A Curadoria de Exposioes
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A curadoria de exposições
Marilúcia Bottallo*
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A curadoria de exposições
Do Figurativismo aoAbstracionismo
Conjugando esforços tão díspares quanto a necessidade de renovação
artística e a legitimação da burguesia nascente no âmbito do poder local,
alguns grandes empresários e membros de destaque de famílias influentes
acabampor encontrar interesses emcomumcomintelectuais e artistas de
São Paulo e assim, após umperíodo de debates, vão dedicar-se à criação
dos grandes museus de arte de São Paulo: O MASP e o MAM.
Coma instalação do MAM-SP e a abertura de sua primeira exposição ao
público em1948, já havia consciência, por parte de seus protagonistas, da
especificidaderelativaaoarranjo doespaçoexpositivoemummuseu, sobretudo
de arte moderna.
Embora tendo o MoMA-NY como parâmetro, Francisco Matarazzo Sobrinho,
fundador e diretor presidente do MAM-SP, convida Léon Degand, crítico
belga que vivia na França, para ser o primeiro diretor artístico e curador da
mostra de abertura do Museu. Dessa forma, deixa claro que sua inclinação é
para a produção e o pensamento plástico europeus, bemcomo uma visão e
interpretação da arte marcadas por meio da presença de umcrítico e professor
de história da arte moderna que tambémdeixava explícita sua preferência
pela produção européia emface da norte-americana. O cuidadoso processo
de preparação da primeira exposição visava criar umambiente e umforo de
debates de questões plásticas e artísticas, mas, sobretudo, sedimentar alguns
valores da modernidade.
Pensar a primeira exposição do MAM-SP – Do Figurativismo ao
Abstracionismo – pelo viés curatorial implica avaliar, emparalelo, umprincípio
de política institucional. Assim, sua primeira mostra traz uma exposição
internacional, com maioria de obras de artistas estrangeiros – franceses,
14 Meijers, Debora J ., op. cit ., pp. 18 e 19. sobretudo – e pertencente a colecionadores particulares. Embora o esforço
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feito para a aquisição de obras encomendadas por Ciccillo para formar uma Palestra ‘Do Figurativismo ao
Abstracionismo’ proferida por Léon Degand
coleção adequada, a mostra deabertura do MAM-SP contou comapenasquatro na inauguração da exposição Arte Antiga
obras do seu acervo: dois móbiles de Alexander Calder, umguache de Fernand e Moderna em1949
Léger e umde Joan Miró. Fonte: Boleti m Satma, 23
Léon Degand define claramente seu posicionamento emdefesa da então
‘nova arte’ – o abstracionismo. Para ele, só existemduas categorias plásticas,
irredutíveis uma àoutra: figuração e abstração. Assim, acredita que hámenos
chances de equívocos. Afirma Degand que “A abstração pictural, ao contrário
(...) [dos] ismos, não é uma nova escola de pintura, mas uma nova concepção
de pintura, na qual diversas escolas já se incluem: orfismo, suprematismo,
neoplasticismo e outras, às vezes, semdenominação”.15
Sua preocupação em compreender e educar para o novo fenômeno faz
comque sua ação ganhe umaspecto bastante didático, que cunha não só em
seus artigos, mas, sobretudo, naquilo que nos interessa: a exposição
museológica de abertura do MAM-SP. De alguma maneira, Degand sabe que o
aval do público para sua exposição é importante para que seu trabalho tenha
legitimidade e continuidade. Tomando por base o movimento impressionista
francês de 1874, sua intenção era trazer conhecimento a respeito das
particularidades de cada uma das formas de expressão que foramsurgindo no
âmbito da linguagempictórica.
Para tanto, Degand divide sua exposição em três partes: “1ª Seção
Documentária, composta de reproduções coloridas mostrando a evolução da
pintura e da escultura, do impressionismo ao cubismo; 2ª Seção, reunindo
obras originais de artistas cuja produção seja praticamente ‘não-figurativa’;
15 Degand, Léon. Qu’est-ce que la peinture
3ª Seção, obras de artistas totalmente abstratos”. 16 abstraite? Langage et signifi cation de la peint ure
Por uma questão de método, e seguramente influenciado pelo ambiente en figuration et en abstration . Éditions de
l’architecture d’aujourd’hui, 1956, p. 97.
europeu no qual se formou, Degand parte de uma visão evolucionista da 16 Ribeiro, Claudia M. B. De la Figuration à
história amparada no eurocentrismo, da qual assume o conceito de cronologia l’abstraction – Léon Degand au Musée d’Art
Moderne de São Paulo. Alliance Française de São
e de desenvolvimento como processo cumulativo, e o aplica à manifestação Paulo. Memoire Nancy, 1993, inédito, p.25.
