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Série Investigação Filosófica

Textos selecionados de

Filosofia das Virtudes

Bruno Aislã Gonçalves dos Santos


(Organizador)
TEXTOS SELECIONADOS DE FILOSOFIA DAS VIRTUDES
Série Investigação Filosófica

TEXTOS SELECIONADOS DE FILOSOFIA DAS VIRTUDES

Bruno Aislã Gonçalves dos Santos


(Organizador)

Pelotas, 2022
REITORIA
Reitora: Isabela Fernandes Andrade
Vice-Reitora: Ursula Rosa da Silva
Chefe de Gabinete: Aline Ribeiro Paliga
Pró-Reitor de Graduação: Maria de Fátima Cóssio
Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação: Flávio Fernando Demarco
Pró-Reitor de Extensão e Cultura: Eraldo dos Santos Pinheiro
Pró-Reitor de Planejamento e Desenvolvimento: Paulo Roberto Ferreira Júnior
Pró-Reitor Administrativo: Ricardo Hartlebem Peter
Pró-Reitor de Gestão de Informação e Comunicação: Julio Carlos Balzano de Mattos
Pró-Reitor de Assuntos Estudantis: Fabiane Tejada da Silveira
Pró-Reitor de Gestão Pessoas: Taís Ulrich Fonseca

CONSELHO EDITORIAL DA EDITORA DA UFPEL


Presidente do Conselho Editorial: Ana da Rosa Bandeira
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Representante da Área das Engenharias e Computação: Reginaldo da Nóbrega Tavares
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Representante da Área das Ciências Sociais Aplicadas: Daniel Lena Marchiori Neto
Representante da Área das Ciências Humanas: Charles Pereira Pennaforte
Representantes da Área das Linguagens e Artes: Lúcia Bergamaschi Costa Weymar

EDITORA DA UFPEL
Chefia: Ana da Rosa Bandeira (Editora-chefe)
Seção de Pré-produção: Isabel Cochrane (Administrativo)
Seção de Produção: Suelen Aires Böettge (Administrativo)
Anelise Heidrich (Revisão)
Ingrid Fabiola Gonçalves (Diagramação)
Seção de Pós-produção: Madelon Schimmelpfennig Lopes (Administrativo)
Morgana Riva (Assessoria)
CONSELHO EDITORIAL
Prof. Dr. João Hobuss (Editor-Chefe)
Prof. Dr. Juliano Santos do Carmo (Editor-Chefe)
Prof. Dr. Alexandre Meyer Luz (UFSC)
Prof. Dr. Rogério Saucedo (UFSM)
Prof. Dr. Renato Duarte Fonseca (UFSM)
Prof. Dr. Arturo Fatturi (UFFS)
Prof. Dr. Jonadas Techio (UFRGS)
Profa. Dra. Sofia Albornoz Stein (UNISINOS)
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Profa. Dra. Mónica Herrera Noguera (UDELAR/Uruguai)
Profa. Dra. Mirian Donat (UEL)
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Prof. Dr. Massimo Dell'Utri (UNISA/Itália)

COMISSÃO TÉCNICA (EDITORAÇÃO)


Prof. Dr. Juliano Santos do Carmo (Diagramador/Capista)

DIREÇÃO DO IFISP
Prof. Dr. João Hobuss

CHEFE DO DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA


Prof. Dr. Juliano Santos do Carmo
Série Investigação Filosófica
A Série Investigação Filosófica, uma iniciativa do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Filosofia do
Departamento de Filosofia da UFPel e do Grupo de Pesquisa Investigação Filosófica do
Departamento de Filosofia da UNIFAP, sob o selo editorial do NEPFil online e da Editora da
Universidade Federal de Pelotas, tem por objetivo precípuo a publicação da tradução para a língua
portuguesa de textos selecionados a partir de diversas plataformas internacionalmente reconhecidas,
tal como a Stanford Encyclopedia of Philosophy (https://plato.stanford.edu/), por exemplo. O objetivo
geral da série é disponibilizar materiais bibliográficos relevantes tanto para a utilização enquanto
material didático quanto para a própria investigação filosófica.

EDITORES DA SÉRIE
Rodrigo Reis Lastra Cid (IF/UNIFAP)
Juliano Santos do Carmo (NEPFIL/UFPEL)

COMISSÃO TÉCNICA
Marco Aurélio Scarpino Rodrigues (Revisor em Língua Portuguesa)
Rafaela Nóbrega (Diagramador/Capista)

ORGANIZADOR DO VOLUME
Bruno Aislã Gonçalves dos Santos (UNICENTRO)

TRADUTORES E REVISORES
Mayara Roberta Pablos (UFSC)
Ramiro de Ávila Peres (DESUC)
Sagid Salles (UFRJ)

CRÉDITO DA IMAGEM DE CAPA


RAFAEL. Cardinal and Theological Virtues, wall of justice, south.
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Virt%C3%B9_e_due_scene_02.jpg
GRUPO DE PESQUISA INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA (UNIFAP/CNPq)

O Grupo de Pesquisa Investigação Filosófica (DPG/CNPq) foi constituído por pesquisadores que se
interessam pela investigação filosófica nas mais diversas áreas de interesse filosófico. O grupo foi
fundado em 2010, como grupo independente, e se oficializou como grupo de pesquisa da
Universidade Federal do Amapá em 2019.

MEMBROS PERMANENTES DO GRUPO

Aluízio de Araújo Couto Júnior


Bruno Aislã Gonçalves dos Santos
Cesar Augusto Mathias de Alencar
Daniel Schiochett
Daniela Moura Soares
Everton Miguel Puhl Maciel
Guilherme da Costa Assunção Cecílio
Kherian Galvão Cesar Gracher
Luiz Helvécio Marques Segundo
Paulo Roberto Moraes de Mendonça
Pedro Merlussi
Rafael César Pitt
Rafael Martins
Renata Ramos da Silva
Rodrigo Alexandre de Figueiredo
Rodrigo Reis Lastra Cid
Sagid Salles
Tiago Luís Teixeira de Oliveira
© Série Investigação Filosófica, 2022.

Universidade Federal de Pelotas


Departamento de Filosofia
Núcleo de Ensino e Pesquisa em Filosofia
Editora da Universidade Federal de Pelotas

Universidade Federal do Amapá


Departamento de Filosofia
Grupo de Pesquisa Investigação Filosófica

NEPFil online
Rua Alberto Rosa, 154 – CEP 96010-770 – Pelotas/RS

Os direitos autorais estão de acordo com a Política Editorial do NEPFil online. As revisões
ortográficas e gramaticais foram realizadas pelos tradutores e revisores. A autorização para a
tradução dos verbetes da Stanford Encyclopedia of Philosophy neste volume foi obtida pelo Grupo de
Pesquisa Investigação Filosófica.

Primeira publicação em 2022 por NEPFil online e Editora da UFPel.

Dados Internacionais de Catalogação


N123 Textos selecionados de filosofia das virtudes.
[recurso eletrônico] Organizador: Bruno Aislã Gonçalves dos Santos – Pelotas: NEPFIL
Online, 2022.
244p. - (Série Investigação Filosófica).
Modo de acesso: Internet
<wp.ufpel.edu.br/nepfil>
ISBN: 978-65-00-47171-7

1. Filosofia Antiga. 2. Clássicos. I. Santos, Bruno Aislã Gonçalves dos.


COD 100

wp.ufpel.edu.br/nepfil
SUMÁRIO

Sobre a série investigação filosófica 13


Introdução 15

(I) Ética da Virtude 21


1. Preliminares 22
1.1. Virtude 23
1.2. Sabedoria Prática 25
2. Formas de Ética da Virtude 27
2.1. Ética da Virtude Eudaimonista 28
2.2. Ética da Virtude Baseada no Agente e Exemplarista 29
2.3. Ética da Virtude Centrada no Alvo 31
2.4. Ética da Virtude Platônica 33
3. Objeções à Ética da Virtude 35
4. Direções Futuras 43
Referência Bibliográfica 45

(II) Ética de Aristóteles 54


1. Preliminares 55
2. O bem humano e o argumento da função 57
3. Método 59
3.1. Virtudes Tradicionais e o Cético 59
3.2. Diferenças e Afinidades com Platão 61
4. Virtudes e Deficiências, Continência e Incontinência 63
5. A Doutrina do meio­termo 65
5. 1 Virtude ética como disposição 65
5.2 Teoria ética não oferece um processo de decisão 68
5.3. O ponto de partida para o raciocínio prático 70
6. Virtudes Intelectuais 71
10

7. Akrasía 74
8. Prazer 78
9. Amizade 82
10. Três vidas comparadas 88
Leituras Adicionais 91
A. Visão geral de autoria única 91
B. Antologias 91
C. Estudos de Tópicos particulares 91
C1. A Ordem Cronológica dos Tratados de Ética de Aristóteles 91
C.2. A Metodologia e Metafísica da Teoria Ética 92
C.3. O Bem Humano e a Função Humana 92
C.4. A Natureza da Virtude e a Descrição das Virtudes Particulares 92
C.5. Raciocínio Prático, Psicologia Moral e Ação 93
C.6. Prazer 93
C.7. Amizade93
C.8. Feminismo e Aristóteles 93
C.9. Aristóteles e a Ética Contemporânea 94
D. Bibliografia 94
Referência Bibliográfica 94
Literatura Primária 94
Ética a Nicômaco 94
Ética a Eudemo 95
Literatura Secundária 95

(III) Caráter Moral 109


1. Terminologia 111
2. Algumas visões gregas antigas 112
2.1. Porque o caráter importa 112
2.2. Virtude e Felicidade 113
2.3. Algumas discordâncias entre os gregos sobre as virtudes 114
2.4. Aristóteles (384­322 AEC) 115
2.5. A visão estoica sobre o caráter 123
3. Virtude e caráter moral depois dos gregos 125
3.1. Primeiros teóricos da lei natural 125
3.2. Kant 127
3.3. Hume 128
11

3.4. Marx e Mill 131


3.5. T. H. Green 135
3.6. Rawls 136
4. Questões contemporâneas sobre o caráter 140
5. Caráter Moral e Estudos Empíricos 143
5.1. Os desafios apresentados pelo situacionismo 143
5.2. Algumas réplicas ao situacionismo 145
5.3. Alguns enfoques empíricos das visões aristotélicas do caráter 146
Referência Bibliográfica 149
Literatura Primária 149
Literatura Secundária 150

(IV) Abordagens Empíricas para o Caráter Moral 153


1. Situacionismo na filosofia 154
1.1. Um argumento contra a ética das virtudes aristotélica 154
1.1.1. Estágio um: Contra a posse generalizada de traços de caráter globais 156
1.1.2. Estágio Dois: O Problema para a Ética das virtudes aristotélica 160
1.2. Respostas ao argumento 161
1.2.1. Respostas que abordam a Primeira Fase 161
1.2.2. Respostas que abordam a Segunda Fase 164
1.2.3. Conclusão 166
2. O modelo CAPS 167
2.1. Antecedentes 167
2.1.1. Unidades cognitivoafetivas 168
2.1.2 Contingências SeEntão SituaçãoComportamento 169
2.1.3 Características nominais versus características psicologicamente
salientes de situações 169
2.1.4 Assinaturas Comportamentais Intraindividuais 170
2.2. Relevância Filosófica do CAPS 172
3. Os Big Five 175
3.1 Antecedentes 175
3.2 Relevância Filosófica dos Big Five 180
4. Psicologia Positiva e a VIA 183
4.1 Antecedentes 184
4.2 Relevância Filosófica da Psicologia Positiva e da VIA 186
5. Conclusão 188
12

Referência Bibliográfica 188

(V) Epistemologia das Virtudes 197


1. Introdução 198
2. Precursores e Origens Contemporâneas 199
3. A natureza das virtudes intelectuais 200
4. Convencional e Alternativa 202
5. Conhecimento 204
6. Valor Epistêmico 207
7. Crédito 209
8. Contextualismo 212
9. Situacionismo Epistêmico 213
10. Expandindo os Horizontes 217
10.1. As virtudes intelectuais nas comunidades epistêmica 218
10.2. Virtudes e vícios específicos 218
10.3. Outros estados além do conhecimento 223
10.4. Emoções epistêmicas 224
Referência bibliográfica 226
Coleções 236
Edições dedicadas às questões abordadas 237
Outros trabalhos importantes 238
Outros Recursos da Internet 240

Sobre o editor e tradutor 241


Sobre os tradutores e revisores 241
SOBRE A SÉRIE INVESTIGAÇÃO FILOSÓFICA

A Série Investigação Filosófica é uma coleção de livros de traduções de


verbetes da Enciclopédia de Filosofia de Stanford (Stanford Encyclopedia of
Philosophy), que se intenciona a servir tanto como material didático, para os
professores das diferentes subáreas e níveis da Filosofia, quanto como material de
estudo, para a pesquisa e para concursos da área. Nós, professores, sabemos o
quão difícil é encontrar bons materiais em português para indicarmos aos estudantes,
e há uma certa deficiência na graduação brasileira de Filosofia, principalmente em
localizações menos favorecidas, em relação ao conhecimento de outras línguas,
como o inglês e o francês. Sendo assim, tentamos suprir essa deficiência, introduzindo
essas traduções ao público de Língua Portuguesa, sem nenhuma finalidade comercial,
meramente pela glória da Filosofia. Aproveitamos para agradecer a John Templeton
Foundation por financiar a publicação de vários dos livros de nossa série, incluindo
este, e eximi­la de quaisquer opiniões aqui contidas, as quais são de responsabilidade
de seus devidos autores. [This publication was made possibile through a support
of a grant from John Templeton Foundation. The opinions expressed in this publication
are those of the authors and do not necessarily reflect the views of the John Templeton
Foundation.]
Essas traduções foram todas realizadas por filósofos ou por estudantes
de filosofia supervisionados, além de, posteriormente, terem sido revisadas por
especialistas nas respectivas áreas. Todas as traduções dos verbetes foram
autorizadas pelo querido Prof. Dr. Edward Zalta, editor da Enciclopédia de Filosofia
de Stanford, razão pela qual o agradecemos imensamente. Sua disposição em
contribuir para a ciência brinda os países de Língua Portuguesa com um material
filosófico de excelência, disponibilizado gratuitamente no site da Editora da
Universidade Federal de Pelotas (UFPel), assim, contribuindo para nosso maior
princípio, a ideia de transmissão de conhecimento livre, além de, também, corroborar
nossa intenção, a de promover o desenvolvimento da Filosofia em Língua Portuguesa
e seu ensino no país. Aproveitamos o ensejo para agradecer, também, ao editor da
14

UFPel, na figura do Prof. Dr. Juliano do Carmo, que apoiou nosso projeto desde o
início. Agradecemos, ainda, a todos os organizadores, tradutores e revisores, que
participam de nosso projeto. Sem a dedicação voluntária desses colaboradores,
nosso trabalho não teria sido possível. Esperamos, com o início desta Série, abrir
as portas para o crescimento desse projeto de tradução e trabalharmos em conjunto
pelo crescimento da Filosofia em Língua Portuguesa.

Prof. Dr. Rodrigo Reis Lastra Cid (IF/UNIFAP)


Prof. Dr. Juliano Santos do Carmo (NEFIL/UFPEL)
Editores da Série Investigação Filosófica
INTRODUÇÃO

Para muitos leitores, falar em “virtudes” pode parecer algo anacrônico.


Para muitos, caso se pergunte “o que são virtudes?”, ou “o que significa ser virtuoso?,
ou, ainda, “qual o papel das virtudes na vida boa?”, ou “ser virtuoso contribui para
angariarmos conhecimento?” pode parecer apenas questões que filósofos da
Antiguidade se interessariam e que, contemporaneamente, são apenas curiosidades
filosóficas. No entanto, garanto ao leitor que tais questões são vívidas e de suma
importância para tentarmos entender o que é a vida boa, o conhecimento, nosso
comportamento, dentre outras questões. Neste volume, os leitores encontrarão,
além de textos que abordam as discussões clássicas da ética das virtudes, trabalhos
que questionam a relevância das virtudes em epistemologia e, também, sobre o
caráter moral e como podemos entendê­lo melhor através de abordagens empíricas.
Assim, espero que este volume possa demonstrar que o estudo sobre as virtudes
é relevante e ocupa um espaço crucial nas discussões filosóficas contemporâneas.
É fato que na Grécia Antiga as discussões sobre as virtudes foram centrais
ao se tratar do problema do que seria uma vida boa. O dilema de se saber quais
os traços que deveríamos cultivar (e como cultivá­los), para termos uma vida boa,
ocupou as maiores mentes da Antiguidade. De Sócrates, passando por Platão e os
partícipes das escolas socráticas menores, até Aristóteles, os problemas sobre o
que são virtudes, o que é necessário para ser virtuoso, qual o papel das virtudes
na vida boa, etc. foram de suma importância. Atribui­se a Aristóteles o que poderíamos
chamar de um tratamento mais completo acerca das virtudes na Antiguidade,
momento expresso em sua obra Ética a Nicômaco. Porém, é importante notar que
Platão (e, talvez, Sócrates) também contribuíram para formar o que hoje chamamos
de ética das virtudes, um dos três grandes modelos em Ética. Entretanto, o
desenvolvimento de abordagens baseadas em virtudes não se restringiu apenas à
Grécia Antiga. No império romano, por exemplo, houve, principalmente com Sêneca,
o desenvolvimento em relação às virtudes. Nesse sentido, também contribuíram
para o desenvolvimento das éticas das virtudes, ainda com grande influência dos
16

gregos, filósofos como Agostinho e Tomás de Aquino, dentre outros. No medievo,


as discussões sobre as virtudes vieram embebidas na tradição cristã. Apesar das
diferenças entre os diversos teóricos que abordaram as questões relativas às
virtudes, da antiguidade até o medievo, ao que parece, grande parte deles pareciam
concordar que a virtude é um traço de caráter excelente. Todavia, as virtudes
perderam espaço nas discussões filosóficas, figurando em um papel secundário,
por toda a modernidade e uma parte considerável da contemporaneidade.
No iluminismo, principalmente com as obras de Immanuel Kant, as virtudes
foram tratadas como uma espécie de apêndice da ética. Kant desenvolveu o que
chamaríamos atualmente de teoria das virtudes ou, como chamara Kant, uma
Doutrina das Virtudes, uma parte secundária de sua teoria normativa. Os utilitaristas
do século XIX, principalmente John Stuart Mill, também deram às virtudes um papel
secundário. Tanto no modelo kantiano, quanto no modelo utilitarista, as virtudes
não desempenhavam qualquer papel na determinação daquilo que deveríamos
fazer ou como deveríamos viver, ser virtuoso era apenas desejável, mas não
requerido. Dessa forma, tais abordagens, apesar de darem alguma relevância às
virtudes e, portanto, aos traços de caráter dos indivíduos, não pensavam que a
moralidade deveria ser fundada nelas. Porém, na década de 50, com o trabalho de
Anscombe Modern Moral Philosophy (1958), as discussões sobre as virtudes
voltaram à tona. Preocupada com a fundamentação deontológica e utilitarista da
moralidade, que ela pensava ser insuficiente ou insatisfatória para justificar aquilo
que devemos fazer, Anscombe argumentou que deveríamos nos voltar à discussão
sobre o que é para um ser humano viver bem e florescer. Segundo ela, começar
por esse caminho seria o modo correto de fazermos ética. Dessa forma, a Ética
das Virtudes fora chamada a ocupar seu lugar de direito no debate de éticas
normativas na contemporaneidade. Assim, após a segunda metade do século
passado, a ética das virtudes retomou seu desenvolvimento de forma substancial.
Com o “renascimento” do interesse nas virtudes, elas passaram a figurar não apenas
como algo do domínio da ética normativa, mas, também, desempenham um papel
relevante dentro do estudo da epistemologia. Adicionalmente, os problemas
relacionados ao nosso caráter moral e seu impacto na vida dos indivíduos também
se tornaram objeto de várias pesquisas, não apenas a nível filosófico, como também
a nível empírico. Atualmente, há um volume impressionante de pesquisas que
envolvem virtudes e parece ser um tema em franco crescimento. Assim, para o
leitor que começou a se interessar sobre os problemas relacionados às virtudes,
um aviso se faz necessário, discutir o papel das virtudes, seja na ética seja na
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epistemologia, por exemplo, demandará um esforço razoável, mas não se preocupe,


este volume poderá lhe ajudar a dar os primeiros passos. Isso posto, eu irei fazer
uma brevíssima apresentação de cada um dos tópicos que serão tratados neste volume.
No primeiro texto, intitulado Ética da Virtude, o leitor irá encontrar uma
discussão sobre as principais características das diferentes formas de éticas da virtude.
Elas são abordadas como a “terceira abordagem” normativa, em contraste com o
deontologismo e consequencialismo. Apesar de haver diferentes propostas teóricas
em ética da virtude, atualmente, quase todas possuem raízes nas teorias desenvolvidas
na Grécia Antiga. O trabalho começa por discutir os principais conceitos de teorias
focadas nas virtudes, quais sejam, o conceito de areté (virtude) e phrónesis (sabedoria
prática). Depois, discutem­se as formas que uma ética das virtudes pode assumir. A
primeira forma é a ética da virtude eudaimonista, tese segundo a qual as virtudes são
definidas em termos de eudaimonía e a normatividade é derivada dela – nessa parte,
também, debate­se o conceito de eudainomía, um dos principais em ética da virtude.
A segunda forma é a ética da virtude baseada no agente e no exemplarista, tese
segundo a qual a normatividade é derivada das motivações e disposições dos agentes
(e não da própria eudaimonía). Os principais defensores contemporâneos dessa visão
são Linda Zagzebski e Michael Slote. A terceira abordagem é a ética centrada no alvo,
tese segundo a qual as virtudes dizem respeito a diferentes campos, ou seja, algumas
dizem respeito a certos aspectos de uma vida e não de outros, então, cada virtude
teria um alvo. Dessa forma, agimos de modo virtuoso (ou correto) quando acertamos
o alvo de uma virtude. Já a quarta forma de ética da virtude tem inspiração platônica.
Em uma das versões da ética da virtude platônica, defendida por Campbell e Murdoch,
as virtudes são definidas em termos de qualidades que nos permitem superar nosso
egoísmo e ver o mundo como ele realmente é, assim, virtudes são aquelas qualidades
que nos permitem ter consciência da bondade. Já uma segunda versão, defendida
por Adams, começa por uma análise em termos metafísicos da bondade. Influenciado
por Agostinho, Adams defende uma concepção de bondade supremamente perfeita,
identificando­a com Deus. Assim, as virtudes são as maneiras pelas quais nos
assemelhamos a Deus. Por fim, mas não menos importante, o texto apresenta uma
série de objeções relevantes às diferentes formas de ética de virtudes e nos dá algumas
direções para pesquisas futuras. Esse é um ótimo texto para o leitor que deseja
conhecer o estado da arte atual do desenvolvimento dos modelos de ética de virtude.
O segundo capítulo apresentado neste volume é Ética de Aristóteles. O
estagirita é responsável, como dito acima, por oferecer um modelo mais completo
e claro de ética das virtudes, na Antiguidade. Na Ética a Nicômaco, considerado
18

seu principal trabalho acerca da ética, Aristóteles desenvolve uma visão acerca do
bem humano, dada sua função, e, em última instância, quais os traços de caráter
que deveríamos cultivar, quais as condições para cultivá­lo e em quais contextos
seria possível fazê­lo, com a finalidade de viver uma vida próspera e bem vivida.
O artigo apresenta, de forma clara e precisa, os principais pontos da posição
aristotélica. Ele começa por explorar no que consiste o bem humano e nossa função
(érgon). Além disso, o verbete explora o método aristotélico, as virtudes tradicionais,
a doutrina do meio­termo (ou mediania) e o papel da sabedoria prática, além de
explorar outros pontos relevantes da teoria aristotélica como, por exemplo, as
virtudes intelectuais e o problema da akrasía, o papel das amizades numa vida boa,
etc. Essa é uma ótima introdução à ética das virtudes de Aristóteles e penso que o
leitor, pouco ou nada informado, poderá angariar um conhecimento valioso para
sua tentativa de aprender um pouco mais acerca do posicionamento aristotélico.
O terceiro verbete, intitulado Caráter Moral, faz uma abordagem histórica
dos mais importantes enfoques sobre o caráter moral e bom. É abordada, primeiramente,
a relevância do problema acerca do caráter moral e sua conexão com as virtudes e
a felicidade, além das discordâncias que haviam sobre o tema entre os filósofos da
Antiguidade e as visões de Aristóteles e dos Estoicos. Em um segundo momento, e
a meu ver um dos trechos mais interessantes do texto, apresentam­se as visões dos
modernos (dos primeiros contratualistas, Kant, Hume) acerca do caráter moral e de
sua relevância. Depois, adentrando o século XIX e indo até a contemporaneidade,
têm­se as visões de Marx, Mill, Green e Rawls, este último tendo sido o principal
filósofo político do século passado. Por fim, é abordada a posição situacionista dos
estudos empíricos contemporâneos sobre o caráter moral dos indivíduos. Trata­se de
um verbete valioso para aqueles leitores que se interessam por uma visão mais geral
dos desenvolvimentos referentes ao caráter moral que perpassam a história da filosofia.
O quarto verbete que compõe este volume, intitulado Abordagens Empíricas
para o Caráter Moral, aprofunda as discussões iniciadas no fim do verbete anterior.
O trabalho aborda quatro enfoques das pesquisas psicológicas acerca do caráter
moral, quais sejam, situacionismo, o modelo CAPS, o modelo Big Five e o VIA.
Porém, tais discussões são postas sobre a ótica filosófica, ou seja, como a filosofia
pode tentar entender melhor o caráter moral através de abordagens empíricas.
Afinal, como podemos entender melhor, do ponto de vista filosófico, nossos traços
de caráter e seu papel em nosso comportamento? Ao que parece, seria proveitoso
para o entendimento dessa questão darmos uma olhada nos desenvolvimentos
feitos por nossos colegas psicólogos no tema e os impactos que eles têm sobre as
19

nossas concepções puramente filosóficas acerca do caráter moral. Será que aquilo
que teorizamos de nossas escrivaninhas reflete aquilo que ocorre no mundo? Ou,
ainda, será que o que ocorre no mundo é relevante para nossos estudos filosóficos
sobre a natureza do caráter moral? Esse verbete pode ser interessante para os leitores
que se preocupam com a intersecção entre as abordagens puramente filosóficas do
caráter moral e as abordagens empíricas e o que pode resultar dela, ou seja, se tal
intersecção pode nos revelar algo mais para nosso entendimento do caráter moral.
Por fim, mas não menos importante, o quinto verbete que compõe este
volume intitulado, Epistemologia das Virtudes, aborda os principais desenvolvimentos
da epistemologia contemporânea das virtudes. Para muitos leitores, pode parecer
estranho discutir o papel das virtudes na área da epistemologia, já que, tradicionalmente,
tais discussões ficaram restritas à ética. Porém, discussões sobre o papel das
virtudes em epistemologia já podiam ser encontradas, embora não de um modo
tão elaborado, nas obras de Platão e Aristóteles (na Antiguidade), Tomás de Aquino
(no Medievo), Descartes, Hume, Reid (na Modernidade), Kierkegaard, Nietzsche,
Russell, Pierce, Sealler dentro outros (na Contemporaneidade). Apesar de ser um
tema tão antigo quanto a própria ética das virtudes, a epistemologia das virtudes
tem seu desenvolvimento mais substancial nas últimas décadas. Epistemólogos e
epistemólogas das virtudes contemporâneos e contemporâneas veem a epistemologia
como uma disciplina normativa, ao invés de descritiva, e consideram que os agentes
e a comunidade epistêmicos devem ser o foco principal de avaliação dos valores
epistêmicos e, portanto, concentram­se em avaliar as virtudes e vícios intelectuais
dos agentes e das comunidades por meio da normatização epistêmica. O verbete
se concentra nos desenvolvimentos recentes de diferentes propostas em epistemologia
das virtudes, um campo rico no qual muito ainda está por se fazer. O leitor interessado
poderá ter acesso a uma visão geral do estado da arte atual em epistemologia das
virtudes e, como tais abordagens lidam com problemas epistêmicos antigos e novos,
também pode considerar novos horizontes para pesquisas acerca das virtudes, do
conhecimento, dos agentes e das comunidades epistêmicos, do valor epistêmico,
dentre outros tópicos.
Este volume não teria sido possível sem o apoio da Stanford Encyclopedia
of Philosophy e de seu editor, Edward N. Zalta, que, gentilmente, autoriza­nos a
realizar as traduções aqui presentes. Estou em profunda dívida com os tradutores
e as tradutoras que se esforçaram para tornar este volume uma realidade, portanto,
deixo aqui meus agradecimentos à Profa. Dra. Mayara Roberta Pablos, ao Prof.
Dr. Sagid Salles e ao Dr. Ramiro de Ávila Peres. Muito obrigado pelo esforço de
20

vocês. Agradeço imensamente à organização do projeto de tradução, ao Grupo de


Pesquisa Investigação Filosófica, do qual me orgulho em fazer parte, e ao Prof. Dr.
Rodrigo Reis Lastra Cid, pela liderança no projeto da Série Investigação Filosófica.
À UFPel, na figura do senhor Juliano do Carmo, por viabilizar a publicação deste
volume e de vários outros envolvidos no processo. À John Templeton Foundation,
cujo apoio financeiro, além de prestigiar o projeto, constituiu um importante incentivo
a este trabalho. E, também, agradeço à minha companheira Valquiria Senderski
Lazarek pelo apoio e dicas para melhorar as minhas traduções. Por fim, espero que
vocês, leitoras e leitores, tenham uma ótima experiência com este volume, e que
os verbetes aqui traduzidos possam instigá­los a estudar e a pesquisar com
profundidade os temas relacionados às virtudes.

Bruno Aislã Gonçalves dos Santos


Ética da Virtude*

Autoria: Rosalind Hursthouse e Glen Pettigrove


Tradução: Mayara Roberta Pablos
Revisão: Sagid Salles

A ética da virtude é, atualmente, uma das três principais abordagens da


ética normativa. Pode, inicialmente, ser identificada como aquela que enfatiza as
virtudes, ou caráter moral, em contraste com a abordagem que enfatiza deveres
ou regras (deontologia) ou que enfatiza as consequências das ações (consequencialismo).
Suponha que seja óbvio que alguém necessitado deva ser ajudado. Um utilitarista
apontará para o fato de que as consequências de o ajudar irão maximizar o bem­
estar, um deontologista para o fato de que, ao fazê­lo, o agente agirá de acordo
com uma regra moral como "faça aos outros o que faria por você” e um eticista da
virtude para o fato de que ajudar a pessoa seria caridoso ou benevolente.
Isso não quer dizer que apenas os eticistas da virtude prestam atenção às
virtudes, assim como não quer dizer que apenas os consequencialistas prestam
atenção às consequências ou apenas os deontologistas às regras. Cada uma das

* HURSTHOUSE, R.; PETTIGROVE, G. Virtue Ethics. In: ZALTA, E. N. (ed.). Stanford


Encyclopedia of Philosophy. Winter Edition. Stanford, CA: The Metaphysics Research
Lab, 2018. Disponível em: https://plato.stanford.edu/archives/win2018/entries/ethics­
virtue/. Acesso em: 10 mai. 2022.

The following is the translation of the entry on Virtue Ethics by Rosalind Hursthouse and
Glen Pettigrove in the Stanford Encyclopedia of Philosophy. The translation follows the
version of the entry in the SEP’s archives at <https://plato.stanford.edu/archives/win2018/
entries/ethics­virtue/>. We’d like to thank the Editors of the Stanford Encyclopedia of
Philosophy, mainly Prof. Dr. Edward Zalta, for granting permission to translate and to
publish this entry.
22

abordagens acima mencionadas pode abrir espaço para virtudes, consequências


e regras. Na verdade, qualquer teoria ética normativa plausível terá algo a dizer
sobre as três. O que distingue a ética da virtude do consequencialismo ou deontologia
é a centralidade da virtude dentro da teoria (WATSON, 1990; KAWALL, 2009).
Enquanto os consequencialistas definirão virtudes como traços que produzem boas
consequências e os deontologistas as definirão como traços possuídos por aqueles
que cumprem seus deveres de maneira confiável, os eticistas da virtude resistirão
à tentativa de definir virtudes em termos de algum outro conceito considerado mais
fundamental. Em vez disso, virtudes e vícios serão fundamentais para as teorias
éticas da virtude e outras noções normativas serão fundamentadas nelas.
Começamos discutindo dois conceitos que são centrais para todas as
formas de ética da virtude, a saber, virtude e sabedoria prática. Notamos então
algumas das características que distinguem diferentes teorias éticas da virtude
umas das outras, antes de nos voltarmos para as objeções que foram levantadas
contra a ética da virtude e as respostas oferecidas em seu nome. Concluímos
conferindo algumas das direções nas quais pesquisas futuras podem se desenvolver.

1. Preliminares

No Ocidente, os pais fundadores da ética da virtude são Platão e Aristóteles,


e no Oriente ela remonta até Mêncio e Confúcio. Esta abordagem persistiu como
dominante na filosofia moral ocidental pelo menos até o Iluminismo, sofreu um
eclipse momentâneo durante o século XIX, mas ressurgiu na filosofia anglo­americana
no final dos anos 1950. Foi anunciado pelo famoso artigo de Anscombe (1958),
Modern Moral Philosophy, que cristalizou uma crescente insatisfação com as formas
de deontologia e utilitarismo então prevalecentes. Nenhuma delas, naquela época,
prestou atenção a uma série de tópicos que sempre figuraram na tradição da ética
da virtude ­ virtudes e vícios, motivos e caráter moral, educação moral, sabedoria
moral ou discernimento, amizade e relações familiares, um conceito profundo de
felicidade, o papel das emoções em nossa vida moral e as questões fundamentalmente
importantes sobre que tipo de pessoa devemos ser e como devemos viver.
Seu ressurgimento teve um efeito revigorante sobre as outras duas
abordagens, e muitos defensores das últimas começaram então a tratar desses
tópicos nos termos de sua própria teoria preferida. (Uma consequência disso foi
que agora é necessário distinguir "ética da virtude" (a terceira abordagem) de "teoria
23

da virtude", um termo que inclui considerações da virtude dentro das outras


abordagens). O interesse na teoria da virtude de Kant redirecionou a atenção dos
filósofos à Doutrina da Virtude, do filósofo, há muito negligenciada, e os utilitaristas
desenvolveram teorias da virtude consequencialistas (DRIVER, 2001; HURKA,
2001). Isto também gerou interpretações da ética da virtude em outros filósofos
além de Platão e Aristóteles, tais como Martineau, Hume e Nietzsche e, assim,
desenvolveram­se diferentes formas de ética da virtude (SLOTE, 2001; SWANTON,
2003, 2011a).
Embora a ética da virtude moderna não tenha que assumir uma forma
“neoaristotélica” ou eudaimonista (vide seção 2), quase qualquer versão moderna
ainda revela que suas raízes estão na filosofia grega antiga devido ao emprego de
três conceitos derivados dela. São eles aretḗ1 (excelência ou virtude), phrónēsis
(sabedoria prática ou moral) e eudaimonía (geralmente traduzida como felicidade
ou prosperidade). Discutimos os dois primeiros no restante desta seção. A eudaimonía
será discutida em conexão com as versões eudaimonistas da ética da virtude a seguir.

1.1. Virtude

Uma virtude é um traço de caráter excelente. É uma disposição, bem arraigada


em seu possuidor – algo que, como dizemos, vai até o fundo, ao contrário de um
hábito como ser um bebedor de chá – para perceber, esperar, valorizar, sentir, desejar,
escolher, agir, e reagir de certas maneiras características. Possuir uma virtude é ser
um certo tipo de pessoa com uma certa mentalidade complexa. Um aspecto significativo
dessa mentalidade é a aceitação sincera de uma gama distinta de considerações
como razões para a ação. Uma pessoa honesta não pode ser identificada simplesmente
como alguém que, por exemplo, pratica negociações honestas e não trapaceia. Se
tais ações forem realizadas apenas porque o agente pensa que a honestidade é a
melhor política, ou porque teme ser pego, em vez de reconhecer "Fazer o contrário
seria desonesto" como o motivo relevante, estas não são ações de uma pessoa

1 N.E.: As transliterações da língua grega clássica foram realizadas conforme a nota


Normas para a transliteração de termos e textos em grego antigo, proposta por Ana Lia do
Amaral de Almeida Prado, na Revista Clássica, ed. 19, vol. 2, de 2006. Disponível em:
https://revista.classica.org.br/classica/article/view/123/113. Acesso em: 10 mai. 2022.
24

honesta. Uma pessoa honesta não pode ser identificada simplesmente como alguém
que, por exemplo, diz a verdade porque é a verdade, pois pode­se ter a virtude da
honestidade sem ser indelicado ou indiscreto. A pessoa honesta reconhece "Isso seria
uma mentira" como uma razão forte (embora, talvez, não predominante) para não
fazer certas afirmações em certas circunstâncias, e dá o devido, mas não predominante,
peso a "Isso seria a verdade" como uma razão por fazê­los.
As razões e escolhas de uma pessoa honesta com respeito a ações
honestas e desonestas refletem seus pontos de vista sobre honestidade, verdade
e embuste – mas é claro que tais pontos de vista se manifestam com respeito a
outras ações e também a reações emocionais. Ao valorizar a honestidade, ela opta,
sempre que possível, por trabalhar com pessoas honestas, por ter amigos honestos,
por criar seus filhos para serem honestos. Ela desaprova, não gosta, deplora a
desonestidade, não se diverte com certas histórias de trapaça. Ela despreza ou se
compadece daqueles que conseguem algo por meio do embuste, em vez de pensar
que foram espertos. Ela não se surpreende, ou fica satisfeita, quando a honestidade
triunfa, fica chocada ou angustiada quando aqueles próximos e queridos a ela fazem
coisas desonestas, e assim por diante. Dado que a virtude é uma disposição
multifacetada, seria obviamente temerário atribuí­la a um agente com base em uma
única ação observada ou até mesmo uma série de ações semelhantes, especialmente
se você não sabe as razões do agente para fazer o que fez (SREENIVASAN, 2002).
Possuir uma virtude é uma questão de grau. Possuir tal disposição
plenamente é possuir virtude plena ou perfeita, o que é raro, e há várias maneiras
de não atingir esse ideal (ATHANASSOULIS, 2000). A maioria das pessoas que
podem realmente ser descritas como razoavelmente virtuosas e, com certeza,
notadamente melhores do que aquelas que podem ser verdadeiramente descritas
como desonestas, egocêntricas e gananciosas, ainda têm seus pontos cegos –
pequenas áreas onde não agem pelas razões que seria de esperar. Portanto, alguém
honesto ou gentil na maioria das situações, e especialmente nas situações exigentes,
pode, no entanto, ser trivialmente contaminado pelo esnobismo, inclinado a ser
dissimulado com seus ancestrais e pouco gentil com estranhos com o sotaque errado.
Além disso, não é fácil harmonizar as emoções com o reconhecimento
racional de certas razões para a ação. Posso ser honesto o bastante para reconhecer
que devo confessar um erro porque seria desonesto não o fazer, sem que minha
aceitação seja tão sincera a ponto de eu poder confessar facilmente e sem qualquer
conflito interno. Seguindo (e adaptando) Aristóteles, os eticistas da virtude traçam
uma distinção entre virtude plena ou perfeita e “continência”, ou força de vontade.
25

Os totalmente virtuosos fazem o que devem sem lutar contra desejos contrários; o
continente tem que controlar um desejo ou tentação de agir de outro modo.
Descrever o continente como "aquém" da virtude perfeita parece ir contra
a intuição de que há algo particularmente admirável sobre as pessoas que conseguem
agir bem quando é especialmente difícil para elas fazê­lo, mas a plausibilidade disso
depende exatamente do que “Torna isso difícil” (FOOT, 1978, p. 11­14). Se forem
as circunstâncias em que o agente atua – digamos que ela é muito pobre quando
vê alguém derrubar uma bolsa cheia ou que fica profundamente triste quando
alguém visita em busca de ajuda – então, de fato, é particularmente admirável da
parte dela devolver a bolsa ou ajudar quando for difícil. Mas se o que torna isso
difícil é uma imperfeição em seu caráter – a tentação de guardar o que não é dela
ou uma indiferença insensível ao sofrimento dos outros – então não é admirável?

1.2. Sabedoria Prática

Outra maneira pela qual alguém pode facilmente ficar aquém da virtude
plena é pela falta de phrónēsis, ou seja, sabedoria moral ou prática.
O conceito de virtude refere­se a algo que torna seu possuidor bom: uma
pessoa virtuosa é uma pessoa moralmente boa, excelente ou admirável que age e
sente como deve. Esses são truísmos comumente aceitos. Mas é igualmente comum,
em relação a exemplos particulares de (supostas) virtudes, abandonar esses
truísmos. Podemos dizer de alguém que ele é generoso ou honesto “até demais”.
É comumente afirmado que a compaixão de alguém pode levá­lo a agir de forma
errada, a contar uma mentira que não deveria ter contado, por exemplo, no desejo
de evitar ferir os sentimentos de outra pessoa. Também é dito que a coragem, em
alguém desesperado, permite que ele faça coisas muito mais perversas do que ele
seria capaz de fazer caso fosse tímido. Assim, parece que generosidade, honestidade,
compaixão e coragem, apesar de serem virtudes, às vezes são falhas. Alguém que
é generoso, honesto, compassivo e corajoso pode não ser uma pessoa moralmente
boa – ou, se ainda for considerado um truísmo que o seja, então as pessoas
moralmente boas podem ser levadas pelo que as torna moralmente boas a agir de
forma errada! Como chegamos a uma conclusão tão estranha?
A resposta repousa em uma aceitação muito rápida do uso comum, o que
permite uma aplicação bastante ampla de muitos dos termos de virtude, combinados,
talvez, com uma prontidão moderna para supor que o agente virtuoso é motivado
26

por emoção ou inclinação, não por escolha racional. Se alguém pensa em generosidade
ou honestidade como a disposição para ser movido à ação por impulsos generosos
ou honestos, como o desejo de dar ou de falar a verdade, se alguém pensa em
compaixão como a disposição para ser movido pelo sofrimento dos outros e de agir
com base nessa emoção, se pensarmos na coragem como mero destemor ou
disposição para enfrentar o perigo, então realmente parecerá óbvio que todas essas
disposições podem levar o seu possuidor a agir de maneira errada. Mas também é
óbvio, logo que é afirmado, que essas são disposições que podem ser possuídas por
crianças, e embora as crianças assim dotadas (exceto a disposição “corajosa”)
indubitavelmente seriam crianças muito boazinhas, não diríamos que elas são pessoas
moralmente virtuosas ou admiráveis. O uso comum, ou a confiança na motivação por
inclinação, nos dá o que Aristóteles chama de “virtude natural” – uma protoversão da
virtude plena na expectativa da perfeição pela phrónēsis ou sabedoria prática.
Aristóteles faz uma série de observações específicas sobre a phrónēsis
que são o assunto de muito debate acadêmico, mas o conceito moderno (relacionado)
é melhor compreendido pensando no que o adulto maduro moralmente virtuoso tem
que crianças gentis, incluindo adolescentes gentis, não têm. Tanto o adulto virtuoso
quanto a criança boazinha têm boas intenções, mas a criança é muito mais propensa
a bagunçar as coisas porque não sabe o que precisa saber para fazer o que pretende.
É claro que um adulto virtuoso não é infalível e também pode, ocasionalmente, deixar
de fazer o que pretendia fazer por falta de conhecimento, mas apenas nas ocasiões
em que a falta de conhecimento não é culpável. Então, por exemplo, crianças e
adolescentes muitas vezes prejudicam aqueles que pretendem beneficiar, seja porque
não sabem como garantir o benefício ou porque sua compreensão do que é benéfico
e prejudicial é limitada e muitas vezes equivocada. Essa ignorância em crianças
pequenas raramente, ou nunca, é culpável. Os adultos, por outro lado, são culpados
se bagunçam as coisas por serem irrefletidos, insensíveis, imprudentes, impulsivos,
míopes e por presumirem que o que lhes convém será adequado a todos, em vez de
adotar um ponto de vista mais objetivo. Eles também são culpados se sua compreensão
do que é benéfico e prejudicial estiver equivocada. Faz parte da sabedoria prática
saber como garantir benefícios reais com eficácia; aqueles que têm sabedoria prática
não cometerão o erro de esconder a verdade dolorosa da pessoa que realmente
precisa conhecê­la por acreditar que a está beneficiando.
De forma bastante geral, dado que boas intenções são intenções de agir
bem ou "fazer a coisa certa", podemos dizer que sabedoria prática é o conhecimento
ou compreensão que capacita ao seu possuidor, ao contrário dos adolescentes
27

bonzinhos, fazer exatamente isso, em qualquer situação. A especificação detalhada


do que está envolvido em tal conhecimento ou compreensão ainda não apareceu
na literatura, mas alguns aspectos dela estão se tornando bem conhecidos. Até
mesmo muitos deontologistas agora enfatizam o ponto de que suas regras de
orientação de ação não podem ser seguramente aplicadas sem sabedoria prática,
porque a aplicação correta requer apreciação situacional – a capacidade de
reconhecer, em qualquer situação particular, aquelas características que são
moralmente salientes. Isso traz à tona dois aspectos da sabedoria prática.
O primeiro é que, caracteristicamente, ela só vem com a experiência de
vida. Entre as características moralmente relevantes de uma situação podem estar
as prováveis consequências para as pessoas envolvidas, de uma determinada
ação, e isso é algo que os adolescentes notoriamente não sabem, precisamente
porque são inexperientes. Faz parte da sabedoria prática ser sábio sobre os seres
humanos e a vida humana. Nem é preciso dizer que os virtuosos estão cientes das
consequências de possíveis ações. Como eles poderiam deixar de ser imprudentes,
irrefletidos e míopes se não estivessem cientes disto?
O segundo é a capacidade prática do agente sábio de reconhecer algumas
características de uma situação como mais importantes do que outras, ou mesmo,
naquela situação, como as únicas relevantes. Os sábios não veem as coisas da
mesma maneira que os adolescentes bonzinhos que, com suas virtudes subdesenvolvidas,
ainda tendem a ver a natureza pessoalmente desvantajosa de uma determinada ação
como competindo em importância com sua honestidade, benevolência ou justiça.
Esses aspectos se aglutinam na descrição dos praticamente sábios como
aqueles que entendem o que é verdadeiramente valioso, verdadeiramente importante
e, portanto, verdadeiramente vantajoso na vida, que sabem, em suma, como viver bem.

2. Formas de Ética da Virtude

Embora todas as formas de ética da virtude concordem que a virtude é central


e a sabedoria prática é necessária, elas diferem em como combinam esses e outros
conceitos para iluminar o que devemos fazer em contextos específicos e em como
devemos viver nossas vidas como um todo. A seguir, esboçamos quatro formas
distintas assumidas pela ética da virtude contemporânea, a saber, a) ética da virtude
eudaimonista, b) ética da virtude baseada em agentes e exemplarista, c) ética da
virtude centrada no alvo e d) ética da virtude platônica.
28

2.1. Ética da Virtude Eudaimonista

A característica distintiva das versões eudaimonistas da ética da virtude é


que elas definem as virtudes em termos de sua relação com a eudaimonía. Uma
virtude é um traço que contribui ou é constituinte da eudaimonía e devemos desenvolver
virtudes, afirma o eudaimonista, precisamente porque contribuem para a eudaimonía.
O conceito de eudaimonía, uma palavra­chave na filosofia moral grega
antiga, é normalmente traduzido como "felicidade" ou "prosperidade" e, ocasionalmente,
como "bem­estar”. Cada tradução tem suas desvantagens. O problema com
"prosperidade" é que os animais e até as plantas podem prosperar, mas a eudaimonía
só é possível para seres racionais. O problema com a “felicidade” é que, na conversa
comum, ela conota algo determinado subjetivamente. Cabe a mim, não a você,
pronunciar se estou feliz. Se acho que estou feliz, então estou – não é algo sobre
o qual possa estar errado (exceto em casos avançados de autoengano). Compare
com o fato de eu estar saudável ou próspero. Aqui não temos dificuldade em
reconhecer que posso pensar que estou saudável, física ou psicologicamente, ou
pensar que estou prosperando, mas estar errado. Nesse sentido, “próspera” é uma
tradução melhor do que “felicidade”. É muito fácil se enganar sobre se a vida de
uma pessoa é eudaímōn (o adjetivo de eudaimonía) não apenas porque é fácil
enganar a si mesmo, mas porque é fácil ter uma concepção equivocada da eudaimonía,
ou do que é viver bem como ser humano, acreditando que consiste em grande parte
no prazer físico ou no luxo, por exemplo.
Eudaimonía é, reconhecidamente, um conceito de felicidade moralizado
ou carregado de valores, algo como felicidade “verdadeira” ou “real” ou “o tipo de
felicidade que vale a pena buscar ou ter”. É assim o tipo de conceito sobre o qual
pode haver desacordo substancial entre pessoas com perspectivas diferentes sobre
a vida humana, desacordo este que não pode ser resolvido apelando para algum
padrão externo com o qual, a despeito de suas diferentes perspectivas, as partes
em desacordo concordam (HURSTHOUSE, 1999, p. 188­189).
A maioria das versões da ética da virtude concorda que viver uma vida de
acordo com a virtude é necessário para a eudaimonía. Esse bem supremo não é
concebido com um estado definido independentemente (composto, digamos, de
uma lista de bens não morais que não inclui a atividade virtuosa) que pode ser
pensado como algo promovido pelo exercício das virtudes. Na ética da virtude, ele
29

já é concebido como algo do qual a atividade virtuosa é pelo menos parcialmente


constitutiva (KRAUT, 1989). Desse modo, os eticistas da virtude afirmam que uma
vida humana dedicada ao prazer físico ou à aquisição de riqueza não é eudaímōn,
mas uma vida desperdiçada.
Mas embora todas as versões padrão da ética da virtude insistam nesse
vínculo conceitual entre virtude e eudaimonía, vínculos adicionais são questões de
disputa e geram diferentes versões. Para Aristóteles, a virtude é necessária, mas
não suficiente, o que também é necessário são bens externos que são uma questão
de sorte. Para Platão e os estoicos, a virtude é tanto necessária como é suficiente
para a eudaimonía (ANNAS, 1993).
De acordo com a ética da virtude eudaimonista, a vida boa é a vida
eudaímōn, e as virtudes são o que capacita ao ser humano ser eudaímōn, porque
as virtudes são justamente aqueles traços de caráter que beneficiam seu possuidor
de modo relevante, exceto a má sorte. Portanto, há uma ligação entre a eudaimonía e
o que confere status de virtude a um traço de caráter. Para uma discussão sobre
as diferenças entre eudaimonistas, confira os trabalhos de Baril (2014). Para defesas
recentes do eudaimonismo, confira Annas (2011), Lebar (2013b), Badhwar (2014)
e Bloomfield (2014).

2.2. Ética da Virtude Baseada no Agente e Exemplarista

Em vez de derivar a normatividade da virtude do valor da eudaimonía, os


eticistas da virtude baseados em agentes argumentam que outras formas de
normatividade, incluindo o valor da eudaimonía, remontam a, e são, em última instância,
explicadas em termos das qualidades motivacionais e disposicionais dos agentes.
Não está claro quantas outras formas de normatividade devem ser explicadas
em termos das qualidades dos agentes para que uma teoria conte como baseada
em agentes. Os dois teóricos baseados em agentes mais conhecidos, Michael Slote
e Linda Zagzebski, remontam uma ampla gama de qualidades normativas às
qualidades dos agentes. Por exemplo, Slote (2001, p. 14) define certo e errado em
termos das motivações dos agentes: "[A] ética da virtude baseada em agentes [...]
entende o certo em termos de boas motivações e o errado em termos da posse de
maus (ou insuficientemente bons) motivos". Da mesma forma, ele explica a bondade
de uma ação, o valor da eudaimonía, a justiça de uma lei ou instituição social e a
normatividade da racionalidade prática em termos das qualidades motivacionais e
30

disposicionais dos agentes (2001, p. 99­100; 2000, p. 154). Seguindo a mesma


língua, Zagzebski, define ações certas e erradas por referência às emoções, motivos
e disposições de agentes virtuosos e viciosos. Por exemplo, "Um ato errado = um
ato que o phrónimos caracteristicamente não faria, e ele se sentiria culpado se o
fizesse = um ato tal que não é o caso de que ele poderia fazê­lo = um ato que
expressa um vício = um ato que é contra uma exigência da virtude (o eu
virtuoso)” (ZAGZEBSKI, 2004, p. 160). Suas definições de deveres, fins bons e
ruins e estados de coisas bons e ruins são similarmente fundamentados nos estados
motivacionais e disposicionais de agentes exemplares (1998, 2004, 2010).
No entanto, também poderia haver abordagens menos ambiciosas baseadas
em agentes para virtudes éticas (vide SLOTE, 1997). No mínimo, uma abordagem
baseada em agente deve estar comprometida em explicar o que se deve fazer por
referência aos estados motivacionais e disposicionais dos agentes. Mas ela ainda
não é uma condição suficiente para algo contar como uma abordagem baseada
em agentes, uma vez que a mesma condição será satisfeita por toda descrição
ética das virtudes. Para uma teoria contar como uma forma de ética das virtudes
baseada em agente, também deve ser o caso que as propriedades normativas de
motivações e disposições não podem ser explicadas em termos das propriedades
normativas de alguma outra coisa (como eudaimonía ou estados de coisas)
considerada mais fundamental.
Além desse compromisso básico, há espaço para que as teorias baseadas
em agentes sejam desenvolvidas em várias direções diferentes. O fator de distinção
mais importante tem a ver com como as motivações e disposições são consideradas
importantes para o propósito de explicar outras qualidades normativas. Para Slote,
o que importa são os motivos e disposições reais desse agente em particular.
A bondade da ação A, por exemplo, é derivada dos motivos do agente quando ele
executa A. Se esses motivos são bons, então a ação é boa, se não, então não é.
Na explicação de Zagzebski, em contraste, uma ação boa ou má, certa ou errada
é definida não pelos motivos reais desse agente, mas sim por se esse é o tipo de
ação que um agente virtuosamente motivado executaria (ZAGZEBSKI, 2004, p.
160). Apelar para os motivos e disposições hipotéticos do agente virtuoso
permite a Zagzebski distinguir entre realizar a ação certa e fazê­lo pelos motivos
certos, uma distinção que, como observa Brady (2004), Slote tem dificuldade em traçar.
Outro ponto em que as formas de virtude ética baseadas em agentes
podem diferir diz respeito a como se identifica motivações e disposições virtuosas.
De acordo com a explicação exemplarista de Zagzebski (2004, p. 41) “Não temos
31

critérios prévios de bondade para identificar os exemplares de bondade”. Ao


observarmos as pessoas ao nosso redor, descobrimos que queremos ser como
algumas delas (pelo menos em alguns aspectos) e não queremos ser como outras.
Os primeiros nos fornecem exemplares positivos e os segundos, negativos. Nossa
compreensão das melhores e piores motivações e das disposições virtuosas e
viciosas é baseada nessas respostas primitivas aos exemplares (2004, p. 53). Isso
não quer dizer que toda vez que agimos; nós paramos e nos perguntamos o que
um de nossos exemplares faria nessas situações. Nossos conceitos morais tornam­
se mais refinados com o tempo à medida que encontramos uma variedade mais
ampla de exemplares e começamos a traçar conexões sistemáticas entre eles,
observando o que têm em comum, como diferem e quais dessas semelhanças e
diferenças importam, moralmente falando. Perfis motivacionais reconhecíveis surgem
e passam a ser rotulados como virtudes ou vícios e, por sua vez, moldam nossa
compreensão das obrigações que temos e dos fins que devemos perseguir. No
entanto, embora a sistematização do pensamento moral possa percorrer um longo
caminho desde o nosso ponto de partida, ela nunca chega, segundo o exemplarista,
a um ponto em que a referência aos exemplares seja substituída pelo reconhecimento
de algo mais fundamental. No final das contas, de acordo com o exemplarista, nosso
sistema moral ainda se baseia em nossa propensão básica de gostar (ou não gostar)
de exemplares. No entanto, alguém poderia ser um teórico baseado em agentes
sem avançar na explicação do exemplarista das origens ou das condições de
referência para julgamentos de bom e mau, virtuoso e vicioso.

