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Textos selecionados de
Pelotas, 2022
REITORIA
Reitora: Isabela Fernandes Andrade
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COMISSÃO TÉCNICA
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ORGANIZADOR DO VOLUME
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TRADUTORES E REVISORES
Mayara Roberta Pablos (UFSC)
Ramiro de Ávila Peres (DESUC)
Sagid Salles (UFRJ)
O Grupo de Pesquisa Investigação Filosófica (DPG/CNPq) foi constituído por pesquisadores que se
interessam pela investigação filosófica nas mais diversas áreas de interesse filosófico. O grupo foi
fundado em 2010, como grupo independente, e se oficializou como grupo de pesquisa da
Universidade Federal do Amapá em 2019.
NEPFil online
Rua Alberto Rosa, 154 – CEP 96010-770 – Pelotas/RS
Os direitos autorais estão de acordo com a Política Editorial do NEPFil online. As revisões
ortográficas e gramaticais foram realizadas pelos tradutores e revisores. A autorização para a
tradução dos verbetes da Stanford Encyclopedia of Philosophy neste volume foi obtida pelo Grupo de
Pesquisa Investigação Filosófica.
wp.ufpel.edu.br/nepfil
SUMÁRIO
7. Akrasía 74
8. Prazer 78
9. Amizade 82
10. Três vidas comparadas 88
Leituras Adicionais 91
A. Visão geral de autoria única 91
B. Antologias 91
C. Estudos de Tópicos particulares 91
C1. A Ordem Cronológica dos Tratados de Ética de Aristóteles 91
C.2. A Metodologia e Metafísica da Teoria Ética 92
C.3. O Bem Humano e a Função Humana 92
C.4. A Natureza da Virtude e a Descrição das Virtudes Particulares 92
C.5. Raciocínio Prático, Psicologia Moral e Ação 93
C.6. Prazer 93
C.7. Amizade93
C.8. Feminismo e Aristóteles 93
C.9. Aristóteles e a Ética Contemporânea 94
D. Bibliografia 94
Referência Bibliográfica 94
Literatura Primária 94
Ética a Nicômaco 94
Ética a Eudemo 95
Literatura Secundária 95
UFPel, na figura do Prof. Dr. Juliano do Carmo, que apoiou nosso projeto desde o
início. Agradecemos, ainda, a todos os organizadores, tradutores e revisores, que
participam de nosso projeto. Sem a dedicação voluntária desses colaboradores,
nosso trabalho não teria sido possível. Esperamos, com o início desta Série, abrir
as portas para o crescimento desse projeto de tradução e trabalharmos em conjunto
pelo crescimento da Filosofia em Língua Portuguesa.
seu principal trabalho acerca da ética, Aristóteles desenvolve uma visão acerca do
bem humano, dada sua função, e, em última instância, quais os traços de caráter
que deveríamos cultivar, quais as condições para cultiválo e em quais contextos
seria possível fazêlo, com a finalidade de viver uma vida próspera e bem vivida.
O artigo apresenta, de forma clara e precisa, os principais pontos da posição
aristotélica. Ele começa por explorar no que consiste o bem humano e nossa função
(érgon). Além disso, o verbete explora o método aristotélico, as virtudes tradicionais,
a doutrina do meiotermo (ou mediania) e o papel da sabedoria prática, além de
explorar outros pontos relevantes da teoria aristotélica como, por exemplo, as
virtudes intelectuais e o problema da akrasía, o papel das amizades numa vida boa,
etc. Essa é uma ótima introdução à ética das virtudes de Aristóteles e penso que o
leitor, pouco ou nada informado, poderá angariar um conhecimento valioso para
sua tentativa de aprender um pouco mais acerca do posicionamento aristotélico.
O terceiro verbete, intitulado Caráter Moral, faz uma abordagem histórica
dos mais importantes enfoques sobre o caráter moral e bom. É abordada, primeiramente,
a relevância do problema acerca do caráter moral e sua conexão com as virtudes e
a felicidade, além das discordâncias que haviam sobre o tema entre os filósofos da
Antiguidade e as visões de Aristóteles e dos Estoicos. Em um segundo momento, e
a meu ver um dos trechos mais interessantes do texto, apresentamse as visões dos
modernos (dos primeiros contratualistas, Kant, Hume) acerca do caráter moral e de
sua relevância. Depois, adentrando o século XIX e indo até a contemporaneidade,
têmse as visões de Marx, Mill, Green e Rawls, este último tendo sido o principal
filósofo político do século passado. Por fim, é abordada a posição situacionista dos
estudos empíricos contemporâneos sobre o caráter moral dos indivíduos. Tratase de
um verbete valioso para aqueles leitores que se interessam por uma visão mais geral
dos desenvolvimentos referentes ao caráter moral que perpassam a história da filosofia.
O quarto verbete que compõe este volume, intitulado Abordagens Empíricas
para o Caráter Moral, aprofunda as discussões iniciadas no fim do verbete anterior.
O trabalho aborda quatro enfoques das pesquisas psicológicas acerca do caráter
moral, quais sejam, situacionismo, o modelo CAPS, o modelo Big Five e o VIA.
Porém, tais discussões são postas sobre a ótica filosófica, ou seja, como a filosofia
pode tentar entender melhor o caráter moral através de abordagens empíricas.
Afinal, como podemos entender melhor, do ponto de vista filosófico, nossos traços
de caráter e seu papel em nosso comportamento? Ao que parece, seria proveitoso
para o entendimento dessa questão darmos uma olhada nos desenvolvimentos
feitos por nossos colegas psicólogos no tema e os impactos que eles têm sobre as
19
nossas concepções puramente filosóficas acerca do caráter moral. Será que aquilo
que teorizamos de nossas escrivaninhas reflete aquilo que ocorre no mundo? Ou,
ainda, será que o que ocorre no mundo é relevante para nossos estudos filosóficos
sobre a natureza do caráter moral? Esse verbete pode ser interessante para os leitores
que se preocupam com a intersecção entre as abordagens puramente filosóficas do
caráter moral e as abordagens empíricas e o que pode resultar dela, ou seja, se tal
intersecção pode nos revelar algo mais para nosso entendimento do caráter moral.
Por fim, mas não menos importante, o quinto verbete que compõe este
volume intitulado, Epistemologia das Virtudes, aborda os principais desenvolvimentos
da epistemologia contemporânea das virtudes. Para muitos leitores, pode parecer
estranho discutir o papel das virtudes na área da epistemologia, já que, tradicionalmente,
tais discussões ficaram restritas à ética. Porém, discussões sobre o papel das
virtudes em epistemologia já podiam ser encontradas, embora não de um modo
tão elaborado, nas obras de Platão e Aristóteles (na Antiguidade), Tomás de Aquino
(no Medievo), Descartes, Hume, Reid (na Modernidade), Kierkegaard, Nietzsche,
Russell, Pierce, Sealler dentro outros (na Contemporaneidade). Apesar de ser um
tema tão antigo quanto a própria ética das virtudes, a epistemologia das virtudes
tem seu desenvolvimento mais substancial nas últimas décadas. Epistemólogos e
epistemólogas das virtudes contemporâneos e contemporâneas veem a epistemologia
como uma disciplina normativa, ao invés de descritiva, e consideram que os agentes
e a comunidade epistêmicos devem ser o foco principal de avaliação dos valores
epistêmicos e, portanto, concentramse em avaliar as virtudes e vícios intelectuais
dos agentes e das comunidades por meio da normatização epistêmica. O verbete
se concentra nos desenvolvimentos recentes de diferentes propostas em epistemologia
das virtudes, um campo rico no qual muito ainda está por se fazer. O leitor interessado
poderá ter acesso a uma visão geral do estado da arte atual em epistemologia das
virtudes e, como tais abordagens lidam com problemas epistêmicos antigos e novos,
também pode considerar novos horizontes para pesquisas acerca das virtudes, do
conhecimento, dos agentes e das comunidades epistêmicos, do valor epistêmico,
dentre outros tópicos.
Este volume não teria sido possível sem o apoio da Stanford Encyclopedia
of Philosophy e de seu editor, Edward N. Zalta, que, gentilmente, autorizanos a
realizar as traduções aqui presentes. Estou em profunda dívida com os tradutores
e as tradutoras que se esforçaram para tornar este volume uma realidade, portanto,
deixo aqui meus agradecimentos à Profa. Dra. Mayara Roberta Pablos, ao Prof.
Dr. Sagid Salles e ao Dr. Ramiro de Ávila Peres. Muito obrigado pelo esforço de
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The following is the translation of the entry on Virtue Ethics by Rosalind Hursthouse and
Glen Pettigrove in the Stanford Encyclopedia of Philosophy. The translation follows the
version of the entry in the SEP’s archives at <https://plato.stanford.edu/archives/win2018/
entries/ethicsvirtue/>. We’d like to thank the Editors of the Stanford Encyclopedia of
Philosophy, mainly Prof. Dr. Edward Zalta, for granting permission to translate and to
publish this entry.
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1. Preliminares
1.1. Virtude
honesta. Uma pessoa honesta não pode ser identificada simplesmente como alguém
que, por exemplo, diz a verdade porque é a verdade, pois podese ter a virtude da
honestidade sem ser indelicado ou indiscreto. A pessoa honesta reconhece "Isso seria
uma mentira" como uma razão forte (embora, talvez, não predominante) para não
fazer certas afirmações em certas circunstâncias, e dá o devido, mas não predominante,
peso a "Isso seria a verdade" como uma razão por fazêlos.
As razões e escolhas de uma pessoa honesta com respeito a ações
honestas e desonestas refletem seus pontos de vista sobre honestidade, verdade
e embuste – mas é claro que tais pontos de vista se manifestam com respeito a
outras ações e também a reações emocionais. Ao valorizar a honestidade, ela opta,
sempre que possível, por trabalhar com pessoas honestas, por ter amigos honestos,
por criar seus filhos para serem honestos. Ela desaprova, não gosta, deplora a
desonestidade, não se diverte com certas histórias de trapaça. Ela despreza ou se
compadece daqueles que conseguem algo por meio do embuste, em vez de pensar
que foram espertos. Ela não se surpreende, ou fica satisfeita, quando a honestidade
triunfa, fica chocada ou angustiada quando aqueles próximos e queridos a ela fazem
coisas desonestas, e assim por diante. Dado que a virtude é uma disposição
multifacetada, seria obviamente temerário atribuíla a um agente com base em uma
única ação observada ou até mesmo uma série de ações semelhantes, especialmente
se você não sabe as razões do agente para fazer o que fez (SREENIVASAN, 2002).
Possuir uma virtude é uma questão de grau. Possuir tal disposição
plenamente é possuir virtude plena ou perfeita, o que é raro, e há várias maneiras
de não atingir esse ideal (ATHANASSOULIS, 2000). A maioria das pessoas que
podem realmente ser descritas como razoavelmente virtuosas e, com certeza,
notadamente melhores do que aquelas que podem ser verdadeiramente descritas
como desonestas, egocêntricas e gananciosas, ainda têm seus pontos cegos –
pequenas áreas onde não agem pelas razões que seria de esperar. Portanto, alguém
honesto ou gentil na maioria das situações, e especialmente nas situações exigentes,
pode, no entanto, ser trivialmente contaminado pelo esnobismo, inclinado a ser
dissimulado com seus ancestrais e pouco gentil com estranhos com o sotaque errado.
Além disso, não é fácil harmonizar as emoções com o reconhecimento
racional de certas razões para a ação. Posso ser honesto o bastante para reconhecer
que devo confessar um erro porque seria desonesto não o fazer, sem que minha
aceitação seja tão sincera a ponto de eu poder confessar facilmente e sem qualquer
conflito interno. Seguindo (e adaptando) Aristóteles, os eticistas da virtude traçam
uma distinção entre virtude plena ou perfeita e “continência”, ou força de vontade.
25
Os totalmente virtuosos fazem o que devem sem lutar contra desejos contrários; o
continente tem que controlar um desejo ou tentação de agir de outro modo.
Descrever o continente como "aquém" da virtude perfeita parece ir contra
a intuição de que há algo particularmente admirável sobre as pessoas que conseguem
agir bem quando é especialmente difícil para elas fazêlo, mas a plausibilidade disso
depende exatamente do que “Torna isso difícil” (FOOT, 1978, p. 1114). Se forem
as circunstâncias em que o agente atua – digamos que ela é muito pobre quando
vê alguém derrubar uma bolsa cheia ou que fica profundamente triste quando
alguém visita em busca de ajuda – então, de fato, é particularmente admirável da
parte dela devolver a bolsa ou ajudar quando for difícil. Mas se o que torna isso
difícil é uma imperfeição em seu caráter – a tentação de guardar o que não é dela
ou uma indiferença insensível ao sofrimento dos outros – então não é admirável?
Outra maneira pela qual alguém pode facilmente ficar aquém da virtude
plena é pela falta de phrónēsis, ou seja, sabedoria moral ou prática.
O conceito de virtude referese a algo que torna seu possuidor bom: uma
pessoa virtuosa é uma pessoa moralmente boa, excelente ou admirável que age e
sente como deve. Esses são truísmos comumente aceitos. Mas é igualmente comum,
em relação a exemplos particulares de (supostas) virtudes, abandonar esses
truísmos. Podemos dizer de alguém que ele é generoso ou honesto “até demais”.
É comumente afirmado que a compaixão de alguém pode leválo a agir de forma
errada, a contar uma mentira que não deveria ter contado, por exemplo, no desejo
de evitar ferir os sentimentos de outra pessoa. Também é dito que a coragem, em
alguém desesperado, permite que ele faça coisas muito mais perversas do que ele
seria capaz de fazer caso fosse tímido. Assim, parece que generosidade, honestidade,
compaixão e coragem, apesar de serem virtudes, às vezes são falhas. Alguém que
é generoso, honesto, compassivo e corajoso pode não ser uma pessoa moralmente
boa – ou, se ainda for considerado um truísmo que o seja, então as pessoas
moralmente boas podem ser levadas pelo que as torna moralmente boas a agir de
forma errada! Como chegamos a uma conclusão tão estranha?
A resposta repousa em uma aceitação muito rápida do uso comum, o que
permite uma aplicação bastante ampla de muitos dos termos de virtude, combinados,
talvez, com uma prontidão moderna para supor que o agente virtuoso é motivado
26
por emoção ou inclinação, não por escolha racional. Se alguém pensa em generosidade
ou honestidade como a disposição para ser movido à ação por impulsos generosos
ou honestos, como o desejo de dar ou de falar a verdade, se alguém pensa em
compaixão como a disposição para ser movido pelo sofrimento dos outros e de agir
com base nessa emoção, se pensarmos na coragem como mero destemor ou
disposição para enfrentar o perigo, então realmente parecerá óbvio que todas essas
disposições podem levar o seu possuidor a agir de maneira errada. Mas também é
óbvio, logo que é afirmado, que essas são disposições que podem ser possuídas por
crianças, e embora as crianças assim dotadas (exceto a disposição “corajosa”)
indubitavelmente seriam crianças muito boazinhas, não diríamos que elas são pessoas
moralmente virtuosas ou admiráveis. O uso comum, ou a confiança na motivação por
inclinação, nos dá o que Aristóteles chama de “virtude natural” – uma protoversão da
virtude plena na expectativa da perfeição pela phrónēsis ou sabedoria prática.
Aristóteles faz uma série de observações específicas sobre a phrónēsis
que são o assunto de muito debate acadêmico, mas o conceito moderno (relacionado)
é melhor compreendido pensando no que o adulto maduro moralmente virtuoso tem
que crianças gentis, incluindo adolescentes gentis, não têm. Tanto o adulto virtuoso
quanto a criança boazinha têm boas intenções, mas a criança é muito mais propensa
a bagunçar as coisas porque não sabe o que precisa saber para fazer o que pretende.
É claro que um adulto virtuoso não é infalível e também pode, ocasionalmente, deixar
de fazer o que pretendia fazer por falta de conhecimento, mas apenas nas ocasiões
em que a falta de conhecimento não é culpável. Então, por exemplo, crianças e
adolescentes muitas vezes prejudicam aqueles que pretendem beneficiar, seja porque
não sabem como garantir o benefício ou porque sua compreensão do que é benéfico
e prejudicial é limitada e muitas vezes equivocada. Essa ignorância em crianças
pequenas raramente, ou nunca, é culpável. Os adultos, por outro lado, são culpados
se bagunçam as coisas por serem irrefletidos, insensíveis, imprudentes, impulsivos,
míopes e por presumirem que o que lhes convém será adequado a todos, em vez de
adotar um ponto de vista mais objetivo. Eles também são culpados se sua compreensão
do que é benéfico e prejudicial estiver equivocada. Faz parte da sabedoria prática
saber como garantir benefícios reais com eficácia; aqueles que têm sabedoria prática
não cometerão o erro de esconder a verdade dolorosa da pessoa que realmente
precisa conhecêla por acreditar que a está beneficiando.
De forma bastante geral, dado que boas intenções são intenções de agir
bem ou "fazer a coisa certa", podemos dizer que sabedoria prática é o conhecimento
ou compreensão que capacita ao seu possuidor, ao contrário dos adolescentes
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começa onde a maioria dos estudantes de ética se encontram, ou seja, com a ideia
de que generosidade, coragem, autodisciplina, compaixão, e coisas do gênero recebem
um sinal de aprovação. Em seguida, examina o que essas características envolvem.
Uma consideração completa da virtude mapeará 1) seu campo, 2) seu
modo de resposta, 3) sua base de reconhecimento moral e 4) seu alvo. Diferentes
virtudes dizem respeito a diferentes campos. A coragem, por exemplo, diz respeito
ao que pode nos prejudicar, enquanto a generosidade diz respeito à partilha de
tempo, talento e propriedade. A base de reconhecimento de uma virtude é a
característica dentro do campo da virtude à qual ela responde. Para continuar com
nossos exemplos anteriores, a generosidade está atenta aos benefícios que outros
podem desfrutar por meio de sua agência, e a coragem responde a ameaças ao
valor, status ou vínculos que existem entre nós e outros particulares, e ao medo
que tais ameaças possam gerar. O modo de uma virtude tem a ver com como ela
responde às bases de reconhecimento dentro de seu campo. A generosidade
promove um bem, ou seja, o benefício de outrem, enquanto a coragem defende
um valor, vínculo ou status. Finalmente, o alvo de uma virtude é aquilo a que se
dirige. A coragem visa controlar o medo e lidar com o perigo, enquanto a generosidade
visa compartilhar tempo, talentos ou posses com outras pessoas de uma forma que
as beneficie.
Uma virtude, em uma abordagem centrada no alvo, “é uma disposição
para responder a, ou reconhecer, itens dentro de seu campo ou campos de uma
forma excelente ou boa o suficiente” (SWANTON, 2003, p. 19). Um ato virtuoso é
um ato que acerta o alvo de uma virtude, ou seja, consegue responder aos itens
em seu campo da maneira especificada (p. 233). Oferecer uma definição centrada
no alvo de uma ação certa exige que nos mobilizemos além da análise de uma
única virtude e das ações que dela decorrem. Isso ocorre porque um único contexto
de ação pode envolver vários campos diferentes e sobrepostos. A determinação
pode me levar a persistir na tentativa de completar uma tarefa difícil, mesmo que
isso requeira um propósito único. Mas o amor pela minha família pode fazer um
uso diferente do meu tempo e atenção. Para definir a ação correta, uma visão
centrada no alvo deve explicar como lidamos com as reivindicações conflitantes de
diferentes virtudes sobre nossos recursos. Existem pelo menos três maneiras
diferentes de enfrentar esse desafio. Uma abordagem perfeccionista centrada no
alvo estipularia: “Um ato é certo se e somente se for globalmente virtuoso, e isso
implica que é a, ou uma, melhor ação possível nas circunstâncias” (p. 239240).
Uma abordagem mais permissiva centrada no alvo não identificaria 'certo' com
33
'melhor', mas permitiria que uma ação contasse como certa, desde que “seja boa
o suficiente, mesmo que não seja a (ou uma) melhor ação” (p. 240). Uma abordagem
minimalista centrada no alvo nem mesmo exigiria que uma ação fosse boa para
ser correta. Em tal visão, “Um ato é certo se e somente se não for totalmente
vicioso” (p. 240). Para uma discussão adicional da ética da virtude centrada no alvo,
confira Van Zyl (2014) e Smith (2016).
A quarta forma que uma ética da virtude pode adotar se inspira em Platão.
O Sócrates dos diálogos de Platão devota muito tempo pedindo a seus companheiros
atenienses para que expliquem a natureza de virtudes como justiça, coragem,
piedade e sabedoria. Portanto, é claro que Platão conta como um teórico da virtude.
Mas é uma questão de debate se ele deve ser lido como um eticista da virtude
(WHITE, 2015). O que não está aberto ao debate é se Platão teve uma influência
importante no renascimento contemporâneo do interesse pela ética da virtude.
Vários daqueles que contribuíram para o renascimento o fizeram como estudiosos
de Platão (vide PRIOR, 1991; KAMTEKAR, 1998; ANNAS, 1999; RESHOTKO,
2006). No entanto, muitas vezes eles acabaram defendendo uma versão eudaimonista
da ética da virtude (vide PRIOR, 2001; ANNAS, 2011), em vez de uma versão que
mereceria uma classificação separada. No entanto, existem duas variantes que
requerem um tratamento distinto.
