40 Anos de Cerco: A Direita e A Democracia - Observador Portugal

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40 anos de cerco: a direita e a democracia - Observador 27/01/15 11:32

40 anos de cerco: a direita e a democracia


25 Janeiro 2015 ! 557 partilhas

Rui Ramos

Em 1974, as correntes políticas tinham de se democratizar.


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Como agentes de socialização democrática, os partidos da


direita foram mais eficazes do que os da esquerda, isto é, o
PS. Ensaio de Rui Ramos

1 Os “liberais” e o Estado Novo


2 Uma direita democrática
3 Uma direita involuntária
4 Problemas com a democracia
5 Sobreviver
6 Resistir
7 Uma história esquizofrénica
8 Os limites da direita democrática
9 O sucesso da direita como factor de socialização democrática

Há 40 anos, a 25 e 26 de Janeiro de 1975, o primeiro congresso


do Partido do Centro Democrático e Social acabou cercado por
uma turba nocturna de militantes das esquerdas, decididos a
eliminar a “direita” em Portugal. As autoridades militares que
então tutelavam o país nada fizeram durante horas e horas, o
que foi uma maneira de autorizar o assalto.

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O cerco do congresso do CDS no Palácio de Cristal, 25 de Janeiro de 1975

O CDS tinha sido aceite na União Europeia das Democracias


Cristãs e entre os cercados estavam delegados dos grandes
partidos de governo das democracias europeias. Foi o que
valeu aos sitiados. Os embaixadores mexeram-se, e de
madrugada apareceram finalmente tropas, não para levantar o
cerco, mas apenas para evacuar os cercados sob as chufas e as
ameaças dos sitiantes. Desde então, nunca faltou à esquerda
quem quisesse repetir o cerco.

Os “liberais” e o Estado Novo

Os partidos que há quarenta anos tradicionalmente se sentam


à direita nas assembleias do actual regime democrático
nasceram, ao contrário do PS e do PCP, com o 25 de Abril (o
PSD, então PPD, a 6 de Maio de 1974 e o CDS a 19 de Julho).
Mais: foram “encomendados” pelo Movimento das Forças
Armadas, em reuniões logo a seguir à revolução. A ideia dos
oficiais do MFA era, nesses primeiros tempos, dotar a futura
democracia portuguesa de um espectro partidário parecido

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com o da Europa ocidental.

Para alguns dos protagonistas da revolução, não era óbvio que a nova
democracia devesse ter uma “direita”.

Muita coisa mudaria uns meses depois, mas em Maio de 1974


parecia ainda haver lugar em Portugal para partidos
equivalentes aos “conservadores” em Inglaterra, “democrata-
cristãos” na Alemanha e na Itália, ou “gaullistas” em França —
partidos que, em geral, combinavam o respeito por tradições
religiosas ou patrióticas com a defesa da democracia pluralista,
do Estado de direito e da economia de mercado. Acontece que
para alguns dos protagonistas da revolução, não era óbvio que
a nova democracia devesse ter uma “direita”.

Não era fatal que estes agrupamentos, fluídos e


informais, tivessem de gerar partidos distintos, mas é
possível delimitá-los. Primeiro, pelas principais
preocupações públicas: a Ala Liberal insistiu na questão
dos direitos e das liberdades, enquanto Freitas do Amaral
e os seus se ocuparam sobretudo com a liberalização da
economia.

As personalidades que o MFA convidou para formarem


partidos à direita do Partido Socialista vinham dos grupos que,
dentro do Estado Novo, haviam proposto a evolução do regime
no sentido de aproximação aos modelos políticos, económicos

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e sociais da Europa ocidental. Tinham sido, por isso,


geralmente tratados como “liberais”. Eram advogados,
professores e altos funcionários, geralmente jovens. As suas
referências eram as democracias ocidentais e ainda o
catolicismo revisto do Concílio Vaticano II. Embora originários
de famílias tradicionalistas, haviam repudiado ingredientes
fundamentais do salazarismo: o “nacionalismo revolucionário”
(à anos 30), a visão da política como “guerra civil”, o
“corporativismo”, ou o “ultramarinismo” em jeito de desafio ao
mundo. Mas recusavam com a mesma veemência o anti-
ocidentalismo e o colectivismo das oposições de esquerda,
então completamente formatadas por várias versões do
marxismo.

