KOCH, Ingedore G. Villaça - O Texto e A Construção Dos Sentidos

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OTEXTO

EACONSTRUÇAO
DOS SENTIDOS

INGEDOREG.VILLAÇAKOCH

SBD-FFLCH-USP

262964
11

cüõüfo
pU 5 1 /''t'"l'z'"'t b a

e.. J 5 CoP7riglzf © 1997 Ingedore Villaça Koch

Todos os direitos desta edição reservadosà


EonoR{A CONTEXTO(Editora Pinsky Ltda.)

SUMÁRIO
Composição; FA Fábrica de Comunicação
Revisão: Verá Lúcia Quintanilha
Capa: AntonioKehl

Dados Internacionais de Catalogaçãona Publicação (cip)


(Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)

Koch, Ingedore Grunfeld Villaça


O texto e a construção dos sentidos / Ingedore Koch 7. ed
Introdução 7
São Paulo : Contexto, 2003.

Parte 1: A Construção Textual do Sentido 9


Bibliografia
ISBN85-7244-068-2
A Atividadede ProduçãoTextual 11
1.Fala 2. Linguagem 3. Textos l.Título 11S. érie

O Texto: Construção de Sentidos 25


CDD-415
97-1799
Atividades e Estratégias de Processamento
Índices para catálogo sistemático:
1. Lingüística textual 415
Textual 31
2. Sentidos: Lingüística 415
3. Texto: Lingüística 415
U A Construção dos Sentidos no Texto
m Coesão e Coerência
D 45
r l4nTVnUA ( f"\h.lvrvvr"\
A Construção dos Sentidos no Texto
>
' Diretor editorial: JaimePinsky Rua
Acopiara, 199 Alto da Lapa 05083- Intertextualidade e Polifonia 59
C 110--São Paulo--sp PABX(:11)
3832 5838
l
[email protected] m .br
Parte 11:A Construção do Sentido no
www.editoracontexto.com.br Texto Falado 75
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gl

8 ' n A Naturezada Faia 77


0r ' 2003
=l Atí\'idades de Construção do Texto Falado;
r Tipos e Funções 83
' Proibida a reprodução total ou parcial.
Os inó-atires serãoprocessadosna forma da lei
m
}

lematização e Rematização: Estratégias


93
de Construção do Texto Falado

A Repetição como Estratégia de


Construção do Texto Falado É23
INTRODUÇÃO
A Dinamicidade dos Tópicos no Texto
Conversacional: Digressão e Coerência 147

Bibliografia É59

A Autora no Contexto 167

O processode produção textual, no quadro das teorias só- cio-interacionaisda7 linguagem, é conc
determinados Gins.
As teorias sócio-interacionais reconhecem a existência de um
sujeito planejador/organizador que, em sua inter-relaçãocom ou- tros sujeitos,vai construir um te
signif:ica que a construção do texto exige a realização de uma série de atividades cognitivo-discursivas q
É ao estudo de tais atividades discursivase de suasmarcas
na materialidadelingüística que se destina a presenteobra. Na primeira parte, trato de questõe
língua; na segunda,detenho-me no estudo da construçãodos
sentidos no texto falado.
Os capítulos que compõem estelivro constituem versões mais
ou menos próximas de trabalhos publicados em revistas especializadas
e/ou apresentados em congressos, que discutem questõescentrais
referentesà construção textual dos sentidos e que seinterligam teórica e
metodologicamente, formando o todo que aqui apresento e que submeto à
apreciação dos leitores, cujas críticas e sugestõesserão sempre bem-vindas.

8
PARTE l

A CONSTRUÇÃO
TEXTUAL DO SENTIDO
AAriViDADEDE
PRODUÇÃO TEXTUAL

11
Segundo as teorias da atividade verbal, o texto resulta de
um tipo específicode atividade a que autoresalemãesdenomi-
nam 'Spxacó#cÃei /7a 2e/ 'l entendendo por Á.z/zZe/n todo tipo
de influência consciente, teleológica e intencional de sujeitos
humanos, individuais ou coletivos, sobre seu ambiente natural e
social. Dessa forma, Spracó#cÃef.fía/z2e/fzdiz respeito à realiza-
ção de uma atividadeverbal, numa situaçãodada, com vistasa
certos resultados.
A escola psicológica e psicolingüística soviética, por sua vez,
baseada em Vigotsky, emprega o termo "dejatel'post" para
designar o complexo conjunto de processos postos em ação para a
consecuçãode determinado resultado, que é, ao mesmo tempo, o motivo
da atividade,ou seja,aquilo por meio do queseconcre- tiza uma
necessidaddeo sujeito (Serébrennikov,1933:60). Con-
sequentementet,al atividade pode articular-seem trêsaspectos:
motivação, finalidade e realização. Diz Leont'ev (1971:31):

:Surge de uma necessidade. Depois, planinicamos a ativida- de,


Fazendouso de meios sociais os signos ao determinar sua meta e
eleger os meios adequados à sua realização. Final-
mente, a realizamos, e com isso alcançámosos resultados
visados. Cada ato da atividade compreende, pois, a unidade
dos trêsaspectosc:omeçacom um motivo e um plano,e e.
dependência constante da situação em que se leva a cabo a atividade,
termina com um resultado,com a consecuçãoda meta pre- vista
tanto para a planificação geral como para a rea- lização das
no início; mas, nessemeio, há um sistema dinâmico de
açõese a possívelmodificação do processono decurso da
ações e operações concretas orientadas para essa meta'
atividade (troca das açõesprevistas por outras,
Leont'ev (1974) ressaltaque tais ações e operações,que de acordo com mudanças produzidas na situação).
constituem a atividade verbal, estãoinseridasem um processo social--
o que permite considerara linguagem enquanto ativida- de determinada A TEORn DA ATIVIDADE VERBAL
pelos fatores sociais.
Ora, toda atividadepressupõea existênciade uma A teoria da atividade verbal (teorija recevojdejatel'nosti)
estruturação interna, a qual, segundo Leont'ev (1971), "se ex- é, portanto, a adaptação ao 6enâmeno "linguagem" de uma teoria
da atividade de caráterâlosófico, articulada com uma teoria da
12 13
pressa sobretudo no fato de que o processo da atividade consta de

açõesindividuais(...). As mesmasaçõespodem pertencer a dife- arividade (social) humana, que se especifica em uma teoria da
rentes atividades e vice-versa: o mesmo resultado pode ser alcan- çado por atividade(comunicativa) verbal.
meio de diferentes ações".Tais ações,que presidem a estruturaçãoou A atividadeverbalé definidapor Leont'ev(1971) como
atividade, e que possuemtambém determinação "... uma atividade (...) do ser humano que se transmite até certo grau
social (e psico-individual), articulam-se por sua vez em opera- ções mediante os signosde uma língua (cuja característicafun- damental é
específicas, que são os meios de realização das ações indivi- duais, em virtude a utilização produtiva e receptiva dos signos da lín- gua). Em sentido
da motivação própria de cada uma delas. Enquanto as ações têm caráter restrito, deve-seentendê-la como uma atividade na qual o signo
"psíquico", as operações são fun- damentalmente psicofisiológicas (na lingüístico atua como 'estímulo' (\Vgotsky), uma atividade, portanto, em
atividade verbal, pot exem- plo, as operações de Eonação, articulação etc.). cujo transcurso construímos uma expressão lingüística para alcançar um
Toda atividade humana, portanto, teria os seguintesas- objetivo prendado.
pectos fiindamentais: O que interessa,assim,ao estudo propriamente lingüístico
são as formas de organização da linguagem para a realização de fins
a.
existência de uma necessidade/interesse; sociais(o que inclui, evidentemente,o estudodo sistema de
b estabelecimento de uma finalidade; signosde que nos valemos). Isto é, seu objetivo é verificar como
c.
estabelecimentode um plano de atividade, formado por seconseguem realizar determinadas açõesou interagir
ações individuais; socialmenteatravésda linguagem (que é, em essênciat,ambém
d realização de operações específicaspara cada ação, de con- formidade a preocupação da teoria dos atos de EHa de Austin, Searle e suas
com o plano prefixado; variantes) .
A realizaçãolingüística da atividade verbal dependedas
condições sociais e psicológicas, além de vir determinada pelo
motivo básico da atividade, e utiliza diversos meios como:
probabilidades", tem a maior probabilidade de êxito) para cumprir
a. seleçãode palavras;b. passagemdo programaà sua realiza- seupapel específicodentro do conjunto de ações em que se
ção;c. projeto gramatical; d. traduçãoe comparaçãode varian- tes articula a atividade.
sintáticas; e. fixação e reprodução dos compromissos Sob a influência de tais fatores, o sujeito idealiza o plano geral
gramaticais,unidos à programaçãomotora (fisiológica) do texto, que determina a organização interna deste, antes de passar à
(Leont'ev, 74).
sua realização mediante unidades lingüísticas.
Quanto ao modo como o conjunto da atividade e do seu Já os Estoresque determinam a rea]ização verbal da inten-
entorno sócio-psicológico influi na forma específicada expressão ção verbal, ou seja, os aspectos especificamente "superficiais", são,
linguística, ele destaca:
segundo Leont'ev:
Fatoresque determinam aintervenção verbal(isto é, aquilo
14
que [eva à realizaçãode determinado ato verbal): a língua particular em que serealiza o enunciado, isto é, o
sistemalingüístico de uma dada língua;
motivação-- geralmentenão há um motivo único, mas o grau de domínio da língua;
um conjunto de motivos, embora seja possível destacar o
o Eator fiincional-estilístico, que determina a escolha dos
motivo central ou dominante;
meios lingüísticos mais adequadosdentre todas aspossi-
situação que inclui um conjunto de influências inter- nas
bilidades existentes, de acordo com as condições especíRl- cas em
que aeetamum organismo e que, juntamente com a motivação
que se realiza a comunicação. É responsável, por
inicial, informam com precisãoesseorganis- mo quanto exemplo, pela seleçãoda forma dialogada ou monoiogada,
àsescolhasque deve realizar; e também a si- tuação objetivo escritaou caladad,o tipo de textoetc.,assimcomodos
(situaçãopropriamentedita) e a infor- mação sobre situações aspectos tradicionalmente considerados 'estilísticos";
distintas nas quais se realizaram outras atividades; o eatoraeetivo,expressivo;
prova de probabilidades, que determina quais, entre asdi- versas as diferençasindividuais em experiênciaverbal entre Fa- lante
ações possíveis (integrantes de uma atividade com- pleta), têm mais e ouvinte, que exigemdeterminadasestratégiaspor parte do
possibilidade de produzir os frutos dese- jados; Edante na seleçãodas formas lingüísticas, de acordo com as
tarefa-ação segundo a qual se seleciona a ação que terá mais necessidadese possibilidades do ouvinte;
probabilidade de êxito; consistefundamentalmen- te em o contexto verbal, no sentido de "contexto lingüístico";
nosso próprio conhecimento da estrutura e da fi- nalidade de a situação comunicativa.
toda a atividade, isto é, trata-se de projetar uma das ações
Em resumo:A linguagemé uma Formade atividadee, assim
(aquela que, de acordo com o "cálculo de
sendo, deve ser encarada como uma atividade em geral, e, mais
especificamente,como uma arividade humana. Como tal,
toda atividade verbal possui, além da motivação, um conjunto de operações, que são próprias do sistemareferência
lingüísticoàesituação sentam
que repre- texto a articulação
como reflexo dedas açõesindividuais
traços da si- em que se e
atividade,e um objetivo final que,como o motivo inicial, tem tuação comunicativa;
um caráter basicamente lingüístico. No processode realização da atividade mediante açõesverbais (arosverbais), é preciso distin-
intencionalidade-- texto como
guir duas uma
fases:forma de realização
a estruturação de
da motivação inicial e a realiz
determinantes não-lingüísticos, fundamentalmente de caráter mtenções;
psico-social, devendo, inclusive, a manifestaçãosuperficial expli- car-se,em grande parte, por tais Estores.boa formação -- texto como sucessão linear coerente de unidadeslingüísticas; unid
boa composição -- texto como sucessãode unidades lin-
güísticas selecionadas e organizadas segundo um plano de
composição;
gramaticalidade-- texto como sucessãdoe unidadeslin-

