2324 - Assunção de Nossa Senhora, Na Dormição A Morte Não É o Fim de Tudo
2324 - Assunção de Nossa Senhora, Na Dormição A Morte Não É o Fim de Tudo
2324 - Assunção de Nossa Senhora, Na Dormição A Morte Não É o Fim de Tudo
A s s u n ç ã o de nossa Senhora:
na D o r m içã o
a morte não é o fim de tudo. 1
O
S EVANGELHOS A Dormição é a última das
não falam sobre o fim grandes festas do ano litúrgico
da V ID A D E M A R IA , bizantino. Na Igreja Católica
porém existe uma antiga Ortodoxa, o Ano Litúrgico
Tradição Patrística com começa em 8 de setembro,
informações provindas dos com a N A T I V I D A D E D A
apócrifos que deu base ao V I R G E M , e termina em 15 de
Ofício Litúrgico do dia 15 de agosto, com a D O R M I Ç Ã O .
agosto.
Enquanto no Ocidente a Essa festa permaneceu comum
solenidade se denomina no Oriente e no Ocidente por
“A SSUNÇÃO DA V IRGEM mais de um milénio. Há
representações iconográficas
M ARIA ”, no Oriente, em
grego ou eslavo, é a na Basílica Santa Maria Maior
D ORMIÇÃO DA M ÃE DE e na Basílica Santa Maria in
D EUS que se refere aos Trastevere, ambas em Roma.
últimos instantes terrenos da O termo Assunção, que
Virgem, quando, segundo a provém da França, é bem mais
Tradição, os apóstolos se tardio. [1]
reuniram ao seu redor e Cristo As narrativas da Dormição
veio buscar sua alma. fazem parte dos escritos
apócrifos do Novo
Testamento, que constituem
uma literatura florescente nos
primeiros séculos da Igreja. O
desenvolvimento destes
relatos sobre a morte da Mãe
de Deus deve-se ao Concílio
de Éfeso (431), que fixou a
atenção sobre a eminente
dignidade da Virgem Maria.
Nesse Concílio, M ARIA
recebeu o título de
Theotokos, quer dizer, a
Mãe de Deus.
Figura 1: Dormição de Maria. Ícone.
Monastério de Santa Catarina, Monte O relato geral sobre o destino
Sinai, Egito. Século XIII. de Maria é semelhante nesses
2
textos apócrifos, apenas com Na Constituição do Papa Pio
certas variações. M ARIA XII, é relatado um breve hino
recebe o anúncio da sua extraído também de uma festa
morte, pelo Arcanjo Gabriel, bizantina recitada pelos
que lhe dá uma palma. Ela cristãos de tradição
prepara então tudo o que é constantinopolitana: “Deus
necessário e profere a sua Rei do Universo, concedeu-vos
última oração. Os apóstolos e privilégios que superam a
discípulos são milagrosamente natureza; assim como no parto
transportados pelas nuvens. vos conservou a virgindade,
Os doentes reúnem-se perto assim no sepulcro vos
da casa de M ARIA em preservou o corpo da
Jerusalém, onde muitas corrupção e o co glorificou pela
maravilhas se manifestam. divina translação.” [3]
Jesus aparece para acolher a
sua mãe, acompanhado por
falanges celestes. Recebe
então a alma de M ARIA .
O Papa Pio XII, em 1 de
novembro de 1950, definiu o
Dogma da Assunção da
Virgem Mãe de Deus à
glória celeste de alma e corpo.
Na Constituição, o Pontífice
usou a riqueza das fontes das
liturgias orientais em muitas
referências, dentre as quais
afirma que: “E na liturgia Figura 2: Pietro Cavallini. Dormição
da Virgem. Mosaico. Basílica de
bizantina a assunção
Santa Maria in Trastevere, Roma,
corporal da virgem Maria Itália. Séculos XIII-XIV.