O Movimento das Forças Armadas, em reuniões logo a seguir à revolução, encomendou a


várias personalidades que formassem partidos à direita do PS
Getty Images

Em 1968, os “liberais” ainda haviam confiado em Marcello


Caetano. O antigo número dois de Salazar, recolhido a uma
espécie de oposição interna da ditadura havia dez anos,

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parecera então capaz de garantir uma transição controlada


para uma democracia pluralista e uma economia aberta.
Esperou-se ainda que Caetano encontrasse uma qualquer
“solução” internacionalmente aceitável para o “ultramar”. A
crescente integração de Portugal na Europa ocidental na
década de 1960, por via da NATO, da EFTA e da emigração, a
industrialização da economia, ou a expansão do que Caetano
designaria “Estado social” e também a enorme prosperidade
das colónias africanas tornaram plausíveis essas expectativas.
Os “liberais” haviam-se assim conformado com a ditadura,
mas apenas na medida em que pudesse ser a via para um
regime de tipo ocidental e uma nova relação com África.

Eram na sua maioria funcionários dos ministérios e dos organismos


corporativos, muito empenhados nas reformas do regime. Em
público, expressavam-se na página de economia do Diário de
Notícias.

Falou-se, a propósito deles, de uma “terceira força” entre a


ditadura salazarista e a oposição de esquerda. Mas os “liberais”
nunca formaram uma única “força”. Uns reviam-se em
Francisco Sá Carneiro e nos demais deputados identificados
com a “Ala Liberal” da Assembleia Nacional. Desde 1973, o
semanário Expresso, dirigido por Francisco Pinto Balsemão,
era visto como o seu órgão na imprensa, e a associação SEDES
como base de um eventual partido político. Outros tinham-se
agregado à volta de Diogo Freitas do Amaral, procurador à
Câmara Corporativa e professor na Faculdade de Direito de
Lisboa. Eram na sua maioria funcionários dos ministérios e
dos organismos corporativos, muito empenhados nas reformas
do regime (como a da “democratização” do ensino,
protagonizada por Veiga Simão, de quem Adelino Amaro da

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Costa era um dos principais colaboradores). Em público,


expressavam-se na página de economia do Diário de Notícias.
Mas havia ainda outros protagonistas de “mudança” no
governo: João Salgueiro, Rogério Martins, Joaquim Silva
Pinto, ou José Veiga Simão (os dois últimos, ministros de
Marcelo Caetano, viriam, depois de 1974, a aderir ao Partido
Socialista).

Não era fatal que estes agrupamentos, fluídos e informais,


tivessem de gerar partidos distintos, mas é possível delimitá-
los. Primeiro, pelas principais preocupações públicas: a Ala
Liberal insistiu na questão dos direitos e das liberdades,
enquanto Freitas do Amaral e os seus se ocuparam sobretudo
com a liberalização da economia. Depois, pelas suas relações
com a ditadura: em 1973, Sá Carneiro renunciou ao mandato
de deputado e, do ponto de vista do regime, juntou-se à
oposição; Freitas do Amaral distanciou-se também de Marcello
Caetano, mas mais discretamente, ao recusar um convite para
ministro.

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Uma direita democrática

Em Maio de 1974, Sá Carneiro e Freitas do Amaral divergiram


outra vez. Depois das conversas com o MFA, Sá Carneiro
avançou imediatamente para a constituição de um partido, o
Partido Popular Democrático (PPD). Freitas hesitou, e o
Centro Democrático Social (CDS) demorou mais dois meses a
aparecer. Sá Carneiro, ministro sem pasta do primeiro
Governo Provisório e geralmente considerado o “braço direito”
do primeiro-ministro Palma Carlos, foi logo reconhecido como
um dos principais líderes civis da nova situação política, ao

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lado de Soares e de Cunhal. Freitas, embora nomeado membro


do Conselho de Estado, ainda desfrutou de mais uns meses de
relativa obscuridade.

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Propaganda do PPD, 1974 " 5 fotos

Em 1974, o PPD e o CDS distinguiram-se dos demais partidos


por três vias: primeiro, identificaram-se com o MFA e
condenaram firmemente a ditadura salazarista; segundo,
propuseram para Portugal um regime de tipo europeu
ocidental (incluindo já a integração na Comunidade
Económica Europeia, no caso do CDS); terceiro, admitiram a
independência do ultramar, embora desejassem que o processo
democrático fosse o mesmo em todos os territórios sob
administração portuguesa.

