KOCH, Ingedore G. Villaça - O Texto e A Construção Dos Sentidos
KOCH, Ingedore G. Villaça - O Texto e A Construção Dos Sentidos
KOCH, Ingedore G. Villaça - O Texto e A Construção Dos Sentidos
EACONSTRUÇAO
DOS SENTIDOS
INGEDOREG.VILLAÇAKOCH
SBD-FFLCH-USP
262964
11
cüõüfo
pU 5 1 /''t'"l'z'"'t b a
SUMÁRIO
Composição; FA Fábrica de Comunicação
Revisão: Verá Lúcia Quintanilha
Capa: AntonioKehl
0
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gl
Bibliografia É59
O processode produção textual, no quadro das teorias só- cio-interacionaisda7 linguagem, é conc
determinados Gins.
As teorias sócio-interacionais reconhecem a existência de um
sujeito planejador/organizador que, em sua inter-relaçãocom ou- tros sujeitos,vai construir um te
signif:ica que a construção do texto exige a realização de uma série de atividades cognitivo-discursivas q
É ao estudo de tais atividades discursivase de suasmarcas
na materialidadelingüística que se destina a presenteobra. Na primeira parte, trato de questõe
língua; na segunda,detenho-me no estudo da construçãodos
sentidos no texto falado.
Os capítulos que compõem estelivro constituem versões mais
ou menos próximas de trabalhos publicados em revistas especializadas
e/ou apresentados em congressos, que discutem questõescentrais
referentesà construção textual dos sentidos e que seinterligam teórica e
metodologicamente, formando o todo que aqui apresento e que submeto à
apreciação dos leitores, cujas críticas e sugestõesserão sempre bem-vindas.
8
PARTE l
A CONSTRUÇÃO
TEXTUAL DO SENTIDO
AAriViDADEDE
PRODUÇÃO TEXTUAL
11
Segundo as teorias da atividade verbal, o texto resulta de
um tipo específicode atividade a que autoresalemãesdenomi-
nam 'Spxacó#cÃei /7a 2e/ 'l entendendo por Á.z/zZe/n todo tipo
de influência consciente, teleológica e intencional de sujeitos
humanos, individuais ou coletivos, sobre seu ambiente natural e
social. Dessa forma, Spracó#cÃef.fía/z2e/fzdiz respeito à realiza-
ção de uma atividadeverbal, numa situaçãodada, com vistasa
certos resultados.
A escola psicológica e psicolingüística soviética, por sua vez,
baseada em Vigotsky, emprega o termo "dejatel'post" para
designar o complexo conjunto de processos postos em ação para a
consecuçãode determinado resultado, que é, ao mesmo tempo, o motivo
da atividade,ou seja,aquilo por meio do queseconcre- tiza uma
necessidaddeo sujeito (Serébrennikov,1933:60). Con-
sequentementet,al atividade pode articular-seem trêsaspectos:
motivação, finalidade e realização. Diz Leont'ev (1971:31):
açõesindividuais(...). As mesmasaçõespodem pertencer a dife- arividade (social) humana, que se especifica em uma teoria da
rentes atividades e vice-versa: o mesmo resultado pode ser alcan- çado por atividade(comunicativa) verbal.
meio de diferentes ações".Tais ações,que presidem a estruturaçãoou A atividadeverbalé definidapor Leont'ev(1971) como
atividade, e que possuemtambém determinação "... uma atividade (...) do ser humano que se transmite até certo grau
social (e psico-individual), articulam-se por sua vez em opera- ções mediante os signosde uma língua (cuja característicafun- damental é
específicas, que são os meios de realização das ações indivi- duais, em virtude a utilização produtiva e receptiva dos signos da lín- gua). Em sentido
da motivação própria de cada uma delas. Enquanto as ações têm caráter restrito, deve-seentendê-la como uma atividade na qual o signo
"psíquico", as operações são fun- damentalmente psicofisiológicas (na lingüístico atua como 'estímulo' (\Vgotsky), uma atividade, portanto, em
atividade verbal, pot exem- plo, as operações de Eonação, articulação etc.). cujo transcurso construímos uma expressão lingüística para alcançar um
Toda atividade humana, portanto, teria os seguintesas- objetivo prendado.
pectos fiindamentais: O que interessa,assim,ao estudo propriamente lingüístico
são as formas de organização da linguagem para a realização de fins
a.
existência de uma necessidade/interesse; sociais(o que inclui, evidentemente,o estudodo sistema de
b estabelecimento de uma finalidade; signosde que nos valemos). Isto é, seu objetivo é verificar como
c.
estabelecimentode um plano de atividade, formado por seconseguem realizar determinadas açõesou interagir
ações individuais; socialmenteatravésda linguagem (que é, em essênciat,ambém
d realização de operações específicaspara cada ação, de con- formidade a preocupação da teoria dos atos de EHa de Austin, Searle e suas
com o plano prefixado; variantes) .
A realizaçãolingüística da atividade verbal dependedas
condições sociais e psicológicas, além de vir determinada pelo
motivo básico da atividade, e utiliza diversos meios como:
probabilidades", tem a maior probabilidade de êxito) para cumprir
a. seleçãode palavras;b. passagemdo programaà sua realiza- seupapel específicodentro do conjunto de ações em que se
ção;c. projeto gramatical; d. traduçãoe comparaçãode varian- tes articula a atividade.
sintáticas; e. fixação e reprodução dos compromissos Sob a influência de tais fatores, o sujeito idealiza o plano geral
gramaticais,unidos à programaçãomotora (fisiológica) do texto, que determina a organização interna deste, antes de passar à
(Leont'ev, 74).
sua realização mediante unidades lingüísticas.
Quanto ao modo como o conjunto da atividade e do seu Já os Estoresque determinam a rea]ização verbal da inten-
entorno sócio-psicológico influi na forma específicada expressão ção verbal, ou seja, os aspectos especificamente "superficiais", são,
linguística, ele destaca:
segundo Leont'ev:
Fatoresque determinam aintervenção verbal(isto é, aquilo
14
que [eva à realizaçãode determinado ato verbal): a língua particular em que serealiza o enunciado, isto é, o
sistemalingüístico de uma dada língua;
motivação-- geralmentenão há um motivo único, mas o grau de domínio da língua;
um conjunto de motivos, embora seja possível destacar o
o Eator fiincional-estilístico, que determina a escolha dos
motivo central ou dominante;
meios lingüísticos mais adequadosdentre todas aspossi-
situação que inclui um conjunto de influências inter- nas
bilidades existentes, de acordo com as condições especíRl- cas em
que aeetamum organismo e que, juntamente com a motivação
que se realiza a comunicação. É responsável, por
inicial, informam com precisãoesseorganis- mo quanto exemplo, pela seleçãoda forma dialogada ou monoiogada,
àsescolhasque deve realizar; e também a si- tuação objetivo escritaou caladad,o tipo de textoetc.,assimcomodos
(situaçãopropriamentedita) e a infor- mação sobre situações aspectos tradicionalmente considerados 'estilísticos";
distintas nas quais se realizaram outras atividades; o eatoraeetivo,expressivo;
prova de probabilidades, que determina quais, entre asdi- versas as diferençasindividuais em experiênciaverbal entre Fa- lante
ações possíveis (integrantes de uma atividade com- pleta), têm mais e ouvinte, que exigemdeterminadasestratégiaspor parte do
possibilidade de produzir os frutos dese- jados; Edante na seleçãodas formas lingüísticas, de acordo com as
tarefa-ação segundo a qual se seleciona a ação que terá mais necessidadese possibilidades do ouvinte;
probabilidade de êxito; consistefundamentalmen- te em o contexto verbal, no sentido de "contexto lingüístico";
nosso próprio conhecimento da estrutura e da fi- nalidade de a situação comunicativa.