16
t7
güísticas estruturadas segundo regras gramaticais.
ALGUMAS PROPOSTASNO INTERIOR
O estudo do texto em sua totalidade deve considerar os oito
OA LINGÜÍSTICA TEXTUAL
aspectos,embora o autor tenha dedicado seutrabalho ape-
1. Dentro da teoria da atividade verbal, uma das primei- nas aos aspectos6, 7 e 8. Cada um deles pode dar origem a uma
ras tentativas de elaboração de um modelo textual 6oi desenvolvi-
teoria parcial, de modo que os oito, em conjunto, permi- tiriam o
do por H. lsenberg (1976), que propôs um método apto para estudo -- necessariamente interdisciplinar -- do texto
descrevera geração (e também a interpretação e análise) de um texto, lingüístico. Os vários aspectos são apresentados numa ordem tal que
desde a estrutura pré-lingüística da intenção comunicativa até a
cada um delespressupõeos anteriores,sendo l e 2 pressupostos
manifestaçãosuperficial, incluindo fiindamentalmente as
básicos: existe, em primeiro lugar, a necessidade social, para cuja
estruturas sintáticas, mas que pode ser ampliado aos níveis infe- riores realização se elabora um texto, cujo conteúdo sefixa de acordo com a
(morfológico, fonológico etc.). Paraele, o texto pode ser encarado situaçãocomunicativa e a intenção do falante; passo a passo chega-se ao
sob oito aspectos diferentes:
nível superficial do "texto" em forma de elementoslingüísticos
sucessivosP. arao estudode cada aspecto, é preciso ter em conta os
legitimidade social -- texto como manifestação de uma ati- vidade
anteriores; assim, por exemplo, uma descrição adequada da
social legitimada pelas condições sociais;
gramaticalidade deverá levar em conta a intenção.
funcionalidade comunicativa -- texto como unidade de co-
lsenberg ressaltaa importância do aspecto pragmático como
municação;
determinante do sintático e do semântico: o plano geral do texto
semanticidade -- texto em sua função referencial com a
realidade; determina asfunções comunicativas que nele irão aparecere es-
tas, por suavez, determinam as estruturassuperficiais. A relação
sistema de signos, denotativo, mas como sistema de atividades ou de
existente entre os elementos do texto deve-seà intenção do Falan- te, ao
operações, cuja estrutura consiste em realizar, com a ajuda de um
seu plano textual prévio, que se manifestapor meio de instruções ao repertório aberto de vmiáveis (...) e um repertório fechado de
ouvinte para que realizeoperaçõescognitivas desti- nadasa regra, determinadas operações ordenadas, a Glmde conseguir um
compreendero texto em suaintegridade,isto é, o seu conteúdo e o determinado objetivo, que é informação, comunicação,estabeleci-
seu plano global; ou seja, o ouvinte não selimita a
mento de contado, automani6estação, expressãoe (per) formação da
;entender" o texto no sentido de captar seu conteúdo referencial, mas
atividade. Por isso é que propõe, para os "jogos verbais"de
aguano sentido de reconstruir os propósitos do falante ao estrutura-lo, Wittgenstein, a denominação "jogos de atuação comunicativa'
isto é, descobrir o "para quê" do texto.
4. Wunderlich (1978: 30), por suavez, assinala:"0 obje- tivo
E8
2. 1hmbém os trabalhos de Van Dijk, especialmente os da década de
da teoria da atividade é extrair os traços comuns das ações, planos de
80, enquadram-se numa teoria acional da linguagem. Em Van Dijk ação e estágiosdas ações,e pâ-los em relaçãocom
(1981: 210), por exemplo,lê-se"... o planejamento pragmático de um traços comuns dos sistemasde normas, conhecimentos e valo-
discurso ou conversaçãorequer a atualização mental de um conceito de res.A análise do conceito de atividade (o que é atividade/ação) está
ato de Edaglobal. É com respeito a esse macroato de Edaque seconstrói o estreitamente ligada à análise do conhecimento social so- bre as
propósito da interação: que X quer saber ou Emer algo. Se dissermos, de açõesou atividades (o que se considera uma ação?).A teoria da
maneira bastante vaga, embora familiar nas ciências sociais, que a ação atividade é, portanto, em parte uma disciplina de ori- entação das
humana é finalisticamente orientada ("goal directed"), ciências sociais, em parte, também, filosófica e de metodologia da
estaremossignifican- do que seqüências de ações (...) são realizadas sob o Ciência. A relaçãocom a lingüística está em
controle eeetivo de uma macro-intenção ou plano, encaixadonuma que o fundamento pragmático da teoria da linguagem deveen- laçar-se
macro-finali- dade, para um ou mais fitos globais. Enquanto tal macro- com a teoria da atividade e que, por sua vez, a análise
propósi- to é a representação das consequências desejadas de uma ação (...), a linguística pode contribuir de alguma forma para o desenvolvi-
mento da teoria da atividade:
macro-intenção ou plano é a representação conceitual do estado 6ina], isto é,
do resultado da macro-ação. Sem um macro-propósito
e uma macro-intenção, seríamos incapazes de decidir qual ato de 5. Beaugrande& Dressler (198 1), por seuturno, aârmam: "A
Edaconcretopoderiapropiciar um estadoa partir do qual o resul- tado produção e a recepçãode textos funcionam como ações discursivas
pretendido e a meta intencionada poderiam seralcançados.' relevantes para algum plano ou meta". (cf as ações verbais de Leont'ev) .
Partindo da definição de Von Wright (1 967) : 'açãoé um ato intencional
3. Schmidt (197 1: 33) escreve, acerca da teoria do ato ver- que transforma uma situação de uma
bal: 'IA linguagem... já não é considerada primariamente como forma como, de outro modo, não teria ocorrido", descrevema
açãodiscursiva em termos das modificações que ela efetua sobre a
situação e sobre os vários estadosdos participantes: estado de
Paraessesautores, embora a coesãoe a coerênciaconstitu-
conhecimento, social, emocional etc. Entre todas as mudanças que
am os padrões mais evidentes de textualidade, não são, por si só,
ocorrem por meio de um discurso,o cocode cadaparticipan- te recai
suficientes para estabelecer fronteiras absolutas entre textos e não
sobre aquelesestadosque são instrumentais para os seus
planos, com vistasa determinado objetivo. Deste modo, os esta- textos, já que as pessoasmuitas vezesutilizam textos que, por várias
razões, não se apresentam totalmente coesos e/ou coeren- tes. E isso que os
dos são processados através de sua vinculação a um plano, isto é, pelo
leva a incluir as atitudes dos usuáriosentre os
encaixamentodasaçõesnuma sequênciaplanejadade esta- dos ("plan
critérios de textualidade: para que uma manifestaçãolingüística
attachement").
constitua um texto, é necessárioque haja a intenção do produtor
Seutrabalho, portanto, insere-setambém nos quadros de uma
de apresenta-la e a dos parceiros de aceita-lacomo tal -, em
teoria da atividade. Dizem elesque a primeira Emeda pro-
20 uma situação de com unicação determinada. Pode, inclusive, acon- tecer que,
dução de textos consiste usualmente no planejamento: o produ-
em certas circunstâncias, se afrouxe ou elimine 21
tor tem a intenção de atingir determinadametavia texto, de modo
deliberadamente a coesãoe/ou coerência semântica do texto com
que a produção desteé uma submeta no trajeto para o atingimento
o objetivo de produzir efeitos específicos.,Aliás,nunca é demais
do objetivo principal.
lembrar que a coerêncianão constitui uma propriedade ou qua- lidade
Definindo o discurso como uma seqüênciade situaçõesou
eventos em que vamosparticipantes apresentam textos como ações do texto em si: um texto é coerente para alguém, em dada situação de
comunicação específica (cf, por ex., Van Dijk, 1983;
discursivas, Beaugrande & Dressler consideram a atividade verbal como
Koch & Travaglia, 1989 e 1990). Este alguém,para construir a
uma instânciade planejamentointerativo. Por isso,inclu-
coerência, deverá levar em conta não só os elementos lingüísticos
em, entre os critérios ou padrõesde textualidade, a inten-
que compõem o texto, mas também seuconhecimento enciclo- pédico,
cionalidade/aceitabilidade. Segundo eles,a intencionalidade, em
conhecimentos e imagens mútuas, crenças,convicções, atitudes,
sentido estrito e imediato, diz respeito ao propósito dos produto- resde
pressuposições,intenções explícitas ou veladas,situa-
textosde Emercom que o conjunto de ocorrênciasverbais possa ção comunicativa imediata, contexto sociocultural e assimpor
constituir um instrumento textual coesivo e coerente, capaz de realizar diante.
suasintenções, isto é, atingir uma meta especificada em um plano; em
sentido amplo, abrangetodasasmaneiras como os sujeitos usam textos 6. Motsch & Pasch(1987) concebemo tcxto como uma
para perseguir e realizar seus objetivos. seqüênciahierarquicamente organizada de atividades realizadas pelos
A aceitabilidade, por suavez, refere-seà atitude cooperati- va (cf. interlocutores. Segundo eles, componentes da atividade lin-
Grice) dos interlocutores, ao concordarem em "jogar o jogo", de güística (AL) reúnem-se na seguinte formula:
acordo com as regrase encaram, em princípio, a contri- buição do parceiro
como coerentee adequadaà realizaçãodos a] = (e, int., cond., cons.)
objetivos visados.
em que e representa a enunciação, int., a intenção do anunciador de atingir
enfatizar), distinguem duas categorias: a) as que visam a que o
determinado objetivo, cond., as condições necessárias para que enunciatário compreenda a enunciação (OBf-2); b) as que pre-
esseobjetivo seja alcançado, e cons., as conseqüências decorrentes do tendem leva-lo a aceitar realizar o objetivo fundamental do
atingimento do objetivo. enunciador (OBf-l).
De acordocom essaformula, a enunciação(e) é movida Hilgert (1990: 9), comentando a proposta desses autores,
por uma intenção (int.) do enunciador de atingir determinado relativamente àsatividades de composição do texto Enfado(ou de
objetivo ilocucional em relaçãoao enunciatário. Para atingir um formulação "lato sensu"), afirma que estasdevem servistascomo
objetivo fundamental (OBf), o enunciador precisa atingir um outro(OBf- procedimentos de solução de problemas: "se, em sentido lato, admitir-
1), anterior esubordinado àquele:que o enunciatário se que asatividades de formulação sãoiniciativas de cons- trução
aceite, isto é, estejadisposto a mostrar a reaçãopretendida pelo ]ingüístico-comunicativa de um enunciador, para forne-
22 enunciador ou, ainda, que o enunciatário queira que o cer uma "proposta de compreensão" ao enunciatário, em interação 23

enunciador atinja o OBf. E, finalmente, para que a aceitação com o qual o processo comunicacional se realiza; e se, com Rath (1 985:
ocorra, um outro objetivo (OBf-2), anterior e subordinado a 21), seconsiderar que "na língua fadada, um texto consiste, ao menos em
OBf-l, precisa ser alcançado: que o enunciatário reconheça a parte, na própria produção do texto (...)", onde 6enâ- menos especíâcos como
intenção do enunciador, ou seja, compreenda qual é o objetivo interrupções, reinícios, correções, paráfra- ses,repetições e outros o
que este persegue,o que dependeda formulação adequadada apresentam em constante status nascendo; então se pode admitir que as
enunciação. atividades de formulação são
Em outras palavras,de acordo com Motsch e Pasch,para desencadeadapsor problemas reaisou virtuais de compreen-
alcançar o objetivo ilocucionário fundamental, exige-se que o enunciador são, detectados por ocasião do processamento textual. Em outras palavras,
assegureao enunciatário as condições para que este reconheça sua atividades de formulação são aqueles procedimentos a que recorrem os
intenção (compreendendo a formulação da
interlocutores para resolver,contornar, ultrapassarou aemtardificuldades,
enunciação) e aceite realizar o objetivo a que ele visa. Deste modo, o
obstáculos ou barreiras de compreensão.
enunciadorrealizao objetivo a que ele visa.Deste modo, o O estudo dasatividades de composição ou construçãotex-
enunciador realiza atividadeslinguístico-cogn itivas para garantir a tual tem sido objeto de uma sériede pesquisase, ntre asquaisas de
compreensãoe estimular,facilitar ou causara aceitaçãoD. a Koch & Souzae Silva (1991, 1992, 1993); nasquaisse pro- põe uma
parte do enunciatário, para que a atividade i]ocuciona] sejabem revisão de alguns posicionamentos de Motsch e Pasche seapresenta uma
sucedida, faz-se necessárioque ele compreenda o objetivo do proposta de classificação das atividades de cons- trução do texto calado.
enunciador, aceite esseobjetivo e mostre a reaçãodesejada. Os autores,
relacionando os objetivos parciais OBf-2 e OBf- l com asatividades de De todo o exposto,pode-seconcluir que,vista sobessapers pectiva, a
composição textual (como fundamentar, justifi- car, explicar, atividade de produção textual pressupõeum sujeito -
completar, repetir, parafrasear,corrigir, resumir,
entidade psico-físico-social que, em sua relaçãocom outro(s)
sujeito(s), constrói o objeto-texto, levando em consideração em seu
planejamento todos os Estoresacima mencionados, combinan- do-osde OTEXTO:CONSTRUÇÃO
acordo com suasnecessidadees seusobjetivos. O(s) outro(s) sujeito(s) DE SENTIDOS
implicado(s) nessaatividade -- e no próprio discurso do
parceiro, já que a alteridade éconstitutiva da linguagem pode(m)
ou não atribuir sentido ao texto, aceita-lo como coeso e/ou coeren-
te, considera-lo relevante para a situação de interlocução e/ou ca- paz de
produzir nela alguma transformação.
Na atividade de produção textual, social/individual, O QUE É UM TEXTO
24 alteridade/subjetividade, cognitivo/discursivo coexistem e con-
É sabido que, conforme a perspectiva teórica que se adoce, 25
dicionam-se mutuamente, sendo responsáveis,em seuconjunto, pela ação o mesmo objeto pode ser concebido de maneirasdiversas.O con- ceito de
dos sujeitos empenhados nos jogos de atuação comuni- texto não foge à regra. E mais: nos quadros mesmosda
cativa ou sócio-mterativa.
Linguística Textual, que tem no texto seu objeto precípuo de
estudo, o conceito de texto varia conforme o autor e/ou a orienta- ção
teórica adotada.
Assim, pode-severificar que, desdeas origensda Lingüís-
tica do Texto até nossosdias, o texto foi visto de diferentes for-
mas. Em um primeiro momento, eoi concebido como:

a.
unidade lingüística (do sistema) superior à frase;
b sucessãoou combinação de frases;
c.
cadeia de pronominalizações ininterruptas;
d cadeia de isotopias;
e.
complexo de proposições semânticas.