A direita dispunh das lideranças mais jovens da democracia: em 1974,


Sá Carneiro tinha 40 anos e Freitas, 33; à esquerda, Soares tinha 50
anos e Cunhal, 61.

Definiram assim o lugar da futura direita democrática. Por um


lado, separavam-se das esquerdas, que defendiam para
Portugal várias espécies de revolução socialista e pretendiam
pôr fim à guerra em África através da simples entrega dos

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territórios à ditadura dos partidos financiados e armados pela


União Soviética e pela China comunista. Por outro lado,
afastavam-se de outras direitas, ainda mais ou menos ligadas
ao Estado Novo, ou estranhas ao MFA ou então empenhadas
numa “solução federal” para o ultramar, como era o caso do
Partido Liberal, do Partido do Progresso ou do Partido
Nacionalista Português.

Apesar de contactos com o clero e a hierarquia


eclesiástica, o PPD e o CDS não reivindicavam nem de
facto dispunham da cobertura da Igreja Católica, o que
lhes deu um carácter acentuadamente secular.

Eram partidos novos e independentes. Apesar de contactos


com o clero e a hierarquia eclesiástica, o PPD e o CDS não
reivindicavam nem de facto dispunham da cobertura da Igreja
Católica, o que lhes deu um carácter acentuadamente secular.
Também não estavam organicamente comprometidos com
interesses organizados, sindicais ou empresariais. Dispunham
ainda das lideranças mais jovens da democracia: em 1974, Sá
Carneiro tinha 40 anos e Freitas, 33; à esquerda, Soares tinha
50 anos e Cunhal, 61. Ao contrário do que acontecia à
esquerda, não se sentia aqui o peso de velhas hierarquias, que
à direita tinham sido liquidadas pelo colapso do Estado Novo.

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Uma direita involuntária

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As esquerdas começaram logo a discutir se o novo regime


deveria ter uma “direita”. O golpe militar de 25 de Abril não
fora obra das esquerdas civis, que se tinham limitado a sair à
rua ou a entrar nos palácios durante os dias seguintes. O
general Spínola, presidente da república, parecia contar com a
direita: nomeou até o ex-ministro Veiga Simão embaixador na
ONU. O monopólio da democracia pela esquerda começou,
assim, por ser inicialmente apenas uma questão teórica.

Para justificar o seu predomínio, as esquerdas invocavam o seu


papel na “resistência” à ditadura (omitindo que Salazar
também tivera inimigos veementes à direita, como o
republicano Cunha Leal ou o monárquico Paiva Couceiro), e
insistiram na identificação da “direita”, que tratavam como um
bloco homogénea, com o “fascismo”. Era uma posição
perigosa, como explicou António José Saraiva num artigo do
jornal República: se o regime tivesse de excluir os que não se
reviam nas esquerdas, nunca seria uma democracia, da mesma
maneira que o salazarismo, ao insistir na exclusão das
esquerdas, nunca pudera deixar de ser uma ditadura.

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Material de propaganda do CDS, 1975 " 13 fotos

No entanto, devido a essa pressão, ou para se distinguirem das


outras direitas em formação, nunca o PPD e o CDS se disseram
de “direita”. O PPD reivindicou a “social democracia”, o que
fazia sentido, pelo modo como a esquerda, incluindo o PS,
recusava e castigava o que então via como um compromisso
ignóbil com o capitalismo. Ao situar-se desta maneira, o PPD
deu espaço e razão de ser ao CDS, que se logo de anunciou
como único partido democrático não socialista. No entanto,
também o CDS evitou a “direita”, preferindo um “centrismo”

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mais inspirado então por Giscard d’Estaing do que pela


democracia cristã, até pela relutância da Igreja portuguesa em
identificar-se com qualquer força política. Esta recusa da
marca da “direita” pareceu mais ou menos plausível antes do
golpe de 28 de Setembro de 1974, enquanto existiram outros
partidos à direita do PPD e do CDS, como o Partido Liberal ou
o Partido do Progresso.

Esta direita que não queria ser a direita nunca teve uma relação clara
com Spínola.