é relacionada diversas
vezes não só com a No mesmo documento, Pio
dignidade da Mãe de Deus, XII cita S. João Damasceno,
mas também com os pois o Santo Doutor da Igreja
outros privilégios, “se distingue como pregoeiro
especialmente com a sua dessa tradição”, e lembra
maternidade virginal”. [2] também S. Germano de
3
Constantinopla, que é autor céus. Ao contrário, é Cristo
do hino das vésperas que se que desce à Terra em Glória,
segue: “Vinde de todos os cercado de querubins, assim
confins do Universo, como será no final dos
cantemos a bem- tempos.
aventurada trasladação
E a passagem desta vida a
da Mãe de Deus. Nas
outra se efetua, portanto, por
mãos do Filho ela
meio de Cristo, da sua
depositou a sua alma sem
Presença. Por sua Mãe, a
pecado, com a sua Santa
última vinda de Cristo é de
Dormição o mundo é
certa forma antecipada,
vivificado, e é com
porque M A R IA é o
salmos e cânticos
escathon,quer dizer, a última
espirituais, em
perfeição da Criação. Assim, a
companhia dos anjos e
Igreja encontra aqui a sua
dos apóstolos que Ele a
melhor expressão para a
celebra na alegria.” [4]
Segunda Vinda de Cristo à
No ícone, a alma de M ARIA Terra: é a realidade do futuro
está nas mãos de Cristo, como que se espera, porém para os
está escrito no livro da Santos está sempre já
Sabedoria 3,1: “a alma dos presente.
justos está nas mãos de Deus”.
Cristo tem nas mãos a alma de
sua Mãe, e a segura com a
mesma ternura com a qual ela
tinha nos braços o Deus
incarnado, o Menino Jesus.
Observamos a realidade da
morte: a alma sai do corpo,
mas não desce ao sheol, aos Figura 3: Marko Ivan Rupnik.
infernos, como corresponderia Dormição. Santuário Nacional de
a conceção hebraica, nem Mátraverebély-Szentkút, Hungria,
2014.
mesmo sai direto para o céu.
Existe algo surpreendente e A Dormição da Mãe de Deus é
dogmático e mais profundo no a expressão firme desta
ícone. A Mãe de Deus não está esperança, plena de certeza. O
na cena central subindo aos significado de tal ícone pode
4
ser expresso por este penetrada pelo amor divino,
pensamento de Cristo: “se a não poderia ter seu corpo
Mãe me deu um corpo físico subjugado à corrupção da
agora eu lhe dou a vida terra. A Dormição é o grande
eterna”. [5] De facto, se a mistério, pleno de esperança
figura central no ícone da para todos os nossos
Natividade era a Virgem, aqui, pequenos gestos de amor. [6]
Cristo tem nos braços a Mãe
como uma criança, isto é o A liturgia da festa não se
novo nascimento da Virgem. limita a assinalar a morte de
M A R IA , ultrapassa essa
dimensão ao celebrar a
passagem de M ARIA ao céu
em corpo e alma. Isso está
claramente representado no
ícone da Dormição. M ARIA
pode ser considerada como
aquela que tem uma morte
santa, ela é o nosso modelo na
prova da morte. A passagem
Figura 4: Marko Ivan Rupnik.
de M ARIA em corpo e alma ao
Dormição. Santuário Nacional de céu é uma antecipação da
Mátraverebély-Szentkút, Hungria, ressurreição geral. É a festa da
2014. natureza humana: todo crente
deve tomar M A R IA como
Deus é amor (1Jo 4,8) e tudo o modelo para alcançar a
que está envolvido no amor deificação.
passa para a eternidade
porque está escrito: que o
amor dura eternamente (I Cor
13, 8). Passa-se para a
eternidade com cada gesto de
amor realizado, pois cada
gesto de amor passa de facto à
eternidade, para a memória
eterna de Deus. O amor torna
eternas as coisas. Maria, que Figura 5: Marko Ivan Rupnik.
Dormição da Virgem. Igreja Madre
pelo fiat, na Anunciação, foi Nostra. Pistoia, Itália, 2018.