Timothy Chappell considera a característica definidora da virtude ética
platônica que “a boa agência no sentido mais verdadeiro e completo pressupõe a
contemplação da Forma do Bem” (2014). Chappell segue Iris Murdoch ao argumentar
que “Na vida moral, o inimigo é o ego gordo e implacável” (MURDOCH, 1971, p.
51). Atender constantemente às nossas necessidades, desejos, paixões e pensamentos
distorce nossa perspectiva sobre como o mundo realmente é e nos cega para os
bens ao nosso redor. Contemplar a bondade de algo que encontramos, ou seja,
atentar cuidadosamente a este algo “por seu próprio valor, a fim de compreendê
lo” (CHAPPELL, 2014, p. 300), quebra essa tendência natural ao desviar nossa
atenção de nós mesmos. Contemplar essa bondade com regularidade abre espaço
para novos hábitos de pensamento que se concentram mais prontamente e com
mais honestidade em outras coisas além do eu. Isso altera a qualidade de nossa
consciência. E “qualquer coisa que altere a consciência na direção do não egoísmo,
34
impessoal do Bem. Muitas das excelências de pessoas nas quais temos mais
confiança são virtudes como amor, sabedoria, justiça, paciência e generosidade. E
dentro de muitas tradições teístas, incluindo a própria tradição cristã de Adams, tais
virtudes são comumente atribuídas a agentes divinos.
Uma explicação platônica como a que Adams apresenta em Finite and
Infinite Goods, não deriva claramente todas as outras propriedades normativas das
virtudes. Para uma discussão da relação entre esta visão e aquela que ele apresenta
em A Theory of Virtue (2006), confira Pettigrove (2014). A bondade fornece o
fundamento normativo. As virtudes não são construídas sobre esse fundamento;
antes, como uma das variedades de bondade de cujo valor temos mais confiança,
as virtudes fazem parte do fundamento. As obrigações, ao contrário, entram na
explicação em um nível diferente. Obrigações morais, argumenta Adams, são
determinadas pelas expectativas e demandas que “surgem em um relacionamento
ou sistema de relacionamentos que é bom ou valioso” (1999, p. 244). Em igualdade
de circunstâncias, quanto mais virtuosas forem as partes no relacionamento, mais
vinculativa será a obrigação. Assim, na abordagem de Adams, o bem (que inclui a
virtude) é anterior ao certo. No entanto, depois que bons relacionamentos dão
origem a obrigações, essas obrigações ganham vida própria. Sua ligação não é
atribuída diretamente a considerações de bondade. Em vez disso, eles são
determinados pelas expectativas das partes e pelas demandas do relacionamento.
seriam estabelecidas em termos que qualquer pessoa não virtuosa pudesse entendê
las e aplicálas corretamente.
Os eticistas da virtude sustentaram, contrariamente a essas duas afirmações,
que era muito irreal imaginar que pudesse haver tal código (vide MCDOWELL,
1979). Os resultados das tentativas de produzir e empregar tal código, nos dias
inebriantes das décadas de 1960 e 1970, quando a medicina e a bioética cresceram
e prosperaram, tenderam a apoiar a alegação dos eticistas da virtude. Cada vez
mais utilitaristas e deontologistas concordavam com suas regras gerais, mas em
lados opostos das controvertidas questões morais na discussão contemporânea.
Chegou a ser reconhecido que a sensibilidade moral, percepção, imaginação e
julgamento informados pela experiência, phrónēsis, em suma, são necessários para
aplicar regras ou princípios corretamente. Consequentemente, muitos (embora não
todos) utilitaristas e deontologistas abandonaram explicitamente (ii) e muito menos
ênfase é colocada em (i).
No entanto, a queixa de que a ética da virtude não produz princípios
codificáveis ainda é uma crítica comumente endereçada à abordagem, expressa
como a objeção de que ela é, em princípio, incapaz de fornecer orientação para a ação.
Inicialmente, a objeção foi baseada em um malentendido. Cegado por
slogans que descreviam a ética da virtude como "preocupada em Ser em vez de
Fazer", como endereçando "Que tipo de pessoa devo ser?", mas não "O que devo
fazer?" como sendo "centrado no agente ao invés de centrado no ato", seus críticos
sustentaram que ela era incapaz de fornecer orientação para a ação e, portanto,
ao invés de ser um rival normativo da ética utilitarista e deontológica, poderia
reivindicar ser nada mais que um suplemento valioso para eles. A ideia bastante
estranha era que tudo o que a ética da virtude poderia oferecer era "Identificar um
exemplar moral e fazer o que ele faria", como se a adolescente de quinze anos
estuprada tentando decidir se abortaria ou não devesse se perguntar: "Será que
Sócrates teria feito um aborto se estivesse nas minhas circunstâncias?".
Mas a objeção deixou de levar em conta a sugestão de Anscombe, de que
muita orientação de ação específica poderia ser encontrada em regras que empregam
os termos de virtude e vício (“regras v”), como “Faça o que é honesto/caridoso; não
faça o que é desonesto/pouco caridoso” (HURSTHOUSE, 1999). É uma característica
notável de nosso vocabulário de virtude e vício que, embora nossa lista de termos
de virtude geralmente reconhecidos seja comparativamente curta, nossa lista de
termos de vício é notável e, convenientemente longa, excedendo em muito qualquer
coisa que qualquer um que pense em termos de regras deontológicas padrão já
37
propôs. Muita orientação de ação valiosa vem de evitar cursos de ação que seriam
irresponsáveis, displicentes, preguiçosos, irrefletidos, não cooperativos, severos,
intolerantes, egoístas, mercenários, indiscretos, sem tato, arrogantes, antipáticos,
frios, descuidados, sem iniciativa, pusilânime, débil, presunçoso, rude, hipócrita,
autoindulgente, materialista, ganancioso, míope, vingativo, calculista, ingrato,
rancoroso, brutal, perdulário, desleal e assim por diante.
(b) Uma objeção intimamente relacionada tem a ver com se a ética da
virtude pode fornecer uma explicação adequada da ação correta. Essa preocupação
pode assumir duas formas. (i) Alguém pode pensar que a explicação da ação correta
fornecida pela ética da virtude é, extensionalmente, inadequada. É possível realizar
uma ação correta sem ser virtuoso e uma pessoa virtuosa pode ocasionalmente
realizar a ação errada sem que isso ponha em causa sua virtude. Se a virtude não
é necessária nem suficiente para a ação correta, podese questionar se a relação
entre certo/errado e virtude/vício é próxima o suficiente para que o primeiro seja
identificado em termos do último. (ii) Alternativamente, mesmo se alguém pensasse
que é possível produzir uma explicação ética da virtude que captasse todas (e
somente todas) as ações corretas, ainda se poderia pensar que, pelo menos em
alguns casos, a virtude não é o que explica o que é certo (ADAMS, 2006, p. 68).
Alguns eticistas da virtude respondem à objeção da adequação rejeitando
a suposição de que a ética da virtude deve ter como tarefa fornecer uma explicação
da ação correta em primeiro lugar. Seguindo os passos de Anscombe (1958) e
MacIntyre (1985), Talbot Brewer (2009) argumenta que trabalhar com as categorias
de certo e errado já é começar com o pé esquerdo. Concepções contemporâneas
de ação certa e errada, construídas em torno de uma noção de dever moral que
pressupõe uma estrutura de lei divina (ou moral) ou em torno de uma concepção
de obrigação que é definida em contraste com o interesse próprio, carregam um
peso sem a qual o eticista da virtude fica melhor. A ética da virtude pode abordar
as questões de como se deve viver, que tipo de pessoa deve tornarse, e até mesmo
o que se deve fazer sem que se comprometa a fornecer uma explicação da 'ação
correta'. Em vez disso, podese escolher trabalhar com conceitos aretaicos (definidos
em termos de virtudes e vícios) e conceitos axiológicos (definidos em termos de
bom e mau, melhor e pior) e deixar de fora noções deônticas (como ação certa/
errada, dever e obrigação) em conjunto.
Outros eticistas da virtude desejam reter o conceito de ação correta, mas
observam que, na discussão filosófica atual, uma série de qualidades distintas
marcha sob essa bandeira. Em alguns contextos, 'ação certa' identifica a melhor
38
ação que um agente pode realizar nas circunstâncias. Em outros, designa uma
ação recomendável (mesmo que não seja a melhor possível). Em outros ainda, ele
seleciona ações que não são censuráveis (mesmo que não sejam recomendáveis).
Um eticista da virtude pode escolher definir um desses – por exemplo, a melhor
ação – em termos de virtudes e vícios, mas apelar para outros conceitos normativos
– como expectativas legítimas – ao definir outras concepções de ação correta.
Como observamos na seção 2, uma explicação na ética da virtude não
precisa tentar reduzir todos os outros conceitos normativos a virtudes e vícios. O
que é necessário é simplesmente (i) que a virtude não seja reduzida a algum outro
conceito normativo considerado mais fundamental e (ii) que alguns outros conceitos
normativos sejam explicados em termos de virtude e vício. Isso tira o aguilhão da
objeção de adequação, que é mais convincente contra as versões da ética da virtude
que tentam definir todos os sentidos de "ação correta" em termos de virtudes. Apelar
para virtudes e vícios torna muito mais fácil alcançar a adequação extensional. Abrir
espaço para conceitos normativos que não são considerados redutíveis a conceitos
de virtude e vício torna ainda mais fácil gerar uma teoria que seja extensional e
explicativamente adequada. Se alguém precisa de outros conceitos e, em caso
afirmativo, quantos, ainda é uma questão de debate entre os eticistas da virtude,
como é a questão de se a ética da virtude deveria mesmo oferecer uma explicação
da ação correta. De qualquer maneira, os eticistas da virtude têm recursos disponíveis
para abordar a objeção de adequação.
Na medida em que todas as diferentes versões da ética da virtude mantêm
uma ênfase nas virtudes, elas estão abertas ao conhecido problema do (c) desafio
da relatividade cultural. Não é o caso de que culturas diferentes incorporam virtudes
diferentes (MACINTYRE, 1985) e, portanto, que as regrasv irão selecionar as ações
como certas ou erradas apenas em relação a uma cultura particular? Diferentes
respostas foram dadas a este desafio. Um – o tu quoque, ou resposta dos “parceiros
no crime” – exibe um padrão bastante familiar na estratégia defensiva dos eticistas
da ética da virtude (SOLOMO, 1988). Eles admitem que, para eles, o relativismo
cultural é um desafio, mas ressaltam que é um problema igual para ambas as outras
duas abordagens. A suposta variação cultural nos traços de caráter considerados
virtudes não é maior – na verdade, nitidamente menor – do que a variação cultural
nas regras de conduta, e diferentes culturas têm ideias diferentes sobre o que
constitui felicidade ou bemestar. Não é de surpreender que a relatividade cultural
seja um problema comum a todas as três abordagens. Afinal, está relacionado ao
“problema da justificação” (vide abaixo) o problema metaético bastante geral de
39
justificar as crenças morais de alguém para aqueles que discordam, sejam eles
céticos morais, pluralistas ou de outra cultura.
Uma estratégia mais ousada envolve afirmar que a ética da virtude tem
menos dificuldade com a relatividade cultural do que as outras duas abordagens.
Muitos desacordos culturais surgem, podese afirmar, de entendimentos locais das
virtudes, mas as virtudes em si não são relativas à cultura (NUSSBAUM, 1993).
Outra objeção para a qual a resposta tu quoque é parcialmente apropriada
é (d) “o problema do conflito”. O que a ética da virtude tem a dizer sobre dilemas –
casos em que, aparentemente, os requisitos de diferentes virtudes entram em
conflito porque apontam em direções opostas? Caridade me impele a matar a
pessoa que estaria melhor morta, mas a justiça proíbe. Honestidade aponta para
dizer a verdade dolorosa, bondade e compaixão para permanecer em silêncio ou
até mesmo mentir. O que devo fazer? Claro, os mesmos tipos de dilemas são
gerados por conflitos entre regras deontológicas. A deontologia e a ética da virtude
compartilham o problema do conflito (e ficam felizes em aceitálo em vez de seguir
alguns dos utilitaristas em suas resoluções consequencialistas de tais dilemas) e,
de fato, suas estratégias para responder a ele são paralelas. Ambos visam resolver
uma série de dilemas, argumentando que o conflito é meramente aparente; uma
compreensão discriminativa das virtudes ou regras em questão, possuída apenas
por aqueles com sabedoria prática, fará perceber que, neste caso particular, as
virtudes não produzem demandas opostas ou que uma regra supera outra, ou tem
uma certa cláusula de exceção embutida nela. Se isso é tudo que importa, depende
da existência de dilemas insolúveis. Se houver, os defensores de qualquer abordagem
normativa podem apontar, razoavelmente, que só poderia ser um erro oferecer uma
resolução do que é, ex hipótese, insolúvel.
Outro problema possivelmente compartilhado por todas as três abordagens
é (e), o problema de ser modesto. Uma teoria ética é modesta se, grosso modo,
seja lá o que for que ela afirma que justifica ou torna uma ação correta, seria melhor
que não fosse o motivo para o agente realizála. Michael Stocker (1976) originalmente
o apresentou como um problema para a deontologia e o consequencialismo. Ele
ressaltou que o agente que, com razão, visita uma amiga no hospital irá diminuir o
impacto de sua visita sobre ela se ele disser que está fazendo isso porque é seu
dever ou porque ele pensou que iria maximizar a felicidade geral. Mas, como Simon
Keller observa, ela não ficará mais satisfeita se ele disser que a está visitando
porque é o que um agente virtuoso faria, de modo que a ética da virtude também
parece ter o problema (KELLER, 2007). No entanto, os defensores da ética da
40
virtude argumentaram que nem todas as formas de ética da virtude estão sujeitas
a esta objeção (PETTIGROVE, 2011) e aquelas que estão não são seriamente
prejudicadas pelo problema (MARTINEZ, 2011).
Outro problema para a ética da virtude, que é compartilhado tanto pelo
utilitarismo quanto pela deontologia, é (f)"o problema da justificação". Concebido
abstratamente, este é o problema de como justificamos ou fundamentamos nossas
crenças éticas, uma questão que é calorosamente debatida no nível da metaética.
Em suas versões particulares, para a deontologia há a questão de como justificar
suas afirmações de que certas regras morais são as corretas, e para o utilitarismo
de como justificar sua afirmação de que tudo o que realmente importa moralmente
são consequências para a felicidade ou bemestar. Para a ética da virtude, o problema
diz respeito à questão de quais traços de caráter são as virtudes.
No debate metaético, há desacordo generalizado sobre a possibilidade de
fornecer um fundamento externo para a ética, “externo” no sentido de ser externo
às crenças éticas, e o mesmo desacordo é encontrado entre deontologistas e
utilitaristas. Alguns acreditam que sua ética normativa pode ser colocada em uma
base segura, resistente a qualquer forma de ceticismo, como o que qualquer um
deseja racionalmente, ou aceitaria ou concordaria, independentemente de sua
perspectiva ética; outros que não.
Os eticistas da virtude evitaram qualquer tentativa de fundamentar a ética
da virtude em uma base externa, embora continuem a sustentar que suas afirmações
podem ser validadas. Alguns seguem uma forma de abordagem coerentista de
Rawls (SLOTE, 2001; SWANTON, 2003), neoaristotélicos seguem uma forma de
naturalismo ético.
Uma má compreensão da eudaimonía como um conceito não moralizado
leva alguns críticos a supor que os neoaristotélicos estão tentando fundamentar
suas afirmações em uma explicação científica da natureza humana e do que conta
como prosperar para um ser humano. Outros presumem que, se não é isso que
estão fazendo, não podem validar suas afirmações de que, por exemplo, justiça,
caridade, coragem e generosidade são virtudes. Ou estão recorrendo ilegitimamente
à desacreditada teleologia natural de Aristóteles (WILLIAMS, 1985), ou produzindo
meras racionalizações de seus próprios valores pessoais ou culturalmente inculcados.
Mas McDowell, Foot, MacIntyre e Hursthouse esboçaram versões de uma terceira
via entre esses dois extremos. Eudaimonía, na ética da virtude, é, de fato, um
conceito moralizado, mas não é só isso. Afirmações sobre o que constitui a
prosperidade dos seres humanos não flutuam mais livres de fatos científicos sobre
41
como os seres humanos são, do que afirmações etológicas sobre o que constitui
a prosperidade dos elefantes. Em ambos os casos, a verdade das afirmações
depende em parte de que tipo de animal eles são e das capacidades, desejos e
interesses que os humanos ou elefantes têm.
A melhor ciência disponível hoje (incluindo a teoria e psicologia evolucionista)
apoia, em vez de enfraquecer, a antiga suposição grega de que somos animais
sociais, como elefantes e lobos, e ao contrário dos ursos polares. Nenhuma explicação
racionalizadora em termos de algo como um contrato social é necessária para
explicar por que escolhemos viver juntos, subjugando nossos desejos egoístas a
fim de assegurar as vantagens da cooperação. Como outros animais sociais, nossos
impulsos naturais não são direcionados apenas para nossos próprios prazeres e
preservação, mas incluem os impulsos altruístas e cooperativos.
Este fato básico sobre nós deveria tornar mais compreensível a afirmação
de que as virtudes são pelo menos parcialmente constitutivas da prosperidade
humana e também minar a objeção de que a ética da virtude é, em certo sentido, egoísta.
(g) A objeção do egoísmo tem várias fontes. Uma é uma simples confusão. Uma
vez compreendido que a agente totalmente virtuosa faz caracteristicamente o que
deveria, sem conflito interno, afirmase triunfantemente que "ela está apenas fazendo
o que deseja e, portanto, está sendo egoísta". Portanto, quando a pessoa generosa
doa de bom grado, como os generosos costumam fazer, verificase que ela não é
generosa e altruísta, afinal, ou pelo menos não tão generosa quanto aquela que
avidamente deseja agarrarse a tudo o que tem, mas se força para dar porque ela
acha que deveria! Uma versão relacionada atribui razões bizarras a pessoa que
age de forma virtuosa, assumindo injustificadamente que ela age como o faz porque
acredita que agir assim nesta ocasião a ajudará a alcançar eudaimonía. Mas “o
agente virtuoso” é apenas “o agente com as virtudes” e é parte de nossa compreensão
comum dos termos de virtude que cada um carrega consigo sua própria gama típica
de razões para agir. O agente virtuoso age dessa forma porque acredita que o
sofrimento de alguém será evitado, ou alguém será beneficiado, ou a verdade
estabelecida, ou uma dívida paga, ou etc.
É o exercício das virtudes durante a vida que é considerado pelo menos
parcialmente constitutivo da eudaimonía, e isso é consistente com o reconhecimento
de que a má sorte pode levar o agente virtuoso a circunstâncias que exijam que
ele desista de sua vida. Dados os tipos de considerações que pessoas corajosas,
honestas, leais e caridosas reconhecem como razões sinceras para a ação, elas
podem se sentir compelidas a enfrentar o perigo para alcançar um fim que valha a
42
a Miller. Também houve outras respostas (resumidas de forma útil em Prinz (2009)
e Miller (2014). Notável entre elas é a resposta de Adams (2006), ecoando Merritt
(2000), que percorre um caminho intermediário entre "nenhum traço de caráter" e
o padrão exato da concepção aristotélica de virtude que, devido à sua ênfase na
phrónēsis, requer um alto nível de integração do caráter. Em sua concepção, os
traços de caráter podem ser “frágeis e fragmentários”, mas ainda virtudes, e não
incomuns. Mas desistir da ideia de que a sabedoria prática é o cerne de todas as
virtudes, como Adams tem de fazer, é um sacrifício substancial, como Russell (2009)
e Kamtekar (2010) argumentam.
Mesmo que o "desafio situacionista" tenha deixado os tradicionais eticistas
da virtude impassíveis, ele gerou um engajamento saudável com a literatura em
psicologia empírica, que também foi alimentada pela crescente literatura sobre o
Natural Goodness, de Foot, e de forma bastante independente, por uma escalada
do interesse na educação do caráter (vide abaixo).
4. Direções Futuras
Nos últimos trinta e cinco anos, a maioria das pessoas que contribuíram
para o renascimento da ética da virtude trabalhou dentro de uma estrutura
neoaristotélica, eudaimonista. No entanto, conforme observado na seção 2, outras
formas de ética da virtude começaram a surgir. Os teóricos começaram a recorrer
a filósofos como Hutcheson, Hume, Nietzsche, Martineau e Heidegger por materiais
que pudessem ser usados para desenvolver alternativas (vide RUSSELL, 2006;
SWANTON, 2013, 2015; TAYLOR, 2015; HARCOURT, 2015). Outros voltaram sua
atenção para o leste, explorando as tradições confucionista, budista e hindu (YU,
2007; SLINGERLAND, 2011; FINNIGAN, TANAKA, 2011; MCRAE, 2012; ANGLE,
SLOTE, 2013; DAVIS, 2014; FLANAGAN, 2015; PERRETT, PETTIGROVE, 2015;
SIM, 2015). Essas explorações prometem abrir novos caminhos para o desenvolvimento
da ética da virtude.
Embora a ética da virtude tenha crescido notavelmente nos últimos trinta
e cinco anos, ainda é uma pequena minoria, especialmente na área da ética aplicada.