Inicialmente, a direita democrática parecia destinada a


entender-se com o general Spínola e os outros generais
conservadores da Junta de Salvação Nacional (como Galvão de
Melo), enquanto o PCP e a extremas-esquerdas aliciavam os
majores e os capitães com que, depois, reinventaram o MFA.
No entanto, esta direita que não queria ser a direita nunca teve
uma relação clara com Spínola. Sá Carneiro foi o que se dispôs
a ir mais longe para ajudar o general: em Julho, porém, a
presidencialização precoce do regime falhou. Sá Carneiro saiu
do governo e perdeu influência entre a elite dirigente do PPD.

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Depois do 28 de Setembro de 1974, Spínola é obrigado a passar o poder a Costa


Gomes

Em Setembro, o PPD e o CDS não se dispuseram a alinhar


publicamente com Spínola na manifestação da “maioria
silenciosa”. Nem por isso deixaram de ser afectados pela
derrota do general. Com a demissão de Spínola da presidência
e dos generais conservadores da Junta de Salvação Nacional,
deixaram de contar com simpatias entre as autoridades
militares. Pior: a proibição dos outros partidos de direita,
como o Partido Liberal e o Partido do Progresso, fez do PPD e
do CDS, na prática, a “direita” do regime, e como tal passaram
a ser atacados pelas esquerdas. Em contrapartida,
transformaram-se também, sobretudo depois da suspensão do
Partido da Democracia Cristã em Março de 1975, na única
alternativa de voto, ao lado do pequeno Partido Popular
Monárquico, para quem não se reconhecia na esquerda.

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Problemas com a democracia

Para a esquerda, a direita não era nem podia ser democrática.


E de facto, as direitas tinham tido um problema com a
democracia. Os chamados “nacionalistas”, em geral, não
acreditavam no pluralismo partidário, em eleições ou em
debates parlamentares: tudo isso lhes parecia apenas meios de
dividir e enfraquecer uma nação que devia permanecer una do
Minho a Timor. Os conservadores e liberais que perfilhavam a
democracia de tipo ocidental acreditavam nela como fim, nas
duvidavam dela como meio: temiam que, num primeiro
momento, propiciasse um regresso à “ditadura da rua” da I
República (1910-1926) ou mesmo um salto para uma ditadura
comunista, como as que desde 1945 existiam na Europa de
Leste sob influência soviética. Por isso, com Marcello Caetano
antes de 1974, tinham admitido que uma ditadura reformista
talvez fosse a etapa de transição necessária para uma futura
democracia concebida à maneira ocidental.

Durante a ditadura salazarista, as esquerdas não se


tinham cansado de reivindicar eleições livres e pluralismo
partidário. Mas para uma grande parte delas, essa
reivindicação era apenas uma maneira de congregar
apoio para sair de uma ditadura que não conseguiam
derrubar pela força.

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Mas a esquerda, que assim julgava a direita, também tinha um


problema com a democracia, embora o inverso da direita:
enquanto à direita a democracia podia ser um fim, mas não era
um meio, à esquerda, a democracia era um meio, mas não um
fim. Durante a ditadura salazarista, as esquerdas não se
tinham cansado de reivindicar eleições livres e pluralismo
partidário. Mas para uma grande parte delas, essa
reivindicação era apenas uma maneira de congregar apoio para
sair de uma ditadura que não conseguiam derrubar pela força.

A democracia era assim, para comunistas e “marxistas-leninistas”,


apenas uma etapa de transição para uma nova ditadura, a deles.

O Partido Comunista (de orientação soviética) e as esquerdas


ditas “marxistas-leninistas” (geralmente pró-chinesas)
propunham transpor para Portugal os sistemas de partido
único e economia estatizada da União Soviética, de Cuba, ou da
China maoísta. Eram projectos fundamentalmente
incompatíveis com eleições livres, pluralismo partidário e livre
iniciativa dos cidadãos. A democracia era assim, para
comunistas e “marxistas-leninistas”, apenas uma etapa de
transição para uma nova ditadura, a deles. Foi o que todos
puderam constatar em 1975, quando as facções do MFA
próximas do PCP e da extrema-esquerda tomaram o poder.