2.3. Ética da Virtude Centrada no Alvo

A pedra de toque para os eticistas da virtude eudaimonista é uma vida


humana próspera. Para os eticistas da virtude baseados nos agentes, ela é uma
motivação exemplar do agente. A perspectiva centrada no alvo desenvolvida por
Christine Swanton (2003), em contraste, começa com nossas concepções existentes
das virtudes. Já temos uma ideia razoável de quais características são virtudes e
o que elas envolvem. É claro que esse entendimento não ensinado pode ser
esclarecido e aprimorado, e uma das tarefas do eticista da virtude é nos ajudar a
fazer exatamente isso. Mas em vez de desmontar as coisas até que sobre algo tão
básico como as motivações que queremos imitar, ou montá­las até que se alcance
algo tão elaborado como uma vida inteira próspera, a perspectiva centrada no alvo
32

começa onde a maioria dos estudantes de ética se encontram, ou seja, com a ideia
de que generosidade, coragem, autodisciplina, compaixão, e coisas do gênero recebem
um sinal de aprovação. Em seguida, examina o que essas características envolvem.
Uma consideração completa da virtude mapeará 1) seu campo, 2) seu
modo de resposta, 3) sua base de reconhecimento moral e 4) seu alvo. Diferentes
virtudes dizem respeito a diferentes campos. A coragem, por exemplo, diz respeito
ao que pode nos prejudicar, enquanto a generosidade diz respeito à partilha de
tempo, talento e propriedade. A base de reconhecimento de uma virtude é a
característica dentro do campo da virtude à qual ela responde. Para continuar com
nossos exemplos anteriores, a generosidade está atenta aos benefícios que outros
podem desfrutar por meio de sua agência, e a coragem responde a ameaças ao
valor, status ou vínculos que existem entre nós e outros particulares, e ao medo
que tais ameaças possam gerar. O modo de uma virtude tem a ver com como ela
responde às bases de reconhecimento dentro de seu campo. A generosidade
promove um bem, ou seja, o benefício de outrem, enquanto a coragem defende
um valor, vínculo ou status. Finalmente, o alvo de uma virtude é aquilo a que se
dirige. A coragem visa controlar o medo e lidar com o perigo, enquanto a generosidade
visa compartilhar tempo, talentos ou posses com outras pessoas de uma forma que
as beneficie.
Uma virtude, em uma abordagem centrada no alvo, “é uma disposição
para responder a, ou reconhecer, itens dentro de seu campo ou campos de uma
forma excelente ou boa o suficiente” (SWANTON, 2003, p. 19). Um ato virtuoso é
um ato que acerta o alvo de uma virtude, ou seja, consegue responder aos itens
em seu campo da maneira especificada (p. 233). Oferecer uma definição centrada
no alvo de uma ação certa exige que nos mobilizemos além da análise de uma
única virtude e das ações que dela decorrem. Isso ocorre porque um único contexto
de ação pode envolver vários campos diferentes e sobrepostos. A determinação
pode me levar a persistir na tentativa de completar uma tarefa difícil, mesmo que
isso requeira um propósito único. Mas o amor pela minha família pode fazer um
uso diferente do meu tempo e atenção. Para definir a ação correta, uma visão
centrada no alvo deve explicar como lidamos com as reivindicações conflitantes de
diferentes virtudes sobre nossos recursos. Existem pelo menos três maneiras
diferentes de enfrentar esse desafio. Uma abordagem perfeccionista centrada no
alvo estipularia: “Um ato é certo se e somente se for globalmente virtuoso, e isso
implica que é a, ou uma, melhor ação possível nas circunstâncias” (p. 239­240).
Uma abordagem mais permissiva centrada no alvo não identificaria 'certo' com
33

'melhor', mas permitiria que uma ação contasse como certa, desde que “seja boa
o suficiente, mesmo que não seja a (ou uma) melhor ação” (p. 240). Uma abordagem
minimalista centrada no alvo nem mesmo exigiria que uma ação fosse boa para
ser correta. Em tal visão, “Um ato é certo se e somente se não for totalmente
vicioso” (p. 240). Para uma discussão adicional da ética da virtude centrada no alvo,
confira Van Zyl (2014) e Smith (2016).

2.4. Ética da Virtude Platônica

A quarta forma que uma ética da virtude pode adotar se inspira em Platão.
O Sócrates dos diálogos de Platão devota muito tempo pedindo a seus companheiros
atenienses para que expliquem a natureza de virtudes como justiça, coragem,
piedade e sabedoria. Portanto, é claro que Platão conta como um teórico da virtude.
Mas é uma questão de debate se ele deve ser lido como um eticista da virtude
(WHITE, 2015). O que não está aberto ao debate é se Platão teve uma influência
importante no renascimento contemporâneo do interesse pela ética da virtude.
Vários daqueles que contribuíram para o renascimento o fizeram como estudiosos
de Platão (vide PRIOR, 1991; KAMTEKAR, 1998; ANNAS, 1999; RESHOTKO,
2006). No entanto, muitas vezes eles acabaram defendendo uma versão eudaimonista
da ética da virtude (vide PRIOR, 2001; ANNAS, 2011), em vez de uma versão que
mereceria uma classificação separada. No entanto, existem duas variantes que
requerem um tratamento distinto.
Timothy Chappell considera a característica definidora da virtude ética
platônica que “a boa agência no sentido mais verdadeiro e completo pressupõe a
contemplação da Forma do Bem” (2014). Chappell segue Iris Murdoch ao argumentar
que “Na vida moral, o inimigo é o ego gordo e implacável” (MURDOCH, 1971, p.
51). Atender constantemente às nossas necessidades, desejos, paixões e pensamentos
distorce nossa perspectiva sobre como o mundo realmente é e nos cega para os
bens ao nosso redor. Contemplar a bondade de algo que encontramos, ou seja,
atentar cuidadosamente a este algo “por seu próprio valor, a fim de compreendê­
lo” (CHAPPELL, 2014, p. 300), quebra essa tendência natural ao desviar nossa
atenção de nós mesmos. Contemplar essa bondade com regularidade abre espaço
para novos hábitos de pensamento que se concentram mais prontamente e com
mais honestidade em outras coisas além do eu. Isso altera a qualidade de nossa
consciência. E “qualquer coisa que altere a consciência na direção do não egoísmo,
34

objetividade e realismo devem ser conectados com a virtude” (MURDOCH, 1971,


p. 82). As virtudes são definidas, então, em termos de qualidades que ajudam a
“romper o véu da consciência egoísta e se juntar ao mundo como ele realmente
é” (p. 91). E a boa agência é definida pela posse e exercício de tais virtudes. Na
abordagem de Chappell e Murdoch, então, nem todas as propriedades normativas
são definidas em termos de virtude. Bondade, em particular, não é assim definida.
Mas o tipo de bondade que é possível para criaturas como nós é definida pela
virtude, e qualquer resposta à pergunta sobre o que se deve fazer ou como se deve
viver apelará para as virtudes.
Outra variante platônica da virtude ética é exemplificada por Robert Merrihew
Adams. Ao contrário de Murdoch e Chappell, seu ponto de partida não é um conjunto
de afirmações sobre nossa consciência da bondade. Em vez disso, ele começa
com uma explicação da metafísica da bondade. Como Murdoch e outros influenciados
pelo platonismo, a explicação de Adams da bondade é construída em torno de uma
concepção de um bem supremamente perfeito. E como Agostinho, Adams considera
esse bem perfeito como Deus. Deus é a exemplificação e a fonte de toda bondade.
Outras coisas são boas, ele sugere, na medida em que se assemelham a Deus
(ADAMS, 1999).
O requisito de semelhança identifica uma condição necessária para ser
bom, mas ainda não nos dá uma condição suficiente. Isso ocorre porque existem
maneiras pelas quais criaturas finitas podem se assemelhar a Deus que não seriam
adequadas ao tipo de criatura que são. Por exemplo, se Deus é onisciente, então
a crença “Eu sou onisciente” seria uma crença adequada para Deus ter. Em Deus,
tal crença – porque verdadeira – seria parte da perfeição de Deus. No entanto,
como nem você nem eu sabemos tudo, a crença “Eu sei tudo” em um de nós não
seria boa. Para descartar tais casos, precisamos introduzir outro fator. Esse fator
é a resposta adequada à bondade, que Adams sugere ser o amor. Adams usa o
amor para eliminar semelhanças problemáticas: “Ser excelente na forma como uma
coisa finita pode ser consiste em se assemelhar a Deus de uma forma que pudesse
servir a Deus como uma razão para amar a coisa” (ADAMS, 1999, p. 36).
As virtudes entram na explicação como uma das maneiras pelas quais
algumas coisas (a saber, pessoas) podem se assemelhar a Deus. “A maioria das
excelências que são mais importantes para nós, e de cujo valor temos mais confiança,
são as excelências de pessoas ou de qualidades, ou ações, ou obras, ou vidas, ou
histórias de pessoas” (1999, p. 42). Esta é uma das razões que Adams oferece para
conceber o ideal de perfeição como um Deus pessoal, em vez de uma forma
35

impessoal do Bem. Muitas das excelências de pessoas nas quais temos mais
confiança são virtudes como amor, sabedoria, justiça, paciência e generosidade. E
dentro de muitas tradições teístas, incluindo a própria tradição cristã de Adams, tais
virtudes são comumente atribuídas a agentes divinos.
Uma explicação platônica como a que Adams apresenta em Finite and
Infinite Goods, não deriva claramente todas as outras propriedades normativas das
virtudes. Para uma discussão da relação entre esta visão e aquela que ele apresenta
em A Theory of Virtue (2006), confira Pettigrove (2014). A bondade fornece o
fundamento normativo. As virtudes não são construídas sobre esse fundamento;
antes, como uma das variedades de bondade de cujo valor temos mais confiança,
as virtudes fazem parte do fundamento. As obrigações, ao contrário, entram na
explicação em um nível diferente. Obrigações morais, argumenta Adams, são
determinadas pelas expectativas e demandas que “surgem em um relacionamento
ou sistema de relacionamentos que é bom ou valioso” (1999, p. 244). Em igualdade
de circunstâncias, quanto mais virtuosas forem as partes no relacionamento, mais
vinculativa será a obrigação. Assim, na abordagem de Adams, o bem (que inclui a
virtude) é anterior ao certo. No entanto, depois que bons relacionamentos dão
origem a obrigações, essas obrigações ganham vida própria. Sua ligação não é
atribuída diretamente a considerações de bondade. Em vez disso, eles são
determinados pelas expectativas das partes e pelas demandas do relacionamento.

3. Objeções à Ética da Virtude

Várias objeções foram levantadas contra a ética da virtude, algumas das


quais se relacionam mais diretamente a uma forma de ética da virtude do que a outras.
Nesta seção, consideramos oito objeções, a saber, a) aplicação, b) adequação, c)
relativismo, d) conflito, e) modéstia, f) justificação, g) egoísmo, h) problemas situacionistas.
a) Nos primórdios do renascimento da ética da virtude, a abordagem foi
associada a uma tese de “anticodificabilidade” sobre a ética, dirigida contra as
pretensões prevalecentes da teoria normativa. Na época, utilitaristas e deontologistas
comumente (embora não universalmente) sustentavam que a tarefa da teoria ética
era chegar a um código que consistisse em regras ou princípios universais
(possivelmente apenas um, como no caso do utilitarismo dos atos) que teria duas
características significativas: i) as regras equivaleriam a um procedimento de decisão
para determinar qual foi a ação certa em qualquer caso particular; ii) as regras
36

seriam estabelecidas em termos que qualquer pessoa não virtuosa pudesse entendê­
las e aplicá­las corretamente.
Os eticistas da virtude sustentaram, contrariamente a essas duas afirmações,
que era muito irreal imaginar que pudesse haver tal código (vide MCDOWELL,
1979). Os resultados das tentativas de produzir e empregar tal código, nos dias
inebriantes das décadas de 1960 e 1970, quando a medicina e a bioética cresceram
e prosperaram, tenderam a apoiar a alegação dos eticistas da virtude. Cada vez
mais utilitaristas e deontologistas concordavam com suas regras gerais, mas em
lados opostos das controvertidas questões morais na discussão contemporânea.
Chegou a ser reconhecido que a sensibilidade moral, percepção, imaginação e
julgamento informados pela experiência, phrónēsis, em suma, são necessários para
aplicar regras ou princípios corretamente. Consequentemente, muitos (embora não
todos) utilitaristas e deontologistas abandonaram explicitamente (ii) e muito menos
ênfase é colocada em (i).
No entanto, a queixa de que a ética da virtude não produz princípios
codificáveis ainda é uma crítica comumente endereçada à abordagem, expressa
como a objeção de que ela é, em princípio, incapaz de fornecer orientação para a ação.
Inicialmente, a objeção foi baseada em um mal­entendido. Cegado por
slogans que descreviam a ética da virtude como "preocupada em Ser em vez de
Fazer", como endereçando "Que tipo de pessoa devo ser?", mas não "O que devo
fazer?" como sendo "centrado no agente ao invés de centrado no ato", seus críticos
sustentaram que ela era incapaz de fornecer orientação para a ação e, portanto,
ao invés de ser um rival normativo da ética utilitarista e deontológica, poderia
reivindicar ser nada mais que um suplemento valioso para eles. A ideia bastante
estranha era que tudo o que a ética da virtude poderia oferecer era "Identificar um
exemplar moral e fazer o que ele faria", como se a adolescente de quinze anos
estuprada tentando decidir se abortaria ou não devesse se perguntar: "Será que
Sócrates teria feito um aborto se estivesse nas minhas circunstâncias?".
Mas a objeção deixou de levar em conta a sugestão de Anscombe, de que
muita orientação de ação específica poderia ser encontrada em regras que empregam
os termos de virtude e vício (“regras v”), como “Faça o que é honesto/caridoso; não
faça o que é desonesto/pouco caridoso” (HURSTHOUSE, 1999). É uma característica
notável de nosso vocabulário de virtude e vício que, embora nossa lista de termos
de virtude geralmente reconhecidos seja comparativamente curta, nossa lista de
termos de vício é notável e, convenientemente longa, excedendo em muito qualquer
coisa que qualquer um que pense em termos de regras deontológicas padrão já
37

propôs. Muita orientação de ação valiosa vem de evitar cursos de ação que seriam
irresponsáveis, displicentes, preguiçosos, irrefletidos, não cooperativos, severos,
intolerantes, egoístas, mercenários, indiscretos, sem tato, arrogantes, antipáticos,
frios, descuidados, sem iniciativa, pusilânime, débil, presunçoso, rude, hipócrita,
autoindulgente, materialista, ganancioso, míope, vingativo, calculista, ingrato,
rancoroso, brutal, perdulário, desleal e assim por diante.
(b) Uma objeção intimamente relacionada tem a ver com se a ética da
virtude pode fornecer uma explicação adequada da ação correta. Essa preocupação
pode assumir duas formas. (i) Alguém pode pensar que a explicação da ação correta
fornecida pela ética da virtude é, extensionalmente, inadequada. É possível realizar
uma ação correta sem ser virtuoso e uma pessoa virtuosa pode ocasionalmente
realizar a ação errada sem que isso ponha em causa sua virtude. Se a virtude não
é necessária nem suficiente para a ação correta, pode­se questionar se a relação
entre certo/errado e virtude/vício é próxima o suficiente para que o primeiro seja
identificado em termos do último. (ii) Alternativamente, mesmo se alguém pensasse
que é possível produzir uma explicação ética da virtude que captasse todas (e
somente todas) as ações corretas, ainda se poderia pensar que, pelo menos em
alguns casos, a virtude não é o que explica o que é certo (ADAMS, 2006, p. 6­8).
Alguns eticistas da virtude respondem à objeção da adequação rejeitando
a suposição de que a ética da virtude deve ter como tarefa fornecer uma explicação
da ação correta em primeiro lugar. Seguindo os passos de Anscombe (1958) e
MacIntyre (1985), Talbot Brewer (2009) argumenta que trabalhar com as categorias
de certo e errado já é começar com o pé esquerdo. Concepções contemporâneas
de ação certa e errada, construídas em torno de uma noção de dever moral que
pressupõe uma estrutura de lei divina (ou moral) ou em torno de uma concepção
de obrigação que é definida em contraste com o interesse próprio, carregam um
peso sem a qual o eticista da virtude fica melhor. A ética da virtude pode abordar
as questões de como se deve viver, que tipo de pessoa deve tornar­se, e até mesmo
o que se deve fazer sem que se comprometa a fornecer uma explicação da 'ação
correta'. Em vez disso, pode­se escolher trabalhar com conceitos aretaicos (definidos
em termos de virtudes e vícios) e conceitos axiológicos (definidos em termos de
bom e mau, melhor e pior) e deixar de fora noções deônticas (como ação certa/
errada, dever e obrigação) em conjunto.
Outros eticistas da virtude desejam reter o conceito de ação correta, mas
observam que, na discussão filosófica atual, uma série de qualidades distintas
marcha sob essa bandeira. Em alguns contextos, 'ação certa' identifica a melhor
38

ação que um agente pode realizar nas circunstâncias. Em outros, designa uma
ação recomendável (mesmo que não seja a melhor possível). Em outros ainda, ele
seleciona ações que não são censuráveis (mesmo que não sejam recomendáveis).
Um eticista da virtude pode escolher definir um desses – por exemplo, a melhor
ação – em termos de virtudes e vícios, mas apelar para outros conceitos normativos
– como expectativas legítimas – ao definir outras concepções de ação correta.
Como observamos na seção 2, uma explicação na ética da virtude não
precisa tentar reduzir todos os outros conceitos normativos a virtudes e vícios. O
que é necessário é simplesmente (i) que a virtude não seja reduzida a algum outro
conceito normativo considerado mais fundamental e (ii) que alguns outros conceitos
normativos sejam explicados em termos de virtude e vício. Isso tira o aguilhão da
objeção de adequação, que é mais convincente contra as versões da ética da virtude
que tentam definir todos os sentidos de "ação correta" em termos de virtudes. Apelar
para virtudes e vícios torna muito mais fácil alcançar a adequação extensional. Abrir
espaço para conceitos normativos que não são considerados redutíveis a conceitos
de virtude e vício torna ainda mais fácil gerar uma teoria que seja extensional e
explicativamente adequada. Se alguém precisa de outros conceitos e, em caso
afirmativo, quantos, ainda é uma questão de debate entre os eticistas da virtude,
como é a questão de se a ética da virtude deveria mesmo oferecer uma explicação
da ação correta. De qualquer maneira, os eticistas da virtude têm recursos disponíveis
para abordar a objeção de adequação.
Na medida em que todas as diferentes versões da ética da virtude mantêm
uma ênfase nas virtudes, elas estão abertas ao conhecido problema do (c) desafio
da relatividade cultural. Não é o caso de que culturas diferentes incorporam virtudes
diferentes (MACINTYRE, 1985) e, portanto, que as regras­v irão selecionar as ações
como certas ou erradas apenas em relação a uma cultura particular? Diferentes
respostas foram dadas a este desafio. Um – o tu quoque, ou resposta dos “parceiros
no crime” – exibe um padrão bastante familiar na estratégia defensiva dos eticistas
da ética da virtude (SOLOMO, 1988). Eles admitem que, para eles, o relativismo
cultural é um desafio, mas ressaltam que é um problema igual para ambas as outras
duas abordagens. A suposta variação cultural nos traços de caráter considerados
virtudes não é maior – na verdade, nitidamente menor – do que a variação cultural
nas regras de conduta, e diferentes culturas têm ideias diferentes sobre o que
constitui felicidade ou bem­estar. Não é de surpreender que a relatividade cultural
seja um problema comum a todas as três abordagens. Afinal, está relacionado ao
“problema da justificação” (vide abaixo) o problema metaético bastante geral de
39

justificar as crenças morais de alguém para aqueles que discordam, sejam eles
céticos morais, pluralistas ou de outra cultura.
Uma estratégia mais ousada envolve afirmar que a ética da virtude tem
menos dificuldade com a relatividade cultural do que as outras duas abordagens.
Muitos desacordos culturais surgem, pode­se afirmar, de entendimentos locais das
virtudes, mas as virtudes em si não são relativas à cultura (NUSSBAUM, 1993).
Outra objeção para a qual a resposta tu quoque é parcialmente apropriada
é (d) “o problema do conflito”. O que a ética da virtude tem a dizer sobre dilemas –
casos em que, aparentemente, os requisitos de diferentes virtudes entram em
conflito porque apontam em direções opostas? Caridade me impele a matar a
pessoa que estaria melhor morta, mas a justiça proíbe. Honestidade aponta para
dizer a verdade dolorosa, bondade e compaixão para permanecer em silêncio ou
até mesmo mentir. O que devo fazer? Claro, os mesmos tipos de dilemas são
gerados por conflitos entre regras deontológicas. A deontologia e a ética da virtude
compartilham o problema do conflito (e ficam felizes em aceitá­lo em vez de seguir
alguns dos utilitaristas em suas resoluções consequencialistas de tais dilemas) e,
de fato, suas estratégias para responder a ele são paralelas. Ambos visam resolver
uma série de dilemas, argumentando que o conflito é meramente aparente; uma
compreensão discriminativa das virtudes ou regras em questão, possuída apenas
por aqueles com sabedoria prática, fará perceber que, neste caso particular, as
virtudes não produzem demandas opostas ou que uma regra supera outra, ou tem
uma certa cláusula de exceção embutida nela. Se isso é tudo que importa, depende
da existência de dilemas insolúveis. Se houver, os defensores de qualquer abordagem
normativa podem apontar, razoavelmente, que só poderia ser um erro oferecer uma
resolução do que é, ex hipótese, insolúvel.
Outro problema possivelmente compartilhado por todas as três abordagens
é (e), o problema de ser modesto. Uma teoria ética é modesta se, grosso modo,
seja lá o que for que ela afirma que justifica ou torna uma ação correta, seria melhor
que não fosse o motivo para o agente realizá­la. Michael Stocker (1976) originalmente
o apresentou como um problema para a deontologia e o consequencialismo. Ele
ressaltou que o agente que, com razão, visita uma amiga no hospital irá diminuir o
impacto de sua visita sobre ela se ele disser que está fazendo isso porque é seu
dever ou porque ele pensou que iria maximizar a felicidade geral. Mas, como Simon
Keller observa, ela não ficará mais satisfeita se ele disser que a está visitando
porque é o que um agente virtuoso faria, de modo que a ética da virtude também
parece ter o problema (KELLER, 2007). No entanto, os defensores da ética da
40

virtude argumentaram que nem todas as formas de ética da virtude estão sujeitas
a esta objeção (PETTIGROVE, 2011) e aquelas que estão não são seriamente
prejudicadas pelo problema (MARTINEZ, 2011).
Outro problema para a ética da virtude, que é compartilhado tanto pelo
utilitarismo quanto pela deontologia, é (f)"o problema da justificação". Concebido
abstratamente, este é o problema de como justificamos ou fundamentamos nossas
crenças éticas, uma questão que é calorosamente debatida no nível da metaética.
Em suas versões particulares, para a deontologia há a questão de como justificar
suas afirmações de que certas regras morais são as corretas, e para o utilitarismo
de como justificar sua afirmação de que tudo o que realmente importa moralmente
são consequências para a felicidade ou bem­estar. Para a ética da virtude, o problema
diz respeito à questão de quais traços de caráter são as virtudes.
No debate metaético, há desacordo generalizado sobre a possibilidade de
fornecer um fundamento externo para a ética, “externo” no sentido de ser externo
às crenças éticas, e o mesmo desacordo é encontrado entre deontologistas e
utilitaristas. Alguns acreditam que sua ética normativa pode ser colocada em uma
base segura, resistente a qualquer forma de ceticismo, como o que qualquer um
deseja racionalmente, ou aceitaria ou concordaria, independentemente de sua
perspectiva ética; outros que não.
Os eticistas da virtude evitaram qualquer tentativa de fundamentar a ética
da virtude em uma base externa, embora continuem a sustentar que suas afirmações
podem ser validadas. Alguns seguem uma forma de abordagem coerentista de
Rawls (SLOTE, 2001; SWANTON, 2003), neoaristotélicos seguem uma forma de
naturalismo ético.
Uma má compreensão da eudaimonía como um conceito não moralizado
leva alguns críticos a supor que os neoaristotélicos estão tentando fundamentar
suas afirmações em uma explicação científica da natureza humana e do que conta
como prosperar para um ser humano. Outros presumem que, se não é isso que
estão fazendo, não podem validar suas afirmações de que, por exemplo, justiça,
caridade, coragem e generosidade são virtudes. Ou estão recorrendo ilegitimamente
à desacreditada teleologia natural de Aristóteles (WILLIAMS, 1985), ou produzindo
meras racionalizações de seus próprios valores pessoais ou culturalmente inculcados.
Mas McDowell, Foot, MacIntyre e Hursthouse esboçaram versões de uma terceira
via entre esses dois extremos. Eudaimonía, na ética da virtude, é, de fato, um
conceito moralizado, mas não é só isso. Afirmações sobre o que constitui a
prosperidade dos seres humanos não flutuam mais livres de fatos científicos sobre
41

como os seres humanos são, do que afirmações etológicas sobre o que constitui
a prosperidade dos elefantes. Em ambos os casos, a verdade das afirmações
depende em parte de que tipo de animal eles são e das capacidades, desejos e
interesses que os humanos ou elefantes têm.
A melhor ciência disponível hoje (incluindo a teoria e psicologia evolucionista)
apoia, em vez de enfraquecer, a antiga suposição grega de que somos animais
sociais, como elefantes e lobos, e ao contrário dos ursos polares. Nenhuma explicação
racionalizadora em termos de algo como um contrato social é necessária para
explicar por que escolhemos viver juntos, subjugando nossos desejos egoístas a
fim de assegurar as vantagens da cooperação. Como outros animais sociais, nossos
impulsos naturais não são direcionados apenas para nossos próprios prazeres e
preservação, mas incluem os impulsos altruístas e cooperativos.
Este fato básico sobre nós deveria tornar mais compreensível a afirmação
de que as virtudes são pelo menos parcialmente constitutivas da prosperidade
humana e também minar a objeção de que a ética da virtude é, em certo sentido, egoísta.
(g) A objeção do egoísmo tem várias fontes. Uma é uma simples confusão. Uma
vez compreendido que a agente totalmente virtuosa faz caracteristicamente o que
deveria, sem conflito interno, afirma­se triunfantemente que "ela está apenas fazendo
o que deseja e, portanto, está sendo egoísta". Portanto, quando a pessoa generosa
doa de bom grado, como os generosos costumam fazer, verifica­se que ela não é
generosa e altruísta, afinal, ou pelo menos não tão generosa quanto aquela que
avidamente deseja agarrar­se a tudo o que tem, mas se força para dar porque ela
acha que deveria! Uma versão relacionada atribui razões bizarras a pessoa que
age de forma virtuosa, assumindo injustificadamente que ela age como o faz porque
acredita que agir assim nesta ocasião a ajudará a alcançar eudaimonía. Mas “o
agente virtuoso” é apenas “o agente com as virtudes” e é parte de nossa compreensão
comum dos termos de virtude que cada um carrega consigo sua própria gama típica
de razões para agir. O agente virtuoso age dessa forma porque acredita que o
sofrimento de alguém será evitado, ou alguém será beneficiado, ou a verdade
estabelecida, ou uma dívida paga, ou etc.
É o exercício das virtudes durante a vida que é considerado pelo menos
parcialmente constitutivo da eudaimonía, e isso é consistente com o reconhecimento
de que a má sorte pode levar o agente virtuoso a circunstâncias que exijam que
ele desista de sua vida. Dados os tipos de considerações que pessoas corajosas,
honestas, leais e caridosas reconhecem como razões sinceras para a ação, elas
podem se sentir compelidas a enfrentar o perigo para alcançar um fim que valha a
42

pena, a falar em defesa de alguém ou se recusar a revelar os nomes de seus


camaradas, mesmo quando sabem que isso inevitavelmente levará à sua execução,
a compartilhar sua última empreitada e enfrentar a fome. De acordo com a perspectiva
de que o exercício das virtudes é necessário, mas não suficiente, para a eudaimonía,
tais casos são descritos como aqueles em que o agente virtuoso percebe que, do
modo como as coisas infelizmente aconteceram, eudaimonía não era possível para
ele (FOOT, 2001, p. 95). Na visão estoica de que é necessário e suficiente, uma
vida eudaímōn é uma vida que foi vivida com sucesso (em que o "sucesso", é claro,
não deve ser entendido de uma forma materialista) e essas pessoas morrem sabendo
não apenas que fizeram de suas vidas um sucesso, mas que eles também
encaminharam suas vidas a uma conclusão marcadamente bem­sucedida. De
qualquer maneira, tais atos heroicos dificilmente podem ser considerados egoístas.
Uma sugestão persistente de egoísmo pode ser encontrada na distinção mal
concebida entre as chamadas virtudes “relacionadas a si mesmo” e “relacionadas aos
outros”. Aqueles que foram isolados da tradição antiga tendem a considerar a justiça e
a benevolência como virtudes reais, que beneficiam os outros, mas não o seu possuidor,
e a prudência, a fortaleza e a providência (a virtude cujo oposto é "imprevidência" ou
esbanjamento) como virtudes não reais porque elas beneficiam apenas seu possuidor.
Este é um erro por dois motivos. Em primeiro lugar, a justiça e a benevolência, em geral,
beneficiam seus possuidores, pois sem elas a eudaimonía não é possível. Em segundo
lugar, dado que vivemos juntos, como animais sociais, as virtudes “relacionadas a si
mesmo” beneficiam os outros – aqueles que delas carecem são um grande escoadouro
e, às vezes, um fardo para aqueles que estão próximos a eles (como pais com filhos
adultos imprevidentes ou imprudentes sabem muito bem).
A objeção mais recente (h) à ética da virtude afirma que o trabalho na
psicologia social "situacionista" mostra que não existem coisas como traços de
caráter e, portanto, não existem virtudes para a ética da virtude (DORIS, 1998;
HARMAN, 1999). Em resposta, alguns eticistas da virtude argumentaram que os
estudos dos psicólogos sociais são irrelevantes para a disposição multifacetada
(vide acima) que é considerada uma virtude (SREENIVASAN, 2002; KAMTEKAR,
2004). Cientes de como ela é multifacetada, eles concordam que seria imprudente
ao extremo atribuir uma virtude exigente, como a caridade, a pessoas de quem não
conhecem mais do que a decência convencional que elas exibiram; isso seria de
fato "um erro de atribuição fundamental". Outros trabalharam para desenvolver
concepções alternativas e empiricamente fundamentadas dos traços de caráter
(SNOW, 2010; MILLER, 2013, 2014); no entanto, veja Upton (2016), para objeções
43

a Miller. Também houve outras respostas (resumidas de forma útil em Prinz (2009)
e Miller (2014). Notável entre elas é a resposta de Adams (2006), ecoando Merritt
(2000), que percorre um caminho intermediário entre "nenhum traço de caráter" e
o padrão exato da concepção aristotélica de virtude que, devido à sua ênfase na
phrónēsis, requer um alto nível de integração do caráter. Em sua concepção, os
traços de caráter podem ser “frágeis e fragmentários”, mas ainda virtudes, e não
incomuns. Mas desistir da ideia de que a sabedoria prática é o cerne de todas as
virtudes, como Adams tem de fazer, é um sacrifício substancial, como Russell (2009)
e Kamtekar (2010) argumentam.
Mesmo que o "desafio situacionista" tenha deixado os tradicionais eticistas
da virtude impassíveis, ele gerou um engajamento saudável com a literatura em
psicologia empírica, que também foi alimentada pela crescente literatura sobre o
Natural Goodness, de Foot, e de forma bastante independente, por uma escalada
do interesse na educação do caráter (vide abaixo).

4. Direções Futuras

Nos últimos trinta e cinco anos, a maioria das pessoas que contribuíram
para o renascimento da ética da virtude trabalhou dentro de uma estrutura
neoaristotélica, eudaimonista. No entanto, conforme observado na seção 2, outras
formas de ética da virtude começaram a surgir. Os teóricos começaram a recorrer
a filósofos como Hutcheson, Hume, Nietzsche, Martineau e Heidegger por materiais
que pudessem ser usados para desenvolver alternativas (vide RUSSELL, 2006;
SWANTON, 2013, 2015; TAYLOR, 2015; HARCOURT, 2015). Outros voltaram sua
atenção para o leste, explorando as tradições confucionista, budista e hindu (YU,
2007; SLINGERLAND, 2011; FINNIGAN, TANAKA, 2011; MCRAE, 2012; ANGLE,
SLOTE, 2013; DAVIS, 2014; FLANAGAN, 2015; PERRETT, PETTIGROVE, 2015;
SIM, 2015). Essas explorações prometem abrir novos caminhos para o desenvolvimento
da ética da virtude.
Embora a ética da virtude tenha crescido notavelmente nos últimos trinta
e cinco anos, ainda é uma pequena minoria, especialmente na área da ética aplicada.
Muitos editores de grandes coleções de manuais sobre “problemas morais” ou “ética
aplicada” agora tentam incluir artigos representativos de cada uma das três abordagens
normativas, mas muitas vezes são incapazes de encontrar um artigo sobre ética
da virtude tratando de uma questão específica. Às vezes, sem dúvida, é porque “a”
44

questão foi configurada como um debate deontológico/utilitarista, mas muitas vezes


é simplesmente porque nenhum eticista da virtude ainda escreveu sobre o assunto.
No entanto, a última década viu um aumento na quantidade de atenção que a ética
aplicada virtude recebeu (WALKER; IVANHOE, 2007; HARTMAN, 2013; AUSTIN,
2014; VAN HOOFT, 2014; ANNAS, 2015). Certamente, pode­se esperar que esta
área cresça no futuro, e parece que a aplicação da ética da virtude no campo da
ética ambiental pode ser particularmente frutífera (SANDLER, 2007; HURSTHOUSE,
2007, 2011; ZWOLINSKI; SCHMIDTZ, 2013; CAFARO, 2015).
Não é tão claro se a ética da virtude pode crescer e se tornar uma “política
da virtude” – isto é, se estender da filosofia moral à filosofia política. Gisela Striker
(2006) argumentou que a ética de Aristóteles não pode ser entendida adequadamente
sem atentar para seu lugar em sua política. Isso sugere que pelo menos os eticistas
da virtude que se inspiram em Aristóteles devem ter recursos a oferecer para o
desenvolvimento da política da virtude. Mas, embora Platão e Aristóteles possam
ser grandes inspirações no que diz respeito à ética da virtude, nenhum dos dois,
aparentemente, são fontes atraentes de insight no que diz respeito à política. No
entanto, trabalhos recentes sugerem que as ideias aristotélicas podem, afinal, gerar
uma filosofia política satisfatoriamente liberal (NUSSBAUM, 2006; LEBAR, 2013a).
Além disso, como observado acima, a ética da virtude não precisa ser neoaristotélica.
Talvez a ética da virtude de Hutcheson e Hume possa ser naturalmente estendida
para uma filosofia política moderna (HURSTHOUSE, 1990­91; SLOTE, 1993).
Seguindo Platão e Aristóteles, a ética da virtude moderna sempre enfatizou
a importância da educação moral, não como a inculcação de regras, mas como o
treinamento do caráter. Há agora um movimento crescente em direção à educação
para as virtudes, tanto entre acadêmicos (CARR, 1999; ATHANASSOULIS, 2014;
CURREN, 2015) como entre professores em sala de aula. Uma coisa empolgante
sobre a pesquisa nesta área é seu engajamento com outras disciplinas acadêmicas,
incluindo psicologia, teoria educacional e teologia (vide CLINE, 2015; SNOW, 2015).
Finalmente, um dos desenvolvimentos mais produtivos da ética da virtude
veio por meio do estudo de virtudes e vícios particulares. Existem agora vários
estudos cuidadosos das virtudes cardeais e dos vícios capitais (PIEPER, 1966;
TAYLOR, 2006; CURZER, 2012; TIMPE; BOYD, 2014). Outros exploraram virtudes
ou vícios menos amplamente discutidos, como civilidade, decência, veracidade,
ambição e mansidão (CALHOUN, 2000; KEKES, 2002; WILLIAMS, 2002; PETTIGROVE,
2007, 2012). Uma das questões levantadas por esses estudos é "Quantas virtudes
existem?". Uma segunda é: "Como essas virtudes se relacionam umas com as
45

outras?". Alguns eticistas da virtude ficaram felizes em trabalhar na suposição de


que não há razão baseada em princípios para limitar o número de virtudes e muitas
razões para postular uma pluralidade delas (SWANTON, 2003; BATTALY, 2015).
Outros têm se preocupado com o fato de que tal abordagem generosa quanto às
virtudes tornará difícil para os eticistas da virtude apresentarem uma explicação
adequada da ação correta ou lidar com o problema do conflito discutido acima. Dan
Russell propôs a cardinalidade e uma versão da tese da unidade como uma solução
para o que ele chama de “problema de enumeração” (o problema das muitas
virtudes). A aparente proliferação de virtudes pode ser reduzida significativamente
se agruparmos as virtudes com algumas sendo cardeais e outras extensões
subordinadas dessas virtudes cardeais. Possíveis conflitos entre as virtudes restantes
podem então ser gerenciados se elas estiverem ligadas de alguma forma como
parte de um todo unificado (RUSSELL, 2009). Isso destaca dois caminhos importantes
para pesquisa futura, um que explora as virtudes individuais e outro que analisa
como elas podem estar relacionadas entre si.

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Ética de Aristóteles*

Autoria: Richard Kraut


Tradução: Bruno Aislã Gonçalves dos Santos
Revisão: Ramiro de Ávila Perez

Aristóteles entende a teoria ética como um campo distinto das ciências


teóricas. Sua metodologia deve corresponder ao seu objeto, ação boa, e deve
respeitar o fato de que, neste campo, muitas generalizações valem apenas para a
maior parte. Estudamos ética para melhorar nossas vidas; portanto, sua principal
preocupação é a natureza do bem­estar humano. Aristóteles segue Sócrates e
Platão em tomar as virtudes como centrais para uma vida bem vivida. Como Platão,
ele considera as virtudes éticas (justiça, coragem, temperança e assim por diante)
como habilidades racionais, emocionais e sociais complexas. Contudo, ele rejeita
a ideia de Platão de que para ser completamente virtuoso é preciso adquirir, por
meio de um treinamento em ciências, matemática e filosofia, uma compreensão do
que é o bem. O que precisamos para viver bem é uma apreciação adequada da

* KRAUT, R. Aristotle's Ethics. In: ZALTA, E. N. (ed.). Stanford Encyclopedia of


Philosophy. Spring Edition. Stanford, CA: The Metaphysics Research Lab, 2021. Disponível
em: https://plato.stanford.edu/entries/aristotle­ethics/. Acesso em: 10 mai. 2022.

The following is the translation of the entry on “Empirical Approaches to Moral Character”
by Miller, Christian B, in the Stanford Encyclopedia of Philosophy. The translation follows
the version of the entry in the SEP’s archives at < https://plato.stanford.edu/archives/
sum2018/entries/aristotle­ethics//>. This translated version may differ from the current
version of the entry, which may have been updated since the time of this translation. The
current version is located https://plato.stanford.edu/archives/sum2018/entries/aristotle­
ethics/.We’d like to thank the Editors of the Stanford Encyclopedia of Philosophy, mainly
Prof. Dr. Edward Zalta, for granting permission to translate and to publish this entry.
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maneira como bens, tais quais a amizade, o prazer, a virtude, a honra e a riqueza
se combinam como um todo. A fim de aplicar essa compreensão geral a casos
particulares, devemos adquirir, por meio de uma educação e hábitos adequados,
a capacidade de ver, em cada ocasião, qual curso de ação é melhor justificado por
razões. Portanto, a sabedoria prática, como ele a concebe, não pode ser adquirida
apenas aprendendo as regras gerais. Devemos também adquirir, por meio da prática,
as habilidades deliberativas, emocionais e sociais que nos permitem colocar nossa
compreensão geral do bem­estar em prática de maneiras adequadas a cada ocasião.

1. Preliminares

Aristóteles escreveu dois tratados éticos: A Ética a Nicômaco e a Ética a


Eudemo. Ele mesmo não usa nenhum desses títulos, embora na Política (1295a
36) ele se refira a um deles, provavelmente a Ética a Eudemo, como tá ethiká2 , em
seus escritos sobre caráter. As palavras "Eudemo" e "Nicômaco" foram acrescentadas
mais tarde, talvez porque a primeira foi editada pelo seu amigo, Eudemo, e a segunda
pelo seu filho, Nicômaco. Em qualquer caso, estas duas obras cobrem mais ou
menos o mesmo terreno: começam com uma discussão de eudaimonía ("felicidade",
"florescimento"), e voltam­se para um exame da natureza do aretḗ ("virtude",
"excelência") e dos traços de caráter que os seres humanos necessitam para viver
a vida no seu melhor. Ambos os tratados examinam as condições em que o louvor
ou a culpa são apropriados, e a natureza do prazer e da amizade; perto do final de
cada trabalho, encontramos uma breve discussão sobre a relação adequada entre
o ser humano e o divino.
Embora o ponto de vista geral expresso em cada trabalho seja o mesmo,
existem também muitas diferenças sutis na organização e no conteúdo. Claramente,
um é uma reelaboração do outro, e embora nenhuma prova única mostre
conclusivamente qual é a sua ordem, é amplamente assumido que a Ética a Nicômaco

2 N.E.: As transliterações da língua grega clássica foram realizadas conforme a nota


Normas para a transliteração de termos e textos em grego antigo, proposta por Ana Lia do
Amaral de Almeida Prado, na Revista Clássica, ed. 19, vol. 2, de 2006. Disponível em:
https://revista.classica.org.br/classica/article/view/123/113. Acesso em: 10 mai. 2022.
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é uma versão posterior e melhorada da Ética a Eudemo (nem toda a Ética a Eudemo
foi revista: os seus Livros IV, V, e VI reaparecem como V, VI, VII da Ética a Nicômaco).
Talvez a indicação mais reveladora desta ordenação seja que em vários casos a Ética
a Nicômaco desenvolve um tema sobre o qual a sua prima Eudemo se cala. Apenas
a Ética a Nicômaco discute a estreita relação entre a investigação ética e a política;
apenas a Ética a Nicômaco examina criticamente o ditame paradoxal de Sólon de
que nenhum homem deve ser considerado feliz até à sua morte; e apenas a Ética a
Nicômaco dá uma série de argumentos a favor da superioridade da vida filosófica
para a vida política. O resto deste artigo irá, portanto, concentrar­se neste trabalho3 .
Um terceiro tratado chamado Magna Moralia (a Grande Ética) está incluído
em edições completas das obras de Aristóteles, mas a sua autoria é contestada
por estudiosos. O seu âmbito abrange temas discutidos mais detalhadamente nas
outras duas obras e o seu ponto de vista é semelhante ao deles. Por que, sendo
mais breve, se chama a Magna Moralia? Porque cada um dos dois rolos de papiro
em que está dividido é excepcionalmente longo. Tal como um rato grande pode ser
um animal pequeno, dois capítulos grandes podem fazer um pequeno livro. Esta
obra foi evidentemente chamada "grande" com referência às suas partes, não ao
todo. Alguns autores na antiguidade referem­se a uma obra com este nome e
atribuem­na a Aristóteles, mas ela não é mencionada por várias autoridades, como
Cícero e Diógenes Laércio, os quais esperaríamos que a conhecessem. Alguns
estudiosos sustentam que é o primeiro curso de Aristóteles sobre ética ­ talvez as
suas próprias notas de aula ou as de um estudante; outros o consideram como uma
compilação ou adaptação pós­aristotélica de um ou ambos de seus verdadeiros
tratados de ética.
Embora Aristóteles esteja profundamente em dívida com a filosofia moral
de Platão, particularmente com a visão central de Platão de que o pensamento
moral deve ser integrado com as nossas emoções e apetites, e que a preparação
para tal unidade de carácter deve começar com a educação infantil, o caráter
sistemático da discussão destes temas por Aristóteles foi uma inovação marcante.
Ninguém tinha escrito tratados de ética antes de Aristóteles. A República, de Platão,
por exemplo, não trata a ética como um assunto distinto; nem oferece um exame
sistemático da natureza da felicidade, virtude, voluntariedade, prazer ou amizade.

3 N.T.: Os números de página e de linha devem passar a referir­se a este tratado.


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Com certeza, podemos encontrar nas obras de Platão discussões importantes sobre
estes fenômenos, mas não estão reunidas e unificadas como o estão nos escritos
éticos de Aristóteles.

2. O bem humano e o argumento da função

A ideia principal com que Aristóteles inicia é que existem diferenças de


opinião sobre o que é melhor para os seres humanos e que para se beneficiar da
investigação ética temos de resolver esta discordância. Ele insiste que a ética não
é uma disciplina teórica: estamos questionando o que é o bem para os seres
humanos, não simplesmente porque queremos ter conhecimento, mas porque
seremos mais capazes de alcançar o nosso bem se desenvolvermos uma compreensão
mais completa do que é florescer. Ao levantar esta questão ­ o que é o bem? ­
Aristóteles não está à procura de uma lista de itens que sejam bons. Ele assume
que tal lista pode ser compilada com bastante facilidade; a maioria concordaria, por
exemplo, que é bom ter amigos, experimentar prazer, ser saudável, ser honrado e
ter virtudes tais como coragem, pelo menos até certo grau. A questão difícil e
controversa surge quando nos perguntamos se alguns desses bens são mais
desejáveis do que outros. A busca de Aristóteles por O bem é uma busca pelo bem
mais elevado, e ele assume que o bem mais elevado, seja ele qual for, tem três
características: é desejável por si mesmo, não é desejável em função de outro bem,
e todos os outros bens são desejáveis em função dele.
Aristóteles pensa que todos concordarão que os termos eudaimonía
(felicidade) e eu zēn (viver bem) designam um fim. O termo grego eudaímōn é
composto por duas partes: eu, que significa "bem" e daímōn, que significa "divindade"
ou "espírito". Ser eudaímōn é, portanto, viver de uma forma que é favorecida por
um deus. Mas Aristóteles nunca chama a atenção para esta etimologia nos seus
escritos éticos, e isso parece ter pouca influência no seu pensamento. Ele considera
o eudaímōn como um mero substituto do eu zēn (viver bem). Esses termos
desempenham um papel avaliativo, e não são simplesmente descrições do estado
mental de alguém.
Ninguém tenta viver bem por causa de algum objetivo adicional; pelo
contrário, ser eudaímōn é o fim mais elevado, e todos os objetivos subordinados,
saúde, riqueza, e outros recursos semelhantes, são procurados porque promovem
o bem­estar, e não porque são eles que constituem o bem­estar. Mas a menos que
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possamos determinar em que bem ou bens a felicidade consiste, é de pouca utilidade


reconhecer que é o fim mais elevado. Para resolver essa questão, Aristóteles
pergunta qual é a érgon (função, tarefa, trabalho) de um ser humano, e argumenta
que ela consiste na atividade da parte racional da alma de acordo com a virtude
(1097b 22­1098a 20). Um componente importante desse argumento é expresso
em termos de distinções que ele faz nas suas obras psicológicas e biológicas. A
alma é analisada numa série de faculdades interligadas: a alma nutritiva é responsável
pelo crescimento e reprodução, a alma locomotiva pelo movimento, a alma perceptiva
pela percepção, e assim por diante. O fato biológico que Aristóteles utiliza é o de
que os seres humanos são a única espécie que tem não só estas capacidades
inferiores, mas também uma alma racional. O bem de um humano deve ter algo a
ver com ser humano; e o que faz a humanidade afastar­se de outras espécies,
dando­nos o potencial para viver uma vida melhor, é a nossa capacidade de nos
guiarmos usando a razão. Se usarmos bem a razão, viveremos bem como seres
humanos; ou para ser mais preciso, usar bem a razão ao longo de uma vida plena
é aquilo em que consiste a felicidade. Fazer bem qualquer coisa requer virtude ou
excelência e, portanto, viver bem consiste em atividades causadas pela alma
racional, de acordo com a virtude ou excelência.
A conclusão de Aristóteles acerca da natureza da felicidade é peculiarmente
dele, num sentido único. Nenhum outro escritor ou pensador tinha dito precisamente
o que ele disse sobre o que é viver bem. Mas, ao mesmo tempo, a sua visão não
está muito distante de uma ideia comum. Como ele próprio assinala, uma concepção
tradicional da felicidade identifica­a com a virtude (1098b 30­1). A teoria de Aristóteles
deve ser interpretada como um refinamento desta posição. Ele diz não que a
felicidade é virtude, mas que é uma atividade virtuosa. Viver bem consiste em fazer
algo, e não apenas em estar num determinado estado ou condição. Consiste
naquelas atividades ao longo da vida que atualizam as virtudes da parte racional da alma.
Ao mesmo tempo, Aristóteles deixa claro que para ser feliz é preciso possuir
outros bens ­ tais como amigos, riqueza e poder. E a felicidade de alguém está em
perigo se estiver severamente carente de certas vantagens ­ se, por exemplo, o
indivíduo for extremamente feio, ou se tiver perdido filhos ou bons amigos para a
morte (1099a 31­b6). Mas por quê? Se o fim definitivo de uma pessoa deve ser
simplesmente uma atividade virtuosa, então por que é que deveria fazer alguma
diferença para a sua felicidade se a pessoa tem ou não esses outros tipos de bem?
A resposta de Aristóteles é que a atividade virtuosa de alguém será, até certo ponto,
diminuída ou deficitária, se faltar um fornecimento adequado de outros bens (1153b
59

17­19). Alguém que não tem amigos ou filhos, ou é impotente, fraco e feio,
simplesmente não será capaz de encontrar muitas oportunidades de atividade
virtuosa durante um longo período de tempo, e o pouco que consegue realizar não
será de grande mérito. Até certo ponto, então, viver bem requer boa sorte; o acaso
pode roubar a felicidade até dos mais excelentes seres humanos. No entanto,
Aristóteles insiste, o bem mais elevado, a atividade virtuosa, não é algo que nos
acontece por acaso. Embora tenhamos de ter sorte o suficiente para termos pais
e concidadãos que nos ajudem a sermos virtuosos, nós mesmos partilhamos grande
parte da responsabilidade de adquirir e exercer as virtudes.

3. Método

3.1. Virtudes Tradicionais e o Cético

Uma queixa comum sobre a tentativa de Aristóteles de defender a sua


concepção de felicidade é que o seu argumento é demasiado geral para mostrar
que é do interesse de alguém possuir qualquer das virtudes particulares tal como
são tradicionalmente concebidas. Suponhamos que concedemos, pelo menos por
uma questão de argumentação, que fazer qualquer coisa bem, incluindo viver bem,
consiste em exercer certas habilidades; e chamemos a essas habilidades, sejam
elas quais forem, virtudes. Mesmo assim, este ponto por si só não nos permite
inferir que qualidades como temperança, justiça, coragem, como são normalmente
entendidas, são virtudes. Só deveriam ser consideradas como virtudes se for possível
demonstrar que a prática dessas aptidões é precisamente aquilo em que consiste
a felicidade. O que Aristóteles nos deve, então, é uma descrição dessas virtudes
tradicionais que explica por que elas devem desempenhar um papel central em
qualquer vida bem vivida.
Mas talvez Aristóteles discorde e se recuse a aceitar este ônus argumentativo.
Numa das várias observações metodológicas importantes que faz perto do início
da Ética a Nicômaco, ele diz que, para se beneficiar do tipo de estudo que ele está
realizando, alguém deve ter sido introduzido nos bons hábitos (1095b 4­6). A
audiência a que se dirige, em outras palavras, é constituída por pessoas que são
justas, corajosas e generosas; ou, em todo o caso, que estão no bom caminho para
possuir essas virtudes. Por que uma audiência tão restrita? Por que não se dirige
60

àqueles que têm sérias dúvidas sobre o valor destas qualidades tradicionais, e que
por isso ainda não decidiram cultivá­las e abraçá­las?
Afinal de contas, responder ao ceticismo moral é o projeto que Platão
desenvolveu na República: no Livro I, ele esboça um argumento para mostrar que
a justiça não é realmente uma virtude, e o resto desta obra é uma tentativa de refutar
esta tese. O projeto de Aristóteles parece, pelo menos à primeira vista, ser bastante
diferente. Ele não parece estar dirigindo­se a alguém que tenha dúvidas genuínas
sobre o valor da justiça ou qualidades afins. Talvez, então, se aperceba do pouco
que se pode conseguir, no estudo da ética, para proporcionar a isso uma base
racional. Talvez pense que não se pode dar qualquer razão para ser justo, generoso
e corajoso. Essas são qualidades que se aprende a amar quando se é criança, e,
tendo­se sido devidamente habituado, já não se procura nem precisa de uma razão
para as exercer. Pode­se mostrar, como ponto geral, que a felicidade consiste em
exercer algumas habilidades ou outras, mas mostrar que as habilidades morais de
uma pessoa virtuosa são aquilo de que se precisa não seria uma proposta que pode
ser estabelecida com base em argumentos.
No entanto, esta não é a única forma de ler a Ética. Pois certamente não
podemos esperar que Aristóteles mostre o que as virtudes tradicionais têm de tão
valioso até que ele tenha discutido completamente a natureza dessas virtudes. Ele
próprio nos adverte que a sua afirmação inicial do que é a felicidade deve ser tratada
como um esboço rudimentar cujos detalhes devem ser preenchidos mais tarde
(1098a20­22). A sua intenção no Livro I da Ética é indicar, de uma forma geral,
porque é que as virtudes são importantes; por qual razão as virtudes particulares,
coragem, justiça, e similares, são componentes da felicidade é algo que só mais
tarde poderemos compreender melhor.
Em todo o caso, a afirmação de Aristóteles de que o seu público já deve
ter começado a cultivar as virtudes não precisa ser tomada como significando que
não é possível encontrar razões para ser corajoso, justo e generoso. O seu argumento,
pelo contrário, pode ser que na ética, como em qualquer outro estudo, não podemos
progredir no sentido de compreender por que razão as coisas são como são, a
menos que comecemos com certas suposições sobre o que é o caso. Nem a
investigação teórica nem a prática começam do zero. Alguém que não tenha feito
observações de fenômenos astronômicos ou biológicos ainda não está munido com
dados suficientes para desenvolver uma compreensão destas ciências. O ponto
paralelo na ética é que para progredirmos nesta esfera já devemos ter chegado a
gostar de fazer o que é justo, corajoso, generoso e etc. Devemos experimentar
61

essas atividades não como obrigações onerosas, mas como nobres, dignas e
agradáveis em si mesmas. Depois, quando nos envolvemos em investigações
éticas, podemos perguntar o que é que as faz terem valor. Podemos também
comparar esses bens com outras coisas que são desejáveis em si, prazer, amizade,
honra, e assim por diante, e perguntar se alguma delas é mais desejável do que
as outras. Abordamos a teoria ética com um pacote desorganizado de gostos e
antipatias baseado no hábito e na experiência; tal desordem é uma característica
inevitável da infância. Mas o que não é inevitável é que a nossa experiência inicial
será suficientemente rica para fornecer uma base adequada para uma reflexão
ética válida; é por isso que precisamos ter sido adequadamente educados. No
entanto, tal referida educação nos conduz mais longe. Procuramos uma compreensão
mais profunda dos objetos do nosso entusiasmo da infância, e temos de sistematizar
os nossos objetivos para que, como adultos, tenhamos um plano de vida coerente.
Precisamos nos envolver na teoria ética, e raciocinar bem nesse campo se quisermos
ir além da forma de virtude de baixo grau que adquirimos quando crianças.

