, não escaparia de
nenhuma calamidade advinda de guerra externa ou de
disputas internas. E, como não há maneira de prover
governo sem cobrar impostos, a Ásia deveria estar feliz em
comprar a paz perpétua ao preço de um punhado de seus
produtos.”
Cálgaco ou Cícero; devastação ou país das maravilhas?
Essas duas visões opostas das consequências da guerra,
formuladas com tanta perspicácia há 2 mil anos, serão
dominantes neste livro.
Em um cenário ideal, poderíamos encerrar o debate
simplesmente apresentando números. Se as mortes
violentas diminuíssem e a prosperidade aumentasse após
as conquistas romanas, poderíamos concluir que Cícero
estava certo: a guerra servia para alguma coisa. Se os
resultados fossem o oposto, então obviamente Cálgaco
teria entendido melhor sua época, e a guerra produziria
apenas devastação. Para nós bastaria repetir o teste nos
períodos posteriores da história abordados nos capítulos 2
a 5 e chegaríamos a uma conclusão geral sobre o que a
guerra teria trazido de bom – se tivesse trazido algo.
Mas a realidade raramente possibilita essa praticidade.
Mencionei na Introdução que a construção de bancos de
dados de mortos em batalha tornou-se um setor
acadêmico menor, mas as poucas estatísticas confiáveis
remontam a antes de 1500 d.C., mesmo para a Europa.
Apenas um tipo de evidência – os restos físicos de nossos
corpos, que com frequência carregam indícios reveladores
de violência letal – tem o potencial de abranger todos os
períodos, remontando às origens da própria humanidade.
Podemos esperar ter algum dia estatísticas confiáveis
dessa fonte, mas por ora o problema é que foram poucos
os pesquisadores que fizeram estudos em larga escala
desse material complicado, tecnicamente desafiador, e
mesmo esses trabalhos fornecem um quadro ainda
bastante obscuro.
Um estudo (publicado em 2012) de crânios das coleções
da Universidade de Tel Aviv, por exemplo, encontrou
poucas e preciosas diferenças nos níveis de violência ao
longo dos últimos 6 mil anos. Porém, uma análise de 2013
de esqueletos encontrados no Peru descobriu picos de
violência nos períodos em que Estados maiores estavam se
formando (cerca de 400 a.C.-100 d.C. e 1000 d.C.-1400
d.C.), o que, em linhas gerais, está de acordo com os
argumentos deste livro. Até reunirmos um volume bem
maior desse tipo de evidência, tudo o que somos capazes
de fazer em relação a períodos anteriores a 1500 d.C. (e
em algumas partes do mundo até mesmo já entrando no
nosso século) é reunir todo tipo de evidência, incluindo
arqueologia, episódios narrados na literatura e
comparações antropológicas, junto com – ocasionalmente –
alguns números reais.
É uma tarefa confusa, e mais confusa ainda pelo porte do
Império Romano. No tempo de Cálgaco, ele se estendia por
uma área do tamanho da metade dos Estados Unidos
continental e compreendia cerca de 60 milhões de
pessoas. Quarenta milhões (gregos, sírios, judeus,
egípcios) viviam nas sociedades complexas e urbanas de
sua porção oriental, e 20 milhões (celtas e germânicos),
nas sociedades mais simples, rurais e tribais, do ocidente.
Já vimos a opinião de Cícero sobre a violência na Ásia
grega antes da conquista romana, e outros escritores
fizeram com que os bárbaros do ocidente (como os
romanos depreciativamente os chamavam)13 parecessem
ainda piores. Lutas, ataques de surpresa e batalhas eram
atividades cotidianas dos bárbaros, diziam os romanos, e
todas as suas cidades eram fortificadas. Um cavalheiro
romano poderia se sentir mal trajado sem a toga, mas um
germânico sentia-se nu sem escudo e lança. Os bárbaros,
segundo insistiam os romanos, cultuavam cabeças
cortadas, que gostavam de dependurar do lado de fora das
portas de entrada (depois de adequadamente tratadas
com óleo de cedro para que não fedessem). Sacrificavam
seres humanos aos deuses irados, e às vezes até os
queimavam vivos dentro de estátuas trançadas com varas
flexíveis. Tácito foi taxativo: “Os germânicos não gostam
de paz”.
Não admira, portanto, que Cícero e seus pares achassem
que Roma fazia um favor a seus vizinhos ao conquistá-los.
E tampouco surpreende, como sugerem alguns
historiadores, que quando os estudos clássicos tomaram
forma no século XVIII a maioria de seus intelectuais mais
destacados concordasse com os romanos. Os europeus
também gostavam de pensar que estavam fazendo ao
mundo um favor ao conquistá-lo e, portanto, os
argumentos dos romanos pareciam-lhes perfeitamente
razoáveis.
No entanto, no século XX, depois que a Europa se retirou
do império, os estudos clássicos começaram a questionar a
imagem sanguinária que os romanos faziam dos povos que
conquistavam. Como alguns acadêmicos sugeriram, os
antigos imperialistas talvez estivessem tão desejosos de
pintar as vítimas como incivilizadas, corruptas e
necessitando ser conquistadas quanto a sua versão atual.
Cícero estava interessado em justificar a exploração dos
gregos; César, em fazer com que o ataque à Gália (mais ou
menos a moderna França) parecesse necessário; e Tácito,
em glorificar seu sogro, Agrícola.
Aceitar a ideia de César, de que os gauleses tinham
necessidade de ser conquistados, pode parecer tão
insensato quanto aceitar candidamente a hoje famosa
afirmação de Rudyard Kipling (à qual voltarei no capítulo
4), de que governar povos recém-capturados,
descontentes, era o fardo do homem branco. Felizmente,
no entanto, não precisamos ir atrás da opinião dos
romanos em nada, porque muitas outras vozes também
sobreviveram.
No Mediterrâneo oriental, gregos letrados da classe alta
escreveram relatos, às vezes bajulando os conquistadores
romanos; outras, se mostrando ferozmente anti-
imperialistas. O que surpreende, porém, é que todos eles
apresentam mais ou menos o mesmo retrato sinistro de
um mundo pré-conquista cheio de Estados falidos, piratas
e bandidos cruéis, e com uma espiral de guerras, levantes
e rebeliões.
Tomemos como exemplo uma inscrição esculpida na base
de uma estátua erguida em homenagem a outro
desconhecido, Felipe de Pérgamo, em 58 a.C. (Pérgamo
ficava na província da Ásia, e 58 a.C. foi apenas um ano
após o fim do mandato de Quinto Cícero como governador
da Ásia; Quinto e Felipe quase certamente se
conheceram.) Entre seus vários feitos louváveis, diz-nos a
inscrição, Felipe havia escrito uma história que pretendia
ser “uma narrativa de eventos recentes – pois todo tipo de
sofrimentos e constantes morticínios recíprocos têm
ocorrido em nossos dias na Ásia e na Europa, nas tribos da
Líbia e nas cidades dos ilhéus”. Felipe, ao que parece,
concordava com os irmãos Cícero que, sem a presença
romana, a Ásia teria sido um mau vizinho.
No Ocidente, poucos entre os conquistados sabiam
escrever, e quase nenhum de seus pensamentos
sobreviveu para que pudéssemos lê-lo, mas a arqueologia
sugere que nesse caso também os romanos sabiam do que
estavam falando. Muitas pessoas – talvez a maioria – de
fato viviam em fortificações muradas e valadas antes da
conquista romana, e, embora as escavações não possam
mostrar se os homens costumavam carregar armas, os
enlutados sem dúvida enterravam regularmente os pais,
irmãos, maridos e filhos com as armas (e às vezes com
escudos, peitorais e até com carros de guerra inteiros).
Eles queriam que seus homens fossem lembrados como
guerreiros.
Um dado espetacular é que os deuses celtas e
germânicos gostavam de fato de sacrifícios humanos.
Milhões de visitantes do Museu Britânico de Londres têm
visto o exemplo mais famoso, um cadáver de 2 mil anos de
idade muito bem preservado (até assusta!), retirado de um
pântano do Cheshire em 1984 – e imediatamente
apelidado de Pete Marsh.14 Em um dia de março ou abril,
uma década ou duas antes que os romanos chegassem à
Bretanha, essa alma perdida foi atordoada por dois golpes
na cabeça, apunhalada no peito, estrangulada e, por via
das dúvidas, afogada em um pântano. A análise de seu
intestino encharcado revelou visco, o que nos permitiu
saber em que mês morreu (o ano é mais difícil de
determinar). O visco era a planta sagrada dos druidas, que
– segundo Tácito e César – eram especialistas em
sacrifícios humanos, o que estimula muitos arqueólogos a
pensar que Pete Marsh foi vítima de algum ritual homicida.
Ao todo, as escavações permitiram encontrar várias
dezenas de corpos em pântanos, cujo aspecto indica que
possam ter sido sacrificados, além de locais onde as
pessoas cultuavam crânios. Então, em 2009, os
arqueólogos fizeram a impressionante descoberta de duas
centenas de cadáveres em um pântano de Alken Enge, na
Dinamarca. Muitos deles haviam sido despedaçados, e
seus ossos estavam misturados a cinzas, lanças, espadas e
escudos. As opiniões divergem quanto a eles terem sido
abatidos em combate ou sacrificados após uma batalha.
Claro, podemos estar fazendo uma interpretação
equivocada desses achados. Mortos enterrados com armas
e sacrifícios de humanos em pântanos não querem dizer
necessariamente que havia guerra por toda parte; os
restos das escavações poderiam, na verdade, significar
que a violência havia sido banida e substituída por rituais.
Muros e valas poderiam não ter nenhum intuito de defesa;
talvez fossem apenas símbolos de status, como aquelas
horríveis imitações de castelos que a elite vitoriana
gostava de construir em suas propriedades rurais.
Mas nada disso é muito convincente. A razão pela qual as
pessoas gastavam milhares de horas cavando valas e
erguendo muros era claramente para preservar a vida
delas. No forte localizado em Danebury, no sul da
Bretanha, onde foram feitas mais escavações, os grandes
portões de madeira e partes da vila foram incendiados
duas vezes, e após a segunda conflagração, por volta de
100 a.C., cerca de 100 corpos – muitos deles ostentando
reveladores ferimentos por armas de metal – estavam
empilhados em poços.
E Danebury não foi um caso isolado. Novos achados
impressionantes continuam surgindo. Em 2011,
arqueólogos britânicos relataram um local de massacre em
Fin Cop, em Derbyshire, onde nove corpos (um deles de
uma mulher grávida) foram encontrados em um trecho de
vala, enterrados na mesma época, por volta de 400 a.C.,
sob o muro desabado do forte. Os escavadores
especularam que mais dezenas – talvez centenas – de
vítimas ainda podem vir a ser descobertas.
Cícero estava absolutamente certo ao afirmar que o
mundo pré-romano era um lugar violento, mas Cálgaco
talvez não discordasse disso. A sua alegação era que a
conquista romana havia sido pior ainda.
Ninguém sabe ao certo quantas pessoas foram mortas
nas guerras romanas de expansão, que começaram na
Itália nos séculos V e IV a.C. e se espalharam pelo
Mediterrâneo ocidental no século III, pelo leste no século II
e pelo noroeste da Europa no século I. Os romanos, na
realidade, não fizeram essa conta (Figura 1.3), mas o total
pode ter ultrapassado 5 milhões. E mais gente ainda foi
arrastada para a escravidão. A afirmação de Cálgaco pede
um exame minucioso.
Bandidos estabelecidos
Para Gibbon, as razões para a satisfação do império eram
óbvias. Roma fora abençoada por bons governantes, que
se sentiam “mais do que bem pagos pela imensa
recompensa que acompanhava seu sucesso; pelo orgulho
honesto da virtude e pelo raro prazer de contemplar a
felicidade geral da qual eram os responsáveis”.
Para um punhado de homens dignos, tal teoria tem certo
apelo, sobretudo pela simplicidade. Se o que fez Roma
alcançar tanto sucesso foi de fato uma série de grandes
líderes, não precisaríamos chegar à desagradável
conclusão de que a guerra serviu para alguma coisa boa
nos tempos antigos. A conclusão simples poderia ser que
uma organização que tem chefes suficientemente bons
pode sobreviver praticamente a qualquer coisa. Talvez o
mundo antigo tivesse se tornado mais seguro e mais rico
apesar de suas guerras, e não por causa delas.
Mas a tese de Gibbon tem também pontos frágeis. O
primeiro é que havia limites quanto àquilo que os
imperadores antigos podiam de fato fazer. Roma com
certeza teve governantes enérgicos, que acordavam antes
do raiar do dia e trabalhavam até altas horas, respondendo
a cartas, concedendo audiências e tomando decisões. Mas,
para conseguir resultados, precisavam trabalhar com
vários níveis de burocratas, advogados e funcionários,
cada um deles com sua agenda. Mesmo os imperadores
mais dinâmicos – e homens como Augusto eram realmente
muito dinâmicos – tinham muito trabalho para produzir
mudanças.
Um segundo problema é que para cada Augusto o
império tinha também um Calígula ou um Nero, homens
nos quais preponderava o extravagante prazer de tocar
violino enquanto Roma ardia ou de fazer sexo com
parentes e nomear cavalos como cônsules, mais que a
vontade de cuidar do bem-estar dos súditos. Segundo as
pessoas que escreveram as histórias – ou seja, burocratas,
advogados e estudiosos –, Roma, no século I d.C., teve
mais imperadores ruins que bons (Tibério, Calígula, Nero e
Domiciano, todos eles muito malfalados, ficaram no poder
56 anos no total). Mesmo assim, esse século
provavelmente viu a paz e a prosperidade avançarem mais
rápido do que nunca.
Em suma, a impressão é que pastores sábios não teriam
condições de receber crédito por tornar a massa de
mortais comuns mais segura e mais rica. A maior parte do
tempo, as elites governantes de Roma não buscaram nada
mais do que seu próprio interesse. Mas, mesmo assim,
viram-se trilhando caminhos que realmente deixaram a
maioria em melhores condições.
Os Augustos desse mundo tornam-se governantes
derrotando seus rivais e mantêm-se no poder porque têm
mais força à sua disposição do que qualquer outro. Mas é
preciso pagar essa força. Um governante poderia
simplesmente saquear os súditos para ter com que pagar
os soldados (o modelo de devastação), mas no final não
sobraria mais nada para roubar. De qualquer modo, como
os piores governantes de Roma aprenderam regularmente,
os miseráveis da terra quase sempre se revoltam bem
antes que se atinja o ponto no qual já se tenha roubado
tudo deles.
A longo prazo, os governos só sobrevivem se os
governantes aprendem quando devem parar de roubar, e
também quando devem devolver um pouco. O economista
Mancur Olson expressou isso muito bem ao comparar
governantes com bandidos. O bandido típico, diz Olson, é o
saqueador. Ele entra em alguma comunidade, rouba tudo o
que for possível levar e vai embora. Ele não está
preocupado em quanto dano produz; a única coisa que lhe
importa é roubar o máximo possível e depois cair fora.
Os governantes também roubam o povo, reconhece
Olson, mas a grande diferença entre o Leviatã e o tipo de
bandido que estupra e saqueia é que os governantes são
bandidos estabelecidos. Em vez de roubar tudo e cair fora
rapidinho, eles ficam. E seu interesse é não só evitar o erro
de espremer até a última gota da comunidade, mas
também fazer o possível para promover a prosperidade
dos súditos, para que haja mais para tomar, embora mais
tarde.
Normalmente, para o governante, vale a pena gastar
algum dinheiro a fim de manter afastados outros
potenciais bandidos, pois ele não tem como cobrar
imposto daquilo que um bandido saqueia. Também faz
sentido acabar com a violência dentro da comunidade –
súditos mortos não podem servir exército nem pagar
impostos, e os campos devastados entre as cidades
tampouco produzem alimentos. Até mesmo aplicar
rendimentos da realeza ou aristocracia em estradas, portos
e bem-estar pode começar a parecer sensato, se os
investimentos trouxerem rendimento ainda maior dentro
de uma extensão de tempo razoável.
O Leviatã é uma fraude, mas ainda pode ser a melhor
alternativa. Governantes usam de fato a força para manter
a paz e depois fazem os súditos pagarem o serviço. Quanto
mais forem eficientes nisso, maior será o lucro. Ao longo
de gerações, pressões competitivas levaram os negócios
do governo romano rumo a soluções mais eficientes.
Permitir que coletores de impostos roubassem a ponto de
suas vítimas não conseguirem mais pagar impostos no ano
seguinte era ruim para os negócios, então Roma acabou
com isso; deixar que os moradores potencialmente
produtivos da cidade passassem fome era ainda pior,
então Roma construiu abrigos e até serviu comida de
graça. O autointeresse teve o bem-vindo efeito de tornar
os súditos do império mais seguros e ricos. O paradoxo da
guerra funcionava a todo vapor. Homens que dominavam a
violência construíram reinos, mas, para governá-los,
tiveram que virar administradores.
Como ocorre com muita frequência, Júlio César foi o caso
clássico. “Veni, vidi, vici” é a famosa frase latina a ele
atribuída: “Vim, vi, venci”. Mas ele poderia ter dito melhor:
“Veni, vidi, vici, administravi”; depois de vir, ver e vencer,
ele administrou, e fez isso de modo magnífico. Uma de
suas muitas reformas foi a adoção do calendário juliano,
ainda em uso 2 mil anos depois. Julho é uma homenagem
a ele.
Os antigos imperadores não eram economistas
keynesianos, ou seja, não ficavam calculando se um
sestércio gasto agora em manter a paz iria render dois
sestércios em impostos mais adiante. Muitos deles, porém,
eram homens determinados e inteligentes, que não só
entenderam os princípios do negócio entre Leviatã e seus
súditos, mas também enxergaram o valor de deixar que
todos soubessem que eles entendiam isso bem. Um dos
mais antigos textos políticos do mundo que sobreviveram
até nós, datado de 2360 a.C., trata exatamente desse
ponto. Nele, o rei Uru’inimgina (também conhecido como
Urukagina; reinou aproximadamente de 2380 a.C. a 2360
a.C.), monarca de Lagash, sul do atual Iraque, proclamou
ter “libertado os habitantes de Lagash da usura, de
administrações onerosas, de fome, roubo, assassinato e
sequestro. Ele fundou a liberdade. A viúva e o órfão não
estavam mais à mercê dos poderosos: foi por eles que
Uru’inimgina fez seu pacto com [o deus] Ningirsu”.
Augusto não poderia ter expressado isso melhor.
Uru’inimgina é uma figura nebulosa, praticamente
perdida na névoa do tempo, mas entendeu claramente o
valor de investir nessa mensagem. Em outro paralelo com
a atividade de negócios, uma substancial parte da arte de
governar tem a ver, na verdade, com confiança. Se o povo
suspeita que seus governantes são loucos, corruptos e/ou
idiotas, provavelmente irá se opor às suas exigências, mas,
se a administração parecer competente, justa e talvez até
avalizada pelos deuses, a sedução de conspirar contra ela
será menor.
Dito isso, pela chamada lei do bom senso o mundo antigo
necessariamente tinha sua cota de governantes loucos,
corruptos e/ou incompetentes. Os verdadeiros heróis da
história – os homens que de fato fizeram o Leviatã
funcionar – foram os burocratas, os advogados e seus
seguidores. Burocratas e contadores com frequência
criaram dificuldades para que Augusto pudesse fazer
muita coisa, mas, o que é mais pertinente ainda, também
criaram dificuldades para que Calígula fizesse mais das
suas.
As fontes que sobreviveram estão cheias de histórias de
atos de fúria dos imperadores contra senadores
obstrucionistas e escravos altamente instruídos que
administravam boa parte dos negócios da corte. Em geral,
esses episódios terminavam mal para os subordinados.
Mas por trás desses relatos vívidos podemos também
imaginar milhares de homens que tiveram vidas menos
glamourosas. Nas lápides erguidas por toda parte, da
Bretanha à Síria, homens relataram com orgulho os cargos
que haviam ocupado e as honrarias que tinham
conquistado, servindo em conselhos, coletando impostos,
e galgando caminho até os primeiros degraus da
graduação burocrática. “Eu, até mesmo eu”, orgulha-se
um norte-africano que começara trabalhando no campo,
“fui acolhido entre os senadores da cidade, que me
permitiram tomar assento nessa instituição... Passei os
anos sendo reconhecido pelos méritos da minha carreira –
anos que as más-línguas nunca conseguiram ferir com
uma acusação... E assim mereci morrer da forma que vivi,
honestamente”.
Não faltam testemunhos de que os administradores
médios do império podiam ser tão interessados em si
quanto os governantes, enchendo os bolsos e promovendo
seus parentes sempre que surgia a oportunidade. Mas
tampouco faltam sinais de que muitos mais eram de fato
sérios, trabalhadores e diligentes. Eles procuravam
assegurar que os aquedutos fossem construídos, que as
estradas fossem mantidas e que as cartas fossem
entregues. Mantiveram a Pax Romana em funcionamento.
Erros catastróficos podiam ocorrer, e Roma passou por
fases em que saía de uma crise para entrar em outra. Mas
a longo prazo as pressões eram inexoráveis. Guerreiros
conquistaram pequenos Estados, que os obrigaram a se
tornar administradores. A boa administração produziu
Estados mais eficientes, seguros e ricos, e os Estados
resultantes, eficientes, seguros e ricos, deram aos
administradores as ferramentas necessárias para competir
com Estados rivais. Isso, no entanto, obrigou os
administradores a voltar a ser guerreiros, a fim de excluir
seus rivais do negócio – violentamente.
A Besta
Numa clareira da selva, em uma ilha dos mares do sul, um
garoto chamado Simon depara com uma cabeça de porco
espetada numa vara.
“Que engraçado achar que a Besta é algo que vocês
podem caçar e matar!”, diz a cabeça.
Simon não responde. Sua língua está inchada de sede.
Sente o crânio latejar. Está prestes a ter um de seus
ataques.
Lá embaixo na praia, seus colegas estão dançando e
cantando. No início, quando esses estudantes se viram
como náufragos na ilha, tudo era diversão e brincadeira:
eles nadavam, assopravam conchas e dormiam sob as
estrelas. Mas, de modo quase imperceptível, sua pequena
sociedade foi se desagregando. Uma sombra insinuou-se,
minando a amizade deles, assombrando a floresta como
uma Besta má.
Isso durou até certo dia em que um bando de caçadores
adolescentes empalou uma porca que cuidava de suas
crias. A porca berrava. Os garotos, por sua vez, gritavam
excitados, salpicavam um ao outro de sangue e
planejavam o banquete. Mas, primeiro, admitiu o líder
deles, havia uma coisa que eles precisavam fazer. Com um
sorriso arreganhado, ele cortou aquela cabeça, arrancou-a
da carcaça e espetou-a em um pau afiado que haviam
usado para matar o animal. “Essa cabeça é para a Besta”,
gritou ele para a floresta. “É uma oferenda.”
E, com isso, os garotos todos desataram a correr,
arrastando a carne para a praia – todos exceto Simon, que
ficou agachado, sozinho, na luz irreal, salpicada de cores,
da clareira.
“Você sabe”, pergunta a cabeça de porco, “que eu sou
parte de você, não sabe? Que estou perto, perto, perto!
Que eu sou a razão pela qual não há saída? A razão pela
qual as coisas são o que são?”
Simon sabe. Seu corpo arqueia e enrijece; o ataque está
tomando conta dele. Ele cai para a frente em direção à
boca do porco que vai se abrindo. O sangue escurece entre
os dentes, cheio de moscas zumbindo, e há um negrume
dentro, um negrume que se espalha. Simon sabe: a Besta
não pode ser morta. A Besta somos nós.
É isso que nos diz William Golding em seu inesquecível
romance O senhor das moscas. Perdida no Pacífico, longe
de escolas e de regras, uma dezena de garotos aprende a
triste verdade: os humanos são assassinos compulsivos;
nossas psiques são programadas para a violência. A Besta
somos nós, e há apenas uma frágil crosta de civilização
para mantê-la sob controle. Dada a menor oportunidade, a
Besta escapa. Essa, diz Golding, é a razão pela qual não
existe saída. A razão que levou Cálgaco e Agrícola a
guerrear, em vez de negociar.
Ou será que existe saída? Outra ilha dos mares do sul,
talvez não muito distante da ilha de Golding, parece nos
contar uma história diferente. Assim como o romancista
Golding, a jovem futura antropóloga Margaret Mead
suspeitava que naquele ambiente mais simples, onde
brisas balsâmicas sopravam e palmeiras frondosas
beijavam as ondas, ela conseguiria ver a madeira retorcida
da humanidade17 despida do seu verniz de civilização. Mas,
ao contrário de Golding, que, na realidade, nunca
conheceu o Pacífico (apesar de quase ter sido designado
para lá no comando de uma barcaça de desembarque ao
fim da Segunda Guerra Mundial), ela abandonou a cidade
de Nova York e instalou-se em Samoa em 1925 (Figura
1.6).
“Conforme amanhece”, escreveu Mead em seu clássico
de antropologia Coming of age in Samoa, “os amantes se
insinuam para dentro de casa vindo de seus encontros
amorosos sob as palmeiras ou à sombra de canoas
deixadas na praia, para que a luz possa encontrar cada um
dormindo em seu lugar.”
16 Até onde podemos saber, o que Ptolomeu e Átalo realmente amavam eram
as mulheres da própria família. Depois de seduzir sua enteada, Ptolomeu casou-
se com a irmã (o que significa que sua enteada era também sua sobrinha),
enquanto a atração de Átalo pela própria mãe causou impacto mesmo nos
cosmopolitas gregos como algo não saudável (o outro amor da vida de Átalo era
o cultivo de plantas venenosas, para o qual ele tinha, ao que parece, um
verdadeiro talento).
Enjaulando a Besta:
a maneira produtiva de guerrear
A jaula
Outro mapa nos ajudará a responder a essa nova
pergunta. A Figura 2.3 mostra os mesmos impérios antigos
que a Figura 2.2, mas com alguns detalhes adicionais. As
áreas marcadas em cinza-escuro mostram as regiões
cultiváveis onde os homens inventaram a agricultura,
entre cerca de 10000 e 5000 a.C. O início da agricultura foi
um dos dois ou três reais momentos decisivos na história
humana, que descrevi com algum detalhe em meu livro
Why the west rules – For now, mas volto a isso agora,
devido à coincidência entre os lugares onde a agricultura
começou e aqueles onde os antigos impérios surgiram
vários milênios mais tarde. A razão pela qual a guerra fez
surgir o Leviatã nessas latitudes afortunadas, enquanto a
vida fora delas continuou pobre, desagradável e
embrutecida como sempre, é que a agricultura tornou a
guerra produtiva.
24 Esse é o meu candidato para o conflito com nome mais peculiar da história.
O casus belli foi uma decisão da guarda costeira espanhola de cortar a orelha
esquerda de um comerciante britânico chamado Robert Jenkins, em 1731.
Durante oito anos o governo britânico não fez nada a esse respeito, mas em
1739 decidiu que a guerra era a única reação possível.
28 Estou dando uma indicação da minha idade, mas na minha mente há poucos
exemplos melhores de disciplina diante da violência do que Muhammad Ali e Joe
Frazier obrigando-se a voltar para o centro do ringue em 1975, com concussões
e meio cegos, para rounds seguidos de ataques selvagens. Ali descreveu a
experiência como algo “próximo da morte”.
Figura 2.5. Gritando socorro: pintura de caverna pré-histórica, no
abrigo em pedra de Los Dogues, Espanha, representando uma luta
caótica. A data é entre 10000 e 5000 a.C.
Figura 2.6. O nascimento da disciplina: esse relevo esculpido,
conhecido como Estela dos Abutres e feito em Lagash (atual Iraque)
por volta de 2450 a.C., é a mais antiga representação que se
conhece de soldados postados em fileiras regulares.
Os limites do império
O plano não deu certo. Em vez de voltar para a Caledônia,
Agrícola preferiu a aposentadoria sob o generoso sol
italiano. A nata de seu exército foi transferida para os
Bálcãs, e os demais voltaram para uma série de fortes ao
longo do norte da Inglaterra. Seus dias de conquista
haviam terminado.
Desde 1973, os arqueólogos têm escavado
meticulosamente um conjunto de depósitos de lixo
insalubres em Vindolanda, uma das fortalezas romanas.
Em uma das fossas, tão encharcada de urina e fezes que o
oxigênio não conseguia penetrar nela, encontraram
centenas de cartas de soldados, escritas com tinta sobre
pedaços de madeira. A mais antiga era da década de 90
d.C., logo após as campanhas de Agrícola. Existem
algumas muito interessantes, incluindo um convite para
uma festa de aniversário, mas a maioria transmite apenas
tédio. Os soldados romanos do século I na Bretanha, ao
que parece, pensavam mais ou menos nas mesmas coisas
que os soldados norte-americanos no Afeganistão no
século XXI: notícias de casa, o tempo ruim, e os eternos
pedidos de cerveja, meias quentes e comida saborosa. A
vida nas guarnições militares não mudou muito nos
últimos 2 mil anos.
Nesses fortes, os remanescentes do exército de Agrícola
permaneceram pelos 40 anos seguintes. Eles escreviam
para casa, lutavam em pequenas escaramuças mortais
com os caledônios (“há muitos cavalarianos”, observa
outro memorando de Vindolanda, encharcado de urina) e –
sobretudo – aguardavam. Somente na década de 120 d.C.
foram transferidos, mas não para novos triunfos. Em vez
disso, o imperador Adriano colocou-os para construir a
grande muralha ao longo da Bretanha que leva seu nome.
Roma havia desistido da conquista do norte (Figura 3.1).
Figura 3.1. Os limites do império no Ocidente: locais da Eurásia
ocidental mencionados neste capítulo.
Cavalo de guerra
Os antigos impérios alcançaram – e superaram – seus
pontos culminantes porque, por volta do século I d.C., a
guerra produtiva os havia enredado em complicações com
os cavaleiros das estepes. Esse foi um processo longo e
persistente, que tornou muito mais difícil para os
imperadores a tarefa de identificar o que estava
acontecendo. Vimos no capítulo 2 que as complicações
começaram já em 850 a.C., quando o Império Assírio
passou a comprar os novos cavalos grandes – fortes o
suficiente para carregar um soldado no lombo – que os
pastores das pradarias haviam conseguido criar. Ao longo
dos séculos que se seguiram, os impérios continuaram se
expandindo. Seus agricultores lavraram as beiradas das
estepes para cultivar grãos, e seus comerciantes
avançaram mais pela Ásia central para comprar animais; e,
à medida que faziam isso, os nômades, ao longo da
fronteira ecológica onde pradarias áridas se confundiam
com campos cultivados, perceberam que não tinham
opção. Com frequência, viram eles, era melhor vender os
cavalos aos agentes imperiais do que ficar correndo de
oásis em oásis para combater com outros cavaleiros
disputando alguns bocados de água lamacenta. Melhor
ainda, aprenderam eles, quando os imperialistas não lhes
pagavam o preço que pediam, podiam fazer incursões nos
impérios e levar o que quisessem de camponeses pacíficos
e desarmados.
Temos as primeiras notícias sobre um império
enfrentando dificuldades com nômades da estepe em
fontes assírias anteriores a 700 a.C. A Assíria se expandira
pelas montanhas do Cáucaso até o começo das estepes
(Figura 3.3). Quando cavalarianos da Cítia começaram a
aterrorizar as terras fronteiriças, os reis assírios
contrataram alguns nômades para combater os outros
nômades. Mas logo descobriram que as características que
haviam tornado os citas atraentes como empregados –
mobilidade e ferocidade – também os tornavam
incontroláveis. As sementes do desastre estavam sendo
plantadas.
No século VII a.C., bandos de citas passaram a agir por
conta própria, roubando quem quer que aparecesse pela
frente e efetivamente assumindo o controle do que hoje
corresponde ao norte do Iraque, da Síria e ao leste da
Turquia. “A vida virou um caos devido à sua agressão e
violência”, escreveu o historiador grego Heródoto, “pois
eles cavalgavam por toda parte, levando tudo embora.” Na
década de 610, rebeldes anti-Assíria contrataram seus
próprios citas, e antes que a década terminasse o império
estava arruinado. Isso, no entanto, deixou os rebeldes
vitoriosos com um problema: o que fazer com os citas.