Já no interior de orientaçõesde naturezapragmática,o


texto passou a ser encarado:

a. pelas teorias acionais, como uma seqüência de aros de Eda;


b. pelasvertentes cognitivistas, como 6enâmeno primariamen-
te psíquico, resultado, portanto, de processosmentais; e
c. pelas orientações que adoram por pressupostoa teoria da Poder-se-ia, assim, conceituar o texto como uma manifes- tação
atividade verbal, como parte de atividades mais globais de verbal constituída de elementos linguísticos selecionadose ordenados
comunicação,que vão muito além do texto em si, já que pelos co-anunciadores,durante a atividade verbal, de modo a permitir-
este constitui apenas uma Fasedesse processo global.
lhes, na interação, não apenasa depreensãode conteúdos semânticos, em
decorrência da ativação de processose
Desta Forma,o texto deixade serentendidocomo uma
estrutura acabada (produto), passando a ser abordado no seu próprio estratégiasde ordem cognitiva, como também a interação (ou
processo de planejamento, verbalização e construção. atuação) de acordo com práticas socioculturais (cf. Koch,1 992).

Combinando essesúltimos pontos de vista, o texto pode ser É esta tambéma posiçãode Schmidt (1978:170), para quem o
concebido como resultado parcial de nossaatividade comunicativa, texto é "qualquer expressãode um conjunto linguístico numa atividadede

26 que compreende processos,operaçõese estratégiasque têm lugar na comunicação no âmbito de um 'jogo de atuação comunicativa'
mente humana, e que são postos em ação em situações concretas de inreração tematicamente orientado e preenchen- 27

social. Depende-se, portanto, a posição de que: do uma fiinção comunicativa reconhecível, ou seja, realizando
um potencial ilocucionário reconhecível:
a. a produção textual é uma atividade verbal, a serviçode Gins Em Marcuschi(1 983: 12-13), encontramos aseguinte"de-
sociaise, portanto, inserida em contextos mais complexos de finição provisória" de Linguística Textual e de seu objeto, que
atividades (cf. capítulo anterior) ; também parece ajustar-se bem a essalinha de pensamento:
b. trata-se de uma atividade consciente, criativa, que com- preende "Proponho que se veja a Lingüística do Texto, mesmo que
o desenvolvimento de estratégias concreta de ação e a escolha de provisória e genericamente, como o as/wdoóZnOPrrnfões#nKüáz/- cas e
meios adequados à realização dos objetivos; isto é, trata-sede uma cognitivas reguladoras e controhdoras da produ çao, consta ção,
atividade intencional que o Edante, funcionamento e recepção de textos escritos ou orais.
de conformidade com as condiçõessob asquais o texto é Seu tema abrange a coesãosupe?#c/a/ ao nível dos constitu- intes
produzido, empreende, tentando dar a entender seuspro- linguísticos, a coeré/zci co ce/f a/ ao nível semântico e cognitivo e o
pósitos ao destinatário através da manifestação verbal; sistema de pressuposições e implicações a nível prag-
c. é uma atividade interacional, visto que os interactantes, de
mático da produção do sentido no plano dasaçõese intenções. Em
maneiras diversas, seacham envolvidos na atividade de pro- dução
suma, a Lingüística Textual trata o texto como um ato de
textual.
comunicação unificado num complexo universo de ações huma- nas.Por
Dessa perspectiva, então, podemos dizer, numa primeira
um lado deve preservar a o/gan/zzç.2o#ne.zrque é o tra- tamento
aproximação, que textos são resultados da atividade verbal de in- divíduos
estritamente lingüístico abordado no aspectoda coesão e, por outro,
socialmente atuantes, na qual estescoordenam suasações
deveconsiderar a erga í çúo rfücz/ázzZozu tentacular, não linear
no intuito de alcançarum fim social,de conformidadecom as
portanto, dos níveis de sentido e intenções que reali- zam a coerênciano
condições sob as quais a atividade verbal serealiza.
aspecto semântico e funções pragmáticas.
A ORGANIZAÇÃO DA
a. segmentos textuais de extensões variadas;
INFORMAÇÃO TEXTUAL
b. segmentostextuais e conhecimentos prévios;
A informação semânticacontida no texto distribui-se, como se c. segmentostextuais e conhecimentos e/ou práticas
sabe,em (pelo menos) dois grandes blocos: o üzü e o /copo, cuja socioculturalmente partilhados.
disposição e dosagem interferem na construção do sentido.
Quer para a remissão, quer para a progressão textual, cada língua
A informação dada -- aquelaque seencontra no horizonte de
põe à disposição dos falantes uma série de recursosexpres-
consciênciados interlocutores (cf. Chúe, 1987) -- tem por fiinção sivos,comumente englobados sob o rótulo de rojão fex/z/.z/(cf.
estabeleceros pontos de ancoragempara o aporte da in- formação nova. Koch, 1989).
28 A retomada de informação já dada no texto seem por meio As relações entre segmentos textuais estabelecem-se em vários
de remissão ou referência textual (cf Koch, 1989), formando-se destarte no níveis:
texto as coze/ai cães/z"ziq, ue têm papel importante na
organizaçãotextual, contribuindo para a produção do sentido 1. . No interior do enunciado, através da articulação tema-rema. A
pretendido pelo produtor do texto. informação temática é normalmente dada, enquanto a remática
A remissão se Eaz,freqüentemente,não a referentes textual- mente constitui, em geral, informação nova. O uso de
expressos,mas a "conteúdos de consciência", isto é, a refe- rentes um ou outro tipo de articulação tema--rema (progressão com tema
constante, progressão linear, progressão com tema derivado,
estocadosna memória dos interlocutores, que, a partir de 'pistas"
encontradas na superfície textual, são (re)avivados, via
progressãoe subdivisão do rema etc.) tem a ver
com o tipo de texto, com a modalidade (oral ou escrita),
inferenciação. É o que se denomina am#@oxaiem.infira ou an#@orn
com os propósitos e atitudes do produtor.
/'rc?@nzZzq,ue seráretomada no Capítulo 4. As inferências cons-
2. Entre orações de um mesmo período ou entre períodos no interior
tituem estratégiascognitivas extremamente poderosas,que per- mitem
de um parágrafo (encadeamento), por meio dos
estabelecera ponte entre o materiallingüístico presente na superRcie
conectoresinteúrásticos, aqui consideradostanto aquelesque
textual e os conhecimentos prévios e/ou comparti-
estabelecem relações de tipo lógico-semântico, como aque- les
lhados dos parceiros da comunicação. Isto é, é em grande parte através responsáveis pelo estabelecimento de relações discursivas ou
das inferências que se pode (re)construir os sentidos que o texto argumentativas (cf Koch, 1984, 1987 e 1989a).
implícita. 3. Entre parágrafos, seqüênciasou partes inteiras do texto, por
Com ancoragem na informação dada, opera-sea progres- meio dos "articuladores textuais" ou também por mera
sãotextual, mediante a introdução de informação nova, estabele- cendo- Justaposição.
se, assim, relações de sentido entre: Relaçõesentre informação textualmente expressae conhe-
cimentos prévios e/ou partilhados podem ser estabelecidaspor
recursoà intertextualidadeà, situaçãocomunicativae a todo o
contexto sociocultural.
QUAL E, AFINAL, A PROPRIEDADE
DEFINIDORA DO TEXTO?
AriViDADES E ESTRATEGiAS
Um texto seconstitui enquantotal no momento em que os
parceiros de uma atividade comunicativa global, diante de uma ma- DE PROCESSAMENTOTEXTUAL
nifestação linguística, pela atuaçãoconjunta de uma complexa rede de
fàtoresde ordem situacional, cognitiva, sociocultural e interacional,
sãocapazesde construir, para ela, determinado sentido.
Portanto, à concepçãode texto aqui apresentadasubjaz o
postulado básico de que o sentido não está no texto, mas secons-
Dentro da concepção de língua(gem) como atividade
30 trói a partir dele, no curso de uma interação. Para ilustrar essa
interindividual, o processamentotextual, quer em termos de pro- dução,quer3 1de comp
afirmação, tem-se recorrido com frequência à metáfora do /rede/g como Ainda dentro dessaconcepção, o texto éconsideradocomo manifestação verbal, constitu
este, todo texto possui apenas uma pequena superfície ex- posta e uma curso de uma atividade verbal, de modo afacultar aosinteractantes
imensa área imersa subjacente. Para se chegar às não apenas a produção de sentidos, como a fiindear a própria interação como prática s
Nessa atividade de produção textual, os parceiros mobili- zam diversos sistemas de conhe
profundezas do implícito e dele extrair um sentido, faz-seneces- sário o O objetivo deste capítulo é discutir algumas das questões
recurso aos vários sistemas de conhecimento e a ativação de processose ligadas ao processamento sociocognitivo de textos.
estratégiascognitivas e interacionais.
Uma vez construído um -- e não o sentido, adequado ao
contexto, àsimagens recíporocasdos parceiros da comunicação, ao tipo
de atividade em curso, a manifestaçãoverbal seráconsi- derada coerente
pelos interactantes (cf. Koch & Travaglia, 1989). E é a coerência assim
estabelecidaque, em uma situação concreta de atividade verbal ou, se
assim quisermos, em um "jogo de
linguagem" -- vai levar os parceiros da comunicação a identificar
um texto como texto.
SISTEMASDE CONHECIMENTO ACESSADOSPOR
interação, pretende atingir. Trata-se de conhecimentos sobre dpof zú'
OCASIÃO DO PROCESSAMENTTOEXTUAL
oOeüz,Oáf ozí/fpai zú'azmz&#aü0,que costumam serverbalizadospor meio de
enunciaçõescaracterísticas,embora sejatambém 6eqüente
Para o processamento textual contribuem três grandes sis-
sua realizaçãopor vias indiretas, o que exige dos interlocutores o
temasde conhecimentoo: lingüístico,o enciclopédicoe o conhecimento necessáriopara a captaçãodo objetivo ilocucional.
interacional (cf Heinemann & Viehweger, 1991). O conhecimentocomunicacionalé aqueleque diz res- peitos
O conhecimento lingüístico compreende o conhecimento por exemplo, a normas comunicativas gerais,como as máximas
gramatical e o lexical, sendo o responsávelpela articulação som- descritas por Grice (1969); à quantidade de informa- ção
sentido. É ele o responsável,por exemplo, pela organização do necessárianuma situação concreta para que o parceiro seja capazde
material lingüístico na superfícietextual, pelo uso dos meios reconstruir o objetivo do produtor do texto; à seleção
32
coesivos que a língua nos põe à disposição para eeetuar a remissão da variante lingüística adequada a cada situação de inreração e 33