3.2. Diferenças e Afinidades com Platão

Interpretado dessa forma, Aristóteles está envolvido num projeto semelhante


em alguns aspectos ao que Platão desenvolveu na República. Um dos pontos
centrais de Platão é que é uma grande vantagem estabelecer uma ordem hierárquica
dos elementos da alma de alguém; e ele mostra como as virtudes tradicionais podem
ser interpretadas para fomentar ou expressar a devida relação entre a razão e os
elementos menos racionais da psique. A abordagem de Aristóteles é semelhante:
o seu "argumento da função" mostra de uma forma geral que o nosso bem reside
no domínio da razão, e os estudos detalhados das virtudes particulares revelam
como cada uma delas envolve o tipo correto de ordenação da alma. O objetivo de
Aristóteles é chegar a conclusões como as de Platão, mas sem depender da
metafísica platônica que desempenha um papel central no argumento da República.
Ele rejeita a existência das formas de Platão em geral e a forma do bem em particular;
e rejeita a ideia de que, para se tornar plenamente virtuoso, é necessário estudar
a matemática e as ciências, e ver todos os ramos do conhecimento como um todo
unificado. Embora a teoria ética de Aristóteles se baseie por vezes em distinções
filosóficas mais desenvolvidas nas suas outras obras, ele nunca propõe que os
estudantes de ética tenham que se dedicar a um estudo especializado do mundo
62

natural, da matemática, ou de objetos eternos e objetos mutáveis. O seu projeto é


fazer da ética um campo autônomo, e mostrar porque é que uma compreensão
completa do que é bom não requer proficiência em qualquer outro campo.
Há outro contraste com Platão que deve ser enfatizado: No Livro II, da
República, é­nos dito que o melhor tipo de bem é aquele que é desejável tanto em
si mesmo como pelos seus resultados (357d­358a). Platão argumenta que a justiça
deve ser colocada nessa categoria, mas como é geralmente aceita que é desejável
pelas suas consequências, ele dedica a maior parte do seu tempo a estabelecer o
seu ponto mais controverso ­ que a justiça deve ser buscada pelo valor em si mesma.
Em contrapartida, Aristóteles assume que se A é desejável pelo bem de B, então
B é melhor do que A (1094a 14­16); portanto, o tipo de bem mais elevado deve ser
aquele que não é desejável para o bem de qualquer outra coisa. Para mostrar que
A merece ser o nosso fim último, é preciso mostrar que todos os outros bens são
mais bem pensados como instrumentos que promovem A de uma forma ou de
outra. Consequentemente, não serviria o propósito de Aristóteles considerar a
atividade virtuosa isolada de todos os outros bens. Ele precisa discutir honra, riqueza,
prazer e amizade a fim de mostrar como estes bens, devidamente compreendidos,
podem ser vistos como recursos que servem o objetivo mais elevado da atividade
virtuosa. Ele reivindica a centralidade da virtude numa vida bem vivida, mostrando
que no curso normal das coisas uma pessoa virtuosa não viverá uma vida sem
amigos, honra, riqueza, prazer, e coisas semelhantes. A atividade virtuosa torna
uma vida feliz não garantindo a felicidade em todas as circunstâncias, mas servindo
como o objetivo para o qual os bens menos elevados devem ser perseguidos. A
metodologia de Aristóteles na ética presta, portanto, mais atenção do que a de
Platão às ligações que normalmente existem entre a virtude e outros bens. É por
isso que ele sublinha que, neste tipo de estudo, há de se contentar com conclusões
que se mantêm apenas na sua maior parte (1094b 11­22). A pobreza, o isolamento
e a desonra são normalmente impedimentos ao exercício da virtude e, portanto, à
felicidade, embora possam existir circunstâncias especiais em que não o são. A
possibilidade de exceções não prejudica o ponto de que, em regra, viver bem é ter
recursos suficientes para a busca da virtude ao longo de uma vida.
63

4. Virtudes e Deficiências, Continência e Incontinência

Aristóteles distingue dois tipos de virtudes (1103a 1­10): as que dizem


respeito à parte da alma que envolve o raciocínio (virtudes da mente ou do intelecto),
e as que pertencem à parte da alma que não pode raciocinar por si mesma, contudo,
é capaz de seguir a razão (virtudes éticas, virtudes de caráter). As virtudes intelectuais,
por sua vez, se dividem em dois tipos: as que pertencem ao raciocínio teórico e as
que pertencem ao pensamento prático (1139a 3­8). Ele organiza seu material
estudando primeiro a virtude ética em geral, passando depois a uma discussão das
virtudes éticas particulares (temperança, coragem, etc.) e, finalmente completando
seu estudo considerando as virtudes intelectuais (sabedoria prática, sabedoria
teórica, etc.).
Todos os homens livres nascem com potencial para se tornarem eticamente
virtuosos e sábios práticos, mas para atingir estes objetivos devem passar por duas
fases: durante sua infância devem desenvolver os hábitos apropriados; e depois,
quando a sua razão estiver plenamente desenvolvida devem adquirir sabedoria prática
(phrónēsis). Isto não significa que primeiro adquirimos plenamente as virtudes éticas
e depois, numa fase posterior, acrescentamos a sabedoria prática. A virtude ética só
se desenvolve plenamente quando é combinada com a sabedoria prática (1144b 14­
17). Uma forma de virtude ética de baixo grau emerge em nós durante a infância, ao
sermos repetidamente colocados em situações que exigem ações e emoções
apropriadas; mas, à medida que confiamos menos nos outros e nos tornamos capazes
de fazer mais através do nosso próprio pensamento, desenvolvemos uma imagem
mais ampla da vida humana, as nossas capacidades deliberativas melhoram e as
nossas respostas emocionais são aperfeiçoadas. Como qualquer pessoa que tenha
desenvolvido uma habilidade para realizar uma atividade complexa e difícil, a pessoa
virtuosa tem prazer em exercer as suas capacidades intelectuais. Além disso, quando
decide o que fazer, não tem de se confrontar com pressões internas para agir de outra
forma. Não anseia por fazer algo que considera vergonhoso; e não está muito angustiado
por ter de abdicar de um prazer que percebe que deve renunciar.
Aristóteles coloca aqueles que sofrem de tais perturbações internas numa
de três categorias: (A) Alguns agentes numa determinada situação, experimentam
uma contrapressão provocada por um apetite pelo prazer, raiva, ou alguma outra
emoção; e essa influência contrária não está completamente sob o controle da
razão. (1) Dentro desta categoria, alguns são tipicamente mais capazes de resistir
a estas pressões contrarracionais do que uma pessoa comum. Tais pessoas não
64

são virtuosas, embora geralmente façam o que uma pessoa virtuosa faz. Aristóteles
os chama de “continente” (enkratḗs). Mas (2) outras são menos bem­sucedidas do
que uma pessoa comum em resistir a estas contrapressões. Eles são
“incontinentes” (akratḗs). A explicação da akrasía é um tópico ao qual voltaremos
na seção 7. Além disso, (B) há um tipo de agente que se recusa até a tentar fazer
o que um agente eticamente virtuoso faria, porque se convenceu que a justiça, a
temperança, generosidade e outras coisas semelhantes têm pouco ou nenhum
valor. Tais pessoas, Aristóteles chama­os de maus (kakós, phaulos). Ele assume
que as pessoas más são movidas por desejos de dominação e luxuria, e embora
sejam determinadas na busca desses objetivos, retrata­as como profundamente
divididas, porque sua pleonexía, seu desejo de ter sempre mais, deixa­as insatisfeitas
e cheias de ódio de si mesmas.
Deve­se notar que as três deficiências, continência, incontinência e vício,
envolvem alguma falta de harmonia interna. Aqui, a dívida de Aristóteles com Platão
é evidente, pois uma das ideias centrais da República é que a vida de uma pessoa
boa é harmoniosa, e todas as outras vidas se desviam em certa medida desse ideal.
A pessoa má pode apoiar completamente algum plano de ação maléfico num
determinado momento, mas ao longo do tempo, supõe Aristóteles, se arrependerá
de sua decisão, pois, o que quer que faça, será insuficiente para a realização dos
seus objetivos (1166b 5­29). Aristóteles assume que quando alguém toma
metodicamente más decisões sobre como viver a sua vida, os seus fracassos são
causados por forças psicológicas que são menos do que plenamente racionais. Os
seus desejos de prazer, poder ou outro objetivo externo se tornam tão fortes que o
fazem preocupar­se muito pouco ou nada em agir eticamente. Para manter tais
forças destrutivas internas distantes, precisamos desenvolver hábitos apropriados
e respostas emocionais quando somos crianças, e refletir inteligentemente sobre
os nossos objetivos quando somos adultos. Mas uma vulnerabilidade a essas forças
destrutivas está presente mesmo em pessoas mais ou menos virtuosas; é por isso
que mesmo uma boa comunidade política precisa de leis e ameaças de punição.
O pensamento claro sobre os melhores objetivos da vida humana e a forma apropriada
de os colocar em prática é um feito raro, pois a psique humana não é um ambiente
hospitaleiro para o desenvolvimento dessas percepções.
65

5. A Doutrina do meio­termo

5.1. Virtude ética como disposição

Aristóteles descreve a virtude ética como uma héxis (estado, condição e


disposição) – uma tendência ou disposição, induzida pelos nossos hábitos a ter
sentimentos apropriados (1105b 25­6). Os estados de caráter defeituosos são
também héxeis [plural de héxis], mas são tendências a ter sentimentos inapropriados.
A caracterização do significado desses estados por Aristóteles como héxeis é sua
rejeição decisiva da tese, encontrada ao longo dos primeiros diálogos de Platão,
de que a virtude não é mais do que uma espécie de conhecimento, e o vício nada
mais é do que uma falta de conhecimento. Embora Aristóteles trace frequentemente
analogias entre os ofícios e as virtudes (e de forma semelhante entre a saúde física
e eudaimonía), ele insiste que as virtudes diferem dos ofícios e de todos os ramos
do conhecimento na medida em que as primeiras envolvem respostas emocionais
apropriadas e não são condições puramente intelectuais.
Além disso, cada virtude ética é uma condição intermediária (um “meio­
termo de ouro” como é popularmente conhecida) entre dois estados, um envolvendo
excesso e o outro deficiência (1106a 26­b28). A este respeito, diz Aristóteles, as
virtudes não são diferentes das capacidades técnicas: cada trabalhador qualificado
sabe como evitar o excesso e a deficiência, e está numa condição intermediária
entre dois extremos. A pessoa corajosa, por exemplo, julga que alguns perigos
valem a pena enfrentar e outros não, e experimenta o medo em um grau que é
adequado às suas circunstâncias. Ele encontra­se entre o covarde, que foge de
todos os perigos e vivencia um medo excessivo, e a pessoa precipitada, que julga
que vale a pena enfrentar todos os perigos e vivencia pouco ou nenhum medo.
Aristóteles sustenta que esta mesma topografia se aplica a todas as virtudes éticas:
todas estão localizadas num mapa que coloca as virtudes entre estados de excesso
e deficiência. Ele tem o cuidado de acrescentar, contudo, que o meio­termo deve
ser determinado de uma forma que leve em conta as circunstâncias particulares do
indivíduo (1106a 36­b7). A média aritmética entre 10 e 2 é 6, e isto é invariável, seja
o que for que esteja a ser contado. Mas o ponto intermediário que é escolhido por
um perito em qualquer dos ofícios varia de uma situação para outra. Não existe
uma regra universal, por exemplo, sobre a quantidade de comida que um atleta
deve comer, e seria absurdo inferir do fato de 5 quilos ser muito e 1 quilo pouco
66

para mim que deveria comer 3 quilos. Encontrar o meio­termo em qualquer situação
não é um procedimento mecânico ou impensado, mas requer um conhecimento
completo e detalhado das circunstâncias.
Deve ser evidente que o tratamento das virtudes por Aristóteles como estados
medianos endossam a ideia de que por vezes devemos ter sentimentos fortes –
quando tais sentimentos são exigidos pela situação. Por vezes, um pequeno nível de
raiva é apropriado; mas outras vezes, as circunstâncias requerem uma raiva elevada.
A quantidade certa não é alguma quantidade entre zero e o nível mais elevado possível,
mas sim a quantidade, seja ela qual for, que é proporcional à gravidade da situação.
É claro que Aristóteles está empenhado em dizer que a raiva nunca deve atingir o
ponto em que mina a razão; e isto significa que a nossa paixão deve sempre ficar
aquém do ponto extremo em que perderíamos o controle. Mas é possível estar furioso
sem chegar a este extremo, e Aristóteles não pretende negar isso.
A teoria do meio­termo está aberta a várias objeções, mas antes de as
considerarmos, devemos reconhecer que, de fato, existem duas teses distintas
cada uma das quais pode ser chamada de uma doutrina do meio­termo. Primeiro,
há a tese de que toda virtude é um estado que se situa entre dois vícios, um de
excesso e o outro de deficiência. Segundo, existe a ideia de que sempre que uma
pessoa virtuosa opta por realizar um ato virtuoso, pode ser descrito como visando
um ato que é de uma forma ou de outra, intermediário entre alternativas que ele
rejeita. É essa segunda tese que é mais suscetível de ser questionável. Um crítico
pode admitir que em alguns casos os atos virtuosos podem ser descritos nos termos
de Aristóteles. Se, por exemplo, está tentando decidir quanto gastar num presente
de casamento, procura­se uma quantia que não é excessiva nem deficiente. Mas
certamente muitos outros problemas que um agente virtuoso enfrenta não são
suscetíveis a tal análise quantitativa. Se alguém tiver de decidir se deve assistir a
um casamento ou respeitar uma obrigação conflitante, não seria esclarecedor
descrever isto como uma busca de um meio­termo entre extremos – a não ser que
“visando ao meio­termo” se torne simplesmente outra frase para tentar tomar a
decisão certa. A objeção, então, é que a doutrina de Aristóteles sobre o meio­termo,
tomada como doutrina sobre o que o agente ético faz quando delibera, é, em muitos
casos, inaplicável ou pouco esclarecedora.
Uma defesa de Aristóteles teria de dizer que a pessoa virtuosa de fato visa
a um meio­termo, se permitirmos uma noção suficientemente ampla do sentido de
“visar” em questão. Por exemplo, considere um jurado que deve determinar se um
réu é culpado de acusações. Ele não tem perante a sua mente uma questão
67

quantitativa; ele está tentando decidir se o acusado cometeu o crime, e, não está
à procura de alguma quantidade de ação intermediária entre extremos. No entanto,
em excelente jurado pode ser descrito como alguém que, ao tentar chegar à decisão
correta, procura expressar o grau certo de preocupação por todas as considerações
relevantes. Ele procura o veredito que resulta de um processo deliberativo que não
é nem excessivamente crédulo nem demasiadamente cético. Do mesmo modo, ao
enfrentar situações que provocam raiva, um agente virtuoso deve determinar que
ação (se houver) tomar em resposta a um insulto, e embora não seja em si uma
questão quantitativa, a sua tentativa de responder apropriadamente requer que
tenha o grau certo de preocupação pela sua posição como membro da comunidade.
O seu objetivo é um meio­termo no sentido de procurar uma resposta que evite
demasiada ou pouca atenção a fatores que devem ser levados em conta na tomada
de uma decisão sensata.
Talvez uma dificuldade maior possa ser levantada se perguntarmos como
Aristóteles determina quais emoções são governadas pela doutrina do meio­termo.
Considere, por exemplo, alguém que ama combater. Será esta paixão algo que
deve ser sentido por cada ser humano em momentos apropriados e na medida
certa? Certamente que alguém que nunca sentiu esta emoção em grau algum ainda
poderia viver uma vida perfeitamente feliz. Por que não deveríamos então dizer o
mesmo sobre pelo menos algumas das emoções que Aristóteles incorpora na sua
análise do agente eticamente virtuoso? Porque deveríamos experimentar a raiva,
o medo ou o grau de preocupação com a riqueza e a honra que Aristóteles recomenda?
Estas são precisamente as perguntas que foram feitas na antiguidade pelos estoicos,
e, eles chegaram à conclusão de que emoções tão comuns como a raiva e o medo
são sempre inapropriadas. Aristóteles assume, pelo contrário, não simplesmente
que essas paixões comuns são por vezes apropriadas, mas que é essencial que
cada ser humano aprenda a dominá­las e experimentá­las da forma certa nos
momentos certos. Uma defesa da sua posição teria de mostrar que as emoções
que figuram no seu relato das virtudes são componentes valiosos de qualquer vida
humana bem vivida, quando são vividas apropriadamente. Talvez um projeto pudesse
ser desenvolvido, mas Aristóteles em si não tenta fazê­lo.
Ele diz frequentemente, no curso de sua discussão, que quando a pessoa
boa escolhe agir virtuosamente, o faz em nome do kâlon – uma palavra que pode
significar belo, nobre ou fino (vide 1120a 23­24). Esse termo indica que Aristóteles
vê na atividade ética uma atração que é comparável à beleza de obras bem
trabalhadas, incluindo obras como a poesia, a música e o teatro. Ele traça essa
68

analogia na sua discussão sobre o meio­termo, quando diz que cada ofício tenta
produzir uma obra da qual nada deve ser retirado e à qual nada deve ser acrescentado
(1106b 5­14). Uma obra, quando bem concebida e produzida por um bom artesão,
não é meramente útil, mas também possui elementos como equilíbrio, proporção
e harmonia – pois estas são propriedades que ajudam a torná­la útil. Da mesma
forma, Aristóteles defende que um projeto bem executado que exprima as virtudes
éticas não será meramente vantajoso, mas também kâlon, pois o equilíbrio que
atinge é parte do que o torna vantajoso. O jovem que aprende a adquirir as virtudes
deve desenvolver um amor por fazer o que é kâlon e uma forte aversão ao seu
oposto – o aischrón, o vergonhoso e feio. Determinar o que é kâlon é difícil (1106b
28­33, 1109a 24­30) e a aversão humana habitual de abraçar dificuldades ajuda a
explicar a escassez de virtude (110b 10­11).

5.2. Teoria ética não oferece um processo de decisão

Deve ficar claro que nem a tese de que as virtudes se encontram entre
extremos nem a tese de que a pessoa boa visa que é o intermediário pretende ser
um processo para a tomada de decisões. Essas doutrinas do meio­termo ajudam
a mostrar o que é atrativo sobre as virtudes, e também ajudam a sistematizar a
nossa compreensão de quais qualidades são virtudes. Quando vemos que a
temperança, a coragem e outras características geralmente reconhecidas são
estados medianos, estamos em posição de generalizar e identificar outros estados
medianos como virtudes, mesmo que não sejam qualidades para as quais temos
um nome. Aristóteles observa, por exemplo, que o estado mediano em relação à
raiva não tem nome em grego (1125b 26­7). Embora seja guiado até certo ponto
por distinções capturadas por termos comuns, a sua metodologia lhe permite
reconhecer estados para os quais não existem nomes.
Longe de oferecer um processo de decisão, Aristóteles insiste que isto é
algo que nenhuma teoria ética pode fazer. A sua teoria elucida a natureza da virtude,
mas o que deve ser feito em qualquer ocasião particular por um agente virtuoso
depende das circunstâncias, e estas variam muito de uma ocasião para a outra e
não há possibilidade de estabelecer uma série de regras, por mais complicadas
que sejam, que resolvam coletivamente todos os problemas práticos. Essa
característica da teoria ética não é única; Aristóteles pensa que se aplica a muitos
ofícios, tais como medicina e navegação (1104a 7­10). Ele diz que a pessoa virtuosa
69

“vê a verdade em cada caso, sendo como um padrão e uma medida deles” (1113a
32­3); mas este apelo à visão da pessoa boa não deve ser tomado como significando
que ela tem uma visão inarticulada e incomunicável acerca da verdade. Aristóteles
pensa na pessoa boa como alguém que é bom em deliberação e descreve a
deliberação como um processo de investigação racional. O ponto intermediário que
a pessoa boa tenta encontrar é “determinada pelo lógos [razão, consideração] e na
forma como a pessoa de razão prática o determinaria” (1107a 1­2). Dizer que essa
pessoa “vê” o que fazer é simplesmente uma forma de reconhecer o ponto de que
o raciocínio da pessoa boa é capaz de descobrir o que é melhor em cada situação.
Ele é “como uma referência e medida” no sentido de que os seus pontos de vista
devem ser considerados como de autoridade por outros membros da comunidade.
Uma referência ou medida é algo que resolve conflitos; e porque pessoas boas são
habilidosas em descobrir o meio­termo em casos difíceis, os seus conselhos devem
ser procurados e atendidos.
Embora não exista a possibilidade de escrever um livro de regras, por mais
extenso que seja, que sirva de guia completo para a tomada de decisões sábias,
seria um erro atribuir a Aristóteles a posição oposta, a saber que cada suposta regra
admite exceções, de modo que mesmo um pequeno livro de regras que se aplica
a um número limitado de situações é uma impossibilidade. Ele deixa claro que
certas emoções (despeito, descaramento, inveja) e ações (adultério, roubo, homicídio)
são sempre erradas, independente das circunstâncias (1107a 8­12). Embora ele
diga que os nomes dessas emoções e ações transmitem a sua injustiça, não se
deve considerar que a sua injustiça deriva do uso linguístico. Ele defende a família
como instituição social contra as críticas de Platão (Pol. II.3­4), e então, quando ele
diz que o adultério é sempre errado, está disposto a defender seu ponto de vista
explicando por que o casamento é um costume valioso e porque as relações
extraconjugais prejudicam a relação entre marido e mulher. Ele não faz a afirmação
tautológica de que a atividade sexual indevida é errada, mas sim o ponto mais
específico e delicado de que os casamentos devem ser regidos por uma regra de
estrita fidelidade. Da mesma forma, quando diz que o homicídio e roubo são sempre
errados, mas que o atual sistema de leis relativas a estas questões deve ser
rigorosamente aplicado. Assim, embora Aristóteles sustente que a ética não pode
ser reduzida a um sistema de regras, por mais complexo que seja, ele insiste que
algumas regras são incontestáveis.
70

5.3. O ponto de partida para o raciocínio prático

Vimos que as decisões de uma pessoa com sabedoria prática não são
meras intuições, mas podem ser justificadas por uma cadeia de raciocínios. (É por
isso que Aristóteles fala frequentemente em termos de um silogismo prático, com
uma premissa maior que identifica algum bem a ser alcançado, e uma premissa
menor que localiza o bem em alguma situação atual). Ao mesmo tempo, ele está
perfeitamente ciente do fato de que o raciocínio pode sempre ser rastreado até um
ponto de partida que, por si só, não é justificado por mais raciocínios. Nem o bom
raciocínio teórico nem o bom raciocínio prático se movem em círculo; o verdadeiro
raciocínio sempre pressupõe e progride de forma linear a partir de pontos adequados.
E isso o leva a se perguntar por uma descrição de como os pontos de partida
apropriados do raciocínio são determinados. O raciocínio prático sempre pressupõe
que se tem alguma finalidade, um objetivo que alguém está tentando alcançar; e a
tarefa do raciocínio é determinar como esse objetivo vai ser alcançado. Este não
precisa ser um raciocínio meios­fins no sentido convencional; se, por exemplo, o
nosso objetivo é a resolução justa de um conflito, temos que determinar o que
constitui justiça nessas circunstâncias particulares. Aqui estamos empenhados
numa investigação ética, e não fazemos uma pergunta puramente instrumental).
Mas se o raciocínio prático só é correto se ele partir de uma premissa correta, o
que assegura a correção do seu ponto de partida?
Aristóteles responde: “A virtude torna o objetivo correto, e a sabedoria
prática seleciona as coisas que conduzem a ele” (1144a 7­8). Com isto, ele não
quer dizer que não haja espaço para raciocínios sobre o nosso fim último. Porque,
como vimos, ele dá uma defesa fundamentada da sua concepção de felicidade
como atividade virtuosa. O que ele deve ter em mente quando diz que a virtude
torna o objetivo correto, é que a deliberação normalmente procede de um objetivo
que é muito mais específico do que o objetivo de alcançar a felicidade agindo
virtuosamente. Com certeza, pode haver ocasiões em que uma pessoa boa aborda
um problema ético começando com a premissa de que a felicidade consiste na
atividade virtuosa. Mas mais frequentemente, o que acontece é que um objetivo
concreto se apresenta como o seu ponto de partida – ajudar um amigo necessitado
ou apoiar um projeto cívico que vale a pena. Qual projeto específico que estabelecemos
para nós mesmos é determinado pelo nosso caráter. Uma pessoa boa começa a
partir de fins concretos que valem a pena porque os seus hábitos e orientação
emocional lhe deram a capacidade de reconhecer que tais objetivos estão ao nosso
71

alcance, aqui e agora. Aqueles que têm um caráter defeituoso podem ter a habilidade
racional necessária para atingir os seus fins, a habilidade que Aristóteles chama
astúcia (1144a 23­8), mas muitas vezes os fins que procuram não têm valor. A causa
desta deficiência não reside em alguma debilidade na sua capacidade de raciocínio,
pois assumimos que são normais neste aspecto, mas no treino das suas paixões.

6. Virtudes Intelectuais

Uma vez que Aristóteles chama frequentemente a atenção para a imprecisão


da teoria ética (vide 1104a 1­7) é uma surpresa para muitos leitores da Ética que
ele comece o Livro VI com a confissão de que as suas afirmações anteriores sobre
o meio­termo necessitam de complemento, pois ainda não são claras (saphḗs).
Em cada disciplina prática, o expert visa a um ponto e usa a reta razão para evitar
os extremos do excesso e da deficiência. Mas qual é essa reta razão e por qual
padrão (hóros) deve ser determinada? Aristóteles diz que, a menos que respondamos
essa pergunta, não seremos mais sábios – tal como um estudante de medicina terá
falhado em dominar sua disciplina se só puder dizer que os medicamentos certos
a administrar são aqueles prescritos pela perícia médica, mas não tem outra
referência além desta (1138b 18­34).
Não é fácil de entender o ponto de Aristóteles aqui. Ele já não nos disse
que não pode haver um guia teórico completo sobre ética, que o melhor que se
pode esperar é que em situações particulares os hábitos éticos e a sabedoria prática
de cada um ajudem a determinar o que fazer? Além disso, Aristóteles em parte
alguma diz, no restante do Livro VI, que atingimos o maior grau de precisão que
ele parece estar procurando. O restante desse livro é uma discussão sobre os vários
tipos de virtudes intelectuais: sabedoria teórica, ciência (epistḗmē), compreensão
intuitiva (noûs), sabedoria prática e conhecimento artesanal. Aristóteles explica o
que é cada um desses estados de espírito, traça vários contrastes entre eles e
aborda várias questões que podem ser levantadas sobre a sua utilidade. Em nenhum
momento ele volta explicitamente à questão que levantou no início do Livro VI; ele
nunca diz, “e agora temos o padrão da razão correta que procurávamos”. Nem é
fácil ver como a sua discussão sobre estas cinco virtudes intelectuais podem trazer
maior precisão à doutrina do meio­termo.
Podemos fazer alguns progressos na resolução desse problema se nos
lembrarmos que no início da Ética, Aristóteles descreve a sua investigação como
72

uma tentativa de desenvolver uma melhor compreensão de qual deve ser nosso
fim último. A resposta vaga que ele dá no Livro I é que a felicidade consiste na
atividade virtuosa. Em Livros II a V, ele descreve as virtudes da parte da alma que
é racional na medida em que ela pode estar atenta à razão, mesmo que não seja
capaz de deliberar. Mais precisamente porque estas virtudes são racionais apenas
de forma derivada, elas são um componente menos importante do nosso fim último
do que a virtude intelectual – sabedoria prática – com a qual estão integradas. Se
o que sabemos sobre virtude é apenas o que é dito nos Livros II a V, então a nossa
compreensão do nosso fim último é radicalmente incompleta, porque ainda não
estudamos a virtude intelectual que nos permite raciocinar bem em qualquer situação.
Uma das coisas, pelo menos, para as quais Aristóteles aponta ao começar o Livro
VI é a sabedoria prática. Esse estado de espírito ainda não foi analisado, e essa é
uma das razões pelas quais ele se queixa de que a sua descrição do nosso fim
último ainda não é clara o suficiente.
Mas a sabedoria prática é o único componente do nosso fim último que
ainda não foi suficientemente discutido? O Livro VI discute cinco virtudes intelectuais,
não apenas a sabedoria prática, mas é claro que ao menos uma delas, o conhecimento
artesanal, é considerada apenas para proporcionar um contraste com as outras.
Aristóteles não recomenda que os seus leitores façam desta virtude intelectual parte
do seu fim último. Mas, e quanto as três restantes: ciência, compreensão intuitiva
e a virtude que os combina, sabedoria teórica? Elas estão presentes no Livro VI
apenas para proporcionar um contraste com a sabedoria prática, ou Aristóteles está
dizendo que elas também devem ser componentes do nosso fim? Ele não aborda
completamente essa questão, mas é evidente a partir de várias das suas observações
no Livro VI que ele toma a sabedoria teórica como um estado de espírito mais
valioso do que a sabedoria prática. “É estranho que alguém pense que a política
ou sabedoria prática são os tipos de conhecimento excelentes, a menos que o
homem seja a melhor coisa no cosmos” (1141a 20­22). Ele diz que a sabedoria
teórica produz felicidade por ser parte da virtude (1144a 3­6), e que a sabedoria
prática se volta para o desenvolvimento da sabedoria teórica e emite comandos
por causa dela (1145a 8­11). Portanto, é evidente que o exercício da sabedoria
teórica é um componente mais importante para o nosso fim último do que que a
sabedoria prática.
Mesmo assim, pode ainda parecer intrigante que essas duas virtudes
intelectuais, quer separada ou coletivamente, de alguma forma, devam preencher
uma lacuna na doutrina do meio­termo. Tendo lido o Livro VI e concluído o estudo
73

sobre o que são estas duas formas de sabedoria, como é que somos mais capazes
de conseguir encontrar o meio­termo em situações particulares?
A resposta a esta pergunta pode ser que Aristóteles não pretende que o
Livro VI dê uma resposta completa a essa pergunta, mas sim que sirva como
prolegômenos para uma resposta. Pois é apenas perto do fim do Livro X que ele
apresenta uma discussão completa dos méritos relativos desses dois tipos de virtude
intelectual e comenta sobre o quanto de recursos, e em que diferentes graus, cada
um deles necessita. Em X (7­8) ele argumenta que o tipo de vida mais feliz é a de
um filósofo – alguém que exerce, durante um longo período de tempo, a virtude da
sabedoria teórica, e que tem recursos suficientes para isso (discutiremos estes
capítulos mais detalhadamente na seção 10 abaixo). Uma das suas razões para
pensar que tal vida é superior ao segundo melhor tipo de vida – a de um líder político,
alguém que se dedica ao exercício da sabedoria prática em vez da teórica – é que
ela requer menos bens externos (1178a 23­b7). Aristóteles já deixou claro na sua
discussão sobre as virtudes éticas que alguém que é muito honrado pela sua
comunidade e que comanda grandes recursos financeiros está em posição de
exercer uma ordem superior de virtude ética do que alguém que recebe poucas
honras e tem poucos bens. A virtude da magnificência é superior à mera liberdade,
da mesma forma, a grandeza da alma é uma excelência superior à virtude comum
que tem a ver com honra. Estas qualidades são discutidas em IV.1­4. A maior
expressão de virtude ética requer grande poder político, porque é o líder político
que está em posição de fazer a maior quantidade de bem para a comunidade. A
pessoa que opta por levar uma vida política e que visa à expressão mais completa
da sabedoria prática tem um padrão para decidir de que nível de recursos precisa:
deve ter amigos, bens e honras em quantidade suficiente para permitir que a sua
sabedoria prática se expresse sem impedimentos. Mas se, em vez disso, escolher
a vida de um filósofo, então visará a um padrão diferente, a expressão mais completa
da sabedoria teórica, e precisará de uma oferta menor destes recursos.
Isto nos permite ver como o tratamento que Aristóteles faz das virtudes
intelectuais dá maior conteúdo e precisão à doutrina do meio­termo. O melhor
padrão é o adotado pelo filósofo; o segundo melhor é o adotado pelo líder político.
Em qualquer um dos casos, é o exercício de uma virtude intelectual que fornece
uma orientação para a tomada de decisões quantitativas importantes. Este
complemento à doutrina do meio­termo é totalmente compatível com a tese de
Aristóteles de que nenhum conjunto de regras, por mais longas e detalhadas que
sejam, evitam à necessidade de deliberação e virtudes éticas. Se alguém escolhe
74

a vida de um filósofo, esse alguém deve manter o nível de seus recursos altos o
suficiente para assegurar o lazer necessário para tal vida, mas não tão alto que os
recursos externos se tornem um fardo e uma distração ao invés de um auxílio para
viver bem. Isso nos dá uma ideia mais firme de como atingir o meio­termo, mas
ainda deixa os detalhes a serem trabalhados. O filósofo terá de determinar, em
situações particulares, onde a justiça se encontra, como gastar sabiamente, quando
encontrar ou evitar um perigo e assim por diante. Todas as dificuldades normais da
vida ética permanecem, e só podem ser resolvidas através de uma compreensão
detalhada das particularidades de cada situação. Ter a filosofia como fim último não
põe fim à necessidade de desenvolver e exercer a sabedoria prática e as virtudes éticas.

7. Akrasía

Em VII.1­10 Aristóteles investiga traços de caráter – continência e incontinência


– que não são tão condenáveis quanto os vícios, mas não tão louváveis quanto às
virtudes. (Começamos a nossa discussão sobre essas qualidades na seção 4.) Os
termos gregos são akrasía (incontinência; literalmente: falta de domínio) e enkráteia
(continência; literalmente domínio). Uma pessoa acrática vai contra a razão como
resultado de algum páthos (emoção, sentimento). Como o acrático, uma pessoa
encrática experimenta um sentimento contrário à razão; mas ao contrário do acrático,
age de acordo com a razão. O seu defeito consiste somente no fato de que, mais
do que a maioria das pessoas, experimenta paixões que entram em conflito com
sua escolha racional. A pessoa acrática não tem apenas este defeito, mas também
o defeito adicional de ceder ao sentimento em vez da razão com mais frequência
do que uma pessoa comum.
Aristóteles distingue dois tipos de akrasía: impetuosidade (propéteia) e
fraqueza (asthéneia). A pessoa que é fraca passa por um processo de deliberação
e faz uma escolha; mas em vez de agir de acordo com a sua escolha sensata, age
sob a influência de uma paixão. Por outro lado, a pessoa impetuosa não passa por
um processo de deliberação e não faz uma escolha sensata; atua simplesmente
sob a influência de uma paixão. No momento da ação, a pessoa impetuosa não
experimenta nenhum conflito interno. Mas uma vez que a ação é concluída, ele se
arrepende do que fez. Poderíamos dizer que ele delibera, se a deliberação fosse
algo pós­datado em vez de preceder a ação; mas o processo de pensamento pelo
qual ele passa depois de agir chega demasiado tarde para salvá­lo do erro.
75

É importante ter em mente que quando Aristóteles fala de impetuosidade


e fraqueza, ele está discutindo condições crônicas. A pessoa impetuosa é alguém
que age emocionalmente e não delibera, não só uma ou duas vezes, mas com
frequência; ele comete esse erro mais do que a maioria das pessoas. Por causa
desse padrão em suas ações, teríamos razão em dizer da pessoa impetuosa que
se suas paixões não a impedissem de fazê­lo, ela teria deliberado e escolhido uma
ação diferente daquela que realizou.
Os dois tipos de paixões em que Aristóteles se concentra no seu tratamento
da akrasía são o apetite pelo prazer e raiva. Ambas podem levar à impetuosidade
e à fraqueza. Mas Aristóteles dá o lugar de honra ao apetite por prazer enquanto
paixão que mina a razão. Ele chama o tipo de acrasia causada pelo apetite pelo
prazer de “akrasía não qualificada” – ou, como poderíamos dizer, acrasia “e ponto”;
já a akrasía causada pela raiva, ele considera uma forma qualificada de akrasía e
a chama de akrasía “com respeito à raiva”. Temos assim estas quatro formas de
akrasía: (A) impetuosidade causada pelo prazer, (B) impetuosidade causada pela
raiva, (C) fraqueza causada pelo prazer, (D) fraqueza causada pela raiva. Deve­se
notar que o tratamento da akrasía por Aristóteles é fortemente influenciado pela
divisão tripartite da alma na República de Platão. Este defende que tanto a parte
espiritual (que aloja a raiva, bem como outras emoções) quanto a parte apetitiva
(que aloja o desejo de prazeres físicos) podem perturbar os mandos da razão e
resultar em ações contrárias à razão. A mesma divisão tripartida da alma pode ser
vista na abordagem de Aristóteles a este tópico.
Embora Aristóteles caracterize akrasía e enkráteia em termos de um conflito
entre razão e sentimento, a sua análise detalhada desses estados do espírito
mostram que o que acontece é mais bem descrito de uma forma mais complicada.
Pois o sentimento que mina a razão contém algum pensamento, que pode ser
implicitamente geral. Como Aristóteles diz, a raiva “raciocina, por assim dizer, que
se deve lutar contra tal coisa, é imediatamente provocada” (1149a 33­4). E embora
na frase seguinte ele negue que o nosso apetite pelo prazer funcione dessa forma,
ele diz anteriormente que pode haver um silogismo que favoreça a busca do prazer:
“Tudo que é doce é agradável, e isto é doce” leva à busca de um prazer particular
(1147a 31­30). Talvez o que ele tenha em mente é que o prazer pode funcionar de
qualquer uma das maneiras: pode desencadear uma ação não mediada por uma
premissa geral, ou pode nos levar a agir com base num tal silogismo. Pelo contrário,
a raiva sempre nos move apresentando­se como um raciocínio geral, embora apressado.
76

Mas é claro que Aristóteles não quer dizer que uma pessoa em conflito tem
mais do que uma faculdade de razão. A sua ideia parece ser que, para além da nossa
plena capacidade de raciocínio, temos também mecanismos psicológicos capazes
de uma gama limitada de raciocínios. Quando sentimentos conflitam com a razão, o
que ocorre é melhor descrito como uma luta entre o sentir­se ligado com um raciocínio
limitado e a plena capacidade de raciocínio. Uma parte de nós – a razão – pode retirar­
se da influência que distorce o sentimento e considerar todos os fatores relevantes,
positivos e negativos. Mas outra parte de nós – sentimento ou emoção – tem um
campo de raciocínio mais limitado – e por vezes nem sequer faz uso dele.
Embora “paixão” seja por vezes usada como tradução da palavra páthos
de Aristóteles (outras alternativas são emoção e sentimento), é importante ter em
mente que seu termo não designa necessariamente uma força psicológica forte. A
raiva é um páthos, quer seja forte ou fraca; o mesmo acontece com o apetite pelos
prazeres corporais. E ele indica claramente que é possível que uma pessoa acrática
seja derrotada por um fraco páthos, do tipo que facilmente a maioria das pessoas
seria capaz de controlar (1150a 9­b16). Portanto, a explicação geral para a ocorrência
de akrasía não pode ser que a força de uma paixão ultrapasse a razão. Aristóteles
deve, portanto, ser absolvido de uma acusação feita contra ele por J. L. Austin numa
conhecida nota de rodapé do seu artigo A Plea For Excuses. Platão e Aristóteles,
diz ele, teriam colapsado toda situação de sucumbir à tentação à noção de perder
o controle sobre si mesmo – um erro ilustrado por este exemplo:

Sou muito parcial em relação a sorvetes, e uma


bomba de sorvete é servida, dividida em pedaços
numa correspondência de um para um com as pessoas
presentes à Mesa Alta. Sou tentado a me servir de
dois pedaços e o faço, assim sucumbindo à tentação,
e mesmo concebivelmente (mas por que
necessariamente?) indo contra meus princípios. Mas
perdi eu o controle de mim mesmo? Será que deliro,
roubo do prato e devoro, insensível à consternação
dos meus colegas? Nem um pouco. Sucumbimos
frequentemente à tentação com calma e mesmo com
delicadeza. (1961, p. 146.)

Com isso, Aristóteles pode concordar: o páthos pela bomba de sorvete


pode ser fraco, e em algumas pessoas isso será suficiente para as levar a agir de
77

uma forma que é desaprovada pela sua razão no momento da ação.


O que é mais notável na discussão de Aristóteles sobre a akrasía, é que
ele defende uma posição próxima de Sócrates. Quando ele introduz o tema da
akrasía pela primeira vez, ele levanta alguns dos problemas envolvidos na compreensão
desse fenômeno, diz (1145b25­8) que Sócrates sustentava que não existe akrasía,
e descreve isto como uma tese que entra claramente em conflito com as aparências
(phainómena). Uma vez que diz que o seu objetivo é preservar o maior número
possível de aparências (1145b 2­7), pode ser uma surpresa que quando analisa o
conflito entre razão e sentimento, chegue à conclusão de que, de certa forma,
Sócrates estava certo no final (1147b 13­17). Pois, diz ele, a pessoa que age contra
a razão não tem o que se pensa ser conhecimento não qualificado; de certo modo,
tem conhecimento, mas por outro lado não tem.
Aristóteles explica o que tem em mente ao comparar akrasía com a condição
de outras pessoas que poderiam ser descritas como sabendo de uma forma, mas
não de uma forma não qualificada. Os seus exemplos são pessoas adormecidas,
raivosas ou bêbadas; ele também compara o acrático a um estudante que acaba
de começar a aprender um assunto, ou um ator em palco (1147a 10­24). Todas
estas pessoas, diz ele, podem proferir todas as palavras usadas por aqueles que
têm conhecimento; mas a sua fala não prova que realmente têm conhecimento,
estritamente falando.
Essas analogias podem ser entendidas como implicando que a forma de
akrasía que Aristóteles chama de fraqueza, em vez de impetuosidade, resulta
sempre de alguma diminuição de acuidade cognitiva ou intelectual no momento da
ação. O acrático diz, no momento da ação, que não deve satisfazer este prazer
particular dessa vez. Mas ele sabe ou mesmo acredita que deve se abster? Aristóteles
pode ser levado a responder: sim e não. Ele tem algum grau de reconhecimento
de que não o deve fazer agora, mas não pleno reconhecimento. O seu sentimento,
mesmo que seja fraco, o impediu, até certo ponto, de compreender completamente
ou afirmar o ponto de que não o deveria fazer. E assim, de certa forma, Sócrates
tinha razão. Quando a razão permanece perfeita e desobstruída, os seus ditames
nos levam até à ação, desde que sejamos capazes de agir.
Mas o acordo de Aristóteles com Sócrates é apernas parcial, porque ele
insiste no poder das emoções para rivalizar, enfraquecer ou contornar a razão. A
emoção desafia a razão de todas as três formas. Tanto no acrático como no encrático,
compete com a razão para controlar a ação; mesmo quando a razão vence, enfrenta
a difícil tarefa de ter de lutar com um rival interno. Em segundo lugar, no acrático,
78

rouba temporariamente a razão da sua acuidade completa, prejudicando­a assim


como concorrente. Não é apenas uma força rival, nesses casos; é uma força que
impede a razão de exercer plenamente o seu poder. E terceiro, a paixão pode tornar
alguém impetuoso; aqui sua vitória sobre a razão é tão poderosa que esta não entra
sequer na arena da reflexão consciente até ser tarde demais para influenciar a ação.

8. Prazer

Aristóteles enfatiza frequentemente a importância do prazer para a vida


humana e, portanto, para o seu estudo de como devemos viver (vide 1099a 7­20
e 1104b 3­1105a 16), mas seu exame completo da natureza e do valor do prazer é
encontrado em dois lugares: VII.11 ­14 e X.1­5. É estranho que o prazer receba
dois longos tratados; nenhum outro tópico da Ética é revisitado dessa forma. O
Livro VII da Ética a Nicômaco é idêntico ao Livro VI da Ética a Eudemo; por razões
desconhecidas, o editor do primeiro decidiu incluir em ambos o tratado do prazer
que é único para essa obra (X. 1­5) e o estudo que é comum a ambos os tratados
(VII. 11­14). As duas abordagens são amplamente semelhantes. Concordam sobre
o valor do prazer, defendem uma teoria sobre sua natureza e opõem­se a teorias
concorrentes. Aristóteles defende que uma vida feliz deve incluir o prazer e
posteriormente, se opõe àqueles que argumentam que o prazer é, por sua natureza,
mau. Ele insiste que existem outros prazeres além dos sentidos, e que os melhores
prazeres são os experimentados por pessoas virtuosas que têm recursos suficientes
para uma atividade excelente.
O livro VII oferece um breve relato do que é e o que não é o prazer. Não
é um processo, mas uma desimpedida atividade de um estado natural (1153a 7­
17). Aristóteles não elabora sobre o que é um estado natural, mas obviamente tem
em mente a condição saudável do corpo, especialmente suas faculdades sensoriais
e a condição virtuosa da alma. Pouco se diz sobre o que significa chamar uma
atividade de “desimpedida”, mas Aristóteles nos lembra que a atividade virtuosa é
impedida pela ausência de um fornecimento suficiente de bens externos (1153b
17­19). Pode­se constatar que pessoas doentes ou com deficiências morais podem
experimentar prazer, mesmo que Aristóteles não as aceite como estando num estado
natural. Ele tem duas estratégias para responder. Primeiro, quando uma pessoa
doente experimenta algum grau de prazer enquanto a saúde é restaurada, o prazer
que sente é causado pelo fato que já não estar completamente doente. Em segundo
79

lugar, Aristóteles está disposto a dizer que o que parece prazeroso para algumas
pessoas pode de fato não ser prazeroso (1152b 31­2), tal como o que tem um sabor
amargo a um paladar pouco saudável pode não ser amargo. Chamar algo de prazer
não é apenas relatar um estado de espírito, mas também endossá­lo a outros. A
análise de Aristóteles sobre a natureza do prazer não se destina a aplicar­se a todos
os casos em que algo parece agradável a alguém, mas apenas a atividades que
são realmente prazeres. Todas estas são atividades de um estado natural e desimpedidas.
Decorre dessa concepção de prazer que cada instância de prazer deve
ser boa até certo ponto. Pois como uma desimpedida atividade de um estado natural
pode ser má, ou uma questão de indiferença? Por outro lado, Aristóteles não quer
dizer que todo prazer deveria ser escolhido. Ele menciona brevemente o ponto de
que os prazeres competem entre si, de modo que o gozo de um tipo de atividade
impede outras atividades que não podem ser realizadas ao mesmo tempo (1153a
20­22). Seu ponto é simplesmente que, embora alguns prazeres possam ser bons,
não vale a pena escolhê­los quando interferem com outras atividades que são muito
melhores. Este ponto é desenvolvido mais completamente em Ética X.5.
Além disso, a análise de Aristóteles permite­lhe falar de certos prazeres
como “maus sem qualificação” (1152b 26­33), ainda que o prazer seja a desimpedida
atividade de um estado natural. Chamar um prazer de “mau sem qualificação” é
insistir que ele deve ser evitado, mas permitir que seja escolhido em circunstâncias
restritivas. O prazer de se recuperar de uma doença, por exemplo, é mau sem
qualificação – o que significa que não é um dos prazeres que se escolheria idealmente,
se alguém pudesse controlar completamente as circunstâncias. Embora seja
realmente um prazer e, portanto, algo possa ser dito ao seu favor, é tão inferior a
outros bens que, idealmente, se deveria prescindir dele. No entanto, é um prazer
que vale a pena ter – se se acrescentar a qualificação que só vale a pena ter em
circunstâncias indesejáveis. O prazer de recuperar de uma doença é bom, porque
uma pequena parte de si próprio está num estado natural e age sem impedimentos;
mas também pode ser chamado de mau, se o que se quer dizer com isso é que se
deve evitar entrar numa situação em que se experimenta esse prazer.
Aristóteles indica várias vezes em VII­11­14 que apenas dizer que o prazer
é um bem não faz justiça o suficiente ao prazer; ele também quer dizer que o bem
mais elevado é um prazer. Aqui ele é influenciado por uma ideia expressa na frase
de abertura da Ética: o bem é aquele a que todas as coisas visam. Em VII.13, ele
insinua a ideia de que todos os seres vivos imitam a atividade contemplativa de
deus (1153b 31­2). As plantas e os animais não humanos procuram reproduzir­se
80

pois essa é sua forma de participar numa série interminável, e este é o mais próximo
que podem chegar do pensamento incessante do que não se move. Aristóteles faz
essa observação em várias de suas obras (vide De Anima, 415a 23­b7), e na Ética
X.7­8 ele dá uma defesa completa da ideia de que a vida humana mais feliz se
assemelha à vida de um ser divino. Ele concebe deus como um ser que goza
continuamente de um “prazer único e simples” (1154b 26) – o prazer do pensamento
puro – já os seres humanos, devido à sua complexidade, se cansam de tudo que
fazem. Ele desenvolverá esses pontos em X.8; em VII.11­14, ele apela à sua
concepção da atividade divina apenas para defender a tese de que o nosso bem
mais elevado consiste num certo tipo de prazer. A felicidade humana não consiste
em todo o tipo de prazer, mas consiste em um tipo de prazer – o prazer sentido por
um ser humano que se envolve em atividades teóricas e assim, imita o pensamento
prazeroso de deus.
O Livro X oferece um relato muito mais elaborado do que é e do que não
é prazer. Não é um processo, porque os processos passam por fases de
desenvolvimento: construir um templo é um processo porque o templo não está
presente de uma só vez, mas só se torna realidade através de fases que se
desdobram ao longo do tempo. Pelo contrário, o prazer, tal como enxergar e muitas
outras atividades, não é algo que se torna realidade através de um processo de
desenvolvimento. Se desfruto de uma conversa, por exemplo, não preciso esperar
até que esteja terminada para me sentir satisfeito; tenho prazer na atividade ao
longo de todo o caminho. A natureza definidora do prazer é que ele é uma atividade
que acompanha outras atividades, e em certo sentido, as leva à sua conclusão. O
prazer ocorre quando algo dentro de nós, tendo sido colocado em boas condições,
é ativado em relação a um objeto externo que também se encontra em boas
condições. O prazer de desenhar, por exemplo, requer tanto o desenvolvimento da
habilidade de desenhar como um objeto de atenção que vale a pena desenhar.
A concepção de prazer que Aristóteles desenvolve no Livro X é obviamente
intimamente relacionada com a análise que ele faz no Livro VII. Mas a teoria proposta
no último Livro traz à tona um ponto que tinha recebido muito pouca atenção anteriormente:
o prazer é, pela sua natureza, algo que acompanha algo mais. Não basta dizer que é o
que acontece quando estamos em boas condições e somos ativos em circunstâncias
livres; é preciso acrescentar a esse ponto a ideia adicional de que o prazer desempenha
um certo papel no complemento de algo que não seja ele próprio. Desenhar bem e o
prazer de desenhar bem ocorrem sempre juntos, e por isso são fáceis de confundir, mas
a análise de Aristóteles no Livro X enfatiza a importância de fazer esta distinção.
81

Ele diz que o prazer completa a atividade que ele acompanha, mas depois
acrescenta, misteriosamente, que completa a atividade à maneira de um fim que é
acrescentado. Na tradução de W.D. Ross, ele “sobrevém como a flor da juventude
sobre aqueles na flor da sua idade” (1174b 33). Não é claro o que está expresso
aqui, mas talvez Aristóteles esteja apenas tentando evitar um possível mal­entendido:
quando ele diz que o prazer completa uma atividade, não significa que a atividade
que acompanha seja de alguma forma defeituosa, e que o prazer melhora a atividade
ao remover esse defeito. A linguagem de Aristóteles está aberta a essa má
interpretação porque o verbo que é traduzido por “completo” (teléein) pode também
significar “perfeito”. Este último pode ser entendido como significando que a atividade
acompanhada pelo prazer ainda não atingiu um nível suficientemente elevado de
excelência, e que o papel do prazer é levá­lo ao ponto da perfeição. Aristóteles não
nega que quando temos prazer numa atividade, ficamos melhores nela, mas quando
ele diz que o prazer completa uma atividade por superveniência, como a flor que
acompanha aqueles que atingiram o ponto mais alto da beleza física, o seu ponto
é que a atividade complementada pelo prazer já é perfeita e o prazer que a acompanha
é um bônus que não serve a mais nenhum propósito. Ter prazer numa atividade
nos ajuda a melhorá­la, mas o prazer não cessa quando a perfeição é alcançada
– pelo contrário, isto é, quando o prazer está no seu auge. É aí que revela mais
plenamente o que é: um bônus adicional que coroa a nossa realização.
É claro, em todo o caso, que no Livro X Aristóteles dá uma descrição mais
completa do que é o prazer do que ele tinha no Livro VII. Devemos tomar nota de
uma outra diferença entre estas discussões: no Livro X, ele faz notar que o prazer
é um bem, mas não o bem. Ele cita e apoia um argumento dado por Platão no
Filebo: se imaginarmos uma vida cheia de prazer e depois acrescentarmos
mentalmente sabedoria a ela, o resultado torna­se mais desejável. Mas o bem é
algo que não pode ser melhorado dessa forma. Portanto, o prazer não é bem (1172b
23­35). Pelo contrário, no Livro VII Aristóteles defende fortemente que o prazer da
contemplação é o bem, porque de uma forma ou de outra todos os seres vivos
visam este tipo de prazer. Aristóteles observa no Livro X que aquilo a que todas as
coisas visam é bom (1172b 35­1173a 1); significativamente, ele fica aquém do
argumento de que, uma vez que todas visam ao prazer, ele deve ser o bem.
No Livro VII faz notar que os prazeres interferem uns com os outros, e por
isso, mesmo que todos os tipos de prazeres sejam bons, não se segue que valha
a pena escolher todos eles. Deve­se fazer uma seleção entre os prazeres, determinando
quais são os melhores. Mas como é que se pode fazer esta escolha? O Livro VII
82

não diz, mas no Livro X, Aristóteles sustenta que a seleção dos prazeres não deve
ser feita com referência ao prazer em si, mas com referência às atividades que eles
acompanham. “Uma vez que as atividades diferem no que diz respeito à sua bondade
ou à sua maldade, valendo escolher alguns, e outros valendo evitar, e outros nenhum
dos dois – isso se aplica a prazeres” (1175b 24­6). A afirmação de Aristóteles implica
que, para determinar se, por exemplo, o prazer da atividade virtuosa é mais desejável
que o de comer, não nos devemos ater aos prazeres em si, mas às atividades com
as quais nos satisfazemos. A bondade de um prazer deriva da bondade da sua
atividade associada. E, certamente, a razão pela qual o prazer não é o critério a
que devemos recorrer na tomada dessas decisões é que ele não é o bem. O padrão
que devemos usar na comparação entre opções rivais é a atividade virtuosa, porque
se demonstra que isso é idêntico à felicidade.
É por isso que Aristóteles diz que o que é considerado agradável por um
homem bom é realmente agradável, porque o homem bom é a medida das coisas
(1176 a15­19). Ele não quer dizer que a forma de conduzir as nossas vidas seja
procurar um homem bom e confiar continuamente nele para nos dizer o que é
agradável. Pelo contrário, o seu argumento é que não há forma de dizer o que é
genuinamente agradável (e, portanto, o que é mais agradável), a menos que já
tenhamos algum outro padrão de valor. A discussão do prazer de Aristóteles ajuda
assim a confirmar a sua hipótese inicial de que para viver bem as nossas vidas
temos de focar num tipo de bem acima de todos os outros: a atividade virtuosa. É
nos termos deste bem que todos os demais devem ser compreendidos. A análise
da amizade de Aristóteles apoia a mesma conclusão.

