A Casa Da Ciência Da UFRJ
A Casa Da Ciência Da UFRJ
A Casa Da Ciência Da UFRJ
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702021000300007
unidades, seus departamentos, programas e cursos, assim como nas instâncias dirigentes
e nos colegiados superiores que compõem a gestão da UFRJ. Há que estruturar e envolver
o conjunto de concepções e práticas cotidianas que assegure o entendimento de que as
dimensões contempladas por essa política universitária são inseparáveis do processo de
formação dos estudantes, e que ela só se materializa pela ação conjunta e continuada de
professores, estudantes e técnicos administrativos em seu dia a dia nos centros, unidades,
departamentos, programas, laboratórios, cursos ou grupos culturais e artísticos.
As ações, os programas e projetos que integram essa política não constituem tarefas do
FCC, e sim do conjunto da universidade. Cabe ao FCC, em estreita colaboração com as pró-
reitorias, ser responsável pela coordenação e implementação. Mas a execução, propriamente
dita, cabe às unidades em suas diversas instâncias.
O grupo de trabalho para a estruturação do Sistema Integrado de Museus, Acervos e
Patrimônio (Simap) foi criado em 2013 (em 28 de março de 2014 foi instituído pela portaria
n.3.064), para atuar na preservação, na conservação e no desenvolvimento de acervos,
arquivos, centros de memória, museus e espaços de ciência e patrimônio edificado.
Dentro das perspectivas desse sistema destaca-se a necessidade de divulgação dos museus,
espaços de ciência e patrimônio histórico, considerando-se que o conhecimento e a fruição
pública desses equipamentos e acervos representam novas possibilidades de reflexões, de
conhecimentos e encantamentos à disposição da sociedade e, consequentemente, uma
ferramenta de preservação e valorização social. Além disso, faz-se necessário implementar
ações capazes de auxiliar a gestão, proteção, conservação e divulgação dos museus, centros
de ciência, acervos e patrimônio da UFRJ, bem como apoiar e propor ações conjuntas e/ou
individuais dos membros do sistema, sempre considerando suas especificidades.
Sob a liderança do Simap estão em curso levantamento, qualificação, sistematização e
registro de acervos, arquivos, centros de memória, museus, espaços de ciência e patrimônio
edificado. O objetivo é obter uma ideia mais exata da dimensão, composição, situação de
conservação e de acessibilidade do patrimônio, bem como o valor histórico, documental,
científico, cultural, pedagógico de cada elemento, objeto, obra e edificação. Essa catalogação,
feita sobretudo com a participação de estudantes bolsistas, iniciou-se em 2014, no âmbito
do Programa de Difusão Científica e Cultural (Prodicc), e ainda não foi finalizada por falta
de recursos e a consequente interrupção do programa de bolsas.
Dentre as ações propostas pelo Simap, podemos destacar a participação na 23ª
Conferência Internacional do Conselho Internacional de Museus, realizada de 10 a 17 de
agosto de 2013 na Cidade das Artes, no Rio de Janeiro. A UFRJ exibiu seu conjunto de museus
e espaços de ciência dedicados à pesquisa, ao ensino e à divulgação científica e cultural.
Tal conjunto, diverso e plural, é o resultado do esforço coletivo de manter e promover o
conhecimento da memória e do patrimônio da universidade, bem como difundir ciência.
Como resultado do mapeamento, o Simap já reúne as seguintes instituições: Casa
da Ciência – Centro Cultural de Ciência e Tecnologia da UFRJ, Museu Nacional, Espaço
Coppe Miguel de Simoni, Espaço Memorial Carlos Chagas Filho, Museu da Geodiversidade,
Museu Dom João VI, Observatório do Valongo, Laboratório Didático do Instituto de Física,
Museu da Escola Politécnica, Museu de Química Professor Athos da Silveira Ramos, Museu
Itinerante de Neurociências, Museu Delgado de Carvalho, Museu da Computação, Museu
da Escola Anna Nery, Espaço Arte, Memória & Sociedade Jesse Jane Vieira de Souza e Museu
de Anatomia. A multiplicidade desses espaços faz da UFRJ uma instituição singular no
campo da divulgação e popularização da ciência.
