BOSI, Alfredo - O Positivismo No Brasil
BOSI, Alfredo - O Positivismo No Brasil
BOSI, Alfredo - O Positivismo No Brasil
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O p ositiv ism o no Brasi l: Uma i deo lo gia de l o n g a du r a ç ã o
A fundação do Apostolado
A militância positivista, entre nós, se fez sentir mais intensamente a partir
do último quartel do século XIX. Teixeira Mendes compôs em 1924 um resu-
mo cronológico da evolução do Positivismo no Brasil.1 O seu levantamento
mostra que, entre 1850 e meados dos anos 70, a presença da doutrina limi-
tou-se a expressões acadêmicas avulsas. Mendes lembra a tese de doutorado
em Matemática de Pereira de Sá apresentada em 1850 à Escola Militar; a cor-
respondência de Nísia Floresta com o filósofo, que ela conhecera pessoalmen-
te em Paris; o folheto do maranhense Brandão Jr. sobre a escravidão no Brasil,
publicada em Bruxelas em 1865, que comprova o pioneirismo dos comtistas
na luta pela abolição; enfim, algumas profissões de fé da parte de cidadãos ilus-
tres como Benjamin Constant, professor na Escola Militar e repetidor convic-
to da Synthèse Subjective, e o conselheiro João Alfredo.
Só a partir de 1874, com a publicação do primeiro volume de As Três Filoso-
fias, do médico paulista Luís Pereira Barreto, e, em 1875, no Rio de Janeiro,
com a adesão pública de Miguel Lemos e Teixeira Mendes à Filosofia Positi-
va, a propaganda ganha consistência grupal. Em 76, Lemos e Mendes foram
desligados da Escola Politécnica por terem escrito um artigo de crítica ao Vis-
conde de Rio Branco. No mesmo ano, Oliveira Guimarães, professor de Ma-
temática no Colégio D. Pedro II, fundou a primeira Sociedade Positivista a
que aderiram, entre outros, Benjamin Constant, Joaquim Ribeiro de Men-
donça, Miguel Lemos e Teixeira Mendes. Os dois últimos partem para Paris
em outubro do ano seguinte. Decepcionando-se com o ensino de Emile Littré
(o célebre dicionarista que divulgava os ensinamentos de Comte excluindo,
porém, os textos religiosos do seu último período), os jovens neófitos passari-
am a integrar o grupo dos ouvintes de Pierre Laffitte, sucessor oficial de Com-
te. A residência do mestre na rua Monsieur le Prince número 10 já era então o
1
MENDES, Teixeira. Resumo cronológico da evolução do Positivismo no Brasil. Rio de Janeiro: Boletim n.o
507 do Templo da Humanidade, 1930. O texto foi redigido em 1924.
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Al fredo Bo si
Miguel Lemos
1854-1917
Apóstolo da Humanidade
Fundador e diretor da
Igreja Positivista do Brasil.
Teixeira Mendes
1855-1927
Apóstolo da Humanidade
Vice-diretor da
Igreja Positivista do Brasil.
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Al fredo Bo si
Anti-racismo e abolicionismo
A estréia da militância positivista no Rio de Janeiro coincidiu com o início
da fase aguda do abolicionismo. A campanha desenvolveu-se por todo o país
ao longo dos anos 80. O discurso dos ortodoxos foi coerente com três princí-
pios básicos da doutrina de Comte:
2
BASTIDE, Roger. “El positivismo brasileño y la incoroporación del proletariado de color a la
civilización ocidental”. In: Revista Mexicana de Sociologia, VIII, 3, México, set.-dez. 1946.
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3
LEMOS, Miguel e MENDES, Teixeira. A Liberdade Espiritual e a Organização do Trabalho. Rio de
Janeiro: Boletim n.o 54 do Apostolado Positivista do Brasil, 1888. O folheto saiu no dia 21 de abril,
três semanas antes da promulgação da Lei Áurea.
4
Sobre o comportamento dos fazendeiros de café da província de São Paulo durante a campanha
abolicionista, ver: SANTOS, José Maria dos. Os Republicanos Paulistas e a Abolição. São Paulo: Martins,
1942; e GORENDER, Jacob. O Escravismo Colonial. 4.a ed. São Paulo, 1985, pp. 579-598.
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5
Miguel Lemos e Teixeira Mendes, op. cit.
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6
V. a excelente exposição de Cruz Costa sobre as causas da ruptura de Miguel Lemos com Laffitte
em O Desenvolvimento da Filosofia no Brasil no Século XIX e a Evolução Histórica Nacional. São Paulo: Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras, 1950, pp. 208-222.