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Sobreviver

No fim de 1974, o PPD continuava no Governo Provisório, e


Freitas do Amaral no Conselho de Estado. Mas já não
dispunham da protecção do presidente da república e estavam
de facto acossados. O CDS não conseguiu realizar o seu
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primeiro congresso no Porto em Janeiro de 1975. Depois do


golpe de 11 de Março, com a extinção do Conselho de Estado, o
CDS ficou sem posições no Estado, e temeu nem ser autorizado
a concorrer às eleições para a Assembleia Constituinte. O
Estado parecia reduzido a um aglomerado de quartéis onde
mandavam os militantes das esquerdas. O ambiente era, aliás,
universalmente mau. A primeira crise do petróleo, o Watergate
e a retirada americana do Vietname haviam coberto o Ocidente
com um nevoeiro crepuscular de decadência. As ideias
conservadoras e liberais pareciam fora de moda.

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Sessão de esclarecimento do PPD, 1975 " 2 fotos

Os partidos da direita democrática tiveram de se adaptar


rapidamente. A prioridade era sobreviver até às eleições.

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Começaram logo por se conformar com a redução da


descolonização a uma mera retirada militar negociada com os
partidos independentistas ligados à União Soviética e à China
comunista, o que deixou o “ultramar” entregue a ditaduras e
guerras civis. A seguir, tiveram de aceitar a ideia do objectivo
socialista da revolução, pelo expediente de reinterpretarem o
conceito de “socialismo” e fingirem acreditar na possibilidade
de uma “via original” para lá chegar. Foi assim que PPD e CDS
estiveram entre os seis partidos subscritores da Plataforma de
Acordo Constitucional com o Movimento das Forças Armadas
(Pacto MFA-Partidos), a 11 de Abril de 1975.

O PPD chegou a conhecer uma deriva esquerdista após Sá


Carneiro ter abandonado a liderança. Em Julho de 1975,
pareceu tentado a situar-se entre o PS e o PCP, e saiu do IV
Governo Provisório de Vasco Gonçalves depois do PS (durante
uma semana, houve uma espécie de governo PPD-PCP). A
prioridade era sobreviver à revolução. Tudo isto viria, nos anos
seguintes, a alimentar muitos equívocos sobre a natureza do
PPD e do CDS. Mas não foram apenas estes exercícios de
camaleão que os salvaram.

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Sede do CDS, fevereiro de 1975 " 4 fotos

Portugal já estava, em 1975, demasiado integrado na Europa


ocidental, militar e economicamente. Uma revolução em
Portugal só seria possível se fosse tolerada pelos seus aliados e
parceiros ocidentais. O PPD e o CDS tinham esta utilidade:
serviam para provar às embaixadas que o MFA ia conciliar o
socialismo com o pluralismo partidário. Haveria ainda outros
cálculos: o PCP e as facções do MFA que lhe eram próximas
receavam provavelmente que a eliminação do PPD e do CDS
reforçasse eleitoralmente o PS.

Finalmente, depois das eleições de 25 de Abril de 1975, PPD e


CDS demonstraram representar mais do que uns quantos
professores universitários e profissionais liberais tolerados

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pelo MFA: recolheram, em conjunto, 1,9 milhões de votos,


quase tantos como o PS (2,1 milhões) e o dobro do PCP
adicionado ao MDP (948 mil). A direita era, acima de tudo, um
efeito da pluralidade e diversidade do país, que historicamente
teve a sua primeira manifestação política com as eleições de
1975.

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Resistir

O PPD e o CDS eram partidos do norte e das ilhas (num tempo


em que só o PS era um partido propriamente nacional). O seu
país era o Portugal católico, da pequena propriedade, da
emigração, mas também de uma grande parte da indústria de
bens de consumo (havia, aliás, mais operários industriais no
norte do país do que no sul). As autoridades militares de
Lisboa haviam experimentado algumas operações de
propaganda no norte, mas depois pouparam-no às ocupações e
nacionalizações revolucionárias do sul. Foi esse país que, no
verão de 1975, se levantou em massa contra o poder militar
revolucionário de Lisboa.

As elites dirigentes da direita democrática haviam desenvolvido uma


cultura de contemporização e de compromisso. Preferiam encarar a
política de um ponto de vista “técnico”.