9. Amizade

O tema dos Livros VIII e IX da Ética é amizade. Embora seja difícil evitar
o termo “amizade” como tradução de philía, e este seja um termo preciso para o
tipo de relação em que ele está mais interessado, devemos ter em mente que ele
está discutindo uma gama mais ampla de fenômenos do que essa tradução poderia
nos levar a esperar, pois os gregos usam o termo philía para designar a relação
que existe entre os membros da família, e não a reservam para relações voluntárias.
Embora Aristóteles esteja interessado em classificar as diferentes formas que a
amizade assume, o seu tema principal nos Livros VIII e IX é mostrar a estreita
relação entre a atividade virtuosa e amizade. Ele recupera sua concepção da
83

felicidade como atividade virtuosa, mostrando quão satisfatórias são as relações


que uma pessoa virtuosa pode normalmente esperar ter.
Sua taxonomia começa com a premissa de que existem três razões principais
para que uma pessoa possa gostar da outra. (O verbo philein, que é cognato ao
substantivo philía, pode por vezes ser traduzido por “gostar” ou mesmo “amar” –
embora, em outros casos, a philía envolva muito pouco da maneira de sentir). Pode­
se gostar de alguém porque ele é bom, porque é útil ou porque é agradável. E assim
há três bases para amizades, dependendo de qual dessas qualidades liga os amigos.
Quando dois indivíduos reconhecem que a outra pessoa é alguém de bom caráter e
passam um tempo um com o outro, envolvidos em atividades que exercem as suas
virtudes, então eles formam um tipo de amizade. Se forem igualmente virtuosos, a
amizade é perfeita. Se, no entanto, houver uma grande lacuna no seu desenvolvimento
moral (como entre um pai e um filho pequeno, ou entre um marido e uma esposa),
então, embora a sua relação possa basear­se no caráter bom da outra pessoa, será
imperfeita precisamente por causa da sua desigualdade.
As amizades imperfeitas em que Aristóteles se concentra, contudo, não
são as relações desiguais baseadas no bom caráter. Pelo contrário, são relações
mantidas juntas porque cada indivíduo considera o outro como a fonte de alguma
vantagem para si próprio ou algum prazer que recebe. Quando Aristóteles chama
estas relações “imperfeitas”, está tacitamente baseando­se em suposições amplamente
aceitas sobre o que torna uma relação satisfatória. Estas amizades são defeituosas
e têm uma menor pretensão de serem chamadas “amizades”, porque os indivíduos
envolvidos têm pouca confiança um no outro, discutem frequentemente e estão
dispostos a romper abruptamente a sua associação. Aristóteles não quer sugerir
que relações desiguais baseadas no conhecimento mútuo do bom caráter são
defeituosas desta mesma forma. Pelo contrário, quando ele diz que relações
desiguais baseadas no caráter são imperfeitas, o seu argumento é que as pessoas
são amigas no sentido mais pleno quando passam alegremente seus dias juntas
em atividades partilhadas, e esta interação próxima e constante está menos disponível
àqueles que não são iguais no seu desenvolvimento moral.
Quando Aristóteles começa sua discussão sobre amizade, introduz uma
noção que é central para sua compreensão desse fenômeno: um amigo genuíno é
alguém que ama ou gosta de outra pessoa pelo bem dessa outra pessoa. Querer
o que é bom para o bem de outra pessoa, ele chama de boa vontade (eúnoia), e a
amizade é boa vontade recíproca, desde que cada um reconheça a presença desta
atitude no outro. Será que tal boa vontade existe nos três tipos de amizade ou está
84

confinada a relações baseadas na virtude? No início, Aristóteles deixa em aberto


a primeira destas duas possibilidades. Ele diz: “é necessário que os amigos tenham
boa vontade um com o outro e desejem coisas boas para o outro, sem que isso
lhes escape por uma das razões mencionadas” (1156a 4­5). As razões mencionadas
são bondade, prazer e vantagem; e assim parece que Aristóteles está a deixar um
espaço para a ideia de que em todos os três tipos de amizades, mesmo aquelas
baseadas na vantagem e no prazer, os indivíduos desejam o bem um do outro pelo
bem do outro.
Mas na verdade, como Aristóteles continua a desenvolver sua taxonomia,
ele não opta por explorar esta possibilidade. Fala como se fosse apenas em amizades
baseadas no caráter que se encontra o desejo de favorecer outra pessoa, em virtude
dela mesma. “Aqueles que desejam coisas boas aos seus amigos para o bem
destes últimos são sobretudo amigos, porque o fazem por causa dos seus próprios
amigos e não por coincidência” (1156b 9­11). Quando alguém beneficia outrem não
pelo tipo de pessoa que esta é, mas apenas pelas vantagens para si próprio, então,
diz Aristóteles, o primeiro não é amigo em relação à segunda pessoa, mas apenas
em relação à vantagem que obtém (1157a 15­16).
Em declarações como essas, Aristóteles se aproxima bastante de dizer
que as relações baseadas no benefício ou no prazer não devem de modo algum
ser chamadas de amizades. Mas ele decide manter­se próximo da linguagem comum
e usar o termo “amigo” de forma livre. As amizades baseadas no caráter são aquelas
em que cada pessoa beneficia a outra pelo bem da outra; e estas são amizades
acima de tudo. Porque cada parte beneficia a outra, é vantajoso formar tais amizades.
E uma vez que cada um goza da confiança e companheirismo da outra, há também
um prazer considerável nestas relações. Como estas amizades perfeitas produzem
vantagens e prazeres para cada uma das partes, há alguma base para alinhar com
o uso comum e chamar amizade a qualquer relação estabelecida em nome de
apenas um destes bens. As amizades baseadas apenas na vantagem ou apenas
no prazer merecem ser chamadas de amizades, pois em amizades de pleno direito
estas duas propriedades, vantagens e prazer, estão presentes. É marcante que na
Ética, Aristóteles nunca pensa em dizer que o fator de união em todas as amizades
seria o desejo que cada amigo tem para o bem do outro.
Aristóteles não levanta questões sobre o que é desejar o bem em favor
de outra pessoa. Ele trata isto como um fenômeno facilmente compreensível, e não
tem dúvidas sobre a sua existência. Mas também é claro que ele considera este
motivo como compatível com o amor de uma pessoa por seu próprio bem e com o
85

desejo por sua própria felicidade. Alguém que tenha sabedoria prática reconhecerá
que precisa de amigos e de outros recursos para exercer suas virtudes durante um
longo período. Quando fizer amigos e beneficiar os amigos que houver feito, estará
ciente do fato de que tal relação é boa para ele. No entanto, ter um amigo é querer
beneficiar alguém em função do bem desta outra pessoa; isto não é uma estratégia
meramente egoísta. Aristóteles não vê aqui qualquer dificuldade, e com razão. Pois
não há razão para que atos de amizade não devam ser realizados em parte para
o bem do próprio amigo e em parte para o bem do próprio agente. Agir para o bem
de outro não exige, por si só, auto sacrifício. Exige cuidado com alguém para além
de si próprio, mas não exige alguma perda de cuidado para consigo mesmo. Pois
quando sabemos como beneficiar um amigo por causa dele, exercemos as virtudes
éticas, e é precisamente nisto que consiste a nossa felicidade.
Aristóteles deixa claro que o número de pessoas com quem se pode manter
o tipo de relação a que se chama uma amizade perfeita é bastante reduzido (IX.10).
Mesmo que se vivesse numa cidade povoada inteiramente por cidadãos perfeitamente
virtuosos, o número com quem se poderia manter uma amizade do tipo perfeita
seria, no máximo, um punhado de pessoas. Pois ele pensa que este tipo de amizade
só pode existir quando se passa muito tempo com a outra pessoa, participando de
atividades conjuntas e envolvendo­se em comportamentos mutuamente benéficos;
e não se pode cooperar nestes termos próximos com todos os membros da
comunidade política. Pode­se perguntar por que é este tipo de amizade íntima é
necessária para a felicidade. Se vivesse numa comunidade cheia de boas pessoas
e cooperasse ocasionalmente com cada uma delas, num espírito de boa vontade
e admiração, será que isso não proporcionaria espaço suficiente para uma atividade
virtuosa e uma vida bem vivida? É certo que os amigos próximos estão frequentemente
em melhor posição para beneficiarem um ao outro do que os cidadãos, que geralmente
têm pouco conhecimento das circunstâncias individuais de cada um. Mas isto só
mostra que é vantajoso estar no lado receptor da ajuda de um amigo. A questão
mais importante para Aristóteles é porque é necessário estar no fim da relação de
dar. E, obviamente, a resposta não pode ser que se precisa dar para receber; isso
transformaria o amor ativo pelo amigo num mero meio para os benefícios recebidos.
Aristóteles tenta responder a esta pergunta em IX.11, mas o seu tratamento
é decepcionante. O seu argumento mais completo depende crucialmente da noção
de que um amigo é “outro eu”, alguém, em outras palavras, com que se tem uma
relação muito semelhante à relação que se tem consigo próprio. Uma pessoa
virtuosa ama o reconhecimento de si própria como virtuosa; ter um amigo próximo
86

é possuir outra pessoa para além de si própria, cuja virtude se pode reconhecer
em ambientes extremamente próximos; e assim, deve ser desejável ter alguém
muito semelhante a si própria cuja atividade virtuosa se pode perceber. O argumento
é pouco convincente porque não explica por que a percepção da atividade virtuosa
nos cidadãos não seria um substituto adequado para a percepção da virtude nos
próprios amigos.
Aristóteles estaria em bases mais fortes se pudesse mostrar que, na
ausência de amigos próximos, tem­se uma severa restrição quanto aos tipos de
atividades virtuosas que se poderia empreender. Mas ele não pode apresentar tal
argumento, pois não acredita nisso. Ele diz que é “mais fino e mais divino” trazer o
bem­estar de uma cidade inteira do que sustentar a felicidade de apenas uma
pessoa (1094b 7­10). Recusa­se a considerar a vida privada, o reino do lar e o
pequeno círculo de amigos, como o melhor ou mais favorável local para o exercício
da virtude. Está convencido de que a perda desta esfera privada prejudicaria
grandemente uma vida bem vivida, mas é difícil de explicar por quê. Ele poderia
ter feito melhor para se concentrar nos benefícios de ser objeto da solicitude de um
amigo íntimo. Tal como a propriedade é mal cuidada quando é propriedade de todos,
e tal como uma criança seria mal cuidada se não recebesse cuidados parentais
especiais, pontos que Aristóteles faz na Política (II.2­5), também na ausência de
amizade perderíamos um benefício que não poderia ser substituído pelos cuidados
da comunidade maior. Mas Aristóteles não está à procura de uma defesa deste tipo,
porque concebe a amizade como sendo principalmente uma atividade e não uma
receptividade. É difícil, dentro da sua estrutura, mostrar que a atividade virtuosa
para com um amigo é um bem de importância única.
Uma vez que Aristóteles pensa que a busca da própria felicidade, devidamente
compreendida, requer uma atividade eticamente virtuosa e será, portanto, de grande
valor não só para os amigos, mas também para a comunidade política em geral, ele
argumenta que o amor­próprio é uma emoção inteiramente adequada – desde que se
exprima no amor à virtude (IX.8). O amor­próprio é justamente condenado quando
consiste na busca de uma parte tão grande dos bens externos – especialmente riqueza
e poder – quanto se pode adquirir, porque esse amor­próprio inevitavelmente leva a um
conflito com os outros e mina a estabilidade da comunidade política. Pode ser tentador
moldar a defesa do amor­próprio de Aristóteles em termos modernos, chamando­o de
egoísta, e “egoísmo” é um termo suficientemente amplo para que, devidamente definido,
possa se adequar à perspectiva ética de Aristóteles. Se o egoísmo é a tese de que se
agirá sempre corretamente se se consultar o próprio interesse, devidamente entendido,
87

então nada estaria errado em identificá­lo como um egoísta.


Mas egoísmo, por vezes, é entendido num sentido mais forte. Tal como o
consequencialismo é a tese de que se deve maximizar o bem geral, qualquer que
seja o bem, assim o egoísmo pode ser definido como a tese paralela de que se
deve maximizar o próprio bem, qualquer que seja o bem.
O egoísmo, por outras palavras, pode ser tratado como uma tese puramente
formal: defende que, quer o bem seja o prazer, a virtude ou a satisfação dos desejos,
não se deve tentar maximizar a quantidade de bem no mundo, mas apenas o próprio
bem. Quando o egoísmo assume esta forma abstrata, é uma expressão da ideia
de que as reivindicações dos outros nunca merecem ser atendidas, a menos que
de uma forma ou de outra, o seu bem possa ser demonstrado para servir o seu
próprio bem.
A única razão subestimada para a ação é o interesse próprio; que um ato
ajuda outro não constitui por si só uma razão para o realizar, a menos que se possa
fazer alguma ligação entre o bem desse e o seu próprio bem.
Não há razão para atribuir esta forma extrema de egoísmo a Aristóteles.
Pelo contrário, sua defesa do amor­próprio deixa claro que ele não está disposto a
defender a ideia vazia de que se deve amar a si próprio sozinho ou acima de outros;
ele defende o amor­próprio somente quando esta emoção está ligada à teoria correta
de onde reside o bem de alguém, pois só assim pode mostrar que o amor­próprio
não precisa ser uma paixão destrutiva. Ele toma como certo que o amor­próprio é
devidamente condenado sempre que se pode demonstrar que é prejudicial para a
comunidade. Só é louvável se for possível demonstrar que quem expressa tal amor­
próprio será um cidadão admirável. Ao fazer esta suposição, Aristóteles revela que
pensa que as reivindicações de outros membros da comunidade a um tratamento
adequado são intrinsecamente válidas. Isto é precisamente o que uma forte forma
de egoísmo não pode aceitar.
Devemos também ter em mente a declaração de Aristóteles na Política de
que a comunidade política é anterior ao cidadão individual – tal como todo o corpo
é anterior a qualquer uma de suas partes (1253a 18­29). Aristóteles faz uso desta
alegação quando propõe que na comunidade ideal cada criança deve receber a
mesma educação, e que a responsabilidade de proporcionar tal educação deve ser
retirada das mãos de particulares e fazer uma questão de interesse comum (1337a
21­7). Nenhum cidadão, diz ele, pertence a si próprio; todos pertencem à cidade
(13337a 28­9). O que ele quer dizer é que quando se trata de assuntos como a
educação, que afetam o bem de todos, cada indivíduo deve ser guiado pelas
88

decisões coletivas de toda a comunidade. Um cidadão individual não pertence a si


próprio, no sentido de que ele não está em condições de ele sozinho determinar
como deve agir; ele deve subordinar a seu poder de tomada de decisões para
aqueles de todos. A forte forma de egoísmo que temos discutido não pode aceitar
a doutrina de Aristóteles sobre a prioridade da cidade para o indivíduo. Diz ao
indivíduo que o bem de outros não têm, por si só, nenhuma reivindicação válida
sobre ele, mas que ele deve servir outros membros da comunidade apenas na
medida em que ele possa ligar os seus interesses aos seus próprios. Uma tal
doutrina não deixa espaço para o pensamento de que o cidadão individual não
pertence a si próprio, mas ao todo.

10. Três vidas comparadas

No Livro I, Aristóteles diz que três espécies de vidas são consideradas


atraentes: uma é dedicada ao prazer, a segunda à política, e a terceira ao conhecimento
e compreensão (1095b 17­19). Em X.6­9 ele retorna a estas três alternativas e
explora­as mais completamente do que no Livro I. A vida do prazer é entendida no
Livro I como uma vida dedicada ao prazer físico e é rapidamente descartada devido
sua vulgaridade. Em X.6, Aristóteles reconhece que os prazeres físicos, e de forma
mais geral, as diversões de todos os tipos, são desejáveis em si mesmos, e por
isso têm alguma pretensão de ser nosso fim último. Mas suas discussões sobre
felicidade no Livro X não começam do zero; ele as constrói sobre a sua tese de que
esse prazer não pode ser nosso alvo final, porque o que conta como agradável
deve ser julgado por algum outro padrão distinto do próprio prazer – a saber, o
julgamento da pessoa virtuosa. As diversões não faltarão a uma vida feliz, uma vez
que todos precisam de relaxamento, e as diversões preenchem essa necessidade.
Mas esse é um papel subordinado, uma vez que procuramos relaxar a fim de
regressar a atividades mais importantes.
Aristóteles volta­se, portanto, em X.7­8, para as duas alternativas restantes
– política e filosofia – e apresenta uma série de argumentos para mostrar que a
vida filosófica, uma vida dedicada à teoria (contemplação, estudo), é a melhor.
Theōría não é o processo de aprendizagem que leva à compreensão; tal processo
não é um candidato ao nosso fim último, pois é realizado em prol de um outro
objetivo. O que Aristóteles tem em mente quando fala de theōría é a atividade de
alguém que já alcançou a sabedoria teórica. A vida mais feliz é vivida por alguém
89

que tem uma compreensão completa de princípios causais básicos que regem o
funcionamento do universo, e que tem os recursos necessários para viver uma vida
dedicada ao exercício dessa compreensão. Evidentemente Aristóteles acredita que
a sua própria vida e a dos seus amigos filosóficos era a melhor disponível para um
ser humano. Ele compara essa vida com a de um deus: deus pensa sem interrupção
e infinitamente, e um filósofo goza de algo semelhante por um período de tempo limitado.
Pode parecer estranho que depois de dedicar tanta atenção às virtudes
práticas, Aristóteles deva concluir o seu tratado com a tese de que a melhor atividade
da melhor vida não é a ética. De fato, alguns estudiosos têm sustentado que X.7­
8 está profundamente em desacordo com o resto da Ética; eles consideram que
Aristóteles está dizendo que devemos estar preparados para agir de forma pouco
ética, se necessário, a fim de nos dedicarmos à contemplação tanto quanto possível.
Mas é difícil acreditar que ele pretendesse desdizer­se tão abruptamente, e há
muitas indicações de que ele pretende que os argumentos de X.7­8 sejam uma
continuação dos temas que ele enfatiza durante todo o resto da Ética. A melhor
maneira de o compreender é assumir que se necessitará das virtudes éticas para
viver a vida de um filósofo, ainda que o exercício dessas virtudes não seja o fim
último do filósofo. Para estar adequadamente equipada para viver uma vida de
pensamento e discussão, a pessoa precisará de sabedoria prática, temperança,
justiça e de outras virtudes morais. Dizer que há algo melhor até do que a atividade
ética, e que a atividade ética promove este objetivo superior, é inteiramente compatível
com todo o resto que encontramos na Ética.
Embora o principal objetivo de Aristóteles em X.7­8 seja mostrar a
superioridade da filosofia em relação à política, ele não nega que uma vida política
é feliz. A felicidade perfeita, diz ele, consiste na contemplação; mas ele indica que
a vida dedicada ao pensamento prático e à virtude ética é feliz de uma forma
secundária. Ele pensa nesta segunda melhor vida como a de um líder político,
porque ele assume que a pessoa que mais exerce plenamente qualidades tais como
justiça e grandeza de alma é o homem que tem os grandes recursos necessários
para promover o bem comum da cidade. A vida política tem um grande defeito,
apesar do fato de que consiste em exercer as virtudes éticas, porque é uma vida
desprovida de compreensão e atividade filosófica. Se alguém combinasse ambas
as carreiras praticando a política em determinados momentos e empenhado em
discussões filosóficas em outros momentos (como fazem os reis filósofos de Platão),
levaria uma vida melhor do que a do político de Aristóteles, mas pior do que a do
filósofo de Aristóteles.
90

Mas a sua queixa sobre a vida política não é simplesmente o fato de ser
desprovida de atividade filosófica. Os pontos que ele faz contra ela revelam os
inconvenientes inerentes à atividade ética e política. Talvez o mais revelador destes
defeitos é que a vida do líder político é num certo sentido sem lazer [unleisurely]
(1177b 4­15). O que Aristóteles tem em mente quando faz esta queixa é que as
atividades éticas são remediais: são necessárias quando algo correu mal ou corre
esse risco. A coragem, por exemplo, é exercida na guerra e a guerra soluciona um
mal; isto não é algo que se deva desejar. Aristóteles implica que todas as outras
atividades políticas têm a mesma característica, embora talvez em menor grau.
Justiça corretiva lhe forneceria mais provas para a sua tese – mas e que tal a justiça
na distribuição de bens? Talvez Aristóteles responda que nas comunidades políticas
existentes, uma pessoa virtuosa deve acomodar­se ao método menor mal [least
bad] de distribuição, porque, sendo a natureza humana o que ela é, uma certa
quantidade de injustiça deve ser tolerada. Assim como a pessoa corajosa não pode
ser completamente satisfeita com a sua ação corajosa, não importa quanto autodomínio
demonstre, porque ele é um amante da paz e não um assassino, também a pessoa
justa que vive no mundo real deve experimentar algum grau de insatisfação com
as suas tentativas de dar a cada pessoa o que lhe é devido. Os prazeres de exercer
as virtudes éticas são, em circunstâncias normais, misturados com dor. O prazer
puro só está disponível quando nos removemos a nós mesmos deste mundo
demasiado humano e contemplamos a ordem racional do cosmos. Nenhuma vida
humana pode consistir unicamente nestes prazeres puros; e, em certas circunstâncias,
se pode dever à comunidade a renúncia a uma vida filosófica e a dedicação ao bem
da cidade. Mas os paradigmas da felicidade humana são aquelas pessoas que são
sortudas o suficiente para dedicar muito de seu tempo ao estudo de um mundo
mais ordenado do que o mundo humano que habitamos.
Embora Aristóteles argumente em favor da superioridade da vida filosófica
X. 7­8, ele diz em X.9, o capítulo final da Ética, que seu projeto não está completo
ainda, porque podemos fazer os seres humanos virtuosos ou bons, mesmo que em
algum pequeno grau, somente se empreendermos um estudo da arte da legislação.
A seção final da Ética é, portanto, concebida como um prolegômenos para os escritos
políticos de Aristóteles. Devemos investigar quais tipos de sistemas políticos exibidos
pelas cidades­estados gregas existentes, as forças que destroem ou as preservam,
e o melhor tipo de ordem política. Embora o estudo da virtude que Aristóteles acaba
de concluir seja útil para todos os seres humanos que foram bem­educados ­ mesmo
aqueles que não têm a intenção de seguir uma carreira política ­ também é projetado
91

para servir a um propósito maior. Seres humanos não podem realizar a felicidade
ou mesmo algo próximo a ela, a menos que vivam suas vidas em comunidade que
fomentem bons hábitos e forneçam os bens básicos para uma vida bem vivida.
O estudo do bem humano nos leva, portanto, a duas conclusões: a melhor
vida não se encontra na prática política. Mas o bem­estar de comunidades inteiras
depende da disposição de alguns de levar a segunda melhor vida – uma vida
dedicada ao estudo e à prática da arte da política e à expressão daquelas qualidades
de pensamento e paixão em que se exibe o racional domínio de si mesmo.

Leituras Adicionais

A. Visão geral de autoria única

BROADIE, 1991; BOSTOCK, 2000; BURGER, 2008; GAUTHIER; JOLIF, 1958–


59; HARDIE, 1980; PAKALUK, 2005; PRICE, 2011; REEVE, 2012A; URMSON,
1987.

B. Antologias

ANTON; PREUS (ed.), 1991; BARNES, SCHOFIELD, SORABJI (ed.),


1977; BARTLETT; COLLINS (ed.), 1999; ENGSTROM; WHITING (ed.), 1996;
HEINAMAN (ed.), 1995; KRAUT (ed.), 2006b; MILLER (ed.), 2011; NATALI (ed.),
2009; PAKALUK; PEARSON (ed.), 2010; POLANSKY (ed.), 2014; ROCHE (ed.),
1988c; RORTY (ed.), 1980; SHERMAN (ed.), 1999; SIM (ed.), 1995.

C. Estudos de Tópicos particulares

C1. A Ordem Cronológica dos Tratados de Ética de Aristóteles

KENNY, 1978, 1979, 1992; ROWE, 1971.


92

C.2. A Metodologia e Metafísica da Teoria Ética

BARNES, 1980; J.M. COOPER, 1999 (cap. 12); FREDE, 2012; HEINAMAN
(ed.), 1995; IRWIN, 1988b; KARBOWSKI, 2014b, 2015a, 2015b; KONTOS, 2011;
KRAUT, 1998; MCDOWELL, 1995; NUSSBAUM, 1985, 1986 (cap. 8­9); REEVE,
1992 (cap. 1), 2012b; ROCHE, 1988b, 1992; SCOTT, 2015; SEGVIC, 2002; SHIELDS,
2012a; ZINGANO, 2007b.

C.3. O Bem Humano e a Função Humana

ANNAS, 1993 (cap. 18); BARNEY, 2008; BROADIE, 2005, 2007a; CHARLES,
1999; CLARK, 1975 (14­27, 145­163); J.M. COOPER, 1986 (cap. 1, 3), 1999 (cap.
9, 13); CURZER, 1991; GADAMER, 1986; GERSON, 2004; GOMEZLOBO, 1989;
HEINAMAN, 2002, 2007; IRWIN, 2012; KEYT, 1978; KORSGAARD, 1986a, 1986b;
KRAUT, 1979a, 1979b, 1989, 2002 (cap. 3); LAWRENCE, 1993, 1997, 2001; G.R.
LEAR, 2000; J. LEAR, 2000; MACDONALD, 1989; NATALI, 2010; NUSSBAUM,
1986 (cap. 11, 12); PURINTON, 1998; REEVE, 1992 (cap. 3, 4); ROCHE, 1988a;
SANTAS, 2001 (cap. 6­7); SCOTT, 1999, 2000; SEGVIC, 2004; SUITS, 1974; VAN
CLEEMPUT, 2006; WEDIN, 1981; N. WHITE, 2002, 2006; S. WHITE, 1992; WHITING,
1986, 1988; WIELENBERG, 2004; WILLIAMS, 1985 (cap. 3).

C.4. A Natureza da Virtude e a Descrição das Virtudes Particulares

BRICKHOUSE, 2003; BROWN,1997; BRUNSCHWIG,1996; CLARK,1975


(84­97); COOPER,N. 1989; CURZER,1990, 1995, 1996, 1997, 2005, 2012; DI
MUZIO, 2000; GARDINER, 2001; GOTTLIEB,1991, 1994a, 1994b, 1996, 2009;
HALPER, 1999; HARDIEM ,1978; HURSTHOUSE, 1988; HUTCHINSON, 1986;
IRWIN, 1988a; KRAUT, 2002 (cap. 4), 2012, 2013; LEUNISSEN, 2012, 2013, 2017;
LORENZ, 2009; MCKERLIE, 2001; PAKALUK, 2004; PEARSON, 2006, 2007;
PETERSON, 1988; RUSSELL, 2012a; SANTAS, 2001 (cap. 8); SCALTSAS, 1995;
SCHÜTRUMPF, 1989; SHERMAN, 1989, 1997; SIM, 2007; TAYLOR, 2004; TELFER,
1989­90; TUOZZO, 1995; WHITING, 1996; YOUNG, 1988; YU, 2007.
93

C.5. Raciocínio Prático, Psicologia Moral e Ação

BROADIE, 1998; CHARLES, 1984, 2007; COOPE, 2012; J. COOPER,


1986 (cap. 1), 1999 (cap. 10, 11, 19); DAHL, 1984; DESTRÉE, 2007; ENGBERG­
PEDERSEN, 1983; FORTENBAUGH, 1975; GRÖNGROSS, 2007; HURSTHOUSE,
1984; KRAUT, 2006a; LORENZ ,2006; MCDOWELL, 1996a, 1996b, 1998; MCKERLIE,
1998; MEYER, 1993; MILO ,1966; MOSS, 2011, 2012; NATALI (ed.), 2009;
NUSSBAUM, 1986 (cap. 10); OLFERT, 2017; PAKALUK; PEARSON (ed.), 2010;
PICKAVÉ; WHITING, 2008; POLITIS, 1998; REEVE, 1992 (cap. 2), 2013; SEGVIC,
2009a; SHERMAN, 2000; TAYLOR, 2003b; WALSH, 1963; ZINGANO, 2007a.

C.6. Prazer

GOSLING; TAYLOR, 1982 (cap. 11­17); GOTTLIEB, 1993; NATALI (ed.),


2009; OWEN, 1971; PEARSON, 2012; RORTY, 1974; TAYLOR, 2003a, 2003b;
URMSON, 1967; WARREN, 2009; WOLFSDORF, 2013 (cap. 6).

C.7. Amizade

ANNAS, 1977, 1993 (cap. 12); BREWER, 2005; J.M. COOPER, 1999 (cap.
14, 15); HITZ, 2011; KAHN, 1981; MILGRAM, 1987; NEHAMAS, 2010; PAKALUK,
1998; PANGLE, 2003; PRICE, 1989 (cap. 4 7); ROGERS, 1994; SCHOLLMEIER,
1994; SHERMAN, 1987; STERN­GILLET, 1995; WALKER, 2014; WHITING, 1991.

C.8. Feminismo e Aristóteles

FREELAND,1998; KARBOWSKI, 2014a; MODRAK ,1994; WARD (ed.), 1996.


94

C.9. Aristóteles e a Ética Contemporânea

BROADIE, 2006; CHAPPELL (ed.), 2006; GARVER, 2006; GILL (ed.),


2005; LEBAR, 2013; MACINTYRE, 1999; PETERS, 2014; RUSSELL, 2012b; STOHR,
2003, 2009; WIGGINS, 2009.

D. Bibliografia

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in Ancient Philosophy, 2007b, 32 (Summer), p. 297­330.
Caráter Moral*

Autoria: Marcia Homiak


Tradução: Bruno Aislã Gonçalves dos Santos
Revisão: Sagid Salles

Questões sobre caráter moral têm, recentemente, ocupado um papel central


nas discussões filosóficas. Parte da explicação para esse desenvolvimento pode
ser traçado até a publicação, em 1958, do seminal artigo de G. E. M. Anscombe,
Modern Moral Philosophy. Nesse artigo, Anscombe argumentou que o kantismo e
o utilitarismo, as duas maiores tradições da filosofia moral ocidental, erroneamente
colocam a fundamentação da moralidade em noções legalistas tais como dever e
obrigação. Anscombe argumentou que, para fazer ética de forma apropriada,
devemos começar com o que é para um ser humano viver bem ou florescer. Isso
significa retornar a algumas questões que importavam profundamente aos moralistas
gregos antigos. Estas questões se focaram na natureza da “virtude” (ou o que nós

* HOMIAK, M. Moral Character. In: ZALTA, E. N. (ed.). Stanford Encyclopedia of


Philosophy. Summer Edition. Stanford, CA: The Metaphysics Research Lab, 2019.
Disponível em: https://plato.stanford.edu/archives/sum2019/entries/moral­character/.
Acesso em: 12 mai. 2022.

The following is the translation of the entry on “Moral Character” by Marcia Homiak in the
Stanford Encyclopedia of Philosophy. The translation follows the version of the entry in the
SEP’s archives at https://plato.stanford.edu/archives/sum2019/entries/moral­character/>.
This translated version may differ from the current version of the entry, which may have
been updated since the time of this translation. The current version is located https://
plato.stanford.edu/archives/sum2019/entries/moral­character/>.We’d like to thank the
Editors of the Stanford Encyclopedia of Philosophy, mainly Prof. Dr. Edward Zalta, for
granting permission to translate and to publish this entry.
110

podemos pensar como um caráter moral admirável), ou em como alguém se torna


virtuoso (será a virtude ensinada? Será que surge naturalmente? Nós somos
responsáveis pelo seu desenvolvimento?), e em quais relacionamentos e instituições
podem ser necessários para tornar possível que alguém se torne virtuoso. As
respostas a estas questões antigas emergem hoje em várias áreas da filosofia,
incluindo ética (especialmente, ética das virtudes), éticas feministas, filosofia política,
filosofia da educação e filosofia da literatura. O interesse nas virtudes e caráter foi
também, indiretamente, o resultado de uma guinada mais prática em Filosofia
Política, inspirada pela publicação de Uma Teoria da Justiça, de John Rawls, em
1971. Especialmente na Parte III, de Uma Teoria da Justiça, Rawls forneceu uma
imagem de como os indivíduos podem ser educados em um estado justo de modo
a desenvolverem a esperada virtude de bons cidadãos. Embora seu interesse não
estivesse na educação moral per se, sua discussão de como os indivíduos adquirem
um senso de justiça e de como eles desenvolvem o que ele chamou de autorrespeito
estimulou outros filósofos a explorar as fundações psicológicas da virtude e as
contribuições feitas pela amizade, família, comunidade e trabalho significativo para
um caráter moral bom.
Este verbete fornece uma breve descrição histórica de alguns importantes
desenvolvimentos em enfoques filosóficos do caráter moral bom. Aproximadamente
metade deste verbete é sobre os moralistas gregos Sócrates, Platão, Aristóteles e
os Estoicos. Dentre esses, maior atenção é dada à visão de Aristóteles, dado que
a maior parte das outras discussões filosóficas sobre caráter está em débito com
sua análise. A última metade do verbete explora como outros filósofos têm respondido
às preocupações primeiro levantadas pelos gregos. Alguns filósofos, tais como
Hugo Grotius e Immanuel Kant, representam o enfoque “moderno” sobre caráter,
que o subordina a outras noções morais tais como dever e obediência a lei. Outros
filósofos, tais como David Hume, Karl Marx, John Stuart Mill e T.H. Green têm um
interesse em psicologia do caráter moral que é mais reminiscente dos gregos.
Finalmente, este verbete indica as direções tomadas por alguns filósofos contemporâneos
em trabalhos recentes que são sobre o caráter moral ou relacionados ao caráter moral.
111

1. Terminologia

A palavra inglesa “caráter” é derivada do grego kharaktḗr4 , que foi


orginalmente usada para falar de uma marca impressa sobre uma moeda. Depois,
e de forma mais geral, caráter veio a significar uma marca distintiva pela qual
alguma coisa era distinguida das outras e, em seguida, passou a significar
primariamente o conjunto de qualidades que distingue um indivíduo de outro. No
uso moderno, esta ênfase sobre a distintividade ou individualidade tende fundir
“caráter” com “personalidade”. Por exemplo, quando pensamos nos maneirismos
idiossincráticos de um indivíduo, gestos sociais ou hábitos de vestimenta, podemos
dizer que “ele tem personalidade” ou que “ele é uma figura5 ”.
Como a Introdução acima sugeriu, o uso filosófico da palavra “caráter” tem
uma história linguística diferente. No início do Livro II de Ética a Nicômaco, Aristóteles
nos diz que há dois diferentes tipos de excelência humana, a excelência de pensamento
e a de caráter. Sua expressão para excelências de caráter ­ ethikaí aretaí – nós
traduzimos, usualmente, como “virtude(s) moral(is)” ou “excelência(s) moral(is)”.
O grego ethikós (ético) é o adjetivo cognato de ḗthos (caráter). Quando
falamos de uma virtude moral ou uma excelência de caráter a ênfase não é uma
sobre uma mera distintividade ou individualidade, mas sobre a combinação de
qualidades que fazem um indivíduo o tipo de pessoa eticamente admirável que ele é.
Este verbete discutirá “caráter moral” no sentido grego de posse ou falta
de virtude moral. Quando falta virtude a alguém, ela pode ter qualquer vício moral
grave ou pode ser caracterizada por uma condição em algum ponto entre a virtude
e o vício, tais como a continência ou incontinência

4 N.E.: As transliterações da língua grega clássica foram realizadas conforme a nota


Normas para a transliteração de termos e textos em grego antigo, proposta por Ana Lia do
Amaral de Almeida Prado, na Revista Clássica, ed. 19, vol. 2, de 2006. Disponível em:
https://revista.classica.org.br/classica/article/view/123/113. Acesso em: 10 mai. 2022.
5 N. T.: A expressão em inglês original é “he’s quite a character” o que é traduzido para

português como está no texto, não havendo em português uma expressão equivalente
que use a expressão “caráter”. Mas, a ideia é que alguém é distinto por possuir certos
traços e não outros .
112

2. Algumas visões gregas antigas

2.1. Porque o caráter importa

As visões do caráter moral defendidas por Sócrates, Platão, Aristóteles e


os estoicos são o ponto de partida para muitas outras discussões filosóficas acerca
do caráter. Embora estes moralistas antigos discordem sobre algumas questões
sobre as virtudes, faz sentido começar com alguns pontos de concordância. Estes
pontos de similaridade mostrarão porque os moralistas gregos pensavam que era
importante discutir o caráter.
Muitos dos diálogos de Platão (principalmente os primeiros, chamados
diálogos “socráticos”) examinam a natureza da virtude e o caráter do indivíduo
virtuoso. Eles frequentemente começam com Sócrates pedindo a seus interlocutores
que expliquem o que é uma virtude particular. Em resposta, os interlocutores
usualmente oferecem descrições comportamentais das virtudes. Por exemplo, no
início de Laques, de Platão, o personagem Laques sugere que a coragem consiste
em permanecer firme em batalha. No Cármides, Cármides sugere que a temperança
consiste em agir calmamente. Na República, Céfalos sugere que a justiça consiste
em restituir aquilo que foi emprestado. Em cada um destes casos, Platão faz com
que Sócrates responda da mesma maneira. Na República, Sócrates explica que
restituir o que alguém emprestou não pode ser o que é a justiça, porque há casos
onde restituir aquilo que foi emprestado seria insensato e que uma pessoa justa
reconheceria que é insensato. Se a pessoa de quem se emprestou uma espada
enlouquece, seria insensato para você devolver a espada, por você estar, então,
colocando você mesmo e outros em perigo. A implicação é que a pessoa justa pode
reconhecer quando é razoável devolver o que ela pegou emprestado. Similarmente,
como Sócrates explica em Laques, ficar firme em batalha não pode ser coragem,
porque algumas vezes ficar firme em batalha é simplesmente uma resistência tola
que coloca a si mesmo e outros em risco desnecessário. A pessoa corajosa pode
reconhecer quando é razoável permanecer firme na batalha e quando não é.
O problema que alguém encontra ao tentar dar uma explicação puramente
comportamental da virtude justifica o porquê de os moralistas gregos recorrerem
ao caráter para explicar o que é a virtude. Pode ser verdade que a maioria de nós
pode reconhecer que seria insensato arriscar nossas vidas e a de outros para
assegurar um benefício trivial, e a maioria de nós pode ver que é injusto causar
113

danos a outros para assegurar poder e riqueza para o nosso próprio conforto. Não
temos que ser virtuosos para reconhecer essas coisas. Mas os moralistas gregos
pensam que é necessário alguém de bom caráter moral para determinar com
regularidade e confiabilidade quais ações são apropriadas e razoáveis em situações
de medo e que é necessário alguém de bom caráter moral para determinar com
regularidade e confiabilidade como e quando garantir bens e recursos para si e
para outros. É por isso que Aristóteles afirma, na Ética a Nicômaco (II.9), que não
é fácil definir em regras quais ações merecem elogio e culpa moral, e que estas
questões requerem o julgamento de uma pessoa virtuosa.

2.2. Virtude e Felicidade

A maioria dos moralistas gregos pensam que, se somos racionais, objetivamos


viver bem (eu zēn) ou felizes (eudaimonía). Viver bem ou feliz é nosso fim último,
de modo que uma concepção de felicidade serve para organizar nossos vários fins
subordinados, indicando a importância relativa de nossos fins e como eles deveriam
se encaixar em um esquema racional mais geral. Assim, os estoicos identificam
felicidade com “viver coerentemente” (homologouménōs zēn) e Aristóteles diz que
a felicidade é “perfeita” ou “completa” (téleios) e algo distintivamente humano.
Quando estamos vivendo bem, nossas vidas são dignas de imitação e elogio. Pois,
segundo os moralistas gregos, o fato de que somos felizes diz algo sobre nós e
sobre o que realizamos, e não simplesmente sobre as circunstâncias afortunadas
nas quais nos encontramos. Então, eles argumentam que felicidade não pode
consistir simplesmente em “bens externos” ou “bens de boa sorte”, pois estes bens
são externos às nossas próprias escolhas e decisões. Seja o que for felicidade,
deve­se levar em conta que a vida feliz é vivida por agentes racionais que agem e
que não são simplesmente vítimas das circunstâncias em que se encontram.
Os moralistas gregos concluem que uma vida feliz deve dar um lugar
proeminente para o exercício da virtude, pois traços virtuosos de caráter são estáveis
e duradouros e não são produtos da sorte, mas de aprendizagem e cultivo. No
entanto, traços virtuosos de caráter são excelências dos seres humanos, na medida
em que são o melhor exercício da razão, que é a atividade característica dos seres
humanos. Dessa forma, os filósofos gregos afirmam, atividades virtuosas completam
ou aperfeiçoam a vida humana.
114

2.3. Algumas discordâncias entre os gregos sobre virtudes

Embora os filósofos gregos concordem que a felicidade requer virtude e


por isso que uma pessoa feliz deve ter traços de caráter virtuosos tais como sabedoria,
bravura, temperança e justiça, eles discordam sobre como entender tais traços.
Como explicado acima na seção 2.1, muito diálogos de Platão criticam a visão de
que virtudes são meramente tendências de agir de modos particulares. Bravura
requer mais que se levantar contra as ameaças a si e aos outros. Ela também requer
reconhecer quando levantar­se contra ameaças é razoável e apropriado, e requer
agir com base neste reconhecimento. Isso levou os moralistas gregos a concluir
que traços virtuosos de caráter possuem dois aspectos: (a) um aspecto comportamental
– realizar certos tipos particulares de ação e (b) um aspectos psicológicos – ter
motivos, objetivos, preocupações e perspectivas corretos. Os filósofos gregos
discordam, principalmente, sobre o que (b) envolve. Em particular, eles diferem
sobre o papel desempenhado nos traços virtuosos de caráter pelos estados cognitivos
(como o conhecimento e crenças), por um lado, e estados afetivos (por exemplo,
os desejos, os sentimentos e as emoções), por outro. Sócrates e os estoicos
argumentaram que somente estados cognitivos eram necessários para a virtudes,
enquanto Platão e Aristóteles argumentaram que tanto estados cognitivos como
estados afetivos eram necessários.

Sócrates (469­399 AEC)

No Protágoras, de Platão, Sócrates parece identificar felicidade com prazer


e explica as várias virtudes como meios instrumentais para o prazer. Desse ponto
de vista (depois revivido por Epicuro 341­271 AEC), ter um caráter virtuoso é
puramente uma questão de ser conhecedor do que nos traz mais prazer em vez
de menos. No Protágoras, Sócrates reconhece que a maioria das pessoas objeta
essa visão. Os “muitos” supõem que ter um caráter virtuoso requer mais que
conhecimento, porque o conhecimento de alguém não garante que ele agirá com
base neste conhecimento e realizar a ação virtuosa. Alguém pode ser dominado
pela raiva, medo, luxúria e outros desejos e agir contra o que ele acredita que trará
a ele mais prazer ao invés de menos. Ele pode ser, em outras palavras, incontinente
ou fraco de vontade. Sócrates responde que tais casos deveriam ser entendidos
diferentemente. Quando, por exemplo, embora possa parecer que uma pessoa que
115

abandona covardemente a batalha, ao invés de colocar sua vida em perigo, está


perseguindo a ação mais prazerosa, ela está de fato apenas ignorando o maior
prazer a ser alcançado entrando em batalha e agindo bravamente. Em outros termos,
incontinência não é possível, de acordo com Sócrates.

Platão (428­347 AEC)

A preocupação de “muitos” sobre a inadequação do conhecimento para garantir


ações virtuosas sugere que o caráter virtuoso inclui não somente um elemento cognitivo,
mas também algum elemento afetivo. Tanto Platão como Aristóteles argumentam que
o caráter virtuoso requer uma combinação distinta de elementos cognitivos e afetivos.
Na República, Platão divide a alma em três partes e confere a cada uma um tipo diferente
de desejo (racional, apetitivo ou irascível. Como tipos de desejos não­racionais, desejos
apetitivos e impulsivos podem conflitar com nossos desejos racionais sobre o que
contribui para nosso bem geral, e por vezes eles nos levarão a agir de maneira que
reconhecemos ser contra nosso maior bem. Quando isso acontece, somos incontinentes.
Para sermos virtuosos, então, devemos tanto entender o que contribui para nosso bem
geral como ter nossos desejos impulsivos e apetitivos educados apropriadamente, de
modo que os últimos concordem com o guia dado pela parte racional da alma. Platão
descreve a educação das partes não­racionais da alma nos Livros II e III da República.
Uma pessoa potencialmente virtuosa aprende, quando jovem, a amar e a obter prazer
das ações virtuosas, mas deve esperar até o mais tardar da vida para desenvolver o
entendimento que explica por que o que ela ama é bom. Uma vez que ele tenha aprendido
o que é bom, seu amor informado do bem explica por que ela age do modo que age, e
por que suas ações são virtuosas.

2.4. Aristóteles (384­322 AEC)

Aristóteles aceita a divisão da alma de Platão em duas partes básicas (racional


e não­racional) e concorda que ambas as partes contribuem para o caráter virtuoso.
De todos os moralistas gregos, Aristóteles fornece o relato psicologicamente mais
perspicaz do caráter virtuoso. Dado que muitos tratamentos filosóficos modernos do
caráter (vide Seções 3 e 4) estão em dívida com a análise de Aristóteles, é melhor
discutir sua posição com algum detalhe.
116

A definição de Aristóteles de caráter moral bom.

Aristóteles define caráter moral na Ética a Nicômaco (II.6, 1106b 36­1107a 3):

Portanto, a excelência [de caráter] é um estado que


diz respeito à escolha subjacente a um meio relativo
a nós, e que é determinado pela razão no modo em
que o homem dotado de sabedoria prática (phrónimos)
o estabeleceria. Ela é um meio entre dois vícios,
aquele que depende do excesso e aquele que depende
da falta.

Ao classificar uma excelência de caráter como um estado, Aristóteles quer


dizer que ele não é nem um sentimento, nem uma capacidade e nem uma mera
tendência a se comportar de certas maneiras. Ao invés disso, é a condição estabelecida
em que nós estamos quando estamos bem em relação aos sentimentos e ações.
Estamos bem em relação aos nosso sentimento e ações quando estamos em um
meio ou estado intermediário em relação a eles. Se, por outro um lado, temos um
caráter vicioso, estamos mal em relação aos sentimento e ações e falhamos em
atingir o meio em relação a eles.
Então, não é fácil atingir o meio. “Qualquer um pode ficar irritado – isso é
fácil – ou dar ou gastar dinheiro; mas, fazer isso para a pessoa correta, na medida
correta, no tempo correto, com o objetivo correto e da maneira correta, não é para
qualquer um, não é fácil”. É por isso que a bondade é louvável (epainetón) e excelente
(kalón) (EN., 1109a 26­30).

Virtude como meio­termo

Aristóteles enfatiza que o estado intermediário não é um intermediário


aritmético, mas algo relativo à situação. As diferentes virtudes particulares nos
ilustram o que Aristóteles quer dizer. Cada virtude se sobrepõe ou diz respeito a
sentimentos e ações específicos. A virtude de temperança ou bom temperamento,
por exemplo, diz respeito à raiva. Aristóteles pensa que uma pessoa temperante
tem o dever de sentir raiva de certas coisas (por exemplo, injustiça e outras formas
117

de maus tratos) e deve estar disposta a se levantar por si mesma e por aqueles
com quem se preocupa. Não fazer isso, na visão de Aristóteles, indica o caráter
moralmente deficiente da pessoa que não se irrita. Também seria inapropriado se
ofender e ficar furioso se não houvesse nada acerca do que valha a pena ficar
furioso. Esta resposta indicaria o caráter moralmente excessivo de uma pessoa
irascível. As reações de uma pessoa temperante são apropriadas à situação.
Algumas vezes, intensa fúria é apropriado, em outra vezes, é o desapego calmo.

A unidade psicológica da pessoa virtuosa e a falta de unidade das condições


não­virtuosas.

O fato de que as repostas emocionais de uma pessoa virtuosa são


apropriadas à situação indica que suas respostas emocionais estão em harmonia
com seu raciocínio correto acerca do que fazer. Aristóteles (EN., 1102b 28) diz que
a parte não­racional da alma de uma pessoa virtuosa “fala com a mesma
voz” (homophōneî) da parte racional. O fato de que a alma da pessoa virtuosa é
unificada e não atormentada por conflitos distingue o estado de ser virtuoso daquelas
várias condições não­virtuosas, tais como continência (enkráteia), incontinência
(akrasía) e vício (kakía) em geral.
Aristóteles parece pensar que, no fundo, qualquer pessoa não­virtuosa é
atormentada por dúvidas ou conflitos internos, mesmo que sob a superfície ela
pareça ser tão psicologicamente unificada quanto uma pessoa virtuosa. Embora
uma pessoa viciosa possa parecer firme em seu desdém por justiça e em sua busca
por bens materiais e poder, ela deve procurar a companhia de outros para esquecer
ou ignorar suas próprias ações. Aristóteles parecer ter esse ponto em mente quando
ele diz, em Ética a Nicômaco (IX.4), que pessoas viciosas estão em conflito consigo
mesmas e não se amam. Pessoas virtuosas, por outro lado, desfrutam de quem
são e tem prazer em agir virtuosamente.
Assim como o indivíduo moralmente vicioso, as pessoas continentes e
incontinentes estão internamente em conflito, mas elas são mais conscientes de
seus tormentos internos que uma pessoa moralmente viciosa. Continência é
essencialmente um tipo de autocontrole: a pessoa continente reconhece que ela
deve fazer e o faz, mas para fazer ela deve lutar contra um conjunto de sentimentos
recalcitrantes. A pessoa incontinente também sabe, de alguma maneira, o que deve
fazer, mas ela falha em fazê­lo por causa de sentimentos recalcitrantes.
118

A posição de Aristóteles sobre incontinência parece incorporar tanto


elementos socráticos como elementos platônicos. Lembre­se que Sócrates explicou
o comportamento aparentemente incontinente como o resultado da ignorância
acerca do que nos leva para o bem. Uma vez que, de acordo com ele, todos desejam
o bem e o objetivam em suas ações, ninguém iria escolher, intencionalmente, um
curso de ação que acredita produzir menos bem no geral. Por outro lado, Platão
argumentou que incontinência pode ocorrer quando desejos não racionais de uma
pessoa a levam a agir de maneira não endossada por seu desejo racional pelo
maior bem. Aristóteles parece concordar com Sócrates que o estado cognitivo da
pessoa incontinente é falho no momento do comportamento descomedido, mas ele
também concorda com Platão que os desejos não racionais de uma pessoa causam
a ação incontinente. Isso pode ser o que Aristóteles quer dizer quando ele escreve
que “a posição que Sócrates procurou estabelecer parece um resultado; pois não
é o que se pensa ser conhecimento propriamente dito que a paixão supera [...] mas
o conhecimento perceptivo” (EN., 1147b 14­17).

Educação moral e a função humana

Dado que Aristóteles pensa que a virtude é um estado unificado e de não


conflito, no qual as respostas emocionais e as avaliações racionais falam com a
mesma voz, ele pensa, assim como Platão, que a educação de nossas respostas
emocionais é crucial para o desenvolvimento do caráter moral. Se nossas respostas
emocionais são propriamente educadas, nós aprenderemos a ter prazer ou dor das
coisas corretas. Como Platão, Aristóteles pensa que podemos considerar os prazeres
e dores de uma pessoa como um sinal de seu estado de caráter.
Para explicar como são os prazeres das pessoas virtuosas, Aristóteles
retorna à ideia de que a virtude é um estado de excelência da pessoa. A Virtude é
o estado que faz um ser humano bom e faz com que ele desempenhe sua função
bem (EN., 1106a 15­24). Sua função (seu érgon ou atividade característica) é a
atividade racional, de modo que quando exercitamos bem os nossos poderes
racionais completamente desenvolvidos, quando realizamos nossa natureza como
seres racionais, nós somos seres humanos bons (virtuosos) e vivemos bem (somos
felizes) (EN., I.7).
De acordo com Aristóteles, seres humanos podem raciocinar de forma que
animais não­humanos não podem. Eles podem deliberar sobre o que fazer, sobre
119

que tipos de vida viver, sobre que tipo de pessoa ser. Eles podem procurar por
razões para agir ou viver de uma maneira ao invés de outra. Em outras palavras,
ele podem se engajar em um raciocínio prático. Eles podem também pensar sobre
a natureza do mundo e porque ele parece se comportar como se comporta. Eles
podem considerar verdades científicas e metafísicas sobre o universo. Isso é se
engajar em raciocínio teórico (“contemplação” ou theōría). Não há concordância
entre especialistas se, e como, esses tipos de raciocínio podem ser distinguidos.
(para uma discussão da razão prática e teórica de Aristóteles, ver o verbete
relacionado “A Ética de Aristóteles”, neste volume). Mas, como veremos, quando
discutirmos a Política de Aristóteles, podemos assumir, para os propósitos desta
discussão, que a atividade racional prática e teórica são, pelo menos, tipos relacionados
de atividade racional. Isto na medida em que cada uma envolve exercitar as
habilidades que alguém tem de pensar, conhecer e considerar verdades que imaginou.
Como alguém compreende estes poderes completamente? Não por se
tornar adepto de todo tipo de atividade em que é necessário deliberar e julgar com
base na razão. Para tanto alguém teria que dominar todo tipo de atividade cultural,
científica e filosófica. Em vez disso, a ideia de Aristóteles é que um indivíduo
desenvolve essas habilidades na medida em que desfruta e valoriza o exercício de
seus poderes racionais realizados em uma ampla variedade de atividades diferentes
e até mesmo aparentemente desconexas. Quando isso ocorre, seu exercício destas
habilidade é uma fonte contínua de autoestima e desfrute. Ele passa a gostar de
sua vida e de si mesmo e agora possui um amor próprio genuíno (EN., 1168b28­1169a3).
Em Ética a Nicômaco (IX.8), Aristóteles clarifica os motivos e razões da
pessoa virtuosa através do contraste entre o amor próprio genuíno e um tipo
defeituoso que é reprovável. Pessoas com amor próprio reprovável desejam mais
ter a maior quantia de dinheiro, honras e prazeres corporais (vide EN., I.5). Dado
que ninguém pode ter uma grande parte sem negar estes bens a outros, esses são
os bens que são contestados e disputados. Este enfoque competitivo dos bens
externos nos leva a todo tipo de comportamento moralmente vicioso, por exemplo,
desonestidade (pleonexía), agressão, luxúria esbanjadora, intemperança, arrogância
e vaidade. Em contraste com aqueles que possuem um amor próprio reprovável,
os que possuem amor próprio genuíno retirarão prazer nas coisas corretas (eles
usufruirão do exercício de sua deliberação e de seus poderes de tomada de decisão,
ao invés de usufruírem da acumulação de riqueza e poder). Como resultado, eles
evitarão muitas ações e não serão atraídos por muitos prazeres dos vícios comuns.
Porque eles têm uma atitude apropriada em relação aos bens externos, estarão
120

prontos para sacrificar tais bens, se ao fazê­lo eles alcançarem o que é bom. Eles
reconhecem que quando todos se concentram em fazer o que é bom, suas ações
promovem o bem comum (EN., 1169a 6). O raciocínio da pessoa virtuosa reflete
sua correta concepção de como viver (ele tem phrónēsis ou sabedoria prática) e
seu interesse pelo bem: ele vê que seu próprio bem é incluído no bem da comunidade
(EN., 1169a 3­6).

A necessidade de relacionamentos e comunidade.

