TCC-Filipe Augusto Costa Flesch
TCC-Filipe Augusto Costa Flesch
TCC-Filipe Augusto Costa Flesch
Reequilíbrio econômico-
financeiro dos contratos de
concessões rodoviárias
brasileiras em razão da oscilação
do custo de capital
DIRETORA-GERAL
Ana Cristina Melo de Pontes Botelho
CHEFE DO DEPARTAMENTO
DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISAS
Clémens Soares dos Santos
CONSELHO ACADÊMICO
Maria Camila Ávila Dourado
Tiago Alves de Gouveia Lins e Dutra
Marcelo da Silva Sousa
Rafael Silveira e Silva
Pedro Paulo de Morais
COORDENADOR ACADÊMICO
Leonardo Lopes Garcia
COORDENADORES PEDAGÓGICOS
Ana Carolina Dytz Fagundes de Moraes
Flávio Sposto Pompêo
Georges Marcel de Azeredo Silva
Marta Eliane Silveira da Costa Bissacot
COORDENADORA EXECUTIVA
Maria das Graças da Silva Duarte de Abreu
Orientador(a):
Profa. Dra. Adriana Sbicca Fernandes
Banca examinadora:
Prof. Dr. Fernando Motta Correia
Brasília | 2023
Coletânea de Pós-Graduação [CONTROLE DA DESESTATIZAÇÃO E DA REGULAÇÃO] 5
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
CESSÃO DE DIREITOS
______________________________________________________
Nome
e-mail
FICHA CATALOGRÁFICA
CDU 02
CDD 020
Coletânea de Pós-Graduação [CONTROLE DA DESESTATIZAÇÃO E DA REGULAÇÃO] 6
Banca Examinadora:
_______________________________
Prof. Adriana Sbicca Fernandes, Dr.
Orientador
Universidade Federal do Paraná
________________________
Prof. Dr. Fernando Motta Correia.
Avaliador
Universidade Federal do Paraná
Coletânea de Pós-Graduação [CONTROLE DA DESESTATIZAÇÃO E DA REGULAÇÃO] 7
Resumo
Abstract
In the current models of Brazilian road concessions, the benefits deriving from the
reduction in the cost of capital are fully transmitted to the concessionaires. On the
other hand, in case of a significant worsening of the macroeconomic environment,
the losses resulting from a breach of the contract are socialized. This happens
because, in this situation, road users bear the damages arising from poor service
provision, delays in the execution, and the costs of a new concession that is
economically viable in this new scenario. This study aims to analyze if the use of a
static internal rate of return is efficient to guarantee contractual feasibility in the
situations of macroeconomic changes that characterize the Brazilian market and to
propose improvements in the economic-financial balancing model. To achieve this
objective, Brazilian highways from two different periods were used, to verify periods
of both macroeconomic improvement and deterioration. In these situations, it became
evident that the current controls on anticipated termination of the contract due to
default established by law are not sufficient to adequately solve the problems. As a
solution, a new model of contractual rebalancing is proposed as a system of bands
Coletânea de Pós-Graduação [CONTROLE DA DESESTATIZAÇÃO E DA REGULAÇÃO] 8
that provides for the possibility of changing the internal rate of return of concessions
in situations where the change in the cost of capital is so significant as to make the
contract impractical. Among the main advantages of the proposed model are
maintaining the initial terms of the proposal whenever possible, reducing the risk of
contractual default, improving the objectivity of the rules, as well as reducing the risk
of corruption and collusion.
Abstract: Dynamic IRR; cost of capital; Brazilian road concession; risk sharing;
rebidding; contractual inefficiency.