A norte, a partir de Julho de 1975, o povo da direita encheu


praças e ruas, cortou estradas, cercou quartéis, e atacou as
sedes do PCP e da extrema-esquerda. Foi uma espécie de
reedição da “Maria da Fonte”, como disse um dos seus
activistas. A imprensa nacionalizada de Lisboa esforçou-se por

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reduzir tudo a um simples caso de polícia, e a historiografia


oficial tentou desde então apagar a sua memória (porque só à
esquerda é que pode haver “povo”). A verdade é que metade do
país ficou mais ou menos “libertado” do poder revolucionário.

Em Outubro de 1975 o CDS já consegue realizar um grande comício no Porto

Os partidos da direita democrática não foram, porém, os


personagens principais do levantamento e da resistência. No
terreno, a mobilização popular foi frequentemente
protagonizada pelo clero, e as acções violentas por activistas do
Movimento Democrático de Libertação de Portugal (MDLP),
vagamente liderado por Spínola – do qual, aliás, o PPD e o
CDS se demarcaram, condenando-lhe os métodos. Como
interlocutores, os EUA e as potências da Europa ocidental
privilegiaram Mário Soares e a esquerda militar moderada (o
“Grupo dos Nove” do Conselho da Revolução). Fez algum
sentido: evitou uma divisão esquerda-direita, do tipo da guerra

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civil de Espanha, e isolou os comunistas e a extrema-esquerda.

No Outono de 1975, Sá Carneiro, regressado a Portugal, e o


general Galvão de Melo, então deputado pelo CDS, pareceram
tentados a navegar a revolta popular anti-comunista para fazer
reverter a revolução. Mas a elite do PSD resistiu a Sá Carneiro,
ao ponto de provocar uma primeira cisão no partido em
Dezembro de 1975, e a do CDS nunca esteve à vontade com o
populismo contra-revolucionário de Galvão de Melo. As elites
dirigentes da direita democrática haviam desenvolvido uma
cultura de contemporização e de compromisso. Preferiam
encarar a política de um ponto de vista “técnico”. Adaptaram-
se assim ao pacto de 25 de Novembro de 1975, com que o
PREC fechou a loja.

A grande preocupação as elites do PPD e do CDS não foi


dirigirem uma vaga social de fundo contra um Estado
onde o revolucionarismo socialista se misturara com o
corporativismo salazarista para limitar a liberdade de
iniciativa dos cidadãos. Acima de tudo, preocupava-os
não serem excluídos dos arranjos entre o PS, as Forças
Armadas e as embaixadas ocidentais.

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Uma história esquizofrénica

O PREC, no entanto, fez o país virar à direita de um modo

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decisivo. O sucesso do CDS em 1976 demonstrou isso: era o


único dos grandes partidos que não tinha feito parte dos
governos provisórios (1974-1976), o único que se declarou
“não-socialista”, e o único que votou contra a Constituição da
República em 2 de Abril de 1976. Recolheu assim, nas eleições
legislativas de 25 de Abril de 1976, uma grande parte da
indignação contra-revolucionária. Duplicou a sua votação,
enquanto todos os outros partidos perdiam eleitores, e passou
de quarto a terceiro partido mais votado. Tinha por si uma
população irritada, não apenas com a falta de garantias que
caracterizara a revolução, mas também com a “austeridade”
inaugurada por Vasco Gonçalves. Todas as semanas, a
imprensa de esquerda contabilizava com enorme angústia as
associações de estudantes que a partir de 1976, nos liceus e
faculdades, passavam para as mãos da Juventude Centrista ou
da Juventude Social Democrata.

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Alguns do primeiros cartazes do PPD " 5 fotos

Mas a grande preocupação as elites do PPD e do CDS não foi


dirigirem uma vaga social de fundo contra um Estado onde o
revolucionarismo socialista se misturara com o corporativismo
salazarista para limitar a liberdade de iniciativa dos cidadãos.
Acima de tudo, preocupava-os não serem excluídos dos
arranjos entre o PS, as Forças Armadas e as embaixadas
ocidentais. Em 1976, o risco já não era o de uma ditadura
comunista, mas o do domínio permanente do Estado pelo PS,
protegido pelo general Eanes e situado como “charneira” entre

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dois extremos equiparados: o PCP de um lado, e a “direita” do


outro.