toda a atividade, isto é, trata-se de projetar uma das ações
Em resumo:A linguagemé uma Formade atividadee, assim
(aquela que, de acordo com o "cálculo de
sendo, deve ser encarada como uma atividade em geral, e, mais
especificamente,como uma arividade humana. Como tal,
toda atividade verbal possui, além da motivação, um conjunto de operações, que são próprias do sistemareferência
lingüísticoàesituação sentam
que repre- texto a articulação
como reflexo dedas açõesindividuais
traços da si- em que se e
atividade,e um objetivo final que,como o motivo inicial, tem tuação comunicativa;
um caráter basicamente lingüístico. No processode realização da atividade mediante açõesverbais (arosverbais), é preciso distin-
intencionalidade-- texto como
guir duas uma
fases:forma de realização
a estruturação de
da motivação inicial e a realiz
determinantes não-lingüísticos, fundamentalmente de caráter mtenções;
psico-social, devendo, inclusive, a manifestaçãosuperficial expli- car-se,em grande parte, por tais Estores.boa formação -- texto como sucessão linear coerente de unidadeslingüísticas; unid
boa composição -- texto como sucessãode unidades lin-
güísticas selecionadas e organizadas segundo um plano de
composição;
gramaticalidade-- texto como sucessãdoe unidadeslin-
16
t7
güísticas estruturadas segundo regras gramaticais.
ALGUMAS PROPOSTASNO INTERIOR
O estudo do texto em sua totalidade deve considerar os oito
OA LINGÜÍSTICA TEXTUAL
aspectos,embora o autor tenha dedicado seutrabalho ape-
1. Dentro da teoria da atividade verbal, uma das primei- nas aos aspectos6, 7 e 8. Cada um deles pode dar origem a uma
ras tentativas de elaboração de um modelo textual 6oi desenvolvi-
teoria parcial, de modo que os oito, em conjunto, permi- tiriam o
do por H. lsenberg (1976), que propôs um método apto para estudo -- necessariamente interdisciplinar -- do texto
descrevera geração (e também a interpretação e análise) de um texto, lingüístico. Os vários aspectos são apresentados numa ordem tal que
desde a estrutura pré-lingüística da intenção comunicativa até a
cada um delespressupõeos anteriores,sendo l e 2 pressupostos
manifestaçãosuperficial, incluindo fiindamentalmente as
básicos: existe, em primeiro lugar, a necessidade social, para cuja
estruturas sintáticas, mas que pode ser ampliado aos níveis infe- riores realização se elabora um texto, cujo conteúdo sefixa de acordo com a
(morfológico, fonológico etc.). Paraele, o texto pode ser encarado situaçãocomunicativa e a intenção do falante; passo a passo chega-se ao
sob oito aspectos diferentes:
nível superficial do "texto" em forma de elementoslingüísticos
sucessivosP. arao estudode cada aspecto, é preciso ter em conta os
legitimidade social -- texto como manifestação de uma ati- vidade
anteriores; assim, por exemplo, uma descrição adequada da
social legitimada pelas condições sociais;
gramaticalidade deverá levar em conta a intenção.
funcionalidade comunicativa -- texto como unidade de co-
lsenberg ressaltaa importância do aspecto pragmático como
municação;
determinante do sintático e do semântico: o plano geral do texto
semanticidade -- texto em sua função referencial com a
realidade; determina asfunções comunicativas que nele irão aparecere es-
tas, por suavez, determinam as estruturassuperficiais. A relação
sistema de signos, denotativo, mas como sistema de atividades ou de
existente entre os elementos do texto deve-seà intenção do Falan- te, ao
operações, cuja estrutura consiste em realizar, com a ajuda de um
seu plano textual prévio, que se manifestapor meio de instruções ao repertório aberto de vmiáveis (...) e um repertório fechado de
ouvinte para que realizeoperaçõescognitivas desti- nadasa regra, determinadas operações ordenadas, a Glmde conseguir um
compreendero texto em suaintegridade,isto é, o seu conteúdo e o determinado objetivo, que é informação, comunicação,estabeleci-
seu plano global; ou seja, o ouvinte não selimita a
mento de contado, automani6estação, expressãoe (per) formação da
;entender" o texto no sentido de captar seu conteúdo referencial, mas
atividade. Por isso é que propõe, para os "jogos verbais"de
aguano sentido de reconstruir os propósitos do falante ao estrutura-lo, Wittgenstein, a denominação "jogos de atuação comunicativa'
isto é, descobrir o "para quê" do texto.
4. Wunderlich (1978: 30), por suavez, assinala:"0 obje- tivo
E8
2. 1hmbém os trabalhos de Van Dijk, especialmente os da década de
da teoria da atividade é extrair os traços comuns das ações, planos de
80, enquadram-se numa teoria acional da linguagem. Em Van Dijk ação e estágiosdas ações,e pâ-los em relaçãocom
(1981: 210), por exemplo,lê-se"... o planejamento pragmático de um traços comuns dos sistemasde normas, conhecimentos e valo-
discurso ou conversaçãorequer a atualização mental de um conceito de res.A análise do conceito de atividade (o que é atividade/ação) está
ato de Edaglobal. É com respeito a esse macroato de Edaque seconstrói o estreitamente ligada à análise do conhecimento social so- bre as
propósito da interação: que X quer saber ou Emer algo. Se dissermos, de açõesou atividades (o que se considera uma ação?).A teoria da
maneira bastante vaga, embora familiar nas ciências sociais, que a ação atividade é, portanto, em parte uma disciplina de ori- entação das
humana é finalisticamente orientada ("goal directed"), ciências sociais, em parte, também, filosófica e de metodologia da
estaremossignifican- do que seqüências de ações (...) são realizadas sob o Ciência. A relaçãocom a lingüística está em
controle eeetivo de uma macro-intenção ou plano, encaixadonuma que o fundamento pragmático da teoria da linguagem deveen- laçar-se
macro-finali- dade, para um ou mais fitos globais. Enquanto tal macro- com a teoria da atividade e que, por sua vez, a análise
propósi- to é a representação das consequências desejadas de uma ação (...), a linguística pode contribuir de alguma forma para o desenvolvi-
mento da teoria da atividade:
macro-intenção ou plano é a representação conceitual do estado 6ina], isto é,
do resultado da macro-ação. Sem um macro-propósito
e uma macro-intenção, seríamos incapazes de decidir qual ato de 5. Beaugrande& Dressler (198 1), por seuturno, aârmam: "A
Edaconcretopoderiapropiciar um estadoa partir do qual o resul- tado produção e a recepçãode textos funcionam como ações discursivas
pretendido e a meta intencionada poderiam seralcançados.' relevantes para algum plano ou meta". (cf as ações verbais de Leont'ev) .