Muitos editores de grandes coleções de manuais sobre “problemas morais” ou “ética
aplicada” agora tentam incluir artigos representativos de cada uma das três abordagens
normativas, mas muitas vezes são incapazes de encontrar um artigo sobre ética
da virtude tratando de uma questão específica. Às vezes, sem dúvida, é porque “a”
44
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Ética de Aristóteles*
The following is the translation of the entry on “Empirical Approaches to Moral Character”
by Miller, Christian B, in the Stanford Encyclopedia of Philosophy. The translation follows
the version of the entry in the SEP’s archives at < https://plato.stanford.edu/archives/
sum2018/entries/aristotleethics//>. This translated version may differ from the current
version of the entry, which may have been updated since the time of this translation. The
current version is located https://plato.stanford.edu/archives/sum2018/entries/aristotle
ethics/.We’d like to thank the Editors of the Stanford Encyclopedia of Philosophy, mainly
Prof. Dr. Edward Zalta, for granting permission to translate and to publish this entry.
55
maneira como bens, tais quais a amizade, o prazer, a virtude, a honra e a riqueza
se combinam como um todo. A fim de aplicar essa compreensão geral a casos
particulares, devemos adquirir, por meio de uma educação e hábitos adequados,
a capacidade de ver, em cada ocasião, qual curso de ação é melhor justificado por
razões. Portanto, a sabedoria prática, como ele a concebe, não pode ser adquirida
apenas aprendendo as regras gerais. Devemos também adquirir, por meio da prática,
as habilidades deliberativas, emocionais e sociais que nos permitem colocar nossa
compreensão geral do bemestar em prática de maneiras adequadas a cada ocasião.
1. Preliminares
é uma versão posterior e melhorada da Ética a Eudemo (nem toda a Ética a Eudemo
foi revista: os seus Livros IV, V, e VI reaparecem como V, VI, VII da Ética a Nicômaco).
Talvez a indicação mais reveladora desta ordenação seja que em vários casos a Ética
a Nicômaco desenvolve um tema sobre o qual a sua prima Eudemo se cala. Apenas
a Ética a Nicômaco discute a estreita relação entre a investigação ética e a política;
apenas a Ética a Nicômaco examina criticamente o ditame paradoxal de Sólon de
que nenhum homem deve ser considerado feliz até à sua morte; e apenas a Ética a
Nicômaco dá uma série de argumentos a favor da superioridade da vida filosófica
para a vida política. O resto deste artigo irá, portanto, concentrarse neste trabalho3 .
Um terceiro tratado chamado Magna Moralia (a Grande Ética) está incluído
em edições completas das obras de Aristóteles, mas a sua autoria é contestada
por estudiosos. O seu âmbito abrange temas discutidos mais detalhadamente nas
outras duas obras e o seu ponto de vista é semelhante ao deles. Por que, sendo
mais breve, se chama a Magna Moralia? Porque cada um dos dois rolos de papiro
em que está dividido é excepcionalmente longo. Tal como um rato grande pode ser
um animal pequeno, dois capítulos grandes podem fazer um pequeno livro. Esta
obra foi evidentemente chamada "grande" com referência às suas partes, não ao
todo. Alguns autores na antiguidade referemse a uma obra com este nome e
atribuemna a Aristóteles, mas ela não é mencionada por várias autoridades, como
Cícero e Diógenes Laércio, os quais esperaríamos que a conhecessem. Alguns
estudiosos sustentam que é o primeiro curso de Aristóteles sobre ética talvez as
suas próprias notas de aula ou as de um estudante; outros o consideram como uma
compilação ou adaptação pósaristotélica de um ou ambos de seus verdadeiros
tratados de ética.
Embora Aristóteles esteja profundamente em dívida com a filosofia moral
de Platão, particularmente com a visão central de Platão de que o pensamento
moral deve ser integrado com as nossas emoções e apetites, e que a preparação
para tal unidade de carácter deve começar com a educação infantil, o caráter
sistemático da discussão destes temas por Aristóteles foi uma inovação marcante.
Ninguém tinha escrito tratados de ética antes de Aristóteles. A República, de Platão,
por exemplo, não trata a ética como um assunto distinto; nem oferece um exame
sistemático da natureza da felicidade, virtude, voluntariedade, prazer ou amizade.
Com certeza, podemos encontrar nas obras de Platão discussões importantes sobre
estes fenômenos, mas não estão reunidas e unificadas como o estão nos escritos
éticos de Aristóteles.
1719). Alguém que não tem amigos ou filhos, ou é impotente, fraco e feio,
simplesmente não será capaz de encontrar muitas oportunidades de atividade
virtuosa durante um longo período de tempo, e o pouco que consegue realizar não
será de grande mérito. Até certo ponto, então, viver bem requer boa sorte; o acaso
pode roubar a felicidade até dos mais excelentes seres humanos. No entanto,
Aristóteles insiste, o bem mais elevado, a atividade virtuosa, não é algo que nos
acontece por acaso. Embora tenhamos de ter sorte o suficiente para termos pais
e concidadãos que nos ajudem a sermos virtuosos, nós mesmos partilhamos grande
parte da responsabilidade de adquirir e exercer as virtudes.
3. Método
àqueles que têm sérias dúvidas sobre o valor destas qualidades tradicionais, e que
por isso ainda não decidiram cultiválas e abraçálas?
Afinal de contas, responder ao ceticismo moral é o projeto que Platão
desenvolveu na República: no Livro I, ele esboça um argumento para mostrar que
a justiça não é realmente uma virtude, e o resto desta obra é uma tentativa de refutar
esta tese. O projeto de Aristóteles parece, pelo menos à primeira vista, ser bastante
diferente. Ele não parece estar dirigindose a alguém que tenha dúvidas genuínas
sobre o valor da justiça ou qualidades afins. Talvez, então, se aperceba do pouco
que se pode conseguir, no estudo da ética, para proporcionar a isso uma base
racional. Talvez pense que não se pode dar qualquer razão para ser justo, generoso
e corajoso. Essas são qualidades que se aprende a amar quando se é criança, e,
tendose sido devidamente habituado, já não se procura nem precisa de uma razão
para as exercer. Podese mostrar, como ponto geral, que a felicidade consiste em
exercer algumas habilidades ou outras, mas mostrar que as habilidades morais de
uma pessoa virtuosa são aquilo de que se precisa não seria uma proposta que pode
ser estabelecida com base em argumentos.
No entanto, esta não é a única forma de ler a Ética. Pois certamente não
podemos esperar que Aristóteles mostre o que as virtudes tradicionais têm de tão
valioso até que ele tenha discutido completamente a natureza dessas virtudes. Ele
próprio nos adverte que a sua afirmação inicial do que é a felicidade deve ser tratada
como um esboço rudimentar cujos detalhes devem ser preenchidos mais tarde
(1098a2022). A sua intenção no Livro I da Ética é indicar, de uma forma geral,
porque é que as virtudes são importantes; por qual razão as virtudes particulares,
coragem, justiça, e similares, são componentes da felicidade é algo que só mais
tarde poderemos compreender melhor.
Em todo o caso, a afirmação de Aristóteles de que o seu público já deve
ter começado a cultivar as virtudes não precisa ser tomada como significando que
não é possível encontrar razões para ser corajoso, justo e generoso. O seu argumento,
pelo contrário, pode ser que na ética, como em qualquer outro estudo, não podemos
progredir no sentido de compreender por que razão as coisas são como são, a
menos que comecemos com certas suposições sobre o que é o caso. Nem a
investigação teórica nem a prática começam do zero. Alguém que não tenha feito
observações de fenômenos astronômicos ou biológicos ainda não está munido com
dados suficientes para desenvolver uma compreensão destas ciências. O ponto
paralelo na ética é que para progredirmos nesta esfera já devemos ter chegado a
gostar de fazer o que é justo, corajoso, generoso e etc. Devemos experimentar
61
essas atividades não como obrigações onerosas, mas como nobres, dignas e
agradáveis em si mesmas. Depois, quando nos envolvemos em investigações
éticas, podemos perguntar o que é que as faz terem valor. Podemos também
comparar esses bens com outras coisas que são desejáveis em si, prazer, amizade,
honra, e assim por diante, e perguntar se alguma delas é mais desejável do que
as outras. Abordamos a teoria ética com um pacote desorganizado de gostos e
antipatias baseado no hábito e na experiência; tal desordem é uma característica
inevitável da infância. Mas o que não é inevitável é que a nossa experiência inicial
será suficientemente rica para fornecer uma base adequada para uma reflexão
ética válida; é por isso que precisamos ter sido adequadamente educados. No
entanto, tal referida educação nos conduz mais longe. Procuramos uma compreensão
mais profunda dos objetos do nosso entusiasmo da infância, e temos de sistematizar
os nossos objetivos para que, como adultos, tenhamos um plano de vida coerente.
Precisamos nos envolver na teoria ética, e raciocinar bem nesse campo se quisermos
ir além da forma de virtude de baixo grau que adquirimos quando crianças.
são virtuosas, embora geralmente façam o que uma pessoa virtuosa faz. Aristóteles
os chama de “continente” (enkratḗs). Mas (2) outras são menos bemsucedidas do
que uma pessoa comum em resistir a estas contrapressões. Eles são
“incontinentes” (akratḗs). A explicação da akrasía é um tópico ao qual voltaremos
na seção 7. Além disso, (B) há um tipo de agente que se recusa até a tentar fazer
o que um agente eticamente virtuoso faria, porque se convenceu que a justiça, a
temperança, generosidade e outras coisas semelhantes têm pouco ou nenhum
valor. Tais pessoas, Aristóteles chamaos de maus (kakós, phaulos). Ele assume
que as pessoas más são movidas por desejos de dominação e luxuria, e embora
sejam determinadas na busca desses objetivos, retrataas como profundamente
divididas, porque sua pleonexía, seu desejo de ter sempre mais, deixaas insatisfeitas
e cheias de ódio de si mesmas.
Devese notar que as três deficiências, continência, incontinência e vício,
envolvem alguma falta de harmonia interna. Aqui, a dívida de Aristóteles com Platão
é evidente, pois uma das ideias centrais da República é que a vida de uma pessoa
boa é harmoniosa, e todas as outras vidas se desviam em certa medida desse ideal.
A pessoa má pode apoiar completamente algum plano de ação maléfico num
determinado momento, mas ao longo do tempo, supõe Aristóteles, se arrependerá
de sua decisão, pois, o que quer que faça, será insuficiente para a realização dos
seus objetivos (1166b 529). Aristóteles assume que quando alguém toma
metodicamente más decisões sobre como viver a sua vida, os seus fracassos são
causados por forças psicológicas que são menos do que plenamente racionais. Os
seus desejos de prazer, poder ou outro objetivo externo se tornam tão fortes que o
fazem preocuparse muito pouco ou nada em agir eticamente. Para manter tais
forças destrutivas internas distantes, precisamos desenvolver hábitos apropriados
e respostas emocionais quando somos crianças, e refletir inteligentemente sobre
os nossos objetivos quando somos adultos. Mas uma vulnerabilidade a essas forças
destrutivas está presente mesmo em pessoas mais ou menos virtuosas; é por isso
que mesmo uma boa comunidade política precisa de leis e ameaças de punição.
O pensamento claro sobre os melhores objetivos da vida humana e a forma apropriada
de os colocar em prática é um feito raro, pois a psique humana não é um ambiente
hospitaleiro para o desenvolvimento dessas percepções.
65
5. A Doutrina do meiotermo
para mim que deveria comer 3 quilos. Encontrar o meiotermo em qualquer situação
não é um procedimento mecânico ou impensado, mas requer um conhecimento
completo e detalhado das circunstâncias.
Deve ser evidente que o tratamento das virtudes por Aristóteles como estados
medianos endossam a ideia de que por vezes devemos ter sentimentos fortes –
quando tais sentimentos são exigidos pela situação. Por vezes, um pequeno nível de
raiva é apropriado; mas outras vezes, as circunstâncias requerem uma raiva elevada.
A quantidade certa não é alguma quantidade entre zero e o nível mais elevado possível,
mas sim a quantidade, seja ela qual for, que é proporcional à gravidade da situação.
É claro que Aristóteles está empenhado em dizer que a raiva nunca deve atingir o
ponto em que mina a razão; e isto significa que a nossa paixão deve sempre ficar
aquém do ponto extremo em que perderíamos o controle. Mas é possível estar furioso
sem chegar a este extremo, e Aristóteles não pretende negar isso.
A teoria do meiotermo está aberta a várias objeções, mas antes de as
considerarmos, devemos reconhecer que, de fato, existem duas teses distintas
cada uma das quais pode ser chamada de uma doutrina do meiotermo. Primeiro,
há a tese de que toda virtude é um estado que se situa entre dois vícios, um de
excesso e o outro de deficiência. Segundo, existe a ideia de que sempre que uma
pessoa virtuosa opta por realizar um ato virtuoso, pode ser descrito como visando
um ato que é de uma forma ou de outra, intermediário entre alternativas que ele
rejeita. É essa segunda tese que é mais suscetível de ser questionável. Um crítico
pode admitir que em alguns casos os atos virtuosos podem ser descritos nos termos
de Aristóteles. Se, por exemplo, está tentando decidir quanto gastar num presente
de casamento, procurase uma quantia que não é excessiva nem deficiente. Mas
certamente muitos outros problemas que um agente virtuoso enfrenta não são
suscetíveis a tal análise quantitativa. Se alguém tiver de decidir se deve assistir a
um casamento ou respeitar uma obrigação conflitante, não seria esclarecedor
descrever isto como uma busca de um meiotermo entre extremos – a não ser que
“visando ao meiotermo” se torne simplesmente outra frase para tentar tomar a
decisão certa. A objeção, então, é que a doutrina de Aristóteles sobre o meiotermo,
tomada como doutrina sobre o que o agente ético faz quando delibera, é, em muitos
casos, inaplicável ou pouco esclarecedora.
Uma defesa de Aristóteles teria de dizer que a pessoa virtuosa de fato visa
a um meiotermo, se permitirmos uma noção suficientemente ampla do sentido de
“visar” em questão. Por exemplo, considere um jurado que deve determinar se um
réu é culpado de acusações. Ele não tem perante a sua mente uma questão
67
quantitativa; ele está tentando decidir se o acusado cometeu o crime, e, não está
à procura de alguma quantidade de ação intermediária entre extremos. No entanto,
em excelente jurado pode ser descrito como alguém que, ao tentar chegar à decisão
correta, procura expressar o grau certo de preocupação por todas as considerações
relevantes. Ele procura o veredito que resulta de um processo deliberativo que não
é nem excessivamente crédulo nem demasiadamente cético. Do mesmo modo, ao
enfrentar situações que provocam raiva, um agente virtuoso deve determinar que
ação (se houver) tomar em resposta a um insulto, e embora não seja em si uma
questão quantitativa, a sua tentativa de responder apropriadamente requer que
tenha o grau certo de preocupação pela sua posição como membro da comunidade.
O seu objetivo é um meiotermo no sentido de procurar uma resposta que evite
demasiada ou pouca atenção a fatores que devem ser levados em conta na tomada
de uma decisão sensata.
Talvez uma dificuldade maior possa ser levantada se perguntarmos como
Aristóteles determina quais emoções são governadas pela doutrina do meiotermo.
Considere, por exemplo, alguém que ama combater. Será esta paixão algo que
deve ser sentido por cada ser humano em momentos apropriados e na medida
certa? Certamente que alguém que nunca sentiu esta emoção em grau algum ainda
poderia viver uma vida perfeitamente feliz. Por que não deveríamos então dizer o
mesmo sobre pelo menos algumas das emoções que Aristóteles incorpora na sua
análise do agente eticamente virtuoso? Porque deveríamos experimentar a raiva,
o medo ou o grau de preocupação com a riqueza e a honra que Aristóteles recomenda?
Estas são precisamente as perguntas que foram feitas na antiguidade pelos estoicos,
e, eles chegaram à conclusão de que emoções tão comuns como a raiva e o medo
são sempre inapropriadas. Aristóteles assume, pelo contrário, não simplesmente
que essas paixões comuns são por vezes apropriadas, mas que é essencial que
cada ser humano aprenda a dominálas e experimentálas da forma certa nos
momentos certos. Uma defesa da sua posição teria de mostrar que as emoções
que figuram no seu relato das virtudes são componentes valiosos de qualquer vida
humana bem vivida, quando são vividas apropriadamente. Talvez um projeto pudesse
ser desenvolvido, mas Aristóteles em si não tenta fazêlo.
Ele diz frequentemente, no curso de sua discussão, que quando a pessoa
boa escolhe agir virtuosamente, o faz em nome do kâlon – uma palavra que pode
significar belo, nobre ou fino (vide 1120a 2324). Esse termo indica que Aristóteles
vê na atividade ética uma atração que é comparável à beleza de obras bem
trabalhadas, incluindo obras como a poesia, a música e o teatro. Ele traça essa
68
analogia na sua discussão sobre o meiotermo, quando diz que cada ofício tenta
produzir uma obra da qual nada deve ser retirado e à qual nada deve ser acrescentado
(1106b 514). Uma obra, quando bem concebida e produzida por um bom artesão,
não é meramente útil, mas também possui elementos como equilíbrio, proporção
e harmonia – pois estas são propriedades que ajudam a tornála útil. Da mesma
forma, Aristóteles defende que um projeto bem executado que exprima as virtudes
éticas não será meramente vantajoso, mas também kâlon, pois o equilíbrio que
atinge é parte do que o torna vantajoso. O jovem que aprende a adquirir as virtudes
deve desenvolver um amor por fazer o que é kâlon e uma forte aversão ao seu
oposto – o aischrón, o vergonhoso e feio. Determinar o que é kâlon é difícil (1106b
2833, 1109a 2430) e a aversão humana habitual de abraçar dificuldades ajuda a
explicar a escassez de virtude (110b 1011).
Deve ficar claro que nem a tese de que as virtudes se encontram entre
extremos nem a tese de que a pessoa boa visa que é o intermediário pretende ser
um processo para a tomada de decisões. Essas doutrinas do meiotermo ajudam
a mostrar o que é atrativo sobre as virtudes, e também ajudam a sistematizar a
nossa compreensão de quais qualidades são virtudes. Quando vemos que a
temperança, a coragem e outras características geralmente reconhecidas são
estados medianos, estamos em posição de generalizar e identificar outros estados
medianos como virtudes, mesmo que não sejam qualidades para as quais temos
um nome. Aristóteles observa, por exemplo, que o estado mediano em relação à
raiva não tem nome em grego (1125b 267). Embora seja guiado até certo ponto
por distinções capturadas por termos comuns, a sua metodologia lhe permite
reconhecer estados para os quais não existem nomes.
Longe de oferecer um processo de decisão, Aristóteles insiste que isto é
algo que nenhuma teoria ética pode fazer. A sua teoria elucida a natureza da virtude,
mas o que deve ser feito em qualquer ocasião particular por um agente virtuoso
depende das circunstâncias, e estas variam muito de uma ocasião para a outra e
não há possibilidade de estabelecer uma série de regras, por mais complicadas
que sejam, que resolvam coletivamente todos os problemas práticos. Essa
característica da teoria ética não é única; Aristóteles pensa que se aplica a muitos
ofícios, tais como medicina e navegação (1104a 710). Ele diz que a pessoa virtuosa
69
“vê a verdade em cada caso, sendo como um padrão e uma medida deles” (1113a
323); mas este apelo à visão da pessoa boa não deve ser tomado como significando
que ela tem uma visão inarticulada e incomunicável acerca da verdade. Aristóteles
pensa na pessoa boa como alguém que é bom em deliberação e descreve a
deliberação como um processo de investigação racional. O ponto intermediário que
a pessoa boa tenta encontrar é “determinada pelo lógos [razão, consideração] e na
forma como a pessoa de razão prática o determinaria” (1107a 12). Dizer que essa
pessoa “vê” o que fazer é simplesmente uma forma de reconhecer o ponto de que
o raciocínio da pessoa boa é capaz de descobrir o que é melhor em cada situação.
Ele é “como uma referência e medida” no sentido de que os seus pontos de vista
devem ser considerados como de autoridade por outros membros da comunidade.
Uma referência ou medida é algo que resolve conflitos; e porque pessoas boas são
habilidosas em descobrir o meiotermo em casos difíceis, os seus conselhos devem
ser procurados e atendidos.
Embora não exista a possibilidade de escrever um livro de regras, por mais
extenso que seja, que sirva de guia completo para a tomada de decisões sábias,
seria um erro atribuir a Aristóteles a posição oposta, a saber que cada suposta regra
admite exceções, de modo que mesmo um pequeno livro de regras que se aplica
a um número limitado de situações é uma impossibilidade. Ele deixa claro que
certas emoções (despeito, descaramento, inveja) e ações (adultério, roubo, homicídio)
são sempre erradas, independente das circunstâncias (1107a 812). Embora ele
diga que os nomes dessas emoções e ações transmitem a sua injustiça, não se
deve considerar que a sua injustiça deriva do uso linguístico. Ele defende a família
como instituição social contra as críticas de Platão (Pol. II.34), e então, quando ele
diz que o adultério é sempre errado, está disposto a defender seu ponto de vista
explicando por que o casamento é um costume valioso e porque as relações
extraconjugais prejudicam a relação entre marido e mulher. Ele não faz a afirmação
tautológica de que a atividade sexual indevida é errada, mas sim o ponto mais
específico e delicado de que os casamentos devem ser regidos por uma regra de
estrita fidelidade. Da mesma forma, quando diz que o homicídio e roubo são sempre
errados, mas que o atual sistema de leis relativas a estas questões deve ser
rigorosamente aplicado. Assim, embora Aristóteles sustente que a ética não pode
ser reduzida a um sistema de regras, por mais complexo que seja, ele insiste que
algumas regras são incontestáveis.
