8 FLORENCIO Sonia Et Al - Educação Patrimonial Princípios e Diretrizes Conceituais

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E DUC A Ç Ã O P AT R I M O N I AL

Histórico, conceitos e processos

I PH AN | 2 0 1 4
E DUC A Ç Ã O P A T R I M O N I AL
Histórico, conceitos e processos

I PH AN | 2 0 1 4
Percurso Histórico

Créditos

Presidenta da República do Brasil


Dilma Rousseff

Ministra de Estado da Cultura


Marta Suplicy

Presidenta do Instituto do

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional


Jurema de Sousa Machado

Diretoria do Iphan

Andrey Rosenthal Schlee


Célia Maria Corsino
Luiz Philippe Peres Torelly
Marcos José Silva Rêgo (interino)
Robson Antônio de Almeida

Redação
DAF – CEDUC
Sônia Rampim Florêncio
Pedro Clerot
Juliana Bezerra
Rodrigo Ramassote

Apoio
Maria Vitória Dutra (pesquisa de imagens e
colaboração textual)
Juno Alexandre Carneiro (colaboração textual)

Edição e copidesque

Caroline Soudant
Angélica Torres Lima

Revisão e preparação

Gilka Lemos

Projeto gráfico e diagramação

Cristiane Dias

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Educação Patrimonial: histórico, conceitos e processos
Educação Patrimonial:
princípios e diretrizes conceituais

Jogo de futebol nas Ruínas de Alcântara, MA. Foto: Ivo Barreto.

A experiência acumulada de iniciativas bem-sucedidas, bem como o alinhamento com preceitos extraídos das
reflexões de educadores e profissionais das ciências humanas, permitem identificar certos princípios norteadores
que amplificam a eficácia do reconhecimento e da apropriação dos bens culturais e, por conseguinte, a relevância
da implementação dos vários instrumentos legais de proteção do Patrimônio Cultural.

Nos últimos anos, multiplicaram-se iniciativas educacionais voltadas à preservação patrimonial. Ao se adotar
a expressão Educação Patrimonial, uma grande variedade de ações e projetos com concepções, métodos,
práticas e objetivos pedagógicos distintos foi realizada por todo o país. Não obstante a extrema pertinência
e a importância dos resultados alcançados por essas iniciativas, nem sempre se discerne uma orientação
programática definida, subjacente a esse conjunto heterogêneo: ações pontuais e esporádicas de promoção e
divulgação se acotovelam com propostas educativas continuadas, inseridas na dinâmica social das localidades;
projetos e encontros, materiais de apoio, cadernos temáticos e publicações resultantes de oficinas se misturam
a práticas significativas em que esses materiais não constituem um fim em si mesmo; ao contrário, compõem
partes de processos educativos.

Atualmente, a CEDUC defende que a Educação Patrimonial constitui-se de todos os processos educativos
formais e não formais que têm como foco o Patrimônio Cultural, apropriado socialmente como recurso para
a compreensão sócio-histórica das referências culturais em todas as suas manifestações, a fim de colaborar
para seu reconhecimento, sua valorização e preservação. Considera ainda que os processos educativos devem
primar pela construção coletiva e democrática do conhecimento, por meio do diálogo permanente entre os
agentes culturais e sociais e pela participação efetiva das comunidades detentoras e produtoras das referências
culturais, onde convivem diversas noções de Patrimônio Cultural.

Sua formulação decorre de um longo processo de debates institucionais, aprofundamentos teóricos e avaliações
das práticas educativas voltadas à preservação do Patrimônio Cultural e, ao mesmo tempo, ampara-se em
uma série de premissas conceituais.

Anica, Caixeira do Divino, Alcântara, MA. Foto: Ivo Barreto.

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Educação Patrimonial: princípios e diretrizes conceituais

Comunidades: participantes efetivas


das ações educativas
É imprescindível que toda ação educativa assegure a participação da comunidade na formulação, implementação
e execução das atividades propostas. O que se almeja é a construção coletiva do conhecimento, identificando
a comunidade como produtora de saberes que reconhece suas referências culturais inseridas em contextos de
significados associados à memória social do local. Ação transformadora dos sujeitos no mundo e não uma
educação somente reprodutora de informações, como via de mão única e que identifique os educandos como
consumidores de informações – modelo designado por Paulo Freire como “educação bancária” (FREIRE, 1970).

Para tanto, as políticas de preservação devem priorizar a construção coletiva e democrática do conhecimento,
por meio do diálogo permanente entre os agentes institucionais e sociais e pela participação das comunidades
detentoras e produtoras das referências culturais. Nesse processo, as iniciativas educativas devem ser encaradas
como um recurso fundamental para a valorização da diversidade cultural e para o fortalecimento da identidade
local, fazendo uso de múltiplas estratégias e situações de aprendizagem construídas coletivamente.

Caixeiras do Divino, Alcântara, MA. Foto: Acervo Iphan.