Partindo da definição de Von Wright (1 967) : 'açãoé um ato intencional
3. Schmidt (197 1: 33) escreve, acerca da teoria do ato ver- que transforma uma situação de uma
bal: 'IA linguagem... já não é considerada primariamente como forma como, de outro modo, não teria ocorrido", descrevema
açãodiscursiva em termos das modificações que ela efetua sobre a
situação e sobre os vários estadosdos participantes: estado de
Paraessesautores, embora a coesãoe a coerênciaconstitu-
conhecimento, social, emocional etc. Entre todas as mudanças que
am os padrões mais evidentes de textualidade, não são, por si só,
ocorrem por meio de um discurso,o cocode cadaparticipan- te recai
suficientes para estabelecer fronteiras absolutas entre textos e não
sobre aquelesestadosque são instrumentais para os seus
planos, com vistasa determinado objetivo. Deste modo, os esta- textos, já que as pessoasmuitas vezesutilizam textos que, por várias
razões, não se apresentam totalmente coesos e/ou coeren- tes. E isso que os
dos são processados através de sua vinculação a um plano, isto é, pelo
leva a incluir as atitudes dos usuáriosentre os
encaixamentodasaçõesnuma sequênciaplanejadade esta- dos ("plan
critérios de textualidade: para que uma manifestaçãolingüística
attachement").
constitua um texto, é necessárioque haja a intenção do produtor
Seutrabalho, portanto, insere-setambém nos quadros de uma
de apresenta-la e a dos parceiros de aceita-lacomo tal -, em
teoria da atividade. Dizem elesque a primeira Emeda pro-
20 uma situação de com unicação determinada. Pode, inclusive, acon- tecer que,
dução de textos consiste usualmente no planejamento: o produ-
em certas circunstâncias, se afrouxe ou elimine 21
tor tem a intenção de atingir determinadametavia texto, de modo
deliberadamente a coesãoe/ou coerência semântica do texto com
que a produção desteé uma submeta no trajeto para o atingimento
o objetivo de produzir efeitos específicos.,Aliás,nunca é demais
do objetivo principal.
lembrar que a coerêncianão constitui uma propriedade ou qua- lidade
Definindo o discurso como uma seqüênciade situaçõesou
eventos em que vamosparticipantes apresentam textos como ações do texto em si: um texto é coerente para alguém, em dada situação de
comunicação específica (cf, por ex., Van Dijk, 1983;
discursivas, Beaugrande & Dressler consideram a atividade verbal como
Koch & Travaglia, 1989 e 1990). Este alguém,para construir a
uma instânciade planejamentointerativo. Por isso,inclu-
coerência, deverá levar em conta não só os elementos lingüísticos
em, entre os critérios ou padrõesde textualidade, a inten-
que compõem o texto, mas também seuconhecimento enciclo- pédico,
cionalidade/aceitabilidade. Segundo eles,a intencionalidade, em
conhecimentos e imagens mútuas, crenças,convicções, atitudes,
sentido estrito e imediato, diz respeito ao propósito dos produto- resde
pressuposições,intenções explícitas ou veladas,situa-
textosde Emercom que o conjunto de ocorrênciasverbais possa ção comunicativa imediata, contexto sociocultural e assimpor
constituir um instrumento textual coesivo e coerente, capaz de realizar diante.
suasintenções, isto é, atingir uma meta especificada em um plano; em
sentido amplo, abrangetodasasmaneiras como os sujeitos usam textos 6. Motsch & Pasch(1987) concebemo tcxto como uma
para perseguir e realizar seus objetivos. seqüênciahierarquicamente organizada de atividades realizadas pelos
A aceitabilidade, por suavez, refere-seà atitude cooperati- va (cf. interlocutores. Segundo eles, componentes da atividade lin-
Grice) dos interlocutores, ao concordarem em "jogar o jogo", de güística (AL) reúnem-se na seguinte formula:
acordo com as regrase encaram, em princípio, a contri- buição do parceiro
como coerentee adequadaà realizaçãodos a] = (e, int., cond., cons.)
objetivos visados.
em que e representa a enunciação, int., a intenção do anunciador de atingir
enfatizar), distinguem duas categorias: a) as que visam a que o
determinado objetivo, cond., as condições necessárias para que enunciatário compreenda a enunciação (OBf-2); b) as que pre-
esseobjetivo seja alcançado, e cons., as conseqüências decorrentes do tendem leva-lo a aceitar realizar o objetivo fundamental do
atingimento do objetivo. enunciador (OBf-l).
De acordocom essaformula, a enunciação(e) é movida Hilgert (1990: 9), comentando a proposta desses autores,
por uma intenção (int.) do enunciador de atingir determinado relativamente àsatividades de composição do texto Enfado(ou de
objetivo ilocucional em relaçãoao enunciatário. Para atingir um formulação "lato sensu"), afirma que estasdevem servistascomo
objetivo fundamental (OBf), o enunciador precisa atingir um outro(OBf- procedimentos de solução de problemas: "se, em sentido lato, admitir-
1), anterior esubordinado àquele:que o enunciatário se que asatividades de formulação sãoiniciativas de cons- trução
aceite, isto é, estejadisposto a mostrar a reaçãopretendida pelo ]ingüístico-comunicativa de um enunciador, para forne-
22 enunciador ou, ainda, que o enunciatário queira que o cer uma "proposta de compreensão" ao enunciatário, em interação 23
enunciador atinja o OBf. E, finalmente, para que a aceitação com o qual o processo comunicacional se realiza; e se, com Rath (1 985:
ocorra, um outro objetivo (OBf-2), anterior e subordinado a 21), seconsiderar que "na língua fadada, um texto consiste, ao menos em
OBf-l, precisa ser alcançado: que o enunciatário reconheça a parte, na própria produção do texto (...)", onde 6enâ- menos especíâcos como
intenção do enunciador, ou seja, compreenda qual é o objetivo interrupções, reinícios, correções, paráfra- ses,repetições e outros o
que este persegue,o que dependeda formulação adequadada apresentam em constante status nascendo; então se pode admitir que as
enunciação. atividades de formulação são
Em outras palavras,de acordo com Motsch e Pasch,para desencadeadapsor problemas reaisou virtuais de compreen-
alcançar o objetivo ilocucionário fundamental, exige-se que o enunciador são, detectados por ocasião do processamento textual. Em outras palavras,
assegureao enunciatário as condições para que este reconheça sua atividades de formulação são aqueles procedimentos a que recorrem os
intenção (compreendendo a formulação da
interlocutores para resolver,contornar, ultrapassarou aemtardificuldades,
enunciação) e aceite realizar o objetivo a que ele visa. Deste modo, o
obstáculos ou barreiras de compreensão.
enunciadorrealizao objetivo a que ele visa.Deste modo, o O estudo dasatividades de composição ou construçãotex-
enunciador realiza atividadeslinguístico-cogn itivas para garantir a tual tem sido objeto de uma sériede pesquisase, ntre asquaisas de
compreensãoe estimular,facilitar ou causara aceitaçãoD. a Koch & Souzae Silva (1991, 1992, 1993); nasquaisse pro- põe uma
parte do enunciatário, para que a atividade i]ocuciona] sejabem revisão de alguns posicionamentos de Motsch e Pasche seapresenta uma
sucedida, faz-se necessárioque ele compreenda o objetivo do proposta de classificação das atividades de cons- trução do texto calado.
enunciador, aceite esseobjetivo e mostre a reaçãodesejada. Os autores,
relacionando os objetivos parciais OBf-2 e OBf- l com asatividades de De todo o exposto,pode-seconcluir que,vista sobessapers pectiva, a
composição textual (como fundamentar, justifi- car, explicar, atividade de produção textual pressupõeum sujeito -
completar, repetir, parafrasear,corrigir, resumir,
entidade psico-físico-social que, em sua relaçãocom outro(s)
sujeito(s), constrói o objeto-texto, levando em consideração em seu
planejamento todos os Estoresacima mencionados, combinan- do-osde OTEXTO:CONSTRUÇÃO
acordo com suasnecessidadees seusobjetivos. O(s) outro(s) sujeito(s) DE SENTIDOS
implicado(s) nessaatividade -- e no próprio discurso do
parceiro, já que a alteridade éconstitutiva da linguagem pode(m)
ou não atribuir sentido ao texto, aceita-lo como coeso e/ou coeren-
te, considera-lo relevante para a situação de interlocução e/ou ca- paz de
produzir nela alguma transformação.