Há, também, um vasto patrimônio edificado tombado: Paço de São Cristóvão (Museu
Nacional), Faculdade Nacional de Direito, Hospital Escola São Francisco de Assis, Palácio
Universitário, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Fundação Universitária José Bonifácio,
Centro de Arte Hélio Oiticica, Escola Nacional de Música, Observatório do Valongo, Praça da
República, Escola de Enfermagem Anna Nery, Colégio Brasileiro de Altos Estudos, Instituto
de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo –
Reitoria.
Entre os desafios para consolidar a política de museus, acervos e patrimônio da
UFRJ estão a implantação de um sistema de segurança eficiente contra sinistros, a
realização do tratamento adequado aos acervos (levantamento, preservação, digitalização
e disponibilização), a busca de financiamento para recuperação e manutenção dos
prédios históricos, a implantação de um programa de acessibilidade em museus, além da
musealização dos prédios históricos. São metas e desafios de curto, médio e longo prazos
que, embora tenham sido iniciados, estão interrompidos por falta de recursos.
Bahia (1979); o Centro de Divulgação Científica e Cultural, da cidade de São Carlos (1980);
o Espaço Ciência Viva, no Rio de Janeiro (1982); o Museu de Astronomia e Ciências Afins
(Mast), também no Rio de Janeiro (1985); a Estação Ciência, em São Paulo (1987); o Museu
de Ciências e Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1993);
o Espaço Ciência, na Paraíba(1995), e a Casa da Ciência da UFRJ (1995).
Infelizmente, esse período de implantação foi seguido de outro, que culminou com a
interrupção de algumas dessas iniciativas, entre elas o Museu de Ciência e Tecnologia da
Bahia. Segundo Souza (2008), este alternou fases de abertura e fechamento, e somente
em 2006 foi reaberto definitivamente ao público, recebendo visitantes regularmente,
participando de eventos de divulgação científica e organizando exposições. Já a Estação
Ciência foi fechada para visitação em 15 de março de 2013 e teve seus equipamentos
distribuídos pelas unidades da Universidade de São Paulo. O prédio não pertencia à
universidade, e sim ao governo do estado de São Paulo, e teve que ser devolvido. Entretanto,
o órgão Estação Ciência ainda existe e faz parte de um grupo de trabalho para elaborar novo
projeto, junto a outros órgãos de difusão científica da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão
Universitária/PRCEU.
No que diz respeito às primeiras iniciativas governamentais para a popularização da
ciência, a criação do Mast e da Estação Ciência fez parte das novas orientações do CNPq,
iniciadas na década de 1980. Nessa mesma época (1984 a 1996), o Subprograma de Educação
para Ciência do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (SPEC/
PADCT), promovido pela Capes, fortaleceu a área por meio de uma política de incentivo
e financiamento que viabilizou o apoio a inúmeros projetos espalhados pelo país da
comunidade de educadores em ciências. Tal incentivo possibilitou a formação de mestres e
doutores e a criação de programas de pós-graduação ou de linhas de pesquisa de educação
em ciências, além das várias iniciativas para a melhoria da qualidade do ensino de ciências,
como projetos de formação continuada de professores, de elaboração de materiais didáticos
etc.
Em 1985, foi criado o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), transformado em 2014
em Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), e, em 2016, como resultado de uma
profunda crise política instaurada pelo impeachment da presidenta eleita Dilma Rousseff, o
ministério foi fundido com o das Comunicações. Diante de instabilidade política do país,
nos últimos anos, há uma queda brutal nos investimentos em ciência e tecnologia, agravada
pela aprovação da proposta de emenda constitucional n.55/2016, que limitou drasticamente
os gastos públicos por duas décadas, colocando em jogo um dos principais instrumentos
de justiça social do país, que são os gastos com educação e saúde. O orçamento, congelado,
será o mais baixo dos últimos dez anos. Em consoante, há um desmonte dos institutos de
pesquisa e financiamento em ciência e tecnologia; o CNPq, a Capes e fundações de amparo
à pesquisa estão com cada vez menos recursos.