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Educação Patrimonial: histórico, conceitos e processos
Catedral de Brasília, DF. Foto: Ivo Barreto.

Bens culturais inseridos nos espaços


de vida das pessoas
Na mesma direção, é fora de dúvida que as experiências educativas são mais efetivas quando integradas
às demais dimensões da vida das pessoas. Em outras palavras, devem fazer sentido e ser percebidas nas
práticas cotidianas. Em lugar de preservar lugares, edificações e objetos pelo seu valor em si mesmo, em um
processo de reificação, as políticas públicas na área deveriam associar continuamente os bens culturais e a vida
cotidiana, como criação de símbolos e circulação de significados. Nas palavras de Carlos Rodrigues Brandão,
consultor do Projeto Interação nos anos 1980:

Não se trata, portanto, de pretender imobilizar, em um tempo presente, um bem, um legado, uma
tradição de nossa cultura, cujo suposto valor seja justamente a sua condição de ser anacrônico com
o que se cria e o que se pensa e viva agora, ali onde aquilo está ou existe. Trata-se de buscar, na
qualidade de uma sempre presente e diversa releitura daquilo que é tradicional, o feixe de relações
que ele estabelece com a vida social e simbólica das pessoas de agora. O feixe de significados que a sua
presença significante provoca e desafia (BRANDÃO, 1996, p.51).

Qualquer que seja a ação implementada ou o projeto proposto, sua execução supõe o empenho em identificar
e fortalecer os vínculos das comunidades com o seu Patrimônio Cultural, incentivando a participação social
em todas as etapas da preservação dos bens. Nesse processo, cabe aos poderes públicos exercer o papel de
mediador da sociedade civil, contribuindo para a criação de canais de interlocução que se valem, em especial,
de mecanismos de escuta e observação.

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Educação Patrimonial: princípios e diretrizes conceituais

Educação Patrimonial como processo de mediação


Interessante para a atuação na área de Educação Patrimonial é o conceito de mediação, cunhado pelo
psicólogo e educador russo Lev Vygotsky. Em Pensamento e Linguagem (1998), ele mostra que a ação do
homem tem efeitos que mudam o mundo e efeitos exercidos sobre o próprio homem: é por meio dos
elementos (instrumentos e signos) e do processo de mediação que ocorre o desenvolvimento dos Processos
Psicológicos Superiores (PPS), ou Cognição.

Vygotsky considera que os PPS se desenvolvem durante a vida de um indivíduo, a partir da sua atuação em
situações de interação social, da qual participam instrumentos e signos que o levam a se organizar e estruturar
seu ambiente e seu pensamento. Os instrumentos e signos, social e historicamente produzidos, em última
instância, mediam a vida.

Os diferentes contextos culturais em que as pessoas vivem são, também, contextos educativos que formam
e moldam os jeitos de ser e estar no mundo. Essa transmissão cultural é importante, porque tudo é
aprendido por meio dos pares que convivem nesses contextos. Dessa maneira, não somente práticas sociais
e artefatos são apropriados, mas também os problemas e as situações para os quais eles foram criados.
Assim, a mediação pode ser entendida como um processo de desenvolvimento e de aprendizagem humana,
como incorporação da cultura, como domínio de modos culturais de agir e pensar, de se relacionar com
outros e consigo mesmo.

Indígena Wajãpi, AP. Foto: Acervo Iphan.

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Educação Patrimonial: histórico, conceitos e processos
Ouro Preto, MG. Foto: Ivo Barreto.

Patrimônio Cultural: um campo de conflito


Sabe-se que as políticas de preservação se inserem num campo de conflito e negociação entre diferentes
segmentos, setores e grupos sociais envolvidos na definição dos critérios de seleção, na atribuição de valores
e nas práticas de proteção dos bens e manifestações culturais acauteladas. Situação determinada, entre outras
causas, pelo assimétrico e desigual processo de desenvolvimento socioeconômico que, por um lado, expande
o regime da grande propriedade rural e da agricultura intensiva; por outro, determina uma urbanização
caracterizada por grandes concentrações metropolitanas, que estimulam o processo de especulação imobiliária,
gerando a substituição de edificações e espaços sociais, a segregação de populações e a limitação do usufruto
dos ambientes públicos e comunitários.

Esse quadro acaba por originar um desequilíbrio de representatividade em termos da origem étnica, social e
cultural, o que provoca, por sua vez, uma crise de legitimidade e uma baixa identificação da população, em
alguns casos, com o conjunto do que é reconhecido oficialmente como Patrimônio Cultural nacional. Nesse
sentido, é fundamental conceber as práticas educativas em sua dimensão política, a partir da percepção de
que tanto a memória como o esquecimento são produtos sociais.