ou a seqüenciação textual, pela seleção lexical adequada ao tema e/ou aos à adequaçãodos tipos de texto às situaçõescomunicativas.É o
modelos cognitivos avivados. que Van Dijk (1994) chama de modeZoi coK z/f/z,os de con/ex/o.
O conhecimento enciclopédico ou conhecimento de mun- do é
O conhecimento metacomunicativo permite ao produtor do
aquele que se encontra armazenado na memória de cada
texto evitar perturbações previsíveis na comunicação ou sanar Óon-
indivíduo, quer setratedeconhecimentodo tipo declarativo(pro- aneoz/'zPoi/erfor0 conflitos e6etivamente ocorridos por meio da
posições a respeito dos fatos do mundo), quer do tipo episódico (os introdução no texto, de sinais de articulação ou apoios textuais,
"modelos cognitivos" socioculturalmente determinados e ad- e pela realização de atividades específicas de formulação ou cons-
quiridos atravésda experiência)É. com baseem tais modelos, trução textual. Trata-sedo conhecimento sobreos vários tipos de
por exemplo, que se levantam hipóteses, a partir de uma man- chete; açõeslingüísticasque permitem, de certaforma, ao locutor asse- gurar a
que secriam expectativassobre o(s) campo (s) lexical (ais) a ser (em) compreensãodo texto e conseguir a aceitação,pelo par- ceiro, dos objetivos
explorado(s) no texto; que seproduzem as inferências que permitem com que é produzido, monitorando com elas
suprir as lacunasou incompletudes encontradas na superfície textual. o fluxo verbal (cf Motsch & Pasch, 1985).
O conhecimento sócio-interacional é o conhecimento so- bre as O conhecimento superestrutura, isto é, sobreestruturasou
ações verbais, isto é, sobre as formas de / Ir -grão através da linguagem. modelos textuais globais, permite reconhecer textos como exem-
Engloba os conhecimentosdo tipo ilocucional, plaresde determinado gênero ou tipo; envolve, também, conheci- mentos
comunicacional, metacomunicativo e superestrutural. sobre as macrocategorias ou unidades globais que distinguem os
E o conhecimento ilocucional que permite reconhecer os vários tipos de textos, sobre a sua ordenação ou
objetivos ou propósitos que um falante, em dada situação de seqüenciação, bem como sobre a conexão entre objetivos, bases

proposicionais e estruturas textuais globais.


Heinemann & Viehweger (1991) salientam que, a cada um
estrutura e-o significado de um fragmento de texto ou de um texto
dessessistemasde conhecimento, corresponde um conheci- mento inteiro. Elas fazem parte do nosso conhecimento geral, re- presentandoo
específicosobre como coloca-lo em prática, ou seja, um conhecimento procedural que possuímossobre compreensão de
conhecimento de tipo procedural, isto é, dos procedimentos ou
discurso. Falar em processamento estratégicosig- nifica dizer que os
rotinas por meio dos quais essessistemasde conhecimento se
usuários da língua realizam simultaneamente em vários níveis
atualizam quando do processamento textual. Este conhecimento funciona
passosinterpretativos finalisticamente orienta- dos,-e6etivos,eficientes,
como uma espéciede "sistemade controle" dos demais sistemas, no
flexíveis, tentativos e extremamente rápi- dos; fazem pequenos cortes no
sentido de adapta-los ou adequa-los às necessidades dos interlocutores no
material "entrante" (;ncom//lg), podendo utilizar somenteinformação
momento da interação.
ainda incompleta parache-
TH conhecimento engloba, também, o saber sobre as prá- gar a uma (hipótese de) interpretação. Em outras palavras,a in-
34
ticas peculiaresao meio sociocultural em que vivem os 35
formação é processada o/z-ane.
interactantes, bem como o domínio das estratégiasde interação, como
Assim, a análise estratégica depende não só de característi-
preservação das faces, representação positiva do "self", po-
castextuais, como também de características dos usuários da lín-
lidez, negociação,atribuição de causasa mal-entendidos ou fra-
gua, tais como seus objedvos, convicções e conhecimento de mundo, quer se
cassosna comunicação, entre outras. Concretiza-seatravésde
estratégias de processamento textual. trate de conhecimento de tipo episódico, quer do conheci- mento mais
geral e abstrato, representadona memória semântica
ou enciclopédica. Desta forma, as estratégiascognitivas consistem
ESTRATÉGIASDE PROCESSAMENTOTEXTUAL
em es/xafí#ünz& z/iodo conhecimento. E esseuso, em cadasitua- ção,
As estratégiasde processamentotextual implicam, portan- to, a depende dos objetivos do usuário, da quantidade de conheci- mento
mobilização "on-lhe" dos diversossistemasde conhecimen- disponível a partir do texto e do contexto, bem como de
to.. Para efeito de exposição, vou divida-las em cognitivas, textuais suascrenças,opiniões e atitudes, o que torna possível,no momen- to da
esociointeracionais. compreensão, reconstruir não somente o sentido intenciona- do pelo
produtor do texto, mas também outros sentidos,não previstosou
mesmo não desejadospelo produtor.
Estratégias cognitivas
Van Dijk & Kintsch citam, entre as estratégiasde proces-
Na acepçãode Van Dijk & Kintsch (1983: 65), o samento cognitivo, as estratégias proposicionais, as de coerência local, as
processamentocognitivo de um texto consistede diferenteses- macroestratégias, as estratégias esquemáticas, as estilís- ticas, as retóricas,
tratégias processuais, entendendo-se estratégia como "uma ins- as não-verbais e as conversacionais. Não cabe
trução global para cada escolha a serfeita no curso da ação". THs
aqui aprofundar essasquestões,para o que remeto ao trabalho
estratégiasconsistem em hipóteses operacionais eficazessobre a desses autores.
Pode-sedizer, portanto, que asestratégiascognitivas, em mo uma interação verbal. Entre elas, podem-se mencionar, além daquelas
sentido restrito, sãoaquelasque consistem na execuçãode al- gum Klativas à realização dos diversos tipos de fitos de eHa,as
"cálculo mental" por parte dos interlocutores. Exemplo
estratégias de preservação das faces ("facework") e/ou de repre-
prototípico são asinferências, que, como já 6oi dito, permitem gerar sentaçãopositiva do "self", que envolvem o uso das#ormm Zr
informação semântica nova a partir daquela dada, em cer- to contexto. .zfe/zw.z(üoa,s estratégiasde polidez, de negociação, de atribuição
Sendo a informação dos diversos níveis apenasem de causas aos mal-entendidos, entre outras.
p'rte explicitadano texto, ficando a maior parte implícita, as A efn.z/lkfa Ze p eserz,.zçãozZ #aref manifesta-se linguis- ticamente
inferências constituem estratégiascognitivas por meio das quais o
atravésde aros preparatórios, eufemismos,rodeios, mudanças de tópico e
ouvinte ou leitor, partindo da informação veiculada pelo tex-
dos marcadores de atenuação em geral. O gaz/ Zr po#ó2kzé socialmente
to e levando em conta o contexto (em sentido amplo), constrói
36 determinado, em geral com base
novas representaçõesmentais e/ou estabeleceuma ponte entre 37
nos papéis sociaisdesempenhadospelos participantes, na neces-
segmentostextuais, ou entre informação explícita e informação não
explicitada no texto. sidade de resguardara própria face ou a do parceiro, ou,.ainda,
condicionado por normas culturais.
As inferências são estratégias cognitivas comuns à modali- dade
Conflitos, mal-entendidos, situações que desencadeiam
escrita e falada. Existem, contudo, estratégias específicasda fala, como
incompreensãomútua são inevitáveis no intercâmbio linguístico. Para
aquelasque venho denominando "estratégiasde desaceleração" (cf restabelecera "commonality", Eaz-sepreciso, então, que as dificuldades
Koch & Souza e Silva, 1994), algumas das sejamdevidamente identificadas e .zfr/óz/ií2úaz.ipoli/-
quais, como, por exemplo,aspausasde planejamento, têm por z,eüc'zz/i,zsfubjacenteaso conflito. Como conseqüêncidaa atri-
função ganhar tempo para o processamentopor ocasião da pro- dução buição (adequada ou inadequada) de causas às dificuldades, os
textual.
contratos subjacentes necessitam ser, muitas vezes,modificados, ou então,
As estratégiasde ordem cognitiva têm, assim, a função de
novos contratos devem ser estabelecidospara prevenir fiituros
permitir ou facilitar o processamentotextual, quer em termos de
problemas do mesmo tipo. .Além disso, toda interação envolve a
produção, quer em termos de compreensão.As estratégias
neKac/açúode uma denlnição da própria situação e das
mteracionals, por su' vez, visam a fazer com que osjogos de lin-
normas que a governam. Na verdade, todos os aspectos da situa- ção
guagem transcorram sem problemas, evitando o fracassoda
mteração. relativos aos participantes estão sujeitos à negociação. Isso vai resu[tar numa
construção social da realidade, já que, sendo a rea- lidade social e
constituída no processo contínuo de interpretação e interação, os
Estratégias sócio-interacionais seusvários aspectos podem ser considerados e

Estratégias interacionais são estratégias socioculturalmente


(re)negociadosde forma explícita ou implícita.
determinadas que visam a estabelecer,manter e levar a bom ter- Portanto, as estratégiasinteracionais visam a levar a bom
termo um "jogo de linguagem". As estratégiastextuais,por seu
turno -- que, obviamente não deixam de ser também interacionais e
que sepode Edar de segmentação (cf cap. 3 da Parte11).Nestes, a integração sintática
cognitivas em sentido lato --, dizem respeito às escolhastextu- ais que Além do aspectodo planejamento, outros parâmetrosda interação
os interlocutores realizam, desempenhando diferentes fun- çõese tendo 'face-a-facedesempenham aqui papel relevante: a rápida alternância dos turnos, a express
em vista a produção de determinados sentidos. entre outros.

Estratégias textuais
1. De organização da informação.
2. De formulação.
3. De reGerenciação.
38
4. De "balanceamento" ("calibragem") entre explícito e implí-
cito. 2. Estratégiasde formulação -- têm funçõesde ordem cognitiva-interacional.En
39

As inserçõestêm, em geral, a fiinção de facilitar a compre- ensãodos interlocutores, c


inserido não é supérfluo, isto é, não é eliminável sem prejuízo
1. Estratégias de organização da informação -- dizem res para a compreensão. Por meio da inserção, introduzem-se expli- cações ou justiâcativas,
interlocutores. Pode, ainda, servir de suporte a uma argumentação em curso e/ou expressa
peito à distribuição do materiallingüístico na superfícietextual

dado/novo

Conforme já 6oi ressalvadono Capítulo 2, a estrutura


inÊormaciona] de um texto exige a presença de elementos dados e
elementos novos. É com base na informação dada, responsável pela
locaçãodo que vai ser dito no espaçocognitivo do enter- locutor, que
seintroduz a informação nova,que tem por função introduzir nele
novas predicações a respeito de determinados re- ferentes,com o objetivo
de ampliar e/ou reformular os conheci- mentos já estocados a respeito
deles.

estratégiasde articulação tema-rema

Em termos da articulação tema-rema, particularmente na


linguagem falada, tem-se uma série de padrões expressivosem
liza-se, basicamente, através de repetições e parlraseamentos, cuja
[os que Errem parte de um mesmo "fume" ou "script", a partir de um ou
função precípua é a de reforçar a argumentação, sendo, nesse
vários de seus elementos explícitos na superfície textual. Eis alguns
caso,comum às modalidadesescrita e oral. Pode [er, também, a fiinção
exemplos:
de facilitar a compreensão através da desaceleraçãodo rit-
mo da fala, dando ao(s)parceiro(s)tempo maior para o (1) .l#2oi finas e delicadasteciam as mais graciosasrendas,en-
processamento do que está sendo dito (cf Capítulo 4 da Parte ll). quanto aZ»oi e üó/oí pareciam sorrir suavemente.
A reformulação saneadora,por suavez, pode ocorrer sob forma (2) Jorge 6oi atacado pelo enorme cão policial. Elessão realmente
de correções ou reparos, e também de repetições e paráfra- ses,todas elas animais muito perigosos
com função de solucionar imediatamente após a (3) Ao ser abordada pelo assaltante, a bolsa da jovem abriu-se, e seus
verbalização de um segmento, dificuldades nele detectadaspelo pertences espalharam-se pela calçada. O /e/zfo,o vaza/z,a
40
próprio falante ou pelosparceiros, podendo, assim, serauto - ou pente rolaram para o meio da rua. 41
heterocondicionada.