As instituições de pesquisa sofrem com a falta de investimento, assim como os museus
de ciências e instituições afins.
As origens
Em torno de 1926, o Pavilhão Alaor Prata (PAP) foi construído com o objetivo de ser
uma enfermaria auxiliar ao Hospício Pedro II – Hospital Nacional dos Alienados, para
tratar pacientes tuberculosos. Esse hospital foi o primeiro manicômio do Brasil, construído
ainda no período imperial sob o decreto n.82, de 18 de julho de 1841, pelo imperador
Pedro II. O edifício foi inaugurado em 5 de dezembro de 1852, em uma extensa área da
chácara do Vigário-Geral, próxima à praia da Saudade, e tinha como objetivo abrigar a
mais nova unidade hospitalar da Santa Casa de Misericórdia, voltada especificamente
para o atendimento aos loucos da cidade. A sua equipe de médicos foi fundamental para a
elaboração de um escopo especializado sobre a loucura, na divulgação de conceitos sobre
as diferenças entre saúde e desordem mental e ainda na elaboração de leis sobre o tema.
O manicômio da Praia Vermelha foi desativado em 1944. Ao final desse ano, todos os
pacientes já haviam sido transferidos para colônias de alienados, no Engenho de Dentro
ou em Jacarepaguá. A desativação do Hospital Nacional dos Alienados gerou, no âmbito do
Ministério da Educação e Saúde, ampla discussão sobre qual rumo dar para ao ex-hospital.
Destituído da função de assistência hospitalar e isolamento de mulheres diagnosticadas
como loucas e tuberculosas, o pavilhão encerrou essa primeira etapa. Assim, Caetano
(1993) esclarece que, para o novo uso do espaço, foram tomadas as primeiras providências
para abrigar o Externato do Colégio Pedro II. Após a realização de diferentes projetos de
reestruturação, novas conjecturas políticas levaram ao aproveitamento desses estudos de
remodelação do ex-hospício para o Externato do Colégio Pedro II, feitos pela seção técnica
do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, para a instalação da Universidade
do Brasil (Oliveira, 2011).
A institucionalização
A Casa da Ciência da UFRJ é um centro cultural de divulgação científica que busca, na
experimentação, despertar a curiosidade por meio das relações entre ciência, arte e cultura.
Utiliza diferentes linguagens, de forma lúdica e interativa, para refletir sobre os conceitos
da ciência, proporcionando a popularização de tais concepções. Muita criatividade orienta
as ações inovadoras da Casa, determinando sua identidade como um museu de ciência
dentro da perspectiva contemporânea.
Entendemos centro cultural como “espaços que se propõem a produzir e difundir
diferentes formas de expressão artística, tais como artes visuais, artes performativas, música,
dança e cinema” (Centros Culturais, 2018). Assim, a criação de um espaço cultural para a
realização de eventos que associem ciência, tecnologia e arte estimula o pensar crítico diante
O Brasil faz parte do Conselho Internacional de Museus desde sua criação, participando
da construção de definições e metas específicas a serem alcançadas. A partir da definição
básica de museu como instituição permanente, que adquire, conserva, pesquisa,
transmite e expõe testemunhos materiais do homem e do seu meio ambiente, diversos
adendos foram realizados, ampliando a diversidade do que se compreendia por museu,
assim como seus vínculos e responsabilidades em relação à sociedade. Atualmente
podem ser consideradas instituições museais não só monumentos, jardins botânicos e
zoológicos, aquários, galerias, centros científicos, planetários, reservas naturais, como
também centros culturais, práticas culturais capazes de preservar legados intangíveis
e atividades criativas do mundo digital (Ibram, 2010, p.133).