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II
A questão social
O interesse de Comte pela questão social ou, mais especificamente, pela
classe operária remonta aos seus anos juvenis quando trabalhou como secretá-
rio de Saint-Simon. A filiação de Comte ao célebre industrial reformista foi
precoce: basta dizer que, aos vinte e quatro anos, ele escreveu um Plano dos traba-
lhos científicos necessários para reorganizar a sociedade (1822). De Saint-Simon certa-
mente o jovem filósofo herdou a crença no progresso da Humanidade guiada
pela ciência e pela indústria. Igualmente a proposta do uso “altruísta” da pro-
priedade traz a marca ética e, afinal, religiosa do sansimonismo. Comte usou o
termo “comunismo” no Discurso sobre o Conjunto do Positivismo, de 1848, para ca-
racterizar a função social da propriedade. São conhecidas as suas críticas à eco-
7
MENDES, Teixeira. A Influência Positivista no Atual Serviço de Proteção aos Índios. Rio de Janeiro: Igreja e
Apostolado Positivista do Brasil. Boletim n.o 334, 21 de dezembro de 1911. Em outro boletim, O
Cientismo e a Defesa dos Indígenas Brasileiros, datado de 15 de dezembro de 1908, Mendes combate
algumas expressões racistas do Dr. Hermann von Ihering, então diretor do Museu Paulista, que
pregava a extinção dos caingangs(!). O folheto traz como epígrafe uma afirmação de Comte: “Aos
olhos de um verdadeiro filósofo, a ingênua ignorância que distingue, a este respeito, os humildes
pensadores da África Central é mais estimável, mesmo em racionalidade, do que a pomposa
verbiagem dos soberbos doutores germânicos.” (Politique positive, tomo III). É significativo que a
oposição de Comte aos “doutores germânicos” seria revidada no Brasil dos fins do século XIX,
quando Sílvio Romero, admirador do germanófilo Tobias Barreto, investe contra os positivistas no
seu libelo vitrioloso Doutrina contra Doutrina.
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nomia política clássica, que ele considerava abstrata e individualista, logo anti-
social. Só a nova moral positiva ou “sociocrática”, imbuída do “espírito de
conjunto”, teria condições de superar o liberalismo anárquico que caracteriza-
ra os primeiros decênios da revolução industrial. Daí o seu endosso aos impos-
tos diretos, que incidem sobre a renda dos proprietários, e as suas reservas à
transmissão patrimonial pelo instituto da herança. “Nossos comunistas refu-
taram muito bem os juristas quanto à natureza geral da propriedade” (Discours
sur l’ensemble du positivisme, parágrafo 64 – Théorie positive de la propriété). Acolhendo
o princípio da modificabilidade da ordem natural à medida que esta se torna
complexa (superorgânica) e ascende à ordem moral, Comte abre caminho para
um pensamento político reformista que propõe a intervenção da “sabedoria
humana nas diversas fases do movimento social”.
Em março de 1848 Comte encomenda a uma comissão de três de seus dis-
cípulos diletos um relatório sobre a questão do trabalho. O Rapport à la société po-
sitiviste, entregue ao filósofo, é uma síntese límpida do discurso social planeja-
dor dos ortodoxos flagelos do capitalismo liberal como o desemprego são de-
nunciados com lucidez, e o remédio de um Estado-Providência é recomenda-
do contra as práticas irracionais do laissez-faire. “O sofrimento dos trabalhado-
res é a porção mais preciosa da riqueza pública” – frase que prepara a argu-
mentação dos signatários do Relatório em prol de uma legislação eficiente do
trabalho: “Nós cremos que uma grande parte dos males vem da imprevidência,
que os industriais não podem combater se não debilmente, que o Estado pode
e deve intervir contanto que sua intervenção seja prudente e esclarecida.”8
Uma das idéias originais do relatório é a do caráter não-venal do trabalho,
que não deve ser considerado “uma mercadoria como qualquer outra”. Ne-
nhum salário paga o esforço humano. Sendo uma atividade social e pessoal, o
trabalho não tem preço. A remuneração do operário deverá ser decomposta
em duas partes: a primeira, fixa e maior, seria calculada exclusivamente em fun-
8
O Rapport de Magnin, Jacquemin e Belpaume, prefaciado por Augusto Comte, pode ler-se, na
íntegra, na obra de Angèle Kremer-Marietti, Auguste Comte. Paris: Seghers, 1970, pp. 170-79.
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10
MENDES, Teixeira. A Propósito da Atual Greve dos Operários de Construção. Rio de Janeiro: Boletim n.o
348 do Apostolado, 8 de outubro de 1912.
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11
MENDES, Teixeira. As Greves e a Política Republicana. Rio de Janeiro: Apostolado, 13 de outubro de 1905.
12
MENDES, Teixeira. As Greves, a Ordem Republicana e a Reorganização Social. A propósito da Greve na
Companhia Paulista de Vias Férreas e Fluviais. Rio de Janeiro: Boletim n.o 232, 18 de maio de 1906.
13
“Agradecimento dos operários italianos”. A carta, assinada por dez sindicalistas, saiu no Estado de S.
Paulo e vem datada de 14 de dezembro de 1894. Miguel Lemos transcreveu-a na 14.a Circular Anual
do Apostolado, Rio de Janeiro, 1894.
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III
A ditadura republicana
Os positivistas foram, desde o início, ferrenhos republicanos. A doutrina de
Comte, baseada na lei dos três estados, tinha a esse respeito certezas inabaláve-
is: dissolvido o Antigo Regime com seu mito do direito divino dos reis, a for-
ma republicana se teria imposto como o regime próprio à nova era científica e
industrial. No entanto, com o predomínio das tendências puramente negativas
e individualistas do que o pensador chamava “metafísica democrática”, o re-
publicanismo jacobino foi sendo minado e afinal substituído pelo parlamenta-
rismo “burguesocrático” ao longo da primeira metade do século XIX.
Tendências retrógradas de um lado (monárquicas e teológico-militares) e,
de outro, correntes anárquicas bloquearam o caminho que o exemplo da Con-
venção de 1793 e a obra de Danton tinham aberto, isto é, o modelo da ditadura
republicana. Neste regime, combinação de jacobinismo e positivismo ordena-
dor, o papel dos parlamentares seria reduzido à votação do orçamento para a
qual bastariam apenas três meses de sessões de uma câmara única, a assembléia
nacional. A participação dos deputados seria honorífica, logo gratuita. A força
do poder executivo é realçada nos níveis nacional e provincial. As reeleições
são recomendadas e podem ocorrer regularmente desde que venham sanciona-
das por plebiscitos. As eleições seriam diretas e o voto se faria a descoberto se-
gundo o princípio reiterado pelo mestre: viver às claras.
O caráter ditatorial do governo não se estenderia, porém, à esfera “espiritual”
da sociedade. O Estado não deveria ter ingerência direta nas áreas educacionais,
culturais, religiosas e profissionais, em geral, que se desenvolveriam com toda a
liberdade a partir das famílias e dos grupos emersos das interações sociais. As
instituições acadêmicas estatais e as eclesiásticas sempre foram criticadas por
Auguste Comte e seus discípulos que as acusavam de formar literatos, palradores
irresponsáveis e parasitas. Comte augurava que os proletários, devidamente ins-
truídos pela militância positivista, substituíssem os pedantocratas ornados de
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O projeto político de Comte ganhou forma precisa em agosto de 1848 quando a situação
revolucionária da França o levou a formular as propostas de “um novo governo revolucionário”.
O filósofo confiou na ocasião a Emile Littré (membro do Instituto e do Conselho Municipal de
Paris, relator), Fabien Magnin (marceneiro) e Pierre Laffitte (professor de Matemática) a elaboração
de um relatório em que se expusesse “a natureza e o plano do novo governo revolucionário da
República francesa”. A íntegra desse texto pode ser lida na Revue Occidentale, volume 23, Paris, 1889.
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15
LEMOS, Miguel. “Ao Povo e ao Governo da República”. In 9.a Circular Anual do Apostolado. Rio de
Janeiro, 1889.
16
MENDES, Teixeira. Benjamin Constant. Rio de Janeiro: Templo da Humanidade, 1913, vol. I, p. 348.
17
MENDES, Teixeira. Ainda o Militarismo perante a Política Moderna. Rio de Janeiro: Boletim n.o 249,
Apostolado, 1908.
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Em Dialética da Colonização. São Paulo: Cia. das Letras, 1992 (cap. “A arqueologia do
Estado-Providência”).
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“Art. 32 – Antes de promulgar uma lei qualquer, salvo o caso a que se re-
fere o art. 33, o presidente fará publicar com a maior amplitude o respectivo
projeto acompanhado de uma detalhada exposição de motivos.
Art. 33 – Parágrafo 1.o – O projeto e a exposição serão enviados direta-
mente aos intendentes municipais [prefeitos nomeados pelos presidentes de estado,
A.B.], que lhes darão a possível publicidade nos respectivos municípios.
Parágrafo 2.o – Após o decurso de três meses, contados do dia em que
projeto for publicado na sede do governo, serão transmitidos ao presidente,
pelas autoridades locais, todas as emendas e observações que forem formu-
ladas por qualquer cidadão habitante do estado.
Parágrafo 3.o – Examinando cuidadosamente essas emendas e observa-
ções, o Presidente manterá inalterado o projeto, ou modificá-lo-á de acordo
com o que julgar procedente.
Parágrafo 4.o – Em ambos os casos do parágrafo antecedente, será o proje-
to, mediante promulgação, convertido em lei do Estado, a qual será revogada
se a maioria dos conselhos municipais representar contra ele ao Presidente.”
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LEMOS, Miguel. Apêndice à 13.a Circular Anual do Apostolado. Rio de Janeiro, 1893.
20
LEMOS, Miguel. 17.a Circular Anual. Rio de Janeiro, 1899.
21
Apud DIDONET, Zilah C. O Positivismo e a Constituição Riograndense de 14 de julho de 1891.
Universidade de Santa Maria, 1977.
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Quanto às medidas de socialização dos serviços públicos tomadas por Borges de Medeiros e
Getúlio Vargas no âmbito dos governos republicanos gaúchos, v. “A arqueologia do
Estado-Providência” em Dialética da Colonização, ob. cit., pp. 289-294.
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Monumento da Exposição Universal de Paris de 1889, a Torre Eiffel tornou-se o símbolo
o
da capital francesa e cenário do vôo do balão n. 5 de Santos Dumont, a 8 de agosto de 1901.
Santos Dumont
J . O. d e M e ir a P e nn a
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J.O . de Mei ra Penna
empurrados para o ar. Foi esse verbo ‘planar’, glide em inglês, o que constou do
telegrama enviado naquele dia pelo funcionário do correio, Alpheus Drinkwa-
ter, encarregado de transmitir a notícia espetacular ao mundo.
Acontece que os EUA dispõem não só de meios de marketing muito mais con-
sideráveis que os do Brasil, como se esmeram em proclamar a glória de seus he-
róis, o que, habitualmente, não é nosso caso. No Museu do Ar e do Espaço, de
Washington, Santos Dumont é apresentado com uma pequena fotografia, dan-
do a entender que o brasileiro só se interessou pelo problema depois de tomar
conhecimento da iniciativa dos irmãos Wright: “After the Wright brothers’ flights in
1903, Santos-Dumont began to experiment with heavier-than-air machines...”
Na verdade, esses vôos dos pioneiros brasileiro e americanos, que posterior-
mente fizeram outras contribuições para a aviação, marcaram um ponto im-
portante no progresso tecnológico da humanidade. Mas, é verdade também
que uma porção de outros inventores, principalmente franceses, ingleses e ale-
mães, entre os quais Curtiss, Farman, Blériot e Voisin, estavam experimentan-
do seus aparelhos, aproveitando-se dos aperfeiçoamentos realizados quando
deles estavam informados, de tal maneira que o problema da prioridade se tor-
nou extremamente confuso e, até, odioso.
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Sa n to s D u m o n t
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A Missão Militar
Francesa no Brasil
Car lo s d e M ei r a M a t t o s
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Ca rl os de Mei ra Matto s
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A Mi ssão Mi li tar F r a n c e s a n o B r a s i l
prego das armas e dos serviços foram atualizados. As relações entre nossas for-
ças militares se tornaram muito mais estreitas.
Ao se retirar, em 1940, em razão da invasão da França pelo Exército ale-
mão, legou-nos de herança um valiosíssimo patrimônio de conhecimentos
sobre a arte da guerra e operações militares que, no dizer do General Paula Ci-
dade, no seu livro Três Séculos de Literatura Militar Brasileira, “propiciou o sucesso
do emprego da Força Expedicionária Brasileira (FEB) no Teatro de Opera-
ções da Itália, na II Guerra Mundial”.
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Villa-Lobos em Paris
T u r í b io S a nt o s
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Vi l l a -Lo bo s e m P a r i s
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Turíbi o Santo s
Programa de concerto
regido por Villa-Lobos
na Salle Gaveau, Paris,
1927.
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Vi l l a -Lo bo s e m P a r i s
TRIO 09.04.1924
Salle des Agriculteurs/Paris
NONETO 30.05.1924
Salle des Agriculteurs/Paris
195
Turíbi o Santo s
RUDEPOEMA 24.10.1927
1.a audição Salle Gaveau
Arthur Rubinstein, piano
CHOROS n. o 3 e 4 05.12.1927
CHOROS n.o 10 05.12.1927
1.a audição na França Salle Gaveau
AMAZONAS 30.05.1929
1.a audição Salle Gaveau
Aline Von Barentzen, piano
UALALOCÊ 14.03.1930
Salle Chopin
QUINTETO 14.03.1930
Salle Chopin
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Vi l l a -Lo bo s e m P a r i s
MOMOPRECOCE 04.04.1930
1.a audição na França Salle Gaveau
Magda Tagliaferro, piano
FANTASIA DE MOVIMENTOS
MISTOS 07.05.1930
Salle Gaveau
EROSÃO 23.04.1953
1.a audição européia Salle Gaveau
RUDÁ 30.08.1954
1.a audição Théatre des Champs Elysées
197
Estudantes na entrada da Faculdade de Direito, no início da década de 30. Antigo convento
franciscano, foi reformado em 1884, demolido e reconstruído em 1932-1935, na fundação da
Universidade de São Paulo.
Reprodução em bronze das arcadas da Faculdade de Direito (após a reforma), encontra-se na sala
de Miguel Reale, reitor da USP em 1940-50 e 1969-73.
Momentos decisivos
da Universidade de
São Paulo*
M ig u e l R e a l e
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Momentos decisivos da Universidade de São Paulo
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M omento s dec i si vo s da Uni versi da de de Sã o P a u l o
lha dentro de uma lista tríplice organizada pelo Conselho Universitário e, fi-
nalmente, por eleição direta do próprio corpo acadêmico.
A 10 de agosto de 1949, ainda fui nomeado Reitor por opção pessoal do
Governador Adhemar de Barros, atendendo à indicação feita pelo ex-Reitor
Lineu Prestes, chamado a exercer as funções de Secretário da Fazenda. Foi,
desse modo, que os amigos do Partido Social Progressista, do qual fui um dos
fundadores, puderam me aproximar novamente de Adhemar, cabendo-me as-
sinalar que não seria esta a última tentativa de estabelecer um relacionamento
sempre difícil com esse que, apesar de seu personalismo, foi um dos grandes lí-
deres políticos paulistas, ao qual a nossa gente deve inestimáveis serviços.
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vera de tal modo que a idéia coimbrã de um único centro de ensino e pesquisa,
localizado na Capital, não se conciliava com os anseios de progresso cultural
reclamados pelas populações interioranas, que já contavam com cidades de-
senvolvidas, com cursos de ensino médio oficial e particular merecedores de
crédito. Surgiu, assim, a idéia de estender a USP para o interior, com a criação
complementar de Faculdades sediadas nos grandes centros urbanos regionais,
como Ribeirão Preto, Campinas, Bauru, Presidente Prudente, etc. O Conselho
Universitário acolheu favoravelmente essa iniciativa e, além de ser aprovado
um plano preliminar, cuidou-se desde logo da criação da Faculdade de Medi-
cina de Ribeirão Preto, há muito tempo reclamada pela população local.