Acabaram resolvendo o problema na década de 590
(segundo Heródoto, embebedando os líderes citas e
matando-os).
Figura 3.3. Ataques nas estepes: um milênio de guerras assimétricas,
por volta de 700 a.C.-300 d.C.
O cemitério de impérios
Os aristocratas dos antigos impérios odiavam os nômades.
Para Heródoto, as práticas de escalpo dos citas diziam
tudo. “Quando um cita mata seu primeiro homem, ele
bebe um pouco de seu sangue e leva sua cabeça para o
rei”, registrou ele. Depois, “corta a cabeça em círculo ao
redor das orelhas e, segurando-a, arranca a pele fora. Em
seguida, raspa essa pele com uma costela de boi e a
amassa com as mãos até que fique maleável; então passa
a usá-la como guardanapo”. Mil anos mais tarde, o escritor
romano Amiano Marcelino foi ainda mais direto a respeito
dos hunos. “Eles têm um corpo atarracado, membros
fortes e pescoço grosso”, afirmou, “e são tão horrendos e
deformados que parecem animais sobre duas pernas.”
O que deve ter realmente alarmado esses senhores
civilizados, no entanto, não foram os nômades sujos que
atacavam montados a cavalo. Foram os ainda mais
imundos micróbios que vinham cavalgando os nômades.
Até o século XX d.C., o maior assassino da guerra sempre
foram as doenças. Ao juntar milhares de homens,
compactá-los em espaços reduzidos, alimentá-los mal e
deixá-los chafurdar na própria sujeira, os exércitos
funcionaram como placas de Petri, nas quais os micróbios
podiam multiplicar-se loucamente. Em campos
superlotados, sem condições de higiene, vírus exóticos
prosperavam mesmo depois de ter matado seus
hospedeiros humanos, pois sempre havia outro hospedeiro
ao qual se agarrar. Disenteria, diarreia, tifo e tuberculose:
sempre foi essa a sina dos soldados.
Mas em 161 d.C., ano em que Marco Aurélio assumiu o
manto imperial púrpura em Roma, algo ainda pior estava
em formação. Ouvimos falar disso primeiro na fronteira
noroeste da China, onde, como era muito comum, um
grande exército lutava contra os nômades das estepes. Os
relatos descrevem uma nova doença enigmática, que em
poucas semanas matou um terço dos homens nos campos
de batalha. Quatro anos mais tarde, infecções igualmente
terríveis grassaram pelas bases militares romanas na Síria.
A doença alcançou a cidade de Roma em 167 d.C., onde
matou tanta gente, que Marco Aurélio adiou sua partida
para o Danúbio e dedicou-se a rituais para proteger a
cidade. Quando seu exército partiu para o front, levou a
doença junto.
Descrições de testemunhas dão a impressão de que a
praga era parecida com a varíola. Os geneticistas ainda
poderão confirmar com base em DNA antigo, mas
podemos estar razoavelmente seguros de que a causa da
eclosão desses surtos ao mesmo tempo em ambas as
extremidades da Eurásia foi a queda das pedras de dominó
nas estepes. Por milhares de anos, cada uma das grandes
civilizações eurasianas havia desenvolvido seu próprio
conjunto de doenças. No perfeito estilo Rainha Vermelha,
patógenos letais e anticorpos protetores competiam entre
si, correndo cada vez mais rápido, mas sem chegar a lugar
nenhum, mantendo-se corpo a corpo em um equilíbrio
doentio. Entre a quarta parte e um terço de todos os bebês
morriam no prazo de mais ou menos um ano após o
nascimento; poucos adultos sobreviviam após os 50 anos;
e, mesmo quando as pessoas desfrutavam do que era
considerado boa saúde, seus corpos transbordavam de
germes.
A distância havia mantido esses conjuntos de doença
separados, mas o sucesso da guerra produtiva mudou isso.
Conforme os impérios cresciam, populações migrantes se
movimentavam entre eles, particularmente ao longo das
estepes. Essa mobilidade misturou os conjuntos de
doenças que antes permaneciam isoladas, produzindo um
perverso coquetel epidemiológico novo para todos. Não
eram muitos os que tinham a sorte de ter nascido com
anticorpos capazes de combater essas doenças, e até que
seus robustos genes se espalhassem pelo grupo de
sobreviventes (o que podia demorar séculos) as pragas
continuaram voltando.
Os melhores registros vêm do Egito, onde, ao que
parece, a população caiu em 25% entre 165 e 200 d.C. Em
outras partes, somos obrigados a conjeturar a partir de
vestígios arqueológicos, mas estes sugerem que a
experiência egípcia foi amplamente compartilhada. Com
menos pessoas, os impérios então esforçaram-se para
recrutar soldados para seus exércitos e recolher impostos
para poder pagá-los. Isso tornou mais difícil manter as
pedras do dominó em pé ao longo das fronteiras das
estepes, e os governantes romanos e han viram com
horror suas fronteiras desabarem e as grandes migrações
espalharem doenças com maior rapidez ainda. E, se tudo
isso já não bastasse, a mudança climática também
acelerou seu passo em apenas três anos. Tanto em núcleos
de gelo da Antártica como em turfeiras da Polônia, os
climatólogos veem sinais de que o mundo estava ficando
mais frio e mais seco. O esfriamento global encurtou as
estações de cultivo dos agricultores, reduziu as colheitas e
colocou ainda mais migrantes em movimento pela Eurásia,
atrás de melhores condições climáticas.
Exauridas por migrações, doenças e colheitas em
declínio, as complicadas redes de impostos e comércio que
haviam sido construídas por séculos de guerra produtiva
começaram a se desfazer. Na China, à medida que a coleta
de impostos encolheu e os custos da defesa das fronteiras
ficaram maiores, alguns servidores civis do século II d.C.
passaram a sugerir que o caminho mais sábio era
simplesmente parar de pagar os soldados. Afinal,
raciocinaram eles, a fronteira ocidental onde os
rebeldes/invasores qiang produziam tantos danos estava
muito longe da capital Luoyang; será que as coisas iriam
piorar tanto assim se o governo apenas deixasse o exército
se virar por conta própria?
A resposta: sim, as coisas iriam piorar muito. Os soldados
viraram bandidos, saqueando os camponeses que
supostamente estavam defendendo, e os generais viraram
chefes guerreiros, que obedeciam apenas às ordens que
lhes convinham. “Esses, que são os mais fortes e corajosos
do império”, observou o oficial Gong Ye, “são temidos pelas
pessoas comuns.” Em 168 d.C., com as pragas brotando
por toda parte e o exército desintegrando-se, os eunucos
palacianos armaram um golpe contra o imperador de 12
anos e o círculo de amigos e parentes que controlavam sua
política. Foi um desastre. O governo esfacelou-se
totalmente, já que os servidores civis mataram-se aos
milhares em manobras de expurgo e contraexpurgo. A lei e
a ordem também começaram a desmoronar, e as rebeliões
fizeram incontáveis vítimas ao longo das décadas de 170 e
180. Em 189, o mais terrível dos chefes guerreiros da
fronteira ocidental marchou sobre Luoyang, incendiou a
cidade e sequestrou o último menino imperador (este de
apenas 8 anos).
Durante os 30 anos seguintes, um líder após outro abriu
caminho no reino à base de saques, afirmando que a
intenção era restaurá-lo, até que em 220 o Império Han
finalmente dividiu-se em três reinos combatentes. As
fronteiras se dissolveram, centenas de milhares de qiang e
nômades da Ásia central migraram para o norte da China,
e milhões de chineses étnicos fugiram do norte para o sul
da China. Os oficiais até pararam de tentar contar os
mortos.
Roma seguiu o mesmo caminho. Com a população, a
agricultura e o comércio em queda livre, os imperadores,
de mãos atadas por falta de recursos financeiros,
restringiram o soldo dos soldados ou depreciaram a moeda
para fazer seu limitado estoque de prata render mais. O
resultado, previsível, foi que a cunhagem de moeda sem
valor alimentou uma inflação perversa, enfraquecendo
ainda mais a economia.
Os soldados, enraivecidos, decidiram assumir o controle
da situação. Em 193 d.C. e de novo em 218 a guarda
imperial vendeu o trono pelo melhor lance, e entre 218 e
222 o império foi governado – se é que se pode usar esse
termo – pelo enlouquecido adolescente Heliogábalo, que se
destacou mesmo entre os imperadores romanos por sua
corrupção, crueldade e incompetência. Entre 235 e 284,
Roma teve, dependendo de como se fizer a contagem,
nada menos que 43 imperadores. A maioria eram militares,
e todos morreram de forma violenta, exceto um, que foi
levado embora pela peste. Dos outros 42 imperadores, os
invasores godos mataram um em batalha, e os persas
sassânidas capturaram outro, que enfiaram em uma jaula,
submetendo-o a ridicularizações e torturas até que se
cansaram disso e o mataram. Os 40 restantes foram todos
mortos por patrícios romanos.
Forçados a enfrentar múltiplas ameaças militares, os
imperadores não tinham escolha a não ser confiar grandes
exércitos a generais subordinados, mesmo que esses
subordinados repetidas vezes retribuíssem a confiança de
seus governantes desferindo-lhes golpes (e isso apesar de
praticamente nenhum deles conseguir sobreviver à
promoção a imperador por mais de uns poucos meses).
Quando um general se rebelava, seu exército normalmente
abandonava o posto na fronteira a fim de poder lutar na
guerra civil, deixando o império vulnerável a qualquer um
que quisesse entrar.
Os godos construíram navios, navegaram pelo mar Negro
e saquearam a Grécia. Os francos (baseados então no que
hoje chamamos de Alemanha) invadiram a Gália e a
Espanha. Outros germânicos atacaram a Itália, enquanto
os mouros invadiram o norte da África e os persas
sassânidas queimaram as prósperas cidades da Síria.
Compreendendo que o governo central não era capaz ou
não se disporia a protegê-las, as províncias orientais e
ocidentais formaram seus próprios governos, e em 260
d.C. o Império Romano – como o Império Han – dividiu-se
em três Estados menores.
A ruptura sangrenta de grandes impérios tornava-se
comum. Na Índia, o Império dos Kushana, derrotado pelos
exércitos persas sassânidas e pelos invasores citas,
dividiu-se em dois na década de 230. O reino ocidental foi
absorvido pela Pérsia após uma derrota final em 248, e na
década de 270 o reino oriental encolheu e virou quase
nada depois de perder o controle das cidades do Ganges.
Mais longe, ao sul, o grande império comercial de
Satavahana, do século II, também lutava para conter os
citas, e também caiu em 236.
Mancur Olson, o economista de quem tomei emprestado
o termo “bandidos estabelecidos” no capítulo 1, gostava
de destacar o contraste entre esses ladrões relativamente
benignos e os “bandidos itinerantes”, totalmente malignos.
Enquanto os bandidos estabelecidos vinham, viam e
conquistavam, e depois administravam, os bandidos
itinerantes vinham, viam, roubavam e caíam fora. Os
impérios do primeiro milênio antes de Cristo floresceram
em grande parte porque seus bandidos estabelecidos
foram geralmente fortes o suficiente para manter os
bandidos itinerantes a distância, mas por volta do século III
d.C. as coisas não eram mais assim. Em quase todas as
partes da Eurásia, a guerra tornou-se contraproducente,
dilacerando os antigos impérios, imensos, pacíficos e
prósperos.
Em quase todas as partes – mas não em todas. A grande
exceção à regra do século III, de colapso dos impérios, foi a
Pérsia, onde, após destronar os partos em 224 d.C., a nova
dinastia sassânida tornava-se cada dia mais forte. Ela
esmagou os exércitos dos kushana e dos romanos, fez
recuar os nômades das estepes e centralizou o poder. Por
volta de 270, quando o grande conquistador Shapur I
morreu, a capital sassânida, Ctesifonte, era uma das
maiores cidades do mundo.
Mas um exame mais detido revela que a exceção
sassânida não foi de modo algum uma exceção, pois a
regra nesses anos não era simplesmente a queda de
impérios. Ao contrário, os 1.200 anos entre cerca de 200
d.C. e 1400 d.C. foram uma era de ciclos de guerras
produtivas e contraproducentes. Como vimos nos capítulos
1 e 2, os milênios que levaram até 200 d.C. foram uma era
de Leviatãs em expansão, de prosperidade crescente e de
queda dos índices de morte por violência, e, como
veremos nos capítulos 4 a 7, isso é ainda mais verdadeiro
para os séculos a partir de 1400 d.C. Mas as longas Idades
Médias que separam esses dois períodos constituíram um
interlúdio complicado, tumultuado e violento.
Trata-se de um enredo intrincado. Durante um tempo, no
final do século III, parecia que o ressurgimento sassânida
era de fato o primeiro exemplo de uma nova tendência em
direção a uma recuperação imperial. Depois de meio
século de anarquia, Roma recuperara o controle de toda a
bacia do Mediterrâneo por volta de 274, a dinastia Jin
ocidental reunificara a China em um único império por
volta de 280 e na década de 320 a dinastia Gupta
começara a fazer o mesmo na Índia. A essa altura, porém,
a recuperação já se encerrava em outras partes da
Eurásia. Nômades xiongnu incendiaram as antigas cidades
da China, executaram uma série de imperadores jin
ocidentais e massacraram milhões de refugiados.
Seguiram-se 60 anos de lutas, até que em 383 parecia que
uma nova dinastia estava prestes a unificar a China de
novo, mas seu exército misteriosamente se dispersou em
pânico após uma derrota de menor relevância, e outro
ciclo de massacres tomou conta do leste asiático.
Roma também retrocedeu para o caos no final do século
IV. Os godos destruíram os exércitos de campo do império
em Adrianópolis em 378 e as fronteiras começaram a se
dissolver. Migrações para o ocidente dos hunos (os mais
aterrorizantes de todos os antigos nômades) derrubaram
mais peças de dominó, e, na véspera do ano-novo de 406,
milhares de germânicos cruzaram o rio Reno congelado. A
Europa ocidental viveu uma espiral de violência e caos, e
em 476 – apenas 70 anos após a queda da fronteira do
Reno – um rei germânico anunciou que a metade ocidental
do Império Romano havia deixado de existir.
Em 484, parecia que a Pérsia sassânida teria o mesmo
destino, pois outro ramo de hunos dizimou seu exército e
matou seu rei. Mas os sassânidas resistiram, e por volta
dessa época a China também encaminhava-se de volta à
unidade. No século V, outra nova dinastia reunificou a
região do rio Amarelo, e em 589 a dinastia Sui finalmente
fez a China inteira voltar a ter um governo único.
Por alguns anos tumultuados, o Mediterrâneo também
parecia voltar à unidade. Na década de 520, Justiniano,
governador do Império Bizantino – como se costuma
chamar a porção sobrevivente (oriental) do antigo Império
Romano –, reconquistou a Itália e partes da Espanha e
norte da África. Por volta de 550, porém, a expansão havia
cessado, e no século VI novas invasões fizeram os
bizantinos recuar. A Índia teve uma trajetória igualmente
dura: depois de 467, o Império Gupta começou a se
desintegrar diante dos ataques de outro ramo dos hunos,
e, apesar de uma grande vitória sobre os nômades em
528, em 550 o império, para todos os efeitos, havia virado
história. E isso continuou, um século de caos após outro,
por todas as latitudes afortunadas da Eurásia.
Não tentei atenuar o fato de que essa é uma narrativa
confusa, e acho que a Figura 3.6 resume essa confusão
muito bem. O gráfico divide as latitudes afortunadas em
quatro regiões (Europa, Oriente Médio, China e Índia) e
mapeia a dimensão geográfica do maior império em cada
uma delas ao longo dos primeiros 14 séculos depois de
Cristo. Devemos reconhecer que há todo tipo de problemas
técnicos em se usar apenas o tamanho como medida do
leviatanismo (e com esse termo me refiro à força do
governo centralizado). O mais óbvio é o grande pico na
curva do Oriente Médio entre 650 e 850 d.C., que
representa os califados Omíada e Abássida estabelecidos
pelos árabes. Em tese, os califas que governavam de
Damasco a Bagdá controlavam 11 milhões de quilômetros
quadrados, um dos maiores impérios da história, mas na
prática quase ninguém fora da Síria e do Iraque tinha
algum conhecimento desses califas. O pico indiano por
volta de 150 d.C., representando o Império dos Kushana,
levanta outro problema: os kushana governavam 6 milhões
de quilômetros quadrados, mas a maior parte dessa área
era praticamente desabitada.
Figura 3.6. Uma desgraça após outra? A ascensão e queda (e mais
ascensões e quedas) de Leviatãs nas latitudes afortunadas da
Eurásia, conforme refletidas pelo tamanho do maior Estado de cada
região, 1 d.C.-1400 d.C.
Impérios fantasmas
Mas não permaneceram ali; como os espectros de
Hollywood, os impérios ressurgiram do mundo dos mortos
repetidas vezes.
Vamos pegar o caso da China. Quando o monge budista
Yang Xuanzhi visitou a antiga capital Luoyang em 547, a
desolação deixou-o chocado. “Os muros da cidade haviam
desabado, os palácios e casas estavam em ruínas”,
escreveu ele. Apenas 13 anos antes, uma grande rebelião
havia saqueado a cidade, matado sua população e dividido
o reino Wei do norte, que por um breve tempo reunificara
essa parte da China em dois Estados combatentes. Desde
então, disse Yang, “animais dos campos haviam feito suas
tocas nos degraus cheios de mato do palácio e pássaros da
montanha montavam seus ninhos nas árvores do pátio.
Pastores itinerantes vagavam pelas estradas, e
agricultores plantavam painço entre as torres cerimoniais”.
Mas, apenas 30 anos depois da visita de Yang, o norte da
China havia sido reunificado, e outros 12 anos mais tarde,
em 589, a maior parte da China estava sob o domínio da
dinastia Sui. A China retomara seu caminho encosta acima
como se vê na Figura 3.6.
As guerras contraproducentes, como as produtivas,
tinham seus pontos culminantes, e depois de atingi-los os
homens que haviam se destacado na violência viam-se
(como os governantes da antiguidade) gastando menos
tempo em matar e mais tempo em reuniões. “Entenda
essa verdade”, disse um príncipe persa ao seu filho por
volta de 1080: “O reino pode ser mantido pelo exército, e o
exército pelo ouro; e o ouro é adquirido por meio do
desenvolvimento agrícola; e o desenvolvimento agrícola
por meio de justiça e equidade. Portanto, seja justo e
equitativo”.
Os conquistadores que se recusavam a aprender essa
verdade não duravam muito. Depois de reunificar a China
em 589, a dinastia Sui continuou recrutando exércitos cada
vez maiores e lançando-os em desastrosas guerras na
Coreia. Na década de 610, seus súditos deram um basta
nisso, e durante um tempo parecia que a China
descambava de novo para a anarquia feudal. O banditismo
aumentou, o número de lares que pagavam impostos caiu
75% e a maior parte da zona rural foi tomada por chefes
guerreiros (incluindo milhares de monges budistas
militantes, ao que parece não muito convencidos de seus
próprios princípios de não violência). Mas os vencedores
das guerras civis, que se estabeleceram como a dinastia
Tang, haviam aprendido bem as lições da guerra produtiva.
“O governante depende do Estado”, escreveu o imperador
Taizong, “e o Estado depende de seu povo. Oprimir o povo
para fazê-lo servir o governante é como alguém cortar a
própria carne para alimentar o estômago. O estômago fica
satisfeito, mas o corpo fica ferido: o governante enriquece,
mas o Estado é destruído.”
Tão bons quanto o seu discurso, os monarcas Tang deram
anistias, promoveram oficiais talentosos sem se importar
com suas lealdades anteriores e reestruturaram um
serviço civil profissional. Definindo ele mesmo o padrão,
Taizong ficou conhecido por mandar seus burocratas
dependurarem lembretes nas paredes de seu dormitório,
para que ele pudesse estudá-los todas as noites antes de
adormecer. Ele até trouxe a bordo os rebeldes budistas,
contratando aqueles que se renderam para fazê-los rezar
pelos mortos de guerra (de ambos os lados), em novos
mosteiros construídos nos locais de suas maiores batalhas.
E os governantes tang tampouco se acomodaram. Como
descendentes dos nômades invasores, eles entendiam as
políticas das estepes suficientemente bem para saber
como semear a dissensão entre as tribos túrquicas que
ficavam na frente deles, do outro lado da Grande Muralha.
Em 630, na pesada neblina da manhã, enviaram uma
carga de 10 mil homens de cavalaria para varrer do mapa
o acampamento de turcos orientais na batalha da
Montanha de Ferro, e pelos 50 anos seguintes a fronteira
da China esteve em segurança.
Mas o feito que realmente elevou os governantes tang
acima dos reis feudais foi o restabelecimento do controle
civil sobre os militares. Como homens práticos, eles
fizeram acordos com nobres poderosos quando
precisavam, mas se recusaram a trocar terra por serviço
militar. Em vez disso, mantiveram todos na folha de
pagamento tang e até revogaram concessões de terras
feitas pelas dinastias anteriores. Fizeram rotações dos
generais por todo o império para evitar que criassem laços
locais muito fortes. Um oficial que deslocasse mesmo que
fosse apenas dez soldados sem permissão corria o risco de
ficar um ano na cadeia; quem deslocasse um regimento
podia ser estrangulado.
Os tang basicamente fizeram tudo certo, e o século VII
transformou-se em uma fase áurea do leste asiático. A paz
foi restaurada, a economia expandiu-se enormemente e a
poesia chinesa alcançou o auge de perfeição. Os exércitos
tang invadiram a Coreia e os oásis da Ásia central; o
pensamento chinês marcou de modo indelével o Japão e o
sudeste asiático. No entanto, apesar desses triunfos, nem
mesmo os tang conseguiram romper o ciclo de guerras
produtivas e contraproducentes.
Por volta de meados do século VIII, a China havia ficado
tão rica que os nômades túrquicos das estepes formaram
novas confederações para saqueá-la. Para se defender, os
tang precisavam colocar exércitos cada vez maiores em
suas fronteiras, e em 755 um de seus generais – um turco
que havia passado para o lado chinês – rebelou-se. O
governo sufocou a revolta, mas seus métodos, que
envolviam conceder enormes poderes a outros generais e
convidar mais grupos de turcos para participar de seu
império e lutar ao lado deles contra os grupos de turcos
que já haviam invadido, levaram a desastres ainda piores.
Houve breves períodos em que a esperança brilhou de
novo, mas no geral o império passou o século e meio
seguinte em queda livre. A segurança desapareceu quase
totalmente. As quadrilhas criminosas ficaram fortes o
suficiente para vencer o exército imperial em batalhas
campais, e em 883 o mais poderoso dos fora da lei
(conhecido entre seus amigos como o Generalíssimo
Invasor do Paraíso e por seus inimigos como o Bandido
Louco) chegou a saquear Chang’an. Antes do surgimento
do Bandido Louco, Chang’an era a maior cidade do mundo,
abrigando talvez 1 milhão de pessoas. Depois, o cenário
mudou; segundo o poeta Wei Zhuang (que estava lá):
Sem saída
A revolução nos assuntos militares que trouxe a guerra
montada para as latitudes afortunadas entre 500 a.C. e
500 d.C. foi diferente da maioria das revoluções anteriores.
Essas revoluções anteriores – o surgimento de fortificações
e da guerra por meio de cercos após 4300 a.C., as armas e
armaduras de bronze depois de 3300 a.C., a disciplina em
algum ponto entre 3300 e 2450 a.C., as massas de
infantaria armada de ferro por volta de 900 a.C. – haviam
geralmente incrementado a força das latitudes
afortunadas, dando aos Leviatãs ferramentas para sufocar
conflitos internos e conquistar seus vizinhos, criando
sociedades maiores. Mesmo os carros de guerra,
inventados nas estepes por volta de 2000 a.C., haviam em
última instância funcionado melhor nas mãos dos impérios
do que nas dos invasores, porque só os impérios tinham
como bancar a construção de veículos e treinar cavalos
aos milhares.
Com o surgimento da cavalaria, no entanto, provou-se
impossível converter a riqueza, a organização e a
superioridade numérica das latitudes afortunadas em
vitórias sobre os nômades. O problema insuperável era
que os nômades dominavam terras que eram perfeitas
para criar cavalos. A maioria das tribos tinha mais cavalos
do que pessoas, e essas praticamente viviam sobre as
selas. Mesmo os impérios agrários mais ricos e inteligentes
(principalmente a China do período tang) só eram capazes
de obter vantagens temporárias, que acabavam sendo
anuladas por má sorte, erros de avaliação ou surgimento
de uma federação nômade particularmente poderosa.
Aquilo de que as latitudes afortunadas precisavam era
outra revolução nos assuntos militares para fazer a
balança pender de novo a seu favor, mas não houve
nenhuma. Para cada avanço técnico que se traduzia em
vantagem para as latitudes afortunadas (como melhores
navios, castelos e infraestrutura) surgia outra (como
estribos ou a criação de cavalos ainda mais fortes) que
beneficiava os nômades ainda mais.
O que acabou mudando a equação foi a pólvora, mas
você teria que contar com uma boa bola de cristal para
prever sua chegada antes de 1400 d.C. A referência mais
antiga à pólvora remonta ao século IX, quando monges
taoistas chineses procurando os elixires da imortalidade
puseram fogo em uma mistura de enxofre e salitre e
descobriram que ela queimava e sibilava de maneiras
maravilhosamente divertidas. Eles logo encontraram dois
usos para a pólvora. O primeiro – os fogos de artifício – não
contribuiu em nada para estender o tempo de vida, ao
passo que o segundo, as armas de fogo, prometia apenas
encurtá-lo.
A mais antiga receita de pólvora que sobreviveu, datada
de 1044, não usava salitre suficiente para explodir. Em vez
de construírem armas nas quais a pólvora fizesse explodir
uma bola ou uma bala de dentro de um tambor, os
artesãos chineses projetaram armas que faziam a pólvora
incandescente ser espalhada por tubos de bambu ou então
usavam catapultas para lançar sacos de papel cheios
daquele “fogo químico”. Em geral, a pólvora mostrava-se
mais perigosa para quem a usava do que para seus alvos.
Na verdade, até o século XIV, o equilíbrio do poder militar
ainda parecia pender para o lado dos bárbaros, em grande
parte porque eles se mostraram muito bons em aprender
com seus adversários. Quando os godos entraram aos
montes no Império Romano em 378, haviam descoberto
que eram capazes de vencer batalhas, mas não de tomar
cidades de assalto. “Mantenha a paz com muros”,
aconselhou-os seu chefe. Mas apenas duas gerações mais
tarde, quando Átila, o Huno, invadiu exatamente a mesma
área, as cenas foram bem diferentes. Em 442, ao ver que
seu caminho era bloqueado pelas sólidas fortificações de
Naissus (a atual Nis, na Sérvia), Átila mandou os hunos
derrubarem árvores e construírem dezenas de aríetes.
“Dos muros, os defensores tombavam como pedras do
tamanho de carroças”, escreveu o diplomata romano
Prisco. “Alguns dos aríetes eram esmagados, junto com os
homens que os operavam, mas os romanos não
conseguiram resistir ao grande número de máquinas. Em
seguida o inimigo trouxe escadas [...] e a cidade foi
tomada.”
Átila usou o saque de suas vitórias para contratar os
melhores engenheiros romanos, que retribuíram sua
generosidade explorando as fraquezas das defesas que
eles mesmos haviam construído. Como resultado, diz um
escritor do século V, os hunos “capturaram mais de uma
centena de cidades e quase colocaram Constantinopla em
risco, e a maioria dos homens fugiu de lá. Até os monges
quiseram fugir de Jerusalém”. Uma das cidades saqueadas,
Nicópolis, situada onde hoje fica a Bulgária, foi escavada
extensivamente, e o grau de destruição promovida pelos
hunos é impressionante. Ninguém nunca conseguiu
reconstruir suas mansões.
No decorrer dos séculos, os nômades foram ficando cada
vez melhores em lutar contra as latitudes afortunadas, e
em 1219, quando Gêngis Khan invadiu o poderoso, mas
hoje largamente esquecido Império Corásmio no leste do
Irã, seu exército mongol empregava um corpo permanente
de engenheiros chineses. Esse corpo comandava
prisioneiros de guerra, fazendo-os cavar túneis, desviar
rios, construir catapultas, aríetes e torres, e também lançar
chuva de pólvora incandescente sobre os defensores.
Segundo Giovanni da Pian del Carpine, primeiro europeu a
viver na corte de um khan mongol, os engenheiros
constantemente refinavam seus métodos sórdidos. “Eles
chegavam a tirar a gordura das pessoas que matavam”,
afirma Carpine, “e, derretendo-a, atiravam-na sobre as
casas, e o fogo que caía sobre a gordura tornava-se
praticamente inextinguível.”
Bagdá, a cidade mais rica do Islã, rendeu-se em 1258,
depois que as catapultas mongóis concentraram sua carga
em uma única torre e a derrubaram em apenas três dias.
Depois de zombarem do governante da cidade por
acumular riqueza em vez de empregá-la para a sua defesa,
os mongóis o enrolaram em um tapete e o esmagaram até
matá-lo, encerrando oficialmente o califado.
Coroando suas ações, em 1267 os mongóis sitiaram
Xiangyang, talvez a maior fortaleza da Terra e, com
certeza, a chave estratégica para a China. Por seis anos
ela os desafiou. Nada – nem aríetes, nem armas de fogo,
nem escadas – surtia efeito, mas, então, os sempre
adaptáveis nômades adaptaram-se uma vez mais,
trocando seus cavalos por navios. Depois de acabar com a
frota chinesa do rio Han, usaram novos modelos de
catapultas para abrir rombos nos muros de Fancheng, que
guardavam a margem do Han ao longo de Xiangyang.
Após a queda de Fancheng, a posição de Xiangyang
tornou-se indefensável, e depois que Xiangyang caiu a
posição da China ficou também indefensável. Em 1279,
Kublai Khan expulsou o último imperador da dinastia Song
para o mar e usurpou o trono celestial.
Os exércitos nômades mostraram-se igualmente
adaptáveis em batalhas campais. Em 1191, por exemplo, a
cavalaria das estepes do Império Gúrida fugiu em
debandada ao deparar pela primeira vez com elefantes na
Índia, e seu comandante mesmo assim teve a sorte de
escapar com vida. Mas, ao voltar no ano seguinte, o
mesmo comandante lutou contra a mesma aliança de reis
do vale do Ganges, no mesmo campo de batalha em
Tarain, porém usou táticas diferentes. Quatro alas de
arqueiros a cavalo, cada uma com 10 mil homens,
revezaram-se no assédio às forças indianas, evitando o
confronto direto com os temíveis elefantes; e, então,
quando a noite descia, a reserva gúrida de 12 mil lanceiros
equipados de armadura desferiu seu ataque final,
esmagando as desmoralizadas fileiras indianas.
O enorme exército dos gúridas – mais de 50 mil homens
de cavalaria – dá testemunho da última e mais importante
razão pela qual o poder dos nômades cresceu. Além de
aprender como tirar o melhor proveito de muros, navios e
elefantes, os nômades aprenderam também logística. Por
volta do século XIII, eles regularmente recrutavam e
supriam exércitos como o dos gúridas, no qual cada
cavaleiro geralmente trazia três ou quatro montarias de
reserva. Quando exércitos das estepes lutavam entre eles
pelo controle das latitudes afortunadas – como ocorreu
quando Gêngis Khan aniquilou os corásmios às margens do
Indo em 1221, ou quando os mamelucos túrquicos
rechaçaram uma invasão mongol da Síria em Homs 60
anos mais tarde –, meio milhão de cavalos chegavam a
ficar espremidos em um quilômetro e meio quadrado de
poeira e flechas, devorando cada pedacinho de relva das
centenas de milhares de quilômetros em volta. Tudo isso
precisava ser organizado, e os grandes conquistadores
nômades reuniam imensas equipes de generais (em geral,
homens capturados das cidades que haviam saqueado)
para fazer isso por eles.
