Teologia Do Livro de Rute
Teologia Do Livro de Rute
Teologia Do Livro de Rute
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1 INTRODUÇÃO
A autoria do livro de Rute é incerta. Segundo o Talmud o livro seria da autoria de
Samuel (Baba Bathra 14b), mas é pouco provável; parece que Davi era bem conhecido na
época em que o livro foi escrito e Samuel já estaria morto. Uma data possível para o livro
seria o século 10 a.C., visto que o livro não cita Salomão. (CUNDALL et al., 1968, pp. 218 –
219; GLEASON, 1974, p. 204).2
A história narrada no livro de Rute se passa no período dos juízes. O período dos
juízes foi marcado por diversas apostasias do povo de YHWH. Quando Josué morreu o
povo ficou sem um líder, e por diversas vezes seguiu as práticas pagãs dos povos vizinhos
(Jz 2. 11, 17, 19; 3. 6; 4. 1 – 2; 6. 1; 8. 33; 10. 6; 13. 1; 17. 6, 21, 25). Toda vez que Israel se
corrompia, YHWH mandava nações pagãs para subjugá-los, como havia sido previsto no
contrato de aliança (Dt 28; Lv 26). Porém, assim como Israel caía em pecado e era
subjugado, também se arrependia, e quando isso acontecia, eles clamavam a YHWH por
socorro; Ele, então, levantava juízes para libertar Seu povo e lhes dar descanso (Jz 2. 16,
18; 3. 15; 4. 3; 6. 7; 10. 1). Os juízes não eram como os juízes dos dias atuais; antes, eram
líderes militares guiados pelo Espírito de YHWH para libertar o povo (LASOR et al., 2002,
p. 166).
No período dos juízes Elimeleque e sua família migram de Belém para as terras de
Moabe por conta de uma fome em sua terra natal. Os dois filhos do casal, Malom e Quiliom,
se casam com mulheres Moabitas, Rute e Orfa. Por motivos não mencionados no livro
Elimeleque e os dois filhos morrem em Moabe e Noemi, sua esposa, ao saber que a fome
1 Graduando em Teologia pelo Seminário Adventista Latino Americano de Teologia (SALT); graduando
em História pelo Centro Universitário UNINTER.
2 Para um estudo detalhado sobre a autoria e datação do livro de Rute ver. Cooke, G. A. (1918); Bush,
F.W. (2002).
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havia cessado em Belém decide voltar. Ela insiste para que suas duas noras retornem para
a casa de seus pais; Orfa volta e Rute decide acompanhar sua sogra para sua terra natal.
Estabelecidas em Belém elas precisam de comida e Rute vai até as plantações de Boaz, um
parente de Noemi, para respingar cevada e trigo. Boaz como parente próximo é lembrado
por meio de uma estratégia engenhosa de que ele deve resgatar a terra e a jovem Rute. O
resgate acontece e os dois se casam dando um neto para Noemi.
2 ESTRUTURA LITERÁRIA
Em sua teologia Bruce Waltke (2015, pp. 949 – 950) propõe uma estrutura de
quiasmo para o livro que será apresentada abaixo.
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O enredo é dominado pelos diálogos dos personagens. Lasor (2002, p. 572) destaca
que “os vários diálogos da história, não a narrativa do autor apresenta os eventos”. No
presente artigo apresentaremos a ideia de que a teologia do livro está presente nos
diálogos dos personagens.3
3 TEMAS TEOLÓGICOS
3 Para um estudo detalhado sobre a importância dos diálogos ver. (ALTER, 2007, pp. 102 – 136).
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estudo, pois, após ela reconhecer o Deus de Israel como seu Deus ela reconhece que ele
pode mandar uma calamidade para separa–las.
Na chegada de Noemi e Rute a Belém; Noemi faz declarações significativas sobre o
Deus de Israel. Noemi atribui todas as calamidades que acometeram em Moabe a mão de
YHWH (Rt 1. 19 – 22). Tais declarações exibem a realidade de que elas acreditavam que
YHWH estava no controle de suas vidas.
Noemi concluiu que Shadday havia e voltado contra ela. É significativo o uso da
palavra Shadday nestas circunstâncias. Esse é um dos teônimos do Deus de Israel na Bíblia
Hebraica (BH) e aparece quarenta e oito vezes. As ocorrências desse vocábulo nos livros
Bíblicos anteriores a juízes estão geralmente relacionadas a aliança, a benção em relação
a família e a descendência daquele que teme a Shadday (Gn 17. 1; 28. 3; 35. 11; 43. 14; 48.