É preciso salientar que esse programa de ação tinha a favorecê-lo a existên-
cia de vastas áreas destinadas às Escolas Agrícolas criadas ao tempo do inter-
ventor Fernando Costa, para formação de técnicos de nível médio, mas que,
por diversas razões não tinham conseguido vingar, permanecendo desaprovei-
tados até mesmo edifícios que poderiam, sem grandes despesas, ser destinados
ao ensino superior, tal como depois aconteceu.
O certo é que a USP deixou de ficar confinada à Capital, passando a ter
uma estrutura federativa com vários campi, todos iguais no concernente aos equi-
pamentos técnicos indispensáveis ao ensino universitário, exigindo-se o mes-
mo rigor na constituição de seu corpo docente.
Passados agora tantos anos, só posso recordar-me, com justificada ironia,
do editorial que um grande jornal paulistano dedicou a essa minha iniciativa,
não titubeando em proclamar que idéia tão estapafúrdia, em conflito com os pla-
nos dos fundadores da USP, só podia ser sustentada por alguém desprovido
de raízes nas mais lídimas tradições da terra paulista. O único cuidado a tomar
era impedir que núcleos universitários surgissem à revelia dos padrões de qua-
lidade técnico-científica da Universidade de São Paulo, o que foi cumprido à
risca. Examinando-se a questão com olhos postos no futuro, não havia quem
não reconhecesse que seria inevitável o acesso do interior ao chamado ensino
de 3.o grau, como projeção natural de uma célula mater capaz de assegurar altos
índices de preparo docente, com razoáveis critérios seletivos dos estudantes.
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do, havia caracterizado uma instituição digna de exercer a mais fecunda in-
fluência na vida paulista e brasileira. Senti incontinenti que o problema pri-
mordial consistia na perda geral de confiança nos órgãos dirigentes, devendo,
pois, concentrar meu maior empenho na criação de um ambiente animado tão-
somente pelos valores transpessoais da cultura ou da missão pedagógica acima
de quizílias de grupos ou facções. Para tanto, era mister assumir o cargo com
coragem, e dedicação, para que logo se tomasse ciência de meus propósitos em
prol de uma idéia diretora, sem a qual, no dizer de Maurice Hauriou, não vingam
nem progridem as instituições.
Além disso, havia uma Reforma Universitária a ser implantada, pois, se assumi
as funções de Reitor no dia 5 de novembro de 1969, o novo Estatuto da USP
já havia sido antes aprovado com emendas pelo Conselho Estadual de Educa-
ção, ao qual eu então pertencia. Assumi, assim, as funções de Reitor com pleno
conhecimento da nova roupagem legal da USP, visto ter exarado parecer sobre
a matéria a 16 de junho de 1969, conhecendo o texto final encaminhado à
aprovação do chefe do Executivo estadual, conforme Decreto promulgado já
em minha gestão, a 13 de dezembro de 1969. Por todos os motivos expostos
compreendi que o meu discurso de posse não poderia se reduzir a mero ato
formal, preferindo traçar algumas diretrizes fundamentais de ordem cultural e,
ao mesmo tempo, firmar minha posição de trabalhar por uma “universidade de-
mocrática, como desejamos seja a nossa, como expressão de uma sociedade plu-
ral, fundada na força criadora da liberdade e na pluralidade das afirmações es-
pirituais”. Como penso não ter faltado a esse solene compromisso, considerei
oportuno transcrever, no Suplemento das referidas Memórias, um documento
tão relevante na história de minha vida.
Saliente-se que o novo Estatuto vinha alterar profundamente a estrutura uni-
versitária paulista, suprimindo as tradicionais Cátedras, herdadas da Universidade
de Coimbra, e substituindo-as por Departamentos, com a instituição de carreiras
que abrangiam os graus de mestre, doutor, professor associado e titular, com exi-
gência de concurso público com defesa de tese para tal fim redigida.
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10. Posso afirmar, sem jactância, que foi com igual espírito de aberta compre-
ensão que me situei perante professores e funcionários, por estar convencido
de que não me seria possível levar a termo a reforma universitária se não preva-
lecessem, sobre os interesses particulares, os valores da comunidade, aos quais
procurava adequar minhas decisões.
Sinto-me com dificuldade para me referir, em poucas páginas, a toda a
gama de obras e serviços que me foi dado realizar no quatriênio de Reitoria,
razão pela qual peço vênia para me reportar ao que exponho no Capítulo XIII
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minha experiência de jurista, sabia que ia ser necessário ao Reitor expedir atos
normativos, ad referendum, não só do Conselho Universitário como do Conse-
lho Estadual de Educação. Este ponto era tão delicado que alguns sustentavam
a tese de que, sendo no Estatuto prevista a elaboração de um Regulamento Ge-
ral, não havia possibilidade de dar início à reforma universitária sem a prévia
aprovação daquele ato normativo. Tal entendimento pareceu-me absurdo e
mesmo insensato, pois, além de confundir regulamento de lei com regimento
de um estatuto, importava em fazer-nos cair na abstração de um novo ato nor-
mativo a ser elaborado sem contato com a experiência e as lições que dela
emergem à medida que avançamos. Daí a decisão que tomei – e ela foi essen-
cial ao sucesso de minha administração – de agir em função da seguinte idéia
mestra: o novo Estatuto concede ao Reitor e ao Conselho Universitário, ou
tão-somente ao Reitor, até que este órgão seja constituído, toda uma série de
poderes implícitos, legitimados pela clássica lição do eminente juiz John Marshall,
consagrada em memoráveis julgados da Suprema Corte norte-americana – e é
um dos segredos da estabilidade constitucional da grande República do Norte
– segundo a qual a autoridade que tem atribuição legal para realizar certos fins,
dispõe também de poder para a escolha e a utilização dos meios indispensáveis
e adequados à consecução desses fins.