O funcionamento
A Casa da Ciência oferece, em média, duas novas exposições por ano, com cerca de
cinco mil visitantes mensais. Os temas e conteúdos são estudados para que a abordagem
seja feita com o intuito de envolver e emocionar o público, além de estimular uma atitude
crítica e questionadora diante do conhecimento científico proposto.
Além das exposições e suas atividades complementares, a programação conta, ainda,
com uma produção editorial que abrange diversas publicações, como a Série Terra Incógnita,
as revistas do ciclo de debates Ciência para Poetas e o material didático direcionado aos
professores a fim de estimular o desenvolvimento dos temas das exposições em sala de aula.
Para fazer a interface da exposição com o público, realizamos o Programa de Mediadores,
voltado para estudantes de graduação da UFRJ, de diferentes áreas de conhecimento. Na busca
por essas formas de expressão para a divulgação científica encontramos, no teatro, estímulo à
imaginação e a reflexão para o campo da popularização da ciência, daí nasceu o projeto Palco
da Ciência. Outra forma de expressão é discutida no projeto Ciência por Aí, cuja intenção
é refletir formas de comunicação ligadas à divulgação científica, a partir de produções em
vídeo com a metodologia participativa (Minayo, 2010) das TVs comunitárias. Tal metodologia
permite a atuação dos integrantes no processo educativo sem os considerar meros receptores
do conhecimento. Nesse enfoque, valorizam-se as experiências dos participantes, envolvendo-
os na busca de soluções para problemas que afloram durante a dinâmica.
Há também uma série de ações fora do espaço físico da casa, que chamamos de atividades
extramuros; entre elas podemos citar a pesquisa e desenvolvimento de enredos para o GRES
Unidos da Tijuca, em 2004 e 2005;1 a coordenação dos Eventos Integrados na cidade do Rio
de Janeiro durante a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, de 2004 a 2007; e também
a coordenação do evento em cerca de cinquenta municípios do estado, de 2009 a 2014;
atuou também na articulação do projeto de turismo científico Caminhos de Darwin, em
12 municípios do Rio de Janeiro.
O projeto Ciência para Poetas nas Escolas é também uma atividade extramuros e teve
como inspiração a série Ciência para Poetas, já realizada nas instalações da Casa desde 1999.
O objetivo é promover um diálogo entre o conhecimento produzido na universidade e a
realidade vivenciada pelas escolas de ensino médio do Rio de Janeiro. Geologia, química,
matemática, biologia, astronomia e educação física foram algumas áreas exploradas pelo
Ciência para Poetas nas Escolas. O veículo utilizado nesse projeto foi obtido com recursos
do Edital Ciência Móvel – MCT/ABC/2004.
A itinerância de exposições é uma prática na Casa da Ciência, hoje muito impulsionada
pela Associação Brasileira de Centros e Museus de Ciência (ABCMC). A troca de exposições
tem papel relevante nos museus e centros de ciência, por isso é importante conceber
projetos com características que facilitem e permitam a itinerância. As parcerias com
instituições públicas e privadas junto à sociedade fortalecem laços e trocas de experiências
que viabilizam a realização de projetos de maneira a consolidar cada vez mais o encontro
entre ciência, arte e cultura.
No que diz respeito aos prêmios, a Casa recebeu menção honrosa no Prêmio Mercocidades
de Ciência e Tecnologia (1998); o Rio Faz Design, em sua primeira edição, na categoria
Centro de memória
No segundo semestre de 2014, o comitê técnico do Plano Diretor da UFRJ lançou uma
proposta de criação de um complexo de arte, ciência e cultura no campus da Praia Vermelha.
O plano arquitetônico previa a demolição de várias edificações, incluindo o complexo que
abriga a Casa da Ciência (administração, salão de exposições, auditório e mezanino), para
construir um edifício com amplos salões de exposições. Nesse momento, a Casa teve que
buscar vestígios de uma ancestralidade que justificasse, historicamente, a legitimidade
institucional de sua permanência. Para tