Bovinocultura de Corte 2
Bovinocultura de Corte 2
Bovinocultura de Corte 2
Introdução
A pecuária de corte no Brasil pode ser analisada a partir de duas características básicas: diversidade
e descoordenação. Diversidade de raças, de sistemas de criação, de condições sanitárias de abate e
de formas de comercialização. E descoordenação, pois há baixa estabilidade nas relações entre
criadores, frigoríficos, atacadistas e varejistas.
A diversidade expressa a variedade de rotas tecnológicas, especialmente no campo. Diferentemente
da avicultura, em que a pesquisa genética levou a uma convergência em torno de poucas linhagens,
na bovinocultura as opções genéticas são muito mais abertas. Na escolha da linhagem, os próprios
produtores têm muita influência, podendo optar por diferentes combinações de raças tendo em vista
condições particulares de clima, região, sistemas de produção etc.
A existência de um grande número de abatedouros clandestinos, a maioria em condições
inteiramente inadequadas, em paralelo a frigoríficos alinhados com o estado das artes tecnológico
internacional, é outro indicador da diversidade de situações do setor.
As relações entre os vários agentes da cadeia são inteiramente baseadas no mercado. Não há, como
na avicultura, contratos de longo prazo vinculando produtores e indústrias. Ademais, o poder de
barganha dos produtores foi historicamente muito grande, pela possibilidade de reter os animais no
pasto, sem desembolso monetário. A posição de mercado dos grandes frigoríficos é muito mais
fraca do que a dos líderes da avicultura – trata-se de um mercado menos concentrado.
A prevalência de relações de mercado não seria um problema caso a avicultura não tivesse logrado
desenvolver um sistema que demonstrou enorme capacidade de aumentar sistematicamente a
produtividade e sobreviver em meio a um declínio persistente de preços. Com isso, somado à
diversificação da oferta, a indústria avícola conseguiu subtrair expressiva parcela de mercado da
carne bovina e reduziu o poder de fixação de preços do setor, contribuindo para a crise em que ele
mergulhou há alguns anos.
A descoordenação2 da cadeia tem como um de seus principais efeitos a falta de rastreabilidade dos
produtos. Isso significa que o consumidor não consegue estabelecer as ligações entre o produto que
1
Respectivamente, gerente e assistente técnico da Gerência de Estudos de Agroindústria do BNDES.
Os autores agradecem as informações prestadas pelas seguintes instituições e pessoas: Associação
Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes Industrializadas (Abiec), Frigorífico Cervieri, Frigorífico
Gejota, Frigorífico Bertin, Indústrias Sola, professor Antônio Carlos Silveira (Unesp), professor Pedro
Eduardo de Felício (Unicamp), Ministério da Agricultura/Departamento de Inspeção de Produtos de Origem
Animal (Dipoa) e Associação Nacional do Novilho Precoce. Agradecem também o apoio informático de
Heloiza Amambapy.
2
Na verdade, não se trata de característica exclusiva do setor no Brasil. Reed (1996, p.5) afirma que nos
Estados Unidos “o setor [tem] integração incompleta, pois a verticalização entre criadores e indústria de
processamento está limitada à coordenação dos volumes de oferta”.
1
Versão preliminar - agosto de 1997
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adquire e o fornecedor. Os frigoríficos, em sua maioria, trabalham sem marcas. Os açougues, quase
por definição, não podem assegurar a procedência da carne. Os produtores entregam animais em
situações diferenciadas (idade, raça, sexo, gordura etc.).
Como resultado, a diferenciação de produtos é limitada e fica quase inteiramente nas mãos dos
varejistas, através da manipulação dos vários tipos de cortes. O pecuarista que trabalha com
qualidade (por exemplo, novilho precoce) não recebe um centavo a mais por arroba do que aquele
que entrega para abate um animal de quatro, cinco anos.
2
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Tabela 1
PRINCIPAIS DADOS DA BOVINOCULTURA NO BRASIL
O aproveitamento do rebanho brasileiro3 tem aumentado nos últimos anos, já que no final da década
passada o desfrute era de somente 16%. Nos últimos dois anos, o crescimento do desfrute deveu-se
à combinação de redução do rebanho e aumento do abate. Não há base suficiente ainda para
determinar se isso configura uma tendência de longo prazo, fruto do aprimoramento da pecuária, ou
se resulta de aumento no abate de fêmeas, o que configuraria a preparação da próxima fase de alta
dos preços, reedição do tradicional ciclo de preços. Apesar do aumento recente, a atual taxa de
desfrute ainda é considerada baixa para níveis internacionais, que se situam na faixa de 32% na
União Européia, 38% nos Estados Unidos, 41% na Austrália e 31% na China.
Gráfico 1
3
As estatísticas sobre o setor são classicamente precárias. Petti (1996) analisa as diferenças entre as
fontes e as metodologias das principais instituições de pesquisa do setor e conclui que a Pesquisa Anual de
Couro, do IBGE, retrata com mais fidelidade a evolução do abate do que a Pesquisa Mensal de Abate.
Entretanto, as diferenças entre as taxas de variação são muito expressivas, o que dificulta análise mais
precisa sobre a evolução do rebanho e do abate. Para ilustrar, a diferença entre as estimativas do rebanho
da FNP e do IBGE/Safras & Mercados chegou a 7,8% em 1996, ou 12,3 milhões de cabeças, quando não
superava 5% até 1995.
3
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1.600.000
1.400.000
1.200.000
1.000.000
cabeças
800.000
600.000
400.000
200.000
-
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
Fonte: FNP anos
Os três anteriores acima determinaram uma sensível atenuação dos ciclos de preço interno da
pecuária (redução da variação plurianual) e uma queda real no preço recebido pelos produtores de
boi gordo. O Gráfico 2 mostra a grande sensibilidade dos preços reais da arroba, em dólares
constantes de dezembro de 1996, ante a instabilidade macroeconômica. Depois das acentuadas
variações associadas à instabilidade do período 1986/90, o mercado parecia ajustado até a entrada
do Plano Real, que provocou nova alta em virtude da incerteza dos pecuaristas quanto ao sucesso
das medidas. Outra evidência importante parece ser a tendência de queda do preço real, que passou
de mais de US$ 40 por arroba no final dos anos 70 para pouco mais de US$ 20 no final do período.
Gráfico 2
4
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60,0
50,0
40,0
US$/@
30,0
20,0
10,0
0,0
Jul/78
Jul/81
Jul/84
Jul/87
Jul/90
Jul/93
Jul/96
Out/77
Abr/79
Out/80
Abr/82
Out/83
Abr/85
Out/86
Abr/88
Out/89
Abr/91
Out/92
Abr/94
Out/95
Jan/77
Jan/80
Jan/83
Jan/86
Jan/89
Jan/92
Jan/95
Fonte: FNP (1997), preço em moeda nacional convertido em US$ constantes de dezembro/96.
Por outro lado, a crescente necessidade de uma produção mais eficiente para fazer frente à
competição leva ao aumento dos custos de produção, pelo uso de animais de melhor qualidade
genética, maiores cuidados sanitários e nutricionais, reduzindo a margem do produtor.
A produção do setor destina-se basicamente ao mercado interno (96% em 1996). Mesmo assim, o
Brasil é um importante exportador −, foi o quinto maior em 1996 − detendo cerca de 6% do
comércio mundial de carne. A exportação caiu entre 1992, quando foram comercializadas 434 mil t,
e 1996, quando foram exportadas somente 232 mil t.
As importações, por sua vez, vêm crescendo desde 1992, passando de 10 mil t para 90 mil t em
1996, patamar ainda inferior a 1990 (120 mil t).
Note-se que o que em outros setores pode ser visto como sinal de contradição entre mercado interno
e externo, nesse caso é minimizado pelo fato de apenas certas partes dos animais serem exportadas,
sob a forma de cortes (traseiro) ou de industrializados (dianteiro). Assim, o crescimento das
exportações não é inteiramente contraditório com o abastecimento do mercado interno.
A balança comercial do setor sempre foi positiva, não só pelas quantidades envolvidas, sempre
maiores para exportação, como também pelo tipo de carne comercializada: a carne exportada é na
sua maior parte processada e a importada é predominantemente de carcaças e quartos, sendo a
picanha o único corte de importância na importação (cerca de 10% de toda a importação dos
últimos seis anos e 28% em 1996) (Gráfico 3).
Gráfico 3
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600
500
400
US$ Milhões
300
200
100
-
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996
anos
exportações importações saldo
Em 1996, 94% das importações tiveram origem no Mercosul enquanto as exportações, no período
1990/96, foram destinadas à Europa (73%) e Nafta (10%). Das exportações de 1996, 51% foram de
carne cozida e corned beef.
O balanço poderia apresentar melhores resultados financeiros caso a negociação da cota Hilton
fosse mais favorável ao Brasil. Nossa cota é pequena (5 mil t) se comparada aos parceiros do
Mercosul (Argentina 28 mil t e Uruguai 6 mil t). O preço da carne negociada na cota Hilton tem
alcançado o dobro do valor da carne negociada fora da cota.
Além dos problemas com a cota Hilton, o Brasil ainda encontra dificuldades de exportação de carne
in natura em virtude de barreiras sanitárias impostas principalmente pelos Estados Unidos e União
Européia, em função da existência de febre aftosa no rebanho brasileiro4.
De fato, a doença ainda não foi totalmente erradicada no país:5 em 1996, foram constatados focos
em Minas Gerais, Mato Grosso, Tocantins e regiões Norte e Nordeste.
No esforço de erradicação da doença, os maiores problemas se dão nas regiões Norte e Nordeste
que, com exceção dos estados da Bahia, Sergipe e Roraima, apresentam sistemas de atenção e
vigilância sanitária deficientes, programas de erradicação não implantados e falta de controle da
incidência da febre.
Nos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, a prevenção à doença encontra-se em estágio
avançado, com níveis de vacinação de mais de 80% do rebanho e ausência de casos clínicos há mais
de dois anos. Estes estados já solicitaram à Organização Internacional de Epizootias (OIE) a
declaração de zona livre de aftosa com vacinação.
4
Recém-declarada zona livre de aftosa, a Argentina recebeu dos EUA uma cota anual de 20.000 t de carne
resfriada, o que pode significar um movimento da ordem de US$ milhões. Ademais, a aprovação dos EUA
poderá abrir as portas do mercado asiático, única região do mundo onde o consumo cresce rapidamente.
5
Revista Fundepec, Ano 3, n. 7.
6
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Mato Grosso do Sul, Roraima e Distrito Federal apresentam baixo risco de contágio do rebanho,
pois, além de terem todo o território coberto por programa de erradicação da febre aftosa não
apresentaram casos clínicos há mais de um ano.
Os estados do Tocantins, Bahia, Sergipe e Rio de Janeiro, com sistemas de vigilância sanitária
deficientes, baixa cobertura vacinal e várias ocorrências de febre aftosa, são ainda considerados pelo
Ministério da Agricultura como estados de alto risco de contaminação.
São considerados de médio risco os estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Goiás e Mato
Grosso, que, embora tenham todo o território coberto pelo Programa de Erradicação da Febre
Aftosa, e sistema de vigilância sanitária eficiente, ainda não deixaram de apresentar casos clínicos
de febre aftosa por mais de um ano.
Outro aspecto importante do setor externo, colocado na ordem do dia por uma parcela dos
produtores, é a liberação do uso de promotores de crescimento (anabolizantes), que, segundo eles,
poderiam dar um ganho de peso maior ao gado. A proposta encontra resistências não só no setor
produtor, como também no setor de frigoríficos, principalmente aqueles que trabalham com
exportação para a comunidade européia.
A discussão sobre o uso de anabolizantes levada a cabo entre os Estados Unidos e a União Européia
não chegou a bom termo, pois os europeus continuam resistindo a permitir a entrada, em seus
mercados, de carne proveniente de animais tratados com promotores de crescimento. Apesar da
decisão do comitê técnico da Organização Mundial do Comércio ter sido favorável ao pleito norte-
americano, contrário à proibição dos hormônios, a União Européia irá recorrer e, mesmo que perca
definitivamente, muitos países, França entre eles, deverão preferir pagar compensações aos
exportadores dos Estados Unidos ao invés de abrir seus mercados.
6
Note-se que a queda do consumo já vinha ocorrendo mesmo antes da crise da vaca louca. De acordo com
o Rabobank International, as principais razões para a tendência declinante da demanda por carnes
vermelhas são o longo tempo de preparação, preocupação com níveis de colesterol, a ausência de
diferenciação de produtos e o possível uso de hormônios e antibióticos como promotores do crescimento.
7
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Mesmo assim o consumo per capita de carne bovina na Europa, segundos dados do Usda, registrou
queda de 10% em 1996, em relação ao ano anterior, sendo mais forte na Itália (23%), Portugal
(22%), Espanha (15%) e Reino Unido (14%). O único país que registrou crescimento foi a Suécia
(4%).
Já o consumo de carnes em geral registrou queda de apenas 3%, sendo maior na Itália (5%) e
Espanha (4%), nos países restantes a queda ficou em torno de 1% a 2%, chegando a haver aumento
de consumo na Grécia (1%). Houve clara substituição da carne bovina por frango, suíno e,
especialmente, por carne de peru, que teve crescimentos que chegaram a 42% na Bélgica e 34% em
Portugal.
Não há previsões de que o consumo de carne bovina retorne aos patamares pré-crise nos próximos
dois anos. As previsões da União Nacional dos Agricultores, Inglaterra, e da publicação
especializada Agra Europe são de que, na melhor das hipóteses o consumo se estabilize num
patamar 10% inferior ao de 1995.
Mesmo com a eliminação de parte dos rebanhos ingleses, franceses e suíços, em decorrência da
detecção da doença, a previsão é de que a produção de carne bovina na Europa ainda seja
superavitária, esperando-se um crescimento constante nos seus estoques. Daí devem decorrer
pressões baixistas sobre os preços no mercado internacional.
Sendo a doença decorrente do consumo pelo gado de rações à base de proteína animal, cresce a
preocupação dos consumidores, subsidiados por campanhas de entidades ambientalistas, quanto à
forma de criação do gado. Abre-se assim espaço para o marketing do chamado “boi ecológico”, ou
seja, gado alimentado a pasto e sem ingestão de produtos químicos. Esta tendência pode ser
favorável para o Brasil, uma vez que a maior parte do gado brasileiro é criada a pasto, desde que
feita ampla campanha de marketing institucional.
A reação das autoridades européias e dos agentes do setor à crise provocada pela vaca louca aponta
para um tema crucial: a necessidade de estabelecer um enfoque integrado entre os elos da cadeia, de
modo a recuperar a confiança dos consumidores. À parte medidas mais imediatas como restrições
ao comércio de certos tipos de carne, elevação dos estoques de intervenção, introdução de programa
de abate de animais e incentivo a sistemas menos intensivos de criação, um dos grandes desafios
colocados pela doença é a instituição de padrões de rastreabilidade do produto [Enriquez – Cabot e
Goldberg (1996)].
Nesse sentido a União Européia propôs a adoção de sistemas de identificação/registro dos animais e
de rótulos para os produtos, além de campanhas promocionais para recuperação do consumo. A
França dispõe de um sistema desse tipo há três décadas, quando foi criado o Centro de
Desenvolvimento de Certificados de Qualidades Agrícolas e Alimentares. O Cerqua avalia produtos
e sistemas produtivos os quais, se aprovados, recebem a designação de “oficialmente bons”. Essa
chancela visa garantir ao consumidor um produto de qualidade superior, o que viabiliza preços até
20% acima do normal. No caso da carne bovina, o sistema abrange cerca de 30.000 produtores, 100
fabricantes de alimentos, 300 empresas de abate e 3.000 pontos de venda (80% açougues, mas
também 60 restaurantes).7
A viabilização desses sistemas requer maior cooperação entre as instituições governamentais e os
vários segmentos do setor, o que configura um padrão diferente do tradicional. Nos países onde esse
esforço encontra mais dificuldades, os varejistas, especialmente grandes supermercados, estão
7
Vide DBO Rural, agosto de 1996, pág. 124.
8
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Portaria 304
A crescente pressão por uma reformulação da comercialização da carne bovina, visando diminuir a
participação do abate não-inspecionado, resultou na portaria do Ministério da Agricultura nº 304, de
22.04.96, estabelecendo que toda carne comercializada pelos frigoríficos seja refrigerada
(temperatura máxima de 7º C), embalada e com designação de origem.
Após um plano piloto que incluiu São Paulo, Porto Alegre e Curitiba e que durou um ano, o
Ministério da Agricultura, através da Portaria nº 36 da Secretaria de Defesa Agropecuária, de
30.04.97, ampliou a obrigatoriedade do cumprimento da portaria para outras 180 cidades, em 12
estados. Em tese, isto contribuirá para diminuir o abate clandestino, aumentar a quantidade de carne
fiscalizada na oferta ao consumidor final e permitir a este um maior exercício de seu poder para
diferenciar qualidade.
A implementação da Portaria 304 não trará mudanças drásticas a curto prazo, uma vez que encontra
dificuldades de coordenação entre os três níveis de governo, além de não haver contingente
suficiente de fiscais sanitários. Mas, do ponto de vista dos frigoríficos inspecionados, a inibição
sanitária do abate clandestino deverá ter efeitos significativos, já que a informalidade concorre com
margens maiores, decorrentes da sonegação fiscal, prática mais difícil nos frigoríficos
inspecionados.
A Portaria 304 vem reforçar a estratégia dos frigoríficos que, mesmo antes de seu lançamento, já
trabalhavam com cortes especiais embalados com marca própria, na tentativa de estabelecer um
padrão e linha de produtos que os diferencie dos demais fornecedores do mercado.
Do lado dos supermercados que caminham mais aceleradamente na modernização de suas
instalações é nítida a preferência por diminuir o espaço de seus açougues, não processar e de dar às
carnes o mesmo tratamento de outros produtos, ou seja, expô-las, embaladas, nas gôndolas.9
A evolução dos dois movimentos, que ainda são tímidos tanto da parte dos frigoríficos quanto dos
supermercados, pode provocar uma mudança radical na comercialização da carne no Brasil, já que o
poder de escolha do fornecedor passa ao consumidor e o campo da disputa entre os fornecedores
passa ser o da qualidade, praticidade e da propaganda.
Iniciativas Modernizantes
Em toda a cadeia estão acontecendo iniciativas que visam modernizar cada segmento do setor. A
modernização da cadeia da carne bovina vem se processando de maneira desigual, porém há sinais
de que é tendência irreversível. No entanto, seus efeitos agregados ainda não são mensuráveis, visto
que o processo de modernização vem se processando de maneira desigual em cada ponto da cadeia.
8
Informações fornecidas pelo Rabobank International. Na Inglaterra, o grupo varejista Marks & Spencer
adotou no início dos anos 80 um sistema de fornecimento de carne de qualidade. Após extensos testes de
qualidade, foram estabelecidos parâmetros desejados de maciez, suculência e sabor, a partir dos quais se
selecionaram os produtores aptos a atendê-los. Há dez anos o grupo estabeleceu parcerias com as
fazendas selecionadas e hoje há cerca de 500 membros inscritos no “Sistema de Fazendas de Gado
Selecionadas” (Eurofood, 17, July 1997, p.14).
9
ver a entrevista de Atamir Nogueira da Cruz, gerente do Grupo Pão de Açúcar, na Revista Nacional da
Carne, maio de 1997.
9
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10
Vide Macedo e Zimmer (1993).
11
De acordo com matéria publicada na DBO Rural, de agosto de 1996, a utilização desse método em uma
propriedade no Mato Grosso do Sul conseguiu elevar a taxa de desfrute de 24,1% para 31,2%, a lotação de
1,5 para 2,35 cabeças por ha e a idade de abate caiu de mais de três anos para menos de dois.
10
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11
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A indústria de desmontagem e processamento tem passado por várias transformações ao longo das
últimas décadas, que vão desde o desmonte da maioria da rede dos matadouros municipais à
nacionalização do setor e, nos últimos anos, ao declínio dos grandes frigoríficos.
Uma das mudanças estruturais é o deslocamento das unidades de abate para a região Centro-Oeste.
Em 1996, o Centro-Oeste concentrava 29% dos frigoríficos em atividade registrados no Serviço de
Inspeção Federal (SIF), enquanto, em 1983, eram apenas 17%.
Tal deslocamento deve-se à própria migração da produção primária e à modernização da
bovinocultura nos estados do Brasil Central, aumentando a oferta de boi gordo e possibilitando a
criação de uma logística mais eficiente e o aproveitamento de incentivos fiscais (Gráfico 4).
Gráfico 4
Evolução do Rebanho Brasileiro por Região
60.000.000
50.000.000
centro oeste
40.000.000
sudeste
c
a 30.000.000
b sul
e
20.000.000
ç nordeste
a
s 10.000.000
norte
-
1975 1980 1985 1990 1995
Fonte: IBGE anos
Tabela 3
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adicionais não constitua investimento excepcionalmente alto (cerca de US$ 1,5 milhão), a
precária situação financeira de boa parte das empresas tornará necessariamente lento o ritmo de
implementação. Ao mesmo tempo, as empresas já capacitadas a operar com cortes deverão ser
beneficiadas; e
c) crescimento do grau de diversificação – até recentemente, as empresas do setor se concentravam
sobretudo nas atividades de abate, com verticalização apenas na direção de cortes e industrializados,
especialmente para exportação. Nos últimos anos verificam-se movimentos de empresas líderes no
sentido da industrialização de subprodutos, como couro e sabão. Tal mudança constitui tentativa de
aumentar a rentabilidade das empresas, extremamente comprimida no segmento de abate. Por outro
lado, a diversificação sobrecarrega a capacidade gerencial dos frigoríficos, o que configura
elemento de risco.
Desembolsos do BNDES
No segmento da pecuária, os dados apontam para uma tendência firme de crescimento. Os desembolsos têm crescido
continuamente desde 1994, acumulando uma alta de 6.051% entre 1993 e 1996. Os dados do primeiro semestre de 1997
parecem confirmar a manutenção desta tendência, pois os desembolsos foram 60% superiores aos verificados em igual
período de 1996.
Estes aumentos provavelmente refletem os esforços de modernização na pecuária, potencializados, em 1996, pelas
mudanças das políticas operacionais do BNDES que passaram a apoiar os projetos que utilizam sistemas modernos de
produção, com pasto rotacionado, e formação ou reforma de pastos com integração com a agricultura, desde que
vinculados à face mais moderna da pecuária nacional, ou seja, os programas estaduais de novilho precoce (Gráfico 5).
G ráfico 5
D esem bolsos do B N D E S para a C adeia de C arne B ovina
150.000
FR IG O R ÍFIC O S
C R IAÇ ÃO D E BO VIN O S
US$ 1.000
100.000
50.000
0
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997
A nos
No segmento de frigoríficos houve retração dos desembolsos entre 1990 e 1993, e crescimento acentuado em 1994 e
1995. A queda de 30% no ano passado não trouxe os valores para o patamar do período 1990/1993. Mantendo a
participação do setor no total da indústria de alimentos acima de 8%. No primeiro semestre de 1997 houve forte
desaceleração dos desembolsos para os frigoríficos e perda de participação.
Os principais projetos de frigoríficos envolvem aquisição de unidades industriais, diversificação de atividades (na
direção de sabão, couro e outros derivados) e modernização de unidades existentes. Não houve financiamentos para a
construção de novas unidades.
As recentes modificações nas linhas do Finamex, para financiamento às exportações, tornaram-nas atraentes para o
setor. Em virtude da possibilidade de obter financiamento para o incremento de exportações, as empresas do setor têm
realizado várias consultas. A nova linha – pré-embarque especial – permite-lhes garantir a aquisição de matéria-prima
com antecedência, viabilizando as vendas no início do período da cota Hilton, que coincide com a entressafra brasileira.
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Conclusões
A cadeia da carne bovina é inequivocamente mais atrasada do que a avicultura e suinocultura.
Entenda-se por atraso a incapacidade de sistematicamente elevar a produtividade e reduzir os custos
ao longo de todos os elos da cadeia de forma a manter a competitividade dos produtos finais. No
caso da bovinocultura, tal incapacidade traduziu-se em acentuada perda de mercado para outras
carnes, bem como no crescimento do abate clandestino.12
Qual foi a reação tradicional dos produtores e dos frigoríficos diante de uma redução dos preços?
Retração da oferta mediante diminuição do abate. Até alguns anos atrás essa estratégia funcionava
relativamente bem porque o consumidor dispunha de poucas alternativas e o pecuarista não
desembolsava recursos monetários para manter o boi no pasto. Hoje isso não é mais possível, pois a
carne de frango é alternativa consistente e de baixo custo à carne bovina e cresceu muito o número
de pecuaristas que “fazem as contas” (para os quais o adiamento do abate significa perdas
monetárias, seja pela alimentação dos animais, seja pelo custo de oportunidade da aplicação
financeira).
As flutuações de oferta diante dos preços vão continuar ocorrendo, como em quase todos os
mercados. Mas sua amplitude tende a diminuir no caso da carne bovina, pois o padrão tradicional
estava levando o setor à morte. Decorre daí que a bovinocultura está condenada à produtividade e à
modernização, como já perceberam muitos pecuaristas, frigoríficos e supermercados.
Na crise que afeta o setor há alguns anos, muitos têm sido expulsos. A rentabilidade dos segmentos
mais atrasados é hoje incompatível com a sustentação precária de famílias que há gerações vivem
da pecuária. Frigoríficos que lideraram o processo de modernização da indústria na década de 70
estão quebrados. Mas, como em toda crise, os que perceberam os sinais de mudança e tiveram
possibilidade de se adaptarem a eles estão promovendo um acelerado movimento de mudanças
estruturais.
Muitas das mudanças pelas quais o setor passa ainda não estão integralmente refletidas nos
indicadores agregados. Algumas mudanças, como a da qualidade, nunca serão captadas por
indicadores quantitativos, a não ser indiretamente. Apesar da dificuldade em estabelecer com
precisão a extensão das transformações pelas quais vem passando a cadeia, é possível sugerir que
elas não são marginais e que delas emergirá um novo padrão de organização e desempenho dos
agentes. Um padrão em que a produtividade, a diversificação e a qualidade serão elementos
cruciais.
A rastreabilidade é a base para a difusão da preocupação com a qualidade ao longo da cadeia. A
criação de nexos entre as exigências dos consumidores e a base produtiva exige a tipificação de
carcaças, ou seja, a definição de um sistema de classificação capaz de enquadrar cada animal em
categorias definidas por critérios técnicos, como cobertura de gordura, idade e sexo do animal, peso
ao abate e conformação de carcaça. A tipificação poderá funcionar como elemento de harmonização
da linguagem entre os elos da cadeia, constituindo a base para a “conversão” das demandas do
consumidor final em orientações para os pecuaristas.13
12
Por que o abate clandestino é menos expressivo na avicultura? Porque as empresas avícolas lograram
montar um sistema que reduz os custos de produção e diversifica o leque de produtos à disposição dos
consumidores. Como a clandestinidade tem custos, expressos na baixa propensão a investir e na ausência
de marcas, as empresas de aves conseguem manter a produção clandestina em níveis inferiores aos da
bovinocultura.
13
O Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal do Ministério da Agricultura tem um sistema
de tipificação de carcaças que se originou nas exigências dos importadores europeus da cota Hilton.
15
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Curiosamente, a cadeia da carne bovina desfruta da vantagem do atraso. Como em outros setores do
agribusiness brasileiro,14 a eliminação do atraso está sendo fonte de expressivos ganhos para os
agentes que se modernizam. Ao contrário de cadeias em que qualquer aumento de produtividade é
necessariamente custoso e pequeno, na bovinocultura as margens para melhoria são enormes, com
investimentos relativamente pequenos. Aqueles produtores e empresas que conseguiram romper ou
evitar o círculo vicioso da baixa rentabilidade/descapitalização/decadência têm conseguido auferir
grandes vantagens.
O tempo dessas transformações é longo. Afinal, mesmo com aumentos acentuados da
produtividade, o período de abate continuará sendo medido em meses, não em dias, como na
avicultura.15 Além disso, diferentemente das empresas avícolas, a fragilidade das indústrias
frigoríficas e a descoordenação da cadeia imprimem um ritmo necessariamente lento às mudanças.
Mas parece não haver dúvidas de que, a médio prazo, a cadeia da carne bovina poderá recuperar
posições perdidas para outras carnes. Basta que todos seus componentes persistam nos novos
caminhos da produtividade e da qualidade, evitando as fórmulas surradas de manipulação de
mercado, especulação e desatenção à qualidade.
Referências Bibliográficas
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