Nas grandes batalhas, a carnificina humana e de animais
era inacreditável, mas ainda assim ficava aquém em
comparação com os massacres de civis que se seguiam.
Alguns dos números registrados por sobreviventes – 1,747
milhão de pessoas mais todos os gatos e cachorros mortos
por mongóis em Nishapur, diz um historiador persa; 2,4
milhões em Herat, diz outro – simplesmente não podem
ser verdadeiros, e não só pelo fato de serem muito maiores
do que as populações totais das cidades em questão. No
entanto, mesmo descontando essas afirmações mais
disparatadas, parece certo que cada vez que os cavaleiros
das estepes irrompiam pelas latitudes afortunadas
morriam centenas de milhares, e às vezes milhões de
pessoas. A conta de Gêngis Khan provavelmente chegava
a dezenas de milhões, e quando Tamerlão liderou uma
segunda onda de invasões mongóis por volta de 1400,
saqueando Délhi, Damasco e dezenas de outras cidades,
ele pode ter chegado perto disso. (Se não tivesse morrido
de febre ao marchar sobre a China em 1405, poderia até
ter ultrapassado aquela cifra.)
Por mais impressionante que seja ler a respeito desses
banhos de sangue, devemos ter em mente que o estupro,
a pilhagem, a chacina e a fome que os exércitos
espalharam pela Eurásia foram apenas parte da violência
daquela época. O tempo todo persistiu o ruído de fundo de
assassinatos casuais, em pequena escala – homicídios,
vinganças, guerras particulares, tumultos de civis –, que às
vezes se fazia ouvir em um crescendo, quando os reinos
entravam em colapso e caíam na anarquia feudal, e outras
vezes diminuía, quando uma guerra produtiva
temporariamente operava sua magia.
Pela primeira vez na história, temos estatísticas
relativamente confiáveis sobre um tipo de banho de
sangue, na forma dos registros de julgamentos de crimes
na Europa ocidental. Eles remontam ao século XIII e,
embora sejam difíceis de interpretar, tenham muitas
lacunas e – devido ao estímulo para mentir quando as
apostas são tão altas – estejam repletos de distorções, são
quase tão alarmantes quanto as histórias sobre Gêngis
Khan. Na Inglaterra, Países Baixos, Alemanha e Itália, cerca
de 1 em cada 100 pessoas era assassinada entre 1200 e
1400. A Inglaterra era o lugar mais seguro, e lá apenas 1
de cada 140 pessoas tinha esse destino; a Itália, a mais
violenta, tinha 1 morte por homicídio em cada 60 (em
contraste, o índice da Europa ocidental do século XX foi de
1 morte por homicídio em cada 2.388).
A Europa ocidental era apenas uma pequena parte das
latitudes afortunadas da Eurásia, o homicídio é apenas
uma das formas de violência letal e os séculos XIII e XIV
são apenas uma parte do período que estamos revendo
aqui. Tudo isso significa que extrair um único valor para o
índice de mortes violentas nas latitudes afortunadas da
Eurásia entre 200 e 1400 é uma aposta arriscada. Não
temos como avaliar as contribuições relativas de
homicídios, vinganças, guerras particulares, tumultos civis
e guerras entre Estados, mas, se – a título de argumento –
tratarmos apenas cada uma dessas cinco formas,
igualmente obteremos um índice total de 5% para a
Europa ocidental (com 3,5% para Inglaterra e 8,5% para a
Itália).
Esse número pode ou não estar próximo da verdade
(pessoalmente, suspeito que seja ainda maior), e o que é
verdadeiro para a Europa ocidental pode se aplicar ou não
ao resto da Eurásia, mas sem dúvida nos dá uma indicação
da ordem de magnitude do dano. E também é compatível
com a impressão fornecida pela evidência qualitativa, de
que o ciclo de 1.200 anos de guerras produtivas e
contraproducentes entre 200 e 1400 d.C. anulou muitos
dos ganhos obtidos pelos antigos impérios Romano, Máuria
e Han.
O tom dos escritos que sobreviveram relativos aos
impérios mais bem-sucedidos entre 200 e 1400 d.C., como
a China do período tang, sugere que eles podem ter feito
recuar os índices de morte por violência para a faixa de 2%
a 5%, aquelas que no capítulo 2 sugerimos como o índice
com o qual os antigos impérios lidavam, ao passo que as
invasões nômades e a anarquia feudal claramente fizeram
com que esses índices subissem de novo. No entanto, a
não ser que as cifras mais extremas dos massacres
nômades sejam de fato verdadeiras, os índices não podem
ter voltado à faixa de 10% a 20% que os antropólogos vêm
encontrando entre as sociedades da Idade da Pedra. Se
esse raciocínio está correto, e o índice de morte por
violência nas latitudes afortunadas da Eurásia entre 200 e
1400 foi mais alto do que o dos antigos impérios, mas
menor do que nas sociedades da Idade da Pedra, essa cifra
deve ter ficado na faixa de 5% a 10%.
O que isso pode ter significado para as pessoas que
viveram com esse índice é difícil de depreender dos
manuscritos medievais. A minha sensação, devo admitir,
foi moldada por um gênero literário muito diverso: as
histórias de detetives. Sob o pseudônimo de Ellis Peters,
Edith Pargeter escreveu 20 romances e um livro de contos
sobre um monge medieval que virou investigador,
chamado Irmão Cadfael (que o ator Derek Jacobi
interpretou em uma excelente adaptação para a tevê).
Cadfael tem uma vida tranquila, cuidando da sua horta em
um mosteiro beneditino na periferia da cidade agrícola de
Shrewsbury, na Inglaterra. Mesmo assim, nos oito anos
(1137-1145) abordados pelos romances, pela minha conta
Cadfael depara com 33 assassinatos, 94 homens
enforcados após o cerco a Shrewsbury, e um número não
revelado de assassinatos em outro cerco e em duas
batalhas (sem mencionar um afogamento acidental e uma
diversidade de ataques, açoitamentos e tentativas de
estupro).
Os personagens de Pargeter são cautelosos. Sabem que
é muito fácil cometer um erro fatal. Uma resposta
atravessada aos seus superiores pode custar uma surra. Se
andarem sozinhos pelos bosques, podem ser assaltados e
mortos. Quando a bebida corre solta, velhos amigos
podem de repente virar assassinos. E, no entanto, apesar
de um índice de mortes violentas que deve estar pelo
menos em 5%, as pessoas que Edith Pargeter retrata não
vivem em estado de constante temor, acovardadas diante
da expectativa de um golpe fatal. As chances, afinal, são
de cerca de 20 para 1 em favor de qualquer pessoa, mas,
e essa é a questão na verdade, a violência era parte da
vida naquele mundo brutal. Até mesmo as diversões eram
perversas. Um cronista descreve como seus
contemporâneos da cidadezinha de Prato, no norte da
Itália, pregavam um gato vivo em um poste e, então, com
a cabeça raspada e as mãos amarradas nas costas,
competiam para ver quem conseguia matá-lo a cabeçadas,
“ao som de trombetas”. Quando as pessoas de Mons, na
Bélgica, ficavam sem ter o que fazer, decidiam – não tendo
criminosos disponíveis na própria cidade – comprar um
ladrão de alguma cidade vizinha, amarrar um cavalo em
cada um de seus tornozelos e pulsos e, então, despedaçá-
lo, membro por membro. “Com isso”, diz o relato, “as
pessoas ficavam mais eufóricas do que se um novo corpo
santo ressurgisse dos mortos.” A única ressalva a respeito
do episódio, segundo o cronista, é que os bons cidadãos de
Mons haviam pagado muito caro pelo homem.
Em um mundo como esse, nem mesmo Cadfael seria
capaz de manter a Besta em sua jaula.
Enjaulando o mundo
Apesar de todos os seus riscos, a Europa ocidental do
século XII ainda era mais segura do que a maior parte do
planeta. Mas isso começava a mudar, porque, embora as
estepes e os impérios eurasianos estivessem presos ao seu
sangrento ciclo, o enjaulamento difundia-se pelo resto do
globo, diminuindo os índices de mortes violentas.
Muitas partes do mundo têm climas e solos adequados
ao cultivo, mas, como a distribuição de plantas e animais
silvestres domesticáveis era muito desigual, as latitudes
afortunadas constituíam a única parte da Terra onde a
agricultura se instalara nos 5 mil anos após o fim da Era
Glacial. Mas na época de Cadfael três forças intervinham
para disseminar a agricultura bem além dos limites das
latitudes afortunadas originais, e na sua esteira o
enjaulamento e as guerras produtivas levaram os Leviatãs
a quase todos os continentes.
A primeira dessas forças foram as migrações. A
agricultura faz crescer as populações, e, desde que a
lavoura começou, a reação das pessoas tem sido espalhar-
se, procurando mais terras. Enquanto as fronteiras
permaneceram abertas, os primeiros agricultores puderam
evitar a maior parte dos efeitos do enjaulamento, mas
depois que as melhores localizações já haviam sido
preenchidas o enjaulamento passou a prender as pessoas
na cilada que levou à via da guerra produtiva.
Vemos isso melhor nas grandes extensões do oceano
Pacífico (Figura 3.9). Os agricultores da Idade da Pedra que
viviam na região onde hoje fica a China já haviam
colonizado as Filipinas por volta de 1500 a.C., e pelos 2 mil
anos seguintes seus descendentes fizeram épicas viagens
de canoa, remando para locais onde não mais se
enxergava terra, a fim de descobrir e colonizar as centenas
de ilhas desabitadas mas férteis que compõem a
Micronésia. Eles plantavam taro (uma raiz fibrosa que
evoluiu originalmente no sudeste asiático), criavam
grandes famílias e guerreavam, e, quando seus novos lares
nas ilhas ficavam cheios de gente, partiam de novo em
canoas.
Figura 3.9. A bacia do Pacífico na Era Medieval: locais do sudeste
asiático e da Oceania mencionados neste capítulo.
Experimentos naturais
Deixei por último o caso mais interessante de todos: a
América (Figura 3.11). Diferentemente do Japão, das ilhas
do Pacífico e da África, todos fortemente impactados pela
emigração das latitudes afortunadas da Eurásia, a América
perdeu muito o contato com o Velho Mundo depois de sua
colonização inicial a partir da Sibéria, há uns 15 mil anos.
Figura 3.11. Locais das Américas mencionados neste capítulo.
Os poucos felizardos
Em 1415, um punhado de europeus notificou ao mundo
que o tempo estava se esgotando.
Naquele mês de outubro, um exército inglês padecente
de frio e miséria empacou entre duas florestas úmidas
perto de Agincourt, no norte da França. Havia duas
semanas ele arrastava suas carroças pela lama, tentando
escapar das hostes francesas, superiores em uma
proporção de quatro para um. Mas agora estava sem
saída.
Como era costume, o rei inglês deu um passo à frente
para cumprimentar seus homens antes do massacre. “Hoje
é dia de São Crispiniano”, Shakespeare imaginou o rei
dizendo. Nesse dia, segundo Henrique V, eles iriam obter
uma das maiores vitórias de todos os tempos, tão grande,
na verdade, que
33 No original, “the [last] place now in the world that two strong men can sar-a-
whack”. O autor aqui se vale da proximidade sonora entre o nome da província
governada por Brooke (“Sarawak”) e os verbos ingleses to sack (“saquear”) e to
whack (“repartir”), e inventa o verbo sar-a-whack. [N. T.]
Figura 4.2. O início de algo importante: a mais velha arma de fogo
genuína que sobreviveu até nós, abandonada em um campo de
batalha da Manchúria em 1288.
A retribuição
Os europeus conheceram as armas de fogo no século XIV
porque seus viajantes, mercadores e guerreiros cruzaram a
Eurásia e as trouxeram para o Ocidente, e no século XVI os
asiáticos tomaram conhecimento das armas de fogo
aprimoradas pelos europeus porque viajantes, mercadores
e guerreiros as trouxeram de volta para o Oriente. De certo
modo, foi uma retribuição.
Os otomanos, situados na fronteira entre a Europa e a
Ásia, foram os primeiros a tomar conhecimento das armas
de fogo europeias. O poder de fogo turco geralmente
mostrava atraso em relação ao europeu, mas sem dúvida
estava décadas à frente da artilharia de terras mais a leste
e ao sul. Foi uma artilharia montada sobre carroças que
massacrou os melhores cavaleiros da Pérsia, em Çaldiran,
em 1514, e do Egito, em Marj Dabiq, dois anos depois,
dando aos otomanos o domínio do Oriente Médio.
Uma geração mais tarde, a Moscóvia – outro Estado
assentado em ambos os lados da fronteira entre Europa e
Ásia – também aprendeu a usar armas de fogo ocidentais.
Desde o século XIII, os russos vinham comprando sua
sobrevivência com subornos anuais aos mongóis, mas no
século XVI o czar Ivã, o Terrível, vingou-se. Os russos
tinham aprendido o básico da artilharia em guerras
sangrentas contra a Suécia e a Polônia, e Ivã varreu o rio
Volga usando artilharia para esmagar as paliçadas mongóis
que encontrava pelo caminho. Na época de sua morte, em
1584, havia duplicado o tamanho do império de Moscou,
mas isso foi apenas o começo. Em 1598, caçadores de
peles russos armados com mosquetes de construção
recente cruzaram os montes Urais; por volta de 1639, já
contemplavam o oceano Pacífico.
Se as demais coisas permanecessem iguais, as
caravanas talvez tivessem levado as avançadas armas de
fogo europeias para leste, ao longo das Estradas da Seda,
até a China, mas elas foram superadas pela segunda
grande invenção dessa era – os barcos oceânicos.
Como no caso das armas de fogo, a tecnologia básica
também foi desenvolvida na Ásia, mas aperfeiçoada na
Europa. As bússolas magnéticas, por exemplo, estavam
nas mãos dos comandantes chineses por volta de 1119.
Adquiridas por mercadores árabes no oceano Índico,
chegaram aos italianos do Mediterrâneo por volta de 1180.
Ao longo dos três séculos seguintes, os construtores navais
do leste asiático introduziram avanços no cordame, no
leme e na construção do casco. Por volta de 1403, a China
teve as primeiras docas secas do mundo, abrigando os
maiores veleiros jamais construídos. Cheios de
compartimentos à prova d´água, selados com pintura
impermeável e apoiados por barcos-tanque de água
potável, esses navios podiam ter ido a qualquer lugar que
os marinheiros chineses quisessem, e entre 1405 e 1433 o
famoso almirante Zheng He liderou centenas deles, com
tripulações de dezenas de milhares de marinheiros, pelo
leste da África, Meca e Java.
Comparados com esses, os navios ocidentais pareciam
toscos, mas – como ocorreu com as armas de fogo – os
europeus conduziram as ideias asiáticas por direções
radicalmente diferentes. Mais uma vez a força propulsora
foi muito básica: a geografia da Europa apresentava
desafios diferentes dos da Ásia, e ao tentar ficar à altura
desses desafios os europeus descobriram enormes
vantagens em seu relativo atraso.
No século XV, a Europa ocidental parecia a parte mais
mal localizada das latitudes afortunadas da Eurásia – uma
mera “península marginal afastada”, nas palavras de um
economista, distante dos verdadeiros centros da ação
localizada no sul e no leste asiático. Os mercadores
europeus eram plenamente conscientes das riquezas da
China e da Índia e havia séculos procuravam rotas fáceis
para os prósperos mercados do Oriente. No entanto, a
situação parecia no mínimo estar piorando depois de 1400.
Os reinos mongóis estavam se desintegrando, o que
tornava mais perigosas as Estradas da Seda que cortavam
as estepes, ao mesmo tempo em que os impostos
cobrados pelos otomanos deixavam a rota alternativa (por
terra, da Síria ao Golfo Pérsico) mais cara. A melhor
solução parecia ser chegar à Ásia velejando ao redor do
extremo da África, desviando dos reinos interpostos, mas
ninguém sabia se isso seria sequer possível.
Nenhuma parte da Europa estava mais bem localizada
para descobrir isso do que Portugal, e nos anos posteriores
à tomada de Ceuta navios portugueses apontaram sua
proa para a costa ocidental da África. Não foi fácil; galés
movidas a remo tinham supremacia no Mediterrâneo, mas
eram inadequadas para as distâncias e os ventos do
Atlântico. Isso parecia tão importante que o príncipe
Henrique, um dos conquistadores de Ceuta e terceiro na
linha de sucessão ao trono português, encarregou-se
pessoalmente do esforço para produzir melhores navios.
O projeto logo rendeu frutos com as caravelas. Esses
navios pequenos, de apenas 15 a 30 metros de
comprimento e capacidade para meras 15 toneladas,
teriam parecido ridículos a Zheng He, mas cumpriram a
tarefa. Seu fundo raso podia entrar nas embocaduras
lodosas dos rios africanos, suas velas quadradas davam-
lhes rapidez, e as velas latinas, agilidade. Em 1420, os
navios portugueses descobriram as ilhas da Madeira e em
1427 os Açores; em poucos anos essas ilhas estavam
cheias de plantações viçosas. Em 1444, marinheiros
portugueses chegaram ao rio Senegal, o que lhes deu
acesso ao ouro das minas africanas. Em 1473, eles
cruzaram a linha do equador, e em 1482 chegaram à foz
do poderoso Congo (Figura 4.4).
Tudo corria de maneira memorável, mas depois do Congo
as caravelas (e outras versões, novas e maiores, chamadas
carracas) viram-se enfrentando fortes ventos frontais. O
progresso empacou, até que os marinheiros europeus –
destemidos – descobriram duas soluções. Primeiro, em
1487, Bartolomeu Dias teve a sensacional ideia da “volta
do mar”. A manobra consistia em aventurar-se por águas
não mapeadas do Atlântico com a esperança de pegar
ventos que o catapultassem para além do extremo da
África. Triunfante, ele contornou o que hoje chamamos de
cabo da Boa Esperança. Dias, no entanto, chamou-o de
cabo das Tormentas (a experiência de tentar dormir em
meio a seus ventos uivantes me faz pensar que o nome
dado por Dias de fato era bem adequado), mas, qualquer
que seja o nome dado ao cabo, os marinheiros
portugueses preferiram amotinar-se a enfrentar aquelas
intempéries. Coube a Vasco da Gama, em 1498, fazer uma
segunda expedição para dar a volta à extremidade da
África e adentrar o oceano Índico.
A segunda solução, de Cristóvão Colombo, foi mais
drástica ainda. Como todo europeu instruído, Colombo
sabia que a Terra era redonda e que – em tese –, velejando
a oeste de Portugal, ele acabaria chegando ao Oriente. Os
europeus mais instruídos sabiam também que o mundo
tinha cerca de 38.400 quilômetros de circunferência, o que
significava que essa rota para as Índias era longa demais
para se mostrar lucrativa. Colombo, no entanto, não
aceitava isso, e insistia que apenas 4.800 quilômetros de
navegação o levariam ao Japão. Em 1492, ele finalmente
levantou fundos para provar seu ponto de vista.
Figura 4.4. Locais da África mencionados neste capítulo.
O punho invisível
Entre a tomada de Ceuta pelos portugueses e o discurso
de Burke em 1783, os europeus ocidentais haviam
conquistado milhões de quilômetros quadrados de
território e dezenas de milhões de pessoas. Haviam
reinventado a guerra produtiva, em vez de apenas resgatá-
la; deram-lhe um caráter global, criando tipos inteiramente
novos de sociedades maiores. E, enquanto suas guerras se
desenrolavam pelos oceanos e na América, Ásia e África,
nos lares da Europa ocidental os índices de morte por
violência caíam mais rápido do que nunca.
O século XV foi talvez o mais sangrento da Europa desde
a queda do Império Romano mil anos antes, com bandos
de mercenários desempregados saqueando a França e a
Itália e a guerra civil destruindo a Inglaterra. “Oh,
deplorável espetáculo! Oh, tempos sangrentos!” –
Shakespeare imaginou o rei louco Henrique VI gritando em
1461, quando 50 mil homens se golpeavam horas a fio em
meio a uma tempestade para decidir quem ficaria com o
trono da Inglaterra. E deve ter gritado bem alto, a julgar
pelo que os arqueólogos têm encontrado no campo de
batalha de Towton. Um soldado, agora conhecido apenas
como Towton 25, foi abatido com uma sequência de golpes
que esmagaram seu crânio oito vezes. Primeiro, foram
cinco punhaladas no rosto, nenhuma delas fatal. Depois
um vigoroso golpe arrancou a parte de trás do crânio e
espalhou lascas de ossos pelo cérebro. Ele caiu para a
frente, mas outra pancada o fez levantar, até que um
golpe final de espada cortou-lhe seu rosto pela metade,
entrando por uma das cavidades oculares e saindo pela
garganta (Figura 4.8).
Pax Britannica
“Acho que há muito do que se orgulhar pelo que o Império
Britânico conseguiu fazer”, disse o primeiro-ministro da
Grã-Bretanha, David Cameron, em 2013. “Mas, é claro”,
acrescentou, “houve eventos ruins, assim como houve
bons eventos.”
Ele discursava em Amritsar, onde, quase um século
antes, soldados britânicos haviam abatido milhares de
manifestantes indianos desarmados, matando 379 deles.
Imediatamente, as palavras de Cameron sofreram ataques
de todos os lados. Para alguns, elas cheiravam a uma
culpada autodepreciação liberal; para outros, indicavam
sua grosseira insensibilidade e a nostalgia do imperialismo.
Primeiros-ministros sabem que serão ridicularizados por
qualquer coisa que disserem, mas talvez não seja possível
avaliar o legado da Guerra dos Quinhentos Anos da Europa
sem ser acusado de tendenciosidade política. Aceitando
isso, vou me preparar para o pior e ir direto ao ponto: a
Guerra dos Quinhentos Anos foi a guerra mais produtiva –
no sentido em que usei o termo neste livro – que o mundo
tivera até então, e criou a maior, mais segura e mais
próspera sociedade (ou sistema mundial) já vista. Em
1415, o globo havia sido dividido, e cada continente era
dominado por um agregado de poderes regionais. Em
1914, esse mosaico antigo já não existia, substituído por
apenas três ou quatro poderes com alcance de fato global
(França, Alemanha, Estados Unidos e, é claro, o Reino
Unido), fortemente vinculados entre si em um sistema
dominado pela Grã-Bretanha. A Europa havia (quase)
conquistado o mundo.
O casamento da mão invisível com o punho invisível
tornou o sistema mundial moderno muito diferente de
qualquer império pré-moderno, mas a Guerra dos
Quinhentos Anos que o criou seguiu, não obstante, um
padrão amplamente familiar. Primeiro, veio uma fase de
conquista, que aumentou os índices de morte por
violência; a seguir, em muitos casos, instalou-se uma era
de rebelião, com maiores banhos de sangue; e, finalmente,
uma era de paz e prosperidade, à medida que a violência
declinou e as economias foram reconstruídas em uma
escala maior.
O tempo em que essas fases se verificaram depende do
lugar considerado. A onda de conquistas se deu na
América do Sul e na América Central no século XVI; na
América do Norte, do século XVII ao XIX; na Índia, nos
séculos XVIII e XIX; na China, em meados do século XIX; e
na África, no final do século XIX, com as grandes rebeliões
em geral ficando intensas logo após o final das conquistas.
Os efeitos variaram tanto quanto as épocas. Nas
Américas, os invasores submeteram os nativos a horrores
indescritíveis (e, deve ser dito, os nativos responderam na
mesma moeda sempre que puderam), mas, como já vimos
neste capítulo, o maior assassino foram as doenças. Se,
como acho que devemos, contarmos as vítimas da
pestilência e da fome entre os mortos de guerra, os
números se mostram chocantes. Entre 1500 e 1650, as
populações nativas do Novo Mundo reduziram-se à
metade. Os historiadores que chamam a conquista de
“holocausto americano” têm razão em fazê-lo.
No sul da Ásia, as conquistas da Companhia das Índias
Orientais a partir de 1740 devem ter matado centenas de
milhares de nativos, em geral com perdas mínimas do lado
europeu. Mas, de uma população que iniciou seu período
por volta de 175 milhões de anos atrás e cresceu
constantemente, todos os tiros e golpes de sabre
acrescentaram apenas uma fração de 1% ao índice de
mortes. Um historiador tem afirmado que os britânicos
massacraram em torno de 10 milhões de pessoas depois
do motim de 1857, ou 1 de cada 25 indianos, mas, embora
as retaliações fossem selvagens o suficiente para chocar
muitos bretões, quase todos os especialistas colocam o
número verdadeiro praticamente uma ordem de
magnitude abaixo. Um número de mortes na casa das
centenas de milhares continua sendo escandaloso, mas
mesmo em seu pior momento os britânicos mataram
menos de 1 de cada 250 indianos.
Como na conquista europeia das Américas, o maior
assassino não foi a violência direta, mas as suas
consequências, o que na Índia significava a fome, com
maior frequência que a doença. Entre a Grande Fome de
Bengala de 1769-1770 e a Fome da Índia Inteira de 1899-
1900, morreram de 30 a 50 milhões de indianos – uma
cifra horripilante. Cerca de 1 bilhão de pessoas viveu na
Índia ao longo desses 130 anos e, portanto, 1 de cada 20
ou 1 de cada 30 pessoas morreu de fome em decorrência
da guerra – isso, caso esse horror deva ser atribuído
inteiramente aos britânicos.
O mau tempo, particularmente os eventos de El Niño, foi
a causa imediata da maior parte desses desastres, mas
alguns historiadores sustentam que uma combinação dos
distúrbios causados pela conquista com a crueldade e/ou
estupidez dos conquistadores fez com que as inevitáveis
crises relacionadas com o clima se transformassem em
catástrofes humanas perfeitamente evitáveis. Esse jogo de
determinar os culpados vem sendo praticado desde a
década de 1850, mas mesmo o mais feroz crítico da
Europa teria que admitir que a conquista da Índia foi muito
menos letal do que a da América.
Na China, o padrão foi diferente, mais uma vez. As
invasões europeias (e, em grau menor, a japonesa), entre
as décadas de 1840 e 1890, mataram centenas de
milhares. Cerca de 750 milhões de pessoas viveram na
China durante esse meio século, o que significa que as
guerras mataram diretamente cerca de 1 pessoa em cada
1.000, mas aqui o maior número de mortes começou
quando a dinastia Qing foi destronada e os rebeldes se
levantaram pela China inteira. Essas guerras civis mataram
dezenas de milhões. A população da China sofreu redução
de 10% entre 1840 e 1870, com a violência e sua esteira
de fome e doenças causando a maioria dessas perdas.
Para completar esse catálogo de horrores, devemos
mencionar as imensas variações entre as experiências das
diferentes partes da África. Em alguns lugares, os europeus
praticamente não encontraram resistência e tiveram
mínimo impacto sobre os povos que supostamente
governavam. As vastas possessões francesas na África
ocidental, por exemplo, eram uma espécie de império
virtual, onde praticamente não havia nenhum oficial para
administrar praticamente nenhum súdito, nas extensões
praticamente desabitadas do deserto do Saara. Mas em
outros lugares a história foi pavorosa. O caso extremo foi o
da bacia do Congo, tomada pela Bélgica em 1884. Ali, um
brutal sistema de punir os nativos que não entregavam as
cotas de borracha estipuladas pode ter reduzido a
população à metade por volta de 1908, principalmente por
meio de fome e doenças.
Ninguém poderá negar que a Guerra dos Quinhentos
Anos tornou o mundo mais perigoso para os povos que
foram conquistados. Os europeus, como os antigos
romanos, criaram regularmente terras devastadas. Mas –
de novo como os romanos – o legado da guerra foi a paz.
Na maioria dos casos, assim que a fumaça das armas se
dissolveu, as instituições dilaceradas foram reconstruídas,
e novos anticorpos evoluíram, vendo-se os conquistados
governados por novos e poderosos Leviatãs que de
maneira agressiva suprimiram a violência – mais ou menos
como Dravot e Carnehan fizeram no Kafiristão.
Para muitos ocidentais, essa missão civilizatória
transformou o imperialismo em uma causa moral. “Assume
o fardo do Homem Branco”, pediu Kipling aos Estados
Unidos em 1899,
Desconhecidos desconhecidos
“Quando o dever policial tem que ser cumprido, tem que
ser cumprido”, cantava o coro na ópera cômica de Gilbert
e Sullivan The pirates of Penzance, “a sina de um policial
não é lá muito feliz.” As plateias desatavam a rir assistindo
ao espetáculo que estreou em 1879, mas os donos do
sistema mundial talvez não o achassem tão divertido.
Durante duas gerações, a Grã-Bretanha mostrara
(geralmente) boa disposição e competência para fazer o
papel de globocop, até porque, mesmo em data tão
avançada quanto a década de 1860, era a única economia
da Terra industrializada de fato. As fábricas britânicas
produziam os melhores bens, os mais baratos, e desde que
os mares fossem seguros para o livre comércio tais
produtos sempre poderiam achar compradores. Os bretões
podiam então usar seus lucros para comprar comida onde
fosse melhor e mais barata, e os fazendeiros que
vendessem comida podiam usar seus lucros dessas vendas
para comprar mais bens britânicos, o que permitia aos
britânicos comprar mais comida... e assim por diante. Os
britânicos tinham o dinheiro para desempenhar o papel de
globocop e precisavam desempenhá-lo para continuar
ganhando dinheiro.
Todos os envolvidos prosperaram, mas quem mais
prosperou foi a Grã-Bretanha. Seu produto interno bruto
(PIB) quase triplicou entre 1820 e 1870, e sua fatia passou
de 5% a 9% do total mundial (hoje é de 3%). Navios e
bases para manter as rotas marítimas abertas custam
dinheiro, mas a economia britânica cresceu tão rápido que
esses custos pareciam uma pechincha, correspondendo a
apenas seis pence de cada libra de riqueza que era
produzida – menos de 3% do PIB.
Por volta de 1870, no entanto, a Grã-Bretanha estava
achando esse seu dever policial uma sina menos feliz, não
porque o estivesse cumprindo mal, mas porque o cumpria
bem demais. Conforme os lucros britânicos se
acumulavam, o mesmo livre comércio que permitiu à Grã-
Bretanha prosperar também permitiu que os capitalistas
do país investissem sua riqueza excedente onde quer que
ela prometesse maiores retornos – o que, na maior parte
do tempo, significava financiar revoluções industriais em
outros países. Apoiando-se fortemente em empréstimos
britânicos (muitas vezes usando dinheiro britânico para
comprar máquinas britânicas que iriam produzir bens que
fariam concorrência às exportações britânicas), uma série
de países se industrializou depois de 1870. Que a França,
velha rival da Grã-Bretanha, seguisse por esse caminho
não foi surpresa para ninguém, mas guerras civis nos
Estados Unidos (1861-1865) e Japão (1864-1868) e guerras
de unificação na Alemanha (1864-1871) também
produziram governos centralizados que buscavam
agressivamente a industrialização (Figura 5.2). Em 1880, a
Grã-Bretanha ainda respondia por 23% da manufatura e do
comércio mundial, mas em 1913 esse número havia caído
para 14%.
Em termos puramente econômicos, isso, na verdade, era
bom para a Grã-Bretanha, pois à medida que o mundo se
industrializava o bolo ficava maior. Ou seja, 14% da
manufatura e do comércio mundial em 1913 equivalia a
bem mais do que os 23% de 1870. Além disso, a Grã-
Bretanha estava subindo na cadeia de valor. Havia
passado da agricultura para setores mais lucrativos depois
da década de 1780, e na década de 1870 mudou de novo,
abandonando o investimento na indústria para obter lucros
maiores nos serviços (particularmente no sistema
bancário, em transporte marítimo, seguros e empréstimos
para o exterior). O PIB da Grã-Bretanha mais do que
duplicou entre 1870 e 1913, e com toda essa riqueza
adicional a Grã-Bretanha (e outras nações industrializadas)
podia bancar uma expansão agressiva da sua ordem de
livre acesso. A Alemanha liderou, introduzindo o seguro-
saúde e a aposentadoria por idade aos trabalhadores na
década de 1880, e por volta de 1913 a maior parte das
nações industrializadas já havia seguido seu exemplo.