Coletânea de Pós-Graduação [CONTROLE DA DESESTATIZAÇÃO E DA REGULAÇÃO] 9
Sumário
1. Introdução ..................................................................................................... 10
2. Problema e justificativa................................................................................ 13
3. Objetivos ....................................................................................................... 14
3.1. Objetivo geral ................................................................................................. 14
3.2. Objetivos específicos ...................................................................................... 14
4. Metodologia .................................................................................................. 15
5. Desenvolvimento .......................................................................................... 16
5.1. A alocação de risco em concessões de serviço público ................................. 16
5.1.1. A incompletude dos contratos de concessão de serviços públicos..................................... 17
5.1.2. Alocação de riscos conforme a lei e doutrina ...................................................................... 18
5.1.3. As hipóteses de extinção de contratos previstos na Lei Federal nº 8.987/1995 ................. 21
5.1.4. Alocação de riscos em contratos de concessão rodoviária dos anos 90 ............................ 22
5.1.5. Discussão a respeito do risco de mudanças macroeconômicas nos contratos de concessão
rodoviária firmados nos anos 90 ........................................................................................................... 24
5.1.6. Alocação de riscos em contratos de concessão rodoviária em 2013 a 2015 ..................... 26
5.1.7. Concessões da terceira rodada (governo Dilma) ................................................................ 27
5.1.8. Concessão do Trecho Anápolis/GO (BR-060) até Aliança do Tocantins/TO (TO-070) ...... 28
5.1.9. Demais concessões da terceira rodada .............................................................................. 31
5.2. O instituto da relicitação ................................................................................. 32
5.2.1. Conceito e objetivo da relicitação ........................................................................................ 32
5.2.2. Análise crítica do instituto da relicitação .............................................................................. 36
5.2.3. Conclusões a respeito dos efeitos do inadimplemento contratual de concessões de
serviços públicos ................................................................................................................................... 45
5.3. Modelo de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato em razão da
oscilação do custo de capital..................................................................................... 46
5.3.1. Modelo de TIR estática e críticas pertinentes...................................................................... 46
5.3.2. A proposta de TIR flutuante de Müller et al. (2012) ............................................................. 49
5.3.3. Análise do sistema apresentado e proposição de mudanças ............................................. 50
5.3.4. A proposta de TIR flutuante de Barbosa (2019) .................................................................. 53
5.3.5. Uma proposta de sistema de compartilhamento de risco por meio de bandas .................. 55
5.3.6. Vantagens do modelo de compartilhamento de riscos do custo de capital ........................ 61
6. Considerações finais.................................................................................... 63
7. Referências ................................................................................................... 67
Coletânea de Pós-Graduação [CONTROLE DA DESESTATIZAÇÃO E DA REGULAÇÃO] 10
1. Introdução
muito mais caro pelo serviço do que pagaria caso a concessão tivesse sido realizada
em um momento macroeconômico mais favorável, em que as empresas
participantes da licitação estimam taxas de juros menores durante o período de
execução contratual.
Em que pese essas distorções no sistema de TIR fixa, trata-se de um
entendimento tão consolidado, que poucas vozes da literatura técnica brasileira
trataram com profundidade a respeito da possibilidade de a taxa interna de retorno
ser dinâmica, a exemplo de Müller (2012) e Barbosa (2019).
Tendo por base essas informações, este trabalho se propõe a avaliar se o
paradigma da TIR dinâmica não seria mais adequado, a fim de resolver as
distorções acima relatadas. Em outras palavras, objetiva-se avaliar se a variação
abrupta do custo do capital deve ser causa de reequilíbrio contratual, alterando-se a
taxa interna de retorno da concessão.
Para essa avaliação, foram selecionadas concessões rodoviárias realizadas
em duas épocas distintas. O primeiro grupo de concessões foi firmado nos anos 90.
Naquela época, o Brasil tinha taxas de juros bastante elevadas, mas o custo do
capital reduziu bruscamente nos anos seguintes. Nessa situação, as empresas
obtiveram lucros muito superiores àqueles estimados pelo mercado, vez que,
mesmo tendo havido melhora macroeconômica, a TIR do contrato permaneceu
constante. E os usuários não absorveram nenhum benefício dessa melhora
macroeconômica.
Já o segundo grupo é relativo a concessões dos anos de 2013 a 2015. Trata-
se de período em que as taxas de juros eram bastante baixas, mas aumentaram
significativamente nos anos posteriores. Neles, ocorreu alta incidência de
inadimplemento contratual, assim, foram iniciados diversos processos de extinção
antecipada dos contratos, seja por meio de caducidade ou relicitação. Nessa
situação, determinadas obras da concessão não são realizadas até que seja
realizada uma nova licitação, que terá por base a nova realidade macroeconômica.
Isso implicará em descontinuidade do serviço e em tarifas mais caras, tendo em
vista o aumento do custo de capital entre os períodos.