Convicto do acerto e da indispensabilidade desse entendimento jurídico, não
vacilei, com a colaboração do Conselho Universitário, em editar dezenas de Porta-
rias, depois denominadas, com mais propriedade, Resoluções, graças às quais, in-
ferindo conseqüências da normas estatutárias ou suprimindo-lhes as lacunas,
tornou-se possível implantar, em alguns meses, uma reforma que parecia destinada
a permanecer no limbo das boas intenções. É possível que, num ou noutro caso,
tenhamos avançado o sinal, dispensando a audiência prévia do Conselho Estadual
de Educação, mas um rigorismo legalista teria obstado o adimplemento do estatu-
to, que estabelecera uma reforma, suscetível de críticas (eu mesmo tinha sérios re-
paros a fazer-lhes) mas que constituía um passo essencial para a modernidade.
Bem se pode imaginar quantos problemas tive de afrontar desde a Portaria
n.° 1.023, de 13 de janeiro de 1970, que deu estrutura departamental às anti-
221
M ig uel Reale
12. Cabe-me, outrossim, salientar que, além dos problemas interna corporis,
havia um outro não menos grave a afrontar, devido à descabida pretensão do
Ministério da Educação de impor um modelo universitário a todo o País, con-
siderando indispensável, antes dos cursos das Faculdades, um primeiro ciclo,
comum a todas elas. Reagi com veemência a essa interferência federal, lem-
brando que a Constituição de 1969 assegurava a autonomia do sistema esta-
dual de ensino. Essa firme atitude, recebida em Brasília como um ato de rebel-
dia, teve o seu momento culminante num simpósio promovido pelo Conselho
de Reitores em Juiz de Fora, convocado para estudar as novas bases do ensino
superior. Nessa oportunidade, a representação da USP, constituída por seu
Reitor, mais os professores Roque Spencer Maciel de Barros, Laerte Ramos
de Carvalho e Antonio Guimarães Ferri, proclamou seu poder de auto-
organizar-se segundo critérios próprios, fazendo-o em documento que foi de-
nominado Manifesto de Juiz de Fora. Por ele ficou assente o direito da USP de
fixar soluções correspondentes aos índices de seu desenvolvimento científico e
tecnológico, como uma Universidade diversificada e plural, capaz, portanto,
de corresponder ao multifário panorama das condições geoeconômicas e edu-
cacionais paulistas, sem ser obrigada a ajustar-se ao modelo federal incompatí-
vel com a sua grandeza.
Tal atitude teve como conseqüência novo entendimento dado ao chamado
primeiro ciclo, cujos objetivos, no caso da USP, passariam a ser atendidos pela in-
222
M omento s dec i si vo s da Uni versi da de de Sã o P a u l o
13. No que se refere à pós-graduação, o esforço por mim despendido teve resul-
tados positivos. A pós-graduação já representava como que uma outra Univer-
sidade dentro da Universidade, elevando-se, em 1974, a cerca de 5 mil o nú-
mero de alunos inscritos nos cursos de mestrado e doutorado. Note-se, aliás,
que esse preparo complementar não se destina apenas às tarefas de ensino. À
medida que se apuram os processos de racionalização científica e tecnológica,
as empresas públicas e privadas não se contentam mais com simples diploma-
dos: exigem cada vez mais especialistas, que só a pós-graduação pode adequa-
damente preparar. Podemos, em suma, afirmar que a pós-graduação se tornou
uma das chaves mestras do desenvolvimento nacional, além de ser um dos
223
M ig uel Reale
224
M omento s dec i si vo s da Uni versi da de de Sã o P a u l o
mudança do sistema, ainda que custasse, como custou, um alto preço, para o
pagamento das indenizações trabalhistas. Se não tivesse assumido essa atitude,
a USP estaria logo mais com insuportáveis encargos sociais, e não teria sido
possível o aceleramento das construções, com resultados que em poucos meses
se positivaram. Transformando o Fundusp em órgão especializado de proje-
tos e de controle de obras, o seu magnífico corpo de arquitetos, engenheiros e
técnicos alterou em tempo o panorama universitário, passando as edificações
já iniciadas a obedecer a rigorosos cronogramas, ao mesmo tempo que outro
espírito se impunha na elaboração dos projetos, procurando-se harmonizar as
exigências estéticas com as de ordem funcional, antes nem sempre adequada-
mente atendidas.
Não posso estender-me sobre o que foi realizado em matéria de obras e ser-
viços, graças a substanciais recursos obtidos dos ilustres governadores Abreu
Sodré e Laudo Natel, assim como da alienação de bens da herança jacente e
das antigas Escolas, motivo pelo qual rogo ao leitor interessado que consulte o
II volume de minhas já citadas Memórias. Nele se poderá ver que também não
me faltou cuidado pelos valores estéticos dos quais uma Universidade não
pode prescindir.
Foi a compreensão estética que me levou a acolher a proposta de construção
da Torre universitária com 50 m de altura, projetada e aprovada pelo Conse-
lho Universitário há mais de 20 anos, com recebimento, na época, de donati-
vos feitos pela colônia portuguesa, conforme projeto do grande e pranteado
arquiteto Rino Levi, com baixos-relevos de autoria de Elizabeth Nobiling, a
qual, não obstante sua avançada idade, fez questão de retomar seu trabalho
quando lhe foi dada a grata notícia da ereção da Torre. Duas imensas paredes
de concreto pré-moldado, representadas, numa delas, as ciências humanas, e,
na outra, as ciências naturais, ambas culminando num imenso relógio destina-
do a assimilar a unidade progressiva do tempo. Em torno da Torre mandei que
se escrevesse: “No universo da cultura o centro está em toda parte.”
Talvez seja esse o lema que deve guiar para sempre o destino da Universida-
de de São Paulo.
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Os professores franceses
e a redescoberta do Brasil
M ar i eta d e M o r ae s F e r r e ir a
1
Ver LEFÈVRE, J.P., 1993, p. 25.
2
Carta de M. Du Chaffault , encarregado de negócios da República Francesa no Brasil ao M. Paul
Boncour, Ministro dos Negócios Estrangeiros em Paris, 31-12-1933. Nantes, MAE, SOFE, caixa
439.
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Os professores franceses e a redescoberta do Brasil
3
Remarques Générales sur la Faculté de Philosophie, Sciences et Lettres de São Paulo. Nantes,
MAE, SOFE, caixa 439.
4
Carta datada de 22 de fevereiro de 1934 e nota enviada por M. Pingaud, cônsul da França em São
Paulo, datada 22/02/34. Nantes, MAE, SOFE, caixa 439.
229
M a rieta de Mo raes Ferrei ra
de São Paulo”.5 Toda essa documentação mostra claramente que, se havia in-
teresse da parte dos brasileiros em contar com a colaboração francesa para
montar as novas universidades, também era visível o desejo francês de garantir
sua influência num momento crucial de mudanças educacionais no Brasil.
Com a fundação da Universidade de São Paulo (USP) em 1934, da Uni-
versidade do Distrito Federal (UDF) em 1935, e da Faculdade Nacional de
Filosofia (FNFi) da Universidade do Brasil em 1939, organizaram-se afinal as
missões universitárias francesas compostas não mais de conferencistas eventu-
ais, mas de professores que iriam se transferir para o Brasil e tornar-se respon-
sáveis por cursos completos. Tentaremos ver como essas missões se formaram
concretamente, definindo de maneira mais precisa, de acordo com nosso inte-
resse, o perfil dos professores de História e Geografia que as integravam. As
articulações para a vinda dessas missões constam da documentação diplomáti-
ca francesa a partir de 1934.
Assim, em fevereiro de 1934, temos notícia de uma carta de Júlio de Mes-
quita, dono do jornal O Estado de S. Paulo, a Georges Dumas, recomendando o
professor da Escola Politécnica, Theodoro Ramos, que estava viajando para a
França com o objetivo de escolher professores para a Faculdade de Filosofia
Ciências e Letras da USP, criada no final do mês anterior pelo interventor pau-
lista Armando Sales: “Nous savons, donc, tout ce que vous avez fait pendant plus de vingt
ans pour la propagande au Brésil et surtout à São Paulo des idées universitaires, aujourd’hui
victorieuses et en pleine réalisation. C’est pourquoi, il (Theodoro Ramos) s’adresse en ce moment
à vous, certain que de votre collaboration dépendra le succès de sa délicate mission.”6
O desdobramento dessas negociações está presente na correspondência en-
viada a M. Chartely, reitor da Académie de Paris e presidente do Conseil de
l’Université à la Sorbonne, pelo Service d’Œuvres Françaises à l’Étranger
(SOFE), com cópia para Georges Dumas. A carta, datada de 1.º de maio de
1934, anunciava a chegada à França de Theodoro Ramos, com a missão de en-
5
Carta datada de 13 de abril de 1934. Nantes, MAE, SOFE, caixa 439.
6
Nantes, MAE, SOFE , caixa 439.
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Os professores franceses e a redescoberta do Brasil
7
Carta de M. de Negócios Estrangeiros, S. Coulandre, à M. Chartely – abril de 1935. Nantes, MAE,
SOFE, caixa 439.
231
M a rieta de Mo raes Ferrei ra
8
Movimento católico voltado para a juventude e que tinha como propósito promover o intercâmbio
educacional entre os jovens intelectualizados e os de extração popular.
9
Entrevista de Françoise Crouzet à Marieta de Moraes Ferreira, março de 1997, em Paris.
232
Os professores franceses e a redescoberta do Brasil
10
Dossiê de Henri Hauser. A.N.F.
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11
Ver, a esse respeito, correspondência Lucien Febvre – Marc Bloch, pp.14, 158, 185, 152, 256, 252.
12
Ver Annales d’Histoire Economique e Sociale – 1935, VII, p. 380.
13
Ver “Notes et réflexions sur le travail historique au Brésil”. Revue Historique, 1937, pp. 85-95.
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Os professores franceses e a redescoberta do Brasil
Em 1937 e 1938, publicou vários artigos sobre o Brasil nos Annales. O primeiro
deles versava sobre a figura de Mauá e intitulava-se “Un problème d’influences:
le Saint-Simonisme au Brésil” (Annales, 1937, v. 9).