Pelo motivo de o bem do indivíduo ser incluído no bem da comunidade, a


realização completa dos poderes racionais do indivíduo não é algo que ele possa
alcançar ou manter por si mesmo. É difícil, diz Aristóteles na Ética a Nicômaco
(IX.9), para uma pessoa solitária ser continuamente ativa, mas isto é mais fácil na
companhia de outros. A realização completa de nossos poderes requer pelo menos
um grupo de companheiros que compartilham nossos interesses e com quem
podemos cooperar para alcançar nossos objetivos mutualmente reconhecidos.
Neste tipo de atividade cooperativa, somos partes de um grande empreendimento,
de modo que quando os outros agem é como se estivéssemos agindo também.
Dessa forma, estas atividades expandem nossa concepção acerca de quem somos
“nós”, e tornam o uso de nossos poderes mais contínuos e estáveis. Os exemplos
listados por Aristóteles incluem marinheiros em um barco, soldados em uma
expedição, membros de uma família, relacionamentos comerciais, associações
religiosas, cidadãos de uma comunidade política e colegas engajados em atividades
contemplativas. Como Aristóteles explica na Retórica II.4, se nós e nossos parceiros
cooperativos fazemos nossas partes de forma responsável, cada um desenvolverá
sentimentos de amizade para com os outros envolvidos. Dessa maneira, atividades
cooperativas bem­sucedidas transformam os desejos e motivações dos indivíduos.
Embora nós possamos ter iniciado uma atividade por razões egoístas, o resultado
psicológico é que passaremos a gostar de nossos parceiros cooperativos e a
desenvolver um interesse pelo bem deles em si mesmo. Aristóteles indica que a
ocorrência desta mudança em nós é algo causado. Ela não é fruto de uma escolha.
Quando os laços de amizade são formados, é natural para nós exibir virtudes sociais.
Na Ética a Nicômaco (IV.6­8), Aristóteles descreve estas virtudes como incluindo
generosidade, amizade e brandura de temperamento.
121

Aristóteles pensa que, adicionalmente às amizades, relacionamentos


sociais mais amplos são requeridos para o desenvolvimento completo de nossos
poderes racionais. Na Ética a Nicômaco (I.7), ele diz que nós somos por natureza
seres políticos, cujas capacidades são realizadas plenamente em um tipo específico
de comunidade política (a pólis ou cidade­estado). A comunidade política ideal de
Aristóteles é conduzida por cidadãos que reconhecem o valor de viver uma vida
plenamente ativa e que têm por objetivo tornar a vida o melhor possível aos seus
concidadãos, promovendo assim o bem comum (Pol. 1278b 19­26, 1280b 8­12).
Quando os cidadãos deliberam e legislam sobre a educação, ocupação de cargos
e políticas econômicas da comunidade, seu objetivo é determinar e promover
condições sob as quais os cidadãos podem desenvolver plenamente seus poderes
deliberativos e de tomada de decisão (Pol. 1332b 12­41).
Assim, Aristóteles recomenda, na Política (VII­VIII), que a cidade proporcione
um sistema de educação pública para todos os cidadãos, uma recomendação que
era radical em seu tempo. Ele idealiza que os indivíduos jovens aprendam não
apenas ler e escrever, mas também a apreciar a beleza do mundo a volta deles e
a adquirir algum entendimento de como o universo funciona. Se a educação é bem­
sucedida, os jovens desejarão usar seus poderes para decidir, julgar e discriminar.
Eles estarão, portanto, bem posicionados para assumir seu lugar de decisores na
assembleia de cidadãos e no sistema judiciário e, em virtude da seleção e de um
sistema de rodízio de cargos, estarão prontos para assumir como eventuais titulares
de cargos públicos. As políticas econômicas da cidade apoiam o objetivo das
instituições políticas e educacionais. Dado que Aristóteles vê que os cidadãos
necessitam de recursos materiais para participar plenamente da vida pública, ele
recomenda que o estado distribua parcelas de terra para todos. Em sua visão,
contudo, desde que as desigualdades existentes não sejam grandes o suficiente
para promover a formação de um grupo de elite ou provocar raiva e inveja justificadas,
não há necessidade de estabelecer igualdade econômica. Essa variedade de
políticas – educacionais, políticas, econômicas – possibilitam que um senso de
justiça permeie a cidade, visto que servem para confirmar que todos os cidadãos
são valorizados como deliberadores práticos e legisladores iguais.
As críticas de Aristóteles aos estados políticos desviantes seguem uma
linha relacionada: estados que encorajam o consumo e a acumulação de bens
externos como fins em si mesmo, ou estados que promovem a guerra e a supremacia
militar como um fim em si mesmo, confundem a natureza da melhor vida humana.
Cidadãos de tais estados crescerão para amar mais a outras coisas que não o
122

exercício e os poderes racionais humanos realizados e, como resultado, eles serão


propensos aos vícios tradicionais como a injustiça, a falta de generosidade e a intemperança.
O fato de que viver bem requer deliberação política ativa e legislação
explica por que Aristóteles excluí escravos naturais, mulheres e trabalhadores
manuais da cidadania, e ajuda a clarificar sua visão de que cidadãos devem ser
proprietários privados. Na visão de Aristóteles, escravos naturais não possuem a
capacidade para deliberar e tomar decisão, que é requerida para viver bem. Mulheres
têm uma capacidade deliberativa, mas elas não são “confiáveis”. Trabalhadores
manuais estão ocupados com a produção de bens de primeira necessidade. Eles
têm poderes de tomada de decisão, mas seu exercício é limitado pela necessidade
de trabalhar para sobreviver, pois eles devem se adequar às demandas de suas
condições de trabalho. Além disso, o trabalho manual frequentemente é maçante,
repetitivo e exige pouco dos poderes racionais dos trabalhadores. Como proprietários
privados, cidadãos não estão vulneráveis a esses problemas. Com a propriedade
privada um indivíduo possui um suprimento de recursos que está sob seu controle;
suas decisões determinam o que acontece com eles. Então, ele é capaz de ter
prazer das ações generosas – ajudando seus amigos, convidados e companheiros.
Para uma discussão mais detalhada da relação entre as visões ética e política
de Aristóteles, confira os trabalhos de Irwin (1985, 1996, 2007), Kraut (2002) e Schofield
(2006). Sobre as discussões de Aristóteles acerca da amizade, veja Cooper (1980).

Resumo

Platão e Aristóteles concordam que o caráter moral excelente envolve mais


do que o entendimento socrático do bem. Eles pensam que as virtudes requerem
uma harmonia entre elementos cognitivos e afetivos da pessoa. Aristóteles tenta
explicar no que esta harmonia consiste explorando as fundações psicológicas do
caráter moral. Ele pensa que a pessoa virtuosa é caracterizada por um amor próprio
não estereotipado que ele compreende como um amor ao exercício de uma atividade
racional realizada plenamente. Todavia, esse amor próprio não é uma realização
individual. Seu desenvolvimento e preservação requer (a) amizades nas quais os
indivíduos desejam o bem para os outros como fim em si mesmo e (b) uma
comunidade política na qual cidadãos são iguais e similares, e onde os arranjos
políticos e econômicos promovem as condições sob as quais o amor próprio e a
amizade floresçam.
123

2.5. A visão estoica do caráter

A escola filosófica estoica existiu por cerca de cinco séculos, desde sua
fundação por volta de 300 AEC até o segundo século da EC. Como Sócrates, Platão
e Aristóteles, os filósofos estoicos divergiram sobre algumas questões acerca das
virtudes, mas eles parecem também ter compartilhado um núcleo comum de visões.
Esta seção do verbete sobre caráter irá discutir brevemente a visão comum deles.
Os filósofos estoicos têm uma visão de caráter que é próxima a de Sócrates,
mas eles a alcançam através de uma concordância com Aristóteles. Os estoicos
assumem que a vida boa para os seres humanos é uma vida em acordo com a
natureza. Eles concordam com Aristóteles que a essência dos seres humanos é
uma vida de acordo com a razão. Assim, para identificar o que está de acordo com
a natureza, eles procuram pelo desenvolvimento dos poderes racionais dos seres
humanos. Eles pensam que quando uma pessoa começa a usar a razão
instrumentalmente para satisfazer e organizar seus desejos e apetites, ela começa
a valorizar o exercício da razão por si mesmo. Ele entende que a conduta que exibe
uma ordem racional é muito mais valiosa que qualquer vantagem natural (tais como
saúde, amizade ou comunidade) buscada por suas ações individuais. No fim das
contas, como Aristóteles argumentou, o bem humano deve ser estável, estar sob
nosso controle e ser difícil de tirar de nós. Os estoicos concluem que o bem humano
consiste na atividade racional excelente, porque uma pessoa pode guiar suas ações
pela escolha racional não importando qual infortúnio ele possa encontrar. A pessoa
virtuosa se torna o sábio (sophós) que tem e age baseado no conhecimento do
bem. Suas ações são informadas por seus insights sobre as vantagens de aperfeiçoar
a sua racionalidade através da ação em acordo com a ordem racional da natureza.
Como Sócrates, a visão estoica da virtude foca­se nos estados cognitivos da pessoa
virtuosa: é seu conhecimento da ordem racional do universo e seu desejo de estar
em acordo com a ordem racional que o leva a agir como age.
Para ser virtuosos não há necessidade de desenvolver qualquer outra
capacidade além das capacidades cognitivas, porque os estoicos defendem, contra
Platão e Aristóteles, que não há realmente uma parte não­racional da alma. Embora
os estoicos admitam que existem paixões tais como a raiva, medo e assim por
diante, eles as tratam como erros de julgamento sobre o que é bom e mal. Já que
a pessoa sábia ou virtuosa é sensata e não tem julgamentos errados sobre o bem,
124

ela não tem paixões. Assim, se o sábio perde qualquer vantagem natural por
infortúnio, ele não tem emoções sobre elas. Pelo contrário, ele as vê como
“indiferentes” (adiáphora). Alguém pode então questionar como o sábio pode ser
verdadeiramente chamado de virtuoso. Pois se ele vê a saúde e o bem­estar de si
mesmo e dos outros como indiferentes, por que ele agiria para garantir ou proteger
o seu bem­estar ou o de outros, como provavelmente faria uma pessoa virtuosa?
Os estoicos respondem que as vantagens naturais ainda são perseguidas, mas
somente para alcançar a concordância com a natureza e realizar os poderes racionais
de plenamente. Eles são “indiferentes preferidos”.
Diferentemente de Platão e Aristóteles, os estoicos não pensavam as virtudes
como desenvolvidas e sustentadas por qualquer tipo particular de comunidade. É verdade
que as relações sociais e a comunidade estão entre os indiferentes preferidos, pois
devem ser preferidos às condições opostas de hostilidade, guerra e inimizade. Mas eles
não são necessários para a felicidade de ninguém. Se nós os perdemos, isso não é
uma perda de um bem genuíno. Por exemplo, o estoico Epiteto (c. 55­c.135), um escravo
liberto, argumentava que a morte de um membro da família não é uma perda real e não
é pior que quebrar um copo. A comunidade que importava para os estoicos era cósmica.
Quando as pessoas alcançam a racionalidade perfeita, elas concordam com a ordem
racional de um universo governado pela razão divina. Isso mostra que, virtuosos ou não,
todos nós somos governados por uma lei e, assim, pertencemos a uma comunidade
universal. Como seres racionais, nós reconhecemos isso, porque reconhecemos que
compartilhamos a razão com outros seres humanos. O estoico Marco Aurélio (121­180),
um imperador romano, faz as conexões dessa maneira: “Se assim for [ou seja, que a
razão é compartilhada], então também a razão que ordena o que deve ser feito ou
deixado de fazer é comum. Se assim for, a lei também é comum; se assim for, somos
cidadãos; se assim for, somos participantes de uma constituição; se assim for, o Universo
é uma espécie de Comunidade (MARCO AURÉLIO, As Meditações, IV.4). Os estoicos
concluíram que, como seres racionais, não temos razões para não estender nossas
preocupações para além de nossa família, amigos e a comunidade imediata, de modo
a alcançar nossos concidadãos da comunidade mundial.
Os estoicos vieram a representar um modo de vida de acordo com o qual
alguém pode se esforçar pelo bem­estar dos outros, sejam amigos ou estranhos,
sem se importar com recompensas materiais ou sucesso mundano. Porque sua
visão das virtudes era independente de qualquer estrutura social e política particular,
sua mensagem era um apelo para todos os tipos de pessoas, gregas ou não gregas,
escravas ou livres, ricas ou pobres.
125

Para uma discussão mais detalhada sobre a visão grega do caráter, confira
os trabalhos de Dent (1975), Irwin (1989, 1996), e Sherman (1989).

3. Virtude e caráter moral depois dos gregos

Desde a publicação de Modern Moral Philosophy, de Anscombe, em 1958


(vide Introdução), tornou­se rotineiro dizer que a virtude e o caráter moral têm sido
tópicos negligenciados no desenvolvimento da filosofia moral ocidental, desde os
gregos. Argumenta­se que, ao invés de pensar sobre o que é florescer e viver bem,
filósofos morais passaram a focar­se sobre um conjunto diferentes de noções:
obrigações, deveres e lei.
Anscombe e outros sugeriram como tal movimento pode ter ocorrido. As
ideias dos estoicos esboçadas acima podem ter influenciado os primeiros cristãos,
tais como São Paulo, a desenvolver a ideia de uma lei natural que se aplica a todos
os seres humanos. Quando o cristianismo passou a ser mais difundido, a lei natural
pôde ser entendida em termos das diretivas de Deus na Bíblia. Ainda mais tarde,
depois das revoluções políticas europeias dos séculos XVII e XVIII, houve espaço
intelectual para versões secularizadas da mesma ideia serem consolidadas: dever
ou obrigação foram entendidas em termos de obediência a lei(s) moral(is) ou
princípios que não advém de Deus, mas são concebidos por seres humanos. A
ação moralmente correta era a ação de acordo com as leis ou princípios morais.
Nessa visão, onde o foco central é sobre a obediência à lei moral, as virtudes e o
caráter moral são secundários para ação de acordo com a lei. Alguém que age
corretamente pode desenvolver hábitos ou disposições permanentes para agir
assim, e então esses hábitos constituem as virtudes ou o caráter bom.
Esta seção do verbete sobre o caráter moral fornecerá um breve resumo
de alguns desenvolvimentos importantes tanto nessa abordagem “moderna” do
caráter moral quanto no que parece ser um reavivamento do interesse grego pré­
cristão pelos fundamentos psicológicos do caráter.

3.1. Os primeiros teóricos da lei natural

Nos escritos dos primeiros teóricos da lei natural, as visões gregas da


virtude algumas vezes aparecem sob fortes críticas. Hugo Grotius (1583­1645), por
126

exemplo, objetou à abordagem aristotélica da virtude e, especialmente, às suas


tentativas de encontrar um meio em termos do qual compreender a justiça. Não
importa, Grotius queixou­se, o que move alguém a agir injustamente – a única coisa
que importa é que a ação injusta viola os direitos dos outros. Grotius reconheceu
que alguém pode desenvolver hábitos emocionais que apoiam as ações corretas,
mas ele pensava que isso era uma questão de ter a razão controlando paixões e
emoções, de modo que elas não interfiram com a ação correta. O fato de que a
razão deveria controlar as paixões indica que o estado desejado é aquele em que
uma parte de nós governa a outra, e não que ambas as partes, nas palavras de
Aristóteles, falem com a mesma voz. Nessa visão, o caráter moral é um estado
mais próximo daquilo que os gregos consideravam autodomínio ou continência do
que daquilo que eles consideravam virtude.
Embora os teóricos da lei natural tendessem a assimilar virtude e continência,
eles ainda admitiam que havia uma área da vida moral na qual o motivo e o caráter
importavam. Essa era a área dos “deveres imperfeitos” (em contraste com “deveres
perfeitos”). Sob um dever perfeito, o que é devido é específico e legalmente aplicável
pela sociedade política ou pelos tribunais; mas ações em acordo com o dever
imperfeito não podem ser impostas, e o que é devido sob um dever imperfeito é
impreciso. Generosidade é um exemplo de dever imperfeito e justiça é de dever
perfeito. No caso da generosidade, uma pessoa tem o dever de ser generosa, mas
ela não pode ser legalmente obrigada a ser generosa, e quando ou como a
generosidade é mostrada não é precisamente especificável. Mas no caso da
generosidade o motivo do agente conta. Por isso, se eu dou dinheiro a uma pessoa
pobre que encontro na rua e o faço porque eu desejo que os outros pensem bem
de mim, não agi generosamente e não cumpri meu dever imperfeito. Quando eu
dou generosamente, devo fazer preocupando­me com o bem da pessoa a quem
dou o dinheiro.
Para uma discussão mais detalhada de Grotius e os teóricos da lei natural,
e dos desenvolvimentos modernos atacados por Anscombe, confira Schneewind
(1990, 1998). Para uma discussão da persistência das éticas aristotélicas no início
do período moderno e uma resposta a Schneewind, veja Frede (2013).
127

3.2. Kant

A tendência para encontrar um espaço para motivos e caráter na área dos


deveres imperfeitos e para assimilar virtudes com continência, ressurge nos escritos
de muito filósofos dos século XVII e XVIII. Immanuel Kant (1724­1804) é um caso
ilustrativo. Em Metafísica dos Costumes, Kant divide a filosofia moral em dois
domínios, o da justiça ou lei (a Doutrina do Direito) e o da ética ou virtude (a Doutrina
da Virtude). Os deveres que são objetos relevantes para a Doutrina do Direito são
como os deveres perfeitos dos teóricos da lei natural: são precisos, devidos a outros
indivíduos específicos e podem ser legalmente impostos. Eles requerem que nós
tomemos ou renunciemos a certos atos. Outros deveres (os quais formam o objeto
da Doutrina da Virtude) são deveres de adotar certos fins. Muitos deles são imperfeitos,
no tocante que eles não especificam como, quando ou para quem (no caso de
deveres para com outros) eles devem ser realizados. Exemplos são os deveres de
não deixar seus talentos enferrujarem ou o dever de não negar ajuda aos outros.
Porque não podemos ser obrigados a adotar os fins, mas devemos fazê­lo por livre
escolha, esses deveres não podem ser legalmente impostos. Eles requerem
legislação interna, e não externa, de modo que devemos nos autoimpor a eles.
Dado que, de acordo com Kant, estamos sempre lutando contra impulsos e disposições
que se opõe à lei moral, precisamos de força de vontade e autodomínio para cumprir
nossos deveres imperfeitos. Este autodomínio, Kant chama de coragem.
Que a virtude é uma forma de continência para Kant também é sugerido
por seu tratamento de outras características, tais como gratidão e simpatia. Embora
Kant pense que sentimentos não podem ser exigidos de ninguém, alguns sentimentos
estão associados aos fins morais que adotamos. Se adotamos a felicidade dos
outros como um fim, não teremos prazeres maliciosos pelas falhas deles. Pelo
contrário, naturalmente sentiremos gratidão pela benevolência deles e simpatia
pela felicidade deles. Esses sentimentos facilitarão o cumprimento de nossos
deveres, e são um sinal de estamos dispostos a cumpri­los. Kant (Metafísica dos
Costumes, Ak. 457) comenta sobre a simpatia que “é um dos impulsos que a natureza
implantou em nós para fazer o que a representação do dever por si só não realizaria.”.
Desse modo, é importante para Kant que cumpramos os deveres de virtude
com as emoções propriamente cultivadas. Mas fazer isso não é desenvolver nossa
natureza de modo que nossas duas partes, razão e paixão, estejam unidas e falem
com a mesma voz. Ao invés disso, se cumprimos nossos deveres de virtude com
o espírito correto, uma parte de nós, a razão, mantém o controle sobre a outra parte,
128

a paixão. Kant escreve que a virtude “contém um comando positivo para os homens,
nomeadamente, colocar todas as suas capacidades e inclinações sob seu controle
(sob o controle da razão) e, assim, governar sobre si mesmo... pois, a menos que
a razão segure as rédeas do governo em suas próprias mãos, os sentimentos e
inclinações do homem o dominam” (KANT, Metafísica dos Costumes, Ak. 408). Para
uma discussão mais detalhada da visão de Kant sobre virtudes, confira o trabalho
de O’Neill (1996).
No entanto, existem outros filósofos para os quais o interesse pela virtude
ou pelo bom caráter assume um aspecto mais semelhante ao dos gregos. Este
renascimento das ideias gregas pode ser visto em filósofos que mostram interesse
nos fundamentos psicológicos do caráter bom.

3.3. Hume

David Hume (1711­1776) explicitamente professa uma preferência pelas


éticas antigas (HUME, 1902, p. 318) alegando que a moral é a única ciência em
que os antigos não são superados pelos modernos (HUME, 1902, p. 330). Como
alguns moralistas gregos, Hume pensou que a moralidade deve ser fundada em
nossa natureza passional. Pois a moralidade nos leva à ação, ao passo que a razão
por si só, pensou Hume, não o faz. Sua preferência pela ética antiga é mais
obviamente vista em seu foco na natureza das virtudes e em seus esforços para
explicar como as virtudes surgem de nossos sentimentos e desejos.
Hume divide as virtudes em dois tipos: artificial e natural. Virtudes artificiais
incluem justiça, manter promessas e lealdade ao governo legítimo. Virtudes naturais
incluem coragem, magnanimidade, ambição, amizade, generosidade, fidelidade e
gratidão, dentre várias outras. Enquanto cada exercício das virtudes naturais
normalmente produz bons resultados, o bem das virtudes artificiais é indireto, na
medida em que ocorre apenas como resultado de haver uma prática aceita no
exercício dessas virtudes.
A discussão de Hume da justiça ilustra como virtudes artificiais emergem
de nossos sentimentos e desejos. Hume nota que seguir as regras da justiça nem
sempre produz bons resultados. Considere os juízes que “concedem aos desregrados
o trabalho dos trabalhadores; e coloca nas mãos dos cruéis os meios de prejudicar
a si mesmos e aos outros” (HUME, 1978, p. 579). Hume pensa que, à medida que
as pessoas se conscientizam de que a estabilidade das posses é vantajosa para
129

cada um individualmente, elas também percebem que a estabilidade não é possível,


a menos que todos evitem perturbar as posses dos outros. À medida que essa
consciência se torna mais difundida e eficaz no comportamento das pessoas, surge
uma convenção para respeitar a posse dos outros. Esse redirecionamento do
autointeresse, auxiliado por nossa tendência natural de simpatizar com os sentimentos
dos outros que se beneficiam da estabilidade da posse, dá origem à nossa aprovação
da justiça. Desse modo, Hume argumenta, a virtude de obedecer às leis surge
naturalmente de nossos sentimentos e desejos.
A dívida de Hume para com a ética grega aparece mais claramente em
sua discussão das virtudes naturais. Destas, um importante grupo (incluindo coragem,
magnanimidade, ambição e outras) é baseado em, ou pode ser uma forma de,
autoestima: “Seja o que for que chamamos de virtude heroica e admiramos sob o
caráter de grandeza e elevação de espírito, ou nada mais é do que um orgulho e
autoestima firmes e bem estabelecidos, ou participa amplamente dessa paixão.
Coragem e todas as outras virtudes brilhantes desse tipo, têm claramente uma forte
mistura de autoestima nelas, e derivam grande parte de seu mérito dessa
origem” (Hume, 1978, p. 599­600). No entanto, essas virtudes baseadas na autoestima
devem ser moderadas por um segundo grupo que inclui generosidade, compaixão,
fidelidade e amizade; caso contrário, traços como coragem são “adequados apenas
para fazer um tirano e ladrão público” (Hume, 1978, p. 603). Esse segundo grupo
de virtudes é fundado em amplos sentimentos de boa vontade, afeto e preocupação
com os outros.
Hume reconhece que seu segundo grupo de virtudes naturais tem uma
dívida para com a visão estoica de que uma pessoa virtuosa deve se preocupar
com o bem­estar de todos os seres humanos, sejam eles íntimos ou estranhos; e
ao descrever o primeiro grupo de virtudes naturais, Hume vê Sócrates como alguém
que alcançou um tipo de calma interior e autoestima. Além disso, seu enfoque geral
das virtudes naturais, de acordo com o qual algumas são baseadas na autoestima
e outras nos sentimentos amigáveis e de boa vontade, remonta ao exame feito por
Aristóteles da fundamentação psicológica das virtudes.
Hume acredita que desenvolvemos autoestima a partir daquilo que fazemos
bem, se o que fazemos bem expressa algo distintivo e durável sobre nós mesmos,
e ele parece reconhecer que as habilidades deliberativas realizadas estão entre
nossas características mais duráveis. À medida que a deliberação se torna mais
fácil para nós, passamos a desenvolver autoestima e desfrutar de quem somos,
como a pessoa virtuosa de Aristóteles que desfruta mais do exercício de seus
130

poderes deliberativos desenvolvidos. Além disso, o reconhecimento de Hume de


que autoestima deve ser moderada pela benevolência é refletido no argumento de
Aristóteles que o desenvolvimento e preservação do amor próprio genuíno requer
formas de amizade nas quais as pessoas passam a cuidar dos outros para o próprio
bem dos outros.
Adicionalmente, ao examinar essas fundamentações psicológicas da
virtude, Hume parece atribuir­lhes um papel que lembra a visão aristotélica de que
a virtude é um estado em que razão e paixão falam a mesma voz. Hume não
subordina a virtude e o bom caráter aos requerimentos da razão, como vimos nos
teóricos da lei natural e em Kant. Ao contrário, Hume parece dar espaço para a
virtude e o bom caráter guiar e restringir a deliberação dos agentes, de um modo
que afeta o que eles determinam como o melhor a se fazer. Ao fazer isso, Hume
caminha para uma indicação de como o bom caráter difere da continência.
A descrição de Hume de como determinamos o que é correto e incorreto
ilumina o papel desempenhado pelo caráter. Quando o “espectador judicioso” de
Hume determina que o que é correto e incorreto, ele se fixa em algum ponto de
vista “estável e geral” e “se afasta” de seus sentimentos e interesses atuais. Parece
que alguém que desenvolveu um gosto pelas atividades de deliberar e refletir, e
que baseia sua autoestima neste gosto, estará mais suscetível a assumir o ponto
de vista do espectador judicioso. Além disso, alguém nesta posição estará mais
suscetível a fazer as correções sutis que podem ser necessárias para se afastar
de sua própria perspectiva e de suas paixões específicas. Alguém cuja autoestima
se baseia no gosto pela deliberação estará atento a complicações mais amplas, e
terá os poderes imaginativos mais amplos necessários para a deliberação correta
de um ponto de vista estável e geral. A visão de Hume da relação entre paixão e
deliberação é reminiscente da visão aristotélica de que alguém com amor­próprio
genuíno também terá sabedoria prática, no sentido de que seu amor­próprio lhe
permitirá avaliar as situações práticas corretamente e determinar corretamente o
que é melhor a se fazer.
Para uma discussão mais detalhada da visão de Hume das virtudes,
consulte o trabalho de Baier (1991). Sobre a dívida de Hume para com ética grega,
veja Homiak (2000).
131

3.4. Marx e Mill

Outro exemplo do uso das visões gregas do caráter pode ser encontrado
nos escritos de Karl Marx (1818­1883) e John Stuart Mill (1806­1873). Embora Marx
seja melhor conhecido por suas críticas virulentas ao capitalismo e Mill por sua
exposição e defesa do utilitarismo liberal, estes filósofos são tratados juntos aqui,
porque seus enfoques do caráter são profundamente aristotélicos em pontos cruciais.
Ambos aceitam a ideia de Aristóteles de que a virtude e o caráter bom são baseados
na autoestima e autoconfiança, que surge da satisfação retirada da expressão
completamente realizada dos poderes racionais característicos do seres humanos.
Eles também aceitam o reconhecimento de Aristóteles de que a produção e a
preservação deste tipo de autoestima requer que os indivíduos sejam partes de
uma estrutura sócio­política específica. Aristóteles enfatizava a necessidade de um
tipo especial de comunidade política. Marx focou­se a locais de trabalho democráticos
e menores. O foco de Mill, ainda diferente, era a igualdade política e igualdade na família.
O Manuscritos Econômico­Filosóficos (1844), de Marx, é famoso pela
discussão de como a organização do trabalho sob o capitalismo aliena os trabalhadores
e encoraja­os a aceitar os valores da sociedade capitalista. Trabalhadores que estão
comprometidos com os valores capitalistas são caracterizados, primariamente, por
atitudes autointeressadas. Estão muito mais interessados em seus próprios avanços
materiais, são desconfiados das intenções aparentemente boas dos outros e veem
os outros, primariamente, como competidores em posições escassas. Dadas essas
atitudes, eles estão propensos a um número de vícios, incluindo covardia, intemperança
e falta de generosidade.
A discussão de Marx do trabalhador alienado sugere como o trabalho pode
ser reorganizado para eliminar a alienação, minar o comprometimento com os
valores e objetivos tradicionais capitalistas e produzir atitudes mais características
das pessoas virtuosas de Aristóteles. A chave para essa transformação depende
de reorganizar a natureza do trabalho de um modo que os trabalhadores possam
expressar o que Marx chamava de suas “ente­espécie” ou aquelas características
do eu que são caracteristicamente humanas. De modo muito similar a Aristóteles,
Marx parece querer se referir a uma capacidade individual de raciocinar, e em
particular a seu poder de escolher, decidir, descriminar e julgar. Se o trabalho é
reorganizado para habilitar os trabalhadores a expressar seus poderes racionais,
então cada trabalhador realizará tarefas que são interessantes e mentalmente
desafiadoras (nenhum trabalhador realizará tarefas estritamente monótonas, rotineiras
132

e não qualificadas). Adicionalmente, trabalhadores participarão nas deliberações


sobre os fins a serem alcançados pelo trabalho que realizam e como alcançar esses
fins. E, finalmente, essas deliberações serão organizadas democraticamente de
modo que as opiniões de cada trabalhador são levadas em consideração de modo
justo. Quando essas condições são estabelecidas, o trabalho não é mais “dividido”
entre qualificado e não qualificado ou entre administrativo e não administrativo.
Marx sugere que se o trabalho é reorganizado dessa maneira, ele promoverá
sentimento de solidariedade e camaradagem entre os trabalhadores e, eventualmente,
entre estes e aqueles de outros lugares que estão em situação parecida. Devido
ao fato que os trabalhadores podem expressas seus poderes humanos característicos
em ação, e às condições igualitárias no local de trabalho, é possível contrariar os
sentimentos competitivos e promover o respeito, removendo as bases da inferioridade
e superioridade. Desse modo, os trabalhadores passam exibir algumas das mais
tradicionais virtudes, tais como generosidade e confiabilidade. Também passam a
evitar alguns dos vícios tradicionais, tais como covardia, mesquinhez e autoindulgência.
Não é surpreendente que as opiniões de Marx pareçam derivadas das de
Aristóteles em aspectos importantes., Afinal, ao contrário de Hume, cujo conhecimento
de Aristóteles não é totalmente conhecido, Marx se baseou explicitamente nas obras
de Aristóteles. Para uma discussão adicional sobre até que ponto Marx se baseou
em Aristóteles, confira DeGolyer (1985).
John Stuart Mill (1806­1873) defendeu uma versão de utilitarismo liberal,
mas especialistas discordam sobre qual foi o tipo de utilitarismo defendido. Podemos
dizer com segurança que, como um utilitarista, Mill pensava que a conduta humana
deveria promover a felicidade ou o bem­estar daqueles afetados por ela. Mas será
que Mill era um utilitarista de ato, que pensava que as ações corretas são aquelas
que promovem o máximo de felicidade que pode ser promovida em casos particulares,
dadas as alternativas disponíveis ao agente? Ou será que ele era um utilitarista de
regra, que pensava que a conduta correta era a conduta permitida por regras que,
no caso de ser publicamente conhecido que são geralmente aceitas ou seguidas,
iriam maximizar a felicidade ou bem­estar? Ou será que ele era uma utilitarista de
motivos, que pensava que alguém deveria agir da mesma forma que uma pessoa
com motivos ou virtudes mais promotoras de felicidade agiria? (Para uma discussão
dessas questões interpretativas, confira o verbete relacionado Mill’s moral and
political philosophy). Embora o presente verbete evite esses obstáculos interpretativos
e se concentre na discussão de Mill sobre a natureza da felicidade e sobre algumas
das estruturas institucionais que podem promovê­la, essas questões de interpretação
133

serão relevantes para uma avaliação final de Mill na Seção 4, abaixo.


Em seu ensaio, Sobre a Liberdade, Mill afirma que sua versão de utilitarismo
repousa sobre uma concepção de felicidade que é apropriada para pessoas enquanto
seres “em progresso” (MILL, 1975, p. 12). E no Utilitarismo ele sugere que essa
concepção é focada nos “prazeres superiores” que servem para distinguir os humanos
dos animais (MILL 1979, p. 7­11). No fim das contas, esses prazeres superiores
são as atividades e buscas que exercitam aquilo que, na visão de Aristóteles, eram
nossos poderes de deliberação prática, de escolher, julgar, decidir e discriminar.
Em Sobre a Liberdade, Mill escreve:

Aquele que deixa o mundo [...] escolher seu plano


de vida por ele não tem necessidade de qualquer
outra faculdade além da imitação, semelhante a um
símio. Aquele que escolhe seu próprio plano, emprega
todas as suas faculdades. Ele deve usar a observação
para ver, o raciocínio e o julgamento para prever, a
atividade de reunir materiais para a decisão, a
discriminação para decidir e, quando tiver decidido,
firmeza e autocontrole para manter sua decisão
deliberada (MILL, 1975, p. 56).

À medida que uma pessoa desenvolve seus poderes de deliberação prática


e vem a usufruir de seu exercício, ele ganha a autoestima que é a base para uma
vida virtuosa e bem­vivida. Para uma discussão da visão de felicidade de Mill,
consulte Brink (1992).
Mill argumentou que, ao impedir que os indivíduos desenvolvam seus
poderes deliberativos, sociedades seriamente desiguais moldam o caráter dos
indivíduos de uma modo não saudável, e colocam impedimentos para a habilidade
deles de viver vidas virtuosas. Por exemplo, Mill argumentou, em profunda discordância
com as visões daqueles de sua época, que sociedades que subordinaram
sistematicamente as mulheres prejudicaram tanto homens como mulheres, tornando
quase impossível para homens e mulheres formarem relacionamentos de intimidade
e entendimento genuínos. Em A Sujeição das Mulheres, Mill escreveu que a família,
como constituída em sua época, era uma “escola de despotismo”, que ensinava os
vícios do egoísmo, da autocondescendência e da injustiça aos que dela se
beneficiavam. Entre os homens da classe trabalhadora, o fato de que as esposas
eram excessivamente dependentes de seus maridos inspirava maldade e selvageria.
134

No capítulo IV de A Sujeição das Mulheres, Mill vai mais longe ao afirmar que “todas
as propensões que existem na humanidade ao egoísmo, à autoadoração e à
autopreferência injusta têm sua origem e raízes, e derivam seu principal alimento,
da presente constituição da relação entre homens e mulheres” (MILL, 1988, p. 86).
Mulheres que têm sido legalmente e socialmente subordinadas aos homens tornam­
se dóceis, submissas, abnegadas e manipuladoras. Em resumo, o homem demonstra
os vícios do senhor de escravos, enquanto a mulher demonstra os vícios do escravo.
Para que as vidas morais e relacionamentos psicologicamente saudáveis sejam
possíveis, Mill defendeu a alteração dos arranjos matrimoniais, apoiados por
mudanças na lei, que promoveriam o desenvolvimento e o exercício dos poderes
deliberativos das mulheres junto com os dos homens. Apenas sob tais condições
as mulheres e homens poderiam adquirir o real sentimento de autoestima, ao invés
de sentimentos de falsa inferioridade ou superioridade.
Assim como Aristóteles, Mill reconheceu o poder das instituições políticas
para transformar os desejos e objetivos dos indivíduos e para melhorá­los moralmente.
No capítulo III, de Considerações sobre o Governo Representativo, Mill escreve
com aprovação sobre as instituições democráticas da Atenas antiga. Ele acreditava
que, ao participar dessas instituições, os atenienses eram chamados a se erguer
acima de suas parcialidades individuais e a considerar o bem geral. Na cooperação
com os outros no governo de suas comunidades, ele escreveu, cada cidadão “é
levado a se sentir parte do público, e qualquer que seja o interesse deles será o
seu interesse” (MILL, 1991, p. 79).
Assim como Marx, Mill reconheceu os efeitos moralmente perturbadores
de uma vida limitada ao trabalho rotineiro e não especializado. Em Princípios de
Economia Política, ele recomendou que as relações de dependência econômica
entre capitalistas e trabalhadores sejam eliminadas, em favor de cooperativas de
trabalhadores com capitalistas ou de cooperativas formadas apenas por trabalhadores.
Nessas associações, os membros eram proprietários quase iguais de ferramentas,
matérias­primas e capital. Eles trabalhavam como artesãos qualificados sob regras
autoimpostas. Eles elegiam e destituíam seus próprios gerentes. Ao elevar a
dignidade do trabalho, Mill pensava que tais cooperativas poderiam converter "a
ocupação diária de cada ser humano em uma escola de simpatias sociais e inteligência
prática" e aproximar as pessoas da justiça social tanto quanto se poderia imaginar
(MILL 1900, vol. 2 , p. 295).
135

3.5. T. H. Green

T.H. Green (1836­1882) começou como um estudante e professor dos


clássicos, antes de se voltar para a filosofia. Ele conhecia bem os textos em grego
de Platão e Aristóteles. Ao desenvolver sua visão de bem pessoal no Livro III de
seu Prolegomena to Ethics, Green encontra suas próprias visões antecipadas por
Platão e Aristóteles e, especialmente, no tratamento de Aristóteles acerca da
felicidade, do bem humano e das virtudes particulares. Green objetiva mostrar que
um bem pessoal consiste em sua “autossatisfação” ou “autorrealização”. Para
realizar o eu uma pessoa tem de desenvolver totalmente suas capacidades como
um agente racional. E isso requer almejar o bem dos outros pelo próprio bem deles.
Green pensava que Aristóteles estava certo sobre a natureza do motivo da pessoa
virtuosa. No Prolegomena 263, ele ressalta a visão de Aristóteles de que a pessoa
virtuosa age “toû kaloû héneka” (por amor à excelência), e reconhece que agir dessa
maneira requer que o agente tenha preocupação pelo bem da comunidade. Então,
o bem do agente está conectado ao bem dos outros.
Para ilustrar sua leitura de Aristóteles, Green discute duas virtudes
aristotélicas: coragem e temperança. Ele nota que ambas as virtudes parecem ter
um escopo mais restrito do que o senso comum sugeriria. Ao discutir a coragem,
Aristóteles a limita ao enfrentamento do medo perante o perigo de morte na defesa
da cidade (EN., 1115a 25­29). Um homem que enfrenta a morte por afogamento ou
doença não é corajoso. Coragem é restrita a enfrentar a morte em batalha por sua
cidade, porque tal ação objetiva o bem comum e é a melhor forma de morte. Green
usa esse ponto na discussão de Aristóteles para mostrar que a visão de Aristóteles
repousa sobre um princípio geral que pode ampliar as circunstâncias da coragem
de um modo que Green aceita. Na visão de Green, coragem é uma questão de
enfrentar o perigo da morte “em serviço da maior causa pública que o agente pode
conceber” (1969, p. 260).
Green explica as restrições de Aristóteles sobre a temperança de modo
similar. Nem toda a forma de comedimento conta como temperança para Aristóteles.
A temperança é limitada às restrições aos prazeres dos desejos apetitivos por
comida, bebida e sexo, os prazeres que compartilhamos com os animais não
humanos. A pessoa intemperante é como o gourmand que rezou para que sua
garganta ficasse mais longa do que a de uma garça: ele está interessado na sensação
e não valoriza o exercício de suas capacidades racionais. Green reconhece que
Aristóteles precisa reprimir esses desejos apetitivos porque intemperança é um
136

perigo ao bem comum. Green (1969, p. 263) escreve: “tal repressão deve ser
mantida sobre as concupiscências da carne de modo a impedi­las de emitir o que
um grego conhecia como hýbris ­ uma espécie de autoafirmação e agressão aos
direitos dos outros [...] que era considerada a antítese do espírito cívico”
Green estava certo ao perceber que sua visão foi antecipada pelos gregos.
Ele viu, assim como Aristóteles, que viver bem requer o exercício dos poderes
racionais desenvolvidos, e que as pessoas que realizaram seus poderes e formaram
traços virtuosos de caráter visam o bem comum, que é parte de seu próprio bem.
Como Aristóteles, Green pensa que que tal desenvolvimento requer que o indivíduo
seja um participante em um tipo especial de comunidade política – uma “onde a
livre combinação de cidadãos que se respeitam mutualmente” (GREEN, 1969, p.
263) põe em prática a lei igual e o bem comum.
Para mais discussões sobre a interpretação de Green e o uso da visão de
Aristóteles, confira Irwin (2009).

3.6. Rawls

Como indicado na Introdução deste verbete, um interesse filosófico renovado


nas questões da virtude e caráter foi o resultado indireto da publicação, em 1971,
de Uma Teoria da Justiça de John Rawls. Em contraste com muitos de seus
contemporâneos que focavam em questões metaéticas e do significado dos termos
morais, Rawls (1921­2002) moveu a filosofia moral e política em uma direção prática
e estimulou filósofos modernos a explorar os fundamentos psicológicos do caráter
moral bom. No início da Parte II de Uma Teoria da Justiça, Rawls observa um ponto
que chama de “perfeitamente óbvio” – que o sistema social molda os desejos e
aspirações que seus cidadãos virão a ter. Isso determina “em parte o tipo de pessoa
que eles querem ser, bem como o tipo de pessoa que eles são (1999a, p. 229).
Esse ponto, Rawls afirma, sempre foi reconhecido.
Como instituições justas moldam nossos desejos e objetivos e afetam o
tipo de pessoa que nos tornaremos? As instituições de interesse de Rawls são
aquelas que compõem a “estrutura básica” da sociedade. Essas são as instituições
que fazem a cooperação social possível e produtiva. Ela inclui a constituição política,
a estrutura da economia, as formas legalizadas de propriedade privada, alguma
forma de família e dentre outras. Rawls defende dois princípios de justiça como
regulações para a estrutura básica de sua sociedade justa: (1) o princípio de
137

liberdades iguais, de acordo com o qual cada pessoa tem a mesma reivindicação
por um completo e adequado esquema de liberdades básicas. (2) e um segundo
princípio que especifica duas condições que devem ser satisfeitas a fim de que as
desigualdades socioeconômicas sejam permissíveis. Essas condições são igualdade
justa de oportunidades e o princípio da diferença.
Considere a discussão de Rawls da garantia de liberdades iguais sob o
primeiro princípio de justiça. Esse princípio cobre dois tipos de liberdades, liberdades
pessoais e liberdades políticas. Sob esse princípio, cada pessoa é portadora das
liberdades de ambos os tipos como um direito básico. Mas Rawls vai além e
argumenta que as liberdades políticas devem ser asseguradas por seu “valor
justo” (RAWLS, 1999a, p. 243). Isso significa que as chances de ocupar cargos e
exercer influência política devem ser independentes da posição socioeconômica.
Caso contrário, "o poder político se acumula rapidamente e se torna
desigual" (RAWLS,1999a, p. 199). Para preservar o valor justo, Rawls não segue
a estratégia de Aristóteles de tornar a participação política um requerimento para
todos os cidadãos. No entanto, ele compartilha com Aristóteles a visão de que a
garantia do valor justo tem o objetivo de promover e sustentar o status comum dos
cidadãos de cidadãos iguais (RAWLS, 1999a, p. 205­206). Além disso, Rawls
concorda com Mill que a participação política contribui para o desenvolvimento
moral dos cidadãos. Como apontado na seção 3.4 acima, quando elogia a democracia
ateniense, Mill escreve que quando o cidadão participa na deliberação pública, “ele
é chamado […] a pesar outros interesses que não só os seus, a ser guiado, no caso
de reivindicações conflitantes, por outra regra que não suas parcialidades privadas;
aplicar a cada passo princípios e máximas que têm como razão de sua existência
o bem geral… é levado a se sentir parte do público, e a tomar os interesses do
último como seus interesses” (MILL, 1991, p. 79). A garantia da liberdade política
tanto fortalece o senso dos cidadãos de seu próprio valor quanto amplia suas
sensibilidades morais.
Na parte III, Rawls volta­se a questão de como os indivíduos adquirem um
desejo de agir de forma justa, e de fazê­lo pelas razões corretas, quando viveram
e se beneficiaram de instituições justas (RAWLS, 1999a, p. 399). A descrição de
Rawls está em débito com a visão de Aristóteles de várias forma. Primeiro, Rawls
defende, como Aristóteles fez, que se instituições adequadas estão estabelecidas,
então as atitudes e comportamentos associados com o desejo de agir justamente
emergirão naturalmente, como resultado de tendências psicológicas que as pessoas
experimentam na vida cotidiana. Pois, sendo as outras coisas iguais, é parte da
138

psicologia humana desfrutar ao máximo do exercício de seus poderes realizados


(ver a discussão de Rawls sobre o que ele chama de Princípio Aristotélico), desfrutar
da realização dos poderes dos outros (ver sua discussão sobre o "efeito companheiro"
do princípio aristotélico), e formar laços de apego e amizade com pessoas e
instituições que promovem o bem de cada um. Segundo e, novamente, como
Aristóteles, Rawls argumenta que se os cidadãos são afortunados de viver em uma
comunidade que provê os bens básicos que eles necessitam para realizar seus
poderes, e que oferece a eles oportunidades para desenvolver e utilizar suas
habilidades em atividades compartilhadas com outros, então eles desenvolverão
um senso estável de seu próprio valor. Este senso é baseado em suas próprias
realizações e em seu status de cidadãos iguais, e não em uma posição mais
vantajosa relativa aos outros. Com um senso estável de seu próprio valor e uma
esperança razoável de realizar seus objetivos, os cidadãos desejarão agir justamente
pelas razões corretas. Eles não serão propensos a rancor, ciúme e inveja hostil,
"um dos vícios de odiar a humanidade" (RAWLS, 1999a, p. 466).
Apenas uma breve discussão desses pontos de coincidência é possível
aqui. Considere, primeiro, as seções 72­73, de Uma Teoria da Justiça, onde Rawls
delineia o que ele chama de três estágios do desenvolvimento moral, governado
por três leis psicológicas. Essas leis explicam como indivíduos passam a ter fins
novos e não­derivados, na medida em que adquirem laços de amor, amizade,
afeição e confiança. Como Aristóteles reconheceu, esses laços ocorrem em indivíduos
à medida que passam a reconhecer a intenção evidente dos outros de agir para o
seu bem e a desfrutar do que eles e outros podem fazer.
No primeiro estágio de desenvolvimento moral, sob o pressuposto que
instituições familiares são justas, as crianças começam a amar seus pais como o
resultado da clara demonstração de seus pais de que seus filhos são amados e
valorizados. No segundo estágio, sob o pressuposto que associações cooperativas
são justamente ordenadas e de que se sabe que são assim, membros de associações
cooperativas razoavelmente bem­sucedidas (“uniões sociais” de Rawls) passam a
desfrutar e valorizar seus parceiros cooperativos. Isso acontece quando os membros
fazem suas partes com responsabilidade, cada um contribuindo para uma meta
mutuamente reconhecida, e onde todos os participantes exibem habilidades
adequadas. Sob essas condições, os participantes passam a desfrutar suas próprias
participações e a exibição das habilidades e aptidões dos outros, e também passam
a formar laços de amizade e confiança com seus parceiros de cooperação. Dado
que as atividades são complementares, os indivíduos podem se ver no que os
139

outros fazem. Desta forma, o senso dos indivíduos acerca do que estão fazendo é
valioso. O amor­próprio deles, para usar a linguagem aristotélica, torna­se uma
conquista do grupo.
Finalmente, no terceiro estágio, na medida em que indivíduos passam a
perceber como as instituições reguladas pelos princípios de justiça promovem seu
bem e o bem de seus concidadãos, eles tornam­se ligados a esses princípios e
desenvolvem um desejo de aplicá­los e de agir de acordo com eles. Como a principal
instituição da pólis ideal de Aristóteles, as instituições reguladas pelo dois princípios
da justiça de Rawls têm somo objetivo promover o bem dos cidadãos através da
promoção das bases sociais da autoestima dos indivíduos (bem primário do
“autorrespeito” de Rawls). A provisão de liberdades iguais de acordo com o primeiro
princípio de justiça permite aos cidadãos formar as associações nas quais seus
objetivos e ideais comuns podem ser perseguidos. Como vimos, essas associações
são necessárias para que o respeito próprio seja produzido e mantido. A garantia
do valor justo da liberdade política, junto com a igualdade justa de oportunidades
sob o segundo princípio de justiça de Rawls, evita o acúmulo excessivo de propriedade
e riqueza e mantém oportunidades iguais de educação para todos, permitindo que
todos com motivação e capacidade semelhantes tenham aproximadamente iguais
perspectivas de cultura e realização (RAWLS, 1999a, p. 63). Tomados juntos, estes
dois princípios garantem que as pessoas tenham esperanças razoáveis de realizar
seus objetivos. Finalmente, o princípio da diferença serve para garantir a todos um
padrão de vida decente, independentemente de qual seja a posição social, os
talentos naturais ou a fortuna de cada cidadão. O princípio da diferença, Rawls
escreve, corresponde a “ideia de não querer ter maiores vantagens, a menos que
isso seja para o benefício de outros que estão menos favorecidos” (RAWLS, 1999a,
p. 90). De várias maneiras, os dois princípios, combinados, equivalem a um
reconhecimento público de que cada cidadão tem o mesmo valor.
Uma vez que as instituições são constituídas, Rawls pensa que os piores
aspectos da divisão social do trabalho podem ser superados. Ninguém, ele escreve
“precisa ser servilmente dependente de outros e forçado a escolher entre ocupações
monótonas e rotineiras que amortecem o pensamento e a sensibilidade humana” (RAWLS,
1999a, p. 464). Aqui Rawls observa os mesmos problemas com muitos tipos de
trabalho remunerado que tanto perturbaram Aristóteles. O trabalho remunerado
muitas vezes limita o exercício do poder de decisão do trabalhador e exige que ele
se conforme à direção dada por outros. Claro, Rawls não sugere resolver esses
problemas como Aristóteles fez. Mas ele acha que eles precisam ser resolvidos e
140

que uma sociedade justa pode resolvê­los, talvez adotando a proposta de Mill (vide
Seção 3.4) de reestruturar os locais de trabalho para se tornarem cooperativas
administradas pelos trabalhadores (MILL, 2001, p. 178).
Para mais discussões da visão de Rawls sobre como as instituições moldam
nossa caráter, confira Freeman (2007, cap. 6) e Edmundson (2017, cap. 3).

4. Questões Contemporâneas sobre o Caráter

Marx, Mill e Rawls sugerem como o caráter pode ser moldado por
circunstâncias anteriores – Marx pelas estruturas econômicas; Mill pelo trabalho
remunerado, vida política e relacionamentos familiar; Rawls pelas instituições
reguladas pelos dois princípios de justiça. No entanto, esses insights sobre o efeito
das instituições no caráter parecem levantar outras questões mais preocupantes:
se nosso caráter é o resultado de instituições sociais e políticas que estão além de
nosso controle, então talvez não estejamos no controle de nosso caráter e nos
tornarmos decentes não é uma possibilidade real.
Susan Wolf é uma das muitas filósofas contemporâneas que aborda essas
questões. Em seu Freedom With Reason, Wolf argumenta que quase toda educação
moralmente problemática poderia ser coerciva, e poderia fazer com que uma pessoa
se tornasse incapaz de ver o que ela deve fazer moralmente ou de agir com base
no reconhecimento do que deve fazer. Como exemplos, Wolf cita cidadãos comuns
da Alemanha nazista, filhos brancos de proprietários de escravos na década de
1850 e pessoas educadas para adotar papéis sexuais convencionais. Wolf pensa
que não há método para determinar quais formações e influências são consistentes
com a capacidade de ver o que deve ser feito e agir de acordo. Consequentemente,
ela pensa que sempre há o risco de sermos menos responsáveis por nossas ações
do que esperamos.
Tal ceticismo pode estar errado. Afinal, se o caráter bom é baseado em
respostas psicológicas que ocorrem naturalmente, respostas que a maioria das pessoas
(incluindo pessoas educadas para adotar crenças racistas e sexistas) experimentam
sem dificuldade, então a maioria das pessoas deveria ser capaz de se tornar melhor
e ser responsável por ações que expressam (ou poderiam expressar) seu caráter.
Ainda assim, isso não quer dizer que mudar o caráter de alguém seja fácil,
direto ou rapidamente alcançado. Se o caráter é formado ou malformado pelas
estruturas política, econômica e da vida familiar, então mudar o caráter de alguém
141

pode exigir acesso às forças transformadoras apropriadas, que podem não estar
disponíveis. Nas sociedades modernas, por exemplo, muitos adultos ainda trabalham
em empregos alienantes, que não proporcionam oportunidade de realizar os poderes
humanos e de experienciar os prazeres da autoexpressão. Isto se aplica especialmente
às mulheres, devido a arranjos domésticos desiguais, responsabilidade quase total
de cuidar de crianças e segregação sexual no local de trabalho, muitas vezes
enfrentando empregos sem futuro e de baixa remuneração, que incentivam
sentimentos de ódio por si mesmas. Em uma família em que o poder econômico e,
consequentemente o psicológico, é desigual entre mulheres e homens, a afecções
como Mill reconheceu, pode prejudicar ambas as partes. Então, muitas mulheres
e homens hoje podem não estar bem posicionados para desenvolver completamente
as capacidades psicológicas que Aristóteles, Marx, Mill e Rawls consideravam
fundacionais para o caráter virtuoso.
Essas considerações indicam porque o caráter se tornou uma questão
central não apenas em ética, mas também na filosofia feminista, filosofia política,
filosofia da educação e filosofia da literatura. Se desenvolver caráter moral bom
requer ser membro de uma comunidade na qual cidadãos podem realizar completamente
seus poderes humanos e laços de amizade, então necessitamos perguntar como
as instituições educacionais, econômicas, políticas e sociais devem ser estruturadas
para tornar esse desenvolvimento possível. Alguns filósofos contemporâneos estão
abordando hoje essas questões. Por exemplo, Martha Nussbaum utiliza as virtudes
aristotélicas para delinear um ideal democrático em (1990b). Andrew Mason (1996)
explora como as forças do mercado capitalista dificultam o florescimento das virtudes.
Jon Elster (1987) interpreta Marx como alguém que oferece um concepção de vida
boa que consiste em autorrealização ativa, que pode ser promovida ou impedida
por instituições econômicas e políticas. John Bernard Murphy (1993) reconstrói a
visão de Aristóteles sobre deliberação prática e tomada de decisão para mostrar
como elas podem produzir uma teoria do trabalho produtivo que nos ajude a ver o
que há de errado com o trabalho no mundo contemporâneo e como reorganizá­lo.
Rosalind Hursthouse (2001) aplica uma visão aristotélica das emoções em uma
investigação acerca de atitudes racistas. Marcia Homiak (2010) desenvolve as
visões de Aristóteles e Mill sobre o poder transformador das instituições para explorar
as possibilidades de viver virtuosamente em um mundo imperfeito. Laurence Thomas
(1989) usa as discussões de Aristóteles do amor próprio e amizade para argumentar
que essa última auxilia a desenvolver e manter um caráter moral bom. E se alguém
está interessado em entender o que é a natureza moral do caráter e até que ponto
142

pode ser alterado, encontrará exemplos úteis tanto do bom como do mau caráter
moral em escritores literários. Para uma discussão filosófica do uso do caráter nos
escritores literários, confira Taylor (1996) e Nussbaum (1990a).
Finalmente, pode ser útil notar que esta breve discussão da história das
visões filosóficas do caráter indica que o caráter tem desempenhado, ou pode
desempenhar, um importante papel em uma variedade de tradições éticas ocidentais,
desde visões centradas nas virtudes gregas ao kantismo, utilitarismo até o marxismo.
Desse modo, a alegação provocativa de Anscombe com a qual este verbete começou
– que as duas maiores tradições na teoria moral moderna (kantinismo e utilitarismo)
tem ignorado questões acerca das virtudes e do caráter para seu próprio prejuízo
– não parece completamente verdade. Não obstante, alguns dos pontos de vista
levantados aqui parecem dar um papel mais proeminente ao caráter e virtude do
que outros. Não é fácil explicar precisamente no que consiste essa proeminência.
Embora um tratamento completo dessas questões esteja além do escopo deste
ensaio, uma indicação preliminar de como elas podem ser abordadas pode ser
oferecida. Para mais discussões dessas questões, veja Trianosky (1990), Watson
(1990), Homiak (1997) e Hursthouse (2001).
Como este verbete tem indicado, a visão de Kant pode fornecer um papel
para a virtude, pois é importante para Kant que cumpramos nossos deveres
imperfeitos com o espírito correto. A pessoa virtuosa possui as tendências propriamente
cultivadas de sentir, que tornam mais fácil cumprir seus deveres imperfeitos. Esses
sentimentos apoiam seu reconhecimento do que é correto e são um sinal que ela
está disposta a cumprir com seus deveres. Dado a visão de Kant das emoções
como recalcitrantes e em contínua necessidade de controle da razão, a virtude
equivale a uma espécie de autodomínio ou continência. Pode­se colocar isso dizendo
que, para Kant, o caráter virtuoso é subordinado às reivindicações da razão prática.
Por outro lado, a visão de Aristóteles é usualmente considerada com um
exemplo paradigmático de uma “ética das virtudes”, uma ética teórica que dá
prioridade ao caráter virtuoso. Para ver o que isso pode significar, lembre­se de
que, para Aristóteles, a pessoa virtuosa possui um amor próprio genuíno e desfruta
mais do exercício de suas habilidades de pensar e conhecer. Esse usufruto guia
suas determinações práticas de quais ações são apropriadas em quais circunstâncias,
e a torna pouco atraída pelos prazeres associados aos vícios comuns. Suas
tendências emocionais propriamente cultivadas não são vistas como aspectos
recalcitrantes de seu ser, que precisam ser controlados pela razão. Antes, suas
decisões práticas são informadas e guiadas pelo usufruto que ela tem em seus
143

poderes racionais. Alguém pode colocar isso dizendo que, na visão de Aristóteles,
a deliberação prática é subordinada ao caráter.
Então, alguém pode perguntar se as outras visões éticas tomam a deliberação
prática como sendo subordinada ao caráter, ou vice­versa. Como este verbete tem
indicado, Hume aparece estar do lado de Aristóteles, e dá prioridade ao caráter
sobre a deliberação prática. Pois ele sugere que alguém com as virtudes naturais
baseadas na autoestima terá os poderes imaginativos mais amplos necessários
para a deliberação correta do ponto de vista do espectador judicioso. Se Mill pensava
ou não que o caráter é subordinado à razão pode depender do tipo de utilitarismo
que ele defendeu. Se ele é um utilitarista de motivos que pensa que alguém deve
agir do modo como agiria a pessoa com os motivos e virtudes mais produtivos para
a felicidade, então poderia se argumentar que ele deu prioridade ao caráter sobre
a razão prática. Se, por outro lado, ele é um utilitarista de ato ou de regra, então
parece que ele daria ao caráter um papel subordinado à razão. Essas breves
observações indicam que a questão de se um teórico ético dá prioridade ao caráter
pode ser determinada apenas por uma análise completa dos vários elementos
críticos da visão desse filósofo.