Educação primária gratuita, sufrágio universal para os
homens e mais adiante o voto das mulheres tornaram-se a
norma.
Figura 5.2. Fábricas satânicas: a produtividade industrial por pessoa
em cinco grandes economias, 1750-1913 (a produção da Grã-
Bretanha em 1900 é equiparada a 100 pontos).
A tempestade começa
“O objetivo geral da guerra”, dizia um documento dirigido
ao chanceler alemão um mês depois de iniciado o conflito,
“é a segurança do Império Alemão no Ocidente e no
Oriente, por todo o tempo imaginável.” Para conseguir
isso, “a França precisa ser enfraquecida, a ponto de tornar
impossível sua reabilitação como grande potência para
sempre [e] a Rússia deve ser repelida o mais longe
possível da fronteira oriental da Alemanha e ter rompido o
seu domínio sobre os vassalos não russos”. Iriam então se
seguir as anexações da Bélgica e da França, as antigas
províncias russas se tornariam satélites da Alemanha e os
produtos britânicos seriam excluídos dos mercados
franceses. A meta era travar uma guerra contraproducente
que quebrasse a aliança maior que cercava a Alemanha e
desferisse no globocop um golpe terrível – talvez fatal.
Se a Alemanha foi para a guerra com esse plano em
mente, ou se apenas o formulou reagindo às terríveis
baixas sofridas nas primeiras semanas de luta, é algo que
não está claro, mas de qualquer modo os alemães
estavam assumindo riscos gigantescos, terríveis. O pior
cenário de Bismarck ocorreu em 1914, expondo a
Alemanha a todo o peso do núcleo central e do anel
externo, e o Estado-Maior alemão concluiu que sua única
esperança era explorar sua posição central e sua
organização industrial para tirar a França da guerra antes
que a Rússia pudesse ser mobilizada.
Realizando um golpe de mestre administrativo, os
burocratas alemães apropriaram-se de 8 mil trens e
levaram 1,6 milhão de homens e meio milhão de cavalos
para a fronteira ocidental. Dali invadiram a neutra Bélgica,
marchando e lutando sem descanso. Por volta de 7 de
setembro, a vanguarda cruzava o rio Marne, a menos de
40 quilômetros de Paris. No mapa, a impressão é que a
guerra estava praticamente ganha, com o exército francês
sendo cercado e forçado a sair de sua capital, mas
Helmuth von Moltke, o chefe do Estado-Maior alemão,
estava prestes a descobrir como a moderna guerra
funcionava na realidade. Seu Leviatã do século XX havia
convocado um exército de 1 milhão de homens, que agora
se distribuía por uma centena e meia de quilômetros, mas
ele contava apenas com meios de comunicação do século
XIX para entrar em contato com eles. Os rádios eram raros
e pouco confiáveis, os telefones, piores ainda, e
praticamente não havia aviões de reconhecimento.
Moltke não tinha ideia do que estava ocorrendo de fato
em setembro de 1914. Os relatórios demoravam dias para
chegar. Um deles dizia que os franceses estavam cedendo;
o seguinte, que estavam contra-atacando. Sem outro jeito
de descobrir o que estava acontecendo, Moltke colocou um
oficial em um carro e o mandou para o front. “Se o
pessimista [tenente-coronel] Hentsch tivesse batido o
carro em uma árvore [...] em algum ponto de sua viagem
de 8 de setembro”, lamentou outro oficial alemão mais
tarde, “ou se tivesse sido alvejado por um francês
qualquer, teríamos tido um cessar-fogo duas semanas
mais tarde e a partir disso teríamos conseguido uma paz
que nos permitiria exigir o que quer que fosse.” Mas
Hentsch conseguiu chegar ao front e, horrorizado com os
riscos que os homens corriam ali, convenceu o comando a
ordenar uma retirada.
Mesmo um século depois dos fatos, não estamos hoje em
posição melhor do que Moltke em 1914 para saber se
Hentsch arrancou a derrota das mandíbulas da vitória ou
se salvou os alemães de uma catástrofe. Mas, para
homens que sempre achavam que o triunfo estava a seu
alcance, a decisão de bater em retirada foi devastadora.
Ela funcionou “como um raio”, disse o comandante do
133º Regimento de Infantaria da Reserva. “Vi muitos
homens chorando, as lágrimas escorrendo pelo rosto;
outros simplesmente não acreditavam.” Moltke teve uma
crise nervosa.
A grande aposta da Alemanha não vingou, e ela não
tinha um plano B. No entanto, a aliança que se opunha a
ela não estava muito melhor. O seu plano A havia sido,
como os alemães previram, esmagar a Alemanha entre
ataques simultâneos da França e da Rússia, mas por volta
de outubro os russos haviam sofrido uma série de derrotas,
e os franceses ainda estavam na guerra, por um golpe de
sorte. A aliança anglo-franco-russa tinha de fato um plano
B, no qual a imensa frota da Grã-Bretanha iria reter os
navios de guerra da Alemanha em seus portos, impor um
bloqueio naval e tomar as colônias ultramarinas do
inimigo. Com exceção da África oriental, onde um coronel
alemão extraordinário ainda travava uma guerrilha quando
as hostilidades na Europa terminaram, tudo isso foi feito
sem sobressaltos, mas infelizmente o plano B só tinha
condições de produzir a vitória muito lentamente, à base
de deixar à míngua tanto o povo alemão quanto a sua
indústria.
Churchill, responsável pelo Almirantado, pressionou para
que se fizesse um uso mais decisivo da supremacia naval.
Os almirantes haviam rejeitado a proposta de invadir o
norte da Alemanha por achá-la arriscada demais, mas
Churchill insistia que em lugar disso operações anfíbias
poderiam acessar os pontos vulneráveis das Potências
Centrais. Um desembarque em Salonica (ignorando o
detalhe de que a Grécia era neutra) não levou a lugar
nenhum; outro no Iraque levou a uma humilhante
rendição; e um terceiro, em Galípoli, foi um desastre tão
absoluto que quase encerrou a carreira de Churchill. Por
volta de 1915, até os defensores do poder naval mais
determinados reconheciam que a guerra seria vencida ou
perdida em terra.
Mas como fazer isso? Há um dito segundo o qual os
generais sempre repetem a guerra que travaram antes,
mas de início os militares da Europa estavam em um ponto
do tempo ainda anterior. A Guerra dos Bôeres e a Guerra
Russo-Japonesa tinham mostrado que os exércitos não
podiam sobreviver a céu aberto contra o moderno poder
de fogo, e já na década de 1860 os últimos estágios da
Guerra Civil norte-americana haviam revelado que os
soldados que cavavam trincheiras ficavam praticamente
imóveis. No entanto, em 1914, os exércitos concentravam
seus homens, desfraldavam suas bandeiras e atacavam,
mais ou menos como faziam na época de Napoleão.
Ofensiva à outrance era seu lema: “Atacar sem trégua”.
Apenas três semanas após o início da guerra, um jovem
tenente francês chamado Charles de Gaulle foi ferido ao
liderar um desses ataques na Bélgica. “O fogo do inimigo
era preciso e concentrado”, escreveu ele mais tarde. “A
cada segundo a chuva de balas e o trovejar de bombas
ficavam mais fortes. Os que sobreviviam ficavam deitados
no chão, no meio dos gritos dos feridos e dos pobres
cadáveres. Com uma calma fingida, os oficiais deixavam-
se abater em pé [...] mas tudo isso sem propósito algum.
Em um instante havia ficado claro que nem toda a
coragem do mundo podia suportar aquele fogo.” Ernst
Jünger, que serviu a Alemanha com a mesma bravura
temerária que De Gaulle mostrara pela França, cunhou a
expressão perfeita para isso e colocou-a como título de
suas memórias de guerra (que eu lembre, as melhores que
já foram escritas): Tempestade de aço.
Depois da guerra, virou lugar-comum dizer que esses De
Gaulles e Jüngers haviam sido “leões liderados por asnos”
– heróis enviados para a morte por bufões embriagados de
champanhe que conheciam pouco e se importavam menos
ainda com os horrores do front. Na realidade, porém, os
líderes aprenderam com seus erros tão rápido quanto os
de épocas anteriores e logo modificaram seus métodos. Na
França, ficou óbvio por volta de outubro de 1914 que, com
milhões de homens espremidos em um front de 500
quilômetros, montar linhas contínuas de trincheiras da
Suíça até o mar do Norte era perfeitamente possível, e
depois que os dois lados tivessem cavado trincheiras a
questão prioritária seria como romper essas linhas.
De início, a resposta parecia óbvia. “Romper as linhas do
inimigo”, concluiu o comandante britânico em janeiro de
1915, “é em grande parte uma questão de gastar munição
altamente explosiva. Se houver munição suficiente, pode-
se abrir caminho explodindo a linha. Se a tentativa falha
[...] é o caso de ou trazer mais canhões ou aumentar a
cota de munição por canhão.”
Isso colocava ênfase no front doméstico. A impressão era
que aquele que canalizasse sua economia de modo mais
eficiente para produzir armas e bombas iria vencer. Em
cada país, a produção decolou, com os governos
assumindo tudo, de munição e transportes a comida e
salários. As mulheres tiveram que ser convencidas a sair
de casa e ir para os campos e fábricas para substituir os
homens arrastados para os exércitos; a comida precisou
ser racionada e distribuída; foi preciso racionalizar a
produção para poder dar aos exércitos o suficiente de tudo
aquilo de que precisavam. Tudo isso significou mais
burocratas, mais impostos e mais regulamentações. Os
Leviatãs tiveram um crescimento explosivo.
Mas, apesar disso tudo, nenhum dos lados conseguiu
fazer uma ruptura decisiva das linhas inimigas. De novo,
parecia que o padrão da Rainha Vermelha estava em ação.
O poder ofensivo dos exércitos teve um incremento
tremendo. Foram fabricadas bombas aos milhões, dezenas
de milhões de cavalos foram persuadidos, chicoteados e
arrastados até o front (só a Alemanha perdeu 1 milhão de
cavalos na guerra, devido mais à exaustão e à fome do
que ao fogo inimigo), e os homens da artilharia ficaram
mais sofisticados, combinando barragens de fogo curtas e
intensas com outras mais longas e sustentadas, e
disparando barragens rasteiras que abriam caminho para a
infantaria em sua ofensiva. Mas, para cada melhoria que
os atacantes faziam, os defensores encontravam uma
resposta. Eles cavaram múltiplas linhas de trincheiras, de 6
a 8 quilômetros de extensão. Guarneciam as posições
frontais com menos homens, fazendo uma rotação de
soldados, que entravam e saíam da linha, para mantê-los
mais descansados. A maioria dos homens ficava para trás
do alcance da artilharia, deixando que o inimigo
capturasse as linhas frontais para então contra-atacar
quando o assalto ficava fora da cobertura da artilharia.
A verdadeira questão, como os generais compreenderam
já em 1915, era que o problema de Moltke estendia-se de
cima a baixo. Depois que a batalha começava, os
comandantes não conseguiam controlar seus exércitos. Se
seus homens invadissem as defesas inimigas, podiam
transcorrer horas antes que o quartel-general tomasse
conhecimento disso, e se perdia assim a chance de
empregar reservas frescas e explorar a abertura. “Os
generais eram como homens sem olhos, sem ouvidos e
sem voz”, observou o historiador John Keegan.
Nessa era da ciência, ambos os lados voltaram-se para a
tecnologia a fim de encontrar novas maneiras de vencer a
Rainha Vermelha. A Alemanha saiu na frente, usando gás
lacrimogêneo na Polônia em janeiro de 1915. Não foi um
sucesso; fazia tanto frio que o gás congelou. Mas, quando
eles tentaram com gás cloro no front ocidental três meses
mais tarde, os resultados foram impressionantes. Uma
brisa leve carregou as nuvens verdes venenosas até as
trincheiras cheias de soldados franceses e africanos, que
foram pegos de surpresa. O cloro tem uma maneira
sórdida de matar: ele queima os pulmões, estimulando-os
a produzir muco em excesso; os homens, então, ao inalar
esse muco se afogavam. O gás matou apenas cerca de
200 homens (um mero punhado pelos padrões sangrentos
da Primeira Guerra Mundial), mas milhares deles fugiram
“como um bando de carneiros”, observou um oficial
alemão. A debandada abriu uma brecha de cerca de 8
quilômetros de largura, mas infelizmente para os alemães
seus próprios soldados ficaram tão surpresos quanto os do
inimigo e não conseguiram atravessar essa brecha. Por
volta do segundo dia do ataque, não havia mais nenhuma
surpresa, e, como o cloro é solúvel, os canadenses que
vieram cobrir a brecha na linha puderam neutralizar seu
efeito simplesmente cobrindo o rosto com panos
molhados.
O gás permeia a memória popular da Primeira Guerra
Mundial (“Se você pudesse ouvir”, escreveu Wilfred Owen,
“a cada espasmo, o sangue / Vindo gorgolejante dos
pulmões corrompidos pela espuma, / Obsceno como
câncer, regurgitando amargo / De feridas repulsivas,
incuráveis, de línguas inocentes”), mas, para exércitos que
esperavam por isso, tratava-se mais de um incômodo do
que de algo que fosse mudar o jogo. Menos de 1 de cada
80 baixas de guerra foi causada por gás, e apenas 1 de
cada 100 pensões de guerra estava relacionada com ele.
A Grã-Bretanha tentou uma solução tecnológica
diferente: tanques. H. G. Wells havia escrito um conto
intitulado “The land ironclads” em 1903, e os engenheiros
já discutiam a respeito de veículos blindados que se
moviam sobre esteiras por volta de dezembro de 1914. O
motor de combustão interna ainda estava em sua infância,
e os desafios técnicos de mover várias toneladas de aço
sobre trincheiras e buracos abertos por explosão de
bombas eram enormes, mas em setembro de 1916 quase
50 tanques já estavam prontos para o combate. Treze
deles quebraram antes de a batalha começar, mas os
alemães fugiram à simples visão dos outros, que
avançaram 3 quilômetros antes de quebrarem também. No
final de 1917, a Grã-Bretanha dispunha de 324 tanques em
um front de 8 quilômetros em Cambrai e conseguiu
avançar 6 quilômetros – grande avanço para os padrões da
Primeira Guerra Mundial – antes que os tanques
empacassem. Os sinos de igreja britânicos foram tocados
para celebrar o fato, mas a linha alemã resistiu.
Outras inovações eram menos espetaculares, mas talvez
mais importantes. Quando a guerra começou, os homens
da artilharia costumavam ter pouca paciência com os
técnicos que queriam introduzir muita ciência em seus
afazeres. “Garoto, isso aqui é guerra, é uma coisa
prática!”, um subalterno lembrou-se de lhe terem dito.
“Esqueça essas bobagens todas que eles ensinam lá no
‘Escritório’! Se estiver errando o alvo, levante um pouco o
canhão!”44 Por volta de 1917, porém, o controle do fogo
havia melhorado em uma ordem de magnitude – muito por
causa do outro grande avanço técnico na guerra: a
aviação. Não existia aviação até 1903, e ela só foi usada
na guerra em 1911, mas, por volta de 1918, 2 mil aviões
roncavam pelos céus do front ocidental, corrigindo o fogo
de artilharia, atacando a infantaria inimiga e até abatendo
aviões inimigos.
No entanto, o grande rompimento das trincheiras não
ocorria. Perdendo as esperanças, em 1916 os generais
passaram a fazer da contagem de corpos um fim em si.
Quando os alemães atacaram em Verdun em fevereiro, em
vez de tentar transpor as linhas inimigas, eles se
concentraram em fazer sangrar o alvo francês. Setecentos
mil homens morreram em alguns poucos quilômetros
quadrados de lama durante os nove meses seguintes.
Tampouco os britânicos tinham a expectativa de romper as
linhas inimigas em seus ataques ao longo do rio Somme
naquele mês de julho; seu objetivo era apenas tirar o foco
dos alemães de Verdun. Por volta da hora do almoço do
primeiro dia, 20 mil bretões haviam sido mortos, e nos
quatro meses seguintes mais 300 mil tiveram o mesmo
destino.
A Alemanha em geral se saía melhor nessa guerra de
desgaste; matava mais homens do que perdia e fazia isso
com um custo mais eficiente. Segundo um cálculo sórdido,
Grã-Bretanha, França, Rússia e (no final) Estados Unidos
gastavam 36.485,48 dólares por soldado inimigo morto,
enquanto a Alemanha e seus aliados gastavam apenas
11.344,77 dólares por cadáver. Onde a eficiência alemã
falhou, porém, foi no domínio da estratégia. Depois de
iniciar a guerra sem ter um plano B, a Alemanha logo
passou a ter planos B demais. Alguns generais
sustentavam que a Alemanha se concentrasse em derrotar
a Rússia. No front oriental, assinalavam eles, o desafio não
era de que modo romper as linhas – havia tanto espaço
para manobrar que os exércitos faziam isso regularmente
–, mas como sustentar os avanços em um território onde
quase não havia ferrovias nem estradas. Resolver esse
problema, sugeriam eles, seria muito mais fácil do que
encontrar uma maneira de franquear as trincheiras na
França. Outros generais, no entanto, argumentavam que a
Rússia tinha importância secundária; a única maneira de
vencer a guerra era penetrar nas linhas britânicas e
francesas, pois com isso os russos iriam se dobrar
também.
Primeiro uma facção, depois a outra, se impôs,
dissipando os esforços alemães, e, para piorar as coisas,
outras vozes influentes achavam que a guerra seria
vencida fora da Europa. “Nossos cônsules na Turquia e na
Índia”, escreveu o cáiser em 1914, “deverão erguer o
mundo muçulmano todo em uma rebelião feroz contra
essa nação [a Grã-Bretanha] de lojistas, odiosa, mentirosa
e sem princípios.” A jihad deu em nada, mas em 1915 a
marinha iniciou outra estra-tégia global. Como a Grã-
Bretanha dependia ainda mais de importações do que a
Alemanha, observaram os almirantes, por que não usar
submarinos para fechar suas rotas comerciais?
Após muitas idas e vindas, em fevereiro de 1917 a
Alemanha comprometeu-se a afundar qualquer navio
mercante que divisasse, não importava sua bandeira. Os
líderes alemães sabiam que isso poderia fazer os Estados
Unidos entrarem na guerra, mas, segundo seu ponto de
vista, os norte-americanos já eram praticamente
combatentes. Antes da guerra, a Grã-Bretanha havia
dominado o sistema mundial exportando capital e bens
industriais, mas agora ela importava um quarto de bilhão
de dólares de material bélico norte-americano todo mês.
Para piorar as coisas, muito do dinheiro usado nisso era
emprestado dos mercados de Nova York. Os economistas
alemães calcularam que, se cortassem essa linha vital do
Atlântico, a Grã-Bretanha só seria capaz de lutar por mais
sete ou oito meses. Provocar os norte-americanos poderia
levar à derrota, mas, para os economistas alemães, ficar
sem fazer nada iria levar à derrota de modo inapelável.
Porém, para bancar suas apostas, os alemães tiveram a
ideia incrivelmente ruim de oferecer financiamento a uma
invasão mexicana dos Estados Unidos. Isso foi a gota
d’água, e em abril de 1917 os norte-americanos
declararam guerra à Alemanha.
Foi um momento decisivo. Os Estados Unidos colocavam
toda a sua força em prol da Grã-Bretanha e da França no
exato momento em que a guerra de desgaste e o foco no
leste começavam a funcionar para a Alemanha. No início
de 1917, a Rússia já perdera 3 milhões de pessoas (um
terço delas eram civis), e seu exército se desintegrava. Um
motim em março (conhecido, em razão do antigo
calendário russo, como Revolução de Fevereiro) destronou
o czar, e a Revolução de Outubro (em novembro) colocou
os agitadores bolcheviques no poder. Os russos agora
passaram a lutar entre eles, e a Alemanha intimou a nova
União Soviética a entregar seus territórios não russos.
Isso produziu fronteiras impressionantemente similares
às que se seguiram ao colapso final soviético de 1991, com
a exceção de que, em 1918, Polônia, Ucrânia, Bielorrússia
e os Estados do Báltico receberam como governantes
membros variados da realeza alemã. “O prestígio alemão”,
explicou Erich von Ludendorff (general intendente da
Alemanha e, a essa altura, virtual ditador), “exige que
matenhamos uma mão protetora forte, não só sobre os
cidadãos alemães, mas sobre todos os alemães.” Isso
incluía os alemães do Império Austro-Húngaro, que era
agora uma espécie de satélite de Berlim. Se Ludendorff
tivesse vencido a guerra, uma Grande Alemanha iria se
estender do canal da Mancha até a bacia do Don, o que
com certeza teria representado o fim do globocop
britânico.
O colapso da Rússia libertou meio milhão de alemães
para lutar no ocidente antes que a inundação americana
chegasse. Mas, mais importante ainda, o combate na
Rússia também mostrou como resolver o problema
fundamental de comando e controle.
Já mencionei várias vezes a teoria do historiador militar
Victor Davis Hanson de um modo ocidental de guerrear,
que vinha desde a Grécia Antiga até chegar à Europa e
América modernas, e que vencia as batalhas com “um
único e magnífico confronto de infantaria”. O que os
alemães descobriram em 1917, no entanto, foi um
“sistema moderno” de fazer guerra (como o estrategista
Stephen Biddle o chama), no qual a infantaria faz
exatamente o oposto, e, em vez de colidir magnificamente,
“reduz sua exposição ao fogo hostil”, ou seja, em vez de
buscar a concentração e o choque, busca “cobertura,
ocultação [e] dispersão”.
Esse modo moderno de guerrar revolucionou mais uma
vez os assuntos militares. Ele mexeu com os brios das
pessoas envolvidas na guerra ao incentivar a iniciativa nas
hierarquias mais baixas, nas mãos de oficiais subalternos e
até mesmo dos soldados das tropas de assalto (como os
alemães chamavam esse novo tipo de soldado). Com
treinamento adequado, esses homens podiam exercer a
própria iniciativa sem precisar de oficiais por perto para
empurrá-los para a frente. Pequenos grupos se enfiavam
por terras inóspitas, investindo pelos campos de batalha
sob a proteção de crateras abertas por granadas, pedaços
de troncos de árvore e qualquer outro tipo de cobertura
que tivesse sobrevivido (Figura 5.6).
As tropas de assalto carregavam armas leves mas
poderosas – as primeiras submetralhadoras e lança-
chamas –, mas esse tipo moderno de guerra não tinha a
ver com tecnologia. Tinha a ver com surpresa. Em vez de
um bombardeamento intenso, que deixava claras suas
intenções, os ataques agora começavam com curtas
rajadas de gás, suficientes para semear a confusão entre o
inimigo, que ficava ocupado em ajustar suas máscaras
(“Gás! Gás! Rápido, pessoal! – Um frenesi desajeitado, /
Para ajustar os incômodos capacetes a tempo”), mas não
suficientes para dar-lhes tempo de se preparar para o que
vinha a seguir. As tropas de assalto então infiltravam-se
pelas trincheiras, esquivando-se de defensores bem
organizados e rastejando adiante para alcançar postos de
comando e artilharia. Estes eram então atingidos com
violência, o que decapitava a organização do inimigo e
armava a maior confusão. Para a maioria dos defensores, o
primeiro sinal de encrenca eram os disparos vindos por
trás deles.
Atenciosamente, Lênin.
P.S. Encontre as pessoas mais duronas.”
Em março de 1919, quando Lênin chamou a Liga das
Nações de cadáver malcheiroso, mais de 5 milhões de
homens travavam uma guerra civil particularmente
horrenda na nova União Soviética. Tal guerra acabou
matando ainda mais russos (talvez 8 milhões, computando
as mortes por fome e doenças) do que os alemães haviam
matado. A Grã-Bretanha e a França já tinham decidido, em
maio de 1918, que precisavam intervir, e sérios combates
tiveram início em 11 de novembro, o mesmo dia em que a
calma baixou no front ocidental. Em 1919, 250 mil
soldados estrangeiros (britânicos, tchecos, japoneses,
franceses e americanos, mas também poloneses, indianos,
australianos, canadenses, estonianos, romenos, sérvios,
italianos, gregos e até contingentes chineses) serviram em
solo russo.
Se a liga realmente fosse uma conspiração capitalista,
Lênin e seus seguidores não teriam durado o suficiente
para condená-la. Mas da maneira que as intervenções na
Guerra Civil russa ocorreram, sem nenhum globocop
supervisionando as operações, elas redundaram em
desordem. Em meados da década de 1920, todas as
forças, com exceção dos japoneses, haviam se retirado, e
os exércitos soviéticos estavam tomando Varsóvia. Depois
de ficar com a Polônia, os soviéticos planejavam levar o
comunismo à Alemanha, que acabava de sufocar sua
própria revolução bolchevique. Por algumas semanas no
verão de 1920, parecia que a promessa de Lênin, de que a
bandeira vermelha iria acabar com as fronteiras dos
Estados, poderia de fato virar realidade, mas, conforme o
Exército Vermelho foi ficando sem suprimentos, os
poloneses se juntaram de novo e conseguiram rechaçá-lo.
Ao final de agosto, os cavaleiros poloneses ganharam até a
última grande batalha de cavalaria na Europa, em
Komarów. Vinte e cinco mil homens atacaram e contra-
atacaram, sabres empunhados, mais ou menos como os
guerreiros montados haviam feito nos 2 mil anos
anteriores, mas dessa vez em meio ao estrépito de
metralhadoras e granadas explodindo ao redor deles.
Nos anos que se seguiram, os soviéticos foram
abandonando discretamente seu discurso de revolução
mundial. Ainda houve lutas esporádicas disputando as
carcaças dos impérios derrubados pela Primeira Guerra
Mundial, mas, pelo menos por um tempo, o mundo parecia
estar se saindo muito bem sem um globocop. O comércio
internacional se reabilitou, e por volta de 1924 os
rendimentos na maioria dos lugares voltavam ao nível de
1914. O mundo, por fim, deixava para trás os horrores da
guerra. Entre 1921 e 1927, o índice Dow Jones dos
mercados de ações norte-americanos quadruplicou; entre
1927 e 1929, quase duplicou de novo, batendo nos 381,17
pontos em 3 de setembro de 1929.
Dez anos depois, nesse mesmo dia, a Grã-Bretanha e a
França uma vez mais declararam guerra à Alemanha.
A morte de um globocop
O sistema mundial do século XIX finalmente morria no
último fim de semana de outubro de 1929.
Apesar de 85 anos de discussões, ainda não sabemos
exatamente como isso começou. “A crise de 1929 é em
grande parte um verdadeiro enigma”, afirma o historiador
de finanças Harold James, “no sentido de ter sido um
grande evento, com consequências históricas realmente
mundiais (a Grande Depressão, talvez até a Segunda
Guerra Mundial), mas sem causas óbvias.” Sejam quais
forem as razões disso, os operadores de Wall Street
perderam a cabeça na quarta-feira, 23 de outubro. Quatro
bilhões de dólares em riquezas (o equivalente hoje a 53
bilhões de dólares) evaporaram. Na hora do almoço de
quinta-feira, outros 9 bilhões de dólares em riquezas norte-
americanas haviam se pulverizado. Então os mercados se
uniram, resgatados por uma aliança de banqueiros que
adquiriu as ações que ninguém queria, mas na segunda-
feira o teto realmente veio abaixo. Na tarde da terça-feira,
o índice Dow Jones havia perdido quase um quarto de seu
valor, e, no verão de 1932, 1 dólar de ações compradas no
pico de alta do mercado em 3 de setembro de 1929 valia
apenas 11 centavos de dólar.
A década entre 3 de setembro de 1929 e 3 de setembro
de 1939 viu as finanças globais derreterem, acabando com
o que restara da integração que fizera funcionar o sistema
mundial do século XIX. Na década de 1870, e depois disso,
a Grã-Bretanha atuara regularmente como o último recurso
para empréstimos, aceitando ser uma cooperativa de
crédito global como parte da sua tarefa de globocop. Mas
agora já não havia globocop; era cada governo por si. Um
após outro, eles ergueram muros em volta de suas
economias, criando barreiras contra a competição e o
contágio financeiro. Só os Estados Unidos introduziram 21
mil tarifas para refrear importações, e por volta do fim de
1932 o comércio internacional havia encolhido para um
terço do que era em 1929.
Foi isso que matou as últimas pretensões da Grã-
Bretanha de operar como globocop. Como todos os
demais, o governo de Londres também se protegeu atrás
de tarifas. Os gastos com a defesa caíram ainda mais, e
em 1932 os chefes de Estado-Maior admitiram que a
marinha já não podia defender o império a leste de Suez. A
guerra, admitiam eles, iria “expor à depredação, por um
período difícil de avaliar, as possessões e territórios,
incluindo Índia, Austrália e Nova Zelândia”.
Não surpreende, portanto, que as possessões e
territórios, ao ficarem assim expostos, tenham reagido
mal. Os domínios do colonizador branco deixaram claro
que Londres não devia dar como certo seu apoio no caso
de outra guerra, e a Índia, que por tanto tempo havia sido
um pilar central do sistema mundial, começou a tomar
caminho próprio. A Grã-Bretanha abriu negociações com o
movimento de não cooperação de Gandhi em 1930, e em
1935 fez grandes concessões aos partidos políticos
indianos.
O colapso da década de 1930 abalou os alicerces da
classe dominante britânica. “Uma das qualidades dos
ingleses”, escreveu um catedrático de Cambridge em
1913, “é que eles nunca duvidam”, mas ao longo dos 20
anos seguintes essa certeza se dissolveu rapidamente.
Mesmo para os governantes o exercício de globocop
começou a parecer um pouco sem sentido. Quem duvidava
de modo mais eloquente era sem dúvida George Orwell,
um velho aluno do Eton College, cujos cinco anos na força
policial do império na Birmânia o transformaram em um
dos mais ferozes críticos do Reino Unido. No entanto, ele
de modo algum estava sozinho. “Por toda a Índia”,
observou, “há ingleses que intimamente abominam o
sistema do qual fazem parte.” Uma vez, escreveu ele,
havia partilhado a cabine de trem em uma viagem noturna
com um oficial (inglês) do Serviço de Educação Indiano.
“Fazia calor demais para dormir”, relata Orwell, “e
passamos a noite toda conversando.”
A tempestade
“O problema da Alemanha”, disse Hitler a seus assessores
em 1937, “só pode ser resolvido pelo uso da força.” Como
ele defendeu já em 1925 em seu livro Mein Kampf, isso
queria dizer que a Alemanha tinha que lutar de novo a
Primeira Guerra Mundial, e dessa vez fazê-lo direito.
Segundo Hitler, a estratégia alemã em 1914 estava
basicamente correta, e na guerra a ser travada o exército
iria de novo atacar o oeste e ficar marcando passo no
leste. Depois de vencer as potências do anel externo – a
França e a Grã-Bretanha –, a Alemanha iria voltar sua
atenção para a União Soviética. Nesse ponto, porém, Hitler
foi além do pensamento da década de 1910. Em 1917,
Ludendorff insistira que não importava onde os alemães
vivessem: do Reno ao Volga, eles eram parte de uma
“Alemanha Maior”. Hitler, porém, imaginou o que o
historiador Niall Ferguson chama de “A Alemanha Maior
Possível”, um lugar onde vivessem apenas alemães. Isso
daria à raça alemã sua Lebensraum, ou “espaço vital”, no
qual os robustos agricultores teutônicos seguiriam avante
e se multiplicariam livres da mácula de raças inferiores.
O sucesso, dizia Hitler, dependia de aprender duas
grandes lições da Primeira Guerra Mundial e então ir além
delas. A primeira vinha originalmente dos oficiais
britânicos, que, em 1918, descobriram que combinar as
táticas de tropas de assalto alemãs com seu próprio estilo
de ataques de massa, por meio de tanques e também
(pelo menos na medida em que a tecnologia daquele
tempo permitia) de um apoio aéreo, era o que podia tornar
a guerra de trincheiras obsoleta. A ideia, como explica o
teórico militar independente capitão Basil Liddell Hart, era
tornar o combate mais fluente, fazendo o sucesso
depender “acima de tudo da ‘continuidade’ – da maneira
pela qual uma ruptura da linha inimiga [...] é explorada por
uma profunda penetração estratégica, levada a cabo por
forças blindadas projetando-se frontalmente sobre o grosso
do exército e operando independentemente”.