Na atividade de produção textual, social/individual, O QUE É UM TEXTO
24 alteridade/subjetividade, cognitivo/discursivo coexistem e con-
É sabido que, conforme a perspectiva teórica que se adoce, 25
dicionam-se mutuamente, sendo responsáveis,em seuconjunto, pela ação o mesmo objeto pode ser concebido de maneirasdiversas.O con- ceito de
dos sujeitos empenhados nos jogos de atuação comuni- texto não foge à regra. E mais: nos quadros mesmosda
cativa ou sócio-mterativa.
Linguística Textual, que tem no texto seu objeto precípuo de
estudo, o conceito de texto varia conforme o autor e/ou a orienta- ção
teórica adotada.
Assim, pode-severificar que, desdeas origensda Lingüís-
tica do Texto até nossosdias, o texto foi visto de diferentes for-
mas. Em um primeiro momento, eoi concebido como:
a.
unidade lingüística (do sistema) superior à frase;
b sucessãoou combinação de frases;
c.
cadeia de pronominalizações ininterruptas;
d cadeia de isotopias;
e.
complexo de proposições semânticas.
Combinando essesúltimos pontos de vista, o texto pode ser É esta tambéma posiçãode Schmidt (1978:170), para quem o
concebido como resultado parcial de nossaatividade comunicativa, texto é "qualquer expressãode um conjunto linguístico numa atividadede
26 que compreende processos,operaçõese estratégiasque têm lugar na comunicação no âmbito de um 'jogo de atuação comunicativa'
mente humana, e que são postos em ação em situações concretas de inreração tematicamente orientado e preenchen- 27
social. Depende-se, portanto, a posição de que: do uma fiinção comunicativa reconhecível, ou seja, realizando
um potencial ilocucionário reconhecível:
a. a produção textual é uma atividade verbal, a serviçode Gins Em Marcuschi(1 983: 12-13), encontramos aseguinte"de-
sociaise, portanto, inserida em contextos mais complexos de finição provisória" de Linguística Textual e de seu objeto, que
atividades (cf. capítulo anterior) ; também parece ajustar-se bem a essalinha de pensamento:
b. trata-se de uma atividade consciente, criativa, que com- preende "Proponho que se veja a Lingüística do Texto, mesmo que
o desenvolvimento de estratégias concreta de ação e a escolha de provisória e genericamente, como o as/wdoóZnOPrrnfões#nKüáz/- cas e
meios adequados à realização dos objetivos; isto é, trata-sede uma cognitivas reguladoras e controhdoras da produ çao, consta ção,
atividade intencional que o Edante, funcionamento e recepção de textos escritos ou orais.
de conformidade com as condiçõessob asquais o texto é Seu tema abrange a coesãosupe?#c/a/ ao nível dos constitu- intes
produzido, empreende, tentando dar a entender seuspro- linguísticos, a coeré/zci co ce/f a/ ao nível semântico e cognitivo e o
pósitos ao destinatário através da manifestação verbal; sistema de pressuposições e implicações a nível prag-
c. é uma atividade interacional, visto que os interactantes, de
mático da produção do sentido no plano dasaçõese intenções. Em
maneiras diversas, seacham envolvidos na atividade de pro- dução
suma, a Lingüística Textual trata o texto como um ato de
textual.
comunicação unificado num complexo universo de ações huma- nas.Por
Dessa perspectiva, então, podemos dizer, numa primeira
um lado deve preservar a o/gan/zzç.2o#ne.zrque é o tra- tamento
aproximação, que textos são resultados da atividade verbal de in- divíduos
estritamente lingüístico abordado no aspectoda coesão e, por outro,
socialmente atuantes, na qual estescoordenam suasações
deveconsiderar a erga í çúo rfücz/ázzZozu tentacular, não linear
no intuito de alcançarum fim social,de conformidadecom as
portanto, dos níveis de sentido e intenções que reali- zam a coerênciano
condições sob as quais a atividade verbal serealiza.
aspecto semântico e funções pragmáticas.
A ORGANIZAÇÃO DA
a. segmentos textuais de extensões variadas;
INFORMAÇÃO TEXTUAL
b. segmentostextuais e conhecimentos prévios;
A informação semânticacontida no texto distribui-se, como se c. segmentostextuais e conhecimentos e/ou práticas
sabe,em (pelo menos) dois grandes blocos: o üzü e o /copo, cuja socioculturalmente partilhados.
disposição e dosagem interferem na construção do sentido.
Quer para a remissão, quer para a progressão textual, cada língua
A informação dada -- aquelaque seencontra no horizonte de
põe à disposição dos falantes uma série de recursosexpres-
consciênciados interlocutores (cf. Chúe, 1987) -- tem por fiinção sivos,comumente englobados sob o rótulo de rojão fex/z/.z/(cf.
estabeleceros pontos de ancoragempara o aporte da in- formação nova. Koch, 1989).
28 A retomada de informação já dada no texto seem por meio As relações entre segmentos textuais estabelecem-se em vários
de remissão ou referência textual (cf Koch, 1989), formando-se destarte no níveis:
texto as coze/ai cães/z"ziq, ue têm papel importante na
organizaçãotextual, contribuindo para a produção do sentido 1. . No interior do enunciado, através da articulação tema-rema. A
pretendido pelo produtor do texto. informação temática é normalmente dada, enquanto a remática
A remissão se Eaz,freqüentemente,não a referentes textual- mente constitui, em geral, informação nova. O uso de
expressos,mas a "conteúdos de consciência", isto é, a refe- rentes um ou outro tipo de articulação tema--rema (progressão com tema
constante, progressão linear, progressão com tema derivado,
estocadosna memória dos interlocutores, que, a partir de 'pistas"
encontradas na superfície textual, são (re)avivados, via
progressãoe subdivisão do rema etc.) tem a ver
com o tipo de texto, com a modalidade (oral ou escrita),
inferenciação. É o que se denomina am#@oxaiem.infira ou an#@orn
com os propósitos e atitudes do produtor.
/'rc?@nzZzq,ue seráretomada no Capítulo 4. As inferências cons-
2. Entre orações de um mesmo período ou entre períodos no interior
tituem estratégiascognitivas extremamente poderosas,que per- mitem
de um parágrafo (encadeamento), por meio dos
estabelecera ponte entre o materiallingüístico presente na superRcie
conectoresinteúrásticos, aqui consideradostanto aquelesque
textual e os conhecimentos prévios e/ou comparti-
estabelecem relações de tipo lógico-semântico, como aque- les
lhados dos parceiros da comunicação. Isto é, é em grande parte através responsáveis pelo estabelecimento de relações discursivas ou
das inferências que se pode (re)construir os sentidos que o texto argumentativas (cf Koch, 1984, 1987 e 1989a).
implícita. 3. Entre parágrafos, seqüênciasou partes inteiras do texto, por
Com ancoragem na informação dada, opera-sea progres- meio dos "articuladores textuais" ou também por mera
sãotextual, mediante a introdução de informação nova, estabele- cendo- Justaposição.
se, assim, relações de sentido entre: Relaçõesentre informação textualmente expressae conhe-
cimentos prévios e/ou partilhados podem ser estabelecidaspor
recursoà intertextualidadeà, situaçãocomunicativae a todo o
contexto sociocultural.
QUAL E, AFINAL, A PROPRIEDADE
DEFINIDORA DO TEXTO?
AriViDADES E ESTRATEGiAS
Um texto seconstitui enquantotal no momento em que os
parceiros de uma atividade comunicativa global, diante de uma ma- DE PROCESSAMENTOTEXTUAL
nifestação linguística, pela atuaçãoconjunta de uma complexa rede de
fàtoresde ordem situacional, cognitiva, sociocultural e interacional,
sãocapazesde construir, para ela, determinado sentido.
