Proposta de Construção Do Bambu
Proposta de Construção Do Bambu
Proposta de Construção Do Bambu
Resumo
O presente artigo, realizado para a disciplina de Sistemas Construtivos do curso de pós-
graduação do departamento de Arquitetura e Urbanismo, tem como objetivo propor um sistema
modular de habitação emergencial utilizando o bambu como principal componente estrutural. A
intensificação dos desastres naturais, relacionados ou não à intervenção humana, e a problemática
do déficit habitacional trazem a necessidade de se pensar em novas tecnologias e propostas
alternativas para habitações emergenciais que possam abrigar a população mais vulnerável. Nesse
contexto, a coordenação modular atua como solução projetual, tanto na racionalização das peças e
redução de perdas como na montagem rápida e simplificada das edificações. Fazendo uso da
modulação aliada às novas tecnologias e materiais sustentáveis de origem local, é possível propor
uma habitação funcional, de pequeno custo e baixo impacto ambiental.
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Abstract
This article, conducted for the Constructive Systems discipline of the graduate course of the
Department of Architecture and Urbanism, aims to propose a modular emergency housing system
using bamboo as the main structural component. The increasing number of natural disasters
related or not to human intervention, and the housing déficit bring the need to think about new
technologies and alternative proposals for emergency housing that can shelter the most vulnerable
population. In this context, the modular coordination acts as a design solution, both in the
rationalization of the parts and in the reduction of losses and in the quick and simplified assembly
of the buildings. By making use of modulation combined with new technologies and sustainable
materials of local origin, it is possible to propose a functional housing with small cost and low
environmental impact.
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1. Introdução
Com o passar dos anos, a humanidade enfrenta diversos desastres humanos e naturais,
alguns ocasionados devido a constante modificação do ambiente natural pelo homem. Um
exemplo recente registrado no Brasil foi o rompimento da barragem nas cidades de
Brumadinho e de Mariana, no estado de Minas Gerais, deixando grande número de
famílias desabrigadas.
Como forma de mitigar os problemas da população afetada, os abrigos emergenciais
são construídos após os desastres, normalmente de forma improvisada e com materiais de
rápida execução. Apesar de cumprirem a função de abrigo, por se tratarem de construções
improvisadas, alguns modelos apresentam obstáculos na montagem e na gestão de resíduos
em caso de demolição. Nesse contexto, as pesquisas na área da construção civil vêm
apresentando a coordenação modular como principal solução para os projetos de
habitações emergenciais.
A utilização de módulos de construção, além de auxiliar na montagem da estrutura, é
uma alternativa para a redução de custos por meio da otimização da matéria prima, da
agilidade no processo de decisão de projeto ou compra de componentes e da diminuição de
perdas. Além disso, a modularidade aliada à utilização de materiais sustentáveis e energias
renováveis pode ser a chave para a realidade moderna. (GREVEN, BALDAUF, 2007)
No âmbito da arquitetura e do urbanismo, a coordenação modular na concepção de
abrigos emergenciais encontra o desafio de gerar espaços acolhedores e confortáveis para
seus habitantes, contando com a possibilidade de permanecerem no local por longo
período, se necessário. Considerando tais fatores, a proposta apresentada traz como
principais diretrizes a modularidade, a funcionalidade, a sustentabilidade, a habitabilidade
e a durabilidade.
O local escolhido para a implantação do projeto foi a cidade de Londrina, localizada no
estado do Paraná, uma cidade de aproximadamente 570 mil habitantes, segundo o IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). De acordo com a Defesa Civil do Paraná,
em 2017, foram registrados nessa localidade mais de 10 desastres relacionados à
incidências de chuvas (NAKASATO, 2020).
Londrina, assim como as demais cidades brasileiras, sofre também com a crescente crise
habitacional. Segundo dados da Cohab (Companhia de Habitação Popular de Londrina)
levantados em 2017, existem 3.860 famílias vivendo em ocupações irregulares e
assentamentos precários. Nesse caso, além dos desastres naturais, o abrigo emergencial
pode ser proposto também como forma de auxiliar na problemática do déficit habitacional
resultante da financeirização da moradia.
Para a concepção estrutural do projeto, o material escolhido foi o bambu. De acordo
com estudo realizado pelo pesquisador Tarciso Filgueiras, junto ao Jardim Botânico e
Instituto de Botânica de São Paulo, o sudeste do Brasil apresenta a maior diversidade de
espécies dessa planta. Na região Sul, onde está localizada a cidade de Londrina, são
catalogadas 63 espécies.
Entre as principais vantagens deste material, estão a leveza das estruturas; a alta
produtividade por hectare; o rápido crescimento para a utilização na construção; o baixo
custo de plantio, corte e transporte; e a elevada resistência à tração. As desvantagens
incluem a alta vulnerabilidade ao ataque de fungos e insetos e à exposição aos raios
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ultravioletas e umidade; o comportamento estrutural variável; e a seção circular que
dificulta a união e suporte das peças.
Outras técnicas construtivas foram exploradas para complementarem a elaboração do
projeto. A técnica de bioconstrução conhecida como bahareque foi escolhida para as
vedações dos módulos por sua execução simplificada, podendo ser executada pelos
próprios moradores. Entretanto, para as conexões da estrutura em bambu, é recomendável
o acompanhamento de mão de obra especializada visando qualidade e durabilidade.