Por falta de fundos e por apego a ideias tradicionais, no
período entre as guerras, os exércitos britânico, francês e
norte-americano pouco fizeram para desenvolver essa
visão ousada, mas os generais soviéticos a entenderam
bem. Ao organizarem os tanques em corporações
blindadas maiores, destinadas a operações independentes,
eles planejavam travar o que chamavam de “batalha
profunda”, avançando bastante no front inimigo,
exatamente do jeito sugerido por Liddell Hart, mas Stálin
mandara fuzilar a maioria de seus oficiais em 1937, e seus
substitutos, compreensivelmente, evitaram ideias radicais
que pudessem atrair a atenção do grande homem.
Apenas na Alemanha, onde os limites rigorosos impostos
pelo Tratado de Versalhes haviam deixado os militares sem
outra opção a não ser inovar, é que a doutrina de ataques
com armas combinadas – o que os jornalistas mais tarde
rotularam de Blitzkrieg ou guerra relâmpago – de fato se
consolidou. Na época em que Hitler começou a despejar
dinheiro no exército, em meados da década de 1930, seus
líderes já haviam adotado a Blitzkrieg, e seus engenheiros
construíam tanques, aeronaves e rádios que (ao contrário
das armas de 1918) fossem capazes de suportar o estresse
da guerra móvel. O monopólio temporário que a Alemanha
teve das novas táticas deu a Hitler uma chance real de
obter a vitória antes que os demais compreendessem o
que estava acontecendo.
A Blitzkrieg significa aceitar o risco e o caos, transformar
a tempestade de aço em uma verdadeira tormenta.
Bombardeiros e paraquedistas iriam semear a desordem
profundamente na retaguarda do inimigo, atacando civis
com a mesma frequência com que atacavam soldados e
atravancando as estradas de refugiados. No front,
esquadrões de infantaria, com a cobertura de intenso fogo
de artilharia e arremetidas de bombardeiros em mergulho,
iriam tentar abrir brechas na linha inimiga, deslizando
entre pontos-chave de defesa ou fazendo incursões por
flancos abertos. Tanques e caminhões iriam avançar pelas
aberturas, e então o combate de fato teria início. Colunas
de blindados espalhadas por quilômetros atrás das
posições inimigas se apressariam em tomar centros de
comando antes que as reservas pudessem se concentrar,
cortar e deter as penetrações. Eventualmente, os
contingentes que rompessem as linhas poderiam ficar sem
suprimentos, mas a essa altura um segundo escalão de
blindados já teria penetrado também. Se necessário, um
terceiro escalão iria intervir, sempre mantendo os
defensores em inferioridade, até que, mais cedo do que
tarde, a confusão tomaria conta de tudo e o inimigo se
renderia.
A Blitzkrieg funcionou exatamente como anunciado. Os
exércitos da Polônia se desmantelaram antes que a Grã-
Bretanha e a França pudessem até mesmo ser
mobilizadas, e a própria França, que lutara tão
intensamente por tanto tempo na Primeira Guerra Mundial,
sucumbiu completamente em maio de 1940 quando mil
tanques alemães irromperam por um mal guardado trecho
do front. Três semanas depois, Winston Churchill fez o
maior discurso de sua carreira, insistindo: “Devemos seguir
até o fim”. Mas quando seu secretário da Defesa reuniu
altos oficiais em um salão de hotel para perguntar se
“seria possível confiar que seus soldados continuariam
lutando em quaisquer circunstâncias”, a resposta deixou-o
chocado. “Nenhum de nós”, lembrou um dos oficiais,
“ousou avaliar qualquer proporção exata.”
A Grã-Bretanha, é claro, lutou de verdade, mas 12 meses
mais tarde a Alemanha dava a impressão de estar ainda
mais próxima da vitória. Com mais de 4 mil tanques
alemães indo para o leste, o exército soviético parecia que
ia desmoronar tão rapidamente quanto o francês. Os
“russos perderam essa guerra nos primeiros oito dias”,
anunciou o chefe do Estado-Maior alemão. Stálin
imediatamente teve um pequeno colapso nervoso e se
retirou para a sua casa de campo, onde – no oitavo dia – o
resto do Politburo foi procurá-lo. “Nós o encontramos em
uma poltrona na pequena sala de jantar”, escreveu um
deles. “Ele levantou a cabeça e disse: ‘O que vocês vieram
fazer aqui?’ Ele tinha o mais estranho dos olhares no rosto
e a própria pergunta era bem estranha.” Stálin, concluiu
seu seguidor, imaginara que haviam ido até lá para
executá-lo antes de se renderem aos alemães.
Mas os soviéticos também continuaram lutando, porque –
e essa foi a segunda lição que Hitler aprendeu com a
Primeira Guerra Mundial – não se perdem guerras apenas
no campo de batalha. Apesar de (ou será que era por
causa de?) suas experiências em trincheiras quando o
exército caiu em 1918, Hitler compartilhava a visão
popular de que a Alemanha nunca fora derrotada em
campo de batalha. Ela havia fracassado, ele estava certo
disso, porque traidores a haviam apunhalado pelas costas
– e foi a partir disso que ele concluiu que dessa vez a
Alemanha teria que atacar os possíveis traidores antes
mesmo do início da guerra. Ele começou pelos comunistas,
capturados aos milhares em 1933. A seguir foram os rivais
da extrema direita, assassinados em massa em 1934, e
depois, em escala ainda maior, todos os grupos julgados
insuficientemente alemães.
“O principal”, comentou Hitler reservadamente em 1938,
“é que os judeus sejam postos para fora.” O Império
Romano tinha expulsado os judeus de sua terra natal 2 mil
anos antes, e os europeus os haviam perseguido
periodicamente desde então, mas os nazistas, uma vez
mais, levaram as coisas além. O fato de os judeus não
terem uma pátria, argumentava Hitler, fazia deles o oposto
absoluto dos alemães, que tinham um vínculo sagrado com
a terra. A falta de raízes dos judeus e sua ambição
comercial iriam corromper o vindouro Reich de mil anos, e,
portanto, eles deviam ser erradicados. Praticamente no
minuto em que invadiram a Polônia em 1939 os soldados
alemães começaram a fuzilar judeus. Quando isso se
mostrou muito lento e caro, adaptaram caminhões para
usá-los como câmaras de gás móveis. Hitler
provavelmente tomou a decisão de capturar e matar todos
os judeus da Europa em julho de 1941, logo depois de
atacar a União Soviética. O círculo íntimo de Hitler,
concordando com seu mestre que os outros
Untermenschen – “sub-humanos” – da Europa também
teriam que ir embora, concebeu planos de cortar o
suprimento de comida para as cidades russas, a fim de
matar de fome dezenas de milhões de pessoas no inverno
seguinte.
Isso era a guerra do povo levada a extremos, e tornou a
Segunda Guerra Mundial única. Houve massacres
premeditados na Primeira Guerra Mundial (na Sérvia,
Bélgica, África e principalmente na Armênia), mas um
barbarismo calculado como esse, e nessa escala, era –
como Churchill observou – “uma tirania monstruosa, nunca
superada no seu catálogo sombrio e lamentável de crimes
contra a humanidade”. Nem todos os planos genocidas de
Hitler foram implantados, mas os nazistas mataram
também pelo menos 20 milhões de civis.
É por isso que, na Introdução deste livro, levantei a
questão “E como fica Hitler?”. Se é verdade, como venho
defendendo, que a guerra tem sido produtiva, criando
sociedades maiores que são pacificadas internamente e
geram crescimento econômico, então como fica Hitler? A
sua Alemanha o Maior Possível seria a maior sociedade
que o continente teria visto desde o Império Romano e, no
entanto, teria também empobrecido a maior parte de seus
súditos e tornado sua vida mais perigosa – o oposto exato
da guerra produtiva.
Sugeri na Introdução do livro que a solução para esse
problema “E como fica Hitler?” é bastante óbvia quando
assumimos uma perspectiva histórica de longo prazo.
Como o enjaulamento começou há 10 mil anos, os
conquistadores vêm produzindo devastação, mas eles ou
seus sucessores depois deparam com uma difícil escolha
entre se tornarem bandidos estabelecidos ou serem
substituídos por novos conquistadores, que irão enfrentar
exatamente as mesmas escolhas. Churchill predisse que,
se Hitler derrotasse a Grã-Bretanha, “o mundo todo,
incluindo os Estados Unidos, incluindo tudo o que
conhecemos e prezamos, irá afundar no abismo de uma
nova Idade das Trevas, que se tornará mais sinistra, e
talvez mais prolongada, pelas luzes de uma ciência
perversa”. No entanto, todas as evidências sugerem que o
regime de Hitler, na realidade, seria forçado a fazer a
mesma escolha entre o banditismo estabelecido ou a
extinção, como qualquer outro regime da história.
Hitler sempre reconheceu que vencer a guerra na Europa
não seria o final de sua luta. “Por um período de tempo
previsível, de cerca de uma a três gerações”, predisse ele,
a Europa oriental proveria espaço para que a raça
germânica crescesse, mas depois disso ela precisaria se
expandir mais, provavelmente no exterior. A essa altura,
em algum ponto entre as décadas de 1970 e 2030, os
sucessores de Hitler iriam travar uma Terceira Guerra
Mundial, na qual a Alemanha esmagaria o que tivesse
restado do Império Britânico e assumiria o controle do
globo.
Talvez porque estivessem tão convencidos de que foram
os traidores e não a chegada dos soldados norte-
americanos que lhes subtraíram a vitória em 1918 é que
poucos líderes nazistas entenderam que o verdadeiro
problema dos seus planos de longo prazo eram os Estados
Unidos, e não a Grã-Bretanha. Nada mais poderia explicar
por que, poucos dias após o ataque japonês a Pearl Harbor,
Hitler declarou guerra aos norte-americanos em vez de
alimentar a esperança de que a guerra no Pacífico pudesse
distraí-los da Europa. “De qualquer modo, qual é a
importância dos Estados Unidos?”, perguntou Hermann
Göring, chefe da força aérea alemã. Churchill, porém, viu
exatamente qual era a sua importância. “Agora, neste
exato momento, tomo conhecimento de que os Estados
Unidos entraram na guerra, até o pescoço e até a morte”,
disse ele ao saber de Pearl Harbor. “Portanto, nós
vencemos, finalmente!”
Hitler vinha fazendo planos vagos de atacar os Estados
Unidos desde 1938, e periodicamente ordenava às fábricas
alemãs que começassem a construir bombardeiros de
longo curso, capazes de chegar até Nova York, e grandes
frotas marítimas para lutar no Atlântico, mas acabava
cancelando as encomendas quando surgiam problemas
mais prementes. Se ele teria levado isso mais a sério se
vencesse a Grã-Bretanha e os soviéticos em 1940-1941 é
algo que só podemos especular, mas acho uma
especulação útil, porque, ao levantarmos essa questão,
vemos por que os nazistas, como todos os governantes
desde que as guerras produtivas tiveram início, seriam
logo forçados a escolher entre se tornarem bandidos
estabelecidos ou serem derrotados.
Se Hitler tivesse levado a sério a construção de
bombardeiros e frotas e tentasse travar uma guerra
transatlântica, logo teria deparado com as mesmas
dificuldades que os japoneses encontraram no Pacífico. A
primeira é que, assim que os norte-americanos tivessem
achado um jeito de sobreviver à Blitzkrieg, o combate iria
se transformar em uma longa e árdua competição
logística; e a segunda, que, mesmo tendo todos os
recursos de uma Europa escravizada à sua disposição,
Hitler não seria capaz de vencer essa competição.
Em alguns aspectos, a posição de Hitler era bastante
similar à de Napoleão, 135 anos antes. Ambos tentaram
conquistar a Europa casando as modernas energias da
guerra do povo com uma velha ideia de império, usando a
violência para unificar o anel interno da Europa e depois
isolá-lo das ordens comerciais e de livre acesso do anel
externo. Essa, como sugeri no capítulo 4, já era uma
estratégia fracassada quando foi tentada por Napoleão por
volta de 1805, porque a vasta riqueza gerada pela
economia do Atlântico significava que o poder real poderia
agora fazer com que a mão invisível e o punho invisível
trabalhassem juntos. Como a Grã-Bretanha estava fazendo
isso e Napoleão, não, o imperador nunca teve muita
probabilidade de superar a nação dos comerciantes. Na
época em que Hitler reencenou uma versão mais radical e
sangrenta dessa estratégia, por volta de 1940, a
probabilidade de que não desse certo era ainda maior.
Talvez não seja coincidência o fato de que Hitler,
exatamente como Napoleão, tenha sido obrigado a recuar
no canal da Mancha, nas neves de Moscou e nas areias do
Egito. Os dois tiveram o mesmo destino porque estavam
ambos tentando fazer a mesma coisa.
Se Hitler tivesse derrotado a Grã-Bretanha, se veria
enfrentando a ordem de livre acesso dos Estados Unidos,
ainda maior e mais dinâmica. Do mesmo modo que os
caçadores-coletores em confronto com os agricultores na
Pré-história, ou as sociedades sem Estado lutando contra
os antigos impérios, os autocratas dos séculos XIX e XX
estavam do lado errado da história.
Em vez de fundar o Reich de mil anos do qual Hitler
falava com tanta frequência, uma vitória nazista na Europa
teria criado uma situação bem parecida com a do mundo
real da Guerra Fria que ganhou forma depois de 1945. Um
império europeu totalitário e uma ordem norte-americana
de livre acesso teriam se encarado, protegidos por
barreiras de mísseis nucleares, disputando influência sobre
a América Latina e as carcaças dos antigos impérios
britânico e francês. Teriam patrocinado golpes de Estado,
travado guerras por procuração e cortejado os aliados um
do outro (Nixon poderia ter voado para Tóquio em 1972
para tentar separar o Japão da Alemanha, em vez de fazê-
lo até Pequim para tentar afastar a China da União
Soviética). Poderiam até ter passado por seus momentos
Petrov.
Haveria também diferenças, é claro. Se Hitler saísse
vencedor, o império europeu teria sido governado a partir
de Berlim, não de Moscou, e então se estenderia direto até
o Atlântico, em vez de parar na Cortina de Ferro. Hitler e
seus sucessores talvez fossem mais propensos do que
Stálin e os seus a arriscar uma guerra nuclear. E, sem a
Europa oriental em sua órbita, os Estados Unidos com
certeza teriam achado mais difícil levar a melhor. Mas no
final os nazistas ainda enfrentariam os mesmos problemas
essenciais que os comunistas, isto é, como competir com
uma ordem dinâmica de livre acesso do anel externo, e
seriam confrontados exatamente com as mesmas
escolhas. Poderiam acabar reconhecendo as vantagens da
economia de livre acesso e começar a imitá-la, como a
China continental fez após a morte de Mao em 1976, ou
poderiam ignorá-la e se desintegrar, como fez a União
Soviética em 1989.
Terei muito mais que dizer sobre a Guerra Fria na parte
final deste capítulo; aqui, contento-me em observar que
essas são as razões que me levam a concluir que o
problema “Como fica Hitler?” não é realmente um
problema (me refiro à teoria que apresento neste livro, não
às pessoas que viveram sob seu reino de terror). O regime
de Hitler foi um caso extremo nos anais da atrocidade.
Uma vitória nazista teria sido um desastre, condenando os
europeus por décadas ao controle da Gestapo e aos
campos de extermínio, elevando os índices de morte por
violência a níveis que não se viam havia séculos. Mas,
mesmo assim, os nazistas teriam permanecido sujeitos às
mesmas leis férreas que todos os demais governos da
história. Conforme as décadas se estendessem por
gerações, a necessidade de competir no aspecto comercial
e militar com a ordem de livre acesso teria forçado os
sucessores de Hitler a fazer uma escolha entre a derrota e
a transformação em bandidos estabelecidos. Na década de
2010, arrisco sugerir, a Europa ainda poderia continuar
como um continente sombrio, onde a polícia secreta
batesse à porta no meio da noite, mas a marcha
descendente do índice de mortes violentas teria sido
retomada. Hitler poderia desacelerar o processo civilizador,
mas não seria capaz de detê-lo de vez.
Bem, Hitler não venceu, é claro. Se tivesse lidado melhor
com a campanha de Estalingrado em 1942, ainda poderia
ter se saído melhor, e mesmo no verão de 1943, quando
protagonizou a maior batalha de tanques da história em
Kursk, ainda tinha alguma chance. Mas a essa altura seus
inimigos não só haviam aprendido a sobreviver à
Blitzkrieg, mas também a montar suas próprias versões.
Ao comprometerem suas imensas economias com a guerra
total, eles subjugaram a Alemanha e o Japão (Figura 5.11).
Mil ataques de bombardeiros aéreos atingiram os lares do
Eixo dia e noite, paralisando suas economias e matando
cerca de 1 milhão de civis (incluindo 100 mil em Tóquio em
uma única noite).
Figura 5.11. Subjugados: um soldado alemão de artilharia desespera-
se quando a maior batalha de tanques da história, em Kursk, em
julho de 1943, põe fim às esperanças de Hitler de derrotar a União
Soviética.
Chegando a Petrov
O Império Americano não tinha necessidade de forçar sua
entrada no núcleo central eurasiano, mas sem dúvida
precisava proteger e expandir mercados livres por todo o
anel interno, e especialmente na Europa ocidental. Sua
política de contenção implicava deixar os soviéticos
seguirem adiante como quisessem em seu próprio núcleo
central, mas também reagir a todos os avanços
comunistas dentro de seu anel interno. Se os Estados
Unidos não podiam ser um globocop, isto é, um policial
global, podiam pelo menos ser um globobouncer, ou seja,
um porteiro-segurança global.
Vista da perspectiva do núcleo central, como seria de
esperar, a contenção parecia mais um cerco. Para quase
todo lugar que o Politburo olhasse, da Escandinávia ao
Japão, os aliados norte-americanos os tinham aprisionado,
e suas riquezas e liberdade tentavam as nações do anel
interno a entrar para a órbita americana, ameaçando o
futuro do comunismo. Os ideólogos de Moscou faziam o
melhor possível para competir na guerra de ideias, e os
diversos planos quinquenais geraram um crescimento
econômico que teria sido impressionante em qualquer
época anterior. Mas, desde o primeiro instante em que
conquistaram a Europa oriental, os soviéticos tiveram que
se apoiar muito na força, mais ou menos como os czares
haviam feito antes deles.
A repressão fazia sentido para uma potência do núcleo
central. Distantes do grande fluxo de comércio oceânico e
incapazes de gerar tanta prosperidade quanto um império
do anel externo, os soviéticos tiveram muito mais
dificuldades do que os norte-americanos ou mesmo do que
os britânicos antes deles em comprar a lealdade com
padrões de vida mais elevados. No seu auge, em 1953
(último ano de vida de Stálin), o sistema do gulag abrigava
2,5 milhões de prisioneiros. Stálin chegara até a reabrir por
curto período o campo de concentração nazista de
Buchenwald, matando ali mais umas 10 mil pessoas. Em
dois casos de que se tem notícia, houve famílias que
tiveram um filho executado por Hitler e outro por Stálin.
As estatísticas soviéticas são notoriamente pouco
confiáveis, mas, por deprimente que seja esse
pensamento, os Estados policiais comunistas parecem ter
de fato reduzido os índices de crime violento a níveis muito
baixos. No entanto, claramente também tornaram os
súditos do Império Soviético infelizes, e os imensos gastos
exigidos para sustentar toda a máquina repressiva
distorceram a economia. Os padrões de vida soviéticos
aumentaram, sem dúvida, e mais ou menos dobraram
entre 1946 e 1960, mas a renda dos norte-americanos no
mesmo período chegou a triplicar.
Além de todos esses obstáculos, os recursos gastos no
milhão de soldados soviéticos necessários para ocupar a
Europa oriental criaram uma impressão nitidamente
ameaçadora do lado norte-americano da Cortina de Ferro,
e, com cada superpotência suspeitando das intenções da
outra (com frequência, tendo boas razões para isso), o
resultado inevitável foram constantes conflitos de
interesses em torno do anel interno. Na sombria disputa
que se seguiu, na qual combateram não só espiões e
policiais, mas também insurgentes e exércitos, os Estados
Unidos e a União Soviética descobriram – parafraseando
Marx – que, embora criassem suas próprias estratégias,
nem sempre eram capazes de fazê-lo segundo maneiras
que fossem de sua escolha. Ambas as superpotências
tiveram que trabalhar em estreita proximidade com
aliados, e muitas vezes a impressão era que o rabo
abanava o cachorro, e não o contrário. Os soviéticos
queixavam-se de que seus clientes da Alemanha Oriental
os arrastavam para crises que eles não desejavam, e o
primeiro-secretário-geral da Organização do Tratado do
Atlântico Norte (Otan), formada por iniciativa norueguesa
em 1949, brincou que a aliança era uma cínica conspiração
da Europa ocidental “para manter os russos fora, os norte-
americanos dentro, e os alemães por baixo”.
Na outra ponta da Eurásia, a política de alianças era mais
confusa ainda. Durante anos, Mao Tsé-tung havia
bombardeado Moscou com pedidos de ajuda para a Guerra
Civil chinesa, e Kim Il Sung pedia permissão para invadir a
Coreia do Sul. Stálin, preocupado em não provocar
Washington, esquivara-se dos dois, mas, quando Mao
surpreendeu a todos hasteando a bandeira vermelha em
Pequim, em 1949, Stálin achou que a tentação de expulsar
os Estados Unidos de vez do anel interno do Pacífico era
sedutora demais. Ele aprovou a Guerra da Coreia em 1950.
Foram necessários três anos, 3 milhões de mortos e
ameaças norte-americanas de ataques atômicos à China
para encerrar a luta. Os Estados Unidos haviam preservado
o anel interno, mas a um custo terrível, e em 1954
Eisenhower apresentou uma nova versão, de tolerância
zero, da contenção, chamada New Look (uma escolha de
nome bizarra, emprestada de uma linha de vestidos, com
saias rodadas compridas, lançada por Christian Dior em
1947). As explicações oficiais eram estudadamente vagas,
mas pareciam se resumir a uma retaliação nuclear maciça
contra qualquer ataque, onde quer que ocorresse. As
forças terrestres seriam cortadas ao mínimo, servindo
apenas como condutoras de armas nucleares. O
comandante da Otan na Europa foi franco. Nós “estamos
baseando todo o nosso planejamento em usar armas
atômicas e termonucleares para a nossa defesa”, escreveu
ele. “Agora já não se trata de: ‘Elas podem ser usadas’. É
algo bem definitivo: ‘Elas serão usadas’.”
Enquanto os soviéticos aceitassem que a guerra seria um
suicídio para eles, mas apenas um quase suicídio para os
americanos, o New Look de certo modo devolveria a
iniciativa a Washington, pelo menos contra Moscou e
Pequim (que conseguiu a bomba em 1964). Mas, graças à
estranha lógica do impasse nuclear, do tipo o rabo
abanando o cachorro, os países comunistas, mais fracos,
sentiram-se capazes de correr mais riscos, sabendo que os
Estados Unidos prefeririam perder as discussões com eles
a serem vistos como o perverso valentão que recorria a
armas nucleares contra um camundongo. Em 1954,
Eisenhower teve que reconhecer que não usaria armas
nucleares contra Ho Chi Minh na Indochina.
A velocidade com que a revolução nuclear nos assuntos
militares se desenvolveu tornou quase impossível adotar
estratégias estáveis. Em 1945, os Estados Unidos e a
União Soviética já haviam contratado o maior número
possível dos cientistas de foguetes de Hitler, pondo-os
para trabalhar no projeto de mísseis balísticos
intercontinentais (ICBMs). Em 1957, os soviéticos
conseguiram uma vitória apertada (“Nossos alemães são
melhores que os deles”, gabava-se Kruschev no filme The
right stuff [“Os eleitos”]) e usaram um dos seus primeiros
foguetes operacionais para colocar em órbita uma bola de
aço de 83 quilos, o Sputnik. Dentro havia um
radiotransmissor, que não fazia nada exceto emitir um
bipe, mas isso foi suficiente para deixar os norte-
americanos desesperados. “Ouçam agora”, advertia a
NBC, “o som que para sempre irá separar o velho do
novo.”
Mas, como quase tudo nesse admirável mundo novo, a
liderança dos soviéticos durou pouco. Dois anos depois os
Estados Unidos também haviam lançado ICBMs operantes,
e em 1960 ambos os lados já dominavam a arte de lançá-
los a partir de submarinos. Isso eliminou a possibilidade de
um primeiro ataque aniquilar um número de mísseis
inimigos suficiente para impedi-lo de revidar, e mais uma
vez alterou os cálculos.
No início da década de 1960, os Estados Unidos ainda
tinham uma superioridade nuclear de 9 contra 1 sobre os
soviéticos (Figura 5.14), e o Departamento de Defesa
projetava que um primeiro ataque norte-americano seria
capaz de matar 100 milhões de pessoas, praticamente
arrasando a União Soviética. No entanto, prosseguia o
relatório, um contra-ataque soviético às maiores cidades
dos Estados Unidos e de seus aliados mataria 75 milhões
de norte-americanos e 115 milhões de europeus,
arrasando a maior parte do resto do hemisfério norte.
Figura 5.14. Supermatança: os arsenais soviético e norte-americano,
1945-1983.
47 Alusão ao verso “Nature, red in tooth and claw”, do célebre poema do inglês
Tennyson “In memoriam A. H. H.”, de 1850. [N. T.]
Figura 6.1. O berço da guerra: locais da África mencionados neste
capítulo.
O jogo da morte
No início, havia bolhas.
Pelo menos, é assim que os biólogos costumam chamá-
las: pequenas cadeias de moléculas com base de carbono
unidas por toscas membranas. Essas bolhas começaram a
se formar há 3,8 bilhões de anos, por meio de reações
químicas entre proteínas simples e ácidos nucleicos. As
bolhas cresceram absorvendo substâncias químicas, e
quando ficaram grandes demais para as suas membranas
dividiram-se em múltiplas bolhas. Cada vez que uma bolha
se dividia, as substâncias químicas que a compunham
sabiam como se recombinar em novas bolhas, porque o
plano-base para a produção de bolhas estava codificado no
ácido ribonucleico (RNA), que dizia às proteínas o que elas
deviam fazer. Por mais banal que soe, esse foi o início da
vida.
Darwin deu uma definição memorável da evolução:
“descendência com modificação”. O RNA (ou, em formas
de vida mais complicadas como nós, o DNA, ácido
desoxirribonucleico) copia o código genético quase – mas
não totalmente – com perfeição, introduzindo mutações
genéticas aleatórias. A maior parte delas fizeram pouca
diferença para as bolhas; algumas poucas foram
catastróficas e fizeram as bolhas se romper (matando-as,
poderíamos dizer); e outras fizeram as bolhas se
replicarem melhor. Com o tempo – muito tempo –, as
bolhas mais eficientes passaram a se reproduzir em maior
número do que as menos eficientes.
A evolução talvez seja uma das coisas do mundo mais
paradoxais ainda do que a guerra. A seleção natural é uma
competição, mas as maiores recompensas vão para a
cooperação, resultando – para encurtar essa história de 3,8
bilhões de anos – na evolução de formas de vida baseadas
em carbono cada vez mais complexas, que cooperam e
competem de maneiras extraordinárias.
Trezentos milhões de anos de mutações genéticas
aleatórias produziram bolhas capazes de cooperar bem o
suficiente para formar células (feixes mais sofisticados de
moléculas baseadas em carbono, agrupadas em volta de
cadeias de DNA). As células superaram as bolhas na
competição por acesso à energia nos oceanos primordiais
da Terra, e por volta de 1,5 bilhão de anos atrás haviam se
tornado muito mais complexas. Pelos 2 bilhões de anos
anteriores, toda a vida se reproduzira por clonagem, e os
erros nas cópias genéticas eram a única fonte de
modificação. As novas células, porém, podiam cooperar,
partilhando a informação em seus DNAs – ou seja, por
reprodução sexual. O sexo aumentou massivamente a
variação no pool de genes, fazendo a evolução ganhar um
ritmo muito mais intenso. Há cerca de 600 milhões de
anos, algumas células partilhavam informação genética
tão profundamente que eram capazes de se agrupar aos
milhões para compor organismos multicelulares (nosso
corpo contém cerca de 100 bilhões de células).
As células desses animais cooperaram assumindo
funções diferentes. Algumas viraram guelras e estômagos,
para processar a energia de novas maneiras; outras se
tornaram sangue, para carregar essa energia pelo corpo
todo; e outras ainda converteram-se em conchas,
cartilagens e ossos. Por volta de 400 milhões de anos
atrás, alguns peixes viram suas guelras se transformar em
pulmões e as barbatanas, em pés; eles invadiram a terra.
As células de barbatanas ou pés não competiam com as
de estômagos ou ossos; em vez disso, cooperaram para
formar uma criatura capaz de competir de maneira mais
bem-sucedida com outros agrupamentos de células e
conseguir a energia de que todos esses animais
precisavam. O resultado foi uma corrida armamentista
evolucionista. Foram necessárias centenas de milhões de
anos, mas algumas células se especializaram em ser
sensíveis a luz, som, toque, gosto ou cheiro, e disso
resultaram olhos, ouvidos, pele, línguas e narizes, que
deram aos animais a informação sobre aonde ir e o que
fazer. Os nervos carregaram essa informação até um ponto
único, normalmente na parte frontal do animal, onde
formaram nós e pequenos cérebros.
Os animais que se tornavam cientes de seus próprios
corpos – sabendo onde estava a pele, onde eles mesmos
terminavam e o resto do mundo começava – tendiam a
competir melhor do que aqueles que não tinham ciência de
seus limites; e aqueles que tinham ciência da própria
ciência competiam melhor ainda. O cérebro tornou-se
consciente de que o animal em que estava alojado era um
indivíduo; formulou esperanças, medos e sonhos. O animal
tornou-se um “eu” e a mente fez sua aparição no mundo.
O fato de esse processo cego, não direcionado, de
descendência com modificação, ter transformado, ao longo
dos últimos 3 bilhões de anos, as bolhas de carbono em
poetas, políticos e indivíduos como Stanislav Petrov parece
uma espécie de milagre, e não deve nos causar surpresa
que até os dias de Darwin quase todo ser humano que aqui
viveu enxergasse a mão de deus (ou de deuses) por trás
do prodígio da vida. Mas essa história assombrosa também
tinha um lado mais sombrio.
Há cerca de 400 milhões de anos, das bocas de alguns
peixes brotaram dentes cartilaginosos, afiados o suficiente
– e implantados em mandíbulas fortes o suficiente – para
rasgar a carne de outros animais. Esses prototubarões
haviam descoberto um atalho na competição por energia.
Podiam roubar a energia presa no corpo de outros animais
comendo-os, e, quando deparavam com outros
prototubarões competindo pela mesma comida ou pelo
mesmo parceiro sexual, podiam lutar. Os dentes elevaram
a competição a outro patamar, e os outros animais
reagiram desenvolvendo escamas protetoras, maior
velocidade de fuga e dentes próprios (ou ferrões, bolsas de
veneno e – na terra – garras e presas) para revidar os
ataques. A violência evoluía.
Isso não transformou o mundo em um vale-tudo. Quando
um animal persegue outro que é capaz de revidar, ele
pensa duas vezes antes de atacar. Animais fortemente
armados com presas e garras rosnam, mostram os dentes
ou arrepiam as penas ou pelos, em vez de simplesmente
se atracarem com o agressor. Se essas bravatas não dão
resultado e o rival não se agacha, foge, nada ou sai
voando, as coisas podem chegar ao ponto de os dois se
engalfinharem com os chifres ou dar golpes de cabeça até
que um dos contendores reconheça sua inferioridade e
desista. Mas esse tipo de luta é arriscado, podendo causar
sérios ferimentos, e cada espécie desenvolveu maneiras
de evitar a luta por meio de elaborados sinais de
submissão, como rebaixar-se, mostrar a barriga ou a parte
traseira, e até urinar de medo.