Há, também, a remissãopara a frente catáeora-- que se


3. Estratégias de referenciação -- a reativação de referentes
realizapreferencialmente atravésde pronomes demonstrativosou
no texto é realizada através de estratégias de reEerenciaçãoanaforica (Koch, ] indefinidos neutros (isto, isso,aquilo, tudo, nada)ou de nomes
987 e 1989 e outros), formando-se, desta maneira, ca- deias coesivas genéricos,mastambém por meio dasdemaisespéciesde prono' mes,
mais ou menos longas. Aquelas que retomam refe- de numerais e de advérbios propominais.
rentes principais ou temáticos (por exemplo, protagonista e antagonista,
na narrativa; ser que é objeto de uma descrição; tema (4) O incêndio havia destruído fzído: casas,móveis, plantações
de uma discussão,em textos opinativos) percorrem em geral o texto
inteiro.
Uma das formas de avivar ou reativar referentes são expres-
Como serádetalhado no Capítulo 4, essetipo de remissão sõesnominais deânidas, ou seja, as descrições deânidas do refe- rente.
pode ser e6etuadopor meio de recursosde ordem "gramatical" ou Ora, o uso de uma expressãodefinida implica semprena
por intermédio de recursosde naturezalexical, como sinóni-
escolhadentre aspropriedades ou qualidadesque caracterizamo
mos, hiperânimos, nomes genéricos,descriçõesdefinidas; ou, ainda,
referente, escolha, escolha esta que será deita de acordo com aque- las
por reiteração de um mesmo grupo nominal ou parte dele; e, 6lnalmente,
propriedades ou qualidades que, em dadas situaçõesde
por meio da elipse.
interação, em fiinção dos propósitos a serematingidos, o produ-
Por vezes, a (re)ativação de referentes, a partir de "pistas tor do texto tem interesseem ressaltaro, u mesmotornar conhe-
expressasno texto, se dá via ineerenciação. Pode-se inferir, por
cidas de seu(s) interlocutor(es). Veja-se, por exemplo, a diferença entre
(14) e (15):
junto a partir de um ou mais subconjuntos; enfim, conhecimen-
(14) Collor preocupa-seem manter a forma. Ocres/Zr /f exercita- A necessidadede recorrer aos sistemas de conhecimento e
se todos os dias.
às estratégias aqui parcialmente descritas, por ocasião do
(15) Collor preocup'-se em manter a forma. O mosto /nZzan.zlamrr processamentotextual, permite constatar a grande complexida- de do
exercita-se todos os dias.
processode construção de um texto ea gama de atividades
de ordem sociocognitivaque se realizamcom vistasà produção
Como se vê, a escolha das descrições deânidas pode trazer de sentidos.
ao interlocutor informações importantes sobre asopiniões, cren-
çase atitudesdo produtor do texto, auxiliando-o na construção
do sentido. Por outro lado, o locutor pode também, através do
uso de uma descriçãodeGlnida,dar a conhecerao interlocutor
42
dados que acredita desconhecidos deste, relativamente ao refe- 43
rente textual, com os mais variadospropósitos; ou ainda
categorizar, classificar, resumir a informação previamente apre- sentada de
uma certa maneira: a hipótese, a cena, a tragédia etc.

4. Estratégia de "balanceamento" do explícito/implícito


-- relaçõesentre informação textualmente expressae conhecimen- tos
prévios, pressupostoscomo partilhados, podem também ser
decidas por meio de estratégiasde "sinalização" textual, por meio
dasquaiso interlocutor, por ocasiãodo processamentotex- tual, é
levado a recorrer ao contexto sociocognitivo(situação co-
municativa, "scripts" sociais, conhecimentos intertextuais, e assim
por diante).
Visto que não podem existir textos totalmente explícitos,
o produtor de um texto precisaprocederao "baJanceamentod" o que
necessitaser explicitado textualmente e do que pode perma- necer
implícito, por ser recuperável via inHerenciação a partir das
marcas ou pistas que o locutor coloca no texto ou do que é supos-
to por este como conhecimento partilhado com o interlocutor (éf:
Nystrand & Wiemelt, 1991;Marcuschi, 1994). Na verda- de, é
este o grande segredodo locutor competente.
ACONSTRUÇÃO DOSSENTIDOS
NOTEXTO:COESÀOECOERÊNCIA

Em muitos anosde reflexõessobreos fenómenostextuais


da coesãoe da coerência, tenho-me perguntado com freqüência 45

sobreas fronteiras entre ambos.Sou de opinião que setrata de


Genâmenosdistintos, conforme defendi em diversos trabalhos
sobre a questão (Koch, 1984,1985, 1989a, 1989b, 1990, en-
tre outros), em concordânciacom a maioria dos autoresque
trabalham atualmente nesse campo (Beaugrande & Dressler,
Charolles,Heinemann & Viehweger,Van Dijk, para citar ape- nas
alguns).
É preciso considerar, contudo, que existem zonas mais ou
menos amplas de imbricação entre eles, nas quais se torna
extremamente difícil ou mesmo impossível estabeleceruma se-
paraçãonítida entre um e outro fenómeno.
Pretendo, portanto, aprofundar um pouco mais essa re- flexão.

A COESÃO TEXTUAL

Podemosconceituar a coesãocomo o fenómeno que diz


respeito ao modo como os elementos linguísticos presentesna
superfície textual seencontram interligados entre si, por meio
de recursos também lingüísticos, formando seqüências veicu- ladoras de
sentidos.
.. Segundo Marcuschi(1 983), os estores de coesão são aque- (2) Márcia olhou em torno de si. Sfz/i pais e irai irmãos observa-
lesque dão conta da seqüenciaçãosuperficial do texto, isto é, os vam-na com carinho.
mecanismos formais de uma língua que permitemestabelecer, (3) Acorreram ao local muitos curiosos. .4/gw/zitrepavam nas ár-
entre os elementoslingüísticos do texto, relaçõesde sentido.
vores para enxergar
Tenho consideradoem meus trabalhos duas grandes mo- dalidadesde coesão:a remissãoe a seqüenciaçãoG. melhor.
ostariade proceder, aqui, a uma revisão dessaclassificação'
A coesão por remissão pode, no meu entender, desempe- (4) O concurso selecionará os melhores candidatos. O pr/me/ra deverá
nhar quer a fiinção de (re)ativaçãode referentes,quer a de 'sina- lização"textual. desempenhar o pape] principal na nova peça.
(5) O juiz olhou parao auditório. -4/í estavamos parentese ami-
gos do réu, aguardando ansiososo veredito final.
(Q Um policial que seguravauma arma aproximou-se do desco-
46 nhecido. O estranho,ao ver opa#clall lançou-sea sf#i pés.
47
A reativação de referentes no texto é realizada por meio da re6erenciaçãoanaforica ou cataforica, formando-se, destemodo cadeias coesivas mais ou menos longas. Aquelas que reto
referentes principaisou temáticos (por exemplo, protagonistae Muitas vezes,a (re)ativaçãode referentes,a partir de "pis-
antagonista, na narrativa; ser que é objeto de uma descrição; tem,
tas" expressas no texto, se dá via ineerenciação. Pode-se inferir, por
exemplo,o todo a partir de uma ou de algumaspartes;um conjunto a
partir de um ou mais subconjuntos, o gênero ou es- péciea partir de
de uma discussãoe, m textosopinativos)percorrem em geral o um indivíduo; enâm, conhecimentosque amem parte de um
texto inteiro. '
mesmo"fume" ou "script", a partir de um ou vários de seus elementos
EssetiPO de remissão pode ser e6etuado, como âoi mencio- explícitos naxsuperfície textual ou vice-versa.
nado no capítulo anterior, por meio de recursosde ordem "gra-
Eis alguns exemplos:
matical" -- pronomes pessoaisde terceira pessoa(retos e oblíquos)
e. os demais pronomes (posseosss, di emonstrativos, indeânid-o-s-.' interrogativos, relativos), os diversos tipos de numerais, advérbios
(7) O aposento estava abandonado. .4i z,iZrafm quebradas deixa-
pronominais (como agzz/,aZ ZÉ.z11e0 artigosdefinidos; ou por vam entrar o vento e a chuva.
Intermédio de recursos de natureza lexical, como sinónimos.
A baleia
hlperânimos, nomes genéricos, descriçõesdeânidas;"ou, a nda, por reiteração de um mesmo grupo(8)nominal ouazul é um
parte animal
dele; e, em vias de extinção. E&a ainda são
finalmente, por meio da elipse. Observem-se os exemplos: encontradas em algumas regiões do globo.
(1)A jovem acordou sobressaltada.Z& não conseguia lembrar-se
do que havia acontecidoe como coraparar ali (9) Chamaram-me a atenção os lábios vermelhos, os olhos pro-
fiindamente azuis, as sobrancelhasbem desenhadas,o nariz Gins,a
tez morena.Nunca iria esqueceraqueleraifal

A remissão para a frente -- catá6ora -- realiza-se preferencial- mente


atravésde pronomes demonstrativos ou indefinidos neu- tros (isto,
isso,aquilo, tudo, nada) ou de nomesgenéricos,mas
também por meio dm demais espéciesde pronomes, de numerais
Sou de opinião que, nessescasosde "sinalização", seria mais
e de advérbios pronominais. Seriam exemplos de remissão cataforica:
adequado Edar de "dêixis textual", como tem postulado, entre
outros, K. Ehlich. Isto é, não setrataria aqui de relaçõesde refe-
(10) O incêndio havia destruído f#2o: casas,móveis, plantações.
rência ou corre6erência,mas antes de "mostração" dêitica no inte-
(11) Desejo somente;f/a: que me dêem a oportunidade de me
defender das acusações injustas. rior do próprio texto.
(12) O enfermo esperava m z coça apenas:o alívio de seussofri- Segundo Ehlich (1981), asexpressõesdêiticas permitem ao
mentos. EHanteobter uma organização da atenção comum dos interlocutores com

(13) ÉZ' era tão bom, o presidente assassinado! referência ao conteúdo da mensagem. Para consegui-lo, o pro'
dutor do texto tem necessidaddee focalizara atençãodo parceiro
48
sobre objetos, entidades e dimensões de que seserve em sua ativi-
A "sinalizaçãotextual", por suavez, tem a fiinção básicade
49
dade lingüística. Assim sendo,o procedimento dêitico constitui o
organizar o texto, fornecendo ao interlocutor "apoios" para o
instrumento para dirigir a 6ocnlizaçãodo ouvinte em direçãoa um item
processamento textual, atravésde "orientações" ou indicações para cima,
específico, que Em parte de um domínio de acessibilidade comum -- o espaço
para baixo (no texto escrito), para a frente e para trás,'ou ainda,
dêitico. Na comunicação cotidiana simples, esseespaço dêitico é o próprio
estabelecendouma ordenaçãoentre segmentostextuais ou p'nes do
espaço da atividade de eda, isto é, a situação de interação. Os procedimentos
texto. Vejamosalgunsexemplos:
dêiticos atualizam-se atra- vésdo uso de expressõesdêiticas. Como
asatividades de orientação
(14) As evidências aóaüo comprovam esta afirmação: a. ; b.-- dêitica são atividades sobretudo mentais, o uso de expressões
C

