Miguel Pereira e Oliveira Paiva - Extrato
Miguel Pereira e Oliveira Paiva - Extrato
Miguel Pereira e Oliveira Paiva - Extrato
Dona Guidinha
do Poço
Apresentação de
LÚCIA MIGUEL PEREIRA
Posfácio e glossário de
AMÉRICO FACÓ
Capa de
ALDEMIR MARTINS
P rim e iro P rêm io N a c io n a l d e D esen h o da I B ienal
d o M useu de A rte M o d e rn a de S. P a u lo .
C diçãa S a^ aioa
Sãa P<u*ia
1952
MANOEL DE OLIVEIRA PAIVA
-lhe amigo íntimo e constante — mas levado pela natural miopia dos
contemporâneos, que em geral só enxergam, muitas vêzes com vidros
de aumento, o que se lhes impõe ao olhar. O morto recente, se em
vida não se realizou completamente, fica sepultado sob camadas de
silêncio.
Foi Antônio Sales quem forneceu a José Veríssimo uma cópia de
D. Guidinha do Poço para ser publicada na "Revista Brasileira”: indo,
já fixado no Rio, visitar o Ceará, lá recebera o livro da viúva de Oli-
veira Paiva, e só então lhe percebera o valor. A final surgiria no Rio
a novela, lançada por uma revista de grande autoridade, com a nota
elogiosa da qual foram extraídas as citações aqui feitas. Mas, ao cabo
de quatro números, antes de terminar a narrativa, quem se acabou,
inopinadamente, foi a "Revista Brasileira .
Não se teria então ninguém interessado pela sorte do livro?
N em José Veríssimo, nem Antônio Sales? Não parece provável.
A explicação do abandono de D. Guidinha do Poço estará antes em
contingências econômicas. Poucos eram naquele momento os editores,
sendo comum ver-se um escritor obrigado a custear a impressão de suas
obras, luxo que certamente não se poderia permitir a família de Oli-
veira Paiva. E as raras casas editoriais que lançavam livros nacionais
não se quereriam sem dúvida arrojar à empresa de empatar capital numa
novela de autor que morrera inteiramente desconhecido. Reiterados
esforços, nesse sentido, de Antônio Sales, agora certo do valor do
amigo, tiveram sempre solução negativa.
Acresce ainda que naquela época — o ultimo numero da Re-
vista Brasileira” coincidiu com o fim do século passado domi-
nada pelo ofuscante brilho parnasiano, enveredam a literatura para
rumos opostos ao tomado pelo moço cearense. Entrava-se numa
fase de pompa verbal, de alcandoramento, de sofisticação, na qual
não poderiam de fato ser apreciadas as graças o seu tanto rústicas desta
novela, que destoaria dos requintes literários, como sua heroína, pouco
dama e muito fêmea”, faria má figura numa sala "art-nouveau , das
que então se usavam, cujos moveis pareciam querer rivalizar em fragi-
lidade com os "bibelots”. Dir-se-á que nelas circulou, pouco depois,
a Luzia-Homem de Domingos Olímpio — mas esta tinha pai vivo,
para defendê-la e guiá-la. Se nem no Ceará, sua terra, encontrou
D. Guidinha quem lhe desse a mão, como o faria no Rio, todo voltado
10 Ma n o e l d e Ol i v e i r a P a i v a
suspensa, sem saber o que sucedera àquela gente que de repente res-
suscitara e se pusera diante de mim a mover-se, a falar, a amar, a
odiar.
Mas não me podia entregar a lamentações de leitora embevecida.
Se colaborava numa história literária, e mormente se me incumbia pre-
cisamente o período em que vivera Oliveira Paiva, tinha o dever de
informar-me a seu respeito, de tentar incorporá-lo ao nosso patrimô-
nio cultural. E nem sabia ao certo se permanecera inacabada a novela,
ou se fôra apenas interrompida pelo fim da revista. Na nota de An-
tônio Sales e no Dicionário Bibliográfico Brasileiro de Sacramento Bla-
ke encontrei dados sobre o autor e as obras por êle deixadas, mas não
consegui verificar se terminam D. Guidinha do Poço. Supunha que
sim, pois não ocorreria a Veríssimo publicar uma história incompleta.
Dirigi-me a uma pessoa amiga, que residira no Ceará e lá conservara
relações, pedindo que mandasse proceder a buscas nos jornais onde
colaborara Oliveira Paiva; escrevi um artigo indagando, de quem por-
ventura as soubesse, notícias de D. Margarida Reginaldo de Oliveira
Paiva, vulgo Guidinha do Poço, e de seu cronista; falei a torto e a
direito, perguntei, insisti. Nada. Nenhuma resposta esclarecedora.
Diante do silêncio compacto, imaginei que nem da personagem nem
do criador restassem sequer ecos longínquos na terra onde tanto so-
freram.
Eis senão quando, inesperadamente, mim providencial encontro
em casa de um amigo comum, disse-me Américo Facó estar de posse
dos originais completos de D. Guidinha do Poço, que lhe haviam sido
entregues por Antônio Sales. Procurara-os tanto, sem imaginar que
andavam em mãos tão próximas, e tão próprias para acolhê-los, sendo
as de um cearense, um poeta e um letrado. Por sua vez, nada soubera
Facó de minhas buscas. Não me contive que não fôsse imediatamen-
te ver o livro, não o levasse comigo, não o lesse logo até à última
palavra, com o mesmo encanto.
Já não são hoje, felizmente, tão raros entre nós os editores. Não
tardei a encontrar, na vibrante simpatia humana de Paulo Duarte,
então diretor intelectual da editora Ipê, o maior interêsse pela obra e
pelo autor. Obtida, por Américo Facó, a anuência dos herdeiros de
Manoel de Oliveira Paiva, à Ipê confiei, sem mais tardança, a cópia
datilografada em meu poder. Mas os maus fados continuaram a per-
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do agudo, em crise de
tura tem o seu sentimento Pel°
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J homem é verda-
pelo mais sagrado. E n“ sa^ C^ d ^ esses m0mentos não
X e n e S r n i n u n d l . Sô se vê
através da pureza de suas lágrimas.
118 Ma n o e l d e Ol i v e i r a P a i v a