Anestésicos Locais: Como Escolher e Previnir Complicações Sistémicas
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Anestésicos Locais: Como Escolher e Previnir Complicações Sistémicas
2010;51:113-120)
Key-words: Abstract: The discovery of substances that cause a loss of sensitivity was a benchmark
Anesthesiology; in the history of medicine and dentistry and is considered one of the ten most important
Local anesthesia; discoveries in medicine. Such substances allow performing surgical procedures without
Systemic complications pain, which had previously been considered an unachievable ideal in academic circles. One
of the most frequent errors in dentistry is systematically employing the same local anes-
thetic. Dentists should choose an anesthetic solution based on the patient and procedure
to be carried out. Prevention is the best treatment for systemic complications stemming
Palavras-Chave: from local anesthesia and is achieved through an adequate anamnesis and physical exam,
Anestesiologia; which allow choosing the safest anesthetic solution for each specific case. The aim of the
Anestesia local; present study was to carry out a literature review on local anesthetics, providing readers
Complicações sistémicas with information to guide them in the choice and amount of anesthetic solution, thereby
preventing the occurrence of systemic complications.
INTRODUÇÃO
Sem dúvida nenhuma a descoberta de subs- mentos cirúrgicos sem dor, fato que até então era
Correspondência para:
Ricardo Wathson Feitosa
tâncias que causam perda da sensibilidade, foi considerado uma utopia nos meios académicos.
de Carvalho um dos maiores marcos da história médico- A crescente demanda de fármacos utili-
[email protected] dentária, possibilitando a realização de procedi- zados em clínicas, consultórios e ambulatórios,
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fizeram com que fosse necessária uma atenção constante com a diz respeito à escolha do anestésico local(6).
terapêutica medicamentosa nos cursos de formação em Medicina Malamed(3) aponta o intervalo de tempo necessário para o
Dentária(1). controle da dor, possibilidade de desconforto no período pós-
Com o objetivo de fornecer base científica actualizada, operatório, possibilidade de auto-mutilação no período pós-
esta obra fornecerá ao leitor, informações que orientarão operatório, necessidade de hemostasia durante o tratamento
quanto à escolha da solução anestésica, prevenindo a ocor- e o estado clínico do paciente como importantes factores a
rência de complicações sistémicas. serem considerados na selecção do anestésico local.
A maior dúvida na selecção de um anestésico local não
está relacionada à base anestésica, mas a quantidade e a
COMO AGEM OS ANESTÉSICOS LOCAIS qualidade dos vasoconstritores(7), que apresentam maiores
efeitos adversos e contra indicações.
Os anestésicos locais são substâncias químicas que, em
contacto com a fibra nervosa, interrompem todas as modali-
VASOCONSTRITORES:
dades de influxo nervoso. Quando aplicados em terminações
QUANDO E QUAL USAR
nervosas ou em troncos nervosos condutores de sensibilida-
de, bloqueiam transitoriamente a transmissão do potencial de Na Medicina Dentária moderna é difícil atingir o controle
acção em todas as membranas nervosas excitáveis(2). adequado da dor sem a inclusão do vasoconstritor nas solu-
Os anestésicos locais, após serem injectados, efectu- ções anestésicas locais. Este está contra-indicado somente
am inicialmente sua acção clínica e depois são absorvidos. pelo estado clínico do paciente ou em uma necessidade de
Entram na corrente sanguínea e se distribuem por todos os execução de tratamento de duração curta(1).
compartimentos(3). Portanto o sistema nervoso central (SNC) O uso de vasoconstritores pode gerar efeitos adversos
e o sistema cardiovascular (SCV) são especialmente suscep- em pacientes que fazem uso de antidepressivos tricíclicos,
tíveis às suas acções. antagonista β-adrenérgicos, anestésicos voláteis, cocaína e
outros produtos vasoconstritores(8).
Os vasoconstritores mais utilizados em associações com
SAIS ANESTÉSICOS as soluções anestésicas locais são: a adrenalina (epinefrina),
noradrenalina (noraepinefrina), levonordefrina, fenilefrina e
Os sais anestésicos locais são classificados de acordo com a felipressina(9).
a estrutura química de sua cadeia intermediária em tipo éster A adrenalina é uma amina simpaticomimética que
ou amida. A molécula de um típico anestésico local é dividida actua nos receptores α e β-adrenérgicos, sendo que o efeito
em três partes: um grupo aromático, uma cadeia intermediária β é mais significativo. Sua acção é bastante expressiva no
e um grupo terminal de amina secundária ou terciária. miocárdio. Actua no SCV aumentando a pressão sistólica e
Existem dois grupos de anestésicos locais com carac- diastólica, aumentando o débito cardíaco, o volume sistólico,
terísticas químicas e com poder de sensibilização alérgica a frequência cardíaca, a força de contracção e o consumo de
diferentes. Os ésteres do ácido benzóico, em que um dos seus O2 pelo miocárdio(10).
produtos metabólicos, o ácido paraaminobenzóico, é capaz de A dose máxima de adrenalina, por sessão, em paciente
produzir sensibilização. E os amidas, que têm raro poder de saudável é de 0,2mg, já para pacientes cardiopatas a dose
sensibilização e não produzem ligações cruzadas entre si(4). máxima é de 0,04mg, por sessão. Complicações sérias se
Os sais anestésicos para uso odontológico mais comum- desencadeiam com doses acima de 0,5mg, sendo que doses
mente encontrados no Brasil são a lidocaína, prilocaína, arti- acima de 4mg são letais. Em pacientes portadores de hiper-
caína, mepivacaína e a bupivacaína, todos do tipo amida(5). termia maligna a dose máxima de adrenalina a ser adminis-
trada é 0,1mg(3).