Em razão de que os benefícios da melhora macroeconômica são absorvidos
apenas pela concessionária, ao passo que o custo da piora é socializado com os
usuários, torna-se necessário avaliar a viabilidade de um sistema que reduza essas
Coletânea de Pós-Graduação [CONTROLE DA DESESTATIZAÇÃO E DA REGULAÇÃO] 12
1
Trata-se de instituto razoavelmente novo no ordenamento jurídico, vez que inicialmente previsto no
ano de 2016 por meio de medida provisória. Seu objetivo é o de extinguir amigavelmente contratos de
concessão rodoviária, ferroviária ou aeroportuária e, ao mesmo tempo, conceder novamente o
serviço a outro particular.
Coletânea de Pós-Graduação [CONTROLE DA DESESTATIZAÇÃO E DA REGULAÇÃO] 13
2. Problema e justificativa
3. Objetivos
4. Metodologia
2
A título de exemplo, houve aumento do prazo contratual de 25 (vinte e cinco) para 30 (trinta) anos, previsão
de gatilhos de ampliação de investimentos em caso de majoração de volume de tráfego e criação do fator D,
com objetivo de conceder percentual de desconto no pedágio em caso de inexecução ou atraso de obras.
Coletânea de Pós-Graduação [CONTROLE DA DESESTATIZAÇÃO E DA REGULAÇÃO] 16
5. Desenvolvimento
3
Esse dispositivo legal afirma que concessão de serviço público é a “a delegação de sua prestação,
feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade concorrência ou diálogo competitivo,
a pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por
sua conta e risco e por prazo determinado.”
Coletânea de Pós-Graduação [CONTROLE DA DESESTATIZAÇÃO E DA REGULAÇÃO] 17
contratual, mas também, por exemplo, o custo de controle adicionado a cada nova
regra estabelecida. Assim, deve ser evitada a regulação de casos em que há uma
ínfima probabilidade de ocorrência de determinado risco, ou situações em que o
risco tem pouca relevância prática.
Desse modo, em razão da inerente incompletude contratual das concessões,
sempre haverá situações imprevistas em que será necessário renegociar os termos
da avença.
No entanto, mesmo que o contrato de concessão seja incompleto por
natureza, é necessário que sejam previstas as responsabilidades de cada parte para
riscos que tenham probabilidade razoável de ocorrência. E essa alocação de riscos
deve ser racional, vez que uma distribuição desproporcional de riscos a uma das
partes pode inviabilizar a prestação contratual por parte da concessionária, ou
onerar demasiadamente os usuários. No tópico a seguir são apresentadas as teorias
atuais da literatura a respeito do tema.
sua conta e risco” tem sido interpretada pelo poder judiciário com cautela, de modo
que apenas os riscos transferidos contratualmente são de responsabilidade da
concessionária.
Conforme descrito por Tatiana Natal (2013), a doutrina tradicional criou uma
divisão geral e hipotética dos riscos assumidos em concessões de serviços públicos.
Tendo em vista que a concedente exerce a atividade por sua conta e risco, foi criada
a “Teoria da Áleas”, segundo a qual o prestador privado do serviço seria responsável
apenas pelos riscos ordinários do negócio, inerentes à atividade econômica. Já os
riscos extraordinários seriam aqueles de característica imprevisível, inevitável e não
imputáveis ao contratado. Ocorrendo um risco com esses atributos, o Poder
Concedente será obrigado a recompor o equilíbrio econômico e financeiro do
contrato.
Aragão (2013, p. 59 e 60), tem a mesma visão ao compilar as teorias da
doutrina tradicional, e descreve o seguinte:
Importante frisar que a TIR entre 17% e 24% foi mantida no que diz respeito à
remuneração das parcelas contratuais originariamente contratadas. A respeito do
tema, o voto do Exmo. Relator afirma o seguinte:
31. Assim, temos que, para o contexto vigente na época – marcado por alta
instabilidade econômica externa (sucessivas moratórias de países
emergentes, configurando altíssimo risco-país) e incipiente estabilidade
monetária interna (implantação do Plano Real mediante âncora cambial e,
posteriormente, taxas de juros básicas elevadas) – a fixação de TIR entre
17% e 24% para as concessões rodoviárias era admissível e razoável, uma
vez que retribuía adequadamente aos particulares pelos encargos
incidentes naquele momento.
tendo-se por base a taxa de juros vigente à época em que realizado o aditivo
contratual.