5
A Assunção “comemora um seus atributos naturais, não se
facto e atualiza a doutrina e abstraiu em alguma alegoria
projeta sobre a nossa vida impalpável: ela permanece
transitória uma luz de M ARIA . Mas o que ela é, no
eternidade. Esse facto, embora resplendor do seu ser real, as
não relatado pela Escritura, se festas no-lo desvelam”. [7]
tornou uma realidade na
Contemple as imagens acima
consciência da Igreja através
apresentadas, cujos símbolos
da Tradição. M ARIA , que é
unem o mundo sensível ao
mulher e que morre na terra
suprassensível, reduzem a
como todo ser humano,
distância e permitem viver um
alcança o seu Filho que é Deus
tipo de contemporaneidade. É
e que está no céu. Ademais,
uma realidade espiritual onde
esta mulher que podemos
espiritual é tudo o que, na
legitimamente chamar de
ação do Espírito Santo, se fala
representante da humanidade
de Deus, se recorda de Deus,
enquanto Nova Eva, mulher
se comunica com Deus e se
perfeita enquanto pura Mãe de
conduz a Deus.
Deus, não perdeu nenhum de
B i bl io gra f ia
DONADEO, Maria. O ano litúrgico bizantino. São Paulo: Editora Ave
Maria,1988.
DONADEO, Maria. Os ícones de Cristo e dos Santos. São Paulo: Editora
Ave Maria, 1997.
MARCOS, José João dos Santos. A beleza da Virgem Maria: 12
6
catequeses sobre Nossa Senhora. Lisboa: Paulus Editora, 2017.
RAVASI, Gianfraco. Os rostos de Maria na Bíblia. Tradução Maria
Pereira. Lisboa: Paulus Editora, 2008.
RUPNIK, Marko Ivan.; ŠPIDLÍK, Tomas. La fede secondo le icone.
Roma: Lipa, 2000.
Cr éd ito s d as i ma g ens
Figura 1: Dormição de Maria. Ícone. Monastério de Santa Catarina. Monte
Sinai, Egito. Século XIII. Disponível em
<https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Koimesis_Icon_Sinai_13th_centur
y.jpg>
Figura 2: Pietro Cavallini. Dormição da Virgem. Mosaico. Santa Maria in
Trastevere. Roma, Itália. Séculos XIII-XIV.
Disponível em <https://it.wahooart.com/@@/8Y35YM-Pietro-Cavallini-Arco-
absidale:-6.-Dormizione-della-Vergine>
Figuras 3: Marko Ivan Rupnik. Natividade. Santuário Nacional de Mátrave-
rebély- Szentkút, Hungria. 2014.
Disponível em <https://www.centroaletti.com/opere/santuario-nazionale-
matraverebely-szentkut-2014/>
Figuras 4: Marko Ivan Rupnik. Dormição. Santuário Nacional de Mátrave-
rebély- Szentkút, Hungria. 2014.
Disponível em <https://www.centroaletti.com/opere/santuario-nazionale-
matraverebely-szentkut-2014/>
Figura 5: Marko Ivan Rupnik. Dormição da Virgem. Igreja de Maria Madre
Nostra. Pistoia, Itália. 2018.
Disponível em <https://www.centroaletti.com/opere/chiesa-di-maria-madre-
nostra-a-pistoia-2018/>
Imagem de abertura: Marko Ivan Rupnik/Centro Aletti
Lisboa
Po r t u g a l : 5 6 %
dos jovens são religiosos
8
Estudo do Centro de Estudos dos Povos e
Culturas de Expressão Portuguesa, que vai foi
apresentado na UCP, em Lisboa, no passado dia
6 de julho, indica que metade dos jovens
religiosos são católicos
“Vamos fazer a festa com os nossos jovens e com os jovens que vão
chegar”, disse o presidente da CEP.
“Aí vamos estar todos, com fé, porque estamos a fazer uma coisa que é
muito importante para a Igreja toda e para o mundo”, afirmou.