Desse ponto de vista, ao assumir funções de mediação, as instituições públicas devem, mais do que propriamente
determinar valores a priori, criar espaços de aprendizagem e interação que facultem a mobilização e reflexão
dos grupos sociais em relação ao seu próprio patrimônio. Sua função primordial é mediar todo tipo de
processo de patrimonialização, encaminhando demandas e intervindo em questões pontuais e estratégicas,
sempre se pautando pelo respeito à diversidade sociocultural.

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Educação Patrimonial: princípios e diretrizes conceituais

Aldeia Enawênê Nawê, MT. Foto: Acervo Iphan.

Territórios como espaços educativos


Paulatinamente, as políticas educativas foram se afastando de ações centradas em acervos museológicos e
restritas a construções isoladas para a compreensão dos espaços territoriais como documento vivo, passível
de leitura e interpretação por meio de múltiplas estratégias educacionais. Seus efeitos se potencializam
quando conseguem interligar os espaços tradicionais de aprendizagem a equipamentos públicos, como
centros comunitários e bibliotecas públicas, praças e parques, teatros e cinemas. Tornam-se também mais
efetivas quando integradas às demais dimensões da vida das pessoas e articuladas a práticas cotidianas
e marcos de referências identitárias ou culturais de seus usuários. De acordo com as considerações da
pedagoga Jaqueline Moll,

[...] a cidade precisa ser compreendida como território vivo, permanentemente concebido, reconhecido
e produzido pelos sujeitos que a habitam. É preciso associar a escola ao conceito de cidade educadora,
pois a cidade, no seu conjunto, oferecerá intencionalmente às novas gerações experiências contínuas e
significativas em todas as esferas e temas da vida (MOLL, 2009, p. 15).

De igual maneira, é interessante evocar a Lei de Diretrizes e Bases, a LDB – 9.394/96, que prevê em seu art. 1º:

A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência


humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da
sociedade civil e nas manifestações culturais.

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Educação Patrimonial: histórico, conceitos e processos
Intersetorialidade das políticas públicas
Outro fator importante para a ampliação das possibilidades de ações educativas de preservação e valorização
do Patrimônio Cultural é o estabelecimento de vínculos das políticas públicas de patrimônio às de cultura,
turismo, meio ambiente, educação, saúde, desenvolvimento urbano e outras áreas correlatas, favorecendo o
intercâmbio de ferramentas educativas para enriquecer o processo pedagógico a elas inerente. Dessa forma,
são possíveis a otimização de recursos na efetivação das políticas públicas e a prática de abordagens mais
abrangentes e intersetoriais, compreendendo a realidade como lugar de múltiplas dimensões da vida.

Pescador, Paraty, RJ. Foto: Ivo Barreto.

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Mosaico CEDUC. Foto: Inara Vieira.

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Educação Patrimonial: histórico, conceitos e processos
Educação Patrimonial:
uma abordagem complexa
Como se vê, as ações educativas requerem uma aproximação mais complexa e integrada das realidades
sociopolíticas do fenômeno da cultura. Complexa, aqui, tem o sentido apontado por Edgar Morin:

Complexus significa o que foi tecido junto; de fato, há complexidade quando elementos diferentes
são inseparáveis, constitutivos do todo (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico,
o afetivo, o mitológico) e há um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre o objeto
de conhecimento e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, as partes entre si. Por isso a
complexidade é a união entre a unidade e a multiplicidade (MORIN, 2005, p. 38).

É preciso considerar o Patrimônio Cultural como tema transversal, interdisciplinar e/ou transdisciplinar, ato
essencial ao processo educativo para potencializar o uso dos espaços públicos e comunitários como espaços
formativos. Embora tenha ficado patente que o processo educacional é mais amplo que a escolarização –
inserindo-se em contextos culturais nos quais a instituição escolar não é o único agente educativo –, não
se pode prescindir do envolvimento de estabelecimentos de ensino e pesquisa, a partir de programas de
colaboração técnica e de convênios.

Não se trata, portanto, de limitar as vivências simbólicas e educativas a um único contexto cultural específico.
Não se trata de cair em um “localismo esterilizante” (BRANDÃO, 1996, p. 73), onde todos os processos de
aprendizagem se realizam em seus limites e com seus exemplos. Trata-se, ao contrário, de partir das referências
culturais locais para, por meio delas, acessar processos sociais e culturais mais amplos e abrangentes, em um
registro no qual cada sujeito, a partir de seu repertório de referências, possa compreender e refletir, tanto
sobre contextos inclusivos quanto sobre a diversidade cultural que o cerca.

Foram apresentados aqui alguns pressupostos, no intuito de inspirar os que trabalham, refletem e agem em
torno do tema Educação Patrimonial. O movimento de recuperar, valorizar e ressignificar a trajetória seguida
por outros – que, a seu modo e em outros tempos, se debruçaram sobre a importante tarefa de encontrar
ferramentas para valorizar e preservar a memória e o Patrimônio Cultural brasileiro – é fundamental para a
construção coletiva de uma nova percepção das ações educativas nesse campo.

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