A noradrenalina, quando utilizada, precisa ser usada com
COMO ESCOLHER O SAL ANESTÉSICO o dobro da concentração daquela com a adrenalina para se
obter efeitos similares(11). Em quantidades fisiológicas (0,5μg/
Aspectos como a necessidade ou não de cirurgia, tempo Kg), favorece o aparecimento de respostas mediadas princi-
cirúrgico, técnica anestésica e potencial de possíveis reacções palmente pelos receptores alfa-adrenérgicos, com elevação
tóxicas locais e sistémicas devem ser considerados no que da pressão arterial sistólica, diastólica com bradicardia refle-
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xa, em consequência do reflexo vagal(12). ção sistémica por anestesia local, adverte quanto à necessi-
A dose máxima de noradrenalina, por sessão, em pacien- dade de uma rígida observância no que se refere à utilização
te saudável é de 0,34mg, já para cardiopatas a dose máxima da dose terapêutica máxima para cada tipo de sal anestésico
é de 0,14mg, por sessão. empregado e para cada paciente.
A levonordefrina possui acção semelhante à adrenali- As doses máximas sugeridas pelos fabricantes pressu-
na, apresentando uma maior estabilidade e menor potência, põem sua administração em indivíduos saudáveis (Tabela 1).
quando administrada em igual concentração(13). O mesmo uso em indivíduos debilitados, crianças, idosos ou
A fenilefrina tem potência bastante reduzida, se compa- sob uso de determinadas medicações denota a necessidade
rada à adrenalina, razão pela qual justifica o seu uso habitual de reduções da dose total(19).
na concentração de 1:25.000. Promove, como acção directa, a A dose máxima de lidocaína a 2% recomendada pelos
vasoconstricção periférica, por atuação nos receptores alfa- fabricantes é de 4,4 mg/kg, sem ultrapassar 300mg(3). A dose
adrenérgicos. máxima de prilocaína a 3% com felipressina é de 6 mg/Kg,
A felipressina, geralmente associada à prilocaína, possui sem ultrapassar 400mg(3), ou sete anestubos para indivíduos
um efeito local, em que não actua nos receptores do SN saudáveis normais.
simpático. Apresenta acção ocitócica e antidiurética, contra- A dose aceitável de mepivacaína na presença ou não de
indicando a gestantes. Pode ser administrada em pacientes um vasoconstritor é de 4,4 mg/Kg, ao máximo de 300 mg(3).
com hipertireoidismo, sem maiores problemas, por não ser Já a dosagem máxima da articaína a 4% recomendada é de
uma catecolamina . (14)
7 mg/kg de peso, sem ultrapassar 500mg e dose de 5 mg/
É um análogo sintético da hormona antidiurética, a vaso- kg em crianças entre 4 e 12 anos(20).
pressina, possuindo acção vasoconstritora inferior à adrena- O efeito da bupivacaína pode se prolongar por 12 horas.
lina e à noradrenalina. Não apresenta efeito no miocárdio e Doses totais em indivíduos adultos saudáveis normais não
não é arritmogênica(15). devem ultrapassar 1,3 mg/Kg, não devendo ultrapassar
Por actuar na musculatura lisa vascular, não possui um 90mg. Estas doses podem ser repetidas a intervalos de 3
bom efeito hemostático, não sendo indicado seu uso quando horas, até um máximo de 400mg em 24 horas(6).
se busca hemostasia. O efeito primário da droga, quando utili- Alguns autores questionam a validade e a lógica da reco-
zada em doses típicas do anestésico local, é a vasoconstricção mendação da dosagem máxima pelos fabricantes não leva-
sem outra resposta cardiovascular significante(16). rem em consideração factores como a variação de absorção
Neder et al. consideram a associação prilocaína a 3%
(17)
em diferentes localizações topográficas ou características
com felipressina a 0,03UI segura para a utilização em pacien- inerentes de cada paciente, como idade e presença ou não
tes hipertensos. de doença(21).