dêiticas em procedimentos dêiticos constitui uma atividade verbal


(15) Como eoi mencionado ac;ma, postulo a existência de duas
com âns cognitivos e, quando bem sucedida, com consequências
grandes modalidades de coesão
de ordem cognitiva para o interlocutor.
(16) MaÜ azZÜza@voltarei a essa questão.
Embora, evidentemente,o domínio da fala sejao domí-
(17) Na seçãoanterior, tratei da origem do termo; .z irKmz6acor-
darei sua evolução semântica. nio dêitico por excelência, e as expressõesdêiticas estejam ge- ralmente
ligadas a fenómenos diretamente visíveis para os
l
interlocutores, isto é, que se encontrem no seu campo
Entre os casosde "apontamento"para trás, poder-se-iam
perceptual/sensorial, Ehlich assinala que, se levarmos em con-
incluir aquelestipos de remissãocom fiação "distributiva", como em:
sideração o "tempo" como uma dessasdimensões, mesmo no domínio
(18) Paulo, José e Pedra deverão formar duplas com Lúcia, Mariana e da fala, essadimensãoseestenderáalém doslimites da
Renata, reiper/;z'úmfmre percepção sensorial direta, ou seja, o quadro de referência com-
partilhado seráem si mesmo uma estrutura mental comum a ambos:
quando, por exemplo, o falante usa uma expressãocomo
"agora", Éazuso de um sistemade conhecimentos que pressu-
põe partilhado com seu interlocutor. menores, do texto antecedente ou subseqüente. Incluem-se, tam- bém, na
noção de anáfora, além dos elementos que Errem remissão a outros
Partindo dessa constatação, o autor depende a posição de
expressosno texto, os que remetem a elementosdo uni- versocognitivo
que a dêixis relativa ao domínio da Eda é apenas um caso ev'sl'vpbexcí-
fico do procedimento dêitico. Dessemodo, o procedimento dos interlocutores, desdeque ativadospor alguma expressão do texto. De
minha pote, considero interessante proce- der à distinção sugerida por
dêitico deveserestudadode maneiraglobal,de forma a tornar
evidente que há um porteenvolvimento de sistemasmentais, sis- Ehlich, entre anáfora e dêixis textual,
por razões como as seguintes, entre outras:
temas de conhecimento e de análise da realidade comuns, ":
para-
Ihados pelos interlocutores, possibilitando, descarte,a economia l A anáfora estabelece uma relação de correfêrencia ou, no
comunicativa através do uso das expressõesdêiticas.
50 mínimo, de referência, entre elementos presentes no texto
Concentrando seu estudo no que chama de "dêixis textual«, 51
ou recuperáveis através de in6erenciação; ao passo que a
procura contrapâ-laà noçãode anáeora,ao contrário do que se na dêixis textual aponta, de forma indicial, para segmentos maioresou
maior parte da literatura, na qual geralmente'a se-
menores do co-texto, com o objetivo de focali-
gunda engloba os fatos característicos da primeira ou seja, a dêixis textual zar nelesa atençãodo interlocutor.
não tem sido consideradauma dêixis propriamente dita mas sim 2
Nos casos de aná6ora tem-se, com freqüência, instruções de
descrita apenascomo um uso anaforico ou cataf6rico congruência (concordância), o que raramente acontece na
específico, em virtude da concepção sensório-perceptual da dêixis dêixis textual, e6etuadaem geral por meio de formas neutras e
dominante entre os estudiosos da questão. de advérbios ou expressõesadverbiais, portanto invariáveis.
Isto é: a remissãono interior do texto tem sido vista geral- 3
Através da remissão anaGórica, estabelecem-se no texto ca-
mente como um âenâmeno de referência endoforica(cf Hiiiday & deias coesivas ou referenciais, o que não ocorre nos casos
Hasan, 1976). Distingue-se, por vezes, entre aná6ora e catáâora. de dêixis textual.
outras vezes, incluem-se todos os tipos de remissão sob a designa- ção
genérica de aná6ora, em contraposição à dêixis, que constituiria
Quanto à catá6orap, arece-meque fica a meio caminho
apenas a remissão a elementos exteriores ao texto(exóeora, para entre os dois Genâmenos:sehá casosde remissão referencial, como
Halliday). Há outrosautoresque,por seuturno, englobamaanáEora
(13) , exemplos como(lO),(11),(12), bem como(19) e(20) a
nJ.o fdomínio geral da dêixis, ou sqa, pensam a aná6oracomo parte do
seguir podem ser considerados como casosde dêixis textual:
âenâmenoglobal de remissão,de modo que tal conceito acaba por
abrangerfatos bastantedísparesem termos de seufiinciona-
(19) Observem bem irra: não lhes pareceum tanto estranho?
mento. São vistos como anaÉ6ricosnão só os elementos do texto que
(20) Não estava habituado a coisa ramo eilm. ser servido, receber
remetema sintagmasou a um ou algunsconstituintes de um sintagma,
atenções e homenagens.
como os que remetem a porções inteiras, maiores ou
A coesão seqüenciadora, por seu turno, é aquela através da
qual seÉazo texto avançar,garantindo-se, porém, a continuidade dos Se, porém, é verdade que a coerência não está no texto, é
sentidos. verdade também que ela deve ser construída a partir dele, levan- do-se, pois, em conta os
interlocutor na construção do sentido. Para que se estabeleçam as relaçõesadequadasentr
O seqüenciamento de elementos textuais pode ocorrer de for- ria dos casos, proceder a um cálculo, recorrendo-se a estratégias
ma direta, sem retornou ou recorrência; ou podem ocorrer na pro- interpretativas, como asinferências e outras estratégiasde nego-
gressãodo texto recorrências das mais diversasordens: de termos ou
expressões,de estruturas(paralelismo), de conteúdos semânticos(pa-
sse)lde elementos fonológicos ou prosódicos(similicadência, rima,
aliteração, assonância) e de tempos verbais. Em Koch(1989a), dis-
cuto em maior profimdidade essasquestões.
52
Entre os recursos responsáveis pelo seqüenciamento textu- al, estão
53
a seleção dos campos lexicais a serem ativados no texto (contigüidade, ,;.,=Ain ...t.;J.x
bla.\.a v \Xv D\..K ILXUVa
conforme Halliday & Hasan) e o inter-relaciona- mento que se A coerência se estabeleceem diversos níveis: sintático, se- mântico, temático, estilístic
estabeleceentre dois ou mais campos com vista à obtenção de tinguem entre a coerêncialocal (isto é, aquelaque ocorre em'um
dessesníveis, sobretudo no sintático) e a coerência g]oba] do tex-
determinados efeitosde sentido, os (diversostipos de articulação tema-
to (cf. Charolles, 1978; Van Dijk, 1981 e 1990, entre outros).
rema e o encadeamento ou conexão(commecíednaxJ.
commex/iO,também estudados em Koch (1989a).
Alguns dessesâenâmenos serão retomados mais adiante em
nossa discussão.

ZONAS DE INTERSECÇÃO
A COERÊNCIA
Defendo a posição de que, sempre que se Em necessário
A coerência diz respeito ao modo como os elementos
algum tipo de cálculo apartir dos elementos expressosno texto
subjacentesà superfície textual vêm a constituir, na mente dos como acontece na absoluta maioria dos casos-- já seestá no cam- po da
interlocutores, uma configuração veiculadora de sentidos.
coerência. Ora, como já indiciei acima e procurarei detalhar a seguir, é
A coerência, portanto, longe de constituir mera qualidade ou bastante comum, para se interpretarem adequadamente as relações coesivas
propriedadedo texto, é resultadode uma construçãodeita pelos que o texto sugere, que sejamos obrigados a
interlocutores, numa situação de interação dada, pela atua- ção conjunta eGetuardeterminados cálculos quanto ao sentido possíveldessas
de uma série de favoresde ordem cognitiva, situaciona], relações.É nessesmomentos, portanto, que seobliteram os limi-
Sociocultural e interacional (cf Koch & Travaglia, tes nítidos entre coesãoe coerência.
Passoa examinar alguns dessescasos:
1. Anáfora semântica, mediata ou profiinda -- conforme
de uma expressãodefinida implica sempre uma escolhadentre as
mencionei anteriormente, é preciso, em tal situação, "extrair" o propriedades ou qualidades que caracterizam o referente, escolha estaque
referente da forma feEerencial de modelos ("arames", "scripts cenários") serádeitade acordo com aquelaspropriedadesou quali- dadesque, em
armazenados na memória, ou seja, de conhecimentos que constituem dada situação de interação, em fiinção dos propó- sitosa
nosso " horizonte de consciência". Como afirma
serematingidos,o produtor do texto tem interesseem
Webber (1980), a relação entre situação discursiva ou externa. de um ressaltar, ou mesmo tornar conhecidas de seu(s) interlocutor(es) .
lado, e os referentes da anáfora, de outro, é indireta, me- diada pelos Veja-se,por exemplo, a diferença entre (21) e (22):
modelos dos participantes, de modo que escolher
entre os possíveis antecedentes de uma forma anahrica pode, (21) Reaganperdeu a batalha no Congresso. Opreside [? amrrjra-
na não tem tido grande sucessoultimamente em suasnegocia-
pois, demandar habilidades sintáticas, cognitivas, pragmáticas,
54 inâerenciais e avaliativas muito soGtsticada da parte do interlocuto.. ções com o Parlamento. 55

Assim, em exemploscomo (7), (8) e (9), como em um (22) ( Reaganperdeu a batalha no Congresso. O fazaóaydo#araeire
grande número de outros casos,há necessidadede introduzir 2
2 amfrifazzo não tem tido grande sucesso em suas negociações
contextualmente determinadas entidades, atravésdo conhecimen- to de ) com o Parlamento.
mundo partilhado entre os interlocutores.
Como sevê, a escolha das descrições definidas pode trazer ao
2. A forma como é feita a remissão, isto é, a construção das
interlocutor informaçõesimportantes sobre as opiniões, crençase
cadeias coesivas a escolha dos elementos lingüísticos usados para Emer a atitudes do produtor do texto, auxiliando-o na construção do senti- do. Por
remissão, o tom e o estilo podem constituir índices valiosos
outro lado, o locutor pode também, através da descrição definida, dar a
das atitudes, crençase convicçõesdo produtor do texto, bem como
conhecerao interlocutor dados que acreditadesco- nhecidos deste,
do modo como elegostariaque o referentefossevisto pelos pa'ced- ros.
relativamente ao referente textual, com os mais vui-
Remissõespor meio de formas diminutivas, por exemplo, po- dem revelar
ados propósitos. Veja-se, por exemplo(20), em que, na verdade, o
o carinho ou a empatia do produtor pelo referente; ou, dependendo do tom
que o locutor Êmé anunciar ao(s) parceiro(s) que Pedro é agora na-
e, na Eda, de certas marcas prosódicas, expres-
morado da irmã, ou, então, que ela mudou de namorado:
sões6lsionâmicas,gestosetc., uma atitude pejorativa permitindo,
assim, aos interlocutores depreender a orientação argumentativa que o
(20) Pedro não 6oi classificado no concurso. O nado /zdmoxuzüde
produtor pretende imprimir ao seu discurso.
m/mó.z ;rm.Z não anda realmente com muita sorte.

3. Referência por meio de expressõesdefinidas uma das


4. A seleção dos campos lexicais e a seleção lexical de modo geral
formas de emer a remissão sãojustamente as expressões nominais
pelo que 6oi dito anteriormente, já se pode deduzir a
definidas, ou seja,asdescriçõesdefinidas do referente. Or,, o uso
importância da seleçãolexical na construçãodo sentido. O uso
de Mrmulas de endereçamento,de dada variante da língua, de gírias ção entre segmentos textuais), cabe ao interlocutor, com base em
ou jargões profissionais, de determinado tipo de adjetivação, de termos
seusconhecimentoslingilísticos e enciclopédicos,suprir essaEf- ta,
diminutivos ou pejorativos fornece aos parceiros pistas
"repondo" mentalmente a marca fdtante, como se pode ver em (23)
valiosaspara a interpretação do texto e a captaçãodos propósitos com
que é produzido. e (24):

Também a ativação de determinados campos lexicais -- que


(23) Não desejavaser vista por ninguém. Estava suja, cabelos em
são a contraparte lingüística dos modelos cognitivos -- tem sua
desalinho, o rosto banhado de lágrimas. Poderiam imaginar coisas a
influência no cálculo do sentido. Além disso, o inter-relacionamento de dois
seu respeito. Não queria pâr a perder a boa imagem
ou mais campos lexicais permite a produção de novos sen-
que tinham dela.
tidos, nem sempreclaramenteexplicitados, e que, portanto, cabe
56 (24) Olhar fixo no horizonte.Apenaso mar imenso.Nenhum si-
ao interlocutor reconstruir (veja-se,também, Koch, 1984). nal de vida humana. Tentativa desesperadade recordar algu- 57

ma coisa. Nada.
5. Ambigüidade referencial -- sempreque ocorre no texto
a ambiguidade referencial, isto é, quando surgem vários candida-
É interessantenotar que o interlocutor, em geral, não tem
tos possíveisa referentes de uma forma remissiva, torna-se neces- dificuldade em reconstruir a conexão Estante pelo recursoa pro-
sário proceder a um cálculo para a identificação do referente
adequado.
cessoscognitivos como, por exemplo, a ativação de.»amos,a par' tir dos
elementos que seencontram expressos na superHcie textual. Outros
Thl cálculo terá de levar em conta não só as possíveisins- casosexistem, os quais exigem dos interlocutores o
truções de congruência dadas pela forma remissiva, como tam-
recurso a processos e estratégias de ordem cognitiva para procede-
bém todo o contexto, ou seja,as predicaçõesGaitastanto sobrea rem ao "cálculo" do sentido. Os que Geramaqui apresentadosser-
forma remissiva, como sobre os eventuais referentes, para só en- vem apenascomo exemplificação.
tão proceder-seao "casamento"entre a forma reÊerenciaa] mbí-
Por tudo o que Goidiscutido, deve ter ficado patente que,
gua e o referente considerado adequado. Para tanto, torna-se preciso recorrer embora coesão e coerência constituam fenómenos diferentes,
ao nosso conhecimento de mundo e do contexto Sociocultural em opera-se, muitas vezes, uma imbricação entre eles por ocasião do
que nos encontramos inseridos, além de outros processamento textual.
critérios como saliência temática e recência(fere/zq0, por exemplo. Não há dúvida de que a presençade recursoscoesivosem um
texto não é condição nem suficiente, nem necessáriada coe- rência.A
6. Encadeamentos por justaposição -- quando se encadei- am coesão,inclusive, em alguns tipos de texto, é não só dis-
enunciados por mera justaposição, sem a explicitação da rela- pensável, como seria até mesmo de estranhar -- veja-se o caso de certos textos
ção que se desejaestabelecerentre eles por meio de sinais de poéticos modernos, quer em prosa, quer em verso. Ressalte-sep,orém,
articulação (conectores, termos de relação,partículas de transi-
que, em muitos outros (textos didáticos,
jornalísticos, jurídicos, científicos, por exemplo), sua presençase torna
ACONSTRUÇÃODOSSENTIDOS
altamente desejável, visto que, nestes casos, ela permite au- mentar a NO TEXTO: INTERTEXTUALIDADE
legibilidade egarantir uma interpretação mais uniforme. EPOLIFONIA
Portanto, nos textosem que a coesãoestápresente-- já que elanão
é condição nem necessárian,em suficiente da coerência--.
pode-se afirmar que ambas passam a constituir as duas faces de uma
mesma moeda, ou então, para usar de uma outra metáfora,
o versoe o reversodessecomplexo 6enâmenoque é o texto. Pretendo, nestecapítulo, proceder a uma reflexãosobreos
conceitos tão freqüentes na literatura lingüística contemporânea de
intertextualidade e polifonia, com o intuito, inclusive, de ve-
59
rificar, através da determinação das características e do âmbito de
abrangênciaque lhes têm sido atribuídos, se designamum só 6enâmeno;ou,
não sendoesseo caso,como seriapossívedl istin-
guir entre um e outro. Tratarei, em primeiro lugar, da intertex-
tualidade.