2. Metodologia
3. Proposta
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Figura 1: Proposta de abrigo emergencial. Fonte: elaborado pelos autores.
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Figura 2: Planta baixa. Fonte: elaborado pelos autores.
Figura 4: Planta baixa da possibilidade de ampliação da habitação, com mais módulos e varanda.
Fonte: elaborado pelos autores.
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Para o fechamento da estrutura, foi proposta a técnica tradicional conhecida como
bahareque ou bareque, um sistema de materiais naturais que funciona como isolante
térmico, e não necessita de mão de obra especializada, podendo ser executado pelos
futuros moradores.
Comumente utilizado em diversos países da América Latina, o bahareque é composto
de três camada: a primeira é uma mistura de barro úmido com areia e alta quantidade de
fibras. Essa mistura é colocada no interior de uma estrutura de bambus cortados ao meio e
dispostos horizontalmente. Em seguida, é aplicada a segunda camada, que consiste em uma
mistura de barro e areia com umidade média e menor quantidade de fibras. Por último, se
aplica uma terceira camada de argila, areia e selador.
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Figura 6: Módulos dos painéis de bahareque. Fonte: elaborado pelos autores.
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Foi prevista a utilização de placas de energia solar e calhas para a captação e
armazenamento da água da chuva.
As fundações elevadas em concreto foram concebidas a fim de evitar o contato direto do
bambu com a umidade do solo. Tal solução também possibilita que as moradias sejam
implantadas em terrenos com desníveis.
Figura 8: Fixação do pilar de bambu em sapata de concreto. Fonte: elaborado pelos autores a partir
da Norma peruana NTE E.100 (2012).
A incorporação do pilar de bambu na fundação de concreto é realizada através da união
com ancoragem interna, que consiste no preenchimento do colmo com argamassa e a
colocação de uma barra de aço de no mínimo 9mm de diâmetro que fará a ligação entre a
argamassa no interior do bambu e o bloco de fundação, conforme a norma peruana NTE
E.100.
Em relação às ligações entre as peças de bambu, foi proposta a conexão com
concretagem, levando em consideração que a construção deve ser durável caso os
moradores necessitem permanecer no local por tempo indeterminado. Para atingir tal
objetivo, foi utilizada a ligação proposta pelo arquiteto colombiano Simón Vélez.
Comumente usada para ligações em “T”, consiste na concretagem interna dos bambus e
conexão das peças por um gancho metálico e uma barra rosqueada. Parafusar o bambu faz
com que não ocorra o afastamento entre as fibras, evitando o cisalhamento entre as peças.
(PADOVAN, 2010). Outra possibilidade de conexão, em caso de um abrigo temporário,
seriam as ligações viga-pilar em boca de pescado, conforme a norma NTC 5407,
priorizando a simples execução.
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Figura 9: Ligação Simón Vélez. Fonte: RWTH Aanchen, 2009.
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Figura 11: Modulação e contabilização das peças de bambu. Fonte: elaborado pelos autores.
Como soluções sustentáveis, além da captação da energia solar e reaproveitamento da
água da chuva, a gestão de resíduos é proposta através da complementação do projeto com
composteiras e biodigestores. Outras soluções, como a disposição de hortas para o cultivo
de alimentos, foram pré-definidas. Entretanto, ainda é necessária a realização do estudo de
viabilidade.
4. Considerações finais
As propostas apresentadas configuram um anteprojeto, evidenciando a necessidade da
execução de um protótipo para que sua funcionalidade e desempenho possam ser melhor
avaliados.
Apesar das vantagens da técnica do bahareque, não foi realizado seu cálculo estrutural,
levando em consideração a estrutura elevada e o peso das paredes. O fechamento em
bahareque é uma alternativa sustentável e de simples execução que cumpre sua função
térmica. Entretanto, a modularidade da estrutura em bambu admite outras possibilidades de
fechamentos que continuam sendo analisadas e estudadas a fim de se encontrar a um
material que, além das características já citadas, seja também mais leve e acessível.
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Os sistemas de energia renovável, gestão de resíduos e captação de água, embora
citados, ainda necessitam de detalhes de instalação e estudos de viabilidade voltados para a
realidade do projeto. Sendo assim, ainda não foi possível estabelecer o custo final da
unidade habitacional.
A durabilidade da estrutura e de suas ligações foram pensadas para que o abrigo
pudesse ser utilizado por seus moradores por tempo indeterminado. Tal fato não impede
que o projeto seja executado com ligações mais simples em casos temporários.
O processo de projetar uma habitação emergencial, de baixo custo e que utilize
materiais renováveis pode ser uma solução tanto para situações de desastres naturais como
para a crise habitacional. Como profissionais da área da construção civil, é importante que
possamos priorizar a moradia como um direito básico não somente no âmbito teórico, mas
também no desenvolvimento técnico de projetos que sejam capazes de fornecer moradia
digna a todos.
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Referências
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Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2010.
Doi: 10.11606/T.18.2010.tde-05092013-143946. Acesso em: 2020-09-16.
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