Em gestantes, é recomendado o uso de lidocaína com
vasoconstritor. Os anestésicos locais podem atravessar a
barreira placentária, mas geralmente não são prejudiciais, CÁLCULO DA DOSAGEM ANESTÉSICA
a não ser que sejam administradas quantidades excessivas . (8)
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metabólico grave, que ocorre em indivíduos geneticamente determinado alergeno, podendo ser leve e tardia, até reac-
susceptíveis. Shinohara et al. afirmam que, apesar de os
(31)
ções rápidas e letais. Clinicamente pode-se observar urti-
anestésicos do tipo amida serem apontados por diversos cária, prurido, pápulas, broncoespasmo, edema de faringe,
autores como indutores em potencial da HM, os mesmos hipotensão arterial e anafilaxia, sendo mais comuns as reac-
podem ser utilizados sem maiores problemas em pacientes ções dermatológicas localizadas(27).
susceptíveis à HM na prática clínica de rotina. A articaína, anestésico local mais recente, é classificado
Apesar da efectividade e segurança dos anestésicos como amida, porém apresenta ligações amida e éster, tendo,
locais, a anestesia ainda é a maior causa de medo e ansiedade potencial de causar reacção alérgica aos pacientes sensíveis
nos pacientes. O stress, uma manifestação psicossomática ao enxofre (sulfa)(8).
da ansiedade e do medo, pode provocar aumentos na libe- Na dúvida de se o paciente é alérgico ou não ao fármaco,
ração endógena de adrenalina de até 40 vezes o nível usual, deve-se considerar todos pacientes como alérgicos, sempre
causando comportamento disruptivo, episódios de síncope e tendo drogas de emergência, equipamentos e treino para
reacções psicogénicas(3). conduzir tais complicações.
A prilocaína, em altas doses, conduz o paciente a metahe- Como não está disponível um anestésico local que preen-
moglobinemia, provocando alterações no transporte sanguí- cha todas as necessidades clínicas, o profissional deve conhe-
neo do oxigénio. Porém, apesar de alguns autores apontarem cer as propriedades, vantagens e desvantagens das drogas,
que a metahemoglobinemia se instala sempre que mais de elegendo a solução anestésica ideal para cada caso(34,35).
1% da hemoglobina passa para a forma férrica, estudos mais
recentes apontam esse valor em torno de 20%, o que torna
tal fenómeno de mais difícil ocorrência(32). UTILIZAÇÃO EM PACIENTES
Dentre os anestésicos que pode causar um episódio COM DISTÚRBIOS SISTÉMICOS
de metahemoglobinemia, estão a prilocaína, articaína e a
benzocaína(3,8). Tenis(1) em estudo que avaliou o conhecimento científico de
Meechan et al. em estudo clínico com utilização das
(33)
alunos de graduação em relação à aplicabilidade clínica dos
soluções anestésicas lidocaína com adrenalina (1:80.000) e anestésicos locais frente a pacientes com distúrbios sistémicos
prilocaína a 3% com felipressina a 0,03UI/ml em pacientes como diabetes, asma e hipertireoidismo, enfatiza a grande difi-
com transplante cardíaco, concluem que os efeitos cardio- culdade e insegurança na escolha da droga de indicação ideal.
vasculares em pacientes transplantados são dependentes do Ribas e Armonia(9) afirmam que 75% dos cirurgiões-
tipo de solução anestésica, apontando a prilocaína a 3% com dentistas brasileiros não realizam habitualmente a tomada
felipressina a 0,03UI/ml como solução ideal a esses pacientes. da pressão arterial de seus pacientes e, em 60,38% dos casos,
Tem-se relatado reacções alérgicas aos componentes de preferem anestésicos locais sem vasoconstritores nos pacien-
conteúdo de anestubos anestésicos locais (Tabela 4), o bissul- tes hipertensos.
feto de sódio (antioxidante) e o preservativo metilparabeno. Os Pacientes com distúrbios cardiovasculares podem apre-
parabenos são incluídos como agentes bacteriostáticos em sentar problemas quanto à execução de procedimentos odon-
muitas drogas de múltiplo uso, em cosméticos e em alguns tológicos de rotina. A hipertensão arterial sistémica é o mais
alimentos , estando, no Brasil, presentes em todas as solu-
(1)
frequente, atingindo entre 15 e 20% da população adulta(9).
ções anestésicas envasadas em anestubo de plástico. A utilização de anestésicos locais com vasoconstritores
Os anestésicos locais, por serem mais largamente utiliza- em pacientes asmáticos não é contra-indicado. Na realidade,
dos, são considerados erroneamente os que mais provocam a adrenalina até poderia ter uma acção benéfica por sua acção
reacções alérgicas em Medicina Dentária . (8)
sobre os receptores β2 (broncodilatação)(1).
A reacção alérgica se desencadeia com a exposição a Apesar de pacientes asmáticos serem considerados
como parte de um grupo de risco para reacções alérgicas a
anestésicos locais por cirurgiões-dentistas e médicos, sua
Componentes de um Anestubo de Anestésico Local
acção como factor predisponente ainda é discutível. A alergia
Metabissulfito a bissulfitos ou metassulfitos de sódio é muito comum nesse
Anestésico Local Cloreto de Sódio
de Sódio
tipo de pacientes, especialmente nos asmáticos dependentes
Vasoconstritor Metilparabeno Água Estéril de corticosteróides(36).
Tabela 4 - Componentes de um Anestubo de Anestésico Local Pacientes medicados com inibidores da monoamino-
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