O PSD e o CDS fizeram tudo para não ficarem acantonados


num extremo e serem aceites como parte do arco da
governação. Entraram na maioria que elegeu o presidente
Eanes, maquilharam-se para parecerem mais aceitáveis à
esquerda (o PPD tornou-se PSD, o CDS inventou um
“sindicalismo democrata-cristão”), propuseram repetidas
alianças ao PS, e apelaram ainda mais vezes ao general Eanes.

Politicamente o regime só parecia disposto a dar à direita um papel


secundário. O general Eanes era profundamente conservador, como
provou na reorganização das forças armadas, mas estava
comprometido com os sobreviventes do MFA no Conselho da
Revolução.

A direita viveu em esquizofrenia entre 1976 e 1979. Por um


lado, estava em maré alta, devido à rejeição generalizada da
revolução e ao descontentamento com a inflação e a
austeridade. Portugal mudara, com o fim da sociedade rural e a
terciarização da economia. A nova população urbana e
suburbana dispensava a miséria cubana e a repressão
soviética. Aspirava à vida de um país da Europa ocidental, com
a liberdade dos ingleses, a vida intelectual francesa, a
economia alemã, e a protecção social dos suecos. O PSD e o
CDS correspondiam a essas expectativas.

Politicamente, porém, o regime só parecia disposto a dar à


direita um papel secundário. O general Eanes era
profundamente conservador, como provou na reorganização
das forças armadas, mas estava comprometido com os

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sobreviventes do MFA no Conselho da Revolução. O PS insistia


na ideia de que o governo lhe deveria caber em exclusividade
para bem da democracia. A estratégia socialista era então
proceder a um ajustamento económico-financeiro, mas sem
pôr em causa os princípios constitucionais. O seu principal
instrumento foi a inflação, que permitiu diminuir os encargos
com salários e pensões pela calada, através da desvalorização
monetária.

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Os limites da direita democrática

A pressão, porém, era enorme. Em 1978, o PS teve de recorrer


à assistência financeira do FMI e, para viabilizar o programa
de ajustamento, à assistência política do CDS, que aproveitou a
boleia governamental para se “legitimar”. A direita partidária,
porém, não parecia destinada a governar. Quando o PS
finalmente caiu, o presidente da república acabou por confiar o
governo a um independente, Carlos Mota Pinto, um dissidente
do PSD. Em 1978, o governo de Mota Pinto definiu o que
seriam as bases dos futuros programas de modernização
liberalizante da democracia portuguesa — mas sem os partidos
da direita. Era um regime que, como o PCP dizia, seguia
“políticas de direita”, mas com a direita partidária na oposição.
Foi nesta época que o PSD se dividiu novamente, ao ponto de,
durante uns meses, parecer condenado.

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A Aliança Democrática junta o PPD/PSD de Sá Carneiro, o CDS de Freitas do Amaral e


Adelino Amaro da Costa e o PPM de Ribeiro Telles

Em 1979, Sá Carneiro impôs-se no PSD e levou-o a uma


coligação pré-eleitoral com o CDS e o Partido Popular
Monárquico, a Aliança Democrática. A AD não ganhou apenas
as eleições legislativas, mas também as autárquicas, incluindo
em Lisboa: em 1979, a capital do PREC, a cidade onde o CDS
teve a sua sede regularmente assaltada e destruída, passou a
ter uma vereação municipal de direita, sob a liderança de Nuno
Krus Abecassis.

O refluxo do PREC era evidente. Mas o acesso da direita


democrática ao governo ecoou também um movimento de
opinião na Europa ocidental e nos EUA, coincidente com a
segunda crise do petróleo. Os pontos de vista liberais e
conservadores voltavam a estar na moda. Em 1979, Margaret
Thatcher ganhou as eleições na Grã-Bretanha e em 1980,

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Ronald Reagan venceu nos EUA. Os intelectuais ocidentais


trocavam a leitura de Marx e de Lenine pela de Popper e
Hayek. Muitos ex-socialistas e ex-esquerdistas juntaram-se à
AD nesta época, a começar por antigos ministros do PS, como
José Medeiros Ferreira e António Barreto.

O problema da direita portuguesa era curiosamente igual


ao da esquerda em Espanha. Em Espanha, a esquerda
aceitou sair da ditadura franquista através de um pacto –
e embora governasse, sentiu sempre limites e
constrangimentos. Em Portugal, também houve um
pacto de transição, não para sair da ditadura salazarista,
mas do autoritarismo revolucionário de 1975, e a direita
também se sentiu sempre limitada e constrangida.