5. Caráter Moral e Estudos Empíricos

5.1. O desafio apresentado pelo situacionismo

Esta seção começará com uma breve discussão de alguns trabalhos


filosóficos recentes sobre o caráter que se baseiam em resultados dentro psicologia
social experimental. Esses trabalhos filosóficos colocam em questão as concepções
de caráter e virtude que são de interesse, especialmente, dos moralistas gregos
antigos e dos filósofos contemporâneos, os quais os trabalhos derivam das visões
antigas. Filósofos impressionados por essa tradição em psicologia social experimental,
que é frequentemente rotulada de “situacionismo”, negaram que os traços de caráter
sejam estáveis, consistentes ou avaliativamente integrados da maneira que os
filósofos antigos ou contemporâneos sugerem. Os moralistas antigos assumiam
que as virtudes são, na descrição de John Doris, “traços robustos: se uma pessoa
tem um traço robusto, pode­se esperar que eles exibam comportamentos relevantes
para os traços em uma ampla variedade de situações relevantes para os traços,
144

mesmo quando algumas ou todas essas situações não conduzem perfeitamente a


tal comportamento” (2002, p. 18). Doris e outros argumentam que traços não são
robustos nesse sentido. Eles não são estáveis ou consistentes, e são erroneamente
invocados para explicar por que as pessoas agem como agem. Ao contrário, esses
filósofos argumentam que, como a tradição experimental indica, muito do comportamento
humano pode ser atribuído a características aparentemente triviais das situações
em que as pessoas se encontram. Daí a adequação do rótulo de “situacionista”
para os filósofos que defendem essas visões. Para variações dessa visão, consulte
Harman (1999, 2000), Doris (2002) e Vranas (2005).
Está além do escopo desta entrada discutir este trabalho em detalhe. Algumas
observações resumidas, entretanto, são necessárias. Para uma discussão detalhada,
consulte os verbetes sobre abordagens empíricas do caráter moral, seção 1, e
psicologia moral: abordagens empíricas, seção 4 [ambos disponíveis neste volume].
O ceticismo acerca de traços de caráter robustos emergem de alguns
experimentos famosos em psicologia social. Por exemplo, em um experimento, as
pessoas que encontraram uma moeda de dez centavos em uma cabine telefônica
tinham muito mais probabilidade de ajudar um colega que deixou cair alguns papéis
do que aqueles que não encontraram uma moeda de dez centavos. Outro experimento
envolveu estudantes do seminário que concordaram em palestrar sobe a importância
de ajudar aqueles em necessidade. No caminho para o prédio onde suas palestras
seriam dadas, eles encontraram um colega caído e gemendo. Aqueles que foram
informados de que já estavam atrasados eram muito menos propensos a ajudar do
que aqueles que foram informados de que tinham tempo de sobra. Esses experimentos
são feitos para mostrar que fatores menores sem significado moral (encontrar um
moeda, estar com pressa) estão fortemente relacionados com o comportamento
de ajudar as pessoas.
Mais prejudiciais para a visão robusta do caráter talvez sejam os resultados
dos experimentos conduzidos por Stanley Milgram na década de 1960. Nesses
experimentos, a grande maioria dos sujeitos, quando educadamente, embora
firmemente solicitados por um experimentador, estavam dispostos a administrar o
que eles pensavam ser choques elétricos cada vez mais severos em uma "vítima"
gritando. Esses experimentos são feitos para mostrar que se os sujeitos tinham
tendências compassivas, essas tendências não podem ter sido do tipo que as
características robustas requerem.
Filósofos influenciados pela tradição experimental em psicologia social
concluem que as pessoas não possuem traços de caráter amplamente estabelecidos,
145

estáveis e consistentes que foram de interesse dos moralistas antigos e modernos,


ou de filósofos contemporâneos trabalhando com alguma versão daquelas visões.
Antes, os estudos psicológicos supostamente mostram que pessoas geralmente
possuem apenas traços limitados e “locais” que, não são unificados com outros
traços em um padrão comportamental amplo. Pessoas são solícitas quando estão
de bom humor, mas não são solícitas quanto estão com pressa, ou são honestas
em casa, mas não são honestas no trabalho. Desse modo, este ceticismo sobre
traços robustos apresenta um desafio aos filósofos contemporâneos, especialmente
aqueles que trabalham com alguma versão das visões antigas: trata­se do desafio
de desenvolver uma descrição do caráter que é consistente com os resultados empíricos.

5.2. Algumas réplicas ao situacionismo

Essas interpretações dos experimentos em psicologia social têm sido


desafiadas por psicólogos e filósofos, especialmente por filósofos trabalhando na
tradição da ética das virtudes (vide verbete deste volume relacionado a Ética das
Virtudes), que defendem que os traços de caráter criticados pelos situacionistas
têm pouco a ver com a concepção de caráter associada com os moralistas antigos
e modernos. Os críticos dizem que os situacionistas confiam na compreensão dos
traços de caráter como disposições isoladas e frequentemente não reflexivas para
se comportarem de maneiras estereotipadas. Eles assumem erroneamente que os
traços podem ser determinados a partir de um único tipo de comportamento
estereotipicamente associado a esse traço.
Considere novamente os estudos do telefone público e do seminarista.
Pode parecer óbvio que não se pode responder a todos os pedidos de ajuda, e
pode parecer duvidoso que qualquer pessoa reflexiva pense que devemos. Isto
sugere que ser uma pessoa solícita requer algum pensamento sobre o que é mais
importante na sua própria vida, pois pedidos de ajuda podem justificadamente ficar
sem resposta, se a pessoa acreditar que responder irá interferir em fazer outra coisa
que ela considera de maior importância moral. Portanto, não devemos esperar que
o comportamento de ajuda seja totalmente consistente, dadas as situações complexas
em que as pessoas se encontram. Alguns filósofos discutidos neste verbete, tais
como os teóricos da lei natural (na seção 3.1) e Kant (na seção 3.2) podem defender
este ponto lembrando­nos da distinção entre deveres perfeitos e imperfeitos. Ao
contrário dos deveres perfeitos, que requerem que tomemos ou renunciemos as
146

certas ações, o dever de ajudar os outros em necessidade é imperfeito, pois como,


quando e a quem ajudamos não é precisamente especificável e, portanto, fica a
critério do indivíduo. O ponto geral, com o qual muitos dos moralistas antigos e
modernos concordariam, é que ser solícito não pode ser entendido isoladamente
dos outros valores, objetivos e traços que o indivíduo possui. (Para discussão de
como valores podem ser unificados, confira o trabalho de Wolf, de 2007).
Considere os experimentos Milgram. Durante os experimentos muitos dos
sujeitos de pesquisa protestaram enquanto continuaram a obedecer aos comandos
do experimentador. Em entrevistas pós­experimento com os sujeitos, Milgram notou
que muitos estavam completamente convencidos de que o que eles estavam fazendo
era errado. Mas a presença de conflito não precisa indicar ausência ou perda de
caráter. Na concepção tradicional de caráter, tal como examinada neste verbete,
muito dos sujeitos de pesquisa de Milgram são melhor descritos como incontinentes.
Eles possuem caráter, mas ele não é nem virtuoso nem vicioso. Parece que muitos
de nós participamos desta categoria. Frequentemente, nós reconhecemos o que é
correto fazer, mas mesmo assim não fazemos.
Em resumo, os críticos dizem que os situacionistas dependem de uma visão
simplificada de caráter. Eles assumem que o comportamento é frequentemente
suficiente para indicar a presença de um traço de caráter, e ignoram os outros aspectos
psicológicos do caráter (tanto cognitivos como afetivos) que, para a maioria dos
filósofos discutidos nesta entrada, formam um conjunto mais ou menos consistente
e integrado de crenças e desejos. Em particular, dizem os críticos, os situacionistas
ignoram o papel da deliberação prática (ou, no caso do caráter virtuoso, a sabedoria prática).
Para variações dessas respostas aos situacionistas, consulte Kupperman
(2001), Kamtekar (2004), Radcliffe (2007), Sabini e Silver (2005), Sreenivasan
(2013) e, ainda, confira Von Wright (1963, 136­154).

5.3. Alguns enfoques empíricos das visões aristotélicas de caráter

Alguns trabalhos filosóficos recentes sobre o caráter objetivam responder


diretamente ao ceticismo gerado pelo desafio situacionista. A resposta consiste em
desenvolver uma teoria da virtude fundamentada em estudos psicológicos que são
compatíveis com a existência de traços robustos. Esta seção fornece um breve
resumo de dois desses enfoques da virtude.
147

Para uma discussão extensa e com nuances, confira Miller (2013, 2014)
e a Seção 2 do verbete Enfoques empíricos do caráter moral, presente neste volume).
Um dos enfoques é inspirado pelo “sistema de personalidade cognitivo­
afetiva” (o chamado modelo SPCA [em português] e CAPS model [em inglês], que
tem sido desenvolvidos por psicólogos sociais e cognitivos. Ao invés de procurar
por evidências empíricas de traços robustos em regularidades comportamentais
entre tipos diferentes de situações, o modelo SPCA (e filósofos influenciados por
ele) foca­se na relevância de como os agentes entendem a situação na qual se
encontram. O modelo entende a estrutura da personalidade como a organização
de relações entre “unidades cognitivo­afetivas”. Essas unidades são agrupamentos
de disposições par sentir, desejar, acreditar e planejar que, uma vez ativados,
causam a formação de vários pensamentos, sentimentos e comportamentos.
Filósofos que fundamentam seu entendimento da virtude neste tipo de teoria
psicológica estendem o modelo SPCA para cobrir traços virtuosos robustos de
caráter. Essas traços são vistos como disposições duradouras que incluem os
agrupamentos apropriados de pensamento (razão prática), desejo e sentimento,
manifestados no comportamento situacional cruzado.
Para uma discussão detalhada do modelo SPCA e seu possível valor para
os filósofos, confira Miller (2003, 2014), Russell (2009) e Snow (2010).
Outros filósofos não pensam que a extensão do modelo SPCA seja
especialmente útil, pois não parece nos mover para além do nosso entendimento
de senso comum da virtude. Estamos preparados para partir da ideia de que ser
virtuoso não é apenas estar disposto a agir, mas também a sentir, responder e
raciocinar. E não simplesmente raciocinar, mas raciocinar bem. Para que esta
abordagem seja útil, precisamos de alguma descrição sobre o que consiste no
raciocínio prático excelente.
Alguns filósofos pretendem fornecer o que é necessário olhando para os
estudos psicológicos do prazer6 . Eles propõem que virtudes são análogas a (algumas)
habilidades, no sentido de que o tipo de habituação envolvida no desenvolvimento
e atuação de um caráter virtuoso é como o tipo de habituação inteligente típica do
desenvolvimento e exercício de (algumas) habilidades complexas. Os estudos

6 N.T.:No original consta o termo enjoyment que pode ser traduzido como “prazer” ou
como, aproximadamente, a “sensação de usufruir de prazer”, por uma questão de
simplicidade, preferimos manter o termo “prazer”.
148

empíricos do prazer mostram que, outras coisas sendo iguais, nós usufruímos do
exercício de habilidades desenvolvidas, e quanto mais complexa a habilidade, mais
usufruímos de seu exercício. Se a aquisição e exercício da virtude é análogo ao
desenvolvimento e exercício de uma habilidade complexa, nós podemos, este
enfoque sugere, explicar uma variedade de pontos centrais sobre atividades virtuosas
– por exemplo, que, assim como (algumas) habilidades, a atividade virtuosa é
experenciada como sendo seu próprio fim, como sendo aprazível nela mesma e,
então como valiosa em si. Para uma discussão virtude como algo similar à habilidade
complexa, confira os trabalhos de Annas (2011), Bloomfield (2014), Stichter (2007,
2011) e, ainda, consulte Sherman (1989).
Situacionistas podem insistir e responder que enfatizar o papel da expertise
no raciocínio prático é tornar o caráter moral bom um ideal que muito poucos de
nós pode realizar, se é que alguém pode. Sob algumas concepções de conhecimento
moral, tal como a proposta por Platão na República, adquirir o conhecimento
necessário para virtude leva mais de 50 anos de treinamento psicológico e intelectual.
E, como indicado na seção 2.4 deste verbete, na visão de Aristóteles a completa
realização de nossos poderes racionais, que é requerida para o caráter moral bom,
não é algo que podemos alcançar por conta própria. O desenvolvimento e preservação
do caráter moral bom requer instituições políticas que promovam as condições sob
as quais o amor­próprio e a amizade floresçam. O situacionista pode questionar o
quão útil a concepção tradicional de caráter bom pode ser, se adquirir caráter
virtuoso é um processo longo e difícil tornado possível por instituições sociais que
ainda não existem. O situacionista pode tomar esses problemas como indício para
sua visão de que estamos melhores pensando em termos de traços locais ao invés
de traços robustos.
Concluindo, é apropriado relembrar a discussão da seção 4 acima. Por
um lado, sob uma visão de caráter tal como a de Aristóteles, que se baseia nas
capacidades comuns de experimentar os prazeres da autoexpressão e de responder
com sentimentos amigáveis aos esforços dos outros para ajudar, quase todos são
capazes de se tornar melhores. Por outro lado, se Aristóteles e outros (tais como
Marx, Mill, T.H. Green e Rawls) estiverem corretos sobre o fato de esse caráter ser
moldado pelas instituições políticas, econômicas e a vida familiar, então, tornar­se
bom exigirá acesso às instituições apropriadas. No entanto, isso não quer dizer
que se tornar bom está fora de nosso alcance. Pode ser útil aqui lembrar a descrição
de Rawls de uma "utopia realista" em O Direito dos Povos quando, seguindo
Rousseau no O Contrato Social, ele escreve que as instituições justas consideram
149

"os homens como eles são" e "as leis como deveriam ser". (Rawls, 1999b, p. 7)
Nossa natureza psicológica e as instituições que promovem boas qualidades de
caráter são, na opinião dele e de outros discutidos ao longo deste verbete, congruentes.

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Abordagens Empíricas Para o Caráter Moral*

Autoria: Christian B. Miller


Tradução: Mayara Roberta Pablos
Revisão: Ramiro de Ávila Perez

A virada do século viu um aumento significativo na quantidade de atenção


prestada pelos filósofos às questões empíricas sobre o caráter moral. Remontando
pelo menos a Platão e Aristóteles no Ocidente, e Confúcio no Oriente, os filósofos
tradicionalmente se basearam em dados empíricos até certo ponto em suas teorias
sobre o caráter. Uma das principais diferenças nos últimos anos tem sido a fonte
desses dados empíricos, ou seja, o trabalho de psicólogos sociais e da personalidade
sobre pensamento e ação moralmente relevantes.
Este apontamento examina brevemente quatro abordagens empíricas
recentes do caráter moral. Ele se baseará na literatura da psicologia quando

* MILLER, C. B. Empirical Approaches to Moral Character. In: ZALTA, E. N. (ed.). Stanford


Encyclopedia of Philosophy. Spring Edition. Stanford, CA: The Metaphysics Research
Lab, 2021. Disponível em: https://plato.stanford.edu/archives/spr2021/entries/moral­
character­empirical/. Acesso em: 13 mai. 2022.

The following is the translation of the entry on “Empirical Approaches to Moral Character”
by Miller, Christian B, in the Stanford Encyclopedia of Philosophy. The translation follows
the version of the entry in the SEP’s archives at <https://plato.stanford.edu/archives/
spr2021/entries/moral­character­empirical/>. This translated version may differ from the
current version of the entry, which may have been updated since the time of this
translation. The current version is located at HYPERLINK "https://plato.stanford.edu/
entries/moral­character­empirical/. We’d like to thank the Editors of the Stanford
Encyclopedia of Philosophy, mainly Prof. Dr. Edward Zalta, for granting permission to
translate and to publish this entry.
154

apropriado, mas o foco principal será na importância desse trabalho para os filósofos
interessados em compreender melhor o caráter moral. As quatro áreas são
situacionismo, o modelo CAPS, o modelo Big Five e o VIA. O restante deste
apontamento dedica uma seção a cada um deles.

1. Situacionismo na filosofia

No final dos anos 1960 e 1970, o que se tornou o movimento situacionista


na psicologia assumiu o centro das atenções. Seguiu­se um intenso "debate pessoa­
situação", que pôs em questão a existência de traços tradicionais de personalidade
e até mesmo a necessidade da disciplina da psicologia da personalidade. Os
escritores que descrevem esta era a chamam de “traumática” e “intensa”, envolvendo
“guerra” e “batalhas acaloradas, mas fúteis” (MISCHEL, 2009, p. 283; 1999, p. 39).
Na década de 1980, porém, muitos psicólogos se separaram do movimento
situacionista e hoje, muito poucos, concordariam com as afirmações feitas naquela época.

1.1. Um argumento contra a ética das virtudes aristotélica

Esta abordagem não se aprofundará no debate em psicologia (vide MILLER,


2014, cap. 4). É mencionada, no entanto, a fim de preparar o cenário para o
movimento situacionista muito posterior na filosofia. Os principais filósofos responsáveis
por iniciar essa discussão foram Gilbert Harman, em uma série de artigos que datam
de 1999, e John Doris em vários artigos e, mais importante, em seu livro de 2002,
Lack of Character: Personality and Moral Behavior (HARMAN, 1999, 2000, 2001,
2003, 2009; DORIS, 1998, 2002, 2010; MERRITT et al. 2010). Para outros pontos
de vista, consulte Blackburn (1998, p. 36­37) Campbell (1999), Hurka (2001, p. 44),
Goldie (2004, cap. 3), Vranas (2005), Appiah (2008, cap. 2), Upton (2009), Badhwar
(2009), Sarkissian (2010) e Alfano (2013). Em termos gerais, Harman e Doris usaram
estudos e afirmações que foram influentes durante o movimento situacionista na
psicologia e os aplicaram a debates na teoria ética contemporânea. Em particular,
seu foco era como os dados empíricos, como eles os interpretavam, poderiam
causar problemas para a ética das virtudes aristotélica.
Sua ampla estratégia argumentativa procedeu em duas etapas:
155

Estágio um. Baseia­se em estudos de psicologia


para mostrar que as pessoas normalmente não têm
o que chamam de traços de caráter globais.

Estágio dois. Mostra que esse é um problema sério


para a ética das virtudes aristotélica, bem como para
qualquer outra visão da ética normativa que esteja
comprometida de alguma forma central com traços
de caráter globais.

Primeiro, precisamos esclarecer o que são os traços de caráter globais


antes de mergulhar nos detalhes dos dois estágios. De acordo com Doris, os traços
de caráter globais têm duas características principais:

Consistência. Traços de caráter são confiavelmente


manifestados no comportamento relevante ao traço
através de uma diversidade de condições evocativas
relevantes ao traço que podem variar amplamente
em sua condução à manifestação do traço em questão.

Estabilidade. Traços de caráter são confiavelmente


manifestados em comportamento relevante ao traço
ao longo de testes iterativos de semelhantes condições
de evocativas relevantes ao traço (DORIS, 2002, p.
22). Um terceiro recurso que ele menciona, integração
avaliativa, não influencia muito em sua discussão.

Um exemplo ajudaria. Considere a temperança. Espera­se que uma pessoa


com essa característica a exiba ao longo do tempo no mesmo tipo de situação, por
exemplo, ao comer em restaurantes. Mas ela também deve exibi­lo em situações
relevantes para o traço, como beber, praticar atividade sexual e assim por diante,
bem como comer em casa, comer em aeroportos, comer com amigos, comer sozinho,
e assim por diante. Ele se aplica a outros exemplos do que podemos chamar de
virtudes “tradicionais”, como coragem, honestidade e gentileza. Vícios como crueldade
e desonestidade também contam como traços de caráter globais.
Com esse pano de fundo estabelecido, vamos nos voltar para as duas etapas.
156

1.1.1. Estágio um: Contra a posse generalizada de traços de caráter globais

Com base em certos estudos em psicologia, Harman e Doris raciocinaram


aproximadamente da seguinte forma (MILLER, 2014, p. 192):

Se houver uma posse generalizada das virtudes e


vícios tradicionais entendidos como traços de caráter
globais, então a observação empírica sistemática
usando experimentos psicológicos apropriados
revelará a maioria das pessoas se comportando de
certa maneira.

No entanto, a observação empírica sistemática usando


experimentos psicológicos apropriados falha em
revelar que a maioria das pessoas age dessa maneira.

Portanto, não há uma posse generalizada das virtudes


e vícios tradicionais entendidos como traços de caráter
globais (vide DORIS, 1998, p. 505­507; MERRITT et
al., 2010, p. 357­358).

O “comportar­se de uma certa maneira” é se comportar virtuosamente.


Isso pode referir­se ao comportamento virtuoso ao longo do tempo nas mesmas
situações (estabilidade) ou ao comportamento virtuoso em todas as situações
(consistência cruzada entre situações).
Harman e Doris não aceitaram que as evidências experimentais desafiam
a estabilidade dos traços de caráter. Como veremos a seguir, eles ficaram satisfeitos
em aceitar a posse generalizada do que chamavam de traços de caráter “locais”,
que se restringem a limitadas situações, como comer em casa. Em vez disso, seu
foco estava na consistência cruzada entre situações dos traços globais. Ali eles
pensaram que havia boas razões empíricas para acreditar que a maioria das pessoas
não têm virtudes e vícios que exibam um comportamento consistente ao longo de
situações relevantes para os traços.
Uma maneira através da qual eles poderiam ter argumentado sobre isso
seria examinando a literatura psicológica a respeito de uma variedade de diferentes
tipos de comportamento moral, como roubar, ajudar, comer, machucar e assim por
diante, e ver se os dados eram compatíveis com as correspondentes virtude (ou
157

vício). Em vez disso, porém, Harman e Doris escolheram a estratégia de concentrar­


se em grande detalhe em apenas uma virtude, a compaixão, e usar a literatura da
psicologia sobre comportamento pró­social.
A escolha da compaixão fez muito sentido, dado o estado da literatura
empírica. Existem numerosos estudos realizados nos últimos sessenta anos sobre
comportamentos de auxílio, em contraste com outros tipos de comportamento
moralmente relevantes que podem pertencer a outras virtudes. No entanto, Harman
e Doris não consideraram a conclusão de seu argumento aplicando­se apenas a
uma virtude e, portanto, esperavam que estudos futuros em outras áreas da
moralidade, quando combinados com quaisquer estudos que temos atualmente,
contassem uma história semelhante sobre a ausência de virtude.
Com foco na ajuda e na compaixão, aqui estão três dos estudos que
ocuparam um lugar central em sua discussão:

Moeda na cabine telefônica. Os psicólogos Isen e


Levin (1972) fizeram com que um grupo experimental
encontrasse uma moeda de dez centavos na fenda
de devolução de moedas de uma cabine telefônica,
enquanto o grupo de controle não. Os indivíduos de
ambos os grupos subsequentemente tiveram a
oportunidade de ajudar a recolher papéis caídos.
88% do grupo experimental ajudou; apenas 4% no
grupo de controle o fez. Houve problemas na replicação
deste estudo, mas existem muitos outros estudos
sobre o efeito do humor sobre comportamento de
auxílio que encontraram um padrão semelhante (vide
MILLER, 2013, cap. 3).

Dama em perigo. No experimento Lady in Distress,


de 1969, os participantes ouviram um estrondo na
sala ao lado, juntamente com o grito de uma mulher.
Parecia que uma estante de livros havia caído sobre
ela, e gritos de dor rapidamente se seguiram. A
questão era se os participantes fariam algo para
ajudar. Aqueles que estavam sozinhos ajudaram 70%
do tempo. Mas, surpreendentemente, se um participante
estivesse na mesma sala com um estranho, que não
fez nada para responder, a ajuda acontecia apenas
158

7% das vezes (LATANÉ; RODIN, 1969, p. 193­195;


LATANÉ; DARLEY, 1970, p. 60­63).

Obediência à autoridade. Os experimentos de


choque de Stanley Milgram são indiscutivelmente os
mais famosos da história da psicologia. Especialmente
relevante é o experimento cinco, onde um participante
tinha que fazer um teste em uma pessoa inocente
em outra sala e girar um controle com choques cada
vez maiores para cada resposta errada. A 270 volts,
o participante do teste exigiu ser liberado do teste e
estava dando gritos agonizantes. Em níveis mais
elevados, os apelos tornaram­se desesperados e
histéricos. No entanto, sob pressão de uma figura de
autoridade, 80% dos participantes foram pelo menos
para 270 volts e 65% foram até o nível XXX de 450
volts, que foi um nível letal de choque (assim eles
pensaram) (MILGRAM, 1974, p. 60).

Outros estudos incluem o estudo da pressa do Seminário Teológico de


Princeton (DARLEY; BATSON, 1973) e o experimento da prisão de Zimbardo (HANEY
et al., 1973).
Como esses estudos devem ser contra a posse generalizada da virtude
da compaixão? Não é apenas que eles mostram pessoas se comportando menos
do que virtuosamente em todas as três situações experimentais. Afinal, quando os
participantes encontraram uma moeda de dez centavos, ou quando os participantes
estavam sozinhos na sala ao lado, eles se propuseram a ajuda. Em outra versão
do experimento de Milgram, quando os participantes no nível de 150 volts ouviam
comandos de duas figuras de autoridade que contradiziam uma à outra, eles
imediatamente pararam naquele nível ou mais um nível acima dele (MILGRAM,
1974, p. 95, 105­107).
Em vez disso, o alegado conflito com a virtude da compaixão decorre do
aparente fracasso da maioria dos participantes em ser apropriadamente sensível às
considerações moralmente relevantes. Uma pessoa compassiva não demonstraria
um comportamento de ajuda a encontrar uma moeda, ou que é sensível (em uma
emergência) à presença de um espectador indiferente. Nem seriam tão insensíveis
aos gritos e eventual morte de um candidato num teste. Como Harman e Doris escreveram,
159

tanto as omissões decepcionantes quanto as ações


aterrorizantes são prontamente induzidas por meio
de situações aparentemente menores. O que torna
essas descobertas tão impressionantes é o quão
insubstanciais as influências situacionais que
produzem falhas morais preocupantes parecem ser
(MERRITT et al., 2010, p. 357, grifos no original; vide
DORIS, 1998, p. 507; 2002, p. 2, 28, 35­36; HARMAN,
2003, p. 90).

É importante deixar claro exatamente o que Harman e Doris consideravam


estar defendendo, aqui baseado em Miller (2014, p. 193­194). Eles não devem ser
lidos como afirmando o seguinte: em bases metafísicas, a propriedade de ser
compassivo não existe.
Esta é uma questão de debate para a metafísica, e não é algo que esses
experimentos psicológicos pudessem estabelecer. Além disso, eles não devem ser
lidos como argumentos a favor da forte afirmação empírica de que: nenhum ser
humano jamais teve qualquer uma das virtudes ou vícios tradicionais, como a
compaixão, seja por uma questão de necessidade psicológica ou por uma questão
de fato contingente.
Doris admitiu que, pelo que os próprios estudos mostraram, pode haver
algumas pessoas virtuosas e algumas pessoas perversas (DORIS, 2002, p. 60, 65,
112, 122; vide VRANAS, 2005, p. 16).
Ao mesmo tempo, seria um erro pensar que eles estavam apenas defendendo
uma alegação de ausência de evidências como: dadas as evidências psicológicas,
não temos justificativa para acreditar, com base nessa evidência, que a maioria das
pessoas possui as virtudes ou vícios tradicionais, como a compaixão.
Eles realmente aceitaram isso, mas também fizeram afirmações mais
fortes. Harman disse que, “pode até ser o caso de não existir tal coisa como
caráter” (Harman, 1999, p. 328). Para qualificações recentes, confira Harman (2009,
p 238, 241). Doris (1998, p. 506; 2002, p. 2) argumentou que “normalmente falta
caráter às pessoas”. Em um artigo em coautoria com Maria Merritt, eles disseram
juntos que “o comportamento não é tipicamente ordenado por traços robustos” (MERRITT
et al., 2010, p. 358, grifo no original).
160

Aqui, então, está como se deve entender sua conclusão: dadas as evidências
psicológicas, temos justificativa para acreditar, com base nessa evidência, que a
maioria das pessoas não possui as virtudes ou vícios tradicionais, como a compaixão.
Com isso em mente, passemos ao segundo estágio de sua argumentação.

1.1.2. Estágio Dois: O Problema para a Ética das virtudes aristotélica

Harman e Doris concluíram que a maioria das pessoas não possui virtudes
ou vícios tradicionais e tentaram mostrar que isso tinha consequências problemáticas
para certas posições na teoria ética. Especificamente, seu alvo principal era uma
forma amplamente aristotélica de ética da virtude, bem como quaisquer outras
teorias que fizessem uso de afirmações empíricas sobre traços de caráter globais.
Primeiro, vejamos Harman (1999, p. 319), escrevendo sobre as visões
aristotélicas:

esse tipo de ética das virtudes pressupõe que existem


traços de caráter do tipo relevante, que as pessoas
diferem nos traços de caráter que possuem, e esses
traços ajudam a explicar as diferenças na maneira
como as pessoas se comportam.

Em seguida, apresentamos o que Doris publicou em seu artigo de 1998 (p. 520):

A ética das virtudes aristotélica, quando interpretada


como invocando uma psicologia descritiva geralmente
aplicável [...] está sujeita a críticas empíricas certeiras.

A suposição compartilhada parece ser a de que os aristotélicos fazem não


apenas afirmações normativas, mas também empíricas, em particular que as virtudes
e / ou vícios morais são amplamente internalizados pela maioria das pessoas (vide
MERRITT, 2000, p. 366; SREENIVASAN, 2002, p. 48, 57, 63; SABINI; SILVER, 2005,
p. 538). Dado que no primeiro estágio eles argumentaram que isso não é confirmado
empiricamente, segue­se que a ética das virtudes aristotélica é altamente problemática.
Em seu livro de 2002, o foco de Doris pareceu mudar. Em vez de tentar
mostrar que a falta de virtude e vício forneciam evidências para a falsidade da ética
161

das virtudes aristotélica, ele parecia considerar como resultado principal a praticidade,
ou seja, que a ética da virtude não seria mais relevante para a maioria das pessoas
que não tinham esses traços (DORIS, 2002, cap. 6).
Aqui, neste segundo estágio, é difícil definir exatamente como o argumento
deveria seguir. Mas Harman e Doris tiveram sucesso em gerar muito interesse por
essas questões, principalmente entre os filósofos que acabaram criticando seu trabalho.
O restante desta seção distingue brevemente sete respostas principais ao
argumento situacionista de Harman e Doris e, em seguida, conclui com alguns comentários
sobre como nossos caráteres seriam se, de fato, não temos as virtudes tradicionais.

1.2. Respostas ao argumento

As respostas são organizadas com base na abordagem da primeira ou da


segunda fase do argumento de Harman e Doris.

1.2.1. Respostas que abordam a Primeira Fase

As respostas a seguir abordam o argumento contra traços de caráter globais.

Deficiências de experiências particulares para


avaliar o caráter. Uma pergunta natural a se fazer
é se os experimentos citados por Harman e Doris
realmente mostram que falta à maioria das pessoas
a virtude da compaixão. Vários filósofos argumentaram
que não.

Por exemplo, Miller (2003) levantou questões sobre a Moeda na cabine


telefônica. Sérias preocupações surgiram sobre o experimento na prisão de Zimbardo,
com pedidos para removê­lo dos livros de psicologia (BLUM, 2018). Outros não se
convenceram de que os experimentos de Milgram e o experimento do Seminário
Darley e Batson Princeton, lançaram muita luz sobre a posse da compaixão (vide
SREENIVASAN, 2002, p. 60­61; ANNAS, 2003, p. 14; ADAMS, 2006, p.147; SNOW,
2010, p. 103­107, 111­116). Para uma discussão geral desta linha de resposta, confira
o trabalho de Montmarquet (2003, p. 365­368) e Russell (2009, p. 279­287).
162

Se um número suficiente de estudos for questionado desta forma, então


o estágio um do argumento não funcionaria e, portanto, não importaria como o
segundo estágio do argumento seguiria exatamente. Para críticas a esta resposta,
consulte Russell (2009, p. 279­287).

Virtudes concorrentes. A próxima resposta pode


ser vista como uma versão diferente da anterior. Ela
questiona o primeiro estágio do argumento de Harman
e Doris ao sugerir que os resultados dos estudos
relevantes são melhor interpretados, não como uma
demonstração de falta de virtude, mas sim como uma
sugestão da contribuição de virtudes concorrentes.
Ou uma versão mais fraca dessa resposta diria que,
no mínimo, Harman e Doris não fizeram o suficiente
para descartar essa hipótese.

Por exemplo, ao invés de dizer que o experimento padrão de Milgram é


evidência de que a maioria dos participantes não tinha a virtude da compaixão,
talvez uma interpretação melhor seja dizer que sua compaixão estava sendo
superada pelo trabalho de outra virtude que parecia na época ter maior prioridade
(talvez por engano). Um candidato a essa virtude pode ser a obediência. Ou tome
o estudo da Dama em Perigo. Aqui, novamente, os participantes podem ter sua
compaixão superada por outra virtude, como a confiança, pois seguiram o exemplo
da outra pessoa na sala que não respondeu. Candidatos adicionais para virtudes
concorrentes também podem ser encontrados para os outros estudos que são
mencionados neste debate. Para discussão, confira Solomon (2003, p. 53, 55­56),
Kamtekar (2004, p. 473), Kristjánsson (2008, p. 64­65) e Snow, (2010, p. 106). Para
críticas, veja Harman (2003, p. 91), Prinz (2009, p. 123) e Russell (2009, p. 282­283, 286).

Estados mentais também são importantes. Uma


afirmação comumente feita na literatura situacionista
em psicologia, foi que as chamadas "forças situacionais",
em oposição aos traços de caráter globais ou até
mesmo estados mentais populares mais familiares,
como crenças e desejos, são parte da melhor explicação
para o nosso comportamento (vide ROSS; NISBETT,
1991, p. 59; SABINI; SILVER, 2005, p. 546­554).
163

Em um artigo publicado na revista Ethics em 2005, os principais psicólogos


John Sabini e Maury Silver se envolveram com o trabalho de Harman e Doris
principalmente criticando essa afirmação. A abordagem deles foi reavaliar os
principais estudos, como Lady in Distress, a fim de mostrar que os estados mentais
e talvez até os traços de caráter são de fato centrais para explicar os resultados.
Resumindo sua visão, eles escreveram que,

As pessoas que devem agir em tais circunstâncias


ficam confusas e inibidas pela antecipação do
embaraço, e argumentamos que essa é a lição a ser
tirada da pesquisa em psicologia social. As pessoas
também, sugerimos, não têm consciência de quão
potente é o medo do embaraço como uma motivação
para o comportamento (SABINI; SILVER, 2005, p. 559).

Assim, em contraste com a afirmação sobre as forças situacionais, Sabini


e Silver sustentaram que as causas psicológicas, como o medo do embaraço, são
inelimináveis da melhor explicação e previsão do comportamento moralmente
relevante. Mas eles aceitaram que esses estudos fornecem suporte para a influência
de “características da situação imediata que não são em si mesmas de significância
moral” (2005, p. 561). Assim, juntando as peças, eles pareciam sustentar que
disposições psicológicas existem e constituem vários traços de caráter, mas esses
traços de caráter acabam não sendo virtuosos. Para uma linha de resposta semelhante,
consulte Kupperman (2001, p. 245­247), Solomon (2003, p. 48, 56) e Wielenberg
(2006, p. 471­490). Para críticas, veja os trabalhos de Russell (2009, p 288) e Merritt
et al. (2010, p. 367­369).

CAPS. Filósofos como Nancy Snow e Daniel Russell


fizeram uso do “sistema de personalidade cognitivo­
afetiva” ou modelo “CAPS” na psicologia, no
desenvolvimento de uma resposta aristotélica ao
situacionismo (MILLER, 2003; ADAMS, 2006, p. 131­
138; RUSSELL, 2009, cap. 8­10; SNOW, 2010, cap. 1).

Como o modelo CAPS será abordado na próxima seção, a discussão dessa resposta
foi adiada até então.
164

1.2.2. Respostas que abordam a Segunda Fase

As respostas restantes abordam a ligação da evidência contra traços de


caráter globais, para a conclusão de que a ética das virtudes aristotélica é problemática.

Raridade. Talvez a resposta mais amplamente usada


pelos defensores da ética das virtudes aristotélica, a
resposta à raridade apenas nega que qualquer forma
razoável dessa posição esteja comprometida com a
afirmação empírica de que a maioria das pessoas
possui as virtudes. Em vez disso, a ética das virtudes
poderia ser verdadeira como uma teoria normativa
enquanto, como uma questão de fato contingente, as
pessoas em uma determinada sociedade estão fazendo
um trabalho ruim para adquirir as virtudes. Para algumas
referências entre muitas, confira DePaul (1999, p. 150­
153), Miller (2003), Kamtekar (2004, p. 466), Wielenberg
(2006, p. 490), Russell (2009, p. 170). Para críticas à
resposta, consulte Annas (2003, 2011, p. 173) e Russell
(2009, p. 284).

Esta não é uma revisão ad hoc da posição projetada para defendê­la contra
os desafios situacionistas. Platão e Aristóteles há muito tempo pensavam que a
virtude é rara, assim como a maioria dos filósofos que trabalharam no caráter ao
longo dos anos seguintes. Consulte DePaul (1999) sobre Platão e Ética a Nicômaco
1099b 29­32, 1103b 16­31, 1152a 30­34, 1179b 25­29, 1180a 1­5, 15­19. Como
Aristóteles escreveu,

muitos obedecem naturalmente ao medo, não à


vergonha; evitam o que é vil por causa das penalidades,
não porque é vergonhoso. Pois, como vivem de seus
sentimentos, buscam seus próprios prazeres e as
fontes destes, e evitam as dores opostas, e nem
mesmo têm uma noção do que é bom e
verdadeiramente agradável, uma vez que não
experimentaram isso (EN., 1179b 11­16).
165

Concepção errada do caráter aristotélico. Alguns


aristotélicos reconheceram que Harman e Doris
conseguiram levantar problemas para a adequação
empírica de uma certa imagem de traços de caráter,
mas reclamaram que essa imagem aristotélica não
é suficientemente matizada e sofisticada.

Daí Rachana Kamtekar escreveu,

os traços de caráter concebidos como desmascarados


pelos estudos psicológicos sociais situacionistas têm
muito pouco a ver com o caráter tal como é concebido
na ética das virtudes tradicional. A ética das virtudes
tradicional oferece uma concepção de caráter muito
superior àquela sob ataque do situacionismo
(KAMTEKAR, 2004, p. 460). Para afirmações
semelhantes, confira DePaul (1999, p. 149­150),
Kupperman (2001, p. 241­243) e Annas (2003, p. 13;
2011, p. 172­176).

Kamtekar notou várias diferenças. Uma é que, na teoria aristotélica, as


virtudes deveriam ser “disposições para responder apropriadamente – em julgamento,
sentimento e ação – à situação de alguém” (2004, p. 477). Além disso, Aristóteles
deixou claro que elas exigem sabedoria prática, que é uma “disposição para bem
deliberar sobre o que conduz à boa vida em geral” (2004, p. 480). E, embora as
virtudes exijam consistência entre as situações, isso precisa ser tratado com cuidado,
uma vez que é consistência em relação à própria perspectiva de vida do indivíduo,
moldada por seus valores, objetivos, planos e assim por diante. Portanto, para
observadores externos, alguém pode estar agindo de forma muito inconsistente,
mas de sua própria perspectiva, o padrão de comportamento faz todo o sentido
(2004, p. 485). Para críticas a esta resposta, confira Adams (2006, p. 121), Sosa
(2009, p. 280­283) e Merritt et al. (2010, p. 358­360).

A concepção aristotélica de caráter é a concepção


errada. Outros participantes dessa discussão
mostraram menos interesse em defender as concepções
aristotélicas de caráter. Em vez disso, eles queriam
166

ver o que relatos não­aristotélicos têm a oferecer e


se podem acomodar melhor estudos como os citados
acima. Três exemplos de filósofos que seguiram essa
direção são Maria Merritt, que apoiou a leitura humeana,
Eric Wielenberg, que apoiou a concepção kantiana,
e Edward Slingerland, que apoiou uma abordagem
confucionista (MERRITT, 2000; WIELENBERG, 2006,
p. 466, 469; SLINGERLAND, 2011).

1.2.3. Conclusão

Este não é o lugar para avaliar essas diferentes respostas e ver qual delas
é a mais forte. É importante observar, entretanto, que elas não devem ser tratadas
isoladamente. Por exemplo, alguém pode combinar uma resposta ao primeiro
estágio, como Estados mentais também são importantes, com uma resposta ao
segundo estágio, como Raridade.
Vamos concluir esta discussão com dois pontos. Em primeiro lugar, devemos
considerar brevemente como a descrição empírica sobre caráter poderia parecer
se admitirmos que a maioria das pessoas não possui as virtudes tradicionais. Afinal,
os filósofos podem aceitar essa conclusão sem ter que aceitar os argumentos que
Harman e Doris ofereceram com base na literatura experimental. Como já observado,
Platão e Aristóteles o aceitaram, assim como muitos outros.
Aqui, então, estão algumas das principais opções de como uma narrativa
positiva sobre o real caráter da maioria das pessoas pode ser:
A maioria das pessoas tem vícios, como desonestidade e covardia, que
também são traços de caráter globais. Harman e Doris afirmam que essa posição
também é empiricamente inadequada, mas nem todos concordam (BATES;
KLEINGELD, 2018).
A maioria das pessoas tem traços de caráter local, que são virtudes e vícios
restritos a tipos estreitos de situações, como o tribunal ou o bar. Harman parece
ser receptivo a essa posição, e Doris a aceita explicitamente (DORIS, 1998, p. 507­
508; 2002, p. 23, 25, 64).
A maioria das pessoas tem traços de caráter mistos, que são traços globais
que não são nem bons o suficiente para serem qualificados como virtudes, nem
ruins o suficiente para serem qualificados como vícios. Eles são constituídos por
167

algumas disposições moralmente positivas e algumas disposições moralmente


negativas. Miller (2013, 2014) desenvolve essa posição longamente.
Claramente, muito trabalho adicional é necessário para entender melhor
como nossos caracteres são realmente moldados.
O segundo ponto é que as discussões em filosofia do situacionismo não
mostram sinais de desaceleração, mesmo vinte anos após o surgimento da obra
original de Harman e de Doris. Um desenvolvimento significativo, por exemplo, foi
estender o debate às virtudes e vícios epistêmicos, com implicações potencialmente
preocupantes surgindo para certas formas de epistemologia da virtude (ALFANO,
2012; DORIS e OLIN, 2014; ALFANO; FAIRWEATHER, 2017). Vários outros tópicos
relacionados ao situacionismo permanecem pouco explorados (vide MILLER, 2017).

2. O modelo CAPS

Um ponto levantado pela seção anterior tem a ver com o chamado modelo
de “sistema de personalidade afetivo­cognitivo” ou “CAPS”. Vai dar um pouco de
trabalho apresentar este modelo. Mas vale a pena, uma vez que o CAPS está
recebendo atualmente muita atenção na literatura situacionista em filosofia (MILLER,
2003; ADAMS, 2006, p. 131­138; RUSSELL, 2009, cap. 8­10; SNOW, 2010, cap.
1). Além disso, independentemente de sua relevância para essa literatura, o modelo
CAPS pode ter alguns recursos importantes próprios a oferecer como uma abordagem
empírica para pensar sobre o caráter. Esta seção fornece primeiro o pano de fundo
necessário antes de se voltar para algumas das implicações filosóficas.

2.1 Antecedentes

Walter Mischel é frequentemente aclamado como o líder do movimento


situacionista em psicologia, especialmente em seu livro de 1968, Personality and
Assessment. Mas, como ele observa em um artigo de 1973 (p. 254), esse livro

tem sido amplamente mal interpretado por sugerir que


as pessoas não mostram consistências, que as diferenças
individuais não são importantes e que as “situações”
são os principais determinantes do comportamento.
168

.
Na verdade, ele escreve, “seria um desperdício criar pseudocontrovérsias
que enterram a pessoa contra a situação para ver o que é mais importante (MISCHEL,
1973, p. 255­256)”.
Durante as décadas subsequentes, ele desenvolveu o que veio a ser conhecido
como o modelo CAPS, junto com a ajuda de Yuichi Shoda e Jack Wright, entre outros
(para a declaração principal do modelo, ver MISCHEL e SHODA, 1995). Aqui nos
concentramos em apenas algumas características do modelo, em unidades cognitivo­
afetivas particulares, contingências de situação­comportamento “se­então”, características
psicologicamente salientes das situações e assinaturas comportamentais intraindividuais.

2.1.1. Unidades cognitivo­afetivas

As unidades cognitivo­afetivas são os blocos de construção básicos do


modelo CAPS. Eles não são traços de caráter globais, mas sim estados e processos
mentais específicos. Aqui está a lista de Mischel do artigo de 1973 (p. 265, 275).
Para uma versão atualizada, consulte Mischel e Shoda (1995, p. 252):

Expectativas de resultado de comportamento e de


resultado de estímulo em situações particulares;
Valores de estímulo subjetivo;
Sistemas e planos de autorregulação;
Competências de construção;
Estratégias de codificação e construções pessoais.

Apesar dessa terminologia sofisticada, ao que Mischel está se referindo é


perfeitamente familiar. O primeiro item tem a ver com crenças instrumentais (crenças
sobre os melhores meios para um fim), o segundo com desejos, o terceiro com
metas e planos e os dois últimos com capacidades gerais para processar as
informações recebidas e realizar comportamentos mentais e físicos. Para uma
discussão mais aprofundada, confira Mischel (1973, 1984, p. 353; 2004, p. 4­5, 11;
2009, p. 284 e Shoda (1999, p. 165­171).
169

2.1.2 Contingências Se­Então Situação­Comportamento

Contingências de situação­comportamento se­então são outra


característica central do modelo CAPS. Essas contingências são declarações
condicionais que representam alguma faceta da personalidade de um indivíduo,
onde o “se” é uma situação e o “então” é um comportamento. Por exemplo, Mischel
e seus colegas estudaram o comportamento de crianças em um acampamento de
tratamento de verão. Eles descobriram em um caso que, se uma criança fosse
provocada por um colega, dificilmente apresentaria agressão verbal. Ela não era
verdade, porém, para outra criança. Para dados relevantes deste campo, veja os
trabalhos de Mischel (1984, p. 361­362), Wright e Mischel (1987) e Shoda et al.
(1993, 1994). Essa diferença pode ser explicada apelando­se para suas diferentes
unidades cognitivo­afetivas. Algumas crianças podem querer machucar alguém que
as está provocando, enquanto outras podem querer fugir. Para mais informações
sobre as diferenças individuais no modelo CAPS, confira MISCHEL e SHODA, 1995,
p. 253, 1998, p. 237–240, 2008, p. 211–212). De maneira mais geral, Mischel e
Shoda escrevem que,

as características das situações ativam um conjunto


de reações internas ­ não apenas cognitivas, mas
também afetivas ­ com base na experiência anterior
do indivíduo com essas características (MISCHEL;
SHODA, 1995, p. 251).

E essas reações podem levar a um comportamento subsequente.

2.1.3 Características nominais versus características psicologicamente salientes


de situações

Essa distinção é sempre considerada central para o CAPS e figura com


destaque na literatura filosófica recente sobre caráter (vide RUSSELL, 2009, cap. 8­
10; SNOW, 2010, cap. 1). Características psicologicamente salientes são definidas como:

as características da situação que têm significado


relevante para um determinado indivíduo ou tipo e
170

que estão relacionadas à situação psicológica


vivenciada ­ os pensamentos, afetos e objetivos que
são ativados dentro do sistema de personalidade
(MISCHEL, 2004, p. 15).

As características nominais são definidas como recursos mais genéricos


que os observadores terceirizados usariam para descrever uma situação, como
localização física, hora ou evento. Os exemplos incluem estar na pista de boliche,
almoçar, pagar impostos, conversar no computador com Smith e assistir a um filme
(esta distinção está relacionada à terminologia técnica em psicologia das abordagens
ideográfica versus nomotética. Muito grosseiramente, as abordagens ideográficas
usam os critérios fornecidos pelo participante em questão, enquanto as abordagens
nomotéticas usam critérios fornecidos por indivíduos além do participante). Para
uma discussão cuidadosa, confira Lamiell (1997).
A ideia é que as situações podem parecer muito diferentes para os
observadores com base em suas características nominais, mas para a pessoa em
questão pode haver semelhanças importantes (ou vice­versa). Por exemplo, uma
pessoa pode perceber críticas a si mesma na pista de boliche e no escritório e usar
as mesmas estratégias defensivas em ambos os casos, embora possam parecer
tão diferentes em outros aspectos. A lição mais geral é que os psicólogos precisam
prestar atenção às características nominais e psicologicamente salientes das
situações ao estudar a personalidade.

2.1.4 Assinaturas Comportamentais Intraindividuais

Juntando todas essas peças, podemos apresentar o próximo componente do


modelo CAPS, a assinatura comportamental intraindividual. Em vez de focar no
comportamento do indivíduo em apenas uma situação, a assinatura comportamental
descreve seu padrão de comportamento em várias situações. E o que individualiza as
situações são suas características psicologicamente relevantes. Por exemplo, Mischel
e colegas criaram assinaturas comportamentais para as crianças no acampamento de
verão, examinando seu comportamento agressivo em situações como provocações de
colegas, "quando abordado por um colega" e "quando avisado por um conselheiro
adulto" (SHODA, 1999, p. 160). Não surpreendentemente, as crianças tendiam a se
comportar de maneira diferente de uma situação para outra. Assim, o modelo CAPS
171

prevê que o comportamento da pessoa em um domínio


mudará de uma situação para outra ­ quando o se
mudar, o mesmo acontecerá com o então ­ mesmo
que o sistema de personalidade permaneça inteiramente
inalterado (MISCHEL e SHODA, 1995, p. 257, grifos
no original).

Para mais informações sobre assinaturas comportamentais, consulte Shoda


et al. (1994, p. 675­678) e Mischel e Shoda (1995, p. 249, 251, 255, 258; 1998, p.
242, 245; 2008, p. 208, 224, 228, 233).
Permitam­me interromper a apresentação do CAPS por aqui, embora haja
muito mais coisas nessa perspectiva para serem vistas. Mischel oferece um resumo
útil do que cobrimos até agora:

à medida que a pessoa vivencia situações que contêm


diferentes características psicológicas, diferentes
[unidades cognitivo­afetivas] e seus inter­
relacionamentos característicos são ativados em
relação a essas características. Consequentemente,
a ativação de [unidades cognitivo­afetivas] muda de
um momento para outro e de uma situação para outra
[...] Embora cognições e afetos que são ativados em
um determinado momento mudem, como eles mudam,
isto é, a sequência e o padrão de sua ativação,
permanece estável, refletindo a estrutura estável da
organização dentro do sistema. O resultado é um
padrão distinto de relações se­então, ou assinaturas
comportamentais, manifestadas à medida que o
indivíduo se move em diferentes situações (2004, p.
11, grifo no original).

Com isso em mente, vamos agora examinar algumas das implicações filosóficas.
172

2.2. Relevância Filosófica do CAPS

Deixando de lado o debate situacionismo por um momento, há algo no


modelo CAPS, pelo menos como apresentado acima, que poderia ser relevante
para os filósofos que trabalham sobre o tema caráter? Para responder a essa
questão, primeiro precisamos conectar o CAPS aos traços de caráter, visto que
nada até agora nesta seção mencionou explicitamente os traços.
Mischel e os demais não são muito úteis quando se trata de fazer essa
conexão. Eles dizem coisas diferentes sobre os traços em lugares diferentes, às
vezes querendo se distanciar dos traços e outras vezes parecendo abraçá­los.
Quando realmente os abraçam, eles os entendem de maneiras diferentes, por
exemplo, como disposições causais (em algumas passagens) ou como meros
resumos de comportamento passado (em outros lugares).
Em vez de ficar atolados na interpretação textual do trabalho de Mischel,
podemos simplesmente notar que parece haver um caminho direto do modelo CAPS
para a aceitação de traços de caráter entendidos como disposições causais para
pensar, sentir e agir de várias maneiras (vide MUMFORD, 1998, p. 182; KAMTEKAR,
2004, p. 472, 477; ADAMS, 2006, p. 131­138; BADHWAR, 2009, p. 279; RUSSELL,
2009, cap. XII, p.172, 292­293, 330; SOSA, 2009, p. 279; LUKES, 2009, p. 292).
Vimos que o modelo CAPS já aceita disposições para formar, digamos, crenças,
desejos, valores e objetivos instrumentais. Essas unidades tendem a ser estruturas
psicológicas relativamente duradouras na mente de uma pessoa, são sensíveis às
suas próprias condições de ativação e, ao serem ativadas, elas servem para causar
a formação de estados mentais ocorrentes, como crenças e (coeteris paribus)
comportamento. Elas também são a base para verdadeiros condicionais “se ­então”,
como vimos anteriormente.
Para dar um exemplo, estou disposto a ter medo de ratos. Portanto, se
um cair na minha cama, é provável que eu fuja (para dizer o mínimo). Ao ver um
rato, meu medo de ratos seria disparado, levando a uma sensação recorrente de
medo deste rato neste momento particular, que se conecta com outras atividades
mentais que juntas me levam a correr.
Esta última parte sobre outras atividades mentais é importante. Minha
disposição de temer ratos está conectada a todos os tipos de outras disposições
psicológicas, como a disposição de acreditar que os ratos transmitem doenças e
que eu deveria fugir deles, o desejo de não pegar nenhuma doença dos ratos, e
assim por diante. Em outras palavras, o modelo CAPS aceita que existem
173

agrupamentos de disposições de estados mentais inter­relacionados e que, ao


serem ativados, causam a formação de pensamentos e sentimentos múltiplos.
Como Mischel e Shoda escrevem,

as representações cognitivo­afetivas e os estados


afetivos interagem dinamicamente e influenciam­se
reciprocamente. É a organização das relações entre
eles que forma o núcleo da estrutura da personalidade
e que orienta e restringe seus efeitos (2008, p. 211,
p. 212, 219, 233).