Nessa situação as empresas obtiveram um lucro superior àquele inicialmente
planejado. E o ônus disso foi suportado pelos consumidores, por meio de tarifas de
pedágio superiores àquelas que seriam cobradas caso a licitação fosse realizada em
um período de maior estabilidade econômica.
Nos anos de 2013 a 2015 ocorreu a terceira etapa de concessões que, por
sua vez, abrangeu um total de 8 (oito) contratos, quais sejam:
Ainda que tenha havido inexecução dos trabalhos iniciais, e que a empresa
sequer iniciou a cobrança do pedágio nas estradas, a caducidade foi decretada mais
de 30 meses após o início da concessão. Assim, enquanto o contrato foi assinado
em 31/10/2014, a caducidade foi decretada apenas por meio do Decreto S/N de 15
de agosto de 2017.
As peculiaridades do caso – com ênfase no inadimplemento antes mesmo do
início da cobrança de pedágios – foram fatores determinantes para que essa fosse a
4
Referido edital tinha por objetivo a concessão para exploração das rodovias BR-262/ES/MG e BR-50/GO/MG.
5
A responsabilidade integral desse risco por parte da concessionária é prejudicial à concessão. Trata-se de um
risco que não pode ser ocasionado, nem é gerenciável pela concessionária. Também, em caso de oscilações
muito bruscas do custo de capital, a empresa não terá condições de arcar com os prejuízos decorrentes. Assim,
aumenta-se o risco de inadimplemento contratual por fatos que não decorrem de culpa ou ineficiência da
concessionária. O tema será mais bem explorado no capítulo seguinte.
Coletânea de Pós-Graduação [CONTROLE DA DESESTATIZAÇÃO E DA REGULAÇÃO] 29
6
Em tradução livre: “problema do refém”.
Coletânea de Pós-Graduação [CONTROLE DA DESESTATIZAÇÃO E DA REGULAÇÃO] 30
(BITRAN, 2013, p. 8). O autor aponto os seguintes motivos para que as concessões
sofram do “problema do refém”:
Assim, ainda que ocorra algum evento que traga riscos de grande monta à
concessionária – que torne a manutenção do serviço nos termos contratados
economicamente inviável – dificilmente o administrador público optará pela
intervenção nos serviços. Isso porque, tal decisão acarreta potenciais riscos
políticos. Em primeiro lugar, provavelmente o serviço prestado diretamente pela
Administração Pública não será tão eficiente, o que acarretará problemas que serão
relatados pela mídia e sentidos pela população. Um segundo ponto de atenção é o
de que o gestor terá que admitir o fracasso da concessão, o que, por si só, gera
desgastes perante a população. Assim, ainda que hipoteticamente, assumir o
serviço fosse a opção mais vantajosa sob uma análise estritamente econômica, isso
dificilmente ocorreria na prática.
A dificuldade prática de decretar a caducidade de uma concessão é,
provavelmente, a causa para um efeito verificado por Modesto (2005, p.35):
7
Em tradução livre: “As renegociações de contratos de concessão podem acarretar altos custos sociais.
Primeiro, é custoso para o Estado porque o concessionário tem mais poder de influência durante a
renegociação do que durante o processo de licitação. Uma vez assinado o contrato, a administração pública
geralmente não pode arcar com os custos políticos de deixar a concessão fracassar, o que gera um risco de
tornar-se refém da concessionária. Segundo, porque renegociar contratos inibe a concorrência, vez que
projetos de concessão são mais vulneráveis à corrupção e conluio entre as partes. Assim, a perspectiva de
renegociação altera os incentivos do processo licitatório o que mina ambiente competitivo e possibilita a
seleção adversa. Se a probabilidade de renegociação for alta, as empresas terão incentivos para realizar lances
predatórios.”
Coletânea de Pós-Graduação [CONTROLE DA DESESTATIZAÇÃO E DA REGULAÇÃO] 31
e realizar nova licitação para a continuidade da concessão. O tema será mais bem
discutido no próximo capítulo.