Portanto, à concepçãode texto aqui apresentadasubjaz o
postulado básico de que o sentido não está no texto, mas secons-
Dentro da concepção de língua(gem) como atividade
30 trói a partir dele, no curso de uma interação. Para ilustrar essa
interindividual, o processamentotextual, quer em termos de pro- dução,quer3 1de comp
afirmação, tem-se recorrido com frequência à metáfora do /rede/g como Ainda dentro dessaconcepção, o texto éconsideradocomo manifestação verbal, constitu
este, todo texto possui apenas uma pequena superfície ex- posta e uma curso de uma atividade verbal, de modo afacultar aosinteractantes
imensa área imersa subjacente. Para se chegar às não apenas a produção de sentidos, como a fiindear a própria interação como prática s
Nessa atividade de produção textual, os parceiros mobili- zam diversos sistemas de conhe
profundezas do implícito e dele extrair um sentido, faz-seneces- sário o O objetivo deste capítulo é discutir algumas das questões
recurso aos vários sistemas de conhecimento e a ativação de processose ligadas ao processamento sociocognitivo de textos.
estratégiascognitivas e interacionais.
Uma vez construído um -- e não o sentido, adequado ao
contexto, àsimagens recíporocasdos parceiros da comunicação, ao tipo
de atividade em curso, a manifestaçãoverbal seráconsi- derada coerente
pelos interactantes (cf. Koch & Travaglia, 1989). E é a coerência assim
estabelecidaque, em uma situação concreta de atividade verbal ou, se
assim quisermos, em um "jogo de
linguagem" -- vai levar os parceiros da comunicação a identificar
um texto como texto.
SISTEMASDE CONHECIMENTO ACESSADOSPOR
interação, pretende atingir. Trata-se de conhecimentos sobre dpof zú'
OCASIÃO DO PROCESSAMENTTOEXTUAL
oOeüz,Oáf ozí/fpai zú'azmz&#aü0,que costumam serverbalizadospor meio de
enunciaçõescaracterísticas,embora sejatambém 6eqüente
Para o processamento textual contribuem três grandes sis-
sua realizaçãopor vias indiretas, o que exige dos interlocutores o
temasde conhecimentoo: lingüístico,o enciclopédicoe o conhecimento necessáriopara a captaçãodo objetivo ilocucional.
interacional (cf Heinemann & Viehweger, 1991). O conhecimentocomunicacionalé aqueleque diz res- peitos
O conhecimento lingüístico compreende o conhecimento por exemplo, a normas comunicativas gerais,como as máximas
gramatical e o lexical, sendo o responsávelpela articulação som- descritas por Grice (1969); à quantidade de informa- ção
sentido. É ele o responsável,por exemplo, pela organização do necessárianuma situação concreta para que o parceiro seja capazde
material lingüístico na superfícietextual, pelo uso dos meios reconstruir o objetivo do produtor do texto; à seleção
32
coesivos que a língua nos põe à disposição para eeetuar a remissão da variante lingüística adequada a cada situação de inreração e 33
ou a seqüenciação textual, pela seleção lexical adequada ao tema e/ou aos à adequaçãodos tipos de texto às situaçõescomunicativas.É o
modelos cognitivos avivados. que Van Dijk (1994) chama de modeZoi coK z/f/z,os de con/ex/o.
O conhecimento enciclopédico ou conhecimento de mun- do é
O conhecimento metacomunicativo permite ao produtor do
aquele que se encontra armazenado na memória de cada
texto evitar perturbações previsíveis na comunicação ou sanar Óon-
indivíduo, quer setratedeconhecimentodo tipo declarativo(pro- aneoz/'zPoi/erfor0 conflitos e6etivamente ocorridos por meio da
posições a respeito dos fatos do mundo), quer do tipo episódico (os introdução no texto, de sinais de articulação ou apoios textuais,
"modelos cognitivos" socioculturalmente determinados e ad- e pela realização de atividades específicas de formulação ou cons-
quiridos atravésda experiência)É. com baseem tais modelos, trução textual. Trata-sedo conhecimento sobreos vários tipos de
por exemplo, que se levantam hipóteses, a partir de uma man- chete; açõeslingüísticasque permitem, de certaforma, ao locutor asse- gurar a
que secriam expectativassobre o(s) campo (s) lexical (ais) a ser (em) compreensãodo texto e conseguir a aceitação,pelo par- ceiro, dos objetivos
explorado(s) no texto; que seproduzem as inferências que permitem com que é produzido, monitorando com elas
suprir as lacunasou incompletudes encontradas na superfície textual. o fluxo verbal (cf Motsch & Pasch, 1985).
O conhecimento sócio-interacional é o conhecimento so- bre as O conhecimento superestrutura, isto é, sobreestruturasou
ações verbais, isto é, sobre as formas de / Ir -grão através da linguagem. modelos textuais globais, permite reconhecer textos como exem-
Engloba os conhecimentosdo tipo ilocucional, plaresde determinado gênero ou tipo; envolve, também, conheci- mentos
comunicacional, metacomunicativo e superestrutural. sobre as macrocategorias ou unidades globais que distinguem os
E o conhecimento ilocucional que permite reconhecer os vários tipos de textos, sobre a sua ordenação ou
objetivos ou propósitos que um falante, em dada situação de seqüenciação, bem como sobre a conexão entre objetivos, bases
Estratégias textuais
1. De organização da informação.
2. De formulação.
3. De reGerenciação.
38
4. De "balanceamento" ("calibragem") entre explícito e implí-
cito. 2. Estratégiasde formulação -- têm funçõesde ordem cognitiva-interacional.En
39
dado/novo
A COESÃO TEXTUAL
(13) ÉZ' era tão bom, o presidente assassinado! referência ao conteúdo da mensagem. Para consegui-lo, o pro'
dutor do texto tem necessidaddee focalizara atençãodo parceiro
48
sobre objetos, entidades e dimensões de que seserve em sua ativi-
A "sinalizaçãotextual", por suavez, tem a fiinção básicade
49
dade lingüística. Assim sendo,o procedimento dêitico constitui o
organizar o texto, fornecendo ao interlocutor "apoios" para o
instrumento para dirigir a 6ocnlizaçãodo ouvinte em direçãoa um item
processamento textual, atravésde "orientações" ou indicações para cima,
específico, que Em parte de um domínio de acessibilidade comum -- o espaço
para baixo (no texto escrito), para a frente e para trás,'ou ainda,
dêitico. Na comunicação cotidiana simples, esseespaço dêitico é o próprio
estabelecendouma ordenaçãoentre segmentostextuais ou p'nes do
espaço da atividade de eda, isto é, a situação de interação. Os procedimentos
texto. Vejamosalgunsexemplos:
dêiticos atualizam-se atra- vésdo uso de expressõesdêiticas. Como
asatividades de orientação
(14) As evidências aóaüo comprovam esta afirmação: a. ; b.-- dêitica são atividades sobretudo mentais, o uso de expressões
C
ZONAS DE INTERSECÇÃO
A COERÊNCIA
Defendo a posição de que, sempre que se Em necessário
A coerência diz respeito ao modo como os elementos
algum tipo de cálculo apartir dos elementos expressosno texto
subjacentesà superfície textual vêm a constituir, na mente dos como acontece na absoluta maioria dos casos-- já seestá no cam- po da
interlocutores, uma configuração veiculadora de sentidos.
coerência. Ora, como já indiciei acima e procurarei detalhar a seguir, é
A coerência, portanto, longe de constituir mera qualidade ou bastante comum, para se interpretarem adequadamente as relações coesivas
propriedadedo texto, é resultadode uma construçãodeita pelos que o texto sugere, que sejamos obrigados a
interlocutores, numa situação de interação dada, pela atua- ção conjunta eGetuardeterminados cálculos quanto ao sentido possíveldessas
de uma série de favoresde ordem cognitiva, situaciona], relações.É nessesmomentos, portanto, que seobliteram os limi-
Sociocultural e interacional (cf Koch & Travaglia, tes nítidos entre coesãoe coerência.