INTERTEXTUALIDADE

Começo citando Barthes (1974): "0 texto redistribui a língua.


Uma das vias dessareconstrução é a de permutar textos, fragmentos de
textos, que existiram ou existem ao redor do texto
considerado, e, por fim, dentro dele mesmo; todo texto é um
intertexto; outros textos estão presentes nele, em níveis variáveis,
sobformas mais ou menos reconhecíveis'
Issosigniâca que todo texto é um objeto heterogêneo,que
revelauma relaçãoradicalde seuinterior com seuexterior;e,
desseexterior, evidentemente, Errem parte outros textos que Ihe
dão origem, que o predeterminam, com os quais dialoga, que
retoma, a que alude, ou a que seopõe. Foi essaa razãoque levou
Beaugrand & Dressler (1981) a apontarem, como um dos pa-
drõesou critériosde textualidade,a intertextualidadeq, ue, se-
gundo eles, diz respeito aosmodos como a produção e recepção de um
da intertextualidade é também válido entre universos discursivos
texto dependem do conhecimento que setenha de outros textos com os
diferentes(por exemplo, cinema e televisão); em terceiro lugar, no
quais ele, de alguma forma, serelaciona. Essasfor-
mas de relacionamento entre textos são, como se verá, bastante processode produção de um discurso, há uma relação intertextual com
variadas. outros discursosrelativamente autónomos que, embora fiincio- nando
como momentos ou etapa da produção, não apuecem na
Partirei da distinção que Gizem Koch (1986) entre inter-
textualidade em sentido amplo e intertextualidade em sentido superfície do discurso "produzido" ou "terminado". O estudo de tais
restrito. textos mediadores pode oferecer esclarecimentosfiindamentais não só
sobre o processo de produção em si, como também sobre o pro' cessode
leitura, no nível da recepção. Trata-se, segundo Verón, de
60 Intertextualidade em sentido amplo
A intertextualidadeem sentido amplo, condição de exis-
tência do próprio discurso, pode ser aproximada do que, sob a
perspectiva da Análise do Discurso, se denomina inter- discursividade (ou heterogeneidade constitutiva, segundo Authier, 1982). É nessesentido que Maingueneau (1976: 39) aârma ser
o mtertexto um componente decisivodas condiçõesde produ ção: "um discursonão vem ao mundo numa inocente solitude. masconstrói-seatravésde um já-dito em relaçãoao qual tom, posição". Também Pêcheux (1969) escreve: "Deste modo, dado
discurso envia a outro, frente ao qual é uma respostadireta ou
indireta, ou do qual ele'orquestra'os termos principais, ou cujos
argumentos destrói. Assim é que o processodiscursivo não tem.
de direito, um início: o discursoseestabelecseempresobreum
discurso prévio...
Verón (1 980), por sua vez, examina a questão da produção
do sentido sob um ângulo sócio-semiológico. Para ele, a pesquisa semiológica deve considerar três dimensões do princípio da intertextualidade: em primeiro lugar, as operaçõesprodutoras de
sentidosãosempreintertextuaisno interior de um certo universo
discursivo(por exemplo,o cinema);em segundolugar, o princípio

uma intertextualidade "profunda", por se tratar de textos que, parti- cipando do


61
processode produção de outros textos, não atingem
nunca(ou muito raramente) a consumação social dos discursos.
Segundo Verón (1980: 82), a análisesemiológica só pode
avançarpor diferença, isto é, por comparação entre objetos tex- tuais:
"Um texto não tem propriedades 'em si': caracteriza-seso- mente por
aquilo que o diferencia de outro texto (...). Por isso, também a noção
de intertextualidade não serefere apenasà veri-
ficação de um dos aspectos do processo de produção dos discur- sos, mas
também à expressão de uma regra de base do método (...); trabalha-se
sempre sobre vários textos, conscientemente ou
não, uma vez que as operaçõesna matéria significante são, por
definição, intertextuais'
É também por meio da comparação dos textos produzidos em
determinada cultura que sepodem detectar as propriedades formais ou
estruturais, comuns a determinados gênerosou tipos
(intertextualidade de caráter tipológico), que são armazenadas na
memória dos usuários sob a forma de esquemastextuais ou
superestruturas (cf., por exemplo, Van Dijk & Kintsch, 1983;
Van Dijk, 1983). Tais esquemas,que são socialmente adquiri- dos, desempenham papel de grande relevância no
processamento (produção/intelecção) textual.
Essassão algumas das razõesque me levam a concordar com quando o autor de um texto imita ou parodia, tendo em vista efeitos
Kristeva (1974:60), quando aârma: "Qualquer texto secons- trói como específicos, estilos, registros ou variedades de língua, como é o casode
um mosaico de citações e é a absorção e transformação textosque reproduzema linguagembíblica, a de determinado escritor
de um outro texto' ou de um dado segmento da sociedade.

2. Explícita X implícita.
Intertextualidadeem sentido restrito
A intertextualidade é explícita, quando há citação da conte
Considero intertextualidade em sentido restrito a relação do intertexto, como aconteceno discursorelatado,nascitaçõese
de um texto com outros textospreviamenteexistentesi,sto é,
referências; nos resumos, resenhas e traduções; nas retomadas do
e6etivamenteproduzidos. Respaldo-me em Jenny ( 1979:14):
62 texto do parceiro para encadear sobre ele ou questiona-lo, na con-
'Propomo-nos a Edar de intertextualidade desdeque se 63
versação.A intertextualidade implícita ocorre sem citação expressa da
possaencontrar num texto elementosanteriormente estruturados, para
fonte, cabendo ao interlocutor recupera-lana memória para
além do lexema, naturalmente, mas seja qual for seu nível de
construir o sentido do texto, como nas alusões,na paródia, em certos
estruturação'
tipos de paráfrase e de ironia.
Entre os tipos de intertextualidadeem sentido restrito,
podem-se considerar os seguintes:
3. Das semelhançasX das diferenças (cf. Aüonso Romano de
Sant'Anna).
1. De conteúdo X de forma/conteúdo (descargoa possibili- dade
Na intertextualidade das semelhanças,o texto incor- pora o
de uma intertextualidade apenasde forma, pois toda forma
enforma/emoldura um conteúdo) . intertexto para seguir-lhe a orientação argumentativa e,
freqüentemente, para apoiar-se nele a argumentação(por
Ocorre intertextualidade de conteúdo, por exemplo, entre textos
científicos de uma mesma área ou corrente do conheci- exemplo, na argumentação por autoridade). Maingueneau (1987)
fala aqui de valor de captação.Em setratando de
mento, que seservem de conceitos e expressõescomuns, já defi- nidos
intertextualidade das diferenças, o texto incorpora o in-
em outros textos daquela área ou corrente; entre matérias dejornais
tertexto para ridiculariza-lo, mostrar sua improcedência ou, pelo
(eda médiaem geral),no mesmodia ou no período de tempo em que
menos, coloca-lo em questão (paródia, ironia, estraté- gia
dado assuntoé focal; entre diversasmatériasde um mesmo jornal
sobre tal assunto; entre textos literários de uma
argumentativa da concessãoou concordância parcial).
É o que Maingueneau denomina valor de subversão.
mesma escola ou de um mesmo gênero (por exemplo, as epopéi- as).
Tem-se intertextualidade de forma/conteúdo, por exemplo,
4. Com intertexto alheio,com intertexto próprio ou com ou posiçõesque serepresentam nos enunciados. Paraele, o sen- tido de
intertexto atribuído a um enunciador genérico. um enunciado consisteem uma representação(no sen- tido teatral)
Alguns autoresreservama denominaçãode intertextuali- dade
de sua enunciação. Nessa cena, movem-seas
apenaspara o primeiro caso, utilizando para o segundo o rótulo de personagens figuras do discurso -- que se representam em di-
versos níveis:
intra ou autotextualidade.Por seuturno, atribuem-sea
um enunciador genérico(a que Berrendonner, 1981, chamaON),
enunciaçõesque têm por origem um enunciador indeterminado, asquais
a.
locutor "responsável" pelo enunciado. (Ducrot distin. gue

fazem parte do repertório de uma comunidade, como é o caso dos ainda entre ]ocutor enquanto ta] L e locutor en.
provérbios e ditos populares. Ao usar-se um provérbio, produz-se uma quanto pessoal.
b enunciadores encenações de pontos de vista, de perspec
"enunciação-eco" de um número ilimitado de
64 uvasdiferentesno interior do enunciado. 65
enunciaçõesanteriores do mesmo provérbio, cuja verdadeé ga- rantida pelo
enunciador genérico, representanteda opinião ge- ral, da "vox
populi", do sabercomum da coletividade. Em Ducrot (1984) consideram-sedois tipos de polifonia
Todas essasmanifestações da intertextualidade permitem aponta-la
a.
como Eatordos mais relevantesna construção da coe- rência textual quando,no mesmoenunciado,setem maisde um locutor
(Koch & Travaglia, 1989). correspondendonestecasoao que denominei intertex-
tualidade explícita (discurso relatado, citações, referênci-
as, argumentação por autoridade etc.);
POLIFONIA b quando, no mesmo enunciado, há mais de um enunciador,
O conceito de polifonia, como sesabe, 6oi introduzido nas recobrindo, em parte, a intertextualidade implícita, sen- do,
ciências da linguagem por Bahktin (1929), para caracteri- zar o porém, mais ampla: bastaque serepresentem,no mes- mo
romance de Dostoiévski. Para Bahktin, o dialogismo é constitutivo enunciado, perspectivasdiferentes, sem a necessidade de utilizar
da linguagem:"A palavraé o produto da relação recíproca entre textos eGetivamenteexistentes. Por isso é que Ducrot se refere à
encenação (teatral) de enunciadores
falante e ouvinte, emissor e receptor. Cada pala- vra expressao 'um' em
reais ou virtuais a quem é atribuída a responsabilidade da
relaçãocom o outro. Eu medou forma verbal a partir do ponto de
posição expressano enunciado ou segmento dele. Essa noção de
vista da comunidade a que perten- ço. O Eu se constrói
polifonia permite explicar uma gama muito am- pla de
constituindo o Eu do Outro e por ele é
constituído' eenâmenos discursivos, que podem ser classificados segundoa
atitude de adesãoou não do locutor à perspec-
Ducrot (1980,1984) trouxe o termo para o interior da
tiva poli6onicamenteintroduzida.
pragmáticalinguística para designar,dentro de uma visão
enunciativa do sentido, asdiversasperspectivas,pontos de vista
A. Entre os casos de adesão (L = EI), podem-se mencio-
& (3) Tudo o que o jornalista escreveu é a pura verdade, logo ele não merece ser
nar os seguintes: punido. (Quem diz a verdade não merece castigo).