Nos termos do art. 14, § 2º da Lei Federal n.º 13.448/2017, para dar início ao
processo de relicitação, o contratado deve apresentar, no mínimo, as seguintes
informações:
8
O processo de relicitação não é simples, e é composto por diversas outras fases descritas em lei.
No entanto, para os objetivos desse trabalho, essas são as fases de maior relevância que merecem
ser explicitadas.
9
Quanto a este item, importante que se mencione o disposto no art. 15, § 3º da Lei Federal n.º
13.448/2017: “O pagamento ao anterior contratado da indenização calculada com base no § 2º deste
artigo será condição para o início do novo contrato de parceria.”
Coletânea de Pós-Graduação [CONTROLE DA DESESTATIZAÇÃO E DA REGULAÇÃO] 35
10
Quanto a esse ponto, seria interessante que o próprio edital de licitação definisse quais seriam os
serviços mínimos a serem mantidos e os métodos de cálculo da tarifa de pedágio (que deveriam,
obviamente, desconsiderar o fluxo de caixa necessário aos novos investimentos considerados não
essenciais). A importância de que as regras sejam estabelecidas previamente, a fim de garantir a
concorrência e evitar a seleção adversa, já foi tratada no tópico 5.1.8 deste trabalho. Ainda que não
se tratasse especificamente do processo de relicitação, todas as críticas pertinentes à renegociação
dos termos contratuais permanecem válidas.
Coletânea de Pós-Graduação [CONTROLE DA DESESTATIZAÇÃO E DA REGULAÇÃO] 39
Assim, tendo-se por base decisão judicial, a ANTT ficava impedida de adotar
conduta diversa. Nos autos do processo, a agência reguladora afirmou
peremptoriamente que o valor cobrado a maior pela concessionária é indevido, nos
seguintes termos:
Esta Agência Reguladora não tem qualquer dúvida de que o valor cobrado a
maior pela concessionária desde 10/10/2018, em razão de decisão liminar
exarada pelo Juízo da 17ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito
Federal, nos autos da Ação Cautelar nº 1014300-37.2018.4.01.3400
(DOC.4) , que manteve a tarifa em R$ 5,30 (cinco reais e trinta centavos) ,
posteriormente mantida pelo Tribunal Arbitral nos autos do Processo Arbitral
23932/GSS/PFF, em curso perante a Corte Internacional de Arbitragem da
Câmara de Comércio Internacional - CCI, é indevida. Não por outra razão
permanece litigando acerca da matéria nos autos Processo Arbitral
23932/GSS/PFF.
O processo junto ao TCU ainda está em trâmite. Não há, portanto, solução
definitiva para a matéria.
O caso concreto indica que é impossível afastar-se por completo da
morosidade do judiciário. Em verdade, há probabilidade significativa de alguns
questionamentos relevantes serem definidos naquela esfera ou em outras esferas
de controle externo da Administração Pública.
A definição do valor justo a ser cobrado dos usuários durante o período em
que se resolve o processo de relicitação é tarefa complexa. No caso concreto, o
judiciário optou pela solução mais fácil – e na opinião da própria agência reguladora
injusta – de manter o valor inicialmente contratado.
O mero atraso da realização das obras e serviços previstos para determinada
concessão já seria bastante danoso aos usuários. No entanto, verifica-se que os
riscos reais ao consumidor são ainda maiores. No caso concreto, estão pagando
valores de pedágio que seriam devidos apenas em caso de adimplemento
contratual.
11
Tais quais gastos com diretoria, contabilidade da empresa, diretoria de recursos humanos, pagamento de
determinados tributos.
Coletânea de Pós-Graduação [CONTROLE DA DESESTATIZAÇÃO E DA REGULAÇÃO] 42
Quanto à análise dos preços contratuais propriamente dita, vale trazer aqui
a afirmação constante do Relatório de Auditoria (peça 38, p. 1, 12 e 18) de
que, para a análise de preços da planilha orçamentária do Contrato
01.2012.066, a equipe utilizou o Método da Limitação do Preço Global
(MLPG) , considerando uma amostra de serviços, valendo-se da Curva de
Pareto (Curva ABC) e procedendo as compensações dos preços excessivos
de alguns itens com os descontos verificados em outros, além da
Coletânea de Pós-Graduação [CONTROLE DA DESESTATIZAÇÃO E DA REGULAÇÃO] 43
Outro fator que dificulta uma estimativa real do valor a ser indenizado diz
respeito ao fato de que quem tem maiores informações do custo incorrido é a
empresa executora. Desse modo, a concessionária questionará sempre que o custo
estimado for inferior ao real. No entanto, nos casos em que o custo estimado for
superior ao real, a empresa a ser indenizada silenciará.
Tendo em vista a assimetria de informações quanto ao custo histórico
efetivamente incorrido, é bem provável que a empresa seja remunerada por custos
superiores aos que efetivamente incorreu.
Desse modo, a indenização por custos históricos gera incentivos econômicos
ao inadimplemento contratual e solicitação de relicitação sempre que o valor
presente líquido do empreendimento passe a ser negativo. Isso porque, nessa
hipótese, a empresa não necessariamente arcará com o prejuízo que incorreria caso
continuasse a prestar o serviço concedido. Pelo contrário: nessa hipótese a empresa
será indenizada pelos investimentos que realizou e, em razão das dificuldades
práticas de estimar o custo histórico, a indenização terá valores um pouco maiores
do que aquele efetivamente despendido pela concessionária. Ainda que esses
valores possam não ser suficientes para cobrir os danos de imagem da empresa,
bem como para remunerar adequadamente o capital despendido, são suficientes
para reduzir significativamente os danos decorrentes do inadimplemento contratual –
e possível falência – da empresa concessionária.
A relicitação gera, portanto, distorção econômica, vez que os gestores da
empresa são incentivados a aceitarem altos riscos de inadimplemento para obter a
concessão. Isso não ocorreria caso a penalidade de caducidade fosse aquela
aplicável em caso de inadimplemento, vez que o custo dessa medida seria muito
mais elevado à concessionária.
Coletânea de Pós-Graduação [CONTROLE DA DESESTATIZAÇÃO E DA REGULAÇÃO] 45
Ou seja, para a administração, o ideal seria que cada licitante declarasse uma
proposta de valor justo, com alta probabilidade de adimplemento. No entanto, há
incentivos no caso concreto para que a empresa elabore proposta agressiva, com
alta probabilidade de inexequibilidade. Nessa situação, o agente está apostando em
uma melhora do cenário macroeconômico, ou em aumento inesperado por demanda
pelo serviço. Caso perca a aposta, e o serviço passe a ser de fato inexequível, os
prejuízos do particular não serão tão expressivos.
O processo de relicitação foi criado com intuito de conceder mais uma opção
à administração pública nos casos de inadimplemento contratual da concessionária.
O objetivo era ser uma alternativa ágil à resolução do problema, que
salvaguardasse o interesse público e dos usuários da concessão. Conforme
verificado neste capítulo, não há garantia de obtenção de nenhum desses
benefícios, de modo que a utilização desse recurso deve ser evitada ou, no mínimo,
reestruturada, de modo que passe a cumprir os objetivos a que se propõe.
A relicitação não é, portanto, um instrumento eficiente para o fim a que se
propõe. E, ainda, gera incentivos econômicos contrários ao interesse da própria
administração e dos usuários do serviço.
Como demonstrado no capítulo anterior a caducidade também não é um
instrumento adequado, dadas as dificuldades práticas de aplicação. Desse modo, é
necessário que se evite ao máximo estruturar contratos administrativos de modo a
atribuir ao concessionário riscos que já se sabe de antemão que não será capaz de
suportar caso ocorram. Esse é, por exemplo, o caso de riscos de abrupta variação
Coletânea de Pós-Graduação [CONTROLE DA DESESTATIZAÇÃO E DA REGULAÇÃO] 46
12
Não serão realizadas análises ou críticas quanto ao modelo matemático de revisão proposto, vez que isso
não faz parte do escopo deste trabalho.
Coletânea de Pós-Graduação [CONTROLE DA DESESTATIZAÇÃO E DA REGULAÇÃO] 51
16
14
12
Taxa Selic (%)
10
0
ago/12 ago/13 ago/14 ago/15 ago/16 ago/17 ago/18 ago/19 ago/20
Data
Elaboração própria com base nos dados do Banco Central disponíveis em:
https://www.bcb.gov.br/controleinflacao/historicotaxasjuros.