Passoa examinar alguns dessescasos:
1. Anáfora semântica, mediata ou profiinda -- conforme
de uma expressãodefinida implica sempre uma escolhadentre as
mencionei anteriormente, é preciso, em tal situação, "extrair" o propriedades ou qualidades que caracterizam o referente, escolha estaque
referente da forma feEerencial de modelos ("arames", "scripts cenários") serádeitade acordo com aquelaspropriedadesou quali- dadesque, em
armazenados na memória, ou seja, de conhecimentos que constituem dada situação de interação, em fiinção dos propó- sitosa
nosso " horizonte de consciência". Como afirma
serematingidos,o produtor do texto tem interesseem
Webber (1980), a relação entre situação discursiva ou externa. de um ressaltar, ou mesmo tornar conhecidas de seu(s) interlocutor(es) .
lado, e os referentes da anáfora, de outro, é indireta, me- diada pelos Veja-se,por exemplo, a diferença entre (21) e (22):
modelos dos participantes, de modo que escolher
entre os possíveis antecedentes de uma forma anahrica pode, (21) Reaganperdeu a batalha no Congresso. Opreside [? amrrjra-
na não tem tido grande sucessoultimamente em suasnegocia-
pois, demandar habilidades sintáticas, cognitivas, pragmáticas,
54 inâerenciais e avaliativas muito soGtsticada da parte do interlocuto.. ções com o Parlamento. 55
Assim, em exemploscomo (7), (8) e (9), como em um (22) ( Reaganperdeu a batalha no Congresso. O fazaóaydo#araeire
grande número de outros casos,há necessidadede introduzir 2
2 amfrifazzo não tem tido grande sucesso em suas negociações
contextualmente determinadas entidades, atravésdo conhecimen- to de ) com o Parlamento.
mundo partilhado entre os interlocutores.
Como sevê, a escolha das descrições definidas pode trazer ao
2. A forma como é feita a remissão, isto é, a construção das
interlocutor informaçõesimportantes sobre as opiniões, crençase
cadeias coesivas a escolha dos elementos lingüísticos usados para Emer a atitudes do produtor do texto, auxiliando-o na construção do senti- do. Por
remissão, o tom e o estilo podem constituir índices valiosos
outro lado, o locutor pode também, através da descrição definida, dar a
das atitudes, crençase convicçõesdo produtor do texto, bem como
conhecerao interlocutor dados que acreditadesco- nhecidos deste,
do modo como elegostariaque o referentefossevisto pelos pa'ced- ros.
relativamente ao referente textual, com os mais vui-
Remissõespor meio de formas diminutivas, por exemplo, po- dem revelar
ados propósitos. Veja-se, por exemplo(20), em que, na verdade, o
o carinho ou a empatia do produtor pelo referente; ou, dependendo do tom
que o locutor Êmé anunciar ao(s) parceiro(s) que Pedro é agora na-
e, na Eda, de certas marcas prosódicas, expres-
morado da irmã, ou, então, que ela mudou de namorado:
sões6lsionâmicas,gestosetc., uma atitude pejorativa permitindo,
assim, aos interlocutores depreender a orientação argumentativa que o
(20) Pedro não 6oi classificado no concurso. O nado /zdmoxuzüde
produtor pretende imprimir ao seu discurso.
m/mó.z ;rm.Z não anda realmente com muita sorte.
ma coisa. Nada.
5. Ambigüidade referencial -- sempreque ocorre no texto
a ambiguidade referencial, isto é, quando surgem vários candida-
É interessantenotar que o interlocutor, em geral, não tem
tos possíveisa referentes de uma forma remissiva, torna-se neces- dificuldade em reconstruir a conexão Estante pelo recursoa pro-
sário proceder a um cálculo para a identificação do referente
adequado.
cessoscognitivos como, por exemplo, a ativação de.»amos,a par' tir dos
elementos que seencontram expressos na superHcie textual. Outros
Thl cálculo terá de levar em conta não só as possíveisins- casosexistem, os quais exigem dos interlocutores o
truções de congruência dadas pela forma remissiva, como tam-
recurso a processos e estratégias de ordem cognitiva para procede-
bém todo o contexto, ou seja,as predicaçõesGaitastanto sobrea rem ao "cálculo" do sentido. Os que Geramaqui apresentadosser-
forma remissiva, como sobre os eventuais referentes, para só en- vem apenascomo exemplificação.
tão proceder-seao "casamento"entre a forma reÊerenciaa] mbí-
Por tudo o que Goidiscutido, deve ter ficado patente que,
gua e o referente considerado adequado. Para tanto, torna-se preciso recorrer embora coesão e coerência constituam fenómenos diferentes,
ao nosso conhecimento de mundo e do contexto Sociocultural em opera-se, muitas vezes, uma imbricação entre eles por ocasião do
que nos encontramos inseridos, além de outros processamento textual.
critérios como saliência temática e recência(fere/zq0, por exemplo. Não há dúvida de que a presençade recursoscoesivosem um
texto não é condição nem suficiente, nem necessáriada coe- rência.A
6. Encadeamentos por justaposição -- quando se encadei- am coesão,inclusive, em alguns tipos de texto, é não só dis-
enunciados por mera justaposição, sem a explicitação da rela- pensável, como seria até mesmo de estranhar -- veja-se o caso de certos textos
ção que se desejaestabelecerentre eles por meio de sinais de poéticos modernos, quer em prosa, quer em verso. Ressalte-sep,orém,
articulação (conectores, termos de relação,partículas de transi-
que, em muitos outros (textos didáticos,
jornalísticos, jurídicos, científicos, por exemplo), sua presençase torna
ACONSTRUÇÃODOSSENTIDOS
altamente desejável, visto que, nestes casos, ela permite au- mentar a NO TEXTO: INTERTEXTUALIDADE
legibilidade egarantir uma interpretação mais uniforme. EPOLIFONIA
Portanto, nos textosem que a coesãoestápresente-- já que elanão
é condição nem necessárian,em suficiente da coerência--.
pode-se afirmar que ambas passam a constituir as duas faces de uma
mesma moeda, ou então, para usar de uma outra metáfora,
o versoe o reversodessecomplexo 6enâmenoque é o texto. Pretendo, nestecapítulo, proceder a uma reflexãosobreos
conceitos tão freqüentes na literatura lingüística contemporânea de
intertextualidade e polifonia, com o intuito, inclusive, de ve-
59
rificar, através da determinação das características e do âmbito de
abrangênciaque lhes têm sido atribuídos, se designamum só 6enâmeno;ou,
não sendoesseo caso,como seriapossívedl istin-
guir entre um e outro. Tratarei, em primeiro lugar, da intertex-
tualidade.
INTERTEXTUALIDADE
2. Explícita X implícita.
Intertextualidadeem sentido restrito
A intertextualidade é explícita, quando há citação da conte
Considero intertextualidade em sentido restrito a relação do intertexto, como aconteceno discursorelatado,nascitaçõese
de um texto com outros textospreviamenteexistentesi,sto é,
referências; nos resumos, resenhas e traduções; nas retomadas do
e6etivamenteproduzidos. Respaldo-me em Jenny ( 1979:14):
62 texto do parceiro para encadear sobre ele ou questiona-lo, na con-
'Propomo-nos a Edar de intertextualidade desdeque se 63
versação.A intertextualidade implícita ocorre sem citação expressa da
possaencontrar num texto elementosanteriormente estruturados, para
fonte, cabendo ao interlocutor recupera-lana memória para
além do lexema, naturalmente, mas seja qual for seu nível de
construir o sentido do texto, como nas alusões,na paródia, em certos
estruturação'
tipos de paráfrase e de ironia.
Entre os tipos de intertextualidadeem sentido restrito,
podem-se considerar os seguintes:
3. Das semelhançasX das diferenças (cf. Aüonso Romano de
Sant'Anna).
1. De conteúdo X de forma/conteúdo (descargoa possibili- dade
Na intertextualidade das semelhanças,o texto incor- pora o
de uma intertextualidade apenasde forma, pois toda forma
enforma/emoldura um conteúdo) . intertexto para seguir-lhe a orientação argumentativa e,
freqüentemente, para apoiar-se nele a argumentação(por
Ocorre intertextualidade de conteúdo, por exemplo, entre textos
científicos de uma mesma área ou corrente do conheci- exemplo, na argumentação por autoridade). Maingueneau (1987)
fala aqui de valor de captação.Em setratando de
mento, que seservem de conceitos e expressõescomuns, já defi- nidos
intertextualidade das diferenças, o texto incorpora o in-
em outros textos daquela área ou corrente; entre matérias dejornais
tertexto para ridiculariza-lo, mostrar sua improcedência ou, pelo
(eda médiaem geral),no mesmodia ou no período de tempo em que
menos, coloca-lo em questão (paródia, ironia, estraté- gia
dado assuntoé focal; entre diversasmatériasde um mesmo jornal
sobre tal assunto; entre textos literários de uma
argumentativa da concessãoou concordância parcial).
É o que Maingueneau denomina valor de subversão.
mesma escola ou de um mesmo gênero (por exemplo, as epopéi- as).
Tem-se intertextualidade de forma/conteúdo, por exemplo,
4. Com intertexto alheio,com intertexto próprio ou com ou posiçõesque serepresentam nos enunciados. Paraele, o sen- tido de
intertexto atribuído a um enunciador genérico. um enunciado consisteem uma representação(no sen- tido teatral)
Alguns autoresreservama denominaçãode intertextuali- dade
de sua enunciação. Nessa cena, movem-seas
apenaspara o primeiro caso, utilizando para o segundo o rótulo de personagens figuras do discurso -- que se representam em di-
versos níveis:
intra ou autotextualidade.Por seuturno, atribuem-sea
um enunciador genérico(a que Berrendonner, 1981, chamaON),
enunciaçõesque têm por origem um enunciador indeterminado, asquais
a.
locutor "responsável" pelo enunciado. (Ducrot distin. gue
fazem parte do repertório de uma comunidade, como é o caso dos ainda entre ]ocutor enquanto ta] L e locutor en.
provérbios e ditos populares. Ao usar-se um provérbio, produz-se uma quanto pessoal.
b enunciadores encenações de pontos de vista, de perspec
"enunciação-eco" de um número ilimitado de
64 uvasdiferentesno interior do enunciado. 65
enunciaçõesanteriores do mesmo provérbio, cuja verdadeé ga- rantida pelo
enunciador genérico, representanteda opinião ge- ral, da "vox
populi", do sabercomum da coletividade. Em Ducrot (1984) consideram-sedois tipos de polifonia
Todas essasmanifestações da intertextualidade permitem aponta-la
a.
como Eatordos mais relevantesna construção da coe- rência textual quando,no mesmoenunciado,setem maisde um locutor
(Koch & Travaglia, 1989). correspondendonestecasoao que denominei intertex-
tualidade explícita (discurso relatado, citações, referênci-
as, argumentação por autoridade etc.);
POLIFONIA b quando, no mesmo enunciado, há mais de um enunciador,
O conceito de polifonia, como sesabe, 6oi introduzido nas recobrindo, em parte, a intertextualidade implícita, sen- do,
ciências da linguagem por Bahktin (1929), para caracteri- zar o porém, mais ampla: bastaque serepresentem,no mes- mo
romance de Dostoiévski. Para Bahktin, o dialogismo é constitutivo enunciado, perspectivasdiferentes, sem a necessidade de utilizar
da linguagem:"A palavraé o produto da relação recíproca entre textos eGetivamenteexistentes. Por isso é que Ducrot se refere à
encenação (teatral) de enunciadores
falante e ouvinte, emissor e receptor. Cada pala- vra expressao 'um' em
reais ou virtuais a quem é atribuída a responsabilidade da
relaçãocom o outro. Eu medou forma verbal a partir do ponto de
posição expressano enunciado ou segmento dele. Essa noção de
vista da comunidade a que perten- ço. O Eu se constrói
polifonia permite explicar uma gama muito am- pla de
constituindo o Eu do Outro e por ele é
constituído' eenâmenos discursivos, que podem ser classificados segundoa
atitude de adesãoou não do locutor à perspec-
Ducrot (1980,1984) trouxe o termo para o interior da
tiva poli6onicamenteintroduzida.
pragmáticalinguística para designar,dentro de uma visão
enunciativa do sentido, asdiversasperspectivas,pontos de vista
A. Entre os casos de adesão (L = EI), podem-se mencio-
& (3) Tudo o que o jornalista escreveu é a pura verdade, logo ele não merece ser
nar os seguintes: punido. (Quem diz a verdade não merece castigo).
l Pressuposição encenam-se, no caso, dois enunciadores, um b. certos enunciados introduzidos por n'ãoió... mm iamóán, em que
primeiro (EI), responsável pelo pressuposto (geral- mente o a parte introduzida por áo só não é apenasde responsabilidade
enunciador genérico ON, ou então o grupo a que o locutor e do locutor:
interlocutor pertencem)e o outro (E2), res- ponsávelpelo
conteúdo posto, com quem o locutor seiden- tifica. Por (4) Vejam nossasofertas. Temos produtos não só baratos,mas
exemplo:
X também duráveis.(El: Uma boa oferta é aquela em que se
oferecem produtos baratos).
(1) Mariana continua apaixonada por RaEael. 67
66
C
certosenunciadosem que ocorre o uso "metaforico" do
2
Certos tipos de par#raseamento, nos quais é possívelde- tectar a
futuro do pretérito (cf Weinrich, 1964), em que seintro- duz
presençado intertexto. É o caso, por exemplo, de vários textos
a voz a partir da qual seargumenta, mas cuja respon-
(Hino Nacional Brasileiro, Canção do Expe- dicionário etc.)
sabilidade não seassume,uso atestadocom freqüência na
que, de alguma forma, parafraseiam tre-
linguagem jornalística:
chos da Canção do Exílio, de Gonçalves Dim.
3
Argumentação por autoridade: quando seencenaa voz de um
enunciador a partir da qual o locutor, identificando-se com ele, (5) Novas reformas estariam sendo cogitadas pelo governo. Já é
a. enunciados conclusivos -- nos quais seargumenta a partir de uma d. enunciados introduzidos pelas expressõesp zreregwe, ie-
premissa (maior) poli6onicamente introduzida no discurso. Trata-
gz/m2oX etc., aos quais se encadeia um posicionamento
pessoal:
se, em grande número de casos,da voz da sabedoria popular (como
quando se argumenta a partir de
(6) Pareceque vamos ter uma mudança na política económica
provérbios e ditos populares),da perspectivada comuni- dade
ou do grupo a que se pertence, do interlocutor ou dos valores Há muito tempo ela estava se fazendo necessária.