Explicar esse comportamento dará a chave para
entender muitos dos comportamentos que vimos em nossa
própria espécie nos capítulos 1 a 5, mas, para chegar às
respostas, precisamos passar da biologia à matemática.
Imagine, dizem os matemáticos, dois animais que deparam
ao mesmo tempo com um bocado saboroso de alimento ou
com um parceiro disponível. Eles irão brigar? Todo tipo de
fatores irá intervir nessa decisão, e não há dois animais
que reajam exatamente da mesma maneira. Meus dois
cachorros, por exemplo. Um deles, Fuzzy, acha que todo
mundo é amigo dele e transforma todo encontro com outro
cão em um frenesi de abanar rabo, cheirar e lamber. O
outro, Milo, pressupõe que todos os cachorros (exceto
Fuzzy) estão prontos a atacá-lo. Ele rosna, ameaça e puxa
a guia; se tiver oportunidade, primeiro morde e depois
cheira.
E, no entanto, observam os matemáticos, por trás da
infinita variedade de personalidades de animais e contatos
efetivos existem padrões. A luta tem consequências para o
sucesso genético dos participantes. Os efeitos podem ser
diretos, como quando o vencedor transmite os genes
procriando ou o perdedor fica fora do pool de genes ao ser
ferido ou ao morrer, mas com maior frequência os efeitos
são indiretos. Um vencedor poderá se alimentar,
armazenando energia para procriar mais tarde, ou ganhar
prestígio, tornando-se mais atraente para parceiros e mais
intimidador para os rivais. Um perdedor poderá passar
fome ou perder prestígio.
Poucos animais (incluindo os humanos) ficam calculando
tão friamente enquanto o confronto está ocorrendo; em
vez disso, somos tomados por hormônios que evoluíram
justamente para nos ajudar a tomar decisões rápidas.
Substâncias químicas inundam nosso cérebro. Entramos
em pânico e fugimos, abanamos o rabo e nos
aproximamos, ou vemos tudo vermelho – “a louca agitação
do sangue”, dizia Shakespeare – e então explodimos de
raiva. As escolhas que cada animal faz, porém, afetam
suas chances de transmitir genes para a geração seguinte,
e, graças à lógica implacável da seleção natural, os
comportamentos que favorecem a transmissão aos poucos
substituem aqueles que não.
Podemos pensar nessas confrontações, sugerem os
matemáticos, como se fossem jogos, e atribuir pontos,
como em uma tabela de um campeonato de sucesso
genético, aos diferentes lances que um animal é capaz de
fazer. A teoria dos jogos (que é como os cientistas chamam
esse exercício) simplifica muito a realidade, mas nos ajuda
a ver como cada espécie – incluindo os humanos – faz
evoluir seu próprio equilíbrio entre lutar, temer e fugir.48
Vou pegar emprestado um exemplo do biólogo
evolucionista Richard Dawkins. Vamos dizer, propõe ele em
seu best-seller O gene egoísta, que um animal que vence
uma confrontação ganha 50 pontos na corrida para o
sucesso genético, enquanto um que perde pontua 0. Sair
machucado faz o jogador perder 100 pontos, e uma longa
confrontação que desperdiça tempo (que seria usado de
modo mais proveitoso comendo ou acasalando-se em
algum outro lugar) faz o animal perder 10 pontos.
Se os dois animais que se enfrentam são pombos, não
chegarão a lutar (não se trata de pombos de verdade; isso
é matemática, portanto “pombo” é um símbolo, indicando
um animal que nunca briga). Mas ambos querem o
parceiro, a comida ou o status que está em disputa;
portanto, surge um impasse, e há muito eriçar de penas e
olhares furiosos. Isso prossegue até que uma das aves
perde a paciência e sai voando. O vencedor então
consegue 50 pontos, mas perde 10 pelo tempo
desperdiçado, com um ganho líquido de +40. O pombo
que desiste pontua -10 (ganha 0 ponto e perde 10 pelo
tempo desperdiçado). O resultado médio desses
confrontos, repetidos milhões de vezes por milhares de
anos, é de +15 pontos (os 40 pontos do vencedor e os -10
do perdedor, divididos por 2).
Mas e se um dos pombos for na realidade um falcão? (De
novo, trata-se de um falcão matemático, o que significa
simplesmente um animal que sempre luta.) O falcão nunca
fica olhando fixo nem eriça as penas ou os pelos; ele ataca,
e o pombo foge. Se toda confrontação na qual esse falcão
entrar for contra um pombo, o falcão sempre irá ganhar 50
pontos (sem perder pontos, pois não desperdiçou tempo) –
muito mais do que os +15 que um pombo obtém na média
com sua estratégia. O resultado: os genes de falcão se
espalham pela população de pombos.
Mas agora intervém o paradoxo da evolução. À medida
que o número de falcões aumenta, fica maior a
probabilidade de um falcão se ver enfrentando outro falcão
em vez de um pombo, e nesse caso ambos irão atacar. Um
dos falcões vencerá (+50 pontos; para simplificar, vou
supor que ele não se feriu), e o outro será ferido, perdendo
100 pontos. O cômputo geral (50 – 100, dividido entre os
dois animais) dá -25 pontos.
Nessa situação, os pombos restantes saem-se
relativamente bem. Como eles sempre fogem, sempre
marcam 0 ponto, o que é bem melhor do que os -25 que os
falcões estão pontuando. Os genes de pombos começam a
se disseminar de novo na população. O sistema de
pontuação que Dawkins implementou nesse jogo significa
que o pool de genes irá se encaminhar para um ponto
ideal – o que os biólogos chamam de “estratégia
evolucionariamente estável” –, no qual cinco de cada 12
animais agem como pombos enquanto os outros sete o
fazem como falcões.
Mutações aleatórias, sorte e todo tipo de outras forças
constantemente tiram os números reais desse equilíbrio, e
então o jogo da morte os recoloca de novo. Cada espécie,
incluindo a nossa, terá seus casos à parte – seus Fuzzys e
Milos –, mas a maioria dos membros está mais ou menos
no meio, empurrados pelo jogo da morte em direção à
estratégia evolucionariamente estável, com sua própria
forma característica de violência.
Esse abstrato jogo da morte traz à tona os princípios
implícitos no uso da força em toda espécie de animal. Ele
sugere que nossa própria violência, como a de outras
criaturas, deve ser uma adaptação evolucionista, que
descende, com modificações, dos hábitos de ancestrais
que viveram há milhões de anos. Mas ao mesmo tempo a
teoria dos jogos nos mostra também as peculiaridades da
violência humana. Nós regularmente matamos, em vez de
apenas expulsar nossos inimigos. Como vencedores que
lutam até a morte enfrentam mais riscos do que
vencedores que aceitam submissão, os matadores deverão
na média obter ganhos menores no jogo da morte do que
os não matadores. Aquele que luta e foge vive para lutar
outro dia, e o mesmo vale para aquele que reconhece
sinais de submissão e deixa o perdedor ir embora.
Então, temos que perguntar: por que, quando Godi saltou
da sua árvore em Gombe em 1974 e correu para salvar a
vida, os kasekelanos o perseguiram, o derrubaram no chão
e o espancaram até a morte? Por que foram adiante e
mataram os demais machos kahama? Por que os
chimpanzés adotaram a violência letal como parte de sua
estratégia evolucionariamente estável? E por que fazemos
isso também?
O macaco nu
Os caminhos evolucionários que levaram a Chim e Yerkes
ramificaram-se há cerca de 7,5 milhões de anos. Em torno
deles, símios vivendo nas fronteiras da grande floresta
tropical da África central começaram a evoluir afastando-
se do proto-Pan e vindo em nossa direção – os únicos
animais com a capacidade de enjaular a própria Besta.
De novo, a comida parece ter estado no centro das
coisas. Como as árvores frutíferas são mais escassas
nessas terras secas de fronteira, que originaram primeiro
bosques mistos e depois savanas abertas, os símios
tiveram que descobrir coisas novas para comer a fim de
poder viver ali. Como a adversidade é a mãe da invenção
evolucionária, floresceu todo tipo de mutação genética à
medida que os símios se adaptavam. Os antropólogos têm
dado a essas criaturas nomes maravilhosos e exóticos –
Sahelanthropus ao norte da floresta tropical, Ardipithecus
a leste dela e diferentes tipos de Australopithecus por todo
o seu contorno –, mas irei chamar todos eles coletivamente
de proto-humanos.
Para o olho não treinado, os ossos de proto-humanos
parecem com os de qualquer outro símio, mas grandes
mudanças estavam ocorrendo. Ao longo de alguns milhões
de anos, os dentes molares ficaram maiores e mais
achatados, com grossa cobertura de esmalte. Isso tornou-
os ideais para triturar alimentos duros, secos, e as análises
químicas mostram que as comidas em questão eram
tubérculos e raízes de gramíneas. Esses alimentos são
boas fontes de carboidratos e ficam disponíveis mesmo em
períodos de seca, quando as partes das plantas acima do
solo murcham – é claro, desde que os símios possam cavar
o chão e mastigá-las. Portanto, qualquer mutação que
tornasse as patas mais ágeis iria produzir proto-humanos
mais gordos, mais fortes e provavelmente também
melhores lutadores, e, no conjunto, mais propensos a
disseminar seus genes pela população.
A anatomia dos tornozelos e alguns achados de pegadas
reais, deixadas por proto-humanos que andavam por
cinzas e lamas macias que depois endureceram e viraram
pedra, mostram que a mudança estava a caminho há
cerca de 4 milhões de anos. Proto-humanos haviam
começado a andar nas patas traseiras, liberando as
frontais para que se transformassem em braços. No
entanto, tais criaturas com certeza eram ainda muito
diferentes de nós. Tinham apenas 1,20 metro de altura,
provavelmente eram cobertas de pelos e ainda passavam
muito tempo nas árvores. Raramente – se é que o faziam –
construíam instrumentos de pedra e com certeza não eram
capazes de falar; e faz sentido apostar que os machos
ainda tinham testículos na escala do chimpanzé/bonobo.
Mas, não importa o quanto fossem simiescos, eles mais
do que compensaram isso ao levar as mutações no
caminho de cérebros cada vez maiores. Há 4 milhões de
anos, o Australopithecus médio ostentava 360 centímetros
cúbicos de matéria acinzentada (menos que o moderno
chimpanzé, que tem 410 centímetros cúbicos). Há 3
milhões de anos, isso havia aumentado para 460
centímetros cúbicos, e outro milhão de anos mais tarde
para 620 (hoje temos em média 1.400 centímetros
cúbicos).
Pode parecer evidente que cérebros maiores são
melhores do que os menores, mas a lógica da evolução é
mais complicada. Cérebros são caros de manter. Nosso
cérebro equivale em média a 2% do peso do corpo, mas
responde por 20% da energia que consumimos. Mutações
que produzem cérebros maiores só se disseminam se o
tecido cerebral que é acrescentado bancar esse acréscimo,
trazendo a comida adicional de que necessita. No meio da
floresta tropical, raramente era esse o caso, porque os
símios não precisam ser Einsteins para encontrar folhas e
frutos. Mas, nos bosques e savanas mais secos,
inteligência e suprimento de comida crescem juntos em
uma espiral positiva. Símios espertos dos bosques cavam
em busca de raízes e tubérculos, que bancam cérebros
maiores; símios ainda mais espertos conceberam maneiras
melhores de caçar, e a carne obtida bancou mais dessas
células cinzentas tão caras.
Armados com toda essa capacidade mental, os proto-
humanos passaram a trabalhar na invenção de armas. Os
modernos chimpanzés e bonobos ficaram conhecidos por
usar tocos e pedras para pegar comida e para atacar os
outros, mas por volta de 2,4 milhões de anos atrás os
proto-humanos já haviam compreendido que podiam bater
uma pedra na outra para obter bordas cortantes. Marcas
reveladoras mostram que eles usavam esses cortadores
(como os arqueólogos os chamam) para separar fatias de
carne dos ossos de um animal, embora até hoje não
tenhamos encontrado sinais de que os usassem para
arrancar fatias uns dos outros.
Os biólogos convencionalmente consideram que essa
combinação de cérebros de mais de 620 centímetros
cúbicos com a capacidade de fazer ferramentas é o limiar
a partir do qual os símios se tornam Homo (“humanidade”,
em latim), o gênero ao qual pertencemos, Homo sapiens
(“homem sábio”), e ao longo dos 500 mil anos seguintes o
Homo começou a ter aparência e modos bem mais
parecidos com os nossos. Por volta de 1,8 milhão de anos
atrás, no espaço de poucos milhares de gerações – um
piscar de olhos evolucionário –, a altura do adulto médio
disparou para mais de 1,5 metro. Os ossos ficaram mais
leves, com mandíbulas que se projetavam menos e narizes
que sobressaíam mais. O dimorfismo sexual – a diferença
de tamanho entre machos e fêmeas – declinou para a faixa
que vemos nas pessoas de hoje, e os proto-humanos
passaram em definitivo da vida nas árvores para a vida no
chão.
O rótulo que os biólogos usam para essas novas criaturas
é Homo ergaster, “homem trabalhador”, escolhido por
refletir sua habilidade na produção de ferramentas e
armas. Algumas delas podem ser muito bonitas,
produzidas a partir de pedras cuidadosamente
selecionadas e com acabamento feito com delicados
toques de “martelos” de madeira ou osso – tudo isso
exigindo cuidadosa coordenação, planejamento antecipado
e, é claro, cérebros maiores ainda (868 centímetros
cúbicos por volta de 1,7 milhão de anos atrás).
O Homo ergaster bancou sua imensa cabeça com uma
permuta peculiar: seus intestinos ficaram menores. Proto-
humanos anteriores tinham caixas torácicas que se
expandiam na parte de baixo, como as dos modernos
símios, para permitir acomodar intestinos enormes, mas as
costelas do Homo ergaster eram mais parecidas com as
nossas (Figura 6.8). Isso deixava menos espaço para vários
metros de tubo digestivo, o que coloca uma questão difícil
para os antropólogos. Os símios têm intestinos imensos
para que possam digerir as fibrosas plantas cruas das
quais se alimentam.
Figura 6.8. La bella figura: à esquerda, o mais bem preservado
esqueleto de Homo ergaster encontrado até hoje (conhecido como
Menino Turkana), pertencente a um menino de cerca de 10 anos que
morreu há 1,5 milhão de anos; à direita, a famosa Lucy, fêmea
adulta de Australopithecus afarensis que viveu há 3,2 milhões de
anos.
O dilema do pacifista
Em Os anjos bons da nossa natureza, talvez o melhor livro
sobre o moderno declínio da violência desde O processo
civilizador, de Norbert Elias, o psicólogo Steven Pinker
ilustra seus argumentos sobre a crescente paz da Europa e
América do Norte a partir de 1500 d.C. com um jogo que
ele chama de “O dilema do pacifista”. O formato básico é
mais ou menos como o dos jogos do pombo e do falcão e
do carneiro e da cabra, que vimos neste capítulo. Pinker
estipula que toda vez que há uma disputa a ser resolvida a
recompensa por cooperar vale +5 pontos para cada
jogador. A recompensa por você atacar um jogador
desavisado e simplesmente pegar o que quiser é de +10
pontos, enquanto o custo por sofrer um ataque desses é
punido com desproporcionais -100 pontos (se você já foi
assaltado alguma vez, isso fará sentido). Como esperado, o
medo de perder 100 pontos é suficiente para que todos
fiquem com o dedo no gatilho, mesmo que a pontuação
quando os dois jogadores atacam seja de -50 para ambos
(os dois jogadores se machucam, e nenhum dos dois
consegue o que quer). Todo mundo gosta de receber a
recompensa de +5 por cooperar, mas fica com -50 por
lutar para evitar os -100 quando é assaltado.
E, no entanto, nos últimos poucos séculos, lutar é algo
que tem declinado, e o mundo está indo na direção do +5.
Como Pinker assinala, a lógica do jogo da morte significa
que a única explicação possível é que as recompensas
mudaram com o tempo. Tanto as recompensas pela paz
como os custos da luta (ou ambos) cresceram tanto que o
número de situações nas quais a força compensa
encolheu, e temos reagido recorrendo cada vez menos à
força.
As mudanças que nós, pessoas de meia-idade, temos
visto ao longo da vida são francamente muito
impressionantes. Há alguns anos, eu dirigia uma
escavação arqueológica na Sicília, quando o assunto da
luta veio à tona durante um jantar. Um dos estudantes –
um garoto alto, robusto, de seus vinte e poucos anos –
comentou que não conseguia imaginar qual seria a
sensação de bater em alguém. Achei que estivesse
brincando, até que ficou claro que quase ninguém na mesa
havia alguma vez erguido a mão com raiva para alguém.
Por um instante, senti como se tivesse entrado em algum
episódio da antiga série de televisão Além da Imaginação.
Eu não fui uma criança briguenta, mas não havia como
frequentar a escola secundária nos idos da década de
1970 sem ter trocado socos alguma vez. Ao que parece, os
alunos da Universidade de Stanford devem estar próximos
de um dos extremos do espectro de não violência (os
psicólogos chamam essas pessoas de Weird – Western,
Educated, Industrialized, Rich and Democratic),50 mas
mesmo assim elas integram uma tendência mais ampla.
Estamos vivendo numa época mais afável, mais benévola.
Pinker sugere que houve cinco fatores que mudaram as
recompensas pela violência e fizeram com que a força
ficasse menos atraente. Primeiro, diz ele, vem nosso velho
amigo Leviatã. Os governos viraram bandidos
estabelecidos, passando a punir os agressores. Em seu
jogo dilema do pacifista, mesmo uma punição bem
pequena como a de -15 pontos iria fazer a recompensa por
ganhar uma luta passar de +10 para -5 pontos, o que seria
menos do que os +5 em média por ser pacífico. Isso logo
levaria os súditos do Leviatã a fazer as pazes.
Mas o governo, argumenta Pinker, foi só o primeiro
passo. O comércio também aumentou as recompensas da
paz. Se ganhos do comércio acrescentassem 100 pontos à
recompensa de cada jogador toda vez que ambos
escolhessem cooperar em vez de lutar,51 observa Pinker, o
escore resultante de +105 pontos iria ganhar de longe dos
+10 que todos poderiam pontuar vencendo uma guerra
(para não falar dos -50 com que seriam punidos por uma
guerra que se arrastasse sem vitória).
E depois, diz Pinker, há a feminização. Em toda sociedade
humana documentada os machos são responsáveis por
quase todo crime violento e todas as guerras. Ao longo da
história, os homens – e os valores masculinos –
predominaram, mas nos últimos séculos, a começar pela
Europa e América do Norte e depois espalhando-se pelo
mundo, as mulheres ganharam cada vez mais poder. Não
fomos tão longe como os bonobos, entre os quais as
fêmeas colocam os machos agressivos no seu devido
lugar, mas, sugere Pinker, o feminismo tem reduzido as
recompensas pela violência fazendo o machismo parecer
ridículo em vez de algo magnífico. Pinker especula que, se
80% da recompensa pela violência bem-sucedida é
piscológica, então a crescente importância dos valores
femininos iria fazer baixar os ganhos das vitórias de +10
para +2 pontos. Isso fica bem abaixo dos +5 pontos que
todo mundo consegue por ser pacífico, e rapidamente
transformaria o pacifismo em uma nova estratégia
evolucionariamente estável.
Mas isso não é tudo. Desde o Iluminismo do século XVIII,
continua Pinker, a empatia se tornou algo cada vez mais
importante. “Eu sinto sua dor” não é uma mera pieguice
new age; passar a ver as outras pessoas como parceiros
humanos fez subir não apenas as recompensas
psicológicas por ajudá-las, mas também aumentou os
custos por feri-las. Se a escolha da cooperação pacífica dá
a cada jogador apenas 5 pontos a mais em termos de
prazer, irá aumentar as recompensas por trabalhar juntos
para +10 pontos para ambos os lados, e, além disso, o fato
de não haver nenhuma redução pela culpa por ter causado
dor fará baixar a recompensa por agressão para apenas
+10 pontos. Paz, amor e compreensão sairão vencedores.
Finalmente, sugere Pinker, a ciência e a razão também
mudaram as recompensas. Desde a revolução científica do
século XVII aprendemos a ver o mundo objetivamente.
Sabemos como o universo começou, que a Terra gira em
torno do Sol e como a vida evoluiu. Descobrimos o bóson
de Higgs e até inventamos a teoria dos jogos. Saber que a
cooperação é mais racional do que o uso da força deve
elevar as recompensas psicológicas da cooperação e
reduzir as do uso da força.
Difícil discordar de qualquer um dos pontos de vista de
Pinker, mas acho que podemos ir além. Na Introdução
deste livro sugeri que a história global de longo prazo é
uma das nossas ferramentas mais poderosas para
entender o mundo, e agora quero sugerir que, ao limitar
seu foco à Europa ocidental e à América do Norte nos
últimos 500 anos, Pinker, na realidade, viu apenas parte do
quadro. Se em vez disso olharmos para o planeta todo nos
últimos 100 mil anos, descobriremos que o quadro é ao
mesmo tempo mais complicado e mais simples do que
Pinker sugere.
O que torna o quadro mais complicado é que o declínio
euro-americano na violência no último meio milênio não foi
um evento único. Nos capítulos 1 e 2 vimos que os índices
de morte por violência também caíram na era dos antigos
impérios, despencando por volta do final do primeiro
milênio antes de Cristo para talvez apenas um quarto do
que haviam sido 10 mil anos antes. Entre 200 e 1400 d.C.,
os índices de violência aumentaram de novo nas latitudes
afortunadas da Eurásia, onde vivia o grosso da população
mundial (capítulo 3), antes que tivesse início uma segunda
grande pacificação – aquela em que Pinker se concentra
(capítulos 4 e 5). Bem antes de 1900, o risco de morte por
violência havia caído e era mais baixo ainda do que no
tempo dos antigos impérios, e desde então continua
caindo (Figura 6.9).
O que torna o quadro mais simples que o de Pinker,
porém, é que, quando consideramos os períodos antigo e
moderno de declínio de violência e os comparamos com o
período medieval intermediário de aumento de violência,
descobrimos que basta um único fator, e não cinco, para
explicar por que a violência declinou. Esse fator, que a
essa altura do livro você talvez já saiba adivinhar qual seja,
é a guerra produtiva.
49 Digo “de acordo com o filme” porque, como me contou Richard Wrangham,
embora Freddy, Scar e seus diferentes padrões de comportamento sejam todos
bem reais, os dois chimpanzés, na realidade, vivem em lados opostos da África –
Freddy na Costa do Marfim e Scar em Uganda. Os cineastas permitiram-se uma
pequena licença artística e colocaram duas histórias separadas como se fossem
a mesma. A moral da história, no entanto, parece sobreviver a essa abordagem
flexível da realidade.
Vênus e Marte
Por muitos anos, o governo dos Estados Unidos publicou
regularmente um folheto chamado Defense Planning
Guidance, resumindo sua posição oficial sobre a estratégia
mais ampla. A maior parte desses guias eram documentos
bastante inócuos, mas, em fevereiro de 1992, apenas dois
meses após a dissolução da União Soviética, a comissão
encarregada de elaborar um novo guia fez algo
escandaloso. Contou a verdade.
O que ela apresentou foi um guia para globocops.
Embora os Estados Unidos não fossem capazes de
“assumir responsabilidade pela correção de tudo o que
está errado”, admitia o documento, “manteremos a grande
responsabilidade de corrigir seletivamente as coisas
erradas que ameacem não só nossos interesses, mas os de
nossos aliados ou amigos, ou que possam perturbar
seriamente as relações internacionais”. Isso significava
conseguir uma coisa importantíssima:
A analogia inevitável
“Quando se trata de prever a natureza e a localização de
nossos próximos compromissos militares”, declarou o
secretário da Defesa, Robert Gates, aos cadetes de West
Point em 2011, “nosso histórico tem sido perfeito. Não
acertamos uma única vez.”
Mas isso não impediu os militares de continuarem
tentando. Planos, afinal, precisam ser feitos, e sistemas de
armas ser providenciados, e na década de 1990, com o
desaparecimento da União Soviética e a diminuição do
número de conflitos entre nações, um especialista após
outro passou a concluir que já não haveria grandes
guerras. Os conflitos no Iraque e no Afeganistão depois de
2001 pareciam confirmar esse prognóstico. A partir de
agora, seria contrainsurgência o tempo todo.
E tanto foi assim que, quando tive a oportunidade, no
início de 2012, de visitar o Centro Nacional de Treinamento
do Exército dos Estados Unidos em Fort Irwin, Califórnia, vi-
me no meio de uma simulação de aldeia do Oriente Médio,
perfeita, com mesquitas e atores falando árabe. Juntei-me
a um grupo em uma cobertura inacabada, batida por forte
vento, para ver soldados tentando levar idosos “afegãos”
para uma reunião – e serem emboscados por jihadistas
falsos pelas ruelas. Uma bomba explodiu em um latão de
lixo com um barulho ensurdecedor. Franco-atiradores
surgiram por janelas e pelas encostas da montanha. Um
Humvee interveio, bloqueando um cruzamento importante.
Tudo era incrivelmente barulhento, poeirento e confuso
(Figura 7.5), mas o comboio finalmente conseguiu escapar.
Figura 7.5. Jogos de guerra de verdade: o tamanho do estrago em
2011 em uma simulação de aldeia do Oriente Médio, no Centro
Nacional de Treinamento do Exército dos Estados Unidos, em Fort
Irwin, Califórnia.
Partindo as correntes
A pior maneira pela qual os Estados Unidos poderiam
entender mal a China é a mesma pela qual a Grã-Bretanha
poderia ter entendido mal a Alemanha há um século:
entrando em guerra com ela.
Para os especialistas em Washington, o cenário militar
mais fácil de imaginar é que a China poderia tomar as ilhas
Senkaku, Spratly, Paracel, ou partes de territórios
igualmente isolados, talvez com a esperança de que uma
resposta fraca dos norte-americanos levasse seus aliados a
abandoná-los, partindo as correntes de ilhas. No entanto,
praticamente ninguém acha que esse cenário iria de fato
ocorrer. Em 2011, a revista Foreign Policy pediu a um
grupo de especialistas que avaliasse a probabilidade de
um conflito bélico sino-americano na próxima década,
segundo uma escala que ia de 1 (impossível) a 10
(certeza). Nenhum deles deu uma pontuação acima de 5, e
a média foi de apenas 2,4. Os não especialistas pensam da
mesma forma; naquele mesmo ano, o Pew Research
Center descobriu que apenas 20% dos norte-americanos
viam a China como a maior ameaça internacional – embora
isso represente o dobro do que era em 2009, e a China
tenha obtido pontuação mais alta que qualquer outro país
(em segundo lugar, com 18%, ficou a Coreia do Norte).
A razão pela qual esse cenário de tomada de ilhas parece
tão improvável é que, apesar do crescimento militar da
China, a supremacia norte-americana continua
impressionante. A agressão iria fazer cair sobre a China
uma contraofensiva que os planejadores norte-americanos
chamam de “AirSea Battle” [“Batalha ArMar”]. Os Estados
Unidos têm planos bem desenvolvidos para uma guerra
cibernética e iriam começar com um grande ataque
eletrônico, paralisando as estações de transmissão de
energia elétrica da China e as finanças, deixando cegos
seus satélites e sua vigilância, e obstruindo seus sistemas
de comando e controle. Mísseis de cruzeiro e balísticos,
capazes de atingir os alvos com precisão de 5 a 10 metros
mesmo depois de terem voado milhares de quilômetros,
abririam crateras nas pistas militares de pouso e
decolagem da China e aniquilariam suas defesas terra-ar.
Aviões furtivos, praticamente indetectáveis – bombardeiros
B-2, caças F-22 e até mesmo F-35 –, iriam atacar o interior,
arrasando bases de lançamento de mísseis. A China
perderia a iniciativa em questão de horas, e, embora os
almirantes norte-americanos pudessem ainda hesitar em
navegar o litoral chinês, suas aeronaves e mísseis navais
iriam afundar qualquer barco chinês estúpido o suficiente
para se lançar ao mar e pulverizariam qualquer brecha na
corrente de ilhas.
Especialistas em Pequim parecem concordar que a
tomada de ilhas seria insensata. Na verdade, sugerem
eles, o risco real de segurança não é de um ataque chinês
especulativo, mas de um ataque norte-americano
preventivo. Na década de 1950, os presidentes americanos
enviaram tanques para o rio Yalu e por duas vezes fizeram
ameaças de uma guerra nuclear. Mesmo o sensato
primeiro-ministro Hu Jintao às vezes se sentia sitiado;
observando em 2002 que os Estados Unidos haviam
“reforçado suas posições militares na região do Pacífico
asiático, fortalecido a aliança militar Estados Unidos-Japão,
reforçado a cooperação estratégica com a Índia,
melhorado as relações com o Vietnã, se aproximado do
Paquistão, fortalecido um governo pró-americano no
Afeganistão, aumentado a venda de armas para Taiwan, e
assim por diante”, ele sugeriu que “eles têm expandido os
postos avançados e colocado pontos de pressão sobre nós
a partir do leste, sul e oeste”. Para alguns generais
chineses, a lógica implacável do jogo da morte parece
estar encorajando os Estados Unidos a explorar sua
supremacia militar enquanto ainda podem, desferindo um
ataque espontâneo em seu rival em ascensão para
conseguir continuar outra geração como globocop.
Esse, no entanto, é o futuro menos provável de todos.
Globocops, como policiais reais, pagam um preço imenso
em reputação quando maltratam inocentes. Globocops
democráticos pagam um preço mais alto ainda, e, quando
a vítima em vista é também o banqueiro do globocop –
como a China é dos Estados Unidos –, maltratá-lo torna-se
realmente uma péssima ideia. A Pax Americana, como a
Pax Britannica antes dela, é tanto um equilíbrio
diplomático e financeiro quanto militar, e vencer uma
guerra preventiva seria prejudicial aos norte-americanos
quase tanto quanto aos chineses.
Se alguém ganharia com uma guerra dessas
provavelmente seria a Rússia, a quarta região que os
redatores do Defense Planning Guidance colocaram em
suas preocupações em 1992. Por uma década, seus
temores de um revanchismo da Rússia pareceram
deslocados, porque o país despencou por um abismo
econômico. A produção declinou 40% na década de 1990 e
os salários reais caíram 45%. O governo deu calote na
dívida em 1998, e o padrão de vida caiu tanto que em
2000 o russo médio passou a morrer mais jovem do que
seus avós. A Rússia ainda se manteve como o maior
arsenal nuclear do mundo, mas não era claro nem se seus
mísseis ainda funcionavam, e seus soldados deram um
triste espetáculo contra os islâmicos na Chechênia.
Mas desde a década de 1990 muita coisa mudou.
Alimentado pelas exportações de petróleo e gás, o PIB per
capita da Rússia dobrou entre 2000 e 2012. O Krêmlin
anunciou uma verba de 600 bilhões de dólares para
modernizar seus submarinos e mísseis, e está recuperando
uma força expedicionária menor e mais ágil a partir das
ruínas do velho Exército Vermelho. A Rússia continua muito
menos ameaçadora do que a União Soviética e pode
tornar-se menos ameaçadora ainda, segundo previsão do
Banco Mundial, conforme sua renda do petróleo caia
depois de 2015. Mas, mesmo assim, se a agressão norte-
americana empurrasse a China para os braços da Rússia,
esse seria um dos piores resultados possíveis para o
globocop. Um eixo russo-chinês controlando o núcleo
central eurasiano e um grande trecho de seu anel interno
seria o pior pesadelo de Mackinder.