Esses agrupamentos normalmente não são passageiros, eles podem


explicar as verdadeiras condicionais “se­então” e se manifestam na assinatura
comportamental da pessoa ao longo do tempo. Portanto, se eu vir um rato em minha
cama, terei uma tendência a me comportar de determinada maneira. Da mesma
forma, se alguns meses depois eu vir um rato na cozinha, e assim por diante.
Mas agora que temos agrupamentos de disposições psicológicas, temos
tudo de que precisamos para que uma pessoa também tenha traços de caráter
moral. Pois podemos apenas igualar um traço de caráter moral com um agrupamento
de unidades cognitivo­afetivas que pertencem a um determinado domínio moral
(como Mischel parece querer fazer em alguns lugares). Confira Mischel e Shoda,
1995, p. 257; Mischel, 1999a, p. 456). Além disso, serão traços com poderes causais,
uma vez que as disposições psicológicas que os compõem têm poderes causais.
Além disso, eles também podem ser traços de caráter globais – podem ser ativados
em uma variedade de situações diferentes. Em meu exemplo simples, o agrupamento
de disposições psicológicas associadas ao meus avistar de ratos pode ser ativado
em situações que vão do escritório à piscina e ao quarto. Ele pode ser verdade para
os agrupamentos que são mais centralmente relevantes moralmente. Mas também
é importante notar que o modelo CAPS por si só não implica que existam traços
globais – em vez disso, pode­se aceitar apenas traços altamente restritos ou locais.
Esta é uma questão empírica.
Consequentemente, parece que os filósofos podem ter encontrado um rico
modelo psicológico para ajudá­los a desenvolver um relato mais empiricamente
informado dos traços de caráter. Esse modelo aceitaria que traços de caráter
existissem e fossem disseminados, tivessem poderes causais e fossem baseados
em estruturas psicológicas duradouras que já são familiares à filosofia da mente.
174

No entanto, vale a pena ressaltar dois pontos de cautela. O primeiro diz


respeito à relevância do CAPS para responder ao situacionismo. Como acabamos
de notar, o modelo CAPS por si só não suporta a posse generalizada de traços de
caráter globais em oposição a locais. Além disso, mesmo se nos concentrarmos
apenas nos traços de caráter globais, o modelo não fornece, por si só, qualquer
razão para pensar que os traços de caráter que a maioria das pessoas têm são as
virtudes morais tradicionais, como a honestidade. Eles podem ser vícios morais,
ou traços mistos, ou completamente alguma outra coisa. Assim, Harman e Doris
poderiam aceitar muito do modelo CAPS e ainda avançar o primeiro estágio de seu
argumento situacionista para a conclusão de que a maioria das pessoas não possuem
as virtudes morais tradicionais.
Em segundo lugar, embora seja necessário mais espaço do que o disponível
aqui para explorar adequadamente, outro motivo para cautela sobre a relevância
do CAPS tem a ver com se ele fornece um grande avanço teórico sobre a popular
psicologia do senso comum a respeito da mente. A linguagem das unidades cognitivo­
afetivas, contingências de situação­comportamento se­então, características
psicologicamente salientes de situações e assinaturas comportamentais intraindividuais
podem parecer impressionantes, mas retirado deste jargão, o modelo pode não ter
muito de novo a oferecer aos filósofos. Até mesmo alguns psicólogos expressaram
essa preocupação. Por exemplo, John Johnson, em um comentário de 1999 no
European Journal of Personality (p. 449­450), escreveu:

Uma limitação do modelo CAPS é sua falha em avançar


nossa compreensão científica da dinâmica da
personalidade além de como já entendemos a ação
humana a partir do senso comum. Pelo que eu posso
dizer, a rotulagem e rerrotulagem de desejos, crenças
e habilidades simplesmente refletiu o jargão psicológico
popular naquele momento da história. (...)Estou surpreso
e um tanto deprimido com o entusiasmo pelo modelo
CAPS, mas não porque o modelo está errado. O
problema é que se conformar com esse modelo indica
que nos contentamos em meramente renomear os
conceitos de senso comum com jargão, em vez de
desenvolver um modelo verdadeiramente científico da
dinâmica da personalidade.
175

Johnson concentrou­se aqui nas unidades cognitivo­afetivas, mas suas


afirmações se aplicam de forma mais geral ao restante do modelo CAPS.
Nada disso questiona a veracidade do modelo CAPS. Isso apenas levanta
uma preocupação sobre o quanto de avanço o modelo provará ter para os filósofos
que trabalham com o caráter, se acabar não oferecendo nenhuma visão teórica
adicional, recursos explicativos ou novas previsões além do que os filósofos podem
inferir com base em suas próprios reflexões cuidadosas sobre psicologia popular.
Para muito mais sobre essas questões, confira Miller (2016).

3. Os Big Five

De volta à psicologia por um momento. Com o passar do tempo, o movimento


situacionista acabou não conduzindo à queda do estudo da personalidade. Na
verdade, traços de caráter globais passaram a dominar o campo da psicologia da
personalidade. A principal razão para isso foi o surgimento do modelo dos Big Five
ou dos cinco fatores. Hoje, os Big Five (“Cinco Grandes”) traços de personalidade
estão na moda, com milhares de artigos publicados em periódicos nos últimos anos.
Agora pode­se ver o estudo dos traços de personalidade globais descritos em termos
de um “renascimento” com “progresso real em direção ao consenso” após “décadas
de tropeços” (MCCRAE; COSTA, 2003, p. 21, 20; 2008, p. 159).
Surpreendentemente, porém, os filósofos não disseram quase nada sobre
os Big Five, mas, para exceções, confira Doris (2002, p. 67­71), Snow (2010, p. 11­
12), Slingerland (2011, p. 397) e Miller (2014, cap. 6). Esta seção primeiro fornece
alguns antecedentes da literatura psicológica, antes de levantar algumas questões
filosóficas relevantes.

3.1 Antecedentes

O modelo Big Five é uma taxonomia de traços de personalidade. Mas


antes de entrar nos detalhes, algo deve ser dito, mesmo que muito brevemente,
sobre a relação entre traços de personalidade e traços de caráter. Surpreendentemente,
por muitas décadas no século XX, os psicólogos raramente invocaram a linguagem
dos “traços de caráter”, embora nos últimos anos isso tenha mudado. Historicamente
a narrativa é complexa e está além do escopo deste artigo, mas um fator responsável
176

por essa aversão foi o surgimento do positivismo e seu desânimo de conceitos


carregados de valor na investigação científica, com “caráter” sendo considerado
um desses conceitos. Outro fator foi o surgimento do situacionismo na psicologia
social e seu relacionado ceticismo sobre a adequação empírica dos traços de caráter
tradicionais. Para mais informações, consulte Peterson e Seligman (2004, p. 55­59).
Esses fatores não desempenham um papel tão importante na história
recente da psicologia, mas permanecem questões sobre como classificar os traços,
especialmente os traços de personalidade e caráter. Em uma abordagem, por
exemplo, eles são exatamente a mesma coisa. Um traço como a extroversão seria
tanto um traço de personalidade quanto um traço de caráter. Uma abordagem
alternativa, e provavelmente a preferida pelos filósofos que trabalham com caráter,
é afirmar que os traços de caráter são apenas um tipo de traço de personalidade.
Como, então, distinguiríamos entre traços de personalidade de caráter e não caráter?
Existem várias respostas que podem ser dadas, mas não há consenso
sobre qual é a correta. Uma resposta é dizer que a questão principal é a responsabilidade;
um traço de caráter é um traço de personalidade pelo qual uma pessoa que o possui
é (pelo menos até certo ponto) responsável por fazê­lo. Outra resposta é dizer que
a questão­chave tem a ver com padrões normativos; um traço de caráter é um traço
de personalidade para o qual uma pessoa que o possui é, a esse respeito, um
objeto apropriado de avaliação normativa pelas normas relevantes. Para detalhes
sobre essas abordagens, confira Miller (2014, cap. 1).
Mas, em vez de desvendar mais essas questões, vamos nos voltar
diretamente para os Big Five. Começando principalmente na década de 1980, os
psicólogos chegaram à taxonomia dos Big Five usando dois caminhos diferentes
(MCCRAE; JOHN, 1992, p. 181­187; GOLDBERG, 1993, p. 30). Para uma revisão
de trabalhos anteriores, veja John et al. (2008a). Lewis Goldberg é o mais famoso
associado ao primeiro caminho. Ele afirmava que podemos aprender sobre os traços
de personalidade com a linguagem ordinária, já que durante longos períodos de
tempo a maneira como falamos é moldada pelas diferentes maneiras como as
pessoas tendem a ser. Aqui está uma declaração de sua chamada "hipótese lexical":

A mais promissora das abordagens empíricas para


sistematizar diferenças de personalidade baseou­se
em uma suposição crítica: aquelas diferenças
individuais que são mais significativas nas transações
diárias das pessoas umas com as outras acabarão
177

sendo codificadas em sua linguagem... [isso] tem um


corolário altamente significativo: quanto mais importante
é uma diferença individual nas transações humanas,
mais as linguagens terão um terno para ela
(GOLDBERG, 1981, p. 141­142). Confira, também,
Saucier e Goldberg (1996b).

Usando essa ideia, Goldberg compilou longas listas de palavras relativas a


traços encontradas na linguagem ordinária. Estes são três adjetivos de sua lista de
1992 de 100 marcadores unipolares (GOLDBERG, 1992, p. 41): medroso, irritável, generoso.
Para reduzir sua lista, Goldberg pediu aos participantes do estudo que
classificassem de 1 (extremamente impreciso) a 9 (extremamente preciso) o quão bem
um traço particular descrevia eles e os demais. Em seguida, usando a análise fatorial,
Goldberg poderia ver quais adjetivos de traço estão intimamente relacionados entre si,
tornando razoável postular um "fator" ou "variável latente" que poderia servir como um
traço subjacente mais fundamental (GOLDBERG, 1990, 1992, 1993; SAUCIER;
GOLDBERG, 1996a). Para uma introdução à análise fatorial em psicologia, consulte
Leary (2004, p. 187­192). Temeroso e irritadiço, não surpreendentemente, eram altamente
correlacionados e foram categorizados sob o título de “neuroticismo” nos Big Five.
Uma linha separada de pesquisa também chegou à taxonomia dos Big
Five. Aqui, a ideia não era usar adjetivos de traço, mas sim dar aos participantes
frases inteiras para usar como parte de um questionário de personalidade. Dessa
forma, alguma confusão poderia ser evitada se, por exemplo, eles não soubessem
o que uma palavra como “irritadiço” significava.
Embora existam muitos questionários de personalidade usados nas
pesquisas dos Big Five (como o NEO­FFI, HEXACO, TDA, BFAS e BFI), parece
que o NEO­PI­R, desenvolvido pelos proeminentes psicólogos de personalidade
Robert McCrae e Paul Costa, continua a ser a escolha mais popular. Aqui estão
três exemplos de itens aos quais os participantes podem ter que responder ao fazer
o teste (NEO­PI­R Item Booklet­Form S: 3):

Eu me assusto facilmente.
Não tenho muito prazer em conversar com as pessoas.
Não levo muito a sério os deveres cívicos, como votar.
Eles seriam solicitados a responder em uma escala
de 1 a 5 ancorada em discordo totalmente para
concordo totalmente. A análise fatorial também
178

seria executada nos dados do questionário.

Até agora, muitas dessas análises foram realizadas com dados de adjetivos
e questionários, e usando relatórios próprios, amigos, cônjuges, empregadores e
especialistas (MCCRAE, 1982; MCCRAE e COSTA, 1987; PIEDMONT, 1998, p.
52­56, cap. 5). Um extenso trabalho transcultural também foi feito com os itens
sendo traduzidos para dezenas de idiomas (MCCRAE e COSTA, 1997; PIEDMONT,
1998: p. 43­46, 73­74; CAPRARA e CERVONE, 2000, p. 73­75). O que vemos
repetidamente é o surgimento de cinco traços de personalidade básicos ou centrais
(vide JOHN et al., 2008a):

Extroversão (também rotulada de Surgência, Energia,


Entusiasmo);
Amabilidade (também denominado Altruísmo, Afeto) ;
Conscienciosidade (também denominado Restrição,
Controle de Impulso);
Neuroticismo (também denominado Instabilidade
Emocional, Emocionalidade Negativa, Nervosismo);
Abertura (também rotulada como Intelecto, Cultura,
Originalidade, Mente Aberta).

A ideia central é esta. Pegue uma determinada pessoa. Você pode capturar
muito (alguns pesquisadores dos Big Five diriam tudo) que há em sua personalidade
determinando sua posição nessas cinco dimensões. Em um grande grupo de
pessoas, você naturalmente esperaria ver diferenças em suas classificações
comparativas, com alguns indivíduos tendo alto nível de agradabilidade e outros
não, por exemplo.
Você pode chegar não apenas as classificações de personalidade para
uma determinada pessoa com os Big Five, mas estudos descobriram que você
pode usar essas classificações para prever outras informações importantes sobre
ela, incluindo quais tipos de pensamentos, comportamento e consequências do
comportamento você pode esperar ver (vide OZER; BENET­MARTÍNEZ, 2006;
ROBERTS et al., 2007; FUNDER, 2007, cap. 7; JOHN et al., 2008a, p. 141­143).
Por exemplo, descobriu­se que aqueles com alto nível de consciência evitam
comportamentos de risco (BOGG; ROBERTS, 2004) e têm maior sucesso em vários
critérios de desempenho no trabalho (MOUNT; BARRICK, 1998). Em contraste, o
179

alto neuroticismo prediz insatisfação no trabalho e comportamento criminoso (talvez


não surpreendentemente) (OZER; BENET­MARTÍNEZ, 2006).
Os cinco traços de personalidade na taxonomia dos Big Five não constituem,
entretanto, os únicos traços de personalidade. Com relação a cada um desses
traços, os pesquisadores identificaram vários sub traços ou “facetas” que são menos
amplos e têm a vantagem de serem mais precisos. Infelizmente, quando se trata
do nível de faceta dos traços, há muito mais controvérsia na literatura, incluindo
quantas facetas existem para cada um dos Big Five traços, tanto quanto como
chamá­los (COSTA; MCCRAE, 1995, p. 24­27; MCCRAE; COSTA, 2003, p. 47;
OZER; BENET­MARTÍNEZ, 2006, p. 403; CROWE et al., 2018). Aqui, porém, está
uma versão amplamente usada do trabalho de McCrae e Costa, que apela para 30
facetas (COSTA; MCCRAE, 1995, p. 28):

Neuroticismo: Ansiedade, hostilidade raivosa,


depressão, autoconsciência, impulsividade,
vulnerabilidade;
Extroversão: Receptividade, Gregariedade,
Assertividade, Atividade, Busca de Excitação, Emoções
Positivas;
Abertura à Experiência: Fantasia, Estética, Sentimentos,
Ações, Ideias, Valores;
Amabilidade: Confiança, Franqueza, Altruísmo,
Conformidade, Modéstia, Ternura;
Conscienciosidade: Competência, Ordem, Obediência,
Esforço por Realizações, Autodisciplina, Deliberação.

Lembre­se que McCrae e Costa foram os que desenvolveram a pesquisa


de personalidade NEO­PI­R, que possui 240 itens. Não por acaso, 8 itens são feitos
sob medida para medir cada uma dessas facetas. Como exemplos, “Eu mantenho
meus pertences arrumados e limpos” e “Eu gosto de manter tudo em seu lugar para
que eu saiba exatamente onde está” caem sob o título da faceta consciência da
ordem (COSTA; MCCRAE, 1992, p. 73).
Há muito mais na abordagem dos Big Five do que pode ser coberto aqui,
mas vamos passar à sua relevância para questões filosóficas sobre caráter. Para
análises úteis do modelo dos Big Five, confira os trabalhos de McCrae e John
(1992), Goldberg (1993), Piedmont (1998), McCrae e Costa (2003, cap. 2­3) e John
et al. (2008a).
180

3.2 Relevância Filosófica dos Big Five

Superficialmente, a taxonomia dos Big Five pode parecer um recurso muito


promissor para os filósofos que trabalham com as virtudes, seja de dentro de uma
estrutura ética das virtudes ou não. No entanto, há pelo menos quatro razões para
se ter cautela quanto à relevância dessa taxonomia para as discussões filosóficas
de caráter moral.
Em primeiro lugar, os traços de caráter moral estão notavelmente ausentes
dos Big Five, mesmo no nível das facetas. Modéstia e altruísmo existem com certeza,
mas e quanto à justiça, honestidade ou coragem? Qualquer taxonomia que os deixe
de fora não será muito útil para os filósofos morais.
Para ser justo, os psicólogos Ashton e Lee há muito argumentam que a
lista de traços dos Big Five está incompleta. Eles adicionaram uma sexta dimensão
de personalidade chamada “honestidade/humildade”, que tem quatro facetas para
sinceridade, justiça, avidez­evasão e modéstia (ASHTON; LEE, 2001, 2005, 2020;
LEE; ASHTON, 2004). E seu instrumento de avaliação de personalidade, HEXACO,
tornou­se amplamente utilizado entre psicólogos de personalidade. Relevante para
o ponto em questão, esta taxonomia de seis traços faz um trabalho muito melhor
para capturar traços morais, embora também seja incompleta (e quanto à gratidão,
ou à coragem?).
Suponha que mais adições sejam feitas para obter uma taxonomia
completa. A segunda preocupação que surge é metodológica. As medidas dos Big
Five determinadas por questionário. Infelizmente, os itens usados tendem a ter
relevância questionável para as virtudes morais tradicionais. Considere, por exemplo,
a faceta de amabilidade do “altruísmo”, que os pesquisadores tendem a caracterizar
de uma forma que a faz soar muito próxima da virtude da compaixão (COSTA;
MCCRAE, 1992, p. 18). Aqui estão os itens do questionário para altruísmo do NEO­
PI­R de McCrae e Costa (no qual “R” se refere a um item invertido) (COSTA;
MCCRAE, 1992, p. 72):

Algumas pessoas pensam que sou egoísta e


egoístico. (R)
Tento ser cortês com todos que encontro.
Algumas pessoas acham que sou frio e calculista. (R)
Geralmente tento ser atencioso e ter consideração.
181

Não sou conhecido por minha generosidade. (R)


A maioria das pessoas que conheço gosta de mim.
Eu me considero uma pessoa caridosa.
Eu saio do meu caminho para ajudar os outros, se puder.

Quatro dos itens estão relacionados às impressões que causamos nos


outros e o que eles pensam de nós, ao invés de como nós mesmos somos.
Indiscutivelmente, dois deles estão mais bem conectados a maneiras e polidez, e
um ao gosto social, sem nenhum item avaliando a motivação altruísta. Na verdade,
apenas o item final pergunta diretamente sobre o comportamento de ajuda.
Sem falar que questionários, mesmo com melhores itens para avaliação
das virtudes, são considerados por muitos filósofos como de valor limitado. Entre
várias fraquezas, eles omitem o papel dos processos subconscientes em influenciar
o comportamento e, em vez disso, podem refletir a compreensão significativamente
mal informada de uma pessoa sobre seu próprio caráter.
A terceira razão para os filósofos serem cautelosos ao adaptar o trabalho
sobre os Big Five ao estudo do caráter moral também é metodológica. Em pelo menos
uma maneira de entender a taxonomia dos Big Five, ela classifica as pessoas, não
com base no fato de elas terem características como extroversão ou não, mas sim
com base no grau em que possuem essas características. Em outras palavras,
assume que todos têm o traço da extroversão, e a questão principal é apenas até
que ponto um determinado indivíduo se sai na escala da extroversão. O que vale para
extroversão também se aplica à introversão. Todo mundo teria essa característica também.
Na verdade, isso resultará, pelo menos nesta maneira particular de desvendar
a abordagem dos Big Five, que todos têm todas as características que existem,
pelo menos em um grau ou outro. Se estendermos a taxonomia dos Big Five para
incluir também todos os traços de caráter moral, então todos serão virtuosos em algum
grau. Mas isso não é tudo. Todos também serão viciosos em algum grau. Isso será
verdade, mesmo com respeito às virtudes e vícios opostos, como coragem e covardia.
Muitos filósofos morais provavelmente se preocuparão com o quão útil tal
abordagem será para seu próprio trabalho sobre o caráter. Pois eles normalmente
aceitam a seguinte suposição:

(A1) Uma pessoa não pode ter a virtude da honestidade


e o vício oposto, da desonestidade, como parte de
seu caráter ao mesmo tempo.
182

Mas essa suposição é rejeitada nesta pesquisa. Além disso, muitos filósofos
também aceitariam que:

(A2) Virtudes e vícios são conceitos­limite.

O que isso significa é que nem o caráter de todos automaticamente se qualifica


como tendo uma determinada virtude ou vício. Existem padrões normativos que um
traço de caráter deve atender para ser “bom o suficiente” para ser considerado uma
virtude ou “ruim o suficiente” para ser considerado um vício. Mas, novamente, essa
suposição é violada pela taxonomia dos Cinco Grandes, pelo menos como entendido acima.
Entre os filósofos, Aristóteles, por exemplo, endossa claramente essas
duas suposições. A virtude é rara em sua opinião, e a maioria das pessoas não
satisfazem os requisitos relevantes. Além disso, o vício é diametralmente oposto à
virtude. Os eticistas da virtude na tradição aristotélica o seguiriam ao aceitar (A1)
e (A2). Para uma discussão mais aprofundada dessas suposições, veja Miller (2019a).
Agora, isso não é criticar esta versão particular da abordagem dos Big
Five. Dado o que pretende fazer na psicologia da personalidade, tem sido claramente
uma abordagem muito rica e importante. O único ponto aqui é que pode não ser
adequado para incorporação em discussões filosóficas de caráter.
Há uma quarta e última razão pela qual isso pode ser verdade. Muitos
filósofos, especialmente aqueles que trabalham na tradição aristotélica, entendem
os traços de caráter como disposições metafisicamente reais com poderes causais
próprios que dão origem a pensamentos relevantes e, por sua vez, a traços de
ações relevantes. O traço da honestidade, por exemplo, é uma característica real
da psicologia de uma pessoa honesta que, quando provocada, pode levar à formação
de pensamentos e sentimentos honestos e ocorrentes. Pode figurar em explicações
causais para a ação e pode ser uma base confiável para prever o comportamento futuro.
Até este ponto, o status metafísico dos traços na abordagem dos Big Five
não foi especificado. Acontece que há alguma discordância sobre isso entre os
psicólogos da personalidade, mas a clara posição da maioria parece ser que eles
não têm nenhuma existência metafísica. Os principais psicólogos dos Big Five,
Oliver John, Richard Robins, Lewis Goldberg, Gerard Saucier, Robert Hogan, Jerry
Wiggins, Paul Trapnell, Laura Naumann e Christopher Soto, todos parecem ter essa
visão (JOHN; ROBINS, 1994, p. 138­139; GOLDBERG; SAUCIER, 1995, p. 221;
SAUCIER; GOLDBERG, 1996b, p. 24­25, 34, 43; HOGAN, 1991, 1996; WIGGINS;
183

TRAPNELL, 1996; JOHN et al., 2008, p. 140). McCrae e Costa (2003, 2008) parecem
ser duas das raras exceções em manter uma visão causal dos cinco traços grandes.
Se os Big Five não são entidades reais com poderes causais, então o que
são? A visão padrão é que eles são apenas rótulos descritivos de como as pessoas
tendem a ser. Em outras palavras, eles são dispositivos úteis – termos de classificação
– que são muito mais econômicos de usar do que os milhares de termos de
características da linguagem ordinária. Agrupar pessoas em apenas cinco categorias
é, portanto, altamente eficiente (HOGAN, 1996, p.170­173; MCCRAE; COSTA,
2003, p. 36), mas é mais um passo dizer que na verdade existe um traço de
extroversão que explica causalmente as diferenças individuais entre as pessoas.
Como Daniel Ozer e Steven Reise observam, a taxonomia dos Big Five,

fornece uma taxonomia útil, um sistema de coordenadas


hierárquicas, para mapear variáveis de personalidade.
O modelo não é uma teoria; ele organiza fenômenos
a serem explicados pela teoria (1994, p. 360­361).

Em particular, não especifica quais são os processos psicológicos reais


que levam as pessoas a agir da maneira que agem.
Mas, novamente, tudo isso é muito menos interessante para o filósofo
moral do que para o psicólogo da personalidade. O filósofo moral que trabalha com
o caráter normalmente deseja saber sobre os processos psicológicos envolvidos
na virtude e no vício, bem como se a maioria das pessoas tem ou não esses traços
entendidos como disposições causais. A abordagem dos Big Five não será de muita
ajuda para promover esse tipo de trabalho.

4. Psicologia Positiva e a VIA

Das quatro abordagens para o estudo empírico do caráter que estamos


examinando aqui, a que surge do movimento da psicologia positiva é a mais recente.
Esse movimento em si só realmente começou na virada do século, e os traços de
caráter eram parte de um foco muito maior que não nos preocupará aqui. Para
visões gerais da psicologia positiva, confira os trabalhos de Snyder e Lopez (2009),
Moneta (2014) e Lopez et al. (2015). Como antes, precisamos primeiro algumas
informações básicas antes de chegar às implicações filosóficas.
184

4.1 Antecedentes

A abordagem canônica dos traços de caráter na psicologia positiva é encontrada


em Character Strengths and Virtues: A Handbook and Classification, editado por
Christopher Peterson e Martin Seligman e publicado em 2004. Peterson e Seligman,
com a ajuda de mais de 50 importantes estudiosos trabalhando acerca do caráter,
montaram uma classificação de traços de caráter que eles viam como um “manual
de sanidades” (2004, p. 4), focalizando a saúde psicológica ao invés da doença, como
grande parte do campo havia feito antes do movimento da psicologia positiva.
Para desenvolver sua classificação, eles vasculharam escritos de tradições
como o confucionismo, o budismo, a filosofia grega antiga e o islamismo medieval.
Eles examinaram listas de traços de Carlos Magno, Benjamin Franklin, meninos e
meninas escoteiros, cartões Hallmark e personagens Pokémon (2004, p. 15, 33­52).
Naturalmente, eles criaram uma lista enorme de características e precisaram de alguns
critérios para reduzi­las. Aqui estão os 10 critérios que eles criaram (2004, p. 17­27):

1. Uma força contribui para várias realizações que


constituem a boa vida, para si e para os outros.
2. Cada força é moralmente avaliada por si só, mesmo
na ausência de resultados benéficos óbvios.
3. A exibição de força por uma pessoa não diminui
as outras pessoas nas proximidades.
4. Ser capaz de expressar o “oposto” de uma força
putativa de uma maneira oportuna conta contra
considerá­la uma força de caráter.
5. Deve ser semelhante a um traço no sentido de ter
um certo grau de generalidade nas situações e
estabilidade ao longo do tempo.
6. A força é diferente de outras características positivas
na classificação e não pode ser decomposta nelas.
7. A força do caráter está incorporada em modelos
consensuais.
8. Um critério adicional no qual é sensata a existência
de prodígios no que diz respeito à força.
9. A existência de pessoas que mostram ­ seletivamente
­ a ausência total de uma determinada força.
185

10. A sociedade mais ampla fornece instituições e


rituais associados para cultivar forças e virtudes e,
então, para sustentar sua prática.

Usando esses critérios, Peterson e Seligman chegaram a uma classificação


com 6 “virtudes” e 24 “forças de caráter”, que hoje atende pelo nome de Values in
Action ou classificação VIA. As virtudes são definidas como “características centrais
valorizadas por filósofos morais e pensadores religiosos” (2004, p. 13). As forças
de caráter são: “os ingredientes psicológicos, processos ou mecanismos, que
definem as virtudes. Dito de outra forma, são vias distintas para exibir uma ou outra
das virtudes” (2004, p. 13).
Juntas, as virtudes e forças de caráter constituem a classificação oficial
da VIA (2004, p. 29­30):

Sabedoria: criatividade, curiosidade, mente aberta,


amor pela perspectiva do conhecimento.
Coragem: Bravura, persistência, integridade, vitalidade.
Humanidade: amor, gentileza, inteligência social.
Justiça: cidadania, probidade, liderança.
Temperança: perdão e misericórdia, humildade­
modéstia, prudência, autorregulação.
Transcendência: apreço pela beleza e excelência,
gratidão, esperança, humor, espiritualidade.

Naturalmente, Peterson e Seligman têm muito a dizer ao esclarecer o que cada


um desses significa. Mas aqui é importante manter alguns pontos mais gerais em mente.
Em primeiro lugar, Peterson e Seligman são explícitos que não consideram
esta classificação exaustiva e estão abertos a adições ou exclusões (2004, p. 13).
Confira, também, Peterson e Park (2009, p. 27). Em segundo lugar, eles reconhecem
que “em alguns casos, a classificação de uma dada força sob uma virtude central
pode ser debatida” (PETERSON; SELIGMAN, 2004, p. 28, 31). E, finalmente, eles
“consideram essas forças como onipresentemente reconhecidas e valorizadas,
embora um determinado indivíduo raramente, ou nunca, mostrará todas elas” (2004, p. 13).
A pesquisa que faz uso do VIA tem sido extensa, com muitos estudos em
particular olhando para as correlações entre forças de caráter particular e outras
variáveis como saúde e sucesso educacional (para uma revisão ver NIEMIEC,
2013). Peterson e Seligman também desenvolveram várias ferramentas de avaliação
186

para forças de caráter, a principal delas é o VIA­IS. Esta medida de 240 itens usa
uma escala Likert, de 5 pontos, ancorada em “muito parecido comigo” e “muito
diferente de mim” (2004, p. 629). Alguns exemplos de seus itens incluem (2004, p. 629):

Nunca estou muito ocupado para ajudar um amigo.


[gentileza]
Sempre cumpro minhas promessas. [integridade]
Tenho grande dificuldade em aceitar o amor de
alguém. [amor]

Qualquer um pode responder à pesquisa gratuitamente no site do VIA


Institute for Character e aprender quais são seus “pontos fortes”.
Como sempre, há muito mais a ser dito, mas voltemos à relevância filosófica.

4.2 Relevância Filosófica da Psicologia Positiva e da VIA

Filósofos podem, inicialmente, ter algumas dúvidas sobre a classificação


VIA. Onde, por exemplo, está a virtude da paciência? Ou respeito próprio? Por que
o humor cai sob a virtude da transcendência? Para mais questões como essas ver
Kristjánsson (2013, p. 151­152).
Essas são boas perguntas, mas não são problemas sérios. Pois, como
vimos, Peterson e Seligman foram os primeiros a admitir que sua classificação
poderia precisar de revisão. No mínimo, essas perguntas podem ajudar a tornar o
VIA ainda melhor.
Uma revisão maior será exigida por muitos aristotélicos, a saber, que a
lista de virtudes inclua a sabedoria prática (KRISTJÁNSSON, 2013, cap. 7). Nas
abordagens aristotélicas tradicionais, a sabedoria prática é necessária para a posse
de qualquer virtude. Deixá­la fora da lista seria uma omissão séria, mas, novamente,
não há nada sobre a estrutura de Peterson e Seligman que a impeça de ser
adicionado. Para obter mais informações sobre a sabedoria prática, confira os
trabalhos de Russell (2009) e Miller (no prelo).
Na verdade, à primeira vista, os filósofos deveriam ser bastante receptivos
a essa estrutura e ficar interessados em incorporá­la a seu pensamento sobre o
caráter. Ao contrário dos Big Five, o VIA é focado especificamente em traços de
caráter, ao invés de traços de personalidade em geral (PETERSON; PARK, 2009,
187

p. 26­27). E embora possa haver algumas omissões, é extremamente abrangente.


Além disso, ao contrário da maioria dos defensores dos Big Five, Peterson, Seligman
e seus colegas parecem se sentir mais confortáveis descrevendo traços de caráter
em bases metafísicas como disposições com poderes causais.
Mas é necessário cautela aqui, e para uma série de questões, confira Miller
(2019b), pois o VIA, ao contrário das outras três abordagens examinadas nesta
entrada, não foi obtido por um processo empírico. Como Peterson observou em
um artigo posterior, “nossa classificação de forças de caráter sob as virtudes
essenciais é um esquema conceitual e não uma afirmação empírica” (PETERSON;
PARK, 2009, p. 31). Já vimos que é uma classificação teórica derivada de escritos
de filósofos, pensadores religiosos e exemplos famosos de bom caráter, bem como
expressões de caráter de nível mais popular em cartões e jogos (PETERSON;
SELIGMAN, 2004, p. 9­10). Além disso, Peterson e Seligman são explícitos quanto
a alinhar sua abordagem com a ética das virtudes (2004, p. 10).
Infelizmente, os testes empíricos subsequentes do VIA levantaram problemas.
MacDonald e colegas (2008) descobriram que quatro fatores, em vez dos seis do
VIA, se ajustam melhor aos dados do questionário. McGrath (2014) encontrou
suporte para cinco fatores. Noftle e seus colegas (2011) usaram a análise fatorial
confirmatória para testar os modelos existentes de seis fatores, cinco fatores, quatro
fatores e um fator, e não encontraram suporte para nenhum deles (2011, p. 212).
Eles concluíram que, “embora seja possível que um modelo alternativo que não foi
testado pudesse capturar a estrutura das escalas do VIA, parece mais provável que
o VIA simplesmente não tenha uma estrutura hierárquica clara” (2011, p. 212). Veja
também a classificação recente de três virtudes por McGrath (2015).
Portanto, não está claro se o VIA é uma moldura empiricamente adequada
para pensar sobre o caráter. Ele pode ter contribuições a fazer de outras maneiras,
mas se o objetivo é que os filósofos sejam capazes de se basear em pesquisas
psicológicas sobre caráter que são empiricamente informadas, então é claro que
mais trabalho é necessário aqui.
Duas outras preocupações também surgem. A primeira é metodológica,
pois assim como as medidas de avaliação dos Big Five, o VIA­IS é um questionário
que reúne relatos do entrevistado e de outras pessoas. Quando se trata de caráter,
os filósofos muitas vezes se preocupam com o quanto os questionários podem nos
dizer sobre como nossos caracteres realmente são.
A outra preocupação é mais conceitual. A classificação VIA, desenvolvida
por Peterson e Seligman, apela apenas para traços de caráter positivos. Notavelmente
188

ausentes estão os vícios (KRISTJÁNSSON, 2013, p. 7, 153). Pode ser um objetivo


admirável tentar fazer com que os psicólogos prestem mais atenção à saúde
psicológica do que à doença, mas isso pode ser feito sem retirar totalmente os
vícios de sua classificação. Adicioná­los, no entanto, colocando em tela novamente
todos os mesmos recursos filosóficos, religiosos e culturais, exigirá outro empreendimento
hercúleo semelhante ao que Peterson e Seligman fizeram em seu manual de 2004.

5. Conclusão

Este verbete revisou, brevemente, e avaliou criticamente quatro abordagens


diferentes que se baseiam na psicologia empírica para nos ajudar a pensar sobre
questões de caráter. A quantidade de atenção dada aqui a cada um deles está alinhada
com as discussões na literatura de filosofia. Os filósofos, em seus escritos, têm prestado
muito mais atenção ao situacionismo referente ao modelo CAPS, raramente mencionando
as classificações Big Five e da VIA. Isso está em contraste direto com a paisagem
atual da psicologia, especialmente da psicologia da personalidade. Talvez seja hora
de os filósofos deslocarem sua atenção de acordo com isso.

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Epistemologia das virtudes*

Autoria: John Turri, Mark Alfano e John Greco


Tradução: Ramiro de Ávila Perez
Revisão: Bruno Aislã Gonçalves dos Santos

A epistemologia das virtudes contemporânea, doravante denominado “VE”,


é um conjunto diversificado de abordagens da epistemologia. Pelo menos duas
tendências centrais são discerníveis entre as abordagens. Primeiro, elas veem a
epistemologia como uma disciplina normativa. Segundo, veem os agentes intelectuais
e as comunidades como o foco principal da avaliação epistêmica, concentrando­
se nas virtudes e vícios intelectuais encarnados e expressos por esses agentes e
comunidades. Este verbete apresenta muitos dos resultados mais importantes do
programa de pesquisa EV contemporâneo. Estes incluem novas tentativas de
resolver disputas antigas, resolver problemas perenes, lutar com novos desafios e

* TURRI, J.; ALFANO, M.; GRECO, J. Virtue Epistemology. In: ZALTA, E. N. (ed.).
Stanford Encyclopedia of Philosophy. Winter Edition. Stanford, CA: The Metaphysics
Research Lab, 2021. Disponível em: https://plato.stanford.edu/archives/win2021/entries/
epistemology­virtue/. Acesso em: 15 mai. 2022.

The following is the translation of the entry on “Virtue Epistemology” by John Turri, Mark
Alfano and John Greco in the Stanford Encyclopedia of Philosophy. The translation follows
the version of the entry in the SEP’s archives at <https://plato.stanford.edu/archives/
win2021/entries/epistemology­virtue/>. This translated version may differ from the current
version of the entry, which may have been updated since the time of this translation. The
current version is located https://plato.stanford.edu/archives/win2021/entries/
epistemology­virtue/. We’d like to thank the Editors of the Stanford Encyclopedia of
Philosophy, mainly Prof. Dr. Edward Zalta, for granting permission to translate and to
publish this entry.
198

expandir os horizontes da epistemologia. No processo, ele revela a diversidade


dentro da EV. Além de compartilhar os dois compromissos unificadores mencionados
acima, seus profissionais divergem sobre a natureza das virtudes intelectuais, quais
perguntas fazer e quais métodos usar.
Será útil destacar alguma terminologia antes de prosseguir. Primeiro,
usamos como sinônimos “cognitivo”, “epistêmico” e “intelectual”. Em segundo lugar,
frequentemente usamos 'normativo' de forma ampla para incluir não apenas normas
e regras, mas também deveres e valores. Finalmente, 'profissionais' denomina os
epistemólogos das virtudes contemporâneos.

1. Introdução

Pelo menos duas tendências centrais são evidentes na EV tomada como um todo.
Uma tendência central é ver a epistemologia como uma disciplina normativa.
Isto implica pelo menos duas coisas. Primeiro, sinaliza oposição à sugestão radical
de Quine em Naturalized Epistemology de que os filósofos devem abandonar as
perguntas sobre em que é razoável acreditar, e devem, ao invés disso, limitar­se a
perguntas sobre psicologia cognitiva. Epistemólogos das virtudes rejeitam esta
proposta (MCDOWELL, 1994, p. 133; SOSA 1991, p. 100­105; ZAGZEBSKI, 1996,
p. 334­338). Entretanto, eles são geralmente receptivos aos dados empíricos da
psicologia, história e outros campos (vide GRECO, 2001; ROBERTS; WOOD, 2007:
Parte II; SOSA, 1991, p. 105­106; ZAGZEBSKI, 1996, p. 336­337). Em segundo
lugar, implica que os epistemólogos devem concentrar seus esforços na compreensão
das normas epistêmicas, valor e avaliação. Esta é uma característica que define o
campo. Assim, a EV se caracteriza centralmente na recente “virada para o valor”
em epistemologia (RIGGS, 2006; PRITCHARD 2007).
Para alguns profissionais, entretanto, a ideia de que a epistemologia é uma
disciplina normativa significa mais do que isso. Por exemplo, alguns pensam que
termos epistemológicos (ou conceitos) como “conhecimento”, “evidência”, “justificação”,
“dever” e “virtude” não podem ser adequadamente definidos ou completamente
explicados em um vocabulário puramente não­normativo (vide AXTELL; CARTER,
2008; MCDOWELL, 1994; ROBERTS; WOOD, 2007; ZAGZEBSKI, 1996, 2009),
embora outros discordem (vide GOLDMAN, 1992; GRECO, 1999, 2009; SOSA, 2007).
Outros pensam que a epistemologia deve ter como objetivo promover o
bem­estar intelectual. Talvez uma teoria epistemológica deva ser “útil na prática”
199

para nos ajudar a reconhecer quando sabemos ou não sabemos algo (ZAGZEBSKI,
1996, p. 267), ou nos ajudar a superar “ansiedades” devido a pressupostos defeituosos
sobre o conhecimento (MCDOWELL, 1994, p. XI; PRITCHARD, 2016a). Talvez a
epistemologia deva nos ajudar a apreciar e responder a formas de “injustiça
epistêmica” (FRICKER, 2007). Talvez a epistemologia devesse nos inspirar com
retratos de virtudes intelectuais, promovendo assim a reforma cultural e o florescimento
intelectual (ROBERTS e WOOD, 2007). Talvez a epistemologia devesse examinar
vícios intelectuais e outros defeitos para contar histórias prudenciais sobre o que
não fazer e como não ser (ALFANO, 2015, BATTALY, 2014, CASSAM, 2016). Ou
talvez os praticantes deveriam ajudar a redesenhar instituições educacionais para
ajudar os estudantes a cultivar virtudes intelectuais, por exemplo, a Academia de
Virtudes Intelectuais (vide Outros Recursos da Internet, na bibliografia).
A outra tendência central é ver os agentes e as comunidades intelectuais
como a principal fonte de valor epistêmico e o foco principal da avaliação epistêmica.
Este foco inclui não apenas indivíduos e grupos, mas também os traços constitutivos
de seu caráter cognitivo.
Este segundo compromisso da EV é frequentemente acompanhado por uma
“direção de análise” característica das teorias da virtude, tanto na ética quanto na
epistemologia. A ética da virtude explica as propriedades morais de uma ação em termos
das propriedades do agente, como por exemplo, se ela resulta de bondade ou despeito.
A EV explica as propriedades normativas de uma performance cognitiva em termos das
propriedades do agente, tais como se uma crença resulta de pressa ou excelente visão,
ou se uma investigação manifesta descuido ou discriminação. Para a ética da virtude,
as propriedades relevantes são traços morais e, para o EV, traços intelectuais.
Além dessas tendências centrais básicas, encontramos uma grande
diversidade no campo. Quatro questões principais dividem os profissionais. A primeira
diz respeito à natureza e ao alcance das virtudes intelectuais (seção 3). A segunda
diz respeito às questões a serem abordadas (seção 4). A terceira diz respeito aos
métodos a serem utilizados (seções 4 e 9). A quarta diz respeito às relações entre
virtude epistêmica, conhecimento e crédito epistêmico (seções 5, 6, e 7).

2. Precursores e Origens Contemporâneas

Os profissionais se inspiram em muitos filósofos históricos importantes,


incluindo Platão (ZAGZEBSKI, 1996, p. 139), Aristóteles (GRECO, 2002, p. 311;
200

SOSA, 2009, p. 187; ZAGZEBSKI, 1996, passim), Tomás de Aquino (ROBERTS;


WOOD, 2007, p. 69­70; ZAGZEBSKI, 1996, passim), Descartes (SOSA, 2007: cap.
6), Kierkegaard (ROBERTS; WOOD, 2007, p. 29­30), Nietzsche (ALFANO, 2013a),
e Peirce (HOOKWAY, 2000). Dicas de EV também podem ser encontradas em Hume
(1748), Reid (1785), Russell (1948), e Sellars (1956). A filosofia islâmica oferece
precursores da epistemologia das virtudes contemporânea, como as discussões
sobre o valor epistêmico da imaginação em al­Kindī e al­Fārābī (ADAMSON, 2015)
e a sofisticada epistemologia social de Avicenna de testemunho confiável e não
confiável (BLACK, 2013).
A epistemologia das virtudes contemporânea, concebida como tal e como
um movimento distintivo dentro da epistemologia, começou com o trabalho de Ernest
Sosa no início dos anos 80 (vide SOSA, 1991). Sosa aplicou seu “perspectivismo de
virtude” para julgar disputas na epistemologia contemporânea, tais como as disputas
entre fundacionistas e coerentistas, e entre internalistas e externalistas (vide TURRI,
2013). Outras importantes contribuições iniciais foram de Lorraine Code (1987), James
Montmarquet (1993), Jonathan Kvanvig (1992) e Linda Zagzebski (1996), que
argumentaram que a abordagem de Sosa, embora promissora, não foi suficientemente
longe na identificação do papel central das virtudes, tais como responsabilidade ou
consciência, as bases sociais e de desenvolvimento das virtudes, ou importantes
relações entre as virtudes intelectuais e éticas. Outras abordagens tentam misturar
características da abordagem inicial de Sosa com estas alternativas (vide GRECO,
1993). Também tem sido argumentado que as primeiras versões de confiabilidade
são melhor interpretadas como uma forma de EV (KVANVIG, 1992).

3. A natureza das virtudes intelectuais

Comecemos com uma caracterização incontroversa, mas ainda informativa,


das virtudes intelectuais: as virtudes intelectuais são características que promovem
o florescimento intelectual, ou que tornam um conhecedor excelente.
A EV é normalmente dividida de forma padronizada em responsabilistas
da virtude e em confiabilistas da virtude (vide AXTELL, 1997). De acordo com esta
taxonomia, os dois campos diferem sobre como caracterizar a virtude intelectual.
Os confiabilistas (por exemplo, Goldman, Greco e Sosa) compreendem as virtudes
intelectuais como incluindo faculdades tais como percepção, intuição e memória;
chamam estas de “faculdades­virtudes” [faculty­virtues]. Sua visão é melhor entendida
201

como decorrente de epistemologias externalistas mais antigas, tais como o simples


confiabilismo de processo (process reliabilism). Os responsabilistas (por exemplo,
Battaly, Code, Hookway, Montmarquet e Zagzebski) compreendem as virtudes
intelectuais como incluindo traços de caráter cultivados, tais como “conscienciosidade”
e mente aberta; chamam estas “traços­virtudes” [trait­virtues]. Sua abordagem está
amplamente alinhada com as simpatias internalistas em epistemologia e profundamente
preocupada com as dimensões e implicações éticas da cognição.
Esta taxonomia confiabilista/responsabilista tem atraído críticas (FLEISHER,
2017). Em primeiro lugar, não está claro por que os praticantes precisam escolher
entre “faculdades­virtudes” e “traços­virtudes”. À primeira vista, excelente percepção,
boa memória, mente aberta e humildade intelectual parecem todos igualmente bons
candidatos para expressar excelência ou promover o florescimento. Argumentos
sobre quais são as virtudes “reais” podem parecer inúteis e contraproducentes, já
que muitas são as formas de se destacar e florescer intelectualmente (BATTALY,
2015). Em segundo lugar, e intimamente relacionado, é plausível que uma epistemologia
completa deva apresentar tanto as virtudes de faculdade quanto as virtudes de
traço. As faculdades­virtudes parecem indispensáveis para o conhecimento do
passado e do mundo ao nosso redor. Traços­virtudes poderiam ser exigidas para
dar conta de toda a gama de realizações intelectuais mais ricas, tais como compreensão
e sabedoria, que poderiam pressupor o conhecimento, mas que, sem dúvida,
também o excedem (vide ZAGZEBSKI, 2001, p. 248­249). Baehr (2006b) argumenta
que os confiabilistas da virtude não devem negligenciar traços­virtudes, pois são
necessários para explicar alguns casos de conhecimento. Por exemplo, coragem
intelectual e perseverança, não apenas boa memória e percepção, poderiam figurar
centralmente em uma explicação de como um conhecedor chegou à verdade.
Battaly (2008, p. 7) fornece uma lista útil de perguntas para orientar a
investigação sobre a natureza da virtude intelectual:

Há cinco questões primárias que as análises das


virtudes intelectuais devem abordar. Primeiro, as
virtudes são naturais ou adquiridas? Segundo, a
posse da virtude requer que o agente possua
motivações ou disposições intelectualmente virtuosas
adquiridas para realizar ações intelectualmente
virtuosas? Terceiro, as virtudes são distintas das
habilidades? Quarto, as virtudes são confiáveis?
202

Finalmente, quinto, o que faz com que as virtudes


sejam valiosas? Elas são instrumentais, constitutivas
ou intrinsecamente valiosas?

Jason Kawall (2002) chama a atenção para um conjunto de virtudes


negligenciadas pelos epistemólogos das virtudes de todos os tipos. A ética das
virtudes reconheceu há muito tempo uma diferença entre as virtudes morais
autocentradas, como a prudência e a coragem, e as virtudes voltadas aos outros,
como a benevolência e a compaixão. E eles reconheceram a importância de ambos
os tipos. Mas os epistemólogos das virtudes negligenciaram uma distinção semelhante
entre as virtudes intelectuais. Eles se concentram nas virtudes intelectuais
autocentradas, tais como a acuidade perceptiva ou a coragem intelectual, que
promovem o florescimento intelectual do próprio indivíduo. Eles negligenciam virtudes
intelectuais voltadas aos outros, tais como a honestidade e a integridade, que
promovem a aquisição de conhecimento e o florescimento intelectual de outras
pessoas. Virtudes mais complexas voltadas para os outros incluiriam a vontade e
a capacidade de comunicar articuladamente suas razões aos demais, ou a criatividade
para descobrir conhecimentos novos para uma comunidade. “Um agente epistêmico
que se concentra exclusivamente nas virtudes epistêmicas autocentradas”, escreve
Kawall (2002, p. 260), “poderia ser um agente epistêmico deficiente na medida em
que é um membro de uma comunidade”. Tal atenção à comunidade epistêmica do
agente cognitivo também informa as pesquisas sobre justiça e injustiça epistêmica
(FRICKER, 2007; SHERMAN, 2016) e recentes pesquisas acerca do caráter
intelectual incorporado, sustentado e estendido (ALFANO, 2013b; ALFANO e
SKORBURG, 2017, 2018), tópicos aos quais retornaremos na seção 9.

4. Convencional e Alternativa

As discordâncias sobre a natureza da virtude estão intimamente ligadas


a outro par de discordâncias. Essas discordâncias dizem respeito a quais questões
e métodos devem constar na epistemologia.
Muitos profissionais empregam os recursos da EV para tratar de questões
padrão de maneira padronizada (aqui 'padrão' significa “padrão para epistemologia
anglófona contemporânea”). Eles oferecem análises ou definições de conhecimento
e justificação. Eles tentam resolver enigmas e problemas, tais como o problema de
203

Gettier e o Problema da Loteria. Eles constroem contraexemplos. Eles confrontam


os céticos. Esta é a EV convencional.
Outros profissionais abordam questões alternativas ou utilizam métodos
alternativos. Eles evitam definições e análises cuidadosas. Eles se concentram em
outros tópicos além de conhecimento e justificação, tais como deliberação,
investigação, compreensão, sabedoria, perfis de virtudes e vícios individuais, exames
das relações entre virtudes e vícios distintos, e as dimensões social, ética e política
da cognição envolvida na desinformação, divulgação de má informação, propaganda,
e assim por diante. Eles ignoram o ceticismo radical. Eles usam literatura e teatro
para inspiração e exemplos. Esta é a EV alternativa.
Um exemplo de EV convencional é a tentativa de Ernest Sosa (1991,
seção IV) de definir o conhecimento como crença verdadeira mantida “por virtude
intelectual”, ou de resolver a disputa entre internalistas e externalistas sobre
justificação epistêmica (Sosa 2003, cap. 9), fornecendo definições detalhadas e
cuidadosamente tentando desarmar contraexemplos. Outro excelente exemplo de
EV convencional é a definição de conhecimento de Linda Zagzebski (1996, Parte
III) e a tentativa de resolução do problema de Gettier.
Um exemplo de EV alternativa é a visão de Robert Roberts e Jay Wood
(2007) de que questões e métodos convencionais evisceraram a epistemologia, e
que devemos, em vez disso, visar à reforma da cultura intelectual através do esboço
de imagens sutis e matizadas (“mapas”) das virtudes intelectuais, baseando­se
livremente em literatura, história e textos religiosos. Outro exemplo é o argumento
de Jonathan Kvanvig (1992) de que a EV florescerá apenas com o abandono do
projeto epistemológico cartesiano e, no seu lugar, concentrando­se no papel que
as virtudes desempenham no treinamento e na educação. Outros argumentaram
que o ponto central da EV é melhor desenvolvido em um contexto interdisciplinar
com base nos métodos e descobertas das ciências cognitivas, sociais e da vida
(TURRI, 2015a).
O acima exposto não implica que a EV seja uma tribo dividida contra si
mesma. Pelo contrário, encontramos um espectro de abordagens convencionais e
alternativas em vez de uma simples dicotomia, e entre os vários profissionais vemos
frequentemente uma atitude de “viva e deixar viver”. Assim, enquanto alguns
profissionais de EV alternativos aconselham uma ruptura radical e generalizada
com questões ou métodos convencionais, a maioria ou mistura elementos convencionais
e alternativos (por exemplo, Zagzebski, Riggs, Battaly), ou vê algum valor na EV
convencional (vide BAEHR, 2011). Os profissionais convencionais também reconhecem
204

que as questões “alternativas” não são apenas importantes, mas tão antigas quanto
a própria filosofia, tais como questões sobre sabedoria e transmissão social do
conhecimento. Isso vale para os métodos “alternativos” de consulta da literatura,
como Platão olhou para Homero, abordando questões filosóficas com ferramentas
científicas, ou como Aristóteles investigou as bases biológicas e sociais do
conhecimento, e, quanto a textos religiosos, como a tradição filosófica islâmica fez
em relação às normas do testemunho.

5. Conhecimento

Muitos epistemólogos das virtudes concordam que, em termos muito gerais,


o conhecimento é uma crença não­acidentalmente verdadeira. Teorias diferentes
explicam “não­acidentalmente” de forma diferente, mas entre muitos profissionais
parece ter surgido uma compreensão comum dessa palavra­chave. Em termos
simples, saber é acreditar na verdade por causa de sua virtude intelectual (vide
SOSA, 1991, p. 277; ZAGZEBSKI, 1996, p. 271­272, RIGGS, 2002, p. 93­94;
LEHRER, 2000, p. 223; GRECO, 2003, p. 111; TURRI, 2011). Nos últimos anos,
alguns profissionais influenciados pela abordagem “conhecimento em primeiro
lugar” [knowledge­first] sugeriram a inversão da direção da análise, começando
com competências para conhecer para então entender a crença como conhecimento
potencialmente falho (MIRACCHI, 2015; KELP, 2017). De qualquer forma, os
profissionais sustentam que existe uma conexão estreita entre o conhecimento, por
um lado, e o exercício da virtude intelectual ou competência, por outro lado.
Um alegado benefício desta abordagem básica é que ela fornece uma
descrição intuitiva do porquê de o conhecimento ser inconsistente com a sorte de
um certo tipo. Por exemplo, alguns começam com o pensamento intuitivo de que
você não sabe algo se é “em grande parte uma questão de sorte” que você acredita
nisso (RIGGS, 2007). Mas por que o conhecimento invalida a sorte desta forma?
Na primeira tentativa detalhada de responder a esta pergunta, Wayne Riggs diz
que a oposição entre conhecimento e sorte é mais bem explicada pela hipótese de
que o conhecimento é “uma conquista pela qual o conhecedor merece crédito” (RIGGS,
2009, p. 341). E os conhecedores merecem crédito porque acreditam na verdade
por causa de sua virtude (GRECO, 2003). Em resposta, alguns argumentaram que
sorte e virtude são dimensões ortogonais de avaliação epistêmica (PRITCHARD,
2012), e que o conhecimento deve ser devido à virtude mais do que à sorte, em
205

oposição a “devido à virtude ao invés da sorte” (CARTER, 2014).


Um benefício relacionado da abordagem básica é que, aos olhos de muitos
profissionais, ela resolve o problema de Gettier. Os casos de Gettier seguem uma
receita. Comece com uma crença suficientemente justificada para atender à condição
de justificação do conhecimento. Depois acrescente um elemento de azar que
normalmente impediria que a crença justificada fosse verdadeira. Finalmente,
acrescente uma dose de boa sorte que “anula a má”, para que a crença acabe
sendo verdadeira de qualquer forma. Tem sido difícil explicar por que a “dupla sorte”
impede o conhecimento (ZAGZEBSKI, 1996).
Eis um caso de Gettier, adaptado de Zagzebski (1996, p. 285­286):

Maria entra na casa e olha para a sala de estar. Uma


aparência familiar a saúda da cadeira de seu marido.
Ela pensa: “Meu marido está sentado na sala de
estar”, e depois entra na sala de estar. Mas Mary
identificou mal o homem na cadeira. Não é seu marido,
mas seu irmão, que ela não tinha motivos para
acreditar que estivesse sequer no país. Entretanto,
seu marido estava sentado ao longo da parede oposta
da sala, fora da vista de Mary, cochilando em uma
cadeira diferente.