PR
https://agencia.ecclesia.pt/portal/portugal-56-dos-jovens-s%c3%a3o-religiosos/
(20-06-2023)
10
o porvir do cristianismo
Por J O R G E T E I X E I R A D A C U N H A
U
M E S T U D O R E C E N TE conhecer outras confissões
mostra que mais de religiões e alguns afirmam até
metade dos jovens participar noutras formas de culto.
portugueses se declaram religiosos Um documento como este tem um
e, desses, a grande maioria afirma- valor, mas é necessário avaliá-lo
se católica. Segundo o mesmo com o olhar da teologia e é nesse
estudo, pode concluir-se que a fé sentido que vamos fazer algumas
religiosa tem influência nos observações.
critérios de valor, nas
Há quase meio século o
preocupações com o futuro, com a
historiador Jean Delumeau
procura da felicidade. Segundo
escreveu um livro com o título
esse estudo de opinião “Jovens, Fé
provocador, em forma de
e Futuro”, realizado por um
pergunta: o cristianismo vai
serviço da Universidade Católica
morrer? O respeitado intelectual
Portuguesa, os jovens assinalam
católico e profundo crente
que os seus critérios de valor
defendia a ideia de que o
assentam no respeito, na
cristianismo, enquanto realização
liberdade, na honestidade.
cultural como o conhecemos, está
Mostram-se menos interessados
em profunda transformação e
no ativismo do que no
pode mesmo vir a morrer tal como
voluntariado e dão um grande
o conhecemos. Claro que ele não
valor à vivência orante. A
queria anunciar o fim da fé em
realização deste estudo pretende
Jesus Cristo, na qual, de resto,
conhecer os jovens de hoje,
morreu piamente e pacificamente.
sobretudo os jovens portugueses
O que queria dizer é que aa
que o Papa Francisco vai
práticas culturais, as ideias, as
encontrar nas próximas semanas.
hierarquias de valor não são
A guerra, as alterações climáticas,
eternas e que a fé cristã pode
a discriminação, o futuro do
conviver com novas formas de
trabalho como realização pessoal
incarnação histórica. Assim
constituam preocupações maiores
aconteceu no passado, sendo que
dos jovens de hoje. Muitos dos
o cristianismo antigo não foi igual
que responderam gostam de
ao medieval nem ao moderno. E
11
nesse sentido que podemos teologia e a sua tradição, de forma
perguntar o que está a acontecer a fazer dela a metáfora viva do
no tempo em que vivemos. É que, frente a frente com Deus, segundo
mesmo que afirmem continuar em a vivência de Jesus. Haverá aqui
grande medida crentes, os nossos um grande trabalho para as nossas
jovens urbanos e não só, mantêm faculdades de teologia que se
uma espiritualidade aberta ao encontram em declínio acentuado
divino, gostam de celebrar, mas e com pouca vitalidade. Nem o
vão dando sinais evidentes de que realismo do passado medieval,
o seu mundo religioso é diferente nem a metafísica idealista
do passado. moderna nos servem para esta
abertura do horizonte da vida
Temos, pois de estar atentos ao
absoluta que aos homens faz
que morre e ao que não morre do
humanos, justifica os outros
cristianismo, tal como o temos
viventes e dá sentido ao cosmos.
hoje.
Esta via de uma nova forma de
Num certo sentido é-nos
cristianismo não será um regresso
permitido afirmar que o
ao passado da administração
cristianismo é o porvir de toda a
religiosa, da moral codificada, da
realidade e que sem fé não há
organização clerical. Será uma
futuro. Mas é necessário ter em
nova pastoral que assinala as
conta que apenas podemos validar
fontes da vida e conduz até elas.
a nossa afirmação de estivermos
Será uma nova racionalidade que
imbuídos da proximidade entre
responde às preocupações dos
Deus e a vida, segundo a profunda
jovens com o futuro das condições
visão da teologia joânica. Por isso,
para o melhoramento da vida dos
a religião sem a qual não há porvir
viventes. Será uma nova ética que
é a que se centra na experiência da
dá entrada na felicidade real e
fé e a que coincide com a
livra do medo apocalíptico que
experiência da vida celebrada.
perturba tantas mentes de hoje.
Esta aproximação entre fé e vida
terá de ser o centro da nova
evangelização. Claro que é In, Voz Portucalense,
necessário pensar de novo a (22-07-2023).