3; 48. 3; 49. 25; Êx 6. 3; Nm 24. 4, 16) (HAMILTON, 1998, p. 1530; RÖMER, 2016, p. 84;
METTINGER, 2015, pp. 108 – 113; BUSH, 2002, p. 92). Robert L. Hubbard (2003, p. 176)
destaca:
E mais, o nome era apropriado ao contexto aqui, visto que a BH associava
Shadday com o governo cósmico de Deus (Nm 24.4,16; Sl 68.15; Jó 40.2;
cf. 34.12,13). Por natureza, grande e misterioso (Jó 11.7), Shadday
dispensa bênçãos, promete grandes destinos (Gn 17.1; 28.3; 35.11;
43.14) e distribui destinos aos maus e aos retos (Jó 27.14; 31.2). Como
regente cósmico, ele também supervisiona a manutenção da justiça (Jó
8.3; 24.1; 27.2), distribuindo terríveis castigos (Jó 6.4; 23.16; 27.14–23;
cf. o terror de sua voz, Ez 1.24; 10.5). As pessoas apelam para ele por
vindicação legal e socorro (Jó 8.5; 13.3; 31.35). (Cf. também seu lado
terno, Sl 91.1.) Em suma, Noemi referiu-se a Shadday corretamente neste
contexto. Sua sorte não poderia ter vindo de outra fonte – como também
a futura inversão da sorte dela.
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significativamente para a ideia de que existem poderes além de YHWH agindo sobre a
terra.
Estabelecidas em Belém elas precisam de alimentos e Rute decide respingar cevada
e trigo (Rt 2. 2, 23). Neste contexto YHWH novamente é apresentado como Soberano. É
necessário destacar que a primeira fala de Boaz no livro é: “Que YHWH esteja convosco!”
e a dos servos dele é: “Que YHWH te abençoe” (Rt 2. 4). No diálogo entre Boaz e Rute ele
deseja que YHWH retribua a ela tudo que fez por sua sogra e destaca que ao ir para Belém
ela buscou refúgio em YHWH (Rt 2. 12). As falas de Boaz indicam que ele é um homem
temente ao Deus de Israel e que crê que esse Deus intervém na história de uma pessoa.
Ainda pode se destacar que em sua fala é expressa a ideia de que YHWH cuida de Belém;
realidade exibida na fala do narrador no início do livro (Rt 1. 6). O Deus de Israel está
atento para as necessidades das pessoas de forma individual e para as do seu povo.
Ao final daquele dia de colheita Rute relata para sua sogra como Boaz lhe foi
favorável (Rt 2. 19). Quando Noemi soube de tudo que Boaz fez para ajudar Rute ela
salienta: “Bendito seja ele de YHWH, que ainda não tem deixado a sua benevolência nem
para com os vivos nem para com os mortos.” (Rt 2. 20 ARA). A fala de Noemi revela que
ela entendia que YHWH estava por trás dos atos de bondade de Boaz, isto é, ele foi usado
por YHWH para favorecer elas.
Terminada a colheita da cevada e do trigo Noemi instrui Rute a ir até Boaz e deitar-
se aos seus pés para que ele as resgate (Rt 3. 1 – 5). Rute seguiu as instruções de Noemi e
se deitou aos pés de Boaz na eira. Neste contexto Boaz e Rute tem uma conversa na qual
ele se alegra pela escolha de Rute; ela poderia ter buscado um homem mais jovem para
lhe resgatar, mas não foi o caso. Boaz interpreta esse fato como um gesto de bondade por
parte de Rute (3. 6 – 11). Ele declara: “Bendita sejas tu de YHWH” (3. 10). Na sequência o
narrador conta sobre o resgate de Noemi e Rute por parte de Boaz (4. 1 – 12). Os homens
da cidade após presenciarem o resgate e sabendo que Rute iria se casar com Boaz desejam
a ele que YHWH abençoe o lar dele por meio de Rute (4. 11 – 12). Percebe – se nesta
narrativa que os personagens não só acreditavam que Rute foi abençoada por YHWH por
meio de Boaz, mas que ele também seria abençoado por YHWH por meio dela.
Rute e Boaz se casam e ela fica gravida. O fruto do ventre de Rute é apresentado
como benção de YHWH para eles e para Noemi que a partir de então teria um resgatador
(Rt 4. 4. 13 – 16). Cundall, A. e Morris, L. destacaram (1968, p. 302):
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3. 2 O Go’el
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na Torá. A palavra está relacionada ao resgate de uma propriedade (Lv 25.47 – 49); ou de
uma pessoa que se vende como escravo (Lv 25. 48 – 49); ainda é usado para o resgate de
Rute (Rt 3.12; 4.4, 9, 10)4 (WESTERMANN et al., 1997, p. 401; HUBBARD, 2011, p. 769).
Um uso recorrente de Go'el na Bíblia Hebraica é o teológico. Em diversos texto
YHWH é o redentor de Israel (Is 41. 14; 43. 1, 14; 44. 6, 22). YHWH foi considerado pelos
escritores Bíblico como o Go'el de Israel.
O texto do livro de Rute exegeticamente e teologicamente não se refere a uma
redenção como vista nas páginas do Novo Testamento, porém é inegável a ideia de uma
redenção para além das fronteiras do Israel étnico e que é vista de forma clara nas páginas
do Novo Testamento (MERRILL, 2009, p. 413; MCGEE, 1991, p. 88).
4Por motivos de espaço não será oferecida uma discussão sobre esses significados. Para mais detalhes
ver. (HUBBARD, 2011, p. 765 – 769; BRIGGS, 1977, p. 145).