A solução da EV para o problema de Gettier é que o conhecimento exige


que você acredite na verdade “por causa” de suas virtudes intelectuais; mas os
sujeitos de Gettier não acreditam na verdade por causa de suas virtudes, portanto
não tem conhecimento (ZAGZEBSKI, 1996, p. 285­; GRECO, 2003; SOSA, 2007:
cap. 5; TURRI, 2011). Alguns críticos reclamam que este ponto de vista não é
informativo porque nos falta uma compreensão adequada do que é acreditar “devido
a” ou “por causa” da virtude (vide ROBERTS; WOOD, 2007). Outros críticos
argumentam que a abordagem básica ainda sofre de contraexemplos (BAEHR,
2006a; CHURCH, 2013).
Recentemente, os principais profissionais têm tocado no fato de que a EV
coloca o conhecimento em um padrão familiar. Sobre esta abordagem, a avaliação
epistêmica é apenas mais um exemplo da forma básica de avaliar todo comportamento,
performance e tentativas. A articulação mais amplamente discutida desta visão é o
modelo de avaliação de performance AAA de Ernest Sosa (2007, p. 22­23). Para
abordagens relacionadas, mas sutilmente diferentes, confira os trabalhos de Greco
206

(2003, 2010) e Morton (2013). Sobre esta abordagem, podemos avaliar a performance
em termos de acurácia, habilidade e aptidão. Performances acuradas atingem seus
objetivos, performances hábeis manifestam competência, e performances aptas
são acuradas porque são hábeis. Este modelo AAA se aplica a todas as condutas
e performances com um objetivo, seja intencional, como no balé, ou não intencional,
como em um batimento cardíaco.
Eis como o modelo se aplica em epistemologia. Um modelo mais complicado
tem sido proposto recentemente, que leva em conta a própria avaliação de risco do
agente e as decisões sobre quando e como atuar (vide SOSA, 2015). A formação de
crenças é uma performance psicológica com um objetivo. Para as crenças, a acurácia
é identificada com a verdade, a habilidade com a manifestação da competência
intelectual e a aptidão com o “verdadeiro porque competente”. Crença apta, portanto,
é acreditar que algo é verdade porque se é competente. Uma competência, por sua
vez, “é uma disposição, com uma base residente no agente competente, que em
condições normais adequadas asseguraria (ou tornaria altamente provável) o sucesso
de qualquer performance relevante derivada dela” (SOSA, 2007, p. 29).
O conhecimento é, então, identificado com a crença correta, que é apenas
“um caso especial” de “performance crível e apta”, um estado comum em toda a
gama de atividades humanas. Considere a performance de uma arqueira que atinge
um alvo porque ela atira com competência. Seu tiro é apto, e acerto no alvo é uma
conquista. É possível que ela tivesse falhado facilmente. Ela pode ter felizmente
evitado ser drogada antes da competição, o que teria prejudicado sua competência.
Ou uma forte rajada de vento, que teria arruinado seu tiro, poderia ter sido evitada
por uma rara confluência de condições meteorológicas locais. Em qualquer uma
destas formas, sua performance poderia ter sido adequada mesmo que haja mundos
possíveis próximos nos quais ela não acerte o alvo. Sosa (2007, p. 31) diz que o
conhecimento também é assim: em alguns casos você pode acreditar de forma
apta [aptly], e assim saber, mesmo que você possa facilmente ter se enganado.
Mais recentemente, Sosa (2020) também argumentou que a suspensão do julgamento
pode ser analisada de forma semelhante: quando alguém se coloca em dúvida se
p, ela pode concluir que a evidência é inconclusiva, levando­a a suspender o
julgamento sobre se p. Tal suspensão é em si uma manifestação da competência
para reconhecer que não se está em condições de saber se p.
Alguns argumentaram que o modelo AAA de Sosa está aberto a contraexemplos.
Por exemplo, Duncan Pritchard (2009a), fazendo eco das críticas mais amplas de
Jennifer Lackey (2007) sobre visões relativas ao crédito do conhecimento, argumenta
207

que a visão de Sosa dá o veredicto errado no experimento mental do celeiro falso


(originalmente devido a Carl Ginet), confira Goldman (1976, p. 772­773). Neste
experimento mental, Henry e seu filho estão atravessando o país de carro. Henry
encosta para esticar as pernas e, ao mesmo tempo em que faz isso, revê com seu
filho uma lista de itens atualmente visíveis à beira da estrada. “Isso é um trator. Isso
é uma ceifeira­debulhadora. Aquilo é um cavalo. Aquilo é um silo. E isso é um celeiro
perfeito”, acrescenta ele, apontando para o celeiro próximo à beira da estrada. Mas
sem que eles soubessem, os habitantes locais recentemente substituíram secretamente
quase todos os celeiros da região por celeiros falsos (eles estão no “País do celeiro
falso”). Acontece que Henry viu o único celeiro real em todo o condado. Se ao invés
disso, ele tivesse posto os olhos em qualquer um dos inúmeros celeiros próximos,
ele teria acreditado falsamente que se tratava de um celeiro. Henry tem uma crença
verdadeira por causa de sua acuidade perceptiva, diz Pritchard, por isso conta como
apta, e a visão de Sosa implica que Henry tem conhecimento. Mas, afirma Pritchard,
é óbvio que Henry não o tem. Pritchard (2008a, p. 445) levanta uma objeção
exatamente semelhante à teoria do conhecimento de Greco.
As críticas a este ponto vieram em duas frentes. Por um lado, alguns
epistemólogos argumentaram que (contra Pritchard) os casos de falsificação do
estilo celeiro, que apresentam sorte ambiental, não são casos de crença adequada
ou realização cognitiva (vide JARVIS, 2013; LITTLEJOHN, 2014). Por outro lado,
alguns rejeitam a alegação de que o agente não sabe neste caso ou de casos
estruturalmente semelhantes (vide LYCAN, 2006; TURRI, 2011). Além disso, trabalhos
experimentais recentes demonstraram que os não­filósofos veem, na sua esmagadora
maioria, casos de celeiros falsos e casos estruturalmente semelhantes, como
instâncias de conhecimento (COLAÇO, BUCKWALTER; STICH; MACHERY, 2014;
TURRI; BUCKWALTER; BLOUW, 2014; TURRI, 2016c).

6. Valor Epistêmico

Qual é a natureza do valor epistêmico e como o conhecimento é distintamente


valioso do ponto de vista epistêmico? Em particular, por que o conhecimento é mais
valioso do que a mera crença verdadeira, especialmente se a crença verdadeira
serve tão bem para orientar a ação? Tais questões ocuparam o centro do palco da
epistemologia recente e remontam pelo menos ao Mênon, de Platão (vide PRITCHARD;
TURRI, 2014). Muitos epistemólogos de virtude pensam que sua abordagem é
208

singularmente adequada para fornecer respostas satisfatórias a estas perguntas.


Zagzebski (2003) argumenta que uma explicação adequada do conhecimento
deve explicar por que o conhecimento é mais valioso do que a mera crença verdadeira.
Isto é conhecido como “o problema do valor”. A EV está bem posicionada para
resolvê­lo, argumenta, porque a solução correta deve nos ajudar a ver como o
conhecimento possui valor independentemente de qualquer coisa “externa” à sua
produção. Uma boa xícara de café não é melhor simplesmente porque foi feita por
uma máquina de café boa e confiável. Da mesma forma, uma crença verdadeira
não é melhor simplesmente porque foi formada por um método confiável. O valor
agregado deve vir de algo “interno” à crença. A solução é ver o conhecimento como
um estado digno de crédito do agente, produzido ou sustentado por sua atuação virtuosa.
Greco (2009, 2012) e Sosa (2003, 2007, 2020) argumentam que o
conhecimento é uma espécie de sucesso intelectual através da habilidade, pela
qual o conhecedor é digno de crédito. E em geral, o sucesso pela virtude é mais
valioso do que o mero sucesso, especialmente o sucesso acidental. Portanto, o
conhecimento é mais valioso do que a crença verdadeira. Riggs (2009, p. 342; vide
1998, 2002) coloca o ponto sucintamente: “A razão pela qual as visões do conhecimento
como ‘digno de crédito’ podem resolver o problema do valor é que elas introduzem
um novo vetor de valor: crédito. Se saber que p sempre implica que se merece
crédito por ter alcançado uma crença verdadeira, então isso introduz algo além da
crença verdadeira que é valioso”.
Carter, Jarvis e Rubin (2015) propõem uma taxonomia de variedades de
realização cognitiva baseada nos pesos relativos dados para alcançar o sucesso
versus evitar o fracasso; por exemplo, ter uma suspeita de que p é uma tentativa
cognitiva que coloca mais peso em atingir o sucesso, em contraposição à teoria da
certeza cartesiana em que se p é uma tentativa cognitiva, então se coloca quase
toda ênfase em evitar o fracasso.
Aristóteles fez uma distinção relacionada entre alcançar algum fim por
sorte ou acidente, e alcançá­lo através do exercício das próprias habilidades ou
virtudes. É apenas este último tipo de ação, argumenta ele, que é tanto intrinsecamente
valioso quanto constitutivo do florescimento humano. O “bem humano”, escreve
ele, “acaba sendo uma atividade de excelência da alma” (Ética a Nicômaco 1098a
15­16)7 . O exercício bem­sucedido das virtudes intelectuais é tanto intrinsecamente

7 Tradução para o inglês de W. D. Ross, 1984, p. 1735.


209

bom quanto constitutivo do florescimento humano. Isto diz respeito à virtude moral
e intelectual. Assumindo que a linha básica da EV sobre conhecimento está correta,
obtemos uma solução direta para o problema do valor.

7. Crédito

Como vimos nas seções sobre conhecimento e valor epistêmico, uma tese
muito popular em EV é que o conhecimento é um estado digno de crédito do agente.
Você apenas tem conhecimento se você merece crédito por acreditar na verdade.
Chame isto de “a tese do crédito”. A tese do crédito ajuda a explicar o valor do
conhecimento. Ela também se destaca nas tentativas de resolver o problema de
Gettier e explica a sorte epistêmica.
Jennifer Lackey (2007) argumenta que não merecemos crédito por tudo o
que sabemos, portanto (a) as definições padrão de conhecimento da EV são falsas,
e (b) a EV não é ideal para explicar o valor do conhecimento. Ela apresenta
contraexemplos envolvendo conhecimento por testemunhos e inato. No entendimento
de Lackey, para ganhar crédito por uma crença verdadeira, suas “faculdades
cognitivas confiáveis” devem ser “a parte mais saliente” da explicação do porquê
de você acreditar na verdade (LACKEY, 2007, p. 351; GRECO, 2003, p. 130). As
faculdades cognitivas não podem ser apenas partes necessárias ou importantes
da explicação, argumenta ela, porque então os problemas de Gettier surgiriam
imediatamente (LACKEY, 2007, p. 347­348).
Aqui está uma variante próxima de um dos casos de Lackey (2007, p.
352), que ela mais tarde (2009) chama de “Visitante de Chicago”: Morris acaba de
chegar à estação de trem de Chicago e quer indicações para a Sears Tower. Ele
se aproxima do primeiro transeunte adulto que vê e pede orientações. O transeunte
conhece a cidade extraordinariamente bem e articuladamente oferece direções
impecáveis: a torre fica a duas quadras a leste da estação. Com base nisso, Morris
forma, sem hesitação, a crença verdadeira correspondente.
Lackey raciocina da seguinte forma. Morris claramente ganha conhecimento
da localização da torre. Mas a contribuição do transeunte é mais saliente ao explicar
por que Morris aprendeu a verdade. A contribuição de Morris para o processo é
mínima. As faculdades cognitivas confiáveis de Morris não são a parte mais saliente
da explicação do porquê ele acredita na verdade. Portanto, ele não merece crédito.
No entanto, ele tem conhecimento, portanto, a tese do crédito é falsa.
210

Lackey também nos pede para considerar “a possibilidade do conhecimento


natural inato” (LACKEY, 2007, p. 358). Certamente tal conhecimento é possível,
portanto, uma teoria adequada do conhecimento deve acomodar essa possibilidade.
Mas “parece altamente improvável que um sujeito mereça crédito por tal conhecimento”.
Para a origem da crença, “como a seleção natural ou algum outro mecanismo
evolutivo”, seria a parte mais saliente da explicação para o porquê de se ter a crença
verdadeira. Portanto, a tese de crédito é falsa.
Sosa (2007, p.95) responde que Morris ainda merece “crédito parcial”,
embora seu sucesso em acreditar na verdade seja principalmente atribuível a uma
“competência socialmente assentada” materializada nas pessoas envolvidas na
cadeia de testemunhos. Isto é suficiente para que sua crença seja apta, e assim
contar como conhecimento. O crédito parcial fundamentado na performance adequada
é um fenômeno perfeitamente geral, tão comum nos esportes de equipe quanto no
testemunho.

O passe do quarterback deriva de sua competência,


mas seu grande sucesso, enquanto um passe de
touchdown, expressa mais plenamente a competência
da equipe.

Riggs (2009, p. 209) responde que não está claro que Morris sabe onde
fica a torre. Não somos obrigados a contar como conhecimento toda “aceitação
casual e irrefletida do testemunho” (RIGGS, 2009, p. 214). E note que se continuarmos
a história fazendo alguém logo depois perguntar a Morris onde está a torre, ele se
excederia se simplesmente afirmasse: “está a dois quarteirões, seguindo esta rua”,
o que sugere que ele não tem conhecimento realmente, no fim das contas (RIGGS,
2009, p. 210­211). Além disso, Riggs distingue dois sentidos de crédito: digno de
louvor e de atribuição. O conhecimento exige que sua crença verdadeira seja
atribuível a você enquanto agente, mas não que você seja louvável por isso. Riggs
alega que as objeções de Lackey supõem erroneamente que os defensores da tese
de crédito pensam que o conhecimento requer louvor, e que estão muito ligados à
explicação particular de crédito de Greco (com sua ênfase na saliência explicativa),
e também ignoram a possibilidade de “esforço de grupo” nas realizações.
Greco (2007) responde que Morris ainda merece crédito por aprender a
verdade. O crédito pelo sucesso cooperativo pode se reverter a favor de vários
indivíduos, mesmo aqueles que contribuem menos do que outros. Geralmente,
211

requer apenas que seus “esforços e habilidades” estejam “adequadamente envolvidos”


no sucesso (GRECO, 2007, p. 65). Desenvolvendo ainda mais esta ideia, Greco
ressalta que as virtudes intelectuais são frequentemente virtudes sociais, exercidas
em ambientes sociais. Por exemplo, várias habilidades sociocognitivas estão
envolvidas em avaliações de competência e sinceridade dos falantes, e são assim
importantes para a recepção do testemunho. Um tipo diferente de resposta propõe
que as virtudes produtoras de conhecimento muitas vezes estão assentadas não
no conhecedor individual, mas na comunidade intelectual mais ampla. Em tal ocasião,
o conhecimento continua a ser entendido como “produzido a partir da virtude”, mas
as virtudes em questão são agora virtudes comunitárias e não as de um conhecedor
individual. De longe, a analogia mais comum para tais abordagens é o trabalho em
equipe no esporte (GREEN, 2017). Vamos distinguir entre a) vários indivíduos que
constituem um agente­grupo, no qual tal agente é, por sua vez, o local das intenções
e ações do grupo, e b) vários agentes individuais que fazem algo juntos. Este último
tipo de cooperação é frequentemente referido como agência “compartilhada” ou
“conjunta”, assim distinguida da agência de grupo. Greco (2020) usa uma estrutura
de agência conjunta para entender o conhecimento por testemunho. A ideia norteadora
é que a transmissão de conhecimento do falante para o ouvinte envolve o tipo de
cooperação que constitui a agência conjunta. Nesta visão, o conhecimento testemunhal
resultante não é atribuível à agência individual competente do ouvinte, mas sim à
agência conjunta competente de falante e ouvinte agindo em conjunto. Nesse
sentido, o conhecimento transmitido é entendido como uma realização conjunta e
não como uma realização individual.
A descrição de Greco sobre a transmissão de conhecimentos acomoda
uma forte noção de dependência epistêmica social. Isto porque a agência conjunta
em geral envolve a dependência entre os atores cooperativos para “fazerem sua
parte” na atividade cooperativa. Além disso, como em outros casos de ação conjunta,
o ouvinte não tem nenhuma garantia de que o falante se mostrará confiável, nenhuma
garantia de que o falante desempenhará bem seu papel. Finalmente, podemos
observar que grande parte da discussão sobre a transmissão de conhecimento
pode ser estendida também à geração de conhecimento. Ou seja, a produção de
conhecimento pode, às vezes, envolver o tipo de cooperação intencional que
caracteriza a atividade conjunta. Por exemplo, podemos conceber uma equipe de
pesquisa que coopere em uma investigação que é muito complicada para que
qualquer pessoa possa empreender sozinha. Se essa cooperação for estruturada
da maneira correta, e se o conhecimento assim produzido for atribuído a essa
212

cooperação, teremos casos em que a produção de conhecimento é uma realização conjunta.


Lackey (2009) responde a Greco, Riggs, e Sosa. Sua resposta é sutil e
multidimensional, mas sua peça central é um dilema para a tese do crédito da EV.
Assim, ou a noção de “digno de crédito” da EV é substancial o suficiente para
descartar o crédito, para os sujeitos nos casos de Gettier, ou não o é. Se for
substancial o suficiente, então ela descarta muito conhecimento testemunhal, e
neste caso ela é falha. Se não for substancial o suficiente, então sofre refutação
pelos casos Gettier, caso em que ainda seria falha. De qualquer forma, ela é falha.
Compare com o que diz Kvanvig (2003) e Pritchard (2008b).

8. Contextualismo

De acordo com uma visão amplamente debatida na epistemologia recente,


contextualismo, as condições verdadeiras para atribuições de conhecimento como
“S sabe que P” são sensíveis ao contexto, devido à sensibilidade ao contexto do
verbo cognitivo “saber”. Para uma revisão, confira o trabalho de Rysiew (2016). Os
contextualistas discordam sobre como modelar a suposta sensibilidade ao contexto.
Alguns dizem que “saber” é um indexical que possui um caráter invariante a contexto
que é uma função dos contextos aos conteúdos (COHEN, 2013). Outros afirmam
que “sabe” é um predicado vago que necessita de suplementação contextual para
predicar uma propriedade determinada (HELLER, 1999). Os críticos argumentam
que as principais propostas contextualistas são ad hoc ou desmotivadas porque
faltam evidências independentes de que “sabe” é sensível ao contexto desta forma
(STANLEY, 2005), ou porque experimentos comportamentais demonstram que as
pessoas não avaliam as atribuições de conhecimento da forma que os principais
contextuais assumiram ou previram (TURRI, 2016b).
Greco (2004, 2008) defende uma versão de contextualismo, que ele chama
de “contextualismo da virtude”. O contextualismo da virtude emerge da ideia básica,
mencionada acima, que saber é acreditar na verdade por causa de sua virtude ou
capacidade intelectual. Quando dizemos “por causa de sua virtude ou capacidade
intelectual”, como devemos entender “por que”? Em geral, o discurso explicativo é
sensível ao contexto. Ele é sensível ao contexto de duas formas primárias. Em
primeiro lugar, características anormais tendem a ser explicativamente salientes.
Ocorre um pânico em um prédio de apartamentos de Manhattan, logo após um tigre
vagar pelo saguão. Não temos problemas em identificar a causa do pânico: o tigre.
213

Isso é verdade mesmo que a presença do tigre não seja individualmente suficiente
para causar pânico ­ as pessoas também devem temer os tigres, mas normalmente
os temem. Em segundo lugar, nossos interesses e propósitos destacam certas
características como especialmente relevantes. Temos a tendência de nos concentrar
em coisas que podemos controlar. Se um aluno pergunta a um professor por que
ele reprovou no exame, o professor pode apontar que ele raramente veio à aula e
não pegou um guia de estudo até a manhã do exame.
Se a conversa sobre explicações é geralmente sensível ao contexto, e a
conversa sobre conhecimento é apenas uma espécie de conversa sobre explicações,
então talvez as atribuições de conhecimento também o sejam. Mudando o que
parece normal ou mudando nossos interesses e objetivos, podemos passar de um
contexto em que dizer “S acredita na verdade por causa de sua virtude” expressa
uma verdade, para um contexto onde proferir as mesmas palavras expressa uma
falsidade. E como dizer “S sabe” é o mesmo que dizer “S acredita na verdade por
causa de sua virtude”, segue­se que as atribuições de conhecimento são igualmente
sensíveis ao contexto. Ao derivar seu relato da sensibilidade ao contexto a partir
do caráter geral da conversa­explicativa, o contextualismo da virtude pode evitar a
acusação de que ela é desmotivada e ad hoc. Entretanto, são necessários trabalhos
adicionais para testar se a teoria se ajusta ao comportamento linguístico real das pessoas.

9. Situacionismo Epistêmico

Como mencionado acima, os profissionais de todas as faixas tendem a


reconhecer a importância das descobertas empíricas sobre cognição e investigação.
Há múltiplas razões para esta sensibilidade além de uma predileção pelo naturalismo.
Primeiro, mesmo que a EV seja uma disciplina normativa como discutido acima,
alguns profissionais aceitam uma versão do princípio dever implica poder. Na
medida em que a pesquisa empírica em psicologia, ciência cognitiva e outros campos
delineia os limites da cognição humana, tal pesquisa restringe os questionamentos,
as disposições e os estados que podem ser epistemicamente exigidos das pessoas.
Mais ambiciosamente, pode­se pensar que normas epistêmicas extremamente
exigentes são às vezes inapropriadas mesmo que, a rigor, elas possam ser satisfeitas.
Em segundo lugar, mesmo que se rejeite que dever implica poder, uma suposta
força da EV é sua capacidade de responder com sucesso ao ceticismo. No entanto,
se as disposições que os profissionais assumem que existem são nunca ou raramente
214

encarnadas pelos humanos, então o ceticismo se manifesta. Note que este argumento
funciona mesmo que as pessoas possam adquirir e manifestar virtudes epistêmicas,
desde que de fato não o façam. Terceiro, a pesquisa empírica pode ajudar a resolver
o problema da generalidade. Qualquer episódio de aquisição de uma crença pode
ser classificado sob um número indefinido de títulos; algumas dessas classificações
individuam disposições altamente confiáveis, enquanto outras individuam disposições
menos confiáveis. Quando eu infiro do fato de que toda esmeralda que examinei é
verde, que toda esmeralda (examinada ou não) é verde, minha inferência deveria
ser descrita como generalização indutiva ou generalização indutiva empregando
predicados projetáveis? Embora o problema da generalidade tenha sido
primeiramente articulado como um obstáculo para a confiabilidade do processo
(POLLOCK, 1984), Goldman (1986, p. 50) e Zagzebski (1996, p. 300) reconhecem
que a EV enfrenta sua própria versão do problema. Devem as virtudes epistêmicas
ser grosseiramente individuadas, de modo que a virtude de ser mente aberta seja
incluída, ou devem ser finamente individuadas, de modo que se inclua a de ser
mente aberta em relação aos amigos, enquanto de bom humor? Zagzebski
(1996, p. 309) argumenta que esta pergunta deve ser respondida empiricamente,
com uma preferência pela individuação grosseira. Por fim, os profissionais que
favorecem uma abordagem educativa ou de aperfeiçoamento da EV têm uma razão
adicional para atender às descobertas empíricas, pois estas podem revelar defeitos
cognitivos comuns que poderiam ser potencialmente corrigidos, além de sugerir
perspectivas mais promissoras para o treinamento e desenvolvimento cognitivo e
epistêmico do que as empregadas na pedagogia contemporânea.
Apesar destas considerações, as ciências cognitivas podem representar
uma ameaça para a EV. Afinal, à medida que as disposições cognitivas das pessoas
não se qualificam como virtudes (porque não são confiáveis ou responsáveis, por
exemplo), as crenças verdadeiras que elas produzem não contarão como conhecimento
(ALFANO, 2012). Lembrem­se de que os profissionais estão em grande parte de
acordo que o conhecimento é a crença verdadeira que manifesta a virtude. Se
estudos empíricos sugerem que as crenças das pessoas geralmente manifestam
defeitos cognitivos ou incompetência, então a EV seria levada a concluir que a
maioria de nossas verdadeiras crenças não contam como conhecimento. Este
desafio à EV é análogo ao “desafio situacionista” à ética da virtude (DORIS, 1998,
2002; FLANAGAN, 1991; HARMAN, 1999). Para uma articulação recente, confira
Merritt, Doris e Harman (2010).
215

Mark Alfano (2012, p. 234) foi o primeiro a enquadrar o problema como


uma tríade inconsistente: o anticeticismo, segundo o qual quase todos os seres
humanos têm bastante conhecimento, o situacionismo epistêmico, segundo o
qual as disposições intelectuais da maioria das pessoas não são virtudes porque
são altamente sensíveis a fatores situacionais aparentemente triviais e epistemicamente
irrelevantes, e a EV. Em relação à confiabilidade das disposições inferenciais das
pessoas, Alfano (2014, 2013b, capítulo 6) apontou uma série robusta de descobertas
relacionadas à falta de confiabilidade de heurísticas, como a heurística da
disponibilidade, a heurística da representatividade, e a heurística do reconhecimento.
Em relação à EV responsabilista, Alfano (2012, 2013b, capítulo 5) enfatizou as
descobertas sobre a influência substancial de fatores aparentemente triviais, mas
epistemicamente irrelevantes, na formação de crenças. Estes fatores incluem
alterações de humor, depressores de humor, e sinais sociais de acordo unânime
[social cues of unanimous agreement] versus não­unânime. Posteriormente, embora
alguns filósofos tenham aprofundado o ataque empírico (vide OLIN; DORIS, 2014;
BLUMENTHAL­BARBY, 2015), pelo menos quatro linhas de resposta surgiram.
A primeira resposta principal ao situacionismo epistêmico é negar que
existe um problema, referindo­se a evidências empíricas mais animadoras. Por
exemplo, Fairweather e Montemayor (2014) argumentam que as heurísticas ­ em
vez de serem um atalho mental não confiável ­ são mais confiáveis do que padrões
inferenciais tradicionais que as pessoas tendem a usar indevidamente. Em um
sentido semelhante, Samuelson e Church (2015) argumentam que heurísticas,
quando devidamente monitoradas e interrompidas por cognição esforçada de “cima
para baixo” [top­down], podem ser confiáveis, e que o exercício efetivo de tal controle
de cima para baixo constitui uma versão da virtude responsabilista da humildade
intelectual. E King (2014a) defende o responsabilismo, ressaltando que, pelo menos
na versão de Zagzebski (1996) da EV, o conhecimento não precisa manifestar
virtude, mas, em vez disso, precisa apenas surgir do tipo de investigação motivada
em que uma pessoa virtuosa se envolveria.
A segunda resposta principal é mais conciliadora, sugerindo que a EV deve
se concentrar menos em alcançar a virtude e mais em evitar o vício. Roberts e West
(2015) sustentam que as pesquisas sobre heurísticas e vieses cognitivos relacionados
mostram que os humanos são mais bem compreendidos como manifestando vários
defeitos epistêmicos naturais. O trabalho de se tornar um conhecedor suficientemente
bom é então uma questão de cultivar maneiras de evitar ou superar esses defeitos.
Eles sugerem que a autovigilância e o aumento da vitalidade intelectual são duas
216

formas fundamentais de lidar com esses defeitos, tornando sua visão um pouco
semelhante à de Samuelson e Church (2015). Cassam (2016) argumenta que a
extensa literatura sobre teorias conspiratórias e pensamento conspiratório mostra
que as pessoas são propensas a vários vícios intelectuais, entendidos como traços
de caráter que impedem uma investigação eficaz e responsável. Compreender a
investigação humana e como ela pode dar errado requer, portanto, um estudo dos
vícios intelectuais.
Esta sugestão está de acordo com a terceira resposta principal ao
situacionismo epistêmico, que é a de transferir de alguma forma parte da agência
cognitiva tradicionalmente exigida do indivíduo no ambiente material, social ou
político. Por exemplo, Pritchard (2014) argumenta por uma versão mais modesta
da EV, que contempla o papel essencial do ambiente na aquisição do conhecimento.
Alguém que é colocado em um ambiente material, social e político afortunado
acabará com mais conhecimento, apesar de menos exercício de agência cognitiva,
do que alguém que não tem tanta sorte, mesmo que este exerça níveis heroicos
de agência cognitiva. O situacionismo epistêmico é assim reinterpretado como
evidência de nossa inescapável dependência epistêmica das circunstâncias. Alfano
(2013b, 2016a) e Alfano e Skorburg (2017, 2018) conectam o desafio do situacionismo
epistêmico com a literatura da filosofia da mente sobre a cognição incorporada
[embedded], sustentada [scaffolded] e estendida inspirada por Clark e Chalmers
(1998). Confira, também, Sterelny (2010). A ideia básica aqui é que quando um
agente cognitivo é adequadamente integrado com objetos naturais, artefatos e
outros agentes em seu ambiente material, social e político, essas externalidades
podem ser parcialmente constitutivas das disposições cognitivas do agente. A
cognição incorporada ocorre em um ambiente natural em sua maior parte estável;
a cognição sustentada ocorre em um ambiente artificial em sua maior parte estável;
a cognição estendida ocorre em um ambiente dinamicamente reativo. Dentro desta
taxonomia, Alfano e Skorburg (2018) argumentam que é possível melhorar a
confiabilidade da heurística de reconhecimento, não por meio do desenvolvimento
de mais recursos cognitivos internos (vide SAMUELSON; CHURCH, 2015; ROBERTS;
WEST, 2015), mas estruturando melhor o ecossistema informativo no qual as
pessoas se encontram, uma sugestão que se harmoniza com os recentes trabalhos
sobre a epistemologia das tecnologias de informação e comunicação, como a
Internet (BOZDAG; VAN DEN HOVEN, 2015; LYNCH, 2016) e a biblioteconomia
(FALLIS; WHITCOMB, 2009). Alfano (2016a) e Alfano e Skorburg (2017) argumentam
que, em alguns casos, os pares de agentes constituem mutuamente o caráter um
217

do outro, engajando­se em interações dinâmicas com virtudes interligadas. A literatura


sobre virtudes epistêmicas incorporadas, sustentadas e estendidas é um desenvolvimento
natural da ênfase da EV em agentes intelectuais e comunidades.
Uma quarta resposta é que não há evidência de que o conhecimento exija
o tipo de disposições que o situacionismo epistêmico desafia e, além disso, que há
evidência teórica e empírica de que o conhecimento não exige tais disposições
(TURRI, 2017). Mais especificamente, de acordo com esta linha de crítica, nunca
foi apresentado nenhum argumento sério de que o conhecimento requer confiabilidade;
em vez disso, os filósofos se basearam em argumentos explicativos fracos ou, mais
comumente, simplesmente assumiram que o conhecimento requer confiabilidade
(TURRI, 2016a). Além disso, se o conhecimento é uma conquista, então devemos
esperar que ele não exija confiabilidade, porque nenhuma outra conquista requer
confiabilidade (TURRI, 2015c). Além disso, estudos empíricos recentes mostraram
que o conceito comum de conhecimento ­ que é o conceito que os profissionais
afirmam estar interessados, não faz da confiabilidade uma condição necessária do
conhecimento (TURRI, 2016a). Por exemplo, em casos de crenças perceptuais e
memoriais, as pessoas atribuem o conhecimento a taxas igualmente elevadas (mais
ou menos, 80%), independentemente de o agente ter acertado dez por cento das
vezes ou noventa por cento das vezes. Junto com esta linha de crítica, os pesquisadores
ofereceram uma teoria alternativa de conhecimento que permite o conhecimento
produzido por capacidades ou poderes cognitivos mesmo muito pouco confiáveis
(TURRI, 2016a, 2016c).

10. Expandindo os Horizontes

Nesta seção final, pesquisamos quatro direções nas quais a EV se


desenvolveu. Estas direções são extensões naturais dos programas de pesquisa
em andamento acima, mas prometem trazer novos conhecimentos sobre EV e
epistemologia de forma mais geral. Estas incluem virtudes em comunidades
epistêmicas, perfis de virtudes e vícios específicos, filosofar sobre outros status
epistêmicos além do conhecimento, e explorações das relações entre virtudes
intelectuais e emoções epistêmicas
218

10.1. As virtudes intelectuais nas comunidades epistêmica

Jonathan Kvanvig (1992) defende uma visão alternativa sobre o papel das
virtudes na epistemologia. A epistemologia moderna tem um enfoque cartesiano
estrito em indivíduos e crenças particulares (em períodos de tempo específicos).
Diz Kvanvig, a EV não deve seguir este exemplo. É mais adequado focar em fatores
sociais e históricos. As virtudes são importantes, na visão de Kvanvig, devido ao
seu papel indispensável no treinamento de pessoas para buscar, adquirir e transmitir
verdades ­ uma atividade distintamente social (vide MORTON, 2013).
A epistemologia tradicional, diz Kvanvig, é dominada por uma concepção
“individualista” e “sincrônica” do conhecimento. Seu trabalho mais importante é
especificar as condições sob as quais um indivíduo conhece uma determinada
proposição em um determinado momento. Kvanvig abandona isto em favor de uma
epistemologia “genética” [genetic] voltada para a vida cognitiva da mente à medida
que ela se desenvolve dentro de um contexto social. Perguntas sobre o grupo
suplantam perguntas sobre o indivíduo. Perguntas sobre o desenvolvimento cognitivo
e aprendizagem suplantam perguntas sobre o que um indivíduo sabe em um
determinado momento. Esta abordagem se harmoniza bem tanto com a linha
educativa já observada na EV quanto com a abordagem de virtude incorporada,
sustentada e estendida descrita na seção 9.
Kvanvig vê pelo menos duas maneiras de como esta nova abordagem
caracterizaria as virtudes. Primeiro, as virtudes são essenciais para compreender a
vida cognitiva da mente, particularmente o desenvolvimento e a aprendizagem, que
acontece ao longo do tempo através de vários processos, tais como imitar agentes
virtuosos e internalizar a moral de histórias sobre vícios. Em segundo lugar, as virtudes
são essenciais para caracterizar os ideais cognitivos. Por exemplo, uma forma de
organizar a informação é melhor que outra, argumenta Kvanvig, porque em circunstâncias
apropriadas é assim que uma pessoa intelectualmente virtuosa a organizaria.

10.2. Virtudes e vícios específicos

Outra “área de crescimento” para EV são os perfis de virtudes e vícios


individuais. O trabalho nesta área tem progredido aos trancos e barrancos, com muito
trabalho em algumas virtudes e vícios intelectuais, mas menos em outros. Entre os
traços que têm recebido atenção significativa estão a coragem intelectual, a humildade
219

intelectual, a justiça epistêmica, bem como os vícios que se opõem a essas virtudes.
Roberts e Wood (2007, p. 219) caracterizam a coragem intelectual e a
cautela como as virtudes que nos dispõem a responder adequadamente às ameaças
percebidas em nossa vida intelectual ­ coragem que nos dispõe a não sermos
indevidamente intimidados, cautela que nos dispõe a não correr riscos inapropriados
na obtenção dos bens intelectuais. Para eles, portanto, a coragem intelectual é
análoga à coragem moral aristotélica, na medida em que dispõe seu portador a
responder bem às ameaças, não sendo nem muito precipitado nem muito temeroso.
Baehr (2011, cap. 9) também argumenta que a coragem intelectual é mais bem
interpretada como uma disposição para responder bem às ameaças ao bem­estar
epistêmico; ele se concentra em particular na coragem de inquirir e não na coragem
de acreditar ou duvidar. Baseando­se em Nietzsche, Alfano (2013a, 2019) explora
um tipo relacionado de coragem intelectual para inquirir sobre o proibido. Ele
argumenta que tal coragem nietzschiana é necessária para compreender os aspectos
mais desanimadores e vergonhosos da natureza humana, os quais as pessoas
tendem a mascarar ou a encobrir. Em outra nota, Alfano (2013b) enfatiza a importância
da coragem intelectual ao anunciar publicamente o que se sabe ou acredita diante
da pressão social e institucional para se conformar ou ficar calado. Tal coragem
está relacionada à transmissão de conhecimento e à destruição da ignorância e do
erro na própria comunidade, ao invés da busca de conhecimento para o bem do
inquiridor. Ter tal senso de quando e como falar é um constituinte primário da virtude
de ser um denunciante eficaz, um exemplo pouco apreciado na época atual
(DESAUTELS, 2009). Medina (2013) oferece um relato de sujeitos com excepcional
coragem intelectual, como Sor Juana Ines de la Cruz, no México do século XVII.
Tais heróis desafiam os obstáculos cognitivos em contextos de opressão epistêmica
através da inventividade e da imaginação.
Os que contribuem para a análise da humildade intelectual incluem Carter
e Pritchard (2016), Hazlett (2012), Roberts e Wood (2007), Samuelson e Church
(2015), Whitcomb et al. (2015), e Christen et al. (2014). Hazlett (2012, p. 220) afirma
que a humildade intelectual é a “disposição de não adotar atitudes epistêmicas de
ordem superior que sejam epistemicamente impróprias, e de adotar (da maneira
correta, nas situações certas) atitudes epistêmicas de ordem superior que sejam
epistemicamente apropriadas”.
Esta concepção de humildade intelectual é mais pertinente no âmbito do
desacordo. A visão de Roberts e Wood é semelhante, sustentando que a humildade
intelectual é “uma despreocupação marcante ou incomum em relação à reputação
220

social e, portanto, uma espécie de insensibilidade emocional às questões de


status” (2007, p. 239). Sua definição, como a de Hazlett, enfatiza a natureza social
da humildade intelectual. Ao contrário de Hazlett, Roberts e Wood colocam mais
peso nas preocupações e emoções da pessoa intelectualmente humilde, e menos
em seus estados doxásticos.
Samuelson e Church (2015), em contraste, caracterizam a humildade
intelectual na linguagem de processo duplo popular na psicologia contemporânea.
Samuelson e Church pensam que a humildade intelectual pode ser implementada
como um traço motivador, mas estão inclinados a construí­la na estrutura do sistema
dual, onde harmonizam processos intuitivos automáticos (heurística, julgamentos
afetivos, etc.) com pensamento e deliberação lentos, controlados, eficientes e atentos.
Nesta visão, alguém que tende a tirar conclusões baseadas em intuições (“Sistema
1”) não é intelectualmente humilde, especialmente se não estiver aberto a rever suas
crenças diante de novas evidências. Em contraste, alguém que se força a desacelerar
e pensar cuidadosamente (“Sistema 2”) em situações em que as respostas intuitivas
são susceptíveis a enganar seria um modelo de humildade intelectual.
Whitcomb e outros (2015), confira também Medina (2013), propõem uma
concepção de humildade intelectual caracterizada como ter atenção e lidar
adequadamente com as suas próprias limitações cognitivas. Tal atenção pode ser
consciente, mas é fundamentada em uma sensibilidade implícita às próprias
disposições. Ter atenção com as próprias limitações tende, por sua vez, a levar a
respostas cognitivas, comportamentais, motivacionais e afetivas intelectualmente
humildes. Esta característica leva a pessoa intelectualmente humilde a rever suas
crenças à luz do reconhecimento de suas limitações, a tentar superar ou isolar os
efeitos ruins de suas limitações, a desejar incorporar menos limitações de menor
severidade, e a exibir emoções adequadas (por exemplo, arrependimento, em vez
de diversão) em relação a suas limitações.
Finalmente, Christen, Alfano e Robinson (2014) dão um relato descritivo
em vez de um relato normativo da humildade intelectual. Como nos pontos vistos
acima, eles pensam que a humildade intelectual pode ser entendida como uma
disposição multifacetada que se opõe a outras disposições. Ao invés de consultar
suas próprias intuições sobre o que são as facetas da humildade intelectual e seus
vícios opostos, eles empregam uma análise psicolexical baseada em associações
de palavras [thesaurus], que sugere que a humildade intelectual tem três facetas
positivas – o eu sensível, o eu discreto e o eu curioso – e três vícios opostos (o
outro subestimado, o eu subestimado e o eu sobrestimado). O eu sensível é
221

caracterizado pela compreensão, capacidade de resposta e consciência ­ todas


elas formas de demonstrar abertura a novas ideias e informações. O eu inquisitivo
é caracterizado pela curiosidade, exploração e aprendizagem, todas maneiras de
buscar novas ideias e informações. O eu discreto é caracterizado pela reserva e
despretensão ­ maneiras de se relacionar com outras pessoas, especialmente
aquelas com as quais se pode discordar.
Miranda Fricker (2003, 2007) fornece um estudo de caso detalhado da
virtude da justiça epistêmica e do vício oposto da “injustiça epistêmica” sofrida pelos
marginalizados e menos poderosos. A injustiça epistêmica prejudica alguém em
sua capacidade de (potencial) conhecedor e vem em várias variedades. Uma espécie
é a injustiça hermenêutica, que ocorre quando são negados às pessoas os recursos
conceituais e linguísticos para dar sentido e comunicar sua experiência. Um exemplo
principal é o assédio sexual, um conceito forjado na América dos anos 70. A outra
espécie principal de injustiça epistêmica que tem recebido de longe a maior atenção,
porém, é a injustiça testemunhal, que ocorre quando as afirmações de alguém
recebem menos (ou mais) credibilidade do que merecem por causa de algum tipo
de preconceito, como o preconceito em relação a identidades como sexo, raça,
etnia ou idade. O vício da injustiça testemunhal é uma disposição para cometer tais
atos de injustiça epistêmica. A virtude da justiça testemunhal corretiva é uma
disposição de permanecer consciente e compensar seus preconceitos, interferindo
na sua estimativa do valor do testemunho de alguém. Esta virtude corretiva, argumenta
Fricker (2003, p. 161), é cultivada através de treinamento social.
Medina (2011, 2012, 2013) desenvolveu uma descrição social­contextualista
sobre a virtude da justiça epistêmica e o vício correspondente da injustiça epistêmica.
Medina (2011) argumenta que a justiça testemunhal requer o desenvolvimento da
sensibilidade epistêmica que detecta e corrige tanto os déficits de credibilidade
imerecidos quanto os excessos de credibilidade imerecidos. Ele também argumenta
que as injustiças hermenêuticas são frequentemente mais bem tratadas em
comunidades dialógicas que chegam a uma compreensão mútua de sua situação
difícil, e não por indivíduos.
Sherman (2016) concorda com Fricker sobre os danos causados pela
injustiça testemunhal, mas questiona a eficácia de tentar cultivar uma virtude para
corrigi­la. O problema essencial é que as pessoas tendem a pensar que suas
próprias opiniões e a confiança no testemunho dos outros são razoáveis. Se você
pensasse que deu muito pouco peso à palavra de alguém, já teria revisto sua
opinião. Diante disto, Sherman sugere que os esforços para cultivar a justiça de
222

testemunhos corretivos provavelmente falharão, ou até mesmo podem piorar a situação.


Sherman e Alfano (2015), mas veja também Alfano e Skorburg (2018),
sugerem tornar comunal a busca da justiça testemunhal, por exemplo, recrutando
seus amigos para confrontá­lo quando eles acharem que você cometeu um ato de
injustiça e se mexer para fazer o mesmo quando você testemunhar uma injustiça.
Também em resposta a Sherman, Davidson e Kelly (2015) argumentam que, embora
possa ser difícil ou impossível ajustar sua credibilidade no momento, assumir um
“controle ecológico distal” (CLARK, 2007) sobre o próprio ambiente material, social
e político pode ajudar a diminuir ou erradicar os preconceitos que levam à injustiça
testemunhal. Da mesma forma, Washington (2016, p. 11) argumenta que, como os
indivíduos isolados não possuem um “Alarme de Julgamento Ruim”, a resposta à
injustiça testemunhal não deve ser cultivar reflexivamente o próprio caráter, mas
promover uma “ecologia social e moral que facilite a expressão de nossos valores”.
Estas abordagens se harmonizam com o modelo de virtude incorporada, sustentada
e estendida descrito acima, assim como a celebração de Kvanvig (1992) do papel
da comunidade epistêmica.
Outras virtudes intelectuais têm recebido menos atenção até hoje, embora
não por falta de mérito filosófico. Estas incluem generosidade intelectual (ROBERTS;
WOOD, 2007, p. 293), temperança epistêmica (BATTALY, 2010), mente aberta
(ADLER, 2004; BAEHR, 2011; CARTER; GORDON, 2014b), perseverança intelectual
(KING, 2014b), ser inquisitivo (WATSON, 2015), e curiosidade (ALFANO, 2013a;
WHITCOMB, 2010). Em um livro recente, Cassam (2019) cataloga uma série de
vícios epistêmicos. Alguns, como a mentalidade fechada, são traços de caráter.
Outros, como o pensamento ilusório [wishful thinking], são mais bem conceituados
como formas de pensar. Outros ainda, como a malevolência epistêmica e a indiferença
[insouciance] epistêmica, são melhores entendidos como atitudes. Cassam caracteriza
a atitude de malevolência como uma postura, que é uma política adotada
voluntariamente para se engajar em certos tipos de conduta; por outro lado, ele
caracteriza a atitude de indiferença epistêmica como uma postura afetiva e involuntária
(neste caso, um desrespeito imprudente e irreverente pela verdade, evidência e
perícia). Estas reflexões teóricas foram recentemente reforçadas pelo trabalho
empírico de Meyer, de Alfano, e de Bruin (2021), que mostram que a posse dos
vícios epistêmicos de indiferença à verdade (relacionados à indiferença epistêmica)
e rigidez intelectual (relacionada à mente fechada) prevê a aceitação de notícias
falsas, teorias conspiratórias e desinformação sobre a COVID­19.
223

10.3. Outros estados além do conhecimento

Como explicado na seção 6, os profissionais se engajaram em uma animada


discussão sobre o que é o valor distintivo do conhecimento. A principal questão aqui
tem sido o que torna o conhecimento mais valioso do que a crença verdadeira?
Outras perguntas de valor podem ser feitas. Por exemplo, e se algo torna o
compreensão mais valioso do que o conhecimento? Ou, se a compreensão é uma
espécie de conhecimento, e se algo a torna mais valiosa do que o conhecimento
que não se qualifica como compreensão? E o que torna a sabedoria especialmente
valiosa do ponto de vista epistêmico?
As respostas a estas perguntas tendem a se concentrar nas propriedades
tanto do conteúdo quanto do conhecedor. Por exemplo, existe uma longa tradição
na filosofia da ciência sobre a natureza da explicação científica. Nesta tradição, as
explicações proporcionam compreensão ao comunicar o conhecimento das causas
(LIPTON, 1991; SALMON, 1984; KHALIFA; GADOMSKI, 2013; TURRI, 2015b). Em
contraste, os epistemólogos, especialmente os epistemólogos de virtude, tendem
a argumentar que a compreensão é um status especial que surge de atos de virtude
intelectual. Por exemplo, Pritchard (2016b) argumenta que o entendimento surge
do “ver por si mesmo”, o que manifesta a virtude da autonomia intelectual. Stephen
Grimm (2006) argumenta que a compreensão é um tipo especial de conhecimento
que surge do “entendimento”, um ato psicológico distinto que manifesta a virtude
intelectual. Carter e Gordon (2014a, 2014b) argumentam que a compreensão
objetiva, em particular, tem um valor especial que falta ao conhecimento, e ainda
que este tipo de compreensão seja necessário para explicar por que certos traços,
como a mente aberta, são virtudes intelectuais. E na opinião de Zagzebski, a
compreensão está intimamente ligada ao domínio de uma arte ou habilidade, não
se refere a proposições discretas, mas a padrões ou sistemas e, consequentemente,
tem um objeto não proposicional. A compreensão não resulta de mera aquisição
de informações, como ocorre com o conhecimento proposicional. Ela pensa na
compreensão como “o estado de compreensão das estruturas não proposicionais
da realidade” (ZAGZEBSKI, 2001, p. 242). Ela também conjectura que podemos
definir a compreensão de forma análoga à como ela definiu o conhecimento. A
principal diferença estaria nas virtudes relevantes que produzem os diferentes
estados. Enquanto o conhecimento deriva de virtudes que visam à verdade, a
compreensão deriva pelo menos em parte de virtudes diferentes e especiais até
então “não analisadas, e mesmo não reconhecidas” (ZAGZEBSKI, 2001, p. 248).
224

Olhando além até mesmo da compreensão, Zagzebski espera ainda que


um dia os epistemólogos voltem sua atenção para a sabedoria. Além disso, ela
afirma, EV facilita a “recuperação” do interesse e a análise da compreensão e da
sabedoria. Para saber mais sobre sabedoria e sua potencial conexão com a virtude
da humildade epistêmica, confira Ryan (2014).

10.4. Emoções epistêmicas

É incontroverso dizer que muitas virtudes são disposições emocionais,


mesmo que envolvam comportamentos além da emoção. Como mencionado acima,
a coragem intelectual dispõe seu portador ao medo apropriado e à confiança em
assuntos epistêmicos. Alfano (2016b, cap. 4) sugere que, por sermos capazes de
individuar as emoções mais claramente do que as virtudes, pode ser útil indexar
as virtudes às emoções que elas governam. Se esse for o caminho certo, então as
virtudes intelectuais poderiam ser distinguidas e estruturadas catalogando o que
Morton (2010), mas veja, também, Morton (2014), Stocker (2010) e Kashdan e Silvia
(2011), chama de emoções epistêmicas. Estas incluem estados como curiosidade,
fascínio, maquinação, esperança, confiança, desconfiança, falta de confiança,
surpresa, dúvida, ceticismo, tédio, perplexidade, confusão, espanto, admiração,
temor, fé e angústia epistêmica. Note que algumas dessas emoções são referidas
por palavras que também são usadas para se referir a suas virtudes controladoras.
Como diz Morton (2010), “as palavras muitas vezes desempenham um dever triplo.
O caráter está ligado à virtude que está ligada à emoção”.
A EV pode se beneficiar da teorização sobre as emoções epistêmicas de
pelo menos três maneiras. Um dos benefícios da abordagem teórica das virtudes
intelectuais através das emoções epistêmicas é que isso fornece aos profissionais
uma espécie de “lista de afazeres”: muitas das virtudes relacionadas às emoções
mencionadas no parágrafo anterior são inexploradas ou sub­exploradas. Estas
virtudes estão “caindo de maduras” [ripe for the picking]. Outro benefício da perspectiva
da emoção epistêmica é que ela ajuda a dar sentido às virtudes intelectuais como
disposições para a investigação motivada e não apenas para a crença estática. As
emoções são, afinal de contas, estados motivacionais, e as emoções epistêmicas
em particular nos levam a buscar confirmação, refutação, etc. Este ponto está
relacionado com a ideia de Michael Brady (2013, p. 92) de que as emoções em
geral motivam a investigação porque “capturam e consomem” a atenção, motivando
225

assim a investigação sobre as próprias condições que as evocam. Por exemplo, o


medo capta e consome a atenção da pessoa temerosa, orientando­a a encontrar
e compreender a (potencial) ameaça ou perigo.
Finalmente, as emoções epistêmicas ajudam a dar sentido às motivações
e práticas dos cientistas. Por exemplo, Thagard (2002) “garimpou” [mined] o relato
autobiográfico de James Watson (1969) sobre a descoberta da estrutura do DNA
buscando termos emocionais; os mais comuns eram relacionados ao interesse e
à alegria da descoberta, seguidos de medo, esperança, raiva, angústia, apreciação
estética e surpresa. Além disso, a literatura sobre a demarcação entre ciência e
pseudociência, juntamente com a literatura sobre revoluções científicas, está
temperada com a linguagem da emoção ­ especialmente emoções epistêmicas.
Popper (1962) fala das atitudes dos cientistas em relação a suas hipóteses como
sendo de “esperança”, em vez de crença. Ele distingue a ciência da pseudociência
ao zombar da “fé” característica desta última e ao elogiar a “dúvida” e a abertura
ao teste da primeira. Ele argumenta que o “problema especial sob investigação” e
os “interesses teóricos” do cientista determinam seu ponto de vista. Lakatos (1978)
contrasta o conhecimento científico com a certeza teológica que “deve estar além
de qualquer dúvida”. Kuhn (1962) diz que a atitude dos cientistas em relação a seus
paradigmas não é apenas de crença, mas também de “confiança”. Ele afirma que
os cientistas receberam a descoberta dos raios­x “não apenas com surpresa, mas
com choque”, e prossegue dizendo que “embora não pudessem duvidar da evidência,
eles estavam claramente desconcertados com ela”.
Em tempos de crise, diz Kuhn, os cientistas são atormentados pelo “mal­
estar”. Tal mal­estar tornou­se recentemente mais evidente na crise de replicação
da psicologia social. Por exemplo, duas replicações pré­registadas do chamado
“efeito de esgotamento do ego” descobriram recentemente que, apesar de décadas
de estudos positivos e meta­análises bem­sucedidas, não parece haver tal efeito
(HAGGER et al. 2016; LURQUIN et al. 2016). Um jornalista científico escrevendo
para a revista Slate descreveu estas descobertas como “não apenas preocupantes”
mas “aterrorizantes”, porque sugerem que todo um campo de pesquisa é
“suspeito” (ENGBER, 2016, vide Outros Recursos da Internet). O artigo cita Evan
Carter, um dos jovens cientistas no auge da crise, dizendo: “De repente, parecia
que tudo estava desmoronando. Eu basicamente perdi minha bússola. Normalmente
eu poderia dizer, tudo bem que houve 100 estudos publicados sobre isso, então eu
posso me sentir bem com isso, eu posso me sentir confiante. E então isso simplesmente
desapareceu”.
226

Em seu blog, o psicólogo social Michael Inzlicht (2016, vide Outros


Recursos da Internet) escreve que, “apesar de ser apaixonado pela psicologia
social [...] tenho tantos sentimentos sobre a situação em que nos encontramos, e
às vezes o peso disso me parte o coração. [...] é somente quando nos sentimos
mal, quando reconhecemos e, sim, lamentamos por ontem, que podemos permitir
um amanhã melhor”.
Ele continua dizendo: “Isto é muito assustador”, e, “estou num lugar sombrio.
Sinto que o chão está se movendo de baixo de mim e não sei mais o que é real e
o que não é”. Os profissionais de EV podem estar em condições de oferecer ajuda
e conforto aos cientistas aflitos, ou pelo menos uma descrição precisa do que os aflige.

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METAPHILOSOPHY, 2010, 41(1­2).
THE MONIST, 2016, 99(2).
NOÛS, 1993, 27(1).
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Sobre o editor e tradutor

Bruno Aislã Gonçalves dos Santos: Professor da Universidade Estadual


do Centro­Oeste (UNICENTRO). Possui Doutorado e Mestrado em Filosofia pela
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Realizou o doutorado sanduíche
na Universidade de St. Andrews. Estuda o utilitarismo clássico e contemporâneo
voltado às discussões sobre a justiça distributiva e a justiça global, dentre outros
temas. Atua, principalmente, nas seguintes áreas: Ética, Filosofia Política, Filosofia
do Direito, Filosofia da Linguagem, Filosofia da Educação e Filosofia da Economia.
Foi bolsista Capes.

Sobre os tradutores e revisores

Mayara Roberta Pablos: Doutora em Filosofia pela Universidade Federal


de Santa Catarina, possui mestrado na linha de Ética e Política pela Universidade
Federal de Santa Catarina (2011­2013) e graduação em Filosofia pela Universidade
Estadual de Londrina (2006­2010). Áreas de interesse: Ética, Filosofia do Direito,
Filosofia da Linguagem, com ênfase e atividade de pesquisa em projetos de iniciação
científica acerca da filosofia wittgensteiniana, sobretudo no que diz respeito a seu
pensamento tardio.

Ramiro de Ávila Peres: Analista de Estudos Especiais do Departamento


de Supervisão de Cooperativas e Instituições não bancárias (Desuc) e Membro do
Comitê de Pós­Graduação do Banco Central do Brasil (BCB). Possui graduação
em Direito, além de Mestrado e Doutorado em Filosofia, pela Universidade Federal
242

do Rio Grande do Sul (UFRGS). Realizou o doutorado sanduíche na Universidade


Paris I Panthéon Sorbonne.

Sagid Salles: Doutor em filosofia pelo Programa de Pós­graduação em


Lógica e Metafísica da UFRJ e autor de dois livros: Como os Nomes Nomeiam
(Editora UFPel) e Vagueness as Arbitrariness (Springer).

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