30
25
20
Taxa Selic (%)
15
10
0
mai/99
mai/00
mai/01
mai/02
mai/03
mai/04
mai/05
mai/06
mai/07
mai/08
mai/09
mai/10
mai/11
mai/12
mai/13
mai/14
mai/15
mai/16
mai/17
mai/18
mai/19
mai/20
mai/21
mai/22
Data
Elaboração própria com base nos dados do Banco Central disponíveis em:
https://www.bcb.gov.br/controleinflacao/historicotaxasjuros.
Coletânea de Pós-Graduação [CONTROLE DA DESESTATIZAÇÃO E DA REGULAÇÃO] 53
Barbosa (2019), defende ser possível a adoção de uma TIR flexível em casos
de elevada incerteza macroeconômica devido à alta volatilidade da economia. Isso
porque um ambiente com muita volatilidade exige uma taxa elevada de retorno pelo
interessado e, por consequência, um custo maior ao consumidor. As soluções
práticas de TIR dinâmica apresentadas pelo autor são as seguintes:
13
Em que pese tal posicionamento, o autor já se mostrou contrário à modificação da TIR contrata. Assim,
posicionou-se de forma contrária à adoção do modelo para reequilíbrio do contrato em razão de oscilação do
custo do capital.
Coletânea de Pós-Graduação [CONTROLE DA DESESTATIZAÇÃO E DA REGULAÇÃO] 56
Elaboração própria
14
Reitera-se a necessidade de desenho prévio do modelo no edital de licitação.
Coletânea de Pós-Graduação [CONTROLE DA DESESTATIZAÇÃO E DA REGULAÇÃO] 57
15
O valor a ser absorvido poderá ser, por exemplo, uma mudança de percentual nem determinado índice
econômico que reflita o custo de capital. Os critérios e limites das bandas devem ser objetivamente previstos
no edital da licitação.
Coletânea de Pós-Graduação [CONTROLE DA DESESTATIZAÇÃO E DA REGULAÇÃO] 58
16
A Resolução n.º 6003/2022 da Agência Nacional de Transportes trata a respeito da regulamentação da
metodologia de estimativa do custo médio ponderado de capital regulatório. O objetivo da norma é estimar
esse custo nas fases de projeto de concessão, bem como quando for necessário calcular os fluxos de dispêndios
marginais que sejam objeto de equilíbrio econômico-financeiro. Segundo a norma, o custo médio ponderado
de capital regulatório é calculado pela soma do benchmark vigente somado a um spread que deve ser
calculado por meio de metodologia descrita na norma.
O benchmark vigente utilizado pela norma é a “parcela prefixada vigente na Taxa de Longo Prazo, expressa em
percentual ao ano, divulgada mensalmente pelo BNDES”.
Diante da existência de norma prevendo a metodologia de cálculo do custo de capital para fins de concessão, é
razoável que os critérios estipulados para estimar a oscilação do custo do capital durante a vigência contratual
partam de critérios semelhantes àqueles descritos na norma, mas considerando também o percentual de
desconto ofertado concessionária em relação ao valor máximo constante do edital
de licitação.
17
Apesar de não estar explícito na nota técnica, a extensão do prazo contratual para investimentos realizados
na primeira metade do contrato costuma ser inadequada. Isso porque são necessários muitos anos de aumento
do prazo contratual para pagar os investimentos que ocorreram há décadas.
18
Valor esse superior àquele que concessionária tem capacidade de absorver.
Coletânea de Pós-Graduação [CONTROLE DA DESESTATIZAÇÃO E DA REGULAÇÃO] 59
19
Valor este que já foi devidamente calculado na oportunidade do primeiro termo aditivo contratual.
Coletânea de Pós-Graduação [CONTROLE DA DESESTATIZAÇÃO E DA REGULAÇÃO] 60
20
Ou, melhor dizendo, em situações que deveriam ser excepcionais, mas que têm ocorrido com frequência.
21
Não extingue a sorte por completo, na medida em que o melhor cenário possível para a concessionária seria
o de o custo de capital estar na faixa inferior da banda, sem nunca o ultrapassar.