A política de escudo forte e combate à inflação de Cavaco Silva,


o ministro das finanças da AD, irritou os exportadores, mas
restabeleceu o poder de compra, em queda desde 1975. A
direita era popular e aumentou a sua maioria absoluta em
Outubro de 1980. As esquerdas refugiaram-se atrás de Eanes,
do Conselho da Revolução e da Constituição. A reeleição de
Eanes e a morte de Sá Carneiro começaram a esvaziar a AD no
fim de 1980.

A lógica do compromisso foi sempre mais forte do que qualquer


ímpeto de ruptura.

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Ficou então definido o problema da direita portuguesa. Era


curiosamente igual ao da esquerda em Espanha. Em Espanha,
a esquerda aceitou sair da ditadura franquista através de um
pacto – e embora governasse (o PSOE esteve no poder entre
1982 e 1996), sentiu sempre limites e constrangimentos. Em
Portugal, também houve um pacto de transição, não para sair
da ditadura salazarista, mas do autoritarismo revolucionário
de 1975, e a direita, embora integrada no arco da governação,
ao contrário do PCP e da extrema-esquerda, também se sentiu
sempre limitada e constrangida.

Em 38 anos de democracia, desde 1976, os partidos da direita


governaram 21 anos — sozinhos, coligados entre si, ou
coligados com o PS. É verdade, porém, que o que fizeram para
libertar a democracia da mão-morta do PREC, tiveram de o
fazer com o PS, como a desmilitarização do regime em 1982, a
integração europeia em 1986 ou os ajustamentos económico-
financeiros de 1978 e de 1983. A lógica do compromisso foi
sempre mais forte do que qualquer ímpeto de ruptura. No
entanto, tal como existe em 2015, a democracia portuguesa
corresponde muito mais ao que a direita democrática defendia
em 1974 do que ao que então propunham as esquerdas. Talvez
devessem sentir-se mais à vontade do que por vezes parecem
sentir-se.

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Todos tiveram de se adaptar à ideia de que a democracia era um meio e também um


fim

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O sucesso da direita como factor de socialização


democrática

Em 1974, todas as correntes políticas tinham de se


democratizar: tantos aquelas que vinham do Estado Novo,
como aquelas que vinham das oposições de esquerda. Todos
precisavam de se adaptar a um regime com eleições genuínas e
pluralismo partidário, de que não havia o hábito, num país
que, em 1975, se revelou irredutivelmente diverso e plural. A
democracia foi um problema para todos. À direita, tinha sido
concebida como um fim, mas não um meio; à esquerda, como
um meio, mas não um fim. Todos tiveram de se adaptar à ideia
de que a democracia era um meio e também um fim.

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Portugal é ainda hoje um dos poucos países europeus sem partidos


da família da Frente Nacional ou do UKIP. O populismo que existe,
como o de Marinho Pinto, prefere dar-se ares de esquerda.

Mas como agentes de socialização democrática, os partidos


democráticos da direita foram muito mais eficazes do que os
partidos democráticos da esquerda (isto é, o PS). Entre 1976 e
1979, o PSD e o CDS não deram espaço à reconstituição de
direita nacionalista, limitando nomeadamente o MIRN com
que o general Kaúlza de Arriaga tentou então voltar à política.
Portugal é ainda hoje um dos poucos países europeus sem
partidos da família da Frente Nacional ou do UKIP. O
populismo que existe, como o de Marinho Pinto, prefere dar-se
ares de esquerda. À direita, em Portugal, a democracia liberal
prevaleceu. O mesmo não aconteceu à esquerda, onde o PS
continua a suportar a concorrência de partidos cuja ideia de
democracia é alguma variante da ditadura soviética. A
esquerda continua a ter problemas com a democracia: e um
dos sinais desses problemas é precisamente a sua dificuldade
em aceitar a direita.

1 Os “liberais” e o Estado Novo


2 Uma direita democrática
3 Uma direita involuntária
4 Problemas com a democracia
5 Sobreviver
6 Resistir
7 Uma história esquizofrénica
8 Os limites da direita democrática
9 O sucesso da direita como factor de socialização democrática

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