Sua atuação no Curso de História na UDF consistiu não só em organizar a
cadeira de História Moderna, mas também em apresentar propostas para a
montagem do curso como um todo, em geral valorizando as cadeiras de conteú-
do histórico em detrimento das disciplinas de formação pedagógica. A cadeira
de História Moderna sofreu então uma duplicação de carga horária, passando de
três para seis horas semanais. A influência marcante de Hauser na estruturação
curricular e na difusão de uma nova concepção de História Econômica e Social
estava conectada com os movimentos de renovação da disciplina na França.
Outro importante professor de História que participou das missões francesas
e trabalhou no Rio de Janeiro foi o professor de História Antiga da UDF Eugè-
ne Albertini. Ainda que de uma geração mais jovem que Hauser (nasceu em
1888, mas faleceu antes, em 1941), que usufruiu de menos facilidades para in-
gressar no mercado de trabalho dos historiadores, Albertini rapidamente se co-
locou bem em termos profissionais. Formado pela École Normale Supérieure
em 1900, agrégé des lettres em 1903, após um concurso brilhante, passou três anos
na École de Rome. A seguir, após um curto retorno ao ensino secundário, tor-
nou-se, entre 1909 e 1912, membro da École des Hautes Études Hispaniques.
Depois da guerra, foi professor de Língua e Literatura Clássica na Universidade
de Fribourg (1919) e de História Antiga na Faculdade de Letras de Argel
(1920) até ingressar, em 1932, no Collège de France, em Paris.
Uma biografia de Albertini, por mais curta que seja, mostra a multiplicidade
de sua competência. Reconhecido latinista, também se destacou como arqueó-
logo e epigrafista. Sua obra concentrou-se no estudo do Império Romano, em
especial da África romana. Publicou um grande número de livros e artigos e in-
tegrou o conselho de redação da Revue Historique. Foi ainda colaborador dos
Annales.14 Em pleno apogeu de sua carreira acadêmica na França, veio para o
14
Ver Revue Historique, 1941, p. 373.
235
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16
Ver a esse respeito Lucien Febvre, Annales, 1941, p. 85.
17
Ver Diário de Pierre Deffontaines.
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18
Entrevistas de Jacques Revel e Jean Beranger concedidas a Marieta de Moraes Ferreira. Paris,
março de 1997. Ver também Universalia Encyclopaedia (1975).
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19
Annales, 1947, n.º 12, p. 226.
239
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Os professores franceses e a redescoberta do Brasil
Assim como os que vieram para o Rio, os professores que foram para a
USP pertenciam a gerações diferentes, ligavam-se a tradições historiográficas
distintas e integravam-se a redes de relações diversas. Émile Coornaert nasceu
em 1886 e tinha 16 anos a mais que Fernand Braudel. Em função dessa dife-
rença, vieram para o Brasil em estágios diferentes de suas carreiras. Coornaert
já tinha concluído seu doutorado e era directeur de recherche da École Pratique des
Hautes Études, cargo obtido numa disputa em que derrotou nada menos que
Marc Bloch. Tinha laços estreitos na Sorbonne, contatos importantes na Revue
d’Histoire Moderne et Contemporaine e na Revue d’Histoire Moderne, onde publicou re-
senhas e artigos sobre autores e temas brasileiros. Sua obra, no entanto, foi ob-
jeto de comentários críticos de Bloch e Febvre.
Já Braudel ainda estava em início de carreira. Era um brilhante professor
do ensino secundário, que, após um estágio na Argélia e antes de vir para o
Brasil, lecionara no Liceu Henri IV, em Paris. Ainda que não mantivesse,
nessa ocasião, contatos mais estreitos com Bloch e Febvre e não tivesse pu-
blicado nada nos Annales e muito pouco em outros periódicos, mantinha re-
lações próximas com Hauser e tinha espaço para publicar na Revue de Synthèse,
de Henri Berr.20
Se avançarmos nessa comparação e tomarmos as trajetórias dos geógrafos
Pierre Deffontaines e Pierre Monbeig, mais uma vez constataremos a diversi-
dade de formação. Além de terem 14 anos de diferença de idade – Deffontai-
nes nasceu em 1894 e Monbeig em 1908 –, suas trajetórias eram completa-
mente diferentes. Enquanto Deffontaines era vinculado a grupos católicos na
França e no Brasil, Monbeig foi indicado pelo anticlerical Hauser e, na França,
sua rede de relações passava por Demongeon e Lucien Febvre.21
Um outro aspecto que merece ser apontado são as diferenças de atuação en-
tre os professores de Geografia e os de História. Os historiadores que para
aqui vieram trouxeram bibliografia atualizada, métodos e técnicas de pesquisa,
20
Ver resenha de F. Brandel sobre o livro de H. Hauser publicado na Revue de Synthèse, 1935.
21
Ver carta de P. Monbeig a L. Febvre 1939, Arquivo IMEC – Fundo Henri Berr.
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Referências bibliográficas
CAPELLATO, Maria Helena, et COELHO, Maria Lygia Prado. À l’origine de
la colaboration franco-brésilienne: une mission française à la Faculté de Philosophie de São
Paulo. Préfaces, 1989.
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