Por alguns anos, a Rússia e a China colaboraram
vagamente para bloquear os planos norte-americanos na
Síria, Irã, Paquistão e Coreia do Norte, mas as diferenças
entre os dois países – sobre a venda de armas da Rússia
para o Vietnã e a Índia, sobre o acesso chinês ao petróleo e
ao gás russos e sobre a competição pela riqueza de
minérios do Cazaquistão e da Mongólia – têm até agora
sido obstáculos para que ocorra algo mais profundo. Longe
de ganhar mais tempo para atuar como globocop, se os
Estados Unidos vencessem a China no campo de batalha,
isso iria impedi-los de alcançar o ponto culminante de sua
estratégia, deixando Pequim sem outra opção a não ser
voltar-se para Moscou, trazendo com isso justamente o
desastre estratégico que os norte-americanos estavam
tentando impedir.
A conclusão óbvia é que, apesar de todos os preparativos
e reposicionamento político desde 2009, os custos de se
usar a força são proibitivamente altos para todos os
envolvidos, e as recompensas também são baixas. É difícil
imaginar alguém começando uma guerra de grandes
potências no leste asiático na década de 2010 – do mesmo
modo que era difícil imaginar que alguém fosse fazer isso
na Europa na década de 1870, quando o globocop
britânico começou a mostrar os primeiros sinais de perder
seu controle. Foram necessários mais 40 anos de relativo
declínio, nos quais a economia da Grã-Bretanha cresceu
mais lentamente do que a de seus rivais, para que alguém
se dispusesse a levar as questões ao extremo. E essa, na
minha visão, é a analogia histórica com a qual precisamos
nos preocupar. Se os 40 anos entre as décadas de 2010 e
de 2050 se desenrolarem de fato como os 40 anos entre as
décadas de 1870 e de 1910, eles serão os mais perigosos
da história.
Não há, é claro, garantia nenhuma de que a história irá
se repetir. Muita coisa pode mudar nas próximas quatro
décadas. O crescimento chinês pode estancar, como
ocorreu com o do Japão na década de 1990. Ou a
economia norte-americana pode ganhar novo fôlego,
revigorada quem sabe por sua presente revolução na
extração de gás e petróleo a partir de xisto e de areias
asfálticas. Isso promete (ou ameaça – os ambientalistas
condenam como suja a nova tecnologia de fracionamento)
disponibilizar vastos suprimentos de energia de fontes que
antes pareciam inaproveitáveis. Alguns economistas
também sugerem que uma “terceira revolução industrial”
em nanotecnologia e na impressão em 3D irá impulsionar
a produtividade norte-americana de maneira ainda mais
substancial. Os Estados Unidos poderão então confundir
seus críticos, como já aconteceu com frequência antes.
Muitas pessoas deram a América por perdida na década de
1930, para vê-la ressurgir e derrotar os nazistas na década
de 1940. Outros a deram por perdida de novo na década
de 1970, e o país derrotou os soviéticos nos anos 1980.
Quem pode afirmar que os Estados Unidos não irão
continuar o ciclo de 40 anos, recuperando-se de seus
infortúnios da década de 2010 para superar a China na
década de 2020?
As tendências atuais, no entanto, fazem com que esses
prognósticos otimistas pareçam bastante improváveis. É
provável que o crescimento chinês desacelere nas
próximas décadas, mas a maioria dos economistas acha
que mesmo assim continuará mais rápido do que a
expansão econômica americana. A Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), por
exemplo, prevê que o crescimento chinês irá baixar de
9,5% em 2013 para 4,0% em 2030, e prevê também que
em nenhum ano a economia norte-americana irá se
expandir mais do que 2,4%. A Comissão de Orçamento do
Congresso é mais pessimista ainda, definindo um teto para
o crescimento anual americano de 2,25% na década de
2020, e alguns analistas financeiros preveem que o
crescimento americano anual a longo prazo será em média
de apenas 1% a 1,4%.
A maioria das previsões é que a economia da China irá
superar a americana em algum ponto entre 2017 e 2027
(provavelmente em 2019, e quase com certeza por volta
de 2022, diz a The Economist). Segundo os contabilistas da
PricewaterhouseCoopers, o PIB da China será 50% maior
que o dos Estados Unidos na década de 2050, ao passo
que os economistas da OCDE acham mais provável que
essa diferença seja de 70%. E, a essa altura, os dois
grupos de especialistas concordam, a economia da Índia
também estará alcançando – ou ultrapassando – a norte-
americana (Tabela 7.1).
Todos juntos
O segredo da estratégia é saber aonde você quer ir,
porque só então você pode conceber como chegar lá. Por
mais de 200 anos, as pessoas que fizeram campanha pela
paz têm imaginado esse “lá”– um mundo sem guerra –
mais ou menos à maneira de Kant, como algo que pode ser
trazido à existência por uma decisão consciente de abrir
mão da violência. Margaret Mead insistia que a guerra era
algo que havíamos inventado e, portanto, algo que
poderíamos desinventar. Os autores de War sugeriram que
poderíamos acabar com a guerra protestando e gritando
que ela não traz nada de bom. Os cientistas políticos
tendem a ser menos idealistas, mas muitos deles também
sustentam que uma escolha consciente (dessa vez, de
construir instituições melhores, mais democráticas e mais
inclusivas) nos fará chegar lá partindo daqui.
No entanto, a história de longo prazo que tracei neste
livro aponta em uma direção muito diferente. Matamos
porque a lógica implacável do jogo da morte recompensa
isso. No seu conjunto, as escolhas que fazemos não
mudam as recompensas do jogo; ao contrário, são as
recompensas do jogo que mudam as escolhas que
fazemos. É por isso que não podemos simplesmente
decidir pôr fim à guerra.
Mas a história de longo prazo também sugere uma
segunda conclusão, mais animadora. Não estamos presos
a um Efeito Rainha Vermelha, condenados a reprisar a
tragédia autodestrutiva de globocops que criam seus
próprios inimigos até acabarmos de vez com a civilização.
Longe de nos manter no mesmo lugar, toda a corrida que
fizemos nos últimos 10 mil anos transformou nossas
sociedades mudando as recompensas do jogo; e nas
próximas décadas é provável que as recompensas mudem
tanto que o jogo da morte se torne algo totalmente novo.
Estamos começando a praticar o derradeiro jogo da morte.
Para explicar o que quero dizer com essa declaração tão
enigmática, vou me afastar um pouco dos horrores da
guerra para tratar de alguns argumentos de meus dois
livros mais recentes, Why the west rules – For now e The
measure of civilization. Como mencionei no final do
capítulo 2, nessas publicações apresentei o que chamei de
“índice de desenvolvimento social”, que mede o quanto as
diferentes sociedades foram bem-sucedidas em alcançar o
que elas queriam do mundo ao longo dos 15 mil anos
desde a última Era Glacial. O índice atribui pontos em
desenvolvimento social dentro de uma escala de 0 a 1.000,
este último valor sendo o mais alto possível sob as
condições que predominavam no ano 2000 d.C., até onde
o índice se estendia.
Armado com esse índice, perguntei – em parte com
alguma ironia, em parte com seriedade – o que aconteceria
se projetássemos essas notas no futuro. Como em
qualquer previsão, os resultados dependem das suposições
que fizermos; então, assumi deliberadamente um ponto de
partida conservador e perguntei qual seria a cara do futuro
se o desenvolvimento continuasse no século XXI no
mesmo ritmo que mostrou no século XX. O resultado,
mesmo com essa suposição restritiva, foi impressionante:
por volta de 2100, o índice de desenvolvimento terá
saltado para 5 mil pontos. O período que vai desde um
homem das cavernas pintando um bisão em Lascaux até
chegar a você que lê este livro exigiu que o
desenvolvimento subisse 900 pontos; em 2100, esse índice
terá aumentado próximo de 4 mil pontos.
“De pirar a cabeça” é a única expressão para uma
previsão como essa – literalmente, porque uma das
principais implicações de um desenvolvimento tão elevado
é que a própria mente humana será transformada no
século que temos à nossa frente. A computadorização não
está mudando apenas a guerra: está mudando tudo,
incluindo os animais que somos. A evolução biológica nos
deu cérebros tão poderosos que fomos capazes de
inventar a evolução cultural, mas a evolução cultural
chegou agora ao ponto em que as máquinas que estamos
construindo começam a retroalimentar nossa evolução
biológica – com resultados que irão transformar o jogo da
morte em um derradeiro jogo da morte, com o potencial de
tornar a violência supérflua.
É difícil imaginar algo que pudesse ser mais importante
para o futuro da guerra, mas em conversas que tive ao
longo do último ano, ou dos dois últimos, notei uma
profunda desconexão entre os tecnólogos e os analistas de
segurança na maneira de enxergar o mundo. Entre os
tecnólogos, nada parece ser otimista demais; tudo é
possível, e tudo vai se revelar melhor do que esperamos.
Na esfera da segurança internacional, porém, o ruim
sempre está prestes a ficar pior, e as coisas são sempre
mais assustadoras do que havíamos pensado. Os analistas
de segurança tendem a menosprezar os tecnólogos,
achando-os sonhadores, tão perdidos em fantasias
utópicas que são incapazes de ver que as realidades
estratégicas sempre irão se sobrepor ao blá-blá-blá
tecnológico; e os tecnólogos com frequência zombam do
pessoal de segurança – para eles, uns dinossauros, tão
presos ao velho paradigma que não conseguem ver que a
computadorização irá levar embora todas as suas
preocupações.
Há exceções, é claro. Os relatórios do National
Intelligence Council tentam juntar os dois pontos de vista,
como faz o recente livro A nova era digital, uma coautoria
do tecnólogo Eric Schmidt com o especialista em
segurança Jared Cohen. Tentando partir dos exemplos
deles – por mais esquizofrênica que a experiência possa
ser –, eu dedico o restante desta seção às projeções dos
tecnólogos e volto na seção seguinte para o teste de
realidade das preocupações com segurança. A combinação
produz uma visão do futuro próximo que é ao mesmo
tempo animadora e alarmante.
O ponto de partida dos tecnólogos é um fato óbvio:
computadores suficientemente poderosos para comandar
caças de combate em tempo real serão também poderosos
o suficiente para fazer muito mais. O quanto mais,
ninguém pode dizer com certeza, mas centenas de
futurólogos deram mesmo assim seus palpites. Como seria
de esperar, não há dois que concordem em muita coisa, e
se há alguma certeza é que essas visões estão pelo menos
tão cheias de erros quanto a ficção científica de Júlio Verne
e H. G. Wells um século atrás. Mas, pela mesma razão,
quando olhamos o conjunto de especulações, em vez de
testar uma por uma, vemos que os futurólogos de hoje
também se parecem com os dos últimos tempos vitorianos
ao reconhecer que há um amplo conjunto de tendências
transformando o mundo – e, no que diz respeito a
tendências amplas, Verne e Wells talvez estivessem mais
certos que errados.
A maior área de concordância entre os futurólogos
contemporâneos (e que constitui o sustentáculo dos filmes
Matrix) é que estamos nos mesclando com nossas
máquinas. Essa é uma previsão fácil de fazer, já que tem
sido anunciada desde que o primeiro marca-passo cardíaco
foi implantado em 1958 (ou, em um sentido mais tênue,
desde que surgiram os primeiros dentes postiços e pernas
de pau). A versão do século XXI, porém, é mais grandiosa.
Não estamos apenas nos mesclando com nossas
máquinas; por meio delas estamos também nos mesclando
uns com os outros.
A ideia implícita nesse desse argumento é muito simples.
Dentro do nosso cérebro, esse 1,2 quilo de magia sobre o
qual falei tanto no capítulo 6, 10.000 trilhões de sinais
elétricos cintilam para lá e para cá a cada segundo entre
os cerca de 22 bilhões de neurônios. Esses sinais fazem de
você quem você é, com sua maneira única de pensar e os
cerca de 10 trilhões de informações armazenadas que
constituem sua memória. Nenhuma máquina chega perto
desse milagre da natureza – embora as máquinas estejam
evoluindo rápido.
Durante meio século, o poder, a velocidade e o custo-
eficácia dos computadores têm dobrado a cada ano mais
ou menos. Em 1965, o valor de 1 dólar em computação em
um novo e supereficiente IBM 1130 conseguia comprar um
milésimo de cálculo por segundo. Por volta de 2010, o
mesmo dólar/segundo comprava mais de 10 bilhões de
cálculos e, por volta de 2014, a incansável duplicação
elevou isso a cerca de 100 bilhões. Laptops baratos podem
fazer mais cálculos, e mais rápido, que os mainframes
gigantes de 15 anos atrás. Podemos até fazer
computadores com apenas algumas moléculas de largura,
tão pequenos que podem ser inseridos em nossas veias
para reprogramar células e combater o câncer. Há apenas
um século tudo isso teria parecido feitiçaria.
Basta estender essa linha de tendência até 2029,
observa Ray Kurzweil (o mais conhecido dos futurólogos da
tecnologia e hoje também diretor de engenharia da
Google), e teremos escâneres com poder suficiente para
mapear cérebros, neurônio por neurônio, e computadores
com poder suficiente para rodar os programas em tempo
real. Nesse ponto, afirma Kurzweil, haverá de fato dois de
você: um, a versão velha, não aprimorada, biológica, que
se degrada com o tempo, e o outro, a alternativa nova,
imutável, baseada na máquina. Melhor ainda, diz Kurzweil,
as mentes baseadas na máquina serão capazes de
compartilhar informação com a mesma facilidade com que
agora trocamos arquivos entre computadores, e por volta
de 2045, mantidas as tendências, teremos
supercomputadores com poder suficiente para hospedar
escâneres de todos os 8 bilhões de mentes do planeta. A
inteligência baseada em carbono e silício se unirá em uma
única consciência global, com um poder de pensamento
que tornará irrisória qualquer coisa que o mundo já tenha
visto. Kurzweil chama esse momento de Singularidade –
“uma época futura durante a qual o ritmo da mudança
tecnológica será tão rápido, e seu impacto tão profundo
[...] que a tecnologia parecerá estar se expandindo a uma
velocidade infinita”.
São afirmações extraordinárias. Naturalmente, há muita
gente que nega isso, incluindo alguns destacados
cientistas, além de futurólogos rivais. Eles costumam ser
diretos: a Singularidade é simplesmente “o Arrebatamento
para nerds”56, diz o escritor de ficção científica Ken
MacLeod, enquanto o influente crítico de tecnologia
Evgeny Morozov acha que toda essa “baboseira dígito-
futurista” não passa de uma “teoria da história cyber-whig”
(não tenho muita certeza do que isso significa, mas
claramente não se trata de um elogio). Um neurocientista,
falando em uma conferência em 2012, foi mais direto
ainda. “É lixo”, disse ele.
Outros críticos, no entanto, preferem seguir o exemplo do
célebre físico Niels Bohr, que uma vez comentou com um
colega: “Todos concordamos que a sua teoria é louca. A
questão que nos divide é se ela é louca o suficiente para
ter alguma chance de estar certa”. Talvez, segundo alguns,
Kurzweil não esteja sendo louco o suficiente. Uma pesquisa
de 2012 com observadores de bola de cristal descobriu
que a data mediana em que eles previram uma
Singularidade tecnológica foi 2040, cinco anos antes da
projeção de Kurzweil; e Henry Markram, neurocientista que
dirige o Human Brain Project, espera chegar lá (com a
ajuda de uma verba de 1 bilhão de euros da União
Europeia) por volta de 2020.
Mas, quando saímos das adivinhações para o que está de
fato acontecendo nos laboratórios, descobrimos – talvez
sem muita surpresa – que, embora ninguém possa prever
os resultados detalhados, a tendência geral continua indo
na direção da computadorização de tudo. Falei um pouco
desse tipo de ciência em meu livro Why the west rules –
For now; então, aqui posso ser breve, mas mesmo assim
quero destacar alguns avanços notáveis no que os
neurocientistas chamam de “interface cérebro-cérebro”
(em português coloquial, telepatia pela internet),
realizados desde que esse livro apareceu em 2010.
O primeiro requisito para mesclar mentes por meio de
máquinas é contar com máquinas capazes de ler os sinais
elétricos dentro do nosso crânio, e, em 2011,
neurocientistas da Universidade da Califórnia, Berkeley,
deram um grande passo nessa direção. Depois de medirem
o fluxo sanguíneo pelo córtex visual de voluntários
enquanto eles assistiam a trechos de filmes, os
pesquisadores usaram algoritmos de computador para
reconverter os dados em imagens. Os resultados foram
toscos, granulados e bastante confusos, mas Jack Gallant,
o neurocientista que comandava o projeto, está certo ao
dizer: “Estamos abrindo uma janela para os filmes das
nossas mentes”.
Apenas alguns meses antes, outra equipe de Berkeley
registrou a atividade elétrica em cérebros de pessoas que
estavam ouvindo a fala humana, e depois os
computadores traduziram esses sinais em palavras. Outros
experimentos eram mais complicados: o primeiro exigia
que os voluntários ficassem deitados durante horas,
amarrados dentro de escâneres de ressonância magnética,
enquanto o segundo experimento só podia ser realizado
durante cirurgias cerebrais, em pacientes que tivessem
tido grandes fatias de seu crânio removidas e com
eletrodos colocados dentro dele. “Existe um longo caminho
até se chegar a uma adequada leitura da mente”, concluiu
Jan Schnupp, professor de neurociência da Universidade de
Oxford, em sua avaliação da pesquisa, mas, acrescentou:
“É mais uma questão de quando do que de se... É
concebível que nos próximos 10 anos isso possa
acontecer.”
O segundo requisito para a telepatia pela internet é
encontrar uma maneira de transmitir sinais elétricos de um
cérebro a outro, e em 2012 Miguel Nicolelis, neurocientista
da Duke University, mostrou como isso poderia ser feito,
conseguindo que ratos em seu Brasil nativo controlassem
os corpos de ratos na Carolina do Norte. Por meio de
treino, os roedores sul-americanos sabiam que, quando
uma luz piscasse, poderiam obter petiscos apertando uma
alavanca. Eletrodos ligados às suas cabeças captavam
essa atividade cerebral e a enviavam pela internet aos
eletrodos da cabeça de roedores norte-americanos – que,
mesmo sem terem sido treinados nem contarem com luzes
piscando, apertavam a mesma alavanca e obtinham o
petisco em 70% do tempo.
Setenta por cento ainda está longe de ser perfeito; os
cérebros de ratos são muito mais simples que os nossos, e
apertar uma alavanca não é uma tarefa muito desafiadora.
Mas, apesar da miríade de problemas técnicos, uma coisa
parece certa. A interface cérebro-cérebro não vai parar em
ratos movendo as patas uns dos outros pela internet. Pode
se desenvolver de maneiras totalmente diferentes da visão
de Kurzweil – que, segundo Nicolelis, não passa de “um
monte de bobagens” –, mas continuará a se desenvolver
mesmo assim. (Nicolelis, na realidade, acha que
chegaremos mais ou menos ao mesmo lugar que Kurzweil
imagina, mas vindo da direção oposta: em vez de transferir
dados de scans do cérebro para computadores, diz ele,
iremos implantar computadores no nosso cérebro.)
Como os especialistas não conseguem entrar em acordo
nos detalhes, ganharemos muito pouco escolhendo
arbitrariamente uma profecia e levando-a adiante. No
entanto, há menos ganho ainda em fingir que não está
acontecendo nada. Faremos melhor se atentarmos às
sábias palavras de Richard Smalley, Prêmio Nobel – um
químico cativante que costuma ser chamado de “pai da
nanotecnologia”. A Lei de Smalley (como gosto de chamá-
la) nos diz que: “quando um cientista afirma que algo é
possível, ele está talvez subestimando quanto tempo irá
levar. Mas, se disser que é impossível, provavelmente está
equivocado”. Não importa com que exatidão irá funcionar,
e se gostamos da ideia ou não, a interface cérebro-cérebro
– como o tenente-coronel Thomas Adams, citado algumas
páginas atrás, disse da robótica no campo de batalha –
está nos levando a um lugar onde a gente talvez não
queira ir, mas que talvez seja incapaz de evitar.
Esse lugar é nada menos do que um novo estágio de
nossa evolução. Iniciada há mais de 100 mil anos, a luta
para sobreviver em um mundo hostil da Era Glacial criou
condições nas quais estranhos mutantes com cérebros
grandes – nós – poderiam superar espécies anteriores de
proto-humanos na competição e substituí-las. Isso ocorreu
embora os proto-humanos substituídos tivessem sido os
criadores dos mutantes, ao ter sexo e produzir variações
genéticas aleatórias, algumas das quais floresceram sob a
implacável pressão da seleção natural. Parece improvável
que proto-humanos quisessem criar monstros que os
levassem à extinção, mas, sendo a evolução o que é, eles
não tiveram escolha nessa questão.
Pois tudo o que o homem semear, isso também ceifará;
e, agora, mil séculos depois, estamos fazendo algo
bastante similar ao que os proto-humanos fizeram, só que
mais depressa, por meio de evolução cultural, e não
biológica. Em nossa luta pela sobrevivência em um mundo
superlotado, em aquecimento, estamos criando novas
espécies de estranhos mutantes de grandes cérebros,
usando máquinas para mesclar nossas mentes não
aprimoradas, individuais e meramente biológicas com
alguma espécie de superorganismo. O que estamos
fazendo é, em certo sentido, a mais nova ordem de livre
acesso, rompendo todas as barreiras entre indivíduos.
Idade, sexo, raça, classe, linguagem, educação, o que você
disser – tudo irá se dissolver no superorganismo.
Talvez o processo só vá até o ponto de compartilhar
pensamentos, memórias e personalidades (o palpite de
Nicolelis). Ou talvez chegue a um ponto em que
individualidades e corpos físicos já não signifiquem muita
coisa (o palpite de Kurzweil). Ou pode ir além, e o que
estamos chamando, de modo condescendente, de
“inteligência artificial” irá suplantar completamente a
ineficaz e antiquada inteligência animal. Não podemos
saber, mas, se a história a longo prazo é algum guia,
temos que suspeitar que de uma maneira ou de outra os
mutantes – a nossa nova versão – irão substituir o velho
nós tão completamente quanto o velho nós substituiu os
neandertalenses.
Mais uma vez parece que não há nada de novo sob o sol.
A interface cérebro-cérebro é apenas o último capítulo de
uma história antiga. Há 2 bilhões de anos, as bactérias
começaram a se mesclar para produzir células simples.
Mais 300 milhões de anos depois disso células simples
começaram a se mesclar em células mais complexas e,
depois de outros 900 milhões de anos, células complexas
passaram a se mesclar em animais multicelulares. Em
cada estágio, organismos mais simples abriram mão de
algumas funções – de um pouco de sua liberdade, em
certo sentido – a fim de se tornarem partes mais
especializadas de outro ser maior, mais complexo. As
bactérias perderam seu caráter de bactérias, mas
ganharam o caráter de células; células perderam seu
caráter de células e ganharam animalidade – e, no final,
consciência; e agora talvez estejamos prestes a perder
nossa animalidade individual à medida que nos tornamos
parte de algo tão afastado do Homo sapiens quanto
estamos de nossas células ancestrais.
As consequências para o jogo da morte são, para dizer o
mínimo, enormes. Dois mil anos atrás, o historiador
romano Lívio contava uma história sobre uma época em
que sua cidade havia ficado profundamente dividida. Os
pobres, disse ele, se ergueram contra os ricos, chamando-
os de parasitas. Conforme as tensões aumentaram,
Menenius Agripa, um destacado senador, entrou no
acampamento dos rebeldes para tentar apaziguá-los.
“Houve um tempo”, começou Agripa, “em que nem todas
as partes do corpo humano estavam de acordo como
agora, e cada uma tinha as próprias ideias.” O estômago,
na visão dos outros órgãos, não fazia nada o dia inteiro, a
não ser criar gordura aproveitando-se dos esforços deles,
“e então”, continuou Agripa, “armaram um complô, e a
mão não levou mais comida à boca, e a boca não aceitou
mais nada do que lhe era dado, e os dentes não
mastigaram mais. Só que, enquanto os órgãos revoltados
ficaram tentando subjugar o estômago, o corpo todo
definhou”. Os rebeldes entenderam a mensagem.
Quanto mais essa interface cérebro-cérebro avança, mais
a parábola de Agripa se torna realidade. Essa interface
pode até reduzir a zero as recompensas pela violência. Se
isso vier a acontecer, então a Besta, junto com a nossa
animalidade básica, será extinta, e já não fará sentido que
inteligências mescladas resolvam suas divergências com
violência (seja lá o que “divergências” e “violência”
possam querer dizer então). Pelo menos, não fará mais
sentido do que faz para mim arrancar meu nariz para
ofender meu rosto.
Ou talvez não seja isso o que irá acontecer. Se há sentido
nessa analogia entre células mesclando-se para criar
corpos e mentes mesclando-se para criar um
superorganismo, o conflito pode simplesmente evoluir para
novas formas. Nossos próprios corpos, afinal, são cenários
de uma luta incessante. Uma mulher grávida compete com
seu bebê na barriga pelo sangue e açúcar que seu corpo
carrega. Se a mãe obtém sucesso demais, o feto sofre
danos ou morre; se o feto obtém sucesso demais, a mãe
pode sucumbir a uma pré-eclâmpsia ou a uma diabete
gestacional, capazes de matar tanto a mãe quanto a
criança. Um superorganismo pode enfrentar conflitos
similares, talvez sobre que parte dele terá acesso a mais
energia.
Atualmente, cerca de 1 pessoa em cada 40 também tem
lutas ocorrendo dentro de suas células, onde os chamados
cromossomos B se alimentam das substâncias químicas do
corpo, mas se recusam a participar da troca de genes, e
cerca de 1 pessoa em 500 tem câncer, quando algumas de
suas células se recusam a parar de se replicar, não importa
o custo que isso imponha ao resto do organismo. Para nos
protegermos desses castigos e contra os vírus que nos
invadem vindos de fora, nossos corpos têm feito evoluir
várias linhas de defesa microscópicas. Um superorganismo
talvez precise fazer algo similar, quem sabe até produzindo
os equivalentes a anticorpos que possam matar intrusos
ou partes do próprio corpo que passem a atuar
perniciosamente. Afinal, como a maioria de nós aprendeu à
própria custa, as máquinas são tão vulneráveis a vírus
quanto os animais.
Há muito para se especular. Mas podemos ter certeza de
que a interface e a mescla cérebro-cérebro por meio de
nossas máquinas estão se acelerando. As velhas regras,
pelas quais vínhamos praticando o jogo da morte por 100
mil anos, estão chegando ao seu ponto culminante e
adentrando um derradeiro jogo da morte inteiramente
novo. Se jogarmos mal, praticamente não há limites para
os horrores que poderemos infligir a nós mesmos. Mas, se
jogarmos bem, antes do final do século XXI, o velho sonho
de um mundo sem guerra talvez se torne realidade.
INTRODUÇÃO
“Estou me reportando a você”: D. Hoffman 2009, p. 11.
Talvez você não esteja: a frase é normalmente atribuída a Trótski, mas pode
ser apenas uma má tradução da paráfrase de uma carta que ele escreveu a
Albert Goldman em junho de 1940
(http://en.wikiquote.org/wiki/Leon_Trotsky#Misattributed).
“War! / Huh, good God”: Norman Whitfield e Barrett Strong, War (1969).
Whitfield e Strong compuseram a canção originalmente para os Temptations,
que a gravaram em seu álbum de 1970 Psychedelic shack, mas nunca o
lançaram como single. Edwin Starr regravou-a mais tarde em 1970 e levou-a
ao primeiro lugar das paradas.
“Paz para o nosso tempo”: Neville Chamberlain, discurso na 10 Downing
Street, em 30 de setembro de 1938, publicado na Times de 1º de outubro de
1938, www.thetimes.co.uk/tto/archive/.
“Bem sabe Deus, deveria existir uma maneira melhor”: Whitfield e Strong,
War.
“uma lógica linear não contraditória”: Luttwak 2001, p. 2.
“a guerra é sempre”: Liddell Hart 1967, p. 368. Aqui Liddell Hart brincava com
os comentários de São Paulo sobre o mal (Romanos 3:8). Tremo só de pensar
no que teria dito do lema empresarial da Google, “Don’t be evil” (“Google code
of conduct”, 8 de abril de 2009, http://investor.google.com/corporate/code-of-
conduct.html; o lema foi originalmente sugerido por Paul Buchheit e Amit
Patel).
capturou um terrorista: professor Chris Bobonich, Stanford University, outono
de 1999.
“as perdas de vidas”: Richardson 1960, p. ix-x. Essas frases foram, na
realidade, escritas pelos editores de Richardson, extraídas de sua própria
prosa mais indireta.
“Em tais condições”: Thomas Hobbes, Leviatã (1651), cap. 17.
“Na terra não há coisa que se lhe possa comparar”: Jó, 41:33-34. [Bíblia
sagrada, tradução de João Ferreira de Almeida.]
“A obtenção”: Hobbes, Leviatã, cap. 17.
“igualmente alheio”: Jean-Jacques Rousseau, A discourse upon the origin and
the foundations of inequality among mankind (1755), parte 1.
“O governo [...] não é a solução”: Ronald Reagan, discurso de posse,
Washington, D.C., 20 de janeiro de 1981,
www.presidency.ucsb.edu/ws/index.php?pid=43130#axzz1iWuZS4P3.
“as 10 palavras mais aterrorizantes”: Ronald Reagan: “Remarks to
representatives of the future farmers of America”, 28 de julho de 1988,
www.reagan.utexas.edu/archives/speeches/1988/072888c.htm. Reagan
costuma ser citado equivocadamente como tendo dito: “As nove palavras mais
aterrorizantes da língua inglesa são: ‘Eu sou do governo, e vim aqui para
ajudá-lo’”.
“Um deputado”: Ronald Reagan, “Address to the Republican State Central
Committee Convention”, 7 de setembro de 1973,
http://en.wikiquote.org/wiki/Ronald_Reagan.
“a guerra fez o Estado”: Tilly 1975, p. 42.
“Hobbes estava mais perto da verdade”: Gat 2006, p. 663.
“se a primitiva era dourada de Rousseau”: Keeley 1996, p. 178.
“Hobbes estava certo”: Pinker 2002, p. 56.
“um conto de seis vertentes”: Pinker 2011, p. xxiv.
“Generals gathered”: Tony Iommi, War pigs, lançado pelo Black Sabbath no
álbum Paranoid (Vertigo, 1970; Warner Brothers, 1971).
“Bem [...] não é que eu não esteja gostando [...]”: Kathy St. John, comunicação
pessoal, outubro de 2008.
“O for a Muse of fire”: William Shakespeare, Henry V (1599), 1.1.1.
“A longo prazo”: Keynes 1923, p. 80.
“Trabalho para um governo”: Keynes para Duncan Grant, 15 de dezembro de
1917, citado em Moggridge 1992, p. 279.
“A tabela deve ser lida”: N. Ferguson 2004, p. 11.
“All the isms have become wasms”: Citado em Andrew Roberts 2011, p. 10.
1. DEVASTAÇÃO?
“Homens do norte!”: Minha versão do discurso de Cálgaco é uma tradução
livre e truncada da prosa latina mais formal de Tácito em Agricola 30
(publicado por volta de 98 d.C.). Tácito descreve sua versão como sendo
apenas “o conteúdo do que [Cálgaco] disse segundo os relatos” (Agricola 29);
portanto, senti-me à vontade para tomar algumas liberdades. Não há como
dizer, entre a minha versão em inglês e a versão latina de Tácito, qual das
duas está mais próxima da versão celta original de Cálgaco.
Fontes romanas regularmente usam o termo “Caledônia” para o que
chamamos hoje de Escócia, mas não sabemos se o povo que lá viveu via a si
mesmo como caledônio. Portanto, fiz Cálgaco chamá-los de “homens do norte”
(com um toque de George R. R. Martin). Tácito também usava o termo
“bretões” indiscriminadamente para os povos que viviam onde hoje
corresponde a Inglaterra, País de Gales e Escócia; mais uma vez, não sabemos
se os povos antigos viam a si mesmos como bretões. Mattingly 2006; Mattingly
2011, p. 81-93, 219-36.
Nenhum plano sobrevive: atribuído a Helmuth von Moltke (também conhecido
como Moltke, o Velho). Sua fala real foi mais intrincada. Hughes 1995, p. 43-
45.