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artística. Apesar disso, ele não assume explicitamente que a arte abstrata
seja uma evolução dafigurativa, já queestava preocupado emse desvencilhar
do caráter sectário que lhe era imposto, tanto na França como no Brasil, por
sua defesa da nova arte. Sobre esse aspecto e usando de paradigmas próprios
do evolucionismo aplicado à História – no caso, história da arte –, Degand
afirma que “a pintura abstrata não resulta nemde umprogresso, nemde um
recuo do pensamento pictórico (...) A pintura abstrata e a pintura figurativa
não se opõem, como inimigas, senão no espírito dos sectários. Elas diferem,
apenas isso. Nosso engajamento, ainda que apaixonado, emrelação à pintura
abstrata, não implica nenhuma rejeição à pintura figurativa”. 17
Com essa estrutura de pensamento sedimentada, Degand trabalha a
curadoria da exposição buscando demonstrar a tese da superioridade da arte
moderna, porque mais atual, emrelação às outras produções. Ao analisar os
resultados plásticos das produções figurativa e abstrata, Degand quer ‘educar’
o olhar do espectador, alegando que é preciso lembrar que há uma tradição
antiga, aqual precisamossuperar. Aexpressãodeseupensamento transmudado
para o espaço de exposição revelou uma curadoria emque as formas artísticas
quelidamcoma figuração devemser entendidashistoricamente como estágios
já superados, cujo valor é ‘documental’, já que diziamrespeito a uma forma
de sensibilidade diferente da atual.
A proposta de Léon Degand não era a única no âmbito museológico do
mundo não europeu, aproximando-se daquela estabelecida na mesma época
pelo próprio MoMA-NY, que incorpora umdiscurso bemelaborado que visava
prestigiar a produção dos artistas locais. Para o próprio Degand aquele era “
(...) umdos mais belos museus do mundo emseu gênero (...)”.18
Naproposta original de montagemda exposição feita porDegand, deveriam
vir para o Brasil tanto os pintores da Escola de Paris como alguns artistas dos
17 Degand, Léon., op. cit ., p. 132. Estados Unidos selecionados por uma comissão formada por Leo Castelli,
18 Amaral, Aracy. A História de uma coleção. Sidney Janis e Marcel Duchamp. No entanto, problemas com burocracia
Museu de Arte Cont emporânea da Universidade
de São Paulo. Perfil de um acervo. São Paulo, internacional e falta de verbas para cobrir despesas comseguro e transporte
Techint, 1988, p. 17. das obras cortarama participação americana.19
19 Emcarta enviada por Leo Castelli a Matarazzo
em21 de julho de 1948, a seleção de artistas A partir de então, Léon Degand parece sentir-se mais à vontade emsuas
contava comos nomes de Jackson Pollock, Robert escolhas e chega a afirmar emcarta enviadaa Paulo Bittencourt que não lamenta
Motherwell, Mark Rothko, Reinhardt, Mark Tobey,
além de artistas consagrados, como Feininger, a ausência da representação norte-americana na mostra de São Paulo, já que,
Man Ray, El Lissitzky, Malevitch, Piet Mondrian e para ele, a jovempintura americana não vale grande coisa.20
outros.
20 Vera D’Horta nos conta que, em função da Por outro lado, a declarada beleza que Degand via no MoMA-NY pode
manutenção do bomrelacionamento diplomático inscrever-se na forma como expõe a produção artística local, valorizando-a a
entre MAM-SP e MoMA-NY, Matarazzo ordena que
esse trecho da carta seja riscado. Degand cede ponto de tornar-se a demonstração visual e pública da disputa comParis em
ao apelo, e na versão oficial da carta esse trecho relação à primazia como vetor da arte moderna internacional. Assim, ao
desaparece. Conferir: D’Horta, Vera. Museu de Arte
Moderna. São Paulo, Dórea Books and Art, 1994, ‘inventar’ uma tradição artística moderna, o MoMA-NY sedimenta as balizas
p. 22. Citação da nota 24. de umconceito específico de modernidade.
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