70
Vimos que as decisões de uma pessoa com sabedoria prática não são
meras intuições, mas podem ser justificadas por uma cadeia de raciocínios. (É por
isso que Aristóteles fala frequentemente em termos de um silogismo prático, com
uma premissa maior que identifica algum bem a ser alcançado, e uma premissa
menor que localiza o bem em alguma situação atual). Ao mesmo tempo, ele está
perfeitamente ciente do fato de que o raciocínio pode sempre ser rastreado até um
ponto de partida que, por si só, não é justificado por mais raciocínios. Nem o bom
raciocínio teórico nem o bom raciocínio prático se movem em círculo; o verdadeiro
raciocínio sempre pressupõe e progride de forma linear a partir de pontos adequados.
E isso o leva a se perguntar por uma descrição de como os pontos de partida
apropriados do raciocínio são determinados. O raciocínio prático sempre pressupõe
que se tem alguma finalidade, um objetivo que alguém está tentando alcançar; e a
tarefa do raciocínio é determinar como esse objetivo vai ser alcançado. Este não
precisa ser um raciocínio meiosfins no sentido convencional; se, por exemplo, o
nosso objetivo é a resolução justa de um conflito, temos que determinar o que
constitui justiça nessas circunstâncias particulares. Aqui estamos empenhados
numa investigação ética, e não fazemos uma pergunta puramente instrumental).
Mas se o raciocínio prático só é correto se ele partir de uma premissa correta, o
que assegura a correção do seu ponto de partida?
Aristóteles responde: “A virtude torna o objetivo correto, e a sabedoria
prática seleciona as coisas que conduzem a ele” (1144a 78). Com isto, ele não
quer dizer que não haja espaço para raciocínios sobre o nosso fim último. Porque,
como vimos, ele dá uma defesa fundamentada da sua concepção de felicidade
como atividade virtuosa. O que ele deve ter em mente quando diz que a virtude
torna o objetivo correto, é que a deliberação normalmente procede de um objetivo
que é muito mais específico do que o objetivo de alcançar a felicidade agindo
virtuosamente. Com certeza, pode haver ocasiões em que uma pessoa boa aborda
um problema ético começando com a premissa de que a felicidade consiste na
atividade virtuosa. Mas mais frequentemente, o que acontece é que um objetivo
concreto se apresenta como o seu ponto de partida – ajudar um amigo necessitado
ou apoiar um projeto cívico que vale a pena. Qual projeto específico que estabelecemos
para nós mesmos é determinado pelo nosso caráter. Uma pessoa boa começa a
partir de fins concretos que valem a pena porque os seus hábitos e orientação
emocional lhe deram a capacidade de reconhecer que tais objetivos estão ao nosso
71
alcance, aqui e agora. Aqueles que têm um caráter defeituoso podem ter a habilidade
racional necessária para atingir os seus fins, a habilidade que Aristóteles chama
astúcia (1144a 238), mas muitas vezes os fins que procuram não têm valor. A causa
desta deficiência não reside em alguma debilidade na sua capacidade de raciocínio,
pois assumimos que são normais neste aspecto, mas no treino das suas paixões.
6. Virtudes Intelectuais
uma tentativa de desenvolver uma melhor compreensão de qual deve ser nosso
fim último. A resposta vaga que ele dá no Livro I é que a felicidade consiste na
atividade virtuosa. Em Livros II a V, ele descreve as virtudes da parte da alma que
é racional na medida em que ela pode estar atenta à razão, mesmo que não seja
capaz de deliberar. Mais precisamente porque estas virtudes são racionais apenas
de forma derivada, elas são um componente menos importante do nosso fim último
do que a virtude intelectual – sabedoria prática – com a qual estão integradas. Se
o que sabemos sobre virtude é apenas o que é dito nos Livros II a V, então a nossa
compreensão do nosso fim último é radicalmente incompleta, porque ainda não
estudamos a virtude intelectual que nos permite raciocinar bem em qualquer situação.
Uma das coisas, pelo menos, para as quais Aristóteles aponta ao começar o Livro
VI é a sabedoria prática. Esse estado de espírito ainda não foi analisado, e essa é
uma das razões pelas quais ele se queixa de que a sua descrição do nosso fim
último ainda não é clara o suficiente.
Mas a sabedoria prática é o único componente do nosso fim último que
ainda não foi suficientemente discutido? O Livro VI discute cinco virtudes intelectuais,
não apenas a sabedoria prática, mas é claro que ao menos uma delas, o conhecimento
artesanal, é considerada apenas para proporcionar um contraste com as outras.
Aristóteles não recomenda que os seus leitores façam desta virtude intelectual parte
do seu fim último. Mas, e quanto as três restantes: ciência, compreensão intuitiva
e a virtude que os combina, sabedoria teórica? Elas estão presentes no Livro VI
apenas para proporcionar um contraste com a sabedoria prática, ou Aristóteles está
dizendo que elas também devem ser componentes do nosso fim? Ele não aborda
completamente essa questão, mas é evidente a partir de várias das suas observações
no Livro VI que ele toma a sabedoria teórica como um estado de espírito mais
valioso do que a sabedoria prática. “É estranho que alguém pense que a política
ou sabedoria prática são os tipos de conhecimento excelentes, a menos que o
homem seja a melhor coisa no cosmos” (1141a 2022). Ele diz que a sabedoria
teórica produz felicidade por ser parte da virtude (1144a 36), e que a sabedoria
prática se volta para o desenvolvimento da sabedoria teórica e emite comandos
por causa dela (1145a 811). Portanto, é evidente que o exercício da sabedoria
teórica é um componente mais importante para o nosso fim último do que que a
sabedoria prática.
Mesmo assim, pode ainda parecer intrigante que essas duas virtudes
intelectuais, quer separada ou coletivamente, de alguma forma, devam preencher
uma lacuna na doutrina do meiotermo. Tendo lido o Livro VI e concluído o estudo
73
sobre o que são estas duas formas de sabedoria, como é que somos mais capazes
de conseguir encontrar o meiotermo em situações particulares?
A resposta a esta pergunta pode ser que Aristóteles não pretende que o
Livro VI dê uma resposta completa a essa pergunta, mas sim que sirva como
prolegômenos para uma resposta. Pois é apenas perto do fim do Livro X que ele
apresenta uma discussão completa dos méritos relativos desses dois tipos de virtude
intelectual e comenta sobre o quanto de recursos, e em que diferentes graus, cada
um deles necessita. Em X (78) ele argumenta que o tipo de vida mais feliz é a de
um filósofo – alguém que exerce, durante um longo período de tempo, a virtude da
sabedoria teórica, e que tem recursos suficientes para isso (discutiremos estes
capítulos mais detalhadamente na seção 10 abaixo). Uma das suas razões para
pensar que tal vida é superior ao segundo melhor tipo de vida – a de um líder político,
alguém que se dedica ao exercício da sabedoria prática em vez da teórica – é que
ela requer menos bens externos (1178a 23b7). Aristóteles já deixou claro na sua
discussão sobre as virtudes éticas que alguém que é muito honrado pela sua
comunidade e que comanda grandes recursos financeiros está em posição de
exercer uma ordem superior de virtude ética do que alguém que recebe poucas
honras e tem poucos bens. A virtude da magnificência é superior à mera liberdade,
da mesma forma, a grandeza da alma é uma excelência superior à virtude comum
que tem a ver com honra. Estas qualidades são discutidas em IV.14. A maior
expressão de virtude ética requer grande poder político, porque é o líder político
que está em posição de fazer a maior quantidade de bem para a comunidade. A
pessoa que opta por levar uma vida política e que visa à expressão mais completa
da sabedoria prática tem um padrão para decidir de que nível de recursos precisa:
deve ter amigos, bens e honras em quantidade suficiente para permitir que a sua
sabedoria prática se expresse sem impedimentos. Mas se, em vez disso, escolher
a vida de um filósofo, então visará a um padrão diferente, a expressão mais completa
da sabedoria teórica, e precisará de uma oferta menor destes recursos.
Isto nos permite ver como o tratamento que Aristóteles faz das virtudes
intelectuais dá maior conteúdo e precisão à doutrina do meiotermo. O melhor
padrão é o adotado pelo filósofo; o segundo melhor é o adotado pelo líder político.
Em qualquer um dos casos, é o exercício de uma virtude intelectual que fornece
uma orientação para a tomada de decisões quantitativas importantes. Este
complemento à doutrina do meiotermo é totalmente compatível com a tese de
Aristóteles de que nenhum conjunto de regras, por mais longas e detalhadas que
sejam, evitam à necessidade de deliberação e virtudes éticas. Se alguém escolhe
74
a vida de um filósofo, esse alguém deve manter o nível de seus recursos altos o
suficiente para assegurar o lazer necessário para tal vida, mas não tão alto que os
recursos externos se tornem um fardo e uma distração ao invés de um auxílio para
viver bem. Isso nos dá uma ideia mais firme de como atingir o meiotermo, mas
ainda deixa os detalhes a serem trabalhados. O filósofo terá de determinar, em
situações particulares, onde a justiça se encontra, como gastar sabiamente, quando
encontrar ou evitar um perigo e assim por diante. Todas as dificuldades normais da
vida ética permanecem, e só podem ser resolvidas através de uma compreensão
detalhada das particularidades de cada situação. Ter a filosofia como fim último não
põe fim à necessidade de desenvolver e exercer a sabedoria prática e as virtudes éticas.
7. Akrasía
Mas é claro que Aristóteles não quer dizer que uma pessoa em conflito tem
mais do que uma faculdade de razão. A sua ideia parece ser que, para além da nossa
plena capacidade de raciocínio, temos também mecanismos psicológicos capazes
de uma gama limitada de raciocínios. Quando sentimentos conflitam com a razão, o
que ocorre é melhor descrito como uma luta entre o sentirse ligado com um raciocínio
limitado e a plena capacidade de raciocínio. Uma parte de nós – a razão – pode retirar
se da influência que distorce o sentimento e considerar todos os fatores relevantes,
positivos e negativos. Mas outra parte de nós – sentimento ou emoção – tem um
campo de raciocínio mais limitado – e por vezes nem sequer faz uso dele.
Embora “paixão” seja por vezes usada como tradução da palavra páthos
de Aristóteles (outras alternativas são emoção e sentimento), é importante ter em
mente que seu termo não designa necessariamente uma força psicológica forte. A
raiva é um páthos, quer seja forte ou fraca; o mesmo acontece com o apetite pelos
prazeres corporais. E ele indica claramente que é possível que uma pessoa acrática
seja derrotada por um fraco páthos, do tipo que facilmente a maioria das pessoas
seria capaz de controlar (1150a 9b16). Portanto, a explicação geral para a ocorrência
de akrasía não pode ser que a força de uma paixão ultrapasse a razão. Aristóteles
deve, portanto, ser absolvido de uma acusação feita contra ele por J. L. Austin numa
conhecida nota de rodapé do seu artigo A Plea For Excuses. Platão e Aristóteles,
diz ele, teriam colapsado toda situação de sucumbir à tentação à noção de perder
o controle sobre si mesmo – um erro ilustrado por este exemplo:
8. Prazer
lugar, Aristóteles está disposto a dizer que o que parece prazeroso para algumas
pessoas pode de fato não ser prazeroso (1152b 312), tal como o que tem um sabor
amargo a um paladar pouco saudável pode não ser amargo. Chamar algo de prazer
não é apenas relatar um estado de espírito, mas também endossálo a outros. A
análise de Aristóteles sobre a natureza do prazer não se destina a aplicarse a todos
os casos em que algo parece agradável a alguém, mas apenas a atividades que
são realmente prazeres. Todas estas são atividades de um estado natural e desimpedidas.
Decorre dessa concepção de prazer que cada instância de prazer deve
ser boa até certo ponto. Pois como uma desimpedida atividade de um estado natural
pode ser má, ou uma questão de indiferença? Por outro lado, Aristóteles não quer
dizer que todo prazer deveria ser escolhido. Ele menciona brevemente o ponto de
que os prazeres competem entre si, de modo que o gozo de um tipo de atividade
impede outras atividades que não podem ser realizadas ao mesmo tempo (1153a
2022). Seu ponto é simplesmente que, embora alguns prazeres possam ser bons,
não vale a pena escolhêlos quando interferem com outras atividades que são muito
melhores. Este ponto é desenvolvido mais completamente em Ética X.5.
Além disso, a análise de Aristóteles permitelhe falar de certos prazeres
como “maus sem qualificação” (1152b 2633), ainda que o prazer seja a desimpedida
atividade de um estado natural. Chamar um prazer de “mau sem qualificação” é
insistir que ele deve ser evitado, mas permitir que seja escolhido em circunstâncias
restritivas. O prazer de se recuperar de uma doença, por exemplo, é mau sem
qualificação – o que significa que não é um dos prazeres que se escolheria idealmente,
se alguém pudesse controlar completamente as circunstâncias. Embora seja
realmente um prazer e, portanto, algo possa ser dito ao seu favor, é tão inferior a
outros bens que, idealmente, se deveria prescindir dele. No entanto, é um prazer
que vale a pena ter – se se acrescentar a qualificação que só vale a pena ter em
circunstâncias indesejáveis. O prazer de recuperar de uma doença é bom, porque
uma pequena parte de si próprio está num estado natural e age sem impedimentos;
mas também pode ser chamado de mau, se o que se quer dizer com isso é que se
deve evitar entrar numa situação em que se experimenta esse prazer.
Aristóteles indica várias vezes em VII1114 que apenas dizer que o prazer
é um bem não faz justiça o suficiente ao prazer; ele também quer dizer que o bem
mais elevado é um prazer. Aqui ele é influenciado por uma ideia expressa na frase
de abertura da Ética: o bem é aquele a que todas as coisas visam. Em VII.13, ele
insinua a ideia de que todos os seres vivos imitam a atividade contemplativa de
deus (1153b 312). As plantas e os animais não humanos procuram reproduzirse
80
pois essa é sua forma de participar numa série interminável, e este é o mais próximo
que podem chegar do pensamento incessante do que não se move. Aristóteles faz
essa observação em várias de suas obras (vide De Anima, 415a 23b7), e na Ética
X.78 ele dá uma defesa completa da ideia de que a vida humana mais feliz se
assemelha à vida de um ser divino. Ele concebe deus como um ser que goza
continuamente de um “prazer único e simples” (1154b 26) – o prazer do pensamento
puro – já os seres humanos, devido à sua complexidade, se cansam de tudo que
fazem. Ele desenvolverá esses pontos em X.8; em VII.1114, ele apela à sua
concepção da atividade divina apenas para defender a tese de que o nosso bem
mais elevado consiste num certo tipo de prazer. A felicidade humana não consiste
em todo o tipo de prazer, mas consiste em um tipo de prazer – o prazer sentido por
um ser humano que se envolve em atividades teóricas e assim, imita o pensamento
prazeroso de deus.
O Livro X oferece um relato muito mais elaborado do que é e do que não
é prazer. Não é um processo, porque os processos passam por fases de
desenvolvimento: construir um templo é um processo porque o templo não está
presente de uma só vez, mas só se torna realidade através de fases que se
desdobram ao longo do tempo. Pelo contrário, o prazer, tal como enxergar e muitas
outras atividades, não é algo que se torna realidade através de um processo de
desenvolvimento. Se desfruto de uma conversa, por exemplo, não preciso esperar
até que esteja terminada para me sentir satisfeito; tenho prazer na atividade ao
longo de todo o caminho. A natureza definidora do prazer é que ele é uma atividade
que acompanha outras atividades, e em certo sentido, as leva à sua conclusão. O
prazer ocorre quando algo dentro de nós, tendo sido colocado em boas condições,
é ativado em relação a um objeto externo que também se encontra em boas
condições. O prazer de desenhar, por exemplo, requer tanto o desenvolvimento da
habilidade de desenhar como um objeto de atenção que vale a pena desenhar.
A concepção de prazer que Aristóteles desenvolve no Livro X é obviamente
intimamente relacionada com a análise que ele faz no Livro VII. Mas a teoria proposta
no último Livro traz à tona um ponto que tinha recebido muito pouca atenção anteriormente:
o prazer é, pela sua natureza, algo que acompanha algo mais. Não basta dizer que é o
que acontece quando estamos em boas condições e somos ativos em circunstâncias
livres; é preciso acrescentar a esse ponto a ideia adicional de que o prazer desempenha
um certo papel no complemento de algo que não seja ele próprio. Desenhar bem e o
prazer de desenhar bem ocorrem sempre juntos, e por isso são fáceis de confundir, mas
a análise de Aristóteles no Livro X enfatiza a importância de fazer esta distinção.
81
Ele diz que o prazer completa a atividade que ele acompanha, mas depois
acrescenta, misteriosamente, que completa a atividade à maneira de um fim que é
acrescentado. Na tradução de W.D. Ross, ele “sobrevém como a flor da juventude
sobre aqueles na flor da sua idade” (1174b 33). Não é claro o que está expresso
aqui, mas talvez Aristóteles esteja apenas tentando evitar um possível malentendido:
quando ele diz que o prazer completa uma atividade, não significa que a atividade
que acompanha seja de alguma forma defeituosa, e que o prazer melhora a atividade
ao remover esse defeito. A linguagem de Aristóteles está aberta a essa má
interpretação porque o verbo que é traduzido por “completo” (teléein) pode também
significar “perfeito”. Este último pode ser entendido como significando que a atividade
acompanhada pelo prazer ainda não atingiu um nível suficientemente elevado de
excelência, e que o papel do prazer é leválo ao ponto da perfeição. Aristóteles não
nega que quando temos prazer numa atividade, ficamos melhores nela, mas quando
ele diz que o prazer completa uma atividade por superveniência, como a flor que
acompanha aqueles que atingiram o ponto mais alto da beleza física, o seu ponto
é que a atividade complementada pelo prazer já é perfeita e o prazer que a acompanha
é um bônus que não serve a mais nenhum propósito. Ter prazer numa atividade
nos ajuda a melhorála, mas o prazer não cessa quando a perfeição é alcançada
– pelo contrário, isto é, quando o prazer está no seu auge. É aí que revela mais
plenamente o que é: um bônus adicional que coroa a nossa realização.
É claro, em todo o caso, que no Livro X Aristóteles dá uma descrição mais
completa do que é o prazer do que ele tinha no Livro VII. Devemos tomar nota de
uma outra diferença entre estas discussões: no Livro X, ele faz notar que o prazer
é um bem, mas não o bem. Ele cita e apoia um argumento dado por Platão no
Filebo: se imaginarmos uma vida cheia de prazer e depois acrescentarmos
mentalmente sabedoria a ela, o resultado tornase mais desejável. Mas o bem é
algo que não pode ser melhorado dessa forma. Portanto, o prazer não é bem (1172b
2335). Pelo contrário, no Livro VII Aristóteles defende fortemente que o prazer da
contemplação é o bem, porque de uma forma ou de outra todos os seres vivos
visam este tipo de prazer. Aristóteles observa no Livro X que aquilo a que todas as
coisas visam é bom (1172b 351173a 1); significativamente, ele fica aquém do
argumento de que, uma vez que todas visam ao prazer, ele deve ser o bem.
No Livro VII faz notar que os prazeres interferem uns com os outros, e por
isso, mesmo que todos os tipos de prazeres sejam bons, não se segue que valha
a pena escolher todos eles. Devese fazer uma seleção entre os prazeres, determinando
quais são os melhores. Mas como é que se pode fazer esta escolha? O Livro VII
82
não diz, mas no Livro X, Aristóteles sustenta que a seleção dos prazeres não deve
ser feita com referência ao prazer em si, mas com referência às atividades que eles
acompanham. “Uma vez que as atividades diferem no que diz respeito à sua bondade
ou à sua maldade, valendo escolher alguns, e outros valendo evitar, e outros nenhum
dos dois – isso se aplica a prazeres” (1175b 246). A afirmação de Aristóteles implica
que, para determinar se, por exemplo, o prazer da atividade virtuosa é mais desejável
que o de comer, não nos devemos ater aos prazeres em si, mas às atividades com
as quais nos satisfazemos. A bondade de um prazer deriva da bondade da sua
atividade associada. E, certamente, a razão pela qual o prazer não é o critério a
que devemos recorrer na tomada dessas decisões é que ele não é o bem. O padrão
que devemos usar na comparação entre opções rivais é a atividade virtuosa, porque
se demonstra que isso é idêntico à felicidade.
É por isso que Aristóteles diz que o que é considerado agradável por um
homem bom é realmente agradável, porque o homem bom é a medida das coisas
(1176 a1519). Ele não quer dizer que a forma de conduzir as nossas vidas seja
procurar um homem bom e confiar continuamente nele para nos dizer o que é
agradável. Pelo contrário, o seu argumento é que não há forma de dizer o que é
genuinamente agradável (e, portanto, o que é mais agradável), a menos que já
tenhamos algum outro padrão de valor. A discussão do prazer de Aristóteles ajuda
assim a confirmar a sua hipótese inicial de que para viver bem as nossas vidas
temos de focar num tipo de bem acima de todos os outros: a atividade virtuosa. É
nos termos deste bem que todos os demais devem ser compreendidos. A análise
da amizade de Aristóteles apoia a mesma conclusão.
9. Amizade
O tema dos Livros VIII e IX da Ética é amizade. Embora seja difícil evitar
o termo “amizade” como tradução de philía, e este seja um termo preciso para o
tipo de relação em que ele está mais interessado, devemos ter em mente que ele
está discutindo uma gama mais ampla de fenômenos do que essa tradução poderia
nos levar a esperar, pois os gregos usam o termo philía para designar a relação
que existe entre os membros da família, e não a reservam para relações voluntárias.