“os bretões dispersos”: Tácito, Agricola 38.
“Deixe a Ásia refletir sobre isso”: Cícero, Letters to my brother Quintus 1.1.34
(60/59 a.C.).
“Os germânicos não gostam de paz”: Tácito, Germania 14 (98 d.C.).
“uma narrativa de eventos recentes”: Felipe de Pérgamo, FGrH 95 T1 (década
de 30 a.C.). Tradução modificada a partir de Chaniotis 2005, p. 16. Exceto por
esse fragmento, History, de Felipe, não sobreviveu.
“exterminar toda forma de vida”: Políbio 10.15.
“continuaram matando até”: Talmude de Jerusalém (composto em c. 200-400
d.C.), Ta’anit 4:5.
“nenhum homem deveria considerar-se rico”: Crasso, citado em Plutarco, Life
of Crassus 2 (publicado em c. 120 d.C.).
“quanto mais os homens se dispõem”: Tácito, Annals 1.2 (inacabado devido à
morte de Tácito em 117 d.C.).
“O boi vagueia pelos campos”: Horácio, Odes 4.5.17-19 (publicado em c. 15
a.C.).
Roma “proveu-nos com”: Epíteto, Discourses 3.13.9 (publicado por volta de
108 d.C.).
“se alguém fosse chamado”: Edward Gibbon, History of the decline and fall of
the Roman Empire (Londres, 1776), v. 1, cap. 3.
“Durante uma troca”: Tácito, Annals 14.17.
“vivíamos em paz e harmonia”: informante croata da Bósnia, citado em
Goldhagen 2009, p. 212.
“nação por aquisição”: Hobbes, Leviatã, cap. 17.
“Primeiro sofríamos”: Tácito, Annals 3.25.
precisaria de três anos: Cícero, Against Verres 1.40 (publicado em 70 a.C.).
“Quem não reconhece agora”: Plínio, o Velho, Natural history 14.2 (publicado
em 79 d.C.).
“pela imensa recompensa”: Gibbon, Decline and fall, v. 1, cap. 3.
governantes são bandidos estabelecidos: Olson 2000, p. 6-14.
“Vim, vi, venci”: Júlio César, provavelmente escrito em uma carta a um amigo
em Roma, 47 a.C. (citado em Plutarco, Life of Caesar 50. Suetônio, The deified
Julius 37, tem um relato um pouco diferente).
“libertado os habitantes de Lagash”: Uru’inimgina de Lagash, c. 2360 a.C.,
trad. em J. Cooper 1986, no 9.
“Eu, até mesmo eu”: Corpus inscriptionum latinarum 11.11284 (c. 250-260
d.C.), trad. em MacMullen 1974, p. 43.
“Pessoal”: Rodney King, 1º de maio de 1992, www.youtube.com/watch?
v=2Pbyi0JwNug&playnext=1&list=PLB874144170217AF6&index=15.
“Negociar é sempre melhor”: Winston Churchill, discurso na Casa Branca, 26
de junho de 1954, publicado no The New York Times de 27 de junho de 1954,
p. 1.
“Com minha mão piedosa”: Felipe de Pérgamo, FGrH 95 T1 (década de 30
a.C.). Tradução modificada a partir de Chaniotis 2005, p. 16.
“limpar, defender e construir”: extraído da discussão em Ricks 2009, p. 50-51.
“Animais selvagens”: Plutarco, Life of Pompey 28 (c. 120 d.C.).
“pessoas vivendo”: Tácito, Agricola 21.
“fatores intangíveis”: Nye 2011, p. 21.
“Agarre-os pelos culhões”: oficial norte-americano anônimo no Vietnã (1965),
citado em Karnow 1986, p. 435.
“Dai, pois, a César o que é de César”: Mateus 22:21. [Bíblia sagrada, tradução
de João Ferreira de Almeida.]
“pois [...] não há autoridade”: Paulo, Romanos 13:1. [Bíblia sagrada, tradução
de João Ferreira de Almeida.]
“o que a maioria dos homens chama de ‘paz’”: Platão, The laws 626a (c. 355
a.C.).
“Que engraçado”: Golding 1954, cap. 8.
“Conforme amanhece”: Mead 1928, p. 14, 16, 19.
“Samoa [...] é um lugar”: Ibid., p. 198.
“A guerra [...] é apenas uma invenção”: Mead 1940.
“A excitação [...] ergui os olhos e quase perdi o fôlego”: Chagnon 1997, p. 11-
13.
“Yanomamö é o termo”: Borofsky 2005, p. 4.
“um bom número de incidentes”: Chagnon 1997, p. 9.
“Seguiu-se um silêncio de perplexidade”: Ibid., p. 20.
“falar sua língua”: Mead 1928, p. 10.
“nós simplesmente inventávamos”: Fa’apua’a Fa’amu, entrevista com Galea’i
Poumele, 13 de novembro de 1987, traduzido em Freeman 1989, p. 1020, com
o texto original em samoano na p. 1021n5.
“uma pessoa feliz, animada, sociável”: Diamond 2008, p. 75.
“guerra desastrosa”: Williams 1984 (1832), p. 128.
“Todos os distritos”: Ibid., p. 131.
“um lugar mítico”: Fukuyama 2011, p. 14.
2. ENJAULANDO A BESTA
“Os gregos tinham uma palavra para isso”: a expressão ficou conhecida a
partir do título da peça de 1930 de Zoë Akins, rebatizada como Os gregos
tinham uma palavra para isso na versão para o cinema de 1932 (que às vezes
é também conhecida como The three Broadway girls).
“Os persas eram tão valentes”: Heródoto, The histories 9.62-63 (publicado em
c. 430 a.C.).
“os persas [...] tinham muitos homens”: Ibid., 7.210 (ele, na realidade, faz esse
julgamento em seu relato da Batalha de Termópilas, em 480 a.C.).
“Nos últimos 2.500 anos”: V. D. Hanson 2001, p. 5.
“É esse desejo ocidental”: V. D. Hanson 1989, p. 9.
“uma linha divisória”: Keegan 1993, p. 332-333.
82 “Quando já se tiver questionado”: De Models on sealing and investigation
(final do século III a.C.), tradução em Lewis 1990, p. 247.
“depois de conquistar Kalinga [...] vitória em todas as suas fronteiras”: Asoka,
Major rock edict XIII, tradução em Thapar 1973, p. 256.
“bom comportamento”: Asoka, Major rock edict XI, tradução em Thapar 1973,
p. 254-55.
“funcionários de dhamma”: Asoka, Major rock edict V, tradução em Thapar
1973, p. 252.
“a legislação tem sido menos eficaz”: Asoka, Pillar edict VII, tradução em
Thapar 1973, p. 266.
“desde que o dhamma foi instituído, o mal”: Asoka, Kandahar bilingual rock
inscription, texto em aramaico, tradução em Thapar 1973, p. 260.
“Pompeia chinesa”: http://discovermagazine.com/2011/jan-feb/89.
o geógrafo romano Plínio: Plínio, o Velho, Natural history 6.20.
“Não há ano”: Ibid., 12.41.
“≠Gau pegou seu grupo”: R. Lee 1979, p. 390.
93 “sua terra queimada”: César, Gallic war 1.1, 11, 18.
“circunscrição”: Carneiro 1970.
“enjaulamento”: M. Mann 1986, p. 39-40.
“é o que ocorre”: Krepinevich 1994, p. 30-31.
“Há algo de que se possa”: Eclesiastes 1:9-10. [Bíblia sagrada, tradução de
João Ferreira de Almeida.]
“Assim que o céu”: história hopi, tradução em Lomatuway’ma et al. 1993, p.
275-97.
“tão rápido”: Lewis Carroll, Alice através do espelho (1871), cap. 2.
“Ai de mim! [...] esse meu dia”: Tradução em Jacobsen 1976, p. 77-78.
“próximo da morte”: Muhammad Ali, entrevista em Manila, 1º de outubro de
1975, citado em www.nytimes.com/books/98/10/25/specials/ali–price.html.
“5.400 homens [...] as cidades”: Sargão da Acádia (2330 a.C.), tradução em
Kuhrt 1995, p. 53, 55.
“o sol desapareceu [...] guerreiros dos carros de guerra”: Mahabharata 4 (47)
31.6-7, 18-20, citado em Drews 1992, p. 125.
“alguns xingando”: William Shakespeare, Henry V (c. 1599), 4.1.
“Ao fim de dez anos”: Sima Qian, Shiji, tradução em Bloodworth e Bloodworth
1981, p. 74.
“Um rei depende”: Arthashastra 2.2.13 e 10.5.54, tradução em Rangarajan
1992, p. 657, 659.
“a lei dos peixes”: Mahabharata, Shanti Parvan 67.16 (compilado entre 400
a.C. e 450 d.C.; discutido em Thapar 1984, p. 117-18).
“Cento e cinquenta mil pessoas”: Asoka, Major rock edict XIII (c. 255 a.C.),
tradução em Thapar 1973, p. 255.
1. DEVASTAÇÃO?
Batalha do monte Graupius: isso pede uma nota extensa. Para começar, não
sabemos com certeza onde a batalha do monte Graupius ocorreu. No
entanto, como a maioria dos historiadores desde St. Joseph (1978), suspeito
que foi nas encostas de Bennachie, em Aberdeenshire.
Tampouco podemos estar muito certos sobre o que ocorreu ali exatamente.
Cada detalhe do meu relato se baseia em eventos reais e em passagens de
textos antigos, mas não sabemos se todos, alguns ou nenhum deles
realmente sucederam naquele dia – ou mesmo em qualquer dia (Lendon
1999 discute as complexidades retóricas dos relatos de batalha romanos).
Em termos gerais, eu me apoio na principal fonte para a batalha, Agricola
29-38, de Tácito (publicado por volta de 98 d.C.), complementando-o com
detalhes sobre táticas e armas caledônias extraídos de outras fontes
romanas (particularmente Tácito, Agricola 11 e Germania 4; Strabo,
Geography 4.5.2, 7.1.2; Diodoro de Sicílio 5.30.5; e Júlio César, The Gallic
War 5.14). Também me apoio na imensa literatura moderna sobre as táticas
romanas (Goldsworthy 1996, 2003 e 2006 são relatos excelentes), modelos
modernos sobre como as batalhas antigas plausivelmente se desenrolaram
(Sabin 2000, 2007) e análises de batalhas de W. S. Hanson 1987, p. 129-39,
e Campbell 2010.
Como poucos autores modernos presenciaram uma carga de cavalaria, e os
relatos antigos são muito genéricos, eu me apoio na descrição feita por
Winston Churchill (1930, cap. 15), testemunha ocular da última grande
carga de cavalaria feita por um regimento britânico, em Omdurman em
1898, para a minha descrição do ataque de tropas auxiliares.
Faço Cálgaco vestir uma cota de malha antes de entrar na batalha porque,
embora os escritores romanos digam repetidas vezes que os bretões
lutavam sem armadura, foram encontradas cotas de malha em vários
túmulos pré-romanos (Mattingly 2006, p. 48). Por volta de 83 d.C., os chefes
caledônios provavelmente usavam cotas de malha para lutar.
A atitude de Tácito em relação ao imperialismo romano era, para dizer o
mínimo, complicada (Sailor 2011, Woolf 2011). Ele se casou com a filha de
Agrícola, regularmente elogiava Agrícola por difundir a civilização romana e
criticou o imperador Domiciano por abandonar as conquistas de Agrícola na
Grã-Bretanha; ao mesmo tempo, usou a simplicidade idealizada dos povos
fora do império para destacar a decadência de Roma, descreveu a
incorporação dos bretões ao império como escravidão e redigiu um discurso
comovente para Cálgaco.
Sobre o Império Romano no geral, os volumes 8-11 da segunda edição do
Cambridge ancient history (publicado em 1989-2000) fornecem abundantes
detalhes, enquanto Woolf 2012 dá uma ótima visão de conjunto. Gat 2006,
p. 3-322, é excelente sobre a evolução da guerra e do governo antigos.
Crânios de Tel Aviv: Cohen et al. 2012. Esqueletos peruanos: Arkush e Tung
2013. The routledge handbook of the bioarchaeology of human conflict
(Knüsel e Smith 2013) apareceu enquanto este livro estava em produção,
mas contém alguns ensaios excelentes.
Violência bárbara cotidiana: César, Gallic Wars 6.16-24; Tácito, Germania 13-
15; Strabo, Geography 4.4. Escudos e lanças para os germânicos
equivalendo às togas dos romanos: Tácito, Germania 13. Estátua de vime
trançado: César, Gallic Wars 6.16.
Mattingly 2006 e 2011 sustentam que os escritores romanos faziam uma
representação equivocada dos povos que conquistavam, e Hingley 2000 e
2005 discutem como as atitudes vitorianas em relação ao império coloriram
a arqueologia romana.
Roma, violência e o Mediterrâneo oriental: Chaniotis 2005; Eckstein 2006, p.
79-117. Bandidos: Shaw 1984. Piratas: Souza 1999.
Sociedades ocidentais antes da conquista romana: Wells 1999. The Bog Man
(também conhecido como Pete Marsh): Brothwell 1986. Sacrifícios
humanos, cabeças etc.: K. Sanders 2009. Alken Enge:
www.sciencedaily.com/releases/2012/08/120814100302.htm.
Danebury: Cunliffe 1983. Fin Cop: www.dailymail.co.uk/sciencetech/article-
1378190/Iron-Age-mass-grave-reveals-slaughter-women-children.html.
Morte, escravização e guerras de Roma: Harris 1979 continua sendo o relato
clássico. Épiro, 167 a.C.: Lívio 45.33-34. Saque de cidades: Políbio 10.15
(descrevendo eventos de 209 a.C.). César na Gália: Goldsworthy 2006, p.
184-356. Mortes na Guerra da Gália: Plutarco, Life of Julius Caesar 15; Plínio,
o Velho, Natural history 7.92. Baixas na Guerra dos judeus de 66-73 d.C.:
Josefo, Jewish war 6.420. Baixas na revolta de 132-135 d.C. (também
conhecida como Revolta Bar Kochba): Cássio Dio 69.14. Poucas estatísticas
antigas são confiáveis, e os totais de baixas podem estar incrivelmente
inflacionados. No entanto, elas eram com certeza suficientemente altas
para justificar o ponto de vista de Cálgaco.
Violência no século I a.C. Roma foi analisada em detalhe: Ver Lintott 1968;
Nippel 1995; Riggsby 1999; e Harries 2007.
Elias sobre o Império Romano: Elias 1992, p. 222-29.
Aristocratas romanos remodelando-se: Gleason 1995; Harris 2004. Pax
Romana: Woolf 1993. Parchami 2009 compara as Paces Romana, Britannica
e Americana, como faço eu nos últimos capítulos deste livro, mas
concentra-se mais nas teorias do império do que em suas consequências.
Declínio da pirataria: Braund 1993.
Verros: Cicero, Against Verres (publicado em 70 a.C.).
Crescimento econômico de Roma: Bowman e Wilson 2009; Scheidel e Friesen
2009; Scheidel 2010, 2012. Sobre o comércio marítimo, Harris e Iara 2011.
Gostaria de agradecer a Richard Saller, Walter Scheidel, Rob Stephan, John
Sutherland e Peter Temin pelas discussões sobre esse tópico. Eu discuto os
diferentes tipos de evidência e elaboro minhas visões pessoais em I. Morris
2013, p. 66-80.
O que os imperadores romanos de fato fizeram: Millar 1977. Suetônio, The
twelve caesars (publicado em c. 120 d.C.), tem descrições visuais dos
pecados de Calígula, Nero, Tibério e Domiciano.
Bandidos itinerantes e bandidos estabelecidos: McGuire e Olson 1996; Olson
2000. Diferenças entre gângsteres e governo: Tilly 1985. Diamond 2012, p.
79-118, tem um ótimo relato de como os governos mudam a lei e suprimem
a violência.
Leis de Uru’inimgina: J. Cooper 1986, p. 70-78.
Rodney King: Report of the independent commission on the Los Angeles Police
Department (1991), www.parc.info/client_files/Special%20Reports/1%20-
%20Chistopher%20Commision.pdf. Vídeo do espancamento:
www.youtube.com/watch?v=0w-SP7iuM6k&feature=related.
Pompeia: Seager 2002.
Baixas no Iraque, 2006-9: Os números precisos são questionáveis, mas a
maioria das fontes concorda com o padrão. Uso dados da Iraq Coalition
Casualty Count (http://icasualties.org/) e da Iraq Body Count
(www.iraqbodycount.org/database/). Petraeus e contrainsurgência: F. Kaplan
2013.
Poder duro, suave e inteligente: Nye 2011.
Declínio da violência nas cidades gregas: Van Wees 1998. Espancar escravos:
Old Oligarch 1.10. Atenas e as cidades do século V: I. Morris 2009. Koina:
Mackil 2013 é o melhor relato, embora a análise dela seja diferente da
minha. Ptolomeu VIII e Átalo III: sigo os relatos em Gruen 1984, p. 592-608
e 692-709. Os textos mais importantes estão traduzidos em Austin 1981,
nos 214 e 230.
O senhor das moscas: Golding 1954. Golding e o Pacífico: Carey 2010, p. 110.
Coming of age in Samoa: Mead 1928.
Levitar o Pentágono: A ficção de Norman Mailer, Armies of the night (1968), é
uma leitura extraordinária.
Ianomâmis: Chagnon 1997. Desde 1970, Chagnon e Timothy Asch também
lançaram 22 ótimos filmes sobre os ianomâmis:
www.anth.ucsb.edu/projects/axfight/updates/yanomamofilmography.html.
Homicídio e reprodução: Chagnon 1988. Entre os povos waoranis do
Equador, onde os índices de violência são ainda mais altos do que entre os
ianomâmis, os homens assassinos também superam os pacíficos na
competição pela reprodução: Beckerman et al. 2009.
Críticas a Chagnon: Tierney 2000, 2001. Acusações sobre massacres:
www.bbc.co.uk/news/world-latin-america-19413107;
www.bbc.co3.uk/news/world-latin-america-19460663. Borofsky 2005 tenta
ser imparcial, enquanto Dreger 2011 refuta energicamente as acusações de
Tierney. O filme de José Padilha Secrets of the tribe (2010) chega a alegar
que alguns dos críticos de Chagnon tiveram relações sexuais ilegais com
crianças ianomâmis. Chagnon 2013 é um relato bom de ler sobre o que ele
chama de “duas tribos perigosas – os Yanomamö e os antropólogos”.
Críticas a Margaret Mead: Freeman 1983, 1989, 1999. Também há muitas
defesas (por exemplo, Shankman 2009).
Trabalho de campo antropológico como performance artística: Faubion et al.
2009, com referências a outros exemplos.
Índice de mortes no século XX: ver fontes listadas para a Introdução deste
livro.
Violência nas sociedades da Idade da Pedra: Keeley 1996, LeBlanc e Register
2003 e Gat 2006 são excelentes visões gerais. Vários trabalhos em Fry 2013
(especialmente B. Ferguson 2013) insistem que Keeley, LeBlanc e Register e
Gat entenderam mal, mas não estou convencido disso. Nivette 2011 faz
uma lista útil dos principais estudos antropológicos, enfatizando as
variações, assim como o nível geralmente alto de violência. Vários ensaios
transculturais sobre a guerra em sociedades de pequena escala (Otterbein
1989; Ross 1983, 1985) descobriram que de 85% a 90% dessas sociedades
entraram em gerra na maioria dos anos. Arkush e Allen 2006 é uma boa
revisão dos achados arqueológicos.
Motorista da Nova Guiné: Diamond 2008. Processo: Baltar 2009;
www.stinkyjournalism.org/latest-journalism-news-updates-149.php#.
Arquivamento do caso: comunicação pessoal de Jared Diamond, 3 de
fevereiro de 2012.
A vida oculta dos cães: E. M. Thomas 1993. The harmless people: E. M. Thomas
1959. Índices de mortalidade: Knauft 1985, p. 379, tabela E, sugere que
1,3% dos povos san e 1,3% em Detroit morreram de forma violenta (os
valores para os san são para 1920-1955; os americanos, para 1980). McCall
e Shields 2008 discutem o caso dos san. Os deuses devem estar loucos: em
africâner, Ster kinekor, 1980; lançamento geral em inglês, 20th Century
Fox, 1984.
Violência em sociedades de pequena escala causada pelo contato com o
Ocidente: B. Ferguson 1992, 1995 e 2013, com referências a trabalhos
anteriores.
Fortificações de montanha em Samoa: Best 1993 (algumas poucas datações
por radiocarbono são anteriores, incluindo uma de 1500 ± 80 BP de
Luatuanu’u; mas, como Best assinala, p. 433, as datas mais antigas não
têm associação clara com as fortificações). Lendas das guerras entre
Samoa e Tonga: Ella 1899. Arquelogia em Samoa e Tonga: Kirch 1984.
Porretes e canoas de guerra: Krämer 1995, p. 391.
Ex-militares na arqueologia: Wheeler 1958 é um clássico. Koukounaries:
Schilardi 1984.
Homem do gelo: Sobre a descoberta original, Spindler 1993; a ponta de seta,
Pertner et al. 2007; o golpe fatal, Nerlich et al. 2009, Gostner et al. 2011;
células vermelhas do sangue, Janko et al. 2012; teoria do enterro ritual,
Vanzetti et al. 2010.
Crow Creek: Zimmerman e Bradley 1993; Willey 1990; Willey et al. 1993.
Sacred Ridge: Potter e Chuipka 2010;
www.sciencenews.org/view/feature/id/64465/title/Massacre_atSacredRidge.
As origens da ordem política: Fukuyama 2011.
2. ENJAULANDO A BESTA
Batalha de Plateia: Lazenby 1993 faz um bom relato. Briant 2002, p. 535-42,
discute o ponto de vista persa.
Modo ocidental de guerrear: V. D. Hanson 1989, 2001; Keegan 1993.
Scarre e Fagan 2007 dão uma visão geral concisa das civilizações antigas.
Estados do Novo Mundo: Smith e Schreiber 2005, 2006, com referências.
Sacrifícios humanos e militarismo em Teotihuacán: Sugiyama 2005.
Gladiadores romanos: Futrell 2006. Esqueletos de gladiadores romanos:
Kanz e Grossschmidt 2006. Enterro wari:
news.nationalgeographic.com/news/2013/06/130627-peru-archaeology-
wari-south-america-human-sacrifice-royal-ancient-world. No melhor
tratamento das guerras mesoamericanas, Ross Hassig (1992, p. 60)
pergunta: “Existiu uma Pax Teotihuacana?” e responde: “Provavelmente,
não”.
Pártia: Curtis e Stewart 2007.
Império Han da China em geral: Lewis 2007. As guerras Han: Lewis 1990.
Unificação da China: Hsu 1965; Lewis 1999. Yin Shang: Loewe 2006, p. 166-
67. Comparação entre a lei romana e a lei han: Turner 2009. Aspecto
pacífico do Império Han: Loewe 1974; Loewe e Wilson 2005; Lewis 2000,
2007.
Descoberta do Arthashastra: Shamasastry 1967, p. vi. Assassinato,
Arthashastra 4.7; regras para investigar uma agressão, 3.19; médicos,
2.36.10; crueldade com animais, 3.10.30-34; tipos de violência, 4.10-11;
cuspir e vomitar, 3.19.2-4 (= Rangarajan 1992, p. 427-30, 435, 329, 292,
438-39, 437). Problemas de interpretação: Thapar 1973, p. 218-25;
Mukherjee 2000, p. 159-64.
Fontes gregas sobre a Índia: os fragmentos que sobreviveram estão traduzidos
em www.sdstate.edu/projectsouthasia/upload/Megasthene-Indika.pdf.
Indianos cumpridores da lei: Megástenes frag. 27 (relatado em Strabo 15.1.53-
56); ausência de devastação ou massacres, frag. 1 e 33 (Diodoro da Sicília
2.36; Strabo 15.1.40); pés invertidos, frag. 29 (Strabo 15.1.57); cães, frag.
12 (Strabo 15.1.37).
Funcionários urbanos de Asoka: Édito na pedra principal V. Funcionários rurais:
Édito em pilar IV. Visitas de inspeção: Édito na pedra principal VIII. Reinado
de Asoka: Thapar 1973. Asoka e o budismo: Seneviratna 1994.
Natureza do Império Máuria: Compare Mookerjee 1966, Mukherjee 2000 e
Thapar 2002, p. 174-208. Sobre arqueologia, Allchin 1995, p. 187-273;
Chakrabarti 1999, p. 262-318.
Padrão de vida han: Hsu 1980; Wang 1982.
Sanyangzhuang: Kidder et al. 2012. Vestidos de seda em Roma: Plínio, Natural
history 6.20.
Crescimento econômico máuria: Megástenes frag. 1 (Diodoro da Sicília 2.36);
Thapar 2002, p. 188-89; Allchin 1995, p. 200-221, 231-37; J. Marshall 1951,
p. 26, 87-110.
Economia máuria: Saletore 1973. Padrões de vida: Allchin 1995. Bhita: J.
Marshall 1911-12. Taxila: J. Marshall 1951. A fase máuria em Taxila é o
stratum II.
Maravilhas da Índia: Megástenes frags. 1, 16 e 59 (citado em Diodoro da Sicília
2.36; Plínio, Natural history 8.14.1; Eliano, History of animals 16.2).
Comércio romano com a Índia: Tomber 2008; Plínio, Natural history 6.26,
12.41. Papiros de Muziris: Rathbone 2001. PIB do Império Romano: Scheidel
e Friesen 2009 avaliam em 20 bilhões de sestércios. Custo do exército
romano: Duncan-Jones 1994. Escavações em Muziris: Cherian et al. 2007;
www.hindu.com/2011/06/12/stories/2011061254420500.htm.
Origens da agricultura: Diamond 1997 é o relato mais claro, e G. Barker 2006,
o mais completo. Bando de ≠Gau: R. Lee 1979, p. 390-91. Éduos e
helvécios: Goldsworthy 2006, p. 184-204, tem um bom relato.
Circunscrição: Carneiro 1970. Enjaulamento: M. Mann 1986, p. 46-49. Keith
Otterbein 2004 defende o ponto de vista oposto – de que a violência declina
com a passagem da caça para a agricultura –, mas a evidência parece
apontar na outra direção.
Crucifixão romana: Apiano, Civil wars 1.120 (publicado em c. 150 d.C.), sobre a
crucifixão em massa dos seguidores de Espártaco em 71 a.C. Maslen e
Mitchell 2006 explicam o horrendo desenrolar. Zias e Sekeles 1985
descrevem uma vítima concreta de crucifixão no século I d.C., encontrada
com um prego de ferro alojado em um dos pés.
Baixas na Guerra do Golfo de 1991: Keaney e Cohen 1998. Revolução nos
assuntos militares desde a década de 1970: Martinage e Vickers 2004.
Krepinevich 1994, Knox e Murray 2001 e Boot 2006 colocam isso no
contexto dos últimos sete séculos.
Batalhas na Idade da Pedra: Q. Wright 1942, p. 62-88, e Turney-High 1949
fazem as formulações clássicas da teoria da guerra ritualizada. Como é
muito frequente, Keeley 1996, LeBlanc e Register 2003 e Gat 2006 colocam
as coisas em seus devidos lugares. Ataques no sudoeste americano:
LeBlanc 1999.
Efeito Rainha Vermelha: Van Valen 1973; Ridley 1993.
Fortificações antigas: Jericó: Bar-Yosef 1986; McClellan 2006. Mersin: Garstang
1956. Uruk: Liverani 2006.
Relações entre Uruk, Tell Brak e Habuba Kabira: Rothman 2001. Luta em Tell
Brak: http://news.nationalgeographic.com/news/2007/09/070907-syria-
graves.html. Antigo Egito: Wengrow 2006.
Thrilla in Manila: www.youtube.com/watch?v=D_y7FiCryb8. Guerra e sociedade
na Suméria: Kuhrt 1995, p. 29-44. Sargão da Acádia: Liverani 2003.
Civilização do Indo e colapso: Rita Wright 2009.
Domesticação de cavalos e invenção dos carros de guerra: Anthony 2009;
Outram et al. 2009. Batalhas com carros de guerra: Chakravarti 1941, p. 22-
32; Drews 1988, 1992; Shaughnessy 1988. O documentário Nova “Building
pharaoh’s chariot” (http://video.pbs.org/video/2331305481/), exibido pela
primeira vez em 2013, é excelente. Peso: Piggott 1983, p. 89.
Arcos e flechas antigos: Brown et al. 2012; Lombard 2011.
Os carros de guerra de Salomão: 1 Reis 10:29. Preço de escravos: Êxodo 21:32.
Texto hitita: Instructions of Kikkuli (Nyland 2009). Números de carros de
guerra: Drews 1992, p. 106n6 e 133-34.
Escala das guerras do Crescente Fértil e poder do Estado depois de 1600 a.C.:
Hamblin 2006; Spaliger 2005; Van de Mieroop 2007, p. 119-78, 2011; p.
151-239.
Paz e prosperidade na era dos carros de guerra: Ver, por exemplo, Akkermans
e Schwartz 2003, p. 327-59; Kemp 2012; Cline 2010; Von Falkenhausen
2006.
Tipos de espada: D. H. Gordon 1953. Guerra europeia no segundo milênio
antes de Cristo: Harding 2000, p. 275-85; Kristiansen 2002; Kristiansen e
Larsson 2005, p. 212-47. Há algum debate sobre onde os novos estilos de
espada começaram a ser usados; eu sigo Drews 1992, p. 192-208, e
Harding 2000.
Colapso das sociedades da Era do Bronze: Drews 1992; Cline 2013. Declínio no
comércio: S. Murray 2013. Tento quantificar o declínio na população e no
padrão de vida após 1200 a.C. na Grécia (reconhecidamente um caso
extremo) em I. Morris 2007.
Adoção do ferro: Snodgrass 2006, p. 126-43.
Renascimento dos Estados na Assíria e em Israel: Kuhrt 1995, p. 385-546; Van
de Mieroop 2007, p. 195-231.
Origens da cavalaria: Anthony 2009; Anthony e Brown 2011.
Amazonas: Heródoto 4.110-17; Mayor, em preparação. Guerreiras citas:
Guliaev 2003.
Tiglat-Piléser III: Tadmor e Yamada 2011 coletaram as principais evidências.
Impérios da Eurásia ocidental: Morris e Scheidel 2009; Cline e Graham
2011.
Apesar da proeminência da guerra em textos antigos, há um surpreendente
volume de controvérsia sobre como os exércitos lutavam de fato. Sobre a
Assíria, ver Archer 2010; G. Fagan 2010; Nadali 2010; Scurlock 1997. Sobre
a Pérsia, ver Briant 1999; Tuplin 2010. Sobre a Grécia, ver V. D. Hanson
1989; Van Wees 2004; Kagan e Viggiano 2013. Sobre a Macedônia, ver
Hamilton 1999; A. Lloyd 1996. Sobre a Roma republicana, ver Keppie 1984;
Goldsworthy 2003.
Guerras Púnicas: Goldsworthy 2000; Miles 2011.
Tamanho dos Estados: existem diversas maneiras de contar; por isso, em prol
da consistência, usei um único sistema de medidas, baseado em Taagepera
1978, 1979.
Guerra na antiga China: Lewis 1990, 1999; di Cosmo 2011; Sawyer 2011.
Batalha de Changping: Sima Qian, Shiji 73, p. 2333-35, tradução em B.
Watson 1993, p. 122-24. Primeiro Imperador: Portal 2007. Lei Qin e lei Han:
Hulsewé 1955, 1985.
Guerra na antiga Índia: Chakravarti 1941; Dikshitar 1987; Thapliyal 2010.
Infantaria com cota de malha: Arthashastra 9.2.29, tradução em Rangarajan
1992, p. 644. Elefantes: Kistler 2007.
Surgimento dos Estados do Ganges: Allchin 1995, p. 99-151; Chakrabarti 1999;
Eltsov 2008; Erdosy 1988; Raychaudhuri 1996, p. 85-158; Thapar 1984.
Índice de desenvolvimento social: I. Morris 2010, 2013.