(7) Li: Pedro deixou de beber (Ei = Pedro bebia) (IO) ..."0 regime militar teve a longevidade que teve por causa dessa
Lz: Pedro não deixou de beber, ele nunca bebeu (L= E2) resignação com 'o possível' uma postura eternizada por
Ulysses Guimarães". (Fernando Rodrigues, 'IA CPMF e o 'possível"',Folha
Na segunda, encenam-sedois enunciadores: Et, que pro- de São Paulo, 16/07/1996, 1 2)
68 duz o enunciado afirmativo e E2= L, que o contradiz, como (11) ..."Antigamente nem o policial podia expor sua arma; era
em (8): obrigado a carrega-lano coldre, presa.Hoje os 'homensda 69
2. Enunciados introduzidos por .aaco /z#r;a, peãora /zürjo, que Authier distingue diversas funções das aspas nessaoperação de
não se opõem ao segmentoanteriormente expresso' que tem a distanciamento: mpm zú' z;/l@z'xrncüfáa(paramostrar que nos dis- tinguimos
mesma orientação argumentativa, mas à pers' pectiva do daquele(s) que usa(m) a palavra, que somos "irredutíveis' àspalavras
enunciador EI, poliGonicamente introduzida, como se pode mencionadas; zú'ca zzüsremz#fü(para assinalar uma pa-
verificar no exemplo: lavra que se incorpora "paternalisticamente",por saber que o
interlocutor Edaria assim); .peziCglgíÜlcm(ndoiscurso de vulgarização
(9) Luísa não é uma amiga leal; pelo contrário, tem'se demons- científica, que assinalam, freqüentemente, o uso de termos ou ex-
trado pouco conRiável.
pressõesvulgares como um passo intermediário para permitir o emprego
(El= Luísa é uma amiga leal)
posterior da palavra "verdadeira", "carreta", à qual o locu- tor
adere); .ú'.prozr@o(para mostrar que as palavrasou expressões usadas não
3 lapas de distanciamento" -- nessescasosde "aspeamento" (de
são plenamente apropriada, que estão sendo emprega- da no lugar de
co/zoínfãoaz/ro/zi'm/c.zc,onforme Authier, 198 1), tem- se,
outras,constituindo, muitas vezes,metáforasba-
simultaneamente, o que secostuma denominar de z/se
nalsb\& ê7ifmeÇde\nús\êndxaÜ\& questionamento ofensivoou irónico (quanto
e me/zçãodo termo ou expressão aspeada. Encena-se um
à propriedade da palavra ou expressãoempregadapelo interlocutor por
primeiro enunciador (Ei), responsávepl elo usodo enun-
prudência ou por imposição da situação).
t
(15) "0 Instituto de Cardiologia não vê cara, só vê coração' funciona como um atenuador("disclaimer"),por meio do qual o
locutor tenta preservar a própria face, procurando mostrar-se con- forme o
Funcionamento semelhante ao "détournement" é o da pa- modo de pensa' e/ou agir que constitui o ideal da comuni-
ródia, em que sealtera(adultera)um texto já existentecom o dade a que pertence ao menos em se tratando do discurso público;
objetivo ou apenasde produzir humor ou de desmoralizá-loou fazer- somente no segundo membro do enunciado é que ele vai manifes- tar sua
lhe oposição. verdadeira opinião. Essetipo de enunciação é extremamente comum no
discurso preconceituoso em geral: lembrem-se, a título de exemplo, os
5 Contrajunção consiste na introdução da perspectiva de enunciados do tipo: "eu não sou racista, mas. (cfl
\
um outro enunciadorEI, genéricoou representantede um Van Dijk, 1992, entre várias outras obras do mesmo autor).
6 Certos enunciados comparativos -- os enunciados compa- Em (19), a perspectivade que o mais importante é apre-
rativos, como -demonstra Voga (1 977,1980), têm caráter ce?fáo do i ceifa opõe-se àquela -- polifonicamente introduzida
argumentativo e, segundo a estrutura argumentativa, ana- lisam- de que o importante é o fz/restaco c e/ado pZa/zos, endo-lhe
se sempre em lema e come z# /o, que são comutáveis do ponto de argumentativamente superior.
vista sintático, mas não do ponto de vista argumentativo. No
casodo comparativo de igualdade, se O discursoindireto livre constitui também um casointe- ressante de
o primeiromembrodacomparaçãfor o tema,a argu- polifonia. Nele, mesclam-se as vozes de dois
mentação ser-lhe-áfavorável; seo tema 6oro segundo mem- bro da enunciadores (na narrativa, personagem (EI) e narrador (E2».
comparação,o movimento argumentativo serádes- favorávelao Daí deriva a ambigüidade dessetipo de discurso, isto é, a dificul-
primeiro. Em "Pedro é tão alto como Jogo", dade de distinguir o ponto de vista (perspectiva) de onde se Eda.
72 73
por exemplo, sePedro Goro tema, o enunciado servepara
assinalara sua"grandeza", constituindo-se em argumento a ele Pode-seconcluir, portanto, que não há coincidênciatotal
favorável;por outro lado, seo tema for Jogo, o enun- ciado se entre os conceitos de intertextualidade e polifonia.
dispõe de modo a assinalarsua "pequenez",ou seja, o Na intertextualidade, a alteridade é necessariamenteates-
movimento argumentativo será desfavorável a João (cf. também tada pela presença de um intertexto: ou a fonte é explicitamente
Koch, 1987). No último caso, a paráfrase mencionadnao textoqueo incorporaou o seuprodutorestá
adequada seria: "Pedro e não Jogo deve ser considerado presente,em situaçõesde comunicaçãooral; ou, ainda, trata-se de textos
suficientemente alto para EmerX". Ora, o ponto de vista anteriormente produzidos, provérbios, frases deitas, ex-
segundo o qual Jogo seria a pessoaadequada para emer X é pressõesestereotipadas ou Gormulaicas, de autoria anónima, mas que
introduzido poli6onicamenteno enunciadoe o locutor ar- Erremparte de um repertório partilhado por uma comuni- dade de
gumenta em sentido contrário a este.Observe-seo exem- plo fda. Em se tratando de polifonia, basta que a alteridade sejaencenada, isto é,
(19), extraído da "Folha de São Paulo' incorporam-se ao tcxto vozes de enunciadores reaisou virtuais, que
representamperspectivas,pontos de vista diversos, ou põem em jogo
(19) 'Tão importante quanto o sucesso concreto do plano ou "topoi" diferentes, com os quais o
seja, a inflação baixar de verdade -- é a percepçãodo sucesso. locutor se identifica ou não (para maior aprofundamento, con-
Explicando melhor, é a confiança de que os preços estão mes- mo sob sulte-se Koch).
controle."(Gilberto Dimenstein, "Um tiro contra Lula", Folha Deste modo, a meu ver, o conceito de polifonia recobre o de
de São Paulo, 08/06/1994) intertextualidade, isto é, todo caso de intertextualidade é um
casode polifonia, não sendo, porém, verdadeira a recíproca: há
L
casosde polifonia que não podem ser vistos como manifestações
de intertextualidade.
Por tudo o que aqui foi discutido, confirma-se que, do ponto de
vistada construçãodossentidos,todo texto é perpassa- do por vozes de
diferentes enunciadores, ora concordantes, ora dissonantes, o que Eazcom
que se caracterize o 6enâmeno da lin- guagemhumana, como bem mostrou
Bahktin (1929), como es-
sencialmente dialógico e, portanto, poli6ânico.
PARTEll
74
ACONSTRUÇAO DO
SENTIDONOTEXTOFALADO