l Pressuposição encenam-se, no caso, dois enunciadores, um b. certos enunciados introduzidos por n'ãoió... mm iamóán, em que
primeiro (EI), responsável pelo pressuposto (geral- mente o a parte introduzida por áo só não é apenasde responsabilidade
enunciador genérico ON, ou então o grupo a que o locutor e do locutor:
interlocutor pertencem)e o outro (E2), res- ponsávelpelo
conteúdo posto, com quem o locutor seiden- tifica. Por (4) Vejam nossasofertas. Temos produtos não só baratos,mas
exemplo:
X também duráveis.(El: Uma boa oferta é aquela em que se
oferecem produtos baratos).
(1) Mariana continua apaixonada por RaEael. 67
66
C
certosenunciadosem que ocorre o uso "metaforico" do
2
Certos tipos de par#raseamento, nos quais é possívelde- tectar a
futuro do pretérito (cf Weinrich, 1964), em que seintro- duz
presençado intertexto. É o caso, por exemplo, de vários textos
a voz a partir da qual seargumenta, mas cuja respon-
(Hino Nacional Brasileiro, Canção do Expe- dicionário etc.)
sabilidade não seassume,uso atestadocom freqüência na
que, de alguma forma, parafraseiam tre-
linguagem jornalística:
chos da Canção do Exílio, de Gonçalves Dim.
3
Argumentação por autoridade: quando seencenaa voz de um
enunciador a partir da qual o locutor, identificando-se com ele, (5) Novas reformas estariam sendo cogitadas pelo governo. Já é

argumenta: tempo mesmo de pâr as mãos na massa.

a. enunciados conclusivos -- nos quais seargumenta a partir de uma d. enunciados introduzidos pelas expressõesp zreregwe, ie-
premissa (maior) poli6onicamente introduzida no discurso. Trata-
gz/m2oX etc., aos quais se encadeia um posicionamento
pessoal:
se, em grande número de casos,da voz da sabedoria popular (como
quando se argumenta a partir de
(6) Pareceque vamos ter uma mudança na política económica
provérbios e ditos populares),da perspectivada comuni- dade
ou do grupo a que se pertence, do interlocutor ou dos valores Há muito tempo ela estava se fazendo necessária.

estabelecidos em dada cultura. Vejam-se os


exemplos: B. Passemosagoraaos casosem que o locutor não adereà
perspectiva poliEonicamente introduzida.
(2) Ele é dessaspessoasdesmesuradamenteambiciosas,portanto vai
acabar ficando sem nada. (Quem tudo quer, tudo perde).
l Negação Ducrot (1984) distingue a negação meta- dado, expressãou termo; e um segundo(E2=L), que
lingüística da negaçãopolêmica (ambas polifónicas). A menciona, aspeando, o que diz o primeiro, para manter
primeira visa a atingir o próprio locutor do enunciado distância, isto é, eximir-se ou diminuir a responsabilida- de
oposto, do qual secontradizem os pressupostos,como em (7): sobre o que está sendo dito. Por exemplo:

(7) Li: Pedro deixou de beber (Ei = Pedro bebia) (IO) ..."0 regime militar teve a longevidade que teve por causa dessa
Lz: Pedro não deixou de beber, ele nunca bebeu (L= E2) resignação com 'o possível' uma postura eternizada por
Ulysses Guimarães". (Fernando Rodrigues, 'IA CPMF e o 'possível"',Folha
Na segunda, encenam-sedois enunciadores: Et, que pro- de São Paulo, 16/07/1996, 1 2)
68 duz o enunciado afirmativo e E2= L, que o contradiz, como (11) ..."Antigamente nem o policial podia expor sua arma; era
em (8): obrigado a carrega-lano coldre, presa.Hoje os 'homensda 69

lei' exibem como troRus suas escopetas,metralhadorase fu- zis."


(8) Pedro não é trabalhador; ele é até bem preguiçoso. (L= Ez) (Luiz Caversan, "Não às armas", Folha de São Paulo, id. Ibid.)
(Ei = Pedro é trabalhador)

2. Enunciados introduzidos por .aaco /z#r;a, peãora /zürjo, que Authier distingue diversas funções das aspas nessaoperação de
não se opõem ao segmentoanteriormente expresso' que tem a distanciamento: mpm zú' z;/l@z'xrncüfáa(paramostrar que nos dis- tinguimos
mesma orientação argumentativa, mas à pers' pectiva do daquele(s) que usa(m) a palavra, que somos "irredutíveis' àspalavras
enunciador EI, poliGonicamente introduzida, como se pode mencionadas; zú'ca zzüsremz#fü(para assinalar uma pa-
verificar no exemplo: lavra que se incorpora "paternalisticamente",por saber que o
interlocutor Edaria assim); .peziCglgíÜlcm(ndoiscurso de vulgarização
(9) Luísa não é uma amiga leal; pelo contrário, tem'se demons- científica, que assinalam, freqüentemente, o uso de termos ou ex-
trado pouco conRiável.
pressõesvulgares como um passo intermediário para permitir o emprego
(El= Luísa é uma amiga leal)
posterior da palavra "verdadeira", "carreta", à qual o locu- tor
adere); .ú'.prozr@o(para mostrar que as palavrasou expressões usadas não
3 lapas de distanciamento" -- nessescasosde "aspeamento" (de
são plenamente apropriada, que estão sendo emprega- da no lugar de
co/zoínfãoaz/ro/zi'm/c.zc,onforme Authier, 198 1), tem- se,
outras,constituindo, muitas vezes,metáforasba-
simultaneamente, o que secostuma denominar de z/se
nalsb\& ê7ifmeÇde\nús\êndxaÜ\& questionamento ofensivoou irónico (quanto
e me/zçãodo termo ou expressão aspeada. Encena-se um
à propriedade da palavra ou expressãoempregadapelo interlocutor por
primeiro enunciador (Ei), responsávepl elo usodo enun-
prudência ou por imposição da situação).
t

4 'Z)/fo r emenf" -- termo usado por Grésillon &


grupo ou de um "topos" (cf Ducrot, 1987), ao qual se opõe
Maingueneau (1984), para designar a alteração (na forma e /ou o segundoenunciador, com o qual o locutor seidentifica E2
no conteúdo de provérbios, slogans ou frases deitas, a título lúdico = L). Tem-se aqui, segundo Ducrot, o mecanismo da con-
ou militante, com o objetivo de captaçãoou, mais cessãoa:colhe-seno próprio discursoo ponto de vistado
frequentemente, de subversãoT. rata-se de uma estra- Outro (EI), dá-se-lhe uma certa legitimidade, admitindo-
tégia muito comum na publicidadee bastantefreqüente o como argumento possível para determinada conclusão, para
em outras formas de linguagem, como, por exemplo, o humor depois apresentar,como argumento decisivo, a pers- pectiva
e a músicapopular (cf., por exemplo,a música Bom contrária. É este o caso de todos os enunciados in- troduzidos por
Conselho",de Chico Buarquede Hollanda). Tam- conectoresde tipo adversativoe concessivo.
bém aqui, avoz do enunciador genéricoON éintroduzida,
70
representandoa sabedoriapopular, à qual o locutor adere Como afirma Ducrot, o m'zs constitui o operador 71
ou se opõe. Vejam-se os exemplos: argumentativo por excelência,já que os enunciados que contêm
mm e seussimilares,bem como os que contêm operadoresdo
(12) "Dê um anel xxxx de presente.Lembre-se: Mãos só tem duas' paradigma do embora, permitem introduzir, num de seus mem- bros, a
(publicidade de uma joalheria por ocasião do Dia das Mães, perspectivaque não é ou não é apenas-- a do locutor, para, em seguida,
publicada na RevistaVeja) contrapor-lhe a perspectiva deste, para a qual o enunciado tende.
Seguem alguns exemplos:
Observem-se, também, os "détournements" do provérbio
"(quem vê cara, não vê coração", extraídos de textos publicitários e (16) O candidato não é brilhante, mas honesto.
citados em Frasson (1991): (17) Franciscoé inteligente, mas não serve para o cargo.
(18) Devemos ser tolerantes, mas há pessoasque eu não suporto!
(13) "Quem vê cara, não vê Aids:
(14) "Quem vê cara não vê fdsi6lcação" Note-se,em (18), que o primeiro membrodo enunciado
(

(15) "0 Instituto de Cardiologia não vê cara, só vê coração' funciona como um atenuador("disclaimer"),por meio do qual o
locutor tenta preservar a própria face, procurando mostrar-se con- forme o
Funcionamento semelhante ao "détournement" é o da pa- modo de pensa' e/ou agir que constitui o ideal da comuni-
ródia, em que sealtera(adultera)um texto já existentecom o dade a que pertence ao menos em se tratando do discurso público;
objetivo ou apenasde produzir humor ou de desmoralizá-loou fazer- somente no segundo membro do enunciado é que ele vai manifes- tar sua
lhe oposição. verdadeira opinião. Essetipo de enunciação é extremamente comum no
discurso preconceituoso em geral: lembrem-se, a título de exemplo, os
5 Contrajunção consiste na introdução da perspectiva de enunciados do tipo: "eu não sou racista, mas. (cfl
\

um outro enunciadorEI, genéricoou representantede um Van Dijk, 1992, entre várias outras obras do mesmo autor).
6 Certos enunciados comparativos -- os enunciados compa- Em (19), a perspectivade que o mais importante é apre-
rativos, como -demonstra Voga (1 977,1980), têm caráter ce?fáo do i ceifa opõe-se àquela -- polifonicamente introduzida
argumentativo e, segundo a estrutura argumentativa, ana- lisam- de que o importante é o fz/restaco c e/ado pZa/zos, endo-lhe
se sempre em lema e come z# /o, que são comutáveis do ponto de argumentativamente superior.
vista sintático, mas não do ponto de vista argumentativo. No
casodo comparativo de igualdade, se O discursoindireto livre constitui também um casointe- ressante de
o primeiromembrodacomparaçãfor o tema,a argu- polifonia. Nele, mesclam-se as vozes de dois
mentação ser-lhe-áfavorável; seo tema 6oro segundo mem- bro da enunciadores (na narrativa, personagem (EI) e narrador (E2».
comparação,o movimento argumentativo serádes- favorávelao Daí deriva a ambigüidade dessetipo de discurso, isto é, a dificul-
primeiro. Em "Pedro é tão alto como Jogo", dade de distinguir o ponto de vista (perspectiva) de onde se Eda.
72 73
por exemplo, sePedro Goro tema, o enunciado servepara
assinalara sua"grandeza", constituindo-se em argumento a ele Pode-seconcluir, portanto, que não há coincidênciatotal
favorável;por outro lado, seo tema for Jogo, o enun- ciado se entre os conceitos de intertextualidade e polifonia.
dispõe de modo a assinalarsua "pequenez",ou seja, o Na intertextualidade, a alteridade é necessariamenteates-
movimento argumentativo será desfavorável a João (cf. também tada pela presença de um intertexto: ou a fonte é explicitamente
Koch, 1987). No último caso, a paráfrase mencionadnao textoqueo incorporaou o seuprodutorestá
adequada seria: "Pedro e não Jogo deve ser considerado presente,em situaçõesde comunicaçãooral; ou, ainda, trata-se de textos
suficientemente alto para EmerX". Ora, o ponto de vista anteriormente produzidos, provérbios, frases deitas, ex-
segundo o qual Jogo seria a pessoaadequada para emer X é pressõesestereotipadas ou Gormulaicas, de autoria anónima, mas que
introduzido poli6onicamenteno enunciadoe o locutor ar- Erremparte de um repertório partilhado por uma comuni- dade de
gumenta em sentido contrário a este.Observe-seo exem- plo fda. Em se tratando de polifonia, basta que a alteridade sejaencenada, isto é,
(19), extraído da "Folha de São Paulo' incorporam-se ao tcxto vozes de enunciadores reaisou virtuais, que
representamperspectivas,pontos de vista diversos, ou põem em jogo
(19) 'Tão importante quanto o sucesso concreto do plano ou "topoi" diferentes, com os quais o
seja, a inflação baixar de verdade -- é a percepçãodo sucesso. locutor se identifica ou não (para maior aprofundamento, con-
Explicando melhor, é a confiança de que os preços estão mes- mo sob sulte-se Koch).
controle."(Gilberto Dimenstein, "Um tiro contra Lula", Folha Deste modo, a meu ver, o conceito de polifonia recobre o de
de São Paulo, 08/06/1994) intertextualidade, isto é, todo caso de intertextualidade é um
casode polifonia, não sendo, porém, verdadeira a recíproca: há
L
casosde polifonia que não podem ser vistos como manifestações
de intertextualidade.
Por tudo o que aqui foi discutido, confirma-se que, do ponto de
vistada construçãodossentidos,todo texto é perpassa- do por vozes de
diferentes enunciadores, ora concordantes, ora dissonantes, o que Eazcom
que se caracterize o 6enâmeno da lin- guagemhumana, como bem mostrou
Bahktin (1929), como es-
sencialmente dialógico e, portanto, poli6ânico.

PARTEll
74

ACONSTRUÇAO DO
SENTIDONOTEXTOFALADO

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