Embora Aristóteles esteja interessado em classificar as diferentes formas que a
amizade assume, o seu tema principal nos Livros VIII e IX é mostrar a estreita
relação entre a atividade virtuosa e amizade. Ele recupera sua concepção da
83
desejo por sua própria felicidade. Alguém que tenha sabedoria prática reconhecerá
que precisa de amigos e de outros recursos para exercer suas virtudes durante um
longo período. Quando fizer amigos e beneficiar os amigos que houver feito, estará
ciente do fato de que tal relação é boa para ele. No entanto, ter um amigo é querer
beneficiar alguém em função do bem desta outra pessoa; isto não é uma estratégia
meramente egoísta. Aristóteles não vê aqui qualquer dificuldade, e com razão. Pois
não há razão para que atos de amizade não devam ser realizados em parte para
o bem do próprio amigo e em parte para o bem do próprio agente. Agir para o bem
de outro não exige, por si só, auto sacrifício. Exige cuidado com alguém para além
de si próprio, mas não exige alguma perda de cuidado para consigo mesmo. Pois
quando sabemos como beneficiar um amigo por causa dele, exercemos as virtudes
éticas, e é precisamente nisto que consiste a nossa felicidade.
Aristóteles deixa claro que o número de pessoas com quem se pode manter
o tipo de relação a que se chama uma amizade perfeita é bastante reduzido (IX.10).
Mesmo que se vivesse numa cidade povoada inteiramente por cidadãos perfeitamente
virtuosos, o número com quem se poderia manter uma amizade do tipo perfeita
seria, no máximo, um punhado de pessoas. Pois ele pensa que este tipo de amizade
só pode existir quando se passa muito tempo com a outra pessoa, participando de
atividades conjuntas e envolvendose em comportamentos mutuamente benéficos;
e não se pode cooperar nestes termos próximos com todos os membros da
comunidade política. Podese perguntar por que é este tipo de amizade íntima é
necessária para a felicidade. Se vivesse numa comunidade cheia de boas pessoas
e cooperasse ocasionalmente com cada uma delas, num espírito de boa vontade
e admiração, será que isso não proporcionaria espaço suficiente para uma atividade
virtuosa e uma vida bem vivida? É certo que os amigos próximos estão frequentemente
em melhor posição para beneficiarem um ao outro do que os cidadãos, que geralmente
têm pouco conhecimento das circunstâncias individuais de cada um. Mas isto só
mostra que é vantajoso estar no lado receptor da ajuda de um amigo. A questão
mais importante para Aristóteles é porque é necessário estar no fim da relação de
dar. E, obviamente, a resposta não pode ser que se precisa dar para receber; isso
transformaria o amor ativo pelo amigo num mero meio para os benefícios recebidos.
Aristóteles tenta responder a esta pergunta em IX.11, mas o seu tratamento
é decepcionante. O seu argumento mais completo depende crucialmente da noção
de que um amigo é “outro eu”, alguém, em outras palavras, com que se tem uma
relação muito semelhante à relação que se tem consigo próprio. Uma pessoa
virtuosa ama o reconhecimento de si própria como virtuosa; ter um amigo próximo
86
é possuir outra pessoa para além de si própria, cuja virtude se pode reconhecer
em ambientes extremamente próximos; e assim, deve ser desejável ter alguém
muito semelhante a si própria cuja atividade virtuosa se pode perceber. O argumento
é pouco convincente porque não explica por que a percepção da atividade virtuosa
nos cidadãos não seria um substituto adequado para a percepção da virtude nos
próprios amigos.
Aristóteles estaria em bases mais fortes se pudesse mostrar que, na
ausência de amigos próximos, temse uma severa restrição quanto aos tipos de
atividades virtuosas que se poderia empreender. Mas ele não pode apresentar tal
argumento, pois não acredita nisso. Ele diz que é “mais fino e mais divino” trazer o
bemestar de uma cidade inteira do que sustentar a felicidade de apenas uma
pessoa (1094b 710). Recusase a considerar a vida privada, o reino do lar e o
pequeno círculo de amigos, como o melhor ou mais favorável local para o exercício
da virtude. Está convencido de que a perda desta esfera privada prejudicaria
grandemente uma vida bem vivida, mas é difícil de explicar por quê. Ele poderia
ter feito melhor para se concentrar nos benefícios de ser objeto da solicitude de um
amigo íntimo. Tal como a propriedade é mal cuidada quando é propriedade de todos,
e tal como uma criança seria mal cuidada se não recebesse cuidados parentais
especiais, pontos que Aristóteles faz na Política (II.25), também na ausência de
amizade perderíamos um benefício que não poderia ser substituído pelos cuidados
da comunidade maior. Mas Aristóteles não está à procura de uma defesa deste tipo,
porque concebe a amizade como sendo principalmente uma atividade e não uma
receptividade. É difícil, dentro da sua estrutura, mostrar que a atividade virtuosa
para com um amigo é um bem de importância única.
Uma vez que Aristóteles pensa que a busca da própria felicidade, devidamente
compreendida, requer uma atividade eticamente virtuosa e será, portanto, de grande
valor não só para os amigos, mas também para a comunidade política em geral, ele
argumenta que o amorpróprio é uma emoção inteiramente adequada – desde que se
exprima no amor à virtude (IX.8). O amorpróprio é justamente condenado quando
consiste na busca de uma parte tão grande dos bens externos – especialmente riqueza
e poder – quanto se pode adquirir, porque esse amorpróprio inevitavelmente leva a um
conflito com os outros e mina a estabilidade da comunidade política. Pode ser tentador
moldar a defesa do amorpróprio de Aristóteles em termos modernos, chamandoo de
egoísta, e “egoísmo” é um termo suficientemente amplo para que, devidamente definido,
possa se adequar à perspectiva ética de Aristóteles. Se o egoísmo é a tese de que se
agirá sempre corretamente se se consultar o próprio interesse, devidamente entendido,
87
que tem uma compreensão completa de princípios causais básicos que regem o
funcionamento do universo, e que tem os recursos necessários para viver uma vida
dedicada ao exercício dessa compreensão. Evidentemente Aristóteles acredita que
a sua própria vida e a dos seus amigos filosóficos era a melhor disponível para um
ser humano. Ele compara essa vida com a de um deus: deus pensa sem interrupção
e infinitamente, e um filósofo goza de algo semelhante por um período de tempo limitado.
Pode parecer estranho que depois de dedicar tanta atenção às virtudes
práticas, Aristóteles deva concluir o seu tratado com a tese de que a melhor atividade
da melhor vida não é a ética. De fato, alguns estudiosos têm sustentado que X.7
8 está profundamente em desacordo com o resto da Ética; eles consideram que
Aristóteles está dizendo que devemos estar preparados para agir de forma pouco
ética, se necessário, a fim de nos dedicarmos à contemplação tanto quanto possível.
Mas é difícil acreditar que ele pretendesse desdizerse tão abruptamente, e há
muitas indicações de que ele pretende que os argumentos de X.78 sejam uma
continuação dos temas que ele enfatiza durante todo o resto da Ética. A melhor
maneira de o compreender é assumir que se necessitará das virtudes éticas para
viver a vida de um filósofo, ainda que o exercício dessas virtudes não seja o fim
último do filósofo. Para estar adequadamente equipada para viver uma vida de
pensamento e discussão, a pessoa precisará de sabedoria prática, temperança,
justiça e de outras virtudes morais. Dizer que há algo melhor até do que a atividade
ética, e que a atividade ética promove este objetivo superior, é inteiramente compatível
com todo o resto que encontramos na Ética.
Embora o principal objetivo de Aristóteles em X.78 seja mostrar a
superioridade da filosofia em relação à política, ele não nega que uma vida política
é feliz. A felicidade perfeita, diz ele, consiste na contemplação; mas ele indica que
a vida dedicada ao pensamento prático e à virtude ética é feliz de uma forma
secundária. Ele pensa nesta segunda melhor vida como a de um líder político,
porque ele assume que a pessoa que mais exerce plenamente qualidades tais como
justiça e grandeza de alma é o homem que tem os grandes recursos necessários
para promover o bem comum da cidade. A vida política tem um grande defeito,
apesar do fato de que consiste em exercer as virtudes éticas, porque é uma vida
desprovida de compreensão e atividade filosófica. Se alguém combinasse ambas
as carreiras praticando a política em determinados momentos e empenhado em
discussões filosóficas em outros momentos (como fazem os reis filósofos de Platão),
levaria uma vida melhor do que a do político de Aristóteles, mas pior do que a do
filósofo de Aristóteles.
90
Mas a sua queixa sobre a vida política não é simplesmente o fato de ser
desprovida de atividade filosófica. Os pontos que ele faz contra ela revelam os
inconvenientes inerentes à atividade ética e política. Talvez o mais revelador destes
defeitos é que a vida do líder político é num certo sentido sem lazer [unleisurely]
(1177b 415). O que Aristóteles tem em mente quando faz esta queixa é que as
atividades éticas são remediais: são necessárias quando algo correu mal ou corre
esse risco. A coragem, por exemplo, é exercida na guerra e a guerra soluciona um
mal; isto não é algo que se deva desejar. Aristóteles implica que todas as outras
atividades políticas têm a mesma característica, embora talvez em menor grau.
Justiça corretiva lhe forneceria mais provas para a sua tese – mas e que tal a justiça
na distribuição de bens? Talvez Aristóteles responda que nas comunidades políticas
existentes, uma pessoa virtuosa deve acomodarse ao método menor mal [least
bad] de distribuição, porque, sendo a natureza humana o que ela é, uma certa
quantidade de injustiça deve ser tolerada. Assim como a pessoa corajosa não pode
ser completamente satisfeita com a sua ação corajosa, não importa quanto autodomínio
demonstre, porque ele é um amante da paz e não um assassino, também a pessoa
justa que vive no mundo real deve experimentar algum grau de insatisfação com
as suas tentativas de dar a cada pessoa o que lhe é devido. Os prazeres de exercer
as virtudes éticas são, em circunstâncias normais, misturados com dor. O prazer
puro só está disponível quando nos removemos a nós mesmos deste mundo
demasiado humano e contemplamos a ordem racional do cosmos. Nenhuma vida
humana pode consistir unicamente nestes prazeres puros; e, em certas circunstâncias,
se pode dever à comunidade a renúncia a uma vida filosófica e a dedicação ao bem
da cidade. Mas os paradigmas da felicidade humana são aquelas pessoas que são
sortudas o suficiente para dedicar muito de seu tempo ao estudo de um mundo
mais ordenado do que o mundo humano que habitamos.
Embora Aristóteles argumente em favor da superioridade da vida filosófica
X. 78, ele diz em X.9, o capítulo final da Ética, que seu projeto não está completo
ainda, porque podemos fazer os seres humanos virtuosos ou bons, mesmo que em
algum pequeno grau, somente se empreendermos um estudo da arte da legislação.
A seção final da Ética é, portanto, concebida como um prolegômenos para os escritos
políticos de Aristóteles. Devemos investigar quais tipos de sistemas políticos exibidos
pelas cidadesestados gregas existentes, as forças que destroem ou as preservam,
e o melhor tipo de ordem política. Embora o estudo da virtude que Aristóteles acaba
de concluir seja útil para todos os seres humanos que foram bemeducados mesmo
aqueles que não têm a intenção de seguir uma carreira política também é projetado
91
para servir a um propósito maior. Seres humanos não podem realizar a felicidade
ou mesmo algo próximo a ela, a menos que vivam suas vidas em comunidade que
fomentem bons hábitos e forneçam os bens básicos para uma vida bem vivida.
O estudo do bem humano nos leva, portanto, a duas conclusões: a melhor
vida não se encontra na prática política. Mas o bemestar de comunidades inteiras
depende da disposição de alguns de levar a segunda melhor vida – uma vida
dedicada ao estudo e à prática da arte da política e à expressão daquelas qualidades
de pensamento e paixão em que se exibe o racional domínio de si mesmo.
Leituras Adicionais
B. Antologias
BARNES, 1980; J.M. COOPER, 1999 (cap. 12); FREDE, 2012; HEINAMAN
(ed.), 1995; IRWIN, 1988b; KARBOWSKI, 2014b, 2015a, 2015b; KONTOS, 2011;
KRAUT, 1998; MCDOWELL, 1995; NUSSBAUM, 1985, 1986 (cap. 89); REEVE,
1992 (cap. 1), 2012b; ROCHE, 1988b, 1992; SCOTT, 2015; SEGVIC, 2002; SHIELDS,
2012a; ZINGANO, 2007b.
ANNAS, 1993 (cap. 18); BARNEY, 2008; BROADIE, 2005, 2007a; CHARLES,
1999; CLARK, 1975 (1427, 145163); J.M. COOPER, 1986 (cap. 1, 3), 1999 (cap.
9, 13); CURZER, 1991; GADAMER, 1986; GERSON, 2004; GOMEZLOBO, 1989;
HEINAMAN, 2002, 2007; IRWIN, 2012; KEYT, 1978; KORSGAARD, 1986a, 1986b;
KRAUT, 1979a, 1979b, 1989, 2002 (cap. 3); LAWRENCE, 1993, 1997, 2001; G.R.
LEAR, 2000; J. LEAR, 2000; MACDONALD, 1989; NATALI, 2010; NUSSBAUM,
1986 (cap. 11, 12); PURINTON, 1998; REEVE, 1992 (cap. 3, 4); ROCHE, 1988a;
SANTAS, 2001 (cap. 67); SCOTT, 1999, 2000; SEGVIC, 2004; SUITS, 1974; VAN
CLEEMPUT, 2006; WEDIN, 1981; N. WHITE, 2002, 2006; S. WHITE, 1992; WHITING,
1986, 1988; WIELENBERG, 2004; WILLIAMS, 1985 (cap. 3).
C.6. Prazer
C.7. Amizade
ANNAS, 1977, 1993 (cap. 12); BREWER, 2005; J.M. COOPER, 1999 (cap.
14, 15); HITZ, 2011; KAHN, 1981; MILGRAM, 1987; NEHAMAS, 2010; PAKALUK,
1998; PANGLE, 2003; PRICE, 1989 (cap. 4 7); ROGERS, 1994; SCHOLLMEIER,
1994; SHERMAN, 1987; STERNGILLET, 1995; WALKER, 2014; WHITING, 1991.
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108
The following is the translation of the entry on “Moral Character” by Marcia Homiak in the
Stanford Encyclopedia of Philosophy. The translation follows the version of the entry in the
SEP’s archives at https://plato.stanford.edu/archives/sum2019/entries/moralcharacter/>.
This translated version may differ from the current version of the entry, which may have
been updated since the time of this translation. The current version is located https://
plato.stanford.edu/archives/sum2019/entries/moralcharacter/>.We’d like to thank the
Editors of the Stanford Encyclopedia of Philosophy, mainly Prof. Dr. Edward Zalta, for
granting permission to translate and to publish this entry.
110
1. Terminologia
português como está no texto, não havendo em português uma expressão equivalente
que use a expressão “caráter”. Mas, a ideia é que alguém é distinto por possuir certos
traços e não outros .
112
danos a outros para assegurar poder e riqueza para o nosso próprio conforto. Não
temos que ser virtuosos para reconhecer essas coisas. Mas os moralistas gregos
pensam que é necessário alguém de bom caráter moral para determinar com
regularidade e confiabilidade quais ações são apropriadas e razoáveis em situações
de medo e que é necessário alguém de bom caráter moral para determinar com
regularidade e confiabilidade como e quando garantir bens e recursos para si e
para outros. É por isso que Aristóteles afirma, na Ética a Nicômaco (II.9), que não
é fácil definir em regras quais ações merecem elogio e culpa moral, e que estas
questões requerem o julgamento de uma pessoa virtuosa.
Aristóteles define caráter moral na Ética a Nicômaco (II.6, 1106b 361107a 3):
de maus tratos) e deve estar disposta a se levantar por si mesma e por aqueles
com quem se preocupa. Não fazer isso, na visão de Aristóteles, indica o caráter
moralmente deficiente da pessoa que não se irrita. Também seria inapropriado se
ofender e ficar furioso se não houvesse nada acerca do que valha a pena ficar
furioso. Esta resposta indicaria o caráter moralmente excessivo de uma pessoa
irascível. As reações de uma pessoa temperante são apropriadas à situação.
Algumas vezes, intensa fúria é apropriado, em outra vezes, é o desapego calmo.
que tipos de vida viver, sobre que tipo de pessoa ser. Eles podem procurar por
razões para agir ou viver de uma maneira ao invés de outra. Em outras palavras,
ele podem se engajar em um raciocínio prático. Eles podem também pensar sobre
a natureza do mundo e porque ele parece se comportar como se comporta. Eles
podem considerar verdades científicas e metafísicas sobre o universo. Isso é se
engajar em raciocínio teórico (“contemplação” ou theōría). Não há concordância
entre especialistas se, e como, esses tipos de raciocínio podem ser distinguidos.
(para uma discussão da razão prática e teórica de Aristóteles, ver o verbete
relacionado “A Ética de Aristóteles”, neste volume). Mas, como veremos, quando
discutirmos a Política de Aristóteles, podemos assumir, para os propósitos desta
discussão, que a atividade racional prática e teórica são, pelo menos, tipos relacionados
de atividade racional. Isto na medida em que cada uma envolve exercitar as
habilidades que alguém tem de pensar, conhecer e considerar verdades que imaginou.
Como alguém compreende estes poderes completamente? Não por se
tornar adepto de todo tipo de atividade em que é necessário deliberar e julgar com
base na razão. Para tanto alguém teria que dominar todo tipo de atividade cultural,
científica e filosófica. Em vez disso, a ideia de Aristóteles é que um indivíduo
desenvolve essas habilidades na medida em que desfruta e valoriza o exercício de
seus poderes racionais realizados em uma ampla variedade de atividades diferentes
e até mesmo aparentemente desconexas. Quando isso ocorre, seu exercício destas
habilidade é uma fonte contínua de autoestima e desfrute. Ele passa a gostar de
sua vida e de si mesmo e agora possui um amor próprio genuíno (EN., 1168b281169a3).
Em Ética a Nicômaco (IX.8), Aristóteles clarifica os motivos e razões da
pessoa virtuosa através do contraste entre o amor próprio genuíno e um tipo
defeituoso que é reprovável. Pessoas com amor próprio reprovável desejam mais
ter a maior quantia de dinheiro, honras e prazeres corporais (vide EN., I.5). Dado
que ninguém pode ter uma grande parte sem negar estes bens a outros, esses são
os bens que são contestados e disputados. Este enfoque competitivo dos bens
externos nos leva a todo tipo de comportamento moralmente vicioso, por exemplo,
desonestidade (pleonexía), agressão, luxúria esbanjadora, intemperança, arrogância
e vaidade. Em contraste com aqueles que possuem um amor próprio reprovável,
os que possuem amor próprio genuíno retirarão prazer nas coisas corretas (eles
usufruirão do exercício de sua deliberação e de seus poderes de tomada de decisão,
ao invés de usufruírem da acumulação de riqueza e poder). Como resultado, eles
evitarão muitas ações e não serão atraídos por muitos prazeres dos vícios comuns.
Porque eles têm uma atitude apropriada em relação aos bens externos, estarão
120
prontos para sacrificar tais bens, se ao fazêlo eles alcançarem o que é bom. Eles
reconhecem que quando todos se concentram em fazer o que é bom, suas ações
promovem o bem comum (EN., 1169a 6). O raciocínio da pessoa virtuosa reflete
sua correta concepção de como viver (ele tem phrónēsis ou sabedoria prática) e
seu interesse pelo bem: ele vê que seu próprio bem é incluído no bem da comunidade
(EN., 1169a 36).
Resumo
A escola filosófica estoica existiu por cerca de cinco séculos, desde sua
fundação por volta de 300 AEC até o segundo século da EC. Como Sócrates, Platão
e Aristóteles, os filósofos estoicos divergiram sobre algumas questões acerca das
virtudes, mas eles parecem também ter compartilhado um núcleo comum de visões.
Esta seção do verbete sobre caráter irá discutir brevemente a visão comum deles.
Os filósofos estoicos têm uma visão de caráter que é próxima a de Sócrates,
mas eles a alcançam através de uma concordância com Aristóteles. Os estoicos
assumem que a vida boa para os seres humanos é uma vida em acordo com a
natureza. Eles concordam com Aristóteles que a essência dos seres humanos é
uma vida de acordo com a razão. Assim, para identificar o que está de acordo com
a natureza, eles procuram pelo desenvolvimento dos poderes racionais dos seres
humanos. Eles pensam que quando uma pessoa começa a usar a razão
instrumentalmente para satisfazer e organizar seus desejos e apetites, ela começa
a valorizar o exercício da razão por si mesmo. Ele entende que a conduta que exibe
uma ordem racional é muito mais valiosa que qualquer vantagem natural (tais como
saúde, amizade ou comunidade) buscada por suas ações individuais. No fim das
contas, como Aristóteles argumentou, o bem humano deve ser estável, estar sob
nosso controle e ser difícil de tirar de nós. Os estoicos concluem que o bem humano
consiste na atividade racional excelente, porque uma pessoa pode guiar suas ações
pela escolha racional não importando qual infortúnio ele possa encontrar. A pessoa
virtuosa se torna o sábio (sophós) que tem e age baseado no conhecimento do
bem. Suas ações são informadas por seus insights sobre as vantagens de aperfeiçoar
a sua racionalidade através da ação em acordo com a ordem racional da natureza.