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A realidade de que Rute abandonou os deuses de sua terra e decidiu servir ao Deus
de Israel é evidente. Naomi se esforça para que Rute voltasse a seus próprios deuses. Não
era incomum as mulheres que se casarem com famílias estrangeiras buscarem a proteção
contínua de suas deidades nativas (Gn 31.19; 1 Rs11. 8; 16. 31) (WALTON et al., 2018, p.
360; FLEENOR et al., 2008, p. 338; KEIL et al., 1996, pp. 346 – 347). No diálogo de Boaz
com Rute é confirmada essa ideia quando ele destaca que ao ir para Belém ela estava
buscando refúgio no Deus de Israel. Ao falar da confissão de Rute é dito de forma
inusitada no Talmud5:
desamparada que [...] toma decisões com base num compromisso deliberado com Eu Sou
(1.20,21).” A decisão dessa gentia foi acertada de tal forma que ela entrou para a
genealogia do rei Davi e para a do Messias de Israel (4. 18 – 22; Mt 1. 1 – 17).
Eugene Merrill (2009, pp. 412 – 413) bem salientou que a genealogia ao final do livro
demonstra como uma gentia, Rute, a semelhança de Raabe pode fazer parte da aliança
entre YHWH e seu povo. Merrill ainda destaca que a “ligação entre Abraão (ou Perez aqui,
filho de Judá) 6e Davi, são as alianças que eles, respectivamente, representam que têm
mais relevância teológica.”.7 Assim parece razoável sugerir que a entrada de Rute na
aliança de YHWH com seu povo exibe a realidade de que Ele não pretendia salvar somente
o Israelita, porém também o não israelita.
4 INTERTEXTUALIDADE
6 Na tradição judaica a genealogia de Perez é diretamente ligada ao Messias: “R. Berekiah disse em
nome de R. Samuel B. Nahman: Pensei que essas coisas foram criadas em sua plenitude; contudo,
quando Adão pecou, elas foram estragadas, e elas não voltarão à perfeição novamente até que o filho
de Perez [Messias] vem [...]” Midrash Rabbah, Gênesis XII, 6. Ver. (HUCKEL, 1998).
7 Ver também Roy Zuck (2009, pp. 127 – 128).
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5. APLICAÇÃO
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O livro de Rute apresenta a ideia teológica de que Deus é o gestor da história e que
mesmo em situações desafiadoras pode tirar o melhor. YHWH usa pessoas para auxiliar
de formas diferentes aqueles que Ele quer salvar. Neste sentido aqueles que servem ao
Deus de Israel devem estar atentos para as necessidades alheias pois são um veiculo de
benção na vida de pessoas desoladas pelas adversidades de um mundo de pecado.
Há no livro a indicação clara de que YHWH não é exclusivista e seu plano de salvação
inclui o israelita e o gentio. Essa verdade é vista nas páginas da Bíblia Hebraica quando
com Israel sai um misto de gente do Egito (Êx 12. 38), no discurso de Moisés quando é
salientado que a aliança também envolvia os estrangeiros (Dt 29. 1 – 16), na inclusão de
Raabe na linhagem do Messias. Outros exemplos poderiam ser citados, porém esses são
suficientes para demonstrar que o plano de YHWH não envolvia apenas os israelitas. A
narrativa de Rute neste sentido se soma a um corpo literário mais amplo que também
apresenta essa verdade. O Deus de Israel prove os meios para o resgate e não o homem.
6. CONCLUSÃO
A teologia encontrada nos diálogos do livro de Rute nos permite concluir que Deus
é Soberano e Mantenedor. YHWH está por de trás dos acontecimentos históricos; seja
permitindo algo ou causando algo. Ele prove os meios para suprir as necessidades dos
seus filhos seja abençoando a colheita ou provendo um casamento e um neto.
O resgatador provido pelo Deus de Israel resgata o israelita e o gentio, Noemi e Rute.
Essas duas mulheres são um exemplo de como YHWH envolve todos no seu plano de
resgate. Plano que atinge seu clímax no Novo Testamento com Jesus se entregando por
judeus e gentios.
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REFERÊNCIAS
ALTER, R. A Arte da Narrativa Bíblica. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
BUSH, F. W. Word Biblical Commentary: Ruth, Esther. Vol. 9. Dallas: Word, Incorporated,
2002.
COOKE, G. A. The book of Ruth in the revised version with introduction and notes.
The Cambridge Bible for Schools and Colleges (xiv). Cambridge: Cambridge University
Press, 1918.
CUNDALL, A. E.; MORRIS, L. Judges and Ruth: An introduction and commentary. Tyndale
Old Testament Commentaries. Vol. 7. Nottingham, England: Inter-Varsity Press, 1968.
FLEENOR, R.; ZIESE, M. S. Judges-Ruth. The College Press NIV Commentary. Joplin:
College Press Publishing Company, 2008.
MCGEE, J. V. Thru the Bible commentary: History of Israel (Ruth). Based on the Thru the
Bible radio program. Vol. 11. Nashville: Thomas Nelson, 1991.
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RÖMER, T. A Origem de Javé: o Deus de Israel e seu nome. São Paulo: Paulus, 2016.
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