Coletânea de Pós-Graduação [CONTROLE DA DESESTATIZAÇÃO E DA REGULAÇÃO] 62
6. Considerações finais
Nobrega (2010) afirma que os riscos contratuais devem ser atribuídos à parte
que tem maior condição de tomar medidas que antecipem, influenciem ou
respondam ao risco, de modo a reduzir os prejuízos decorrentes da ocorrência da
contingência. Também, deverá ser analisada a capacidade de cada parte em
absorver os danos decorrentes da ocorrência da situação de risco22.
Como as oscilações abruptas do custo de capital não são riscos provocados
ou que possam ser adequadamente antecipados pela concessionária, se
enquadrariam perfeitamente em um risco compartilhado ou atribuível ao poder
concedente. Caso esse entendimento fosse adotado, em situações de variação do
custo de capital, a taxa interna de retorno da concessão seria alterada (ao menos
nominalmente).
Ainda que a alocação desse risco possa ser compartilhada segundo essa
teoria geral de alocação de riscos contratuais, a doutrina costuma entender o tema
de maneira diversa.
Isso porque, para a doutrina tradicional, a taxa interna de retorno prevista no
contrato é o paradigma a ser utilizado para aferição do reequilíbrio econômico-
financeiro dos contratos. Assim, como a TIR é o próprio referencial para aferir o
equilíbrio econômico-financeiro da concessão, não faria sentido modificá-la durante
a execução contratual.
Ainda que essa relação entre reequilíbrio contratual e TIR fixa não esteja
explícita na Constituição Federal ou em lei ordinária, trata-se de um entendimento
enraizado na doutrina.
Tal entendimento foi bastante conveniente às concessionárias que tiveram
seus contatos firmados nos anos 90, vez que a manutenção da TIR inicialmente
avençada naquelas situações acarretou lucros muito maiores do que os esperados
pelo mercado às concessionárias23.
22
A capacidade do poder concedente de absorver o dano sempre será maior, vez que é capaz de
distribuir o risco entre todos os usuários da concessão.
23
A respeito do assunto, vale relembrar os ensinamentos de Vasconcelos (2004), ao afirmar que as
concessionárias têm baixo custo de mobilização e organização. Mas uma decisão favorável do poder
concedente costuma ser muito rentável para elas. Já o custo de mobilização e organização da
sociedade é muito alto e o benefício individual de cada cidadão é muito pequeno. Isso faz com que
Coletânea de Pós-Graduação [CONTROLE DA DESESTATIZAÇÃO E DA REGULAÇÃO] 64
muitos da literatura, dos foros de debate e até as leis garantam o direito ao equilíbrio econômico-
financeiro do concessionário em maior grau do que os direitos do usuário.
Coletânea de Pós-Graduação [CONTROLE DA DESESTATIZAÇÃO E DA REGULAÇÃO] 65
Nesse modelo, o custo do capital sempre será inferior à TIR projetada para
concessão, de modo que a exequibilidade contratual não será comprometida. Ao
mesmo tempo, o spread entre essas taxas não será elevado o suficiente de maneira
a onerar demasiadamente os usuários da concessão. Isso garante a estabilidade
financeira do contrato e, portanto, o interesse de todas as partes envolvidas na
concessão.
Coletânea de Pós-Graduação [CONTROLE DA DESESTATIZAÇÃO E DA REGULAÇÃO] 67
7. Referências
ANTT. ANTT e Via 040 assinam 1º Termo Aditivo para seguir com processo de
relicitação. Gov.br Ministério da Infraestrutura. 23 nov. 2020. Disponível em:
https://www.gov.br/antt/pt-br/assuntos/ultimas-noticias/antt-e-via-040-assinam-1o-
termo-aditivo-para-seguir-com-processo-de-relicitacao. Acesso em: 05 fev. 2023.
https://portal.antt.gov.br/documents/498202/0/Voto+DEB+043.pdf/b41464e7-006b-
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______. Medida Provisória n.º 752/2016. Dispõe sobre diretrizes gerais para a
prorrogação e a relicitação dos contratos de parceria que especifica e dá outras
providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2016/mpv/mpv752.htm#:~:text=MEDIDA%20PROVIS%C3%93RIA%20N%C2
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