Como Sócrates, a visão estoica da virtude focase nos estados cognitivos da pessoa
virtuosa: é seu conhecimento da ordem racional do universo e seu desejo de estar
em acordo com a ordem racional que o leva a agir como age.
Para ser virtuosos não há necessidade de desenvolver qualquer outra
capacidade além das capacidades cognitivas, porque os estoicos defendem, contra
Platão e Aristóteles, que não há realmente uma parte nãoracional da alma. Embora
os estoicos admitam que existem paixões tais como a raiva, medo e assim por
diante, eles as tratam como erros de julgamento sobre o que é bom e mal. Já que
a pessoa sábia ou virtuosa é sensata e não tem julgamentos errados sobre o bem,
124
ela não tem paixões. Assim, se o sábio perde qualquer vantagem natural por
infortúnio, ele não tem emoções sobre elas. Pelo contrário, ele as vê como
“indiferentes” (adiáphora). Alguém pode então questionar como o sábio pode ser
verdadeiramente chamado de virtuoso. Pois se ele vê a saúde e o bemestar de si
mesmo e dos outros como indiferentes, por que ele agiria para garantir ou proteger
o seu bemestar ou o de outros, como provavelmente faria uma pessoa virtuosa?
Os estoicos respondem que as vantagens naturais ainda são perseguidas, mas
somente para alcançar a concordância com a natureza e realizar os poderes racionais
de plenamente. Eles são “indiferentes preferidos”.
Diferentemente de Platão e Aristóteles, os estoicos não pensavam as virtudes
como desenvolvidas e sustentadas por qualquer tipo particular de comunidade. É verdade
que as relações sociais e a comunidade estão entre os indiferentes preferidos, pois
devem ser preferidos às condições opostas de hostilidade, guerra e inimizade. Mas eles
não são necessários para a felicidade de ninguém. Se nós os perdemos, isso não é
uma perda de um bem genuíno. Por exemplo, o estoico Epiteto (c. 55c.135), um escravo
liberto, argumentava que a morte de um membro da família não é uma perda real e não
é pior que quebrar um copo. A comunidade que importava para os estoicos era cósmica.
Quando as pessoas alcançam a racionalidade perfeita, elas concordam com a ordem
racional de um universo governado pela razão divina. Isso mostra que, virtuosos ou não,
todos nós somos governados por uma lei e, assim, pertencemos a uma comunidade
universal. Como seres racionais, nós reconhecemos isso, porque reconhecemos que
compartilhamos a razão com outros seres humanos. O estoico Marco Aurélio (121180),
um imperador romano, faz as conexões dessa maneira: “Se assim for [ou seja, que a
razão é compartilhada], então também a razão que ordena o que deve ser feito ou
deixado de fazer é comum. Se assim for, a lei também é comum; se assim for, somos
cidadãos; se assim for, somos participantes de uma constituição; se assim for, o Universo
é uma espécie de Comunidade (MARCO AURÉLIO, As Meditações, IV.4). Os estoicos
concluíram que, como seres racionais, não temos razões para não estender nossas
preocupações para além de nossa família, amigos e a comunidade imediata, de modo
a alcançar nossos concidadãos da comunidade mundial.
Os estoicos vieram a representar um modo de vida de acordo com o qual
alguém pode se esforçar pelo bemestar dos outros, sejam amigos ou estranhos,
sem se importar com recompensas materiais ou sucesso mundano. Porque sua
visão das virtudes era independente de qualquer estrutura social e política particular,
sua mensagem era um apelo para todos os tipos de pessoas, gregas ou não gregas,
escravas ou livres, ricas ou pobres.
125
Para uma discussão mais detalhada sobre a visão grega do caráter, confira
os trabalhos de Dent (1975), Irwin (1989, 1996), e Sherman (1989).
3.2. Kant
a paixão. Kant escreve que a virtude “contém um comando positivo para os homens,
nomeadamente, colocar todas as suas capacidades e inclinações sob seu controle
(sob o controle da razão) e, assim, governar sobre si mesmo... pois, a menos que
a razão segure as rédeas do governo em suas próprias mãos, os sentimentos e
inclinações do homem o dominam” (KANT, Metafísica dos Costumes, Ak. 408). Para
uma discussão mais detalhada da visão de Kant sobre virtudes, confira o trabalho
de O’Neill (1996).
No entanto, existem outros filósofos para os quais o interesse pela virtude
ou pelo bom caráter assume um aspecto mais semelhante ao dos gregos. Este
renascimento das ideias gregas pode ser visto em filósofos que mostram interesse
nos fundamentos psicológicos do caráter bom.
3.3. Hume
Outro exemplo do uso das visões gregas do caráter pode ser encontrado
nos escritos de Karl Marx (18181883) e John Stuart Mill (18061873). Embora Marx
seja melhor conhecido por suas críticas virulentas ao capitalismo e Mill por sua
exposição e defesa do utilitarismo liberal, estes filósofos são tratados juntos aqui,
porque seus enfoques do caráter são profundamente aristotélicos em pontos cruciais.
Ambos aceitam a ideia de Aristóteles de que a virtude e o caráter bom são baseados
na autoestima e autoconfiança, que surge da satisfação retirada da expressão
completamente realizada dos poderes racionais característicos do seres humanos.
Eles também aceitam o reconhecimento de Aristóteles de que a produção e a
preservação deste tipo de autoestima requer que os indivíduos sejam partes de
uma estrutura sóciopolítica específica. Aristóteles enfatizava a necessidade de um
tipo especial de comunidade política. Marx focouse a locais de trabalho democráticos
e menores. O foco de Mill, ainda diferente, era a igualdade política e igualdade na família.
O Manuscritos EconômicoFilosóficos (1844), de Marx, é famoso pela
discussão de como a organização do trabalho sob o capitalismo aliena os trabalhadores
e encorajaos a aceitar os valores da sociedade capitalista. Trabalhadores que estão
comprometidos com os valores capitalistas são caracterizados, primariamente, por
atitudes autointeressadas. Estão muito mais interessados em seus próprios avanços
materiais, são desconfiados das intenções aparentemente boas dos outros e veem
os outros, primariamente, como competidores em posições escassas. Dadas essas
atitudes, eles estão propensos a um número de vícios, incluindo covardia, intemperança
e falta de generosidade.
A discussão de Marx do trabalhador alienado sugere como o trabalho pode
ser reorganizado para eliminar a alienação, minar o comprometimento com os
valores e objetivos tradicionais capitalistas e produzir atitudes mais características
das pessoas virtuosas de Aristóteles. A chave para essa transformação depende
de reorganizar a natureza do trabalho de um modo que os trabalhadores possam
expressar o que Marx chamava de suas “enteespécie” ou aquelas características
do eu que são caracteristicamente humanas. De modo muito similar a Aristóteles,
Marx parece querer se referir a uma capacidade individual de raciocinar, e em
particular a seu poder de escolher, decidir, descriminar e julgar. Se o trabalho é
reorganizado para habilitar os trabalhadores a expressar seus poderes racionais,
então cada trabalhador realizará tarefas que são interessantes e mentalmente
desafiadoras (nenhum trabalhador realizará tarefas estritamente monótonas, rotineiras
132
No capítulo IV de A Sujeição das Mulheres, Mill vai mais longe ao afirmar que “todas
as propensões que existem na humanidade ao egoísmo, à autoadoração e à
autopreferência injusta têm sua origem e raízes, e derivam seu principal alimento,
da presente constituição da relação entre homens e mulheres” (MILL, 1988, p. 86).
Mulheres que têm sido legalmente e socialmente subordinadas aos homens tornam
se dóceis, submissas, abnegadas e manipuladoras. Em resumo, o homem demonstra
os vícios do senhor de escravos, enquanto a mulher demonstra os vícios do escravo.
Para que as vidas morais e relacionamentos psicologicamente saudáveis sejam
possíveis, Mill defendeu a alteração dos arranjos matrimoniais, apoiados por
mudanças na lei, que promoveriam o desenvolvimento e o exercício dos poderes
deliberativos das mulheres junto com os dos homens. Apenas sob tais condições
as mulheres e homens poderiam adquirir o real sentimento de autoestima, ao invés
de sentimentos de falsa inferioridade ou superioridade.
Assim como Aristóteles, Mill reconheceu o poder das instituições políticas
para transformar os desejos e objetivos dos indivíduos e para melhorálos moralmente.
No capítulo III, de Considerações sobre o Governo Representativo, Mill escreve
com aprovação sobre as instituições democráticas da Atenas antiga. Ele acreditava
que, ao participar dessas instituições, os atenienses eram chamados a se erguer
acima de suas parcialidades individuais e a considerar o bem geral. Na cooperação
com os outros no governo de suas comunidades, ele escreveu, cada cidadão “é
levado a se sentir parte do público, e qualquer que seja o interesse deles será o
seu interesse” (MILL, 1991, p. 79).
Assim como Marx, Mill reconheceu os efeitos moralmente perturbadores
de uma vida limitada ao trabalho rotineiro e não especializado. Em Princípios de
Economia Política, ele recomendou que as relações de dependência econômica
entre capitalistas e trabalhadores sejam eliminadas, em favor de cooperativas de
trabalhadores com capitalistas ou de cooperativas formadas apenas por trabalhadores.
Nessas associações, os membros eram proprietários quase iguais de ferramentas,
matériasprimas e capital. Eles trabalhavam como artesãos qualificados sob regras
autoimpostas. Eles elegiam e destituíam seus próprios gerentes. Ao elevar a
dignidade do trabalho, Mill pensava que tais cooperativas poderiam converter "a
ocupação diária de cada ser humano em uma escola de simpatias sociais e inteligência
prática" e aproximar as pessoas da justiça social tanto quanto se poderia imaginar
(MILL 1900, vol. 2 , p. 295).
135
3.5. T. H. Green
perigo ao bem comum. Green (1969, p. 263) escreve: “tal repressão deve ser
mantida sobre as concupiscências da carne de modo a impedilas de emitir o que
um grego conhecia como hýbris uma espécie de autoafirmação e agressão aos
direitos dos outros [...] que era considerada a antítese do espírito cívico”
Green estava certo ao perceber que sua visão foi antecipada pelos gregos.
Ele viu, assim como Aristóteles, que viver bem requer o exercício dos poderes
racionais desenvolvidos, e que as pessoas que realizaram seus poderes e formaram
traços virtuosos de caráter visam o bem comum, que é parte de seu próprio bem.
Como Aristóteles, Green pensa que que tal desenvolvimento requer que o indivíduo
seja um participante em um tipo especial de comunidade política – uma “onde a
livre combinação de cidadãos que se respeitam mutualmente” (GREEN, 1969, p.
263) põe em prática a lei igual e o bem comum.
Para mais discussões sobre a interpretação de Green e o uso da visão de
Aristóteles, confira Irwin (2009).
3.6. Rawls
liberdades iguais, de acordo com o qual cada pessoa tem a mesma reivindicação
por um completo e adequado esquema de liberdades básicas. (2) e um segundo
princípio que especifica duas condições que devem ser satisfeitas a fim de que as
desigualdades socioeconômicas sejam permissíveis. Essas condições são igualdade
justa de oportunidades e o princípio da diferença.
Considere a discussão de Rawls da garantia de liberdades iguais sob o
primeiro princípio de justiça. Esse princípio cobre dois tipos de liberdades, liberdades
pessoais e liberdades políticas. Sob esse princípio, cada pessoa é portadora das
liberdades de ambos os tipos como um direito básico. Mas Rawls vai além e
argumenta que as liberdades políticas devem ser asseguradas por seu “valor
justo” (RAWLS, 1999a, p. 243). Isso significa que as chances de ocupar cargos e
exercer influência política devem ser independentes da posição socioeconômica.
Caso contrário, "o poder político se acumula rapidamente e se torna
desigual" (RAWLS,1999a, p. 199). Para preservar o valor justo, Rawls não segue
a estratégia de Aristóteles de tornar a participação política um requerimento para
todos os cidadãos. No entanto, ele compartilha com Aristóteles a visão de que a
garantia do valor justo tem o objetivo de promover e sustentar o status comum dos
cidadãos de cidadãos iguais (RAWLS, 1999a, p. 205206). Além disso, Rawls
concorda com Mill que a participação política contribui para o desenvolvimento
moral dos cidadãos. Como apontado na seção 3.4 acima, quando elogia a democracia
ateniense, Mill escreve que quando o cidadão participa na deliberação pública, “ele
é chamado […] a pesar outros interesses que não só os seus, a ser guiado, no caso
de reivindicações conflitantes, por outra regra que não suas parcialidades privadas;
aplicar a cada passo princípios e máximas que têm como razão de sua existência
o bem geral… é levado a se sentir parte do público, e a tomar os interesses do
último como seus interesses” (MILL, 1991, p. 79). A garantia da liberdade política
tanto fortalece o senso dos cidadãos de seu próprio valor quanto amplia suas
sensibilidades morais.
Na parte III, Rawls voltase a questão de como os indivíduos adquirem um
desejo de agir de forma justa, e de fazêlo pelas razões corretas, quando viveram
e se beneficiaram de instituições justas (RAWLS, 1999a, p. 399). A descrição de
Rawls está em débito com a visão de Aristóteles de várias forma. Primeiro, Rawls
defende, como Aristóteles fez, que se instituições adequadas estão estabelecidas,
então as atitudes e comportamentos associados com o desejo de agir justamente
emergirão naturalmente, como resultado de tendências psicológicas que as pessoas
experimentam na vida cotidiana. Pois, sendo as outras coisas iguais, é parte da
138
outros fazem. Desta forma, o senso dos indivíduos acerca do que estão fazendo é
valioso. O amorpróprio deles, para usar a linguagem aristotélica, tornase uma
conquista do grupo.
Finalmente, no terceiro estágio, na medida em que indivíduos passam a
perceber como as instituições reguladas pelos princípios de justiça promovem seu
bem e o bem de seus concidadãos, eles tornamse ligados a esses princípios e
desenvolvem um desejo de aplicálos e de agir de acordo com eles. Como a principal
instituição da pólis ideal de Aristóteles, as instituições reguladas pelo dois princípios
da justiça de Rawls têm somo objetivo promover o bem dos cidadãos através da
promoção das bases sociais da autoestima dos indivíduos (bem primário do
“autorrespeito” de Rawls). A provisão de liberdades iguais de acordo com o primeiro
princípio de justiça permite aos cidadãos formar as associações nas quais seus
objetivos e ideais comuns podem ser perseguidos. Como vimos, essas associações
são necessárias para que o respeito próprio seja produzido e mantido. A garantia
do valor justo da liberdade política, junto com a igualdade justa de oportunidades
sob o segundo princípio de justiça de Rawls, evita o acúmulo excessivo de propriedade
e riqueza e mantém oportunidades iguais de educação para todos, permitindo que
todos com motivação e capacidade semelhantes tenham aproximadamente iguais
perspectivas de cultura e realização (RAWLS, 1999a, p. 63). Tomados juntos, estes
dois princípios garantem que as pessoas tenham esperanças razoáveis de realizar
seus objetivos. Finalmente, o princípio da diferença serve para garantir a todos um
padrão de vida decente, independentemente de qual seja a posição social, os
talentos naturais ou a fortuna de cada cidadão. O princípio da diferença, Rawls
escreve, corresponde a “ideia de não querer ter maiores vantagens, a menos que
isso seja para o benefício de outros que estão menos favorecidos” (RAWLS, 1999a,
p. 90). De várias maneiras, os dois princípios, combinados, equivalem a um
reconhecimento público de que cada cidadão tem o mesmo valor.
Uma vez que as instituições são constituídas, Rawls pensa que os piores
aspectos da divisão social do trabalho podem ser superados. Ninguém, ele escreve
“precisa ser servilmente dependente de outros e forçado a escolher entre ocupações
monótonas e rotineiras que amortecem o pensamento e a sensibilidade humana” (RAWLS,
1999a, p. 464). Aqui Rawls observa os mesmos problemas com muitos tipos de
trabalho remunerado que tanto perturbaram Aristóteles. O trabalho remunerado
muitas vezes limita o exercício do poder de decisão do trabalhador e exige que ele
se conforme à direção dada por outros. Claro, Rawls não sugere resolver esses
problemas como Aristóteles fez. Mas ele acha que eles precisam ser resolvidos e
140
que uma sociedade justa pode resolvêlos, talvez adotando a proposta de Mill (vide
Seção 3.4) de reestruturar os locais de trabalho para se tornarem cooperativas
administradas pelos trabalhadores (MILL, 2001, p. 178).
Para mais discussões da visão de Rawls sobre como as instituições moldam
nossa caráter, confira Freeman (2007, cap. 6) e Edmundson (2017, cap. 3).
Marx, Mill e Rawls sugerem como o caráter pode ser moldado por
circunstâncias anteriores – Marx pelas estruturas econômicas; Mill pelo trabalho
remunerado, vida política e relacionamentos familiar; Rawls pelas instituições
reguladas pelos dois princípios de justiça. No entanto, esses insights sobre o efeito
das instituições no caráter parecem levantar outras questões mais preocupantes:
se nosso caráter é o resultado de instituições sociais e políticas que estão além de
nosso controle, então talvez não estejamos no controle de nosso caráter e nos
tornarmos decentes não é uma possibilidade real.
Susan Wolf é uma das muitas filósofas contemporâneas que aborda essas
questões. Em seu Freedom With Reason, Wolf argumenta que quase toda educação
moralmente problemática poderia ser coerciva, e poderia fazer com que uma pessoa
se tornasse incapaz de ver o que ela deve fazer moralmente ou de agir com base
no reconhecimento do que deve fazer. Como exemplos, Wolf cita cidadãos comuns
da Alemanha nazista, filhos brancos de proprietários de escravos na década de
1850 e pessoas educadas para adotar papéis sexuais convencionais. Wolf pensa
que não há método para determinar quais formações e influências são consistentes
com a capacidade de ver o que deve ser feito e agir de acordo. Consequentemente,
ela pensa que sempre há o risco de sermos menos responsáveis por nossas ações
do que esperamos.
Tal ceticismo pode estar errado. Afinal, se o caráter bom é baseado em
respostas psicológicas que ocorrem naturalmente, respostas que a maioria das pessoas
(incluindo pessoas educadas para adotar crenças racistas e sexistas) experimentam
sem dificuldade, então a maioria das pessoas deveria ser capaz de se tornar melhor
e ser responsável por ações que expressam (ou poderiam expressar) seu caráter.
Ainda assim, isso não quer dizer que mudar o caráter de alguém seja fácil,
direto ou rapidamente alcançado. Se o caráter é formado ou malformado pelas
estruturas política, econômica e da vida familiar, então mudar o caráter de alguém
141
pode exigir acesso às forças transformadoras apropriadas, que podem não estar
disponíveis. Nas sociedades modernas, por exemplo, muitos adultos ainda trabalham
em empregos alienantes, que não proporcionam oportunidade de realizar os poderes
humanos e de experienciar os prazeres da autoexpressão. Isto se aplica especialmente
às mulheres, devido a arranjos domésticos desiguais, responsabilidade quase total
de cuidar de crianças e segregação sexual no local de trabalho, muitas vezes
enfrentando empregos sem futuro e de baixa remuneração, que incentivam
sentimentos de ódio por si mesmas. Em uma família em que o poder econômico e,
consequentemente o psicológico, é desigual entre mulheres e homens, a afecções
como Mill reconheceu, pode prejudicar ambas as partes. Então, muitas mulheres
e homens hoje podem não estar bem posicionados para desenvolver completamente
as capacidades psicológicas que Aristóteles, Marx, Mill e Rawls consideravam
fundacionais para o caráter virtuoso.
Essas considerações indicam porque o caráter se tornou uma questão
central não apenas em ética, mas também na filosofia feminista, filosofia política,
filosofia da educação e filosofia da literatura. Se desenvolver caráter moral bom
requer ser membro de uma comunidade na qual cidadãos podem realizar completamente
seus poderes humanos e laços de amizade, então necessitamos perguntar como
as instituições educacionais, econômicas, políticas e sociais devem ser estruturadas
para tornar esse desenvolvimento possível. Alguns filósofos contemporâneos estão
abordando hoje essas questões. Por exemplo, Martha Nussbaum utiliza as virtudes
aristotélicas para delinear um ideal democrático em (1990b). Andrew Mason (1996)
explora como as forças do mercado capitalista dificultam o florescimento das virtudes.
Jon Elster (1987) interpreta Marx como alguém que oferece um concepção de vida
boa que consiste em autorrealização ativa, que pode ser promovida ou impedida
por instituições econômicas e políticas. John Bernard Murphy (1993) reconstrói a
visão de Aristóteles sobre deliberação prática e tomada de decisão para mostrar
como elas podem produzir uma teoria do trabalho produtivo que nos ajude a ver o
que há de errado com o trabalho no mundo contemporâneo e como reorganizálo.
Rosalind Hursthouse (2001) aplica uma visão aristotélica das emoções em uma
investigação acerca de atitudes racistas. Marcia Homiak (2010) desenvolve as
visões de Aristóteles e Mill sobre o poder transformador das instituições para explorar
as possibilidades de viver virtuosamente em um mundo imperfeito. Laurence Thomas
(1989) usa as discussões de Aristóteles do amor próprio e amizade para argumentar
que essa última auxilia a desenvolver e manter um caráter moral bom. E se alguém
está interessado em entender o que é a natureza moral do caráter e até que ponto
142
pode ser alterado, encontrará exemplos úteis tanto do bom como do mau caráter
moral em escritores literários. Para uma discussão filosófica do uso do caráter nos
escritores literários, confira Taylor (1996) e Nussbaum (1990a).
Finalmente, pode ser útil notar que esta breve discussão da história das
visões filosóficas do caráter indica que o caráter tem desempenhado, ou pode
desempenhar, um importante papel em uma variedade de tradições éticas ocidentais,
desde visões centradas nas virtudes gregas ao kantismo, utilitarismo até o marxismo.
Desse modo, a alegação provocativa de Anscombe com a qual este verbete começou
– que as duas maiores tradições na teoria moral moderna (kantinismo e utilitarismo)
tem ignorado questões acerca das virtudes e do caráter para seu próprio prejuízo
– não parece completamente verdade. Não obstante, alguns dos pontos de vista
levantados aqui parecem dar um papel mais proeminente ao caráter e virtude do
que outros. Não é fácil explicar precisamente no que consiste essa proeminência.
Embora um tratamento completo dessas questões esteja além do escopo deste
ensaio, uma indicação preliminar de como elas podem ser abordadas pode ser
oferecida. Para mais discussões dessas questões, veja Trianosky (1990), Watson
(1990), Homiak (1997) e Hursthouse (2001).
Como este verbete tem indicado, a visão de Kant pode fornecer um papel
para a virtude, pois é importante para Kant que cumpramos nossos deveres
imperfeitos com o espírito correto. A pessoa virtuosa possui as tendências propriamente
cultivadas de sentir, que tornam mais fácil cumprir seus deveres imperfeitos. Esses
sentimentos apoiam seu reconhecimento do que é correto e são um sinal que ela
está disposta a cumprir com seus deveres. Dado a visão de Kant das emoções
como recalcitrantes e em contínua necessidade de controle da razão, a virtude
equivale a uma espécie de autodomínio ou continência. Podese colocar isso dizendo
que, para Kant, o caráter virtuoso é subordinado às reivindicações da razão prática.
Por outro lado, a visão de Aristóteles é usualmente considerada com um
exemplo paradigmático de uma “ética das virtudes”, uma ética teórica que dá
prioridade ao caráter virtuoso. Para ver o que isso pode significar, lembrese de
que, para Aristóteles, a pessoa virtuosa possui um amor próprio genuíno e desfruta
mais do exercício de suas habilidades de pensar e conhecer. Esse usufruto guia
suas determinações práticas de quais ações são apropriadas em quais circunstâncias,
e a torna pouco atraída pelos prazeres associados aos vícios comuns. Suas
tendências emocionais propriamente cultivadas não são vistas como aspectos
recalcitrantes de seu ser, que precisam ser controlados pela razão. Antes, suas
decisões práticas são informadas e guiadas pelo usufruto que ela tem em seus
143
poderes racionais. Alguém pode colocar isso dizendo que, na visão de Aristóteles,
a deliberação prática é subordinada ao caráter.
Então, alguém pode perguntar se as outras visões éticas tomam a deliberação
prática como sendo subordinada ao caráter, ou viceversa. Como este verbete tem
indicado, Hume aparece estar do lado de Aristóteles, e dá prioridade ao caráter
sobre a deliberação prática. Pois ele sugere que alguém com as virtudes naturais
baseadas na autoestima terá os poderes imaginativos mais amplos necessários
para a deliberação correta do ponto de vista do espectador judicioso. Se Mill pensava
ou não que o caráter é subordinado à razão pode depender do tipo de utilitarismo
que ele defendeu. Se ele é um utilitarista de motivos que pensa que alguém deve
agir do modo como agiria a pessoa com os motivos e virtudes mais produtivos para
a felicidade, então poderia se argumentar que ele deu prioridade ao caráter sobre
a razão prática. Se, por outro lado, ele é um utilitarista de ato ou de regra, então
parece que ele daria ao caráter um papel subordinado à razão. Essas breves
observações indicam que a questão de se um teórico ético dá prioridade ao caráter
pode ser determinada apenas por uma análise completa dos vários elementos
críticos da visão desse filósofo.
Para uma discussão extensa e com nuances, confira Miller (2013, 2014)
e a Seção 2 do verbete Enfoques empíricos do caráter moral, presente neste volume).
Um dos enfoques é inspirado pelo “sistema de personalidade cognitivo
afetiva” (o chamado modelo SPCA [em português] e CAPS model [em inglês], que
tem sido desenvolvidos por psicólogos sociais e cognitivos. Ao invés de procurar
por evidências empíricas de traços robustos em regularidades comportamentais
entre tipos diferentes de situações, o modelo SPCA (e filósofos influenciados por
ele) focase na relevância de como os agentes entendem a situação na qual se
encontram. O modelo entende a estrutura da personalidade como a organização
de relações entre “unidades cognitivoafetivas”. Essas unidades são agrupamentos
de disposições par sentir, desejar, acreditar e planejar que, uma vez ativados,
causam a formação de vários pensamentos, sentimentos e comportamentos.
Filósofos que fundamentam seu entendimento da virtude neste tipo de teoria
psicológica estendem o modelo SPCA para cobrir traços virtuosos robustos de
caráter. Essas traços são vistos como disposições duradouras que incluem os
agrupamentos apropriados de pensamento (razão prática), desejo e sentimento,
manifestados no comportamento situacional cruzado.
Para uma discussão detalhada do modelo SPCA e seu possível valor para
os filósofos, confira Miller (2003, 2014), Russell (2009) e Snow (2010).
Outros filósofos não pensam que a extensão do modelo SPCA seja
especialmente útil, pois não parece nos mover para além do nosso entendimento
de senso comum da virtude. Estamos preparados para partir da ideia de que ser
virtuoso não é apenas estar disposto a agir, mas também a sentir, responder e
raciocinar. E não simplesmente raciocinar, mas raciocinar bem. Para que esta
abordagem seja útil, precisamos de alguma descrição sobre o que consiste no
raciocínio prático excelente.
Alguns filósofos pretendem fornecer o que é necessário olhando para os
estudos psicológicos do prazer6 . Eles propõem que virtudes são análogas a (algumas)
habilidades, no sentido de que o tipo de habituação envolvida no desenvolvimento
e atuação de um caráter virtuoso é como o tipo de habituação inteligente típica do
desenvolvimento e exercício de (algumas) habilidades complexas. Os estudos
6 N.T.:No original consta o termo enjoyment que pode ser traduzido como “prazer” ou
como, aproximadamente, a “sensação de usufruir de prazer”, por uma questão de
simplicidade, preferimos manter o termo “prazer”.
148
empíricos do prazer mostram que, outras coisas sendo iguais, nós usufruímos do
exercício de habilidades desenvolvidas, e quanto mais complexa a habilidade, mais
usufruímos de seu exercício. Se a aquisição e exercício da virtude é análogo ao
desenvolvimento e exercício de uma habilidade complexa, nós podemos, este
enfoque sugere, explicar uma variedade de pontos centrais sobre atividades virtuosas
– por exemplo, que, assim como (algumas) habilidades, a atividade virtuosa é
experenciada como sendo seu próprio fim, como sendo aprazível nela mesma e,
então como valiosa em si. Para uma discussão virtude como algo similar à habilidade
complexa, confira os trabalhos de Annas (2011), Bloomfield (2014), Stichter (2007,
2011) e, ainda, consulte Sherman (1989).
Situacionistas podem insistir e responder que enfatizar o papel da expertise
no raciocínio prático é tornar o caráter moral bom um ideal que muito poucos de
nós pode realizar, se é que alguém pode. Sob algumas concepções de conhecimento
moral, tal como a proposta por Platão na República, adquirir o conhecimento
necessário para virtude leva mais de 50 anos de treinamento psicológico e intelectual.
E, como indicado na seção 2.4 deste verbete, na visão de Aristóteles a completa
realização de nossos poderes racionais, que é requerida para o caráter moral bom,
não é algo que podemos alcançar por conta própria. O desenvolvimento e preservação
do caráter moral bom requer instituições políticas que promovam as condições sob
as quais o amorpróprio e a amizade floresçam. O situacionista pode questionar o
quão útil a concepção tradicional de caráter bom pode ser, se adquirir caráter
virtuoso é um processo longo e difícil tornado possível por instituições sociais que
ainda não existem. O situacionista pode tomar esses problemas como indício para
sua visão de que estamos melhores pensando em termos de traços locais ao invés
de traços robustos.
Concluindo, é apropriado relembrar a discussão da seção 4 acima. Por
um lado, sob uma visão de caráter tal como a de Aristóteles, que se baseia nas
capacidades comuns de experimentar os prazeres da autoexpressão e de responder
com sentimentos amigáveis aos esforços dos outros para ajudar, quase todos são
capazes de se tornar melhores. Por outro lado, se Aristóteles e outros (tais como
Marx, Mill, T.H. Green e Rawls) estiverem corretos sobre o fato de esse caráter ser
moldado pelas instituições políticas, econômicas e a vida familiar, então, tornarse
bom exigirá acesso às instituições apropriadas. No entanto, isso não quer dizer
que se tornar bom está fora de nosso alcance. Pode ser útil aqui lembrar a descrição
de Rawls de uma "utopia realista" em O Direito dos Povos quando, seguindo
Rousseau no O Contrato Social, ele escreve que as instituições justas consideram
149
"os homens como eles são" e "as leis como deveriam ser". (Rawls, 1999b, p. 7)
Nossa natureza psicológica e as instituições que promovem boas qualidades de
caráter são, na opinião dele e de outros discutidos ao longo deste verbete, congruentes.
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150
Literatura secundária
The following is the translation of the entry on “Empirical Approaches to Moral Character”
by Miller, Christian B, in the Stanford Encyclopedia of Philosophy. The translation follows
the version of the entry in the SEP’s archives at <https://plato.stanford.edu/archives/
spr2021/entries/moralcharacterempirical/>. This translated version may differ from the
current version of the entry, which may have been updated since the time of this
translation. The current version is located at HYPERLINK "https://plato.stanford.edu/
entries/moralcharacterempirical/. We’d like to thank the Editors of the Stanford
Encyclopedia of Philosophy, mainly Prof. Dr. Edward Zalta, for granting permission to
translate and to publish this entry.
154
apropriado, mas o foco principal será na importância desse trabalho para os filósofos
interessados em compreender melhor o caráter moral. As quatro áreas são
situacionismo, o modelo CAPS, o modelo Big Five e o VIA. O restante deste
apontamento dedica uma seção a cada um deles.
1. Situacionismo na filosofia
Aqui, então, está como se deve entender sua conclusão: dadas as evidências
psicológicas, temos justificativa para acreditar, com base nessa evidência, que a
maioria das pessoas não possui as virtudes ou vícios tradicionais, como a compaixão.
Com isso em mente, passemos ao segundo estágio de sua argumentação.
Harman e Doris concluíram que a maioria das pessoas não possui virtudes
ou vícios tradicionais e tentaram mostrar que isso tinha consequências problemáticas
para certas posições na teoria ética. Especificamente, seu alvo principal era uma
forma amplamente aristotélica de ética da virtude, bem como quaisquer outras
teorias que fizessem uso de afirmações empíricas sobre traços de caráter globais.
Primeiro, vejamos Harman (1999, p. 319), escrevendo sobre as visões
aristotélicas:
Em seguida, apresentamos o que Doris publicou em seu artigo de 1998 (p. 520):
das virtudes aristotélica, ele parecia considerar como resultado principal a praticidade,
ou seja, que a ética da virtude não seria mais relevante para a maioria das pessoas
que não tinham esses traços (DORIS, 2002, cap. 6).
Aqui, neste segundo estágio, é difícil definir exatamente como o argumento
deveria seguir. Mas Harman e Doris tiveram sucesso em gerar muito interesse por
essas questões, principalmente entre os filósofos que acabaram criticando seu trabalho.
O restante desta seção distingue brevemente sete respostas principais ao
argumento situacionista de Harman e Doris e, em seguida, conclui com alguns comentários
sobre como nossos caráteres seriam se, de fato, não temos as virtudes tradicionais.
Como o modelo CAPS será abordado na próxima seção, a discussão dessa resposta
foi adiada até então.
164
Esta não é uma revisão ad hoc da posição projetada para defendêla contra
os desafios situacionistas. Platão e Aristóteles há muito tempo pensavam que a
virtude é rara, assim como a maioria dos filósofos que trabalharam no caráter ao
longo dos anos seguintes. Consulte DePaul (1999) sobre Platão e Ética a Nicômaco
1099b 2932, 1103b 1631, 1152a 3034, 1179b 2529, 1180a 15, 1519. Como
Aristóteles escreveu,
1.2.3. Conclusão
Este não é o lugar para avaliar essas diferentes respostas e ver qual delas
é a mais forte. É importante observar, entretanto, que elas não devem ser tratadas
isoladamente. Por exemplo, alguém pode combinar uma resposta ao primeiro
estágio, como Estados mentais também são importantes, com uma resposta ao
segundo estágio, como Raridade.
Vamos concluir esta discussão com dois pontos. Em primeiro lugar, devemos
considerar brevemente como a descrição empírica sobre caráter poderia parecer
se admitirmos que a maioria das pessoas não possui as virtudes tradicionais. Afinal,
os filósofos podem aceitar essa conclusão sem ter que aceitar os argumentos que
Harman e Doris ofereceram com base na literatura experimental. Como já observado,
Platão e Aristóteles o aceitaram, assim como muitos outros.
Aqui, então, estão algumas das principais opções de como uma narrativa
positiva sobre o real caráter da maioria das pessoas pode ser:
A maioria das pessoas tem vícios, como desonestidade e covardia, que
também são traços de caráter globais. Harman e Doris afirmam que essa posição
também é empiricamente inadequada, mas nem todos concordam (BATES;
KLEINGELD, 2018).
A maioria das pessoas tem traços de caráter local, que são virtudes e vícios
restritos a tipos estreitos de situações, como o tribunal ou o bar. Harman parece
ser receptivo a essa posição, e Doris a aceita explicitamente (DORIS, 1998, p. 507
508; 2002, p. 23, 25, 64).
A maioria das pessoas tem traços de caráter mistos, que são traços globais
que não são nem bons o suficiente para serem qualificados como virtudes, nem
ruins o suficiente para serem qualificados como vícios. Eles são constituídos por
167
2. O modelo CAPS
Um ponto levantado pela seção anterior tem a ver com o chamado modelo
de “sistema de personalidade afetivocognitivo” ou “CAPS”. Vai dar um pouco de
trabalho apresentar este modelo. Mas vale a pena, uma vez que o CAPS está
recebendo atualmente muita atenção na literatura situacionista em filosofia (MILLER,
2003; ADAMS, 2006, p. 131138; RUSSELL, 2009, cap. 810; SNOW, 2010, cap.
1). Além disso, independentemente de sua relevância para essa literatura, o modelo
CAPS pode ter alguns recursos importantes próprios a oferecer como uma abordagem
empírica para pensar sobre o caráter. Esta seção fornece primeiro o pano de fundo
necessário antes de se voltar para algumas das implicações filosóficas.
2.1 Antecedentes
.
Na verdade, ele escreve, “seria um desperdício criar pseudocontrovérsias
que enterram a pessoa contra a situação para ver o que é mais importante (MISCHEL,
1973, p. 255256)”.
Durante as décadas subsequentes, ele desenvolveu o que veio a ser conhecido
como o modelo CAPS, junto com a ajuda de Yuichi Shoda e Jack Wright, entre outros
(para a declaração principal do modelo, ver MISCHEL e SHODA, 1995). Aqui nos
concentramos em apenas algumas características do modelo, em unidades cognitivo
afetivas particulares, contingências de situaçãocomportamento “seentão”, características
psicologicamente salientes das situações e assinaturas comportamentais intraindividuais.
Com isso em mente, vamos agora examinar algumas das implicações filosóficas.
172
3. Os Big Five
3.1 Antecedentes
Eu me assusto facilmente.
Não tenho muito prazer em conversar com as pessoas.
Não levo muito a sério os deveres cívicos, como votar.
Eles seriam solicitados a responder em uma escala
de 1 a 5 ancorada em discordo totalmente para
concordo totalmente. A análise fatorial também
178
Até agora, muitas dessas análises foram realizadas com dados de adjetivos
e questionários, e usando relatórios próprios, amigos, cônjuges, empregadores e
especialistas (MCCRAE, 1982; MCCRAE e COSTA, 1987; PIEDMONT, 1998, p.
5256, cap. 5). Um extenso trabalho transcultural também foi feito com os itens
sendo traduzidos para dezenas de idiomas (MCCRAE e COSTA, 1997; PIEDMONT,
1998: p. 4346, 7374; CAPRARA e CERVONE, 2000, p. 7375). O que vemos
repetidamente é o surgimento de cinco traços de personalidade básicos ou centrais
(vide JOHN et al., 2008a):
A ideia central é esta. Pegue uma determinada pessoa. Você pode capturar
muito (alguns pesquisadores dos Big Five diriam tudo) que há em sua personalidade
determinando sua posição nessas cinco dimensões. Em um grande grupo de
pessoas, você naturalmente esperaria ver diferenças em suas classificações
comparativas, com alguns indivíduos tendo alto nível de agradabilidade e outros
não, por exemplo.
Você pode chegar não apenas as classificações de personalidade para
uma determinada pessoa com os Big Five, mas estudos descobriram que você
pode usar essas classificações para prever outras informações importantes sobre
ela, incluindo quais tipos de pensamentos, comportamento e consequências do
comportamento você pode esperar ver (vide OZER; BENETMARTÍNEZ, 2006;
ROBERTS et al., 2007; FUNDER, 2007, cap. 7; JOHN et al., 2008a, p. 141143).
Por exemplo, descobriuse que aqueles com alto nível de consciência evitam
comportamentos de risco (BOGG; ROBERTS, 2004) e têm maior sucesso em vários
critérios de desempenho no trabalho (MOUNT; BARRICK, 1998). Em contraste, o
179
Mas essa suposição é rejeitada nesta pesquisa. Além disso, muitos filósofos
também aceitariam que:
TRAPNELL, 1996; JOHN et al., 2008, p. 140). McCrae e Costa (2003, 2008) parecem
ser duas das raras exceções em manter uma visão causal dos cinco traços grandes.
Se os Big Five não são entidades reais com poderes causais, então o que
são? A visão padrão é que eles são apenas rótulos descritivos de como as pessoas
tendem a ser. Em outras palavras, eles são dispositivos úteis – termos de classificação
– que são muito mais econômicos de usar do que os milhares de termos de
características da linguagem ordinária. Agrupar pessoas em apenas cinco categorias
é, portanto, altamente eficiente (HOGAN, 1996, p.170173; MCCRAE; COSTA,
2003, p. 36), mas é mais um passo dizer que na verdade existe um traço de
extroversão que explica causalmente as diferenças individuais entre as pessoas.
Como Daniel Ozer e Steven Reise observam, a taxonomia dos Big Five,
4.1 Antecedentes
para forças de caráter, a principal delas é o VIAIS. Esta medida de 240 itens usa
uma escala Likert, de 5 pontos, ancorada em “muito parecido comigo” e “muito
diferente de mim” (2004, p. 629). Alguns exemplos de seus itens incluem (2004, p. 629):
5. Conclusão
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epistemologyvirtue/. Acesso em: 15 mai. 2022.
The following is the translation of the entry on “Virtue Epistemology” by John Turri, Mark
Alfano and John Greco in the Stanford Encyclopedia of Philosophy. The translation follows
the version of the entry in the SEP’s archives at <https://plato.stanford.edu/archives/
win2021/entries/epistemologyvirtue/>. This translated version may differ from the current
version of the entry, which may have been updated since the time of this translation. The
current version is located https://plato.stanford.edu/archives/win2021/entries/
epistemologyvirtue/. We’d like to thank the Editors of the Stanford Encyclopedia of
Philosophy, mainly Prof. Dr. Edward Zalta, for granting permission to translate and to
publish this entry.
198
1. Introdução
Pelo menos duas tendências centrais são evidentes na EV tomada como um todo.
Uma tendência central é ver a epistemologia como uma disciplina normativa.
Isto implica pelo menos duas coisas. Primeiro, sinaliza oposição à sugestão radical
de Quine em Naturalized Epistemology de que os filósofos devem abandonar as
perguntas sobre em que é razoável acreditar, e devem, ao invés disso, limitarse a
perguntas sobre psicologia cognitiva. Epistemólogos das virtudes rejeitam esta
proposta (MCDOWELL, 1994, p. 133; SOSA 1991, p. 100105; ZAGZEBSKI, 1996,
p. 334338). Entretanto, eles são geralmente receptivos aos dados empíricos da
psicologia, história e outros campos (vide GRECO, 2001; ROBERTS; WOOD, 2007:
Parte II; SOSA, 1991, p. 105106; ZAGZEBSKI, 1996, p. 336337). Em segundo
lugar, implica que os epistemólogos devem concentrar seus esforços na compreensão
das normas epistêmicas, valor e avaliação. Esta é uma característica que define o
campo. Assim, a EV se caracteriza centralmente na recente “virada para o valor”
em epistemologia (RIGGS, 2006; PRITCHARD 2007).
Para alguns profissionais, entretanto, a ideia de que a epistemologia é uma
disciplina normativa significa mais do que isso. Por exemplo, alguns pensam que
termos epistemológicos (ou conceitos) como “conhecimento”, “evidência”, “justificação”,
“dever” e “virtude” não podem ser adequadamente definidos ou completamente
explicados em um vocabulário puramente nãonormativo (vide AXTELL; CARTER,
2008; MCDOWELL, 1994; ROBERTS; WOOD, 2007; ZAGZEBSKI, 1996, 2009),
embora outros discordem (vide GOLDMAN, 1992; GRECO, 1999, 2009; SOSA, 2007).
Outros pensam que a epistemologia deve ter como objetivo promover o
bemestar intelectual. Talvez uma teoria epistemológica deva ser “útil na prática”
199
para nos ajudar a reconhecer quando sabemos ou não sabemos algo (ZAGZEBSKI,
1996, p. 267), ou nos ajudar a superar “ansiedades” devido a pressupostos defeituosos
sobre o conhecimento (MCDOWELL, 1994, p. XI; PRITCHARD, 2016a). Talvez a
epistemologia deva nos ajudar a apreciar e responder a formas de “injustiça
epistêmica” (FRICKER, 2007). Talvez a epistemologia devesse nos inspirar com
retratos de virtudes intelectuais, promovendo assim a reforma cultural e o florescimento
intelectual (ROBERTS e WOOD, 2007). Talvez a epistemologia devesse examinar
vícios intelectuais e outros defeitos para contar histórias prudenciais sobre o que
não fazer e como não ser (ALFANO, 2015, BATTALY, 2014, CASSAM, 2016). Ou
talvez os praticantes deveriam ajudar a redesenhar instituições educacionais para
ajudar os estudantes a cultivar virtudes intelectuais, por exemplo, a Academia de
Virtudes Intelectuais (vide Outros Recursos da Internet, na bibliografia).
A outra tendência central é ver os agentes e as comunidades intelectuais
como a principal fonte de valor epistêmico e o foco principal da avaliação epistêmica.
Este foco inclui não apenas indivíduos e grupos, mas também os traços constitutivos
de seu caráter cognitivo.
Este segundo compromisso da EV é frequentemente acompanhado por uma
“direção de análise” característica das teorias da virtude, tanto na ética quanto na
epistemologia. A ética da virtude explica as propriedades morais de uma ação em termos
das propriedades do agente, como por exemplo, se ela resulta de bondade ou despeito.
A EV explica as propriedades normativas de uma performance cognitiva em termos das
propriedades do agente, tais como se uma crença resulta de pressa ou excelente visão,
ou se uma investigação manifesta descuido ou discriminação. Para a ética da virtude,
as propriedades relevantes são traços morais e, para o EV, traços intelectuais.
Além dessas tendências centrais básicas, encontramos uma grande
diversidade no campo. Quatro questões principais dividem os profissionais. A primeira
diz respeito à natureza e ao alcance das virtudes intelectuais (seção 3). A segunda
diz respeito às questões a serem abordadas (seção 4). A terceira diz respeito aos
métodos a serem utilizados (seções 4 e 9). A quarta diz respeito às relações entre
virtude epistêmica, conhecimento e crédito epistêmico (seções 5, 6, e 7).
4. Convencional e Alternativa
que as questões “alternativas” não são apenas importantes, mas tão antigas quanto
a própria filosofia, tais como questões sobre sabedoria e transmissão social do
conhecimento. Isso vale para os métodos “alternativos” de consulta da literatura,
como Platão olhou para Homero, abordando questões filosóficas com ferramentas
científicas, ou como Aristóteles investigou as bases biológicas e sociais do
conhecimento, e, quanto a textos religiosos, como a tradição filosófica islâmica fez
em relação às normas do testemunho.
5. Conhecimento
(2003, 2010) e Morton (2013). Sobre esta abordagem, podemos avaliar a performance
em termos de acurácia, habilidade e aptidão. Performances acuradas atingem seus
objetivos, performances hábeis manifestam competência, e performances aptas
são acuradas porque são hábeis. Este modelo AAA se aplica a todas as condutas
e performances com um objetivo, seja intencional, como no balé, ou não intencional,
como em um batimento cardíaco.
Eis como o modelo se aplica em epistemologia. Um modelo mais complicado
tem sido proposto recentemente, que leva em conta a própria avaliação de risco do
agente e as decisões sobre quando e como atuar (vide SOSA, 2015). A formação de
crenças é uma performance psicológica com um objetivo. Para as crenças, a acurácia
é identificada com a verdade, a habilidade com a manifestação da competência
intelectual e a aptidão com o “verdadeiro porque competente”. Crença apta, portanto,
é acreditar que algo é verdade porque se é competente. Uma competência, por sua
vez, “é uma disposição, com uma base residente no agente competente, que em
condições normais adequadas asseguraria (ou tornaria altamente provável) o sucesso
de qualquer performance relevante derivada dela” (SOSA, 2007, p. 29).
O conhecimento é, então, identificado com a crença correta, que é apenas
“um caso especial” de “performance crível e apta”, um estado comum em toda a
gama de atividades humanas. Considere a performance de uma arqueira que atinge
um alvo porque ela atira com competência. Seu tiro é apto, e acerto no alvo é uma
conquista. É possível que ela tivesse falhado facilmente. Ela pode ter felizmente
evitado ser drogada antes da competição, o que teria prejudicado sua competência.
Ou uma forte rajada de vento, que teria arruinado seu tiro, poderia ter sido evitada
por uma rara confluência de condições meteorológicas locais. Em qualquer uma
destas formas, sua performance poderia ter sido adequada mesmo que haja mundos
possíveis próximos nos quais ela não acerte o alvo. Sosa (2007, p. 31) diz que o
conhecimento também é assim: em alguns casos você pode acreditar de forma
apta [aptly], e assim saber, mesmo que você possa facilmente ter se enganado.
Mais recentemente, Sosa (2020) também argumentou que a suspensão do julgamento
pode ser analisada de forma semelhante: quando alguém se coloca em dúvida se
p, ela pode concluir que a evidência é inconclusiva, levandoa a suspender o
julgamento sobre se p. Tal suspensão é em si uma manifestação da competência
para reconhecer que não se está em condições de saber se p.
Alguns argumentaram que o modelo AAA de Sosa está aberto a contraexemplos.
Por exemplo, Duncan Pritchard (2009a), fazendo eco das críticas mais amplas de
Jennifer Lackey (2007) sobre visões relativas ao crédito do conhecimento, argumenta
207
6. Valor Epistêmico
bom quanto constitutivo do florescimento humano. Isto diz respeito à virtude moral
e intelectual. Assumindo que a linha básica da EV sobre conhecimento está correta,
obtemos uma solução direta para o problema do valor.
7. Crédito
Como vimos nas seções sobre conhecimento e valor epistêmico, uma tese
muito popular em EV é que o conhecimento é um estado digno de crédito do agente.
Você apenas tem conhecimento se você merece crédito por acreditar na verdade.
Chame isto de “a tese do crédito”. A tese do crédito ajuda a explicar o valor do
conhecimento. Ela também se destaca nas tentativas de resolver o problema de
Gettier e explica a sorte epistêmica.
Jennifer Lackey (2007) argumenta que não merecemos crédito por tudo o
que sabemos, portanto (a) as definições padrão de conhecimento da EV são falsas,
e (b) a EV não é ideal para explicar o valor do conhecimento. Ela apresenta
contraexemplos envolvendo conhecimento por testemunhos e inato. No entendimento
de Lackey, para ganhar crédito por uma crença verdadeira, suas “faculdades
cognitivas confiáveis” devem ser “a parte mais saliente” da explicação do porquê
de você acreditar na verdade (LACKEY, 2007, p. 351; GRECO, 2003, p. 130). As
faculdades cognitivas não podem ser apenas partes necessárias ou importantes
da explicação, argumenta ela, porque então os problemas de Gettier surgiriam
imediatamente (LACKEY, 2007, p. 347348).
Aqui está uma variante próxima de um dos casos de Lackey (2007, p.
352), que ela mais tarde (2009) chama de “Visitante de Chicago”: Morris acaba de
chegar à estação de trem de Chicago e quer indicações para a Sears Tower. Ele
se aproxima do primeiro transeunte adulto que vê e pede orientações. O transeunte
conhece a cidade extraordinariamente bem e articuladamente oferece direções
impecáveis: a torre fica a duas quadras a leste da estação. Com base nisso, Morris
forma, sem hesitação, a crença verdadeira correspondente.
Lackey raciocina da seguinte forma. Morris claramente ganha conhecimento
da localização da torre. Mas a contribuição do transeunte é mais saliente ao explicar
por que Morris aprendeu a verdade. A contribuição de Morris para o processo é
mínima. As faculdades cognitivas confiáveis de Morris não são a parte mais saliente
da explicação do porquê ele acredita na verdade. Portanto, ele não merece crédito.
No entanto, ele tem conhecimento, portanto, a tese do crédito é falsa.
210
Riggs (2009, p. 209) responde que não está claro que Morris sabe onde
fica a torre. Não somos obrigados a contar como conhecimento toda “aceitação
casual e irrefletida do testemunho” (RIGGS, 2009, p. 214). E note que se continuarmos
a história fazendo alguém logo depois perguntar a Morris onde está a torre, ele se
excederia se simplesmente afirmasse: “está a dois quarteirões, seguindo esta rua”,
o que sugere que ele não tem conhecimento realmente, no fim das contas (RIGGS,
2009, p. 210211). Além disso, Riggs distingue dois sentidos de crédito: digno de
louvor e de atribuição. O conhecimento exige que sua crença verdadeira seja
atribuível a você enquanto agente, mas não que você seja louvável por isso. Riggs
alega que as objeções de Lackey supõem erroneamente que os defensores da tese
de crédito pensam que o conhecimento requer louvor, e que estão muito ligados à
explicação particular de crédito de Greco (com sua ênfase na saliência explicativa),
e também ignoram a possibilidade de “esforço de grupo” nas realizações.
Greco (2007) responde que Morris ainda merece crédito por aprender a
verdade. O crédito pelo sucesso cooperativo pode se reverter a favor de vários
indivíduos, mesmo aqueles que contribuem menos do que outros. Geralmente,
211
8. Contextualismo
Isso é verdade mesmo que a presença do tigre não seja individualmente suficiente
para causar pânico as pessoas também devem temer os tigres, mas normalmente
os temem. Em segundo lugar, nossos interesses e propósitos destacam certas
características como especialmente relevantes. Temos a tendência de nos concentrar
em coisas que podemos controlar. Se um aluno pergunta a um professor por que
ele reprovou no exame, o professor pode apontar que ele raramente veio à aula e
não pegou um guia de estudo até a manhã do exame.
Se a conversa sobre explicações é geralmente sensível ao contexto, e a
conversa sobre conhecimento é apenas uma espécie de conversa sobre explicações,
então talvez as atribuições de conhecimento também o sejam. Mudando o que
parece normal ou mudando nossos interesses e objetivos, podemos passar de um
contexto em que dizer “S acredita na verdade por causa de sua virtude” expressa
uma verdade, para um contexto onde proferir as mesmas palavras expressa uma
falsidade. E como dizer “S sabe” é o mesmo que dizer “S acredita na verdade por
causa de sua virtude”, seguese que as atribuições de conhecimento são igualmente
sensíveis ao contexto. Ao derivar seu relato da sensibilidade ao contexto a partir
do caráter geral da conversaexplicativa, o contextualismo da virtude pode evitar a
acusação de que ela é desmotivada e ad hoc. Entretanto, são necessários trabalhos
adicionais para testar se a teoria se ajusta ao comportamento linguístico real das pessoas.
9. Situacionismo Epistêmico
encarnadas pelos humanos, então o ceticismo se manifesta. Note que este argumento
funciona mesmo que as pessoas possam adquirir e manifestar virtudes epistêmicas,
desde que de fato não o façam. Terceiro, a pesquisa empírica pode ajudar a resolver
o problema da generalidade. Qualquer episódio de aquisição de uma crença pode
ser classificado sob um número indefinido de títulos; algumas dessas classificações
individuam disposições altamente confiáveis, enquanto outras individuam disposições
menos confiáveis. Quando eu infiro do fato de que toda esmeralda que examinei é
verde, que toda esmeralda (examinada ou não) é verde, minha inferência deveria
ser descrita como generalização indutiva ou generalização indutiva empregando
predicados projetáveis? Embora o problema da generalidade tenha sido
primeiramente articulado como um obstáculo para a confiabilidade do processo
(POLLOCK, 1984), Goldman (1986, p. 50) e Zagzebski (1996, p. 300) reconhecem
que a EV enfrenta sua própria versão do problema. Devem as virtudes epistêmicas
ser grosseiramente individuadas, de modo que a virtude de ser mente aberta seja
incluída, ou devem ser finamente individuadas, de modo que se inclua a de ser
mente aberta em relação aos amigos, enquanto de bom humor? Zagzebski
(1996, p. 309) argumenta que esta pergunta deve ser respondida empiricamente,
com uma preferência pela individuação grosseira. Por fim, os profissionais que
favorecem uma abordagem educativa ou de aperfeiçoamento da EV têm uma razão
adicional para atender às descobertas empíricas, pois estas podem revelar defeitos
cognitivos comuns que poderiam ser potencialmente corrigidos, além de sugerir
perspectivas mais promissoras para o treinamento e desenvolvimento cognitivo e
epistêmico do que as empregadas na pedagogia contemporânea.
Apesar destas considerações, as ciências cognitivas podem representar
uma ameaça para a EV. Afinal, à medida que as disposições cognitivas das pessoas
não se qualificam como virtudes (porque não são confiáveis ou responsáveis, por
exemplo), as crenças verdadeiras que elas produzem não contarão como conhecimento
(ALFANO, 2012). Lembremse de que os profissionais estão em grande parte de
acordo que o conhecimento é a crença verdadeira que manifesta a virtude. Se
estudos empíricos sugerem que as crenças das pessoas geralmente manifestam
defeitos cognitivos ou incompetência, então a EV seria levada a concluir que a
maioria de nossas verdadeiras crenças não contam como conhecimento. Este
desafio à EV é análogo ao “desafio situacionista” à ética da virtude (DORIS, 1998,
2002; FLANAGAN, 1991; HARMAN, 1999). Para uma articulação recente, confira
Merritt, Doris e Harman (2010).
215
formas fundamentais de lidar com esses defeitos, tornando sua visão um pouco
semelhante à de Samuelson e Church (2015). Cassam (2016) argumenta que a
extensa literatura sobre teorias conspiratórias e pensamento conspiratório mostra
que as pessoas são propensas a vários vícios intelectuais, entendidos como traços
de caráter que impedem uma investigação eficaz e responsável. Compreender a
investigação humana e como ela pode dar errado requer, portanto, um estudo dos
vícios intelectuais.
Esta sugestão está de acordo com a terceira resposta principal ao
situacionismo epistêmico, que é a de transferir de alguma forma parte da agência
cognitiva tradicionalmente exigida do indivíduo no ambiente material, social ou
político. Por exemplo, Pritchard (2014) argumenta por uma versão mais modesta
da EV, que contempla o papel essencial do ambiente na aquisição do conhecimento.
Alguém que é colocado em um ambiente material, social e político afortunado
acabará com mais conhecimento, apesar de menos exercício de agência cognitiva,
do que alguém que não tem tanta sorte, mesmo que este exerça níveis heroicos
de agência cognitiva. O situacionismo epistêmico é assim reinterpretado como
evidência de nossa inescapável dependência epistêmica das circunstâncias. Alfano
(2013b, 2016a) e Alfano e Skorburg (2017, 2018) conectam o desafio do situacionismo
epistêmico com a literatura da filosofia da mente sobre a cognição incorporada
[embedded], sustentada [scaffolded] e estendida inspirada por Clark e Chalmers
(1998). Confira, também, Sterelny (2010). A ideia básica aqui é que quando um
agente cognitivo é adequadamente integrado com objetos naturais, artefatos e
outros agentes em seu ambiente material, social e político, essas externalidades
podem ser parcialmente constitutivas das disposições cognitivas do agente. A
cognição incorporada ocorre em um ambiente natural em sua maior parte estável;
a cognição sustentada ocorre em um ambiente artificial em sua maior parte estável;
a cognição estendida ocorre em um ambiente dinamicamente reativo. Dentro desta
taxonomia, Alfano e Skorburg (2018) argumentam que é possível melhorar a
confiabilidade da heurística de reconhecimento, não por meio do desenvolvimento
de mais recursos cognitivos internos (vide SAMUELSON; CHURCH, 2015; ROBERTS;
WEST, 2015), mas estruturando melhor o ecossistema informativo no qual as
pessoas se encontram, uma sugestão que se harmoniza com os recentes trabalhos
sobre a epistemologia das tecnologias de informação e comunicação, como a
Internet (BOZDAG; VAN DEN HOVEN, 2015; LYNCH, 2016) e a biblioteconomia
(FALLIS; WHITCOMB, 2009). Alfano (2016a) e Alfano e Skorburg (2017) argumentam
que, em alguns casos, os pares de agentes constituem mutuamente o caráter um
217
Jonathan Kvanvig (1992) defende uma visão alternativa sobre o papel das
virtudes na epistemologia. A epistemologia moderna tem um enfoque cartesiano
estrito em indivíduos e crenças particulares (em períodos de tempo específicos).
Diz Kvanvig, a EV não deve seguir este exemplo. É mais adequado focar em fatores
sociais e históricos. As virtudes são importantes, na visão de Kvanvig, devido ao
seu papel indispensável no treinamento de pessoas para buscar, adquirir e transmitir
verdades uma atividade distintamente social (vide MORTON, 2013).
A epistemologia tradicional, diz Kvanvig, é dominada por uma concepção
“individualista” e “sincrônica” do conhecimento. Seu trabalho mais importante é
especificar as condições sob as quais um indivíduo conhece uma determinada
proposição em um determinado momento. Kvanvig abandona isto em favor de uma
epistemologia “genética” [genetic] voltada para a vida cognitiva da mente à medida
que ela se desenvolve dentro de um contexto social. Perguntas sobre o grupo
suplantam perguntas sobre o indivíduo. Perguntas sobre o desenvolvimento cognitivo
e aprendizagem suplantam perguntas sobre o que um indivíduo sabe em um
determinado momento. Esta abordagem se harmoniza bem tanto com a linha
educativa já observada na EV quanto com a abordagem de virtude incorporada,
sustentada e estendida descrita na seção 9.
Kvanvig vê pelo menos duas maneiras de como esta nova abordagem
caracterizaria as virtudes. Primeiro, as virtudes são essenciais para compreender a
vida cognitiva da mente, particularmente o desenvolvimento e a aprendizagem, que
acontece ao longo do tempo através de vários processos, tais como imitar agentes
virtuosos e internalizar a moral de histórias sobre vícios. Em segundo lugar, as virtudes
são essenciais para caracterizar os ideais cognitivos. Por exemplo, uma forma de
organizar a informação é melhor que outra, argumenta Kvanvig, porque em circunstâncias
apropriadas é assim que uma pessoa intelectualmente virtuosa a organizaria.
intelectual, a justiça epistêmica, bem como os vícios que se opõem a essas virtudes.
Roberts e Wood (2007, p. 219) caracterizam a coragem intelectual e a
cautela como as virtudes que nos dispõem a responder adequadamente às ameaças
percebidas em nossa vida intelectual coragem que nos dispõe a não sermos
indevidamente intimidados, cautela que nos dispõe a não correr riscos inapropriados
na obtenção dos bens intelectuais. Para eles, portanto, a coragem intelectual é
análoga à coragem moral aristotélica, na medida em que dispõe seu portador a
responder bem às ameaças, não sendo nem muito precipitado nem muito temeroso.
Baehr (2011, cap. 9) também argumenta que a coragem intelectual é mais bem
interpretada como uma disposição para responder bem às ameaças ao bemestar
epistêmico; ele se concentra em particular na coragem de inquirir e não na coragem
de acreditar ou duvidar. Baseandose em Nietzsche, Alfano (2013a, 2019) explora
um tipo relacionado de coragem intelectual para inquirir sobre o proibido. Ele
argumenta que tal coragem nietzschiana é necessária para compreender os aspectos
mais desanimadores e vergonhosos da natureza humana, os quais as pessoas
tendem a mascarar ou a encobrir. Em outra nota, Alfano (2013b) enfatiza a importância
da coragem intelectual ao anunciar publicamente o que se sabe ou acredita diante
da pressão social e institucional para se conformar ou ficar calado. Tal coragem
está relacionada à transmissão de conhecimento e à destruição da ignorância e do
erro na própria comunidade, ao invés da busca de conhecimento para o bem do
inquiridor. Ter tal senso de quando e como falar é um constituinte primário da virtude
de ser um denunciante eficaz, um exemplo pouco apreciado na época atual
(DESAUTELS, 2009). Medina (2013) oferece um relato de sujeitos com excepcional
coragem intelectual, como Sor Juana Ines de la Cruz, no México do século XVII.
Tais heróis desafiam os obstáculos cognitivos em contextos de opressão epistêmica
através da inventividade e da imaginação.
Os que contribuem para a análise da humildade intelectual incluem Carter
e Pritchard (2016), Hazlett (2012), Roberts e Wood (2007), Samuelson e Church
(2015), Whitcomb et al. (2015), e Christen et al. (2014). Hazlett (2012, p. 220) afirma
que a humildade intelectual é a “disposição de não adotar atitudes epistêmicas de
ordem superior que sejam epistemicamente impróprias, e de adotar (da maneira
correta, nas situações certas) atitudes epistêmicas de ordem superior que sejam
epistemicamente apropriadas”.
Esta concepção de humildade intelectual é mais pertinente no âmbito do
desacordo. A visão de Roberts e Wood é semelhante, sustentando que a humildade
intelectual é “uma despreocupação marcante ou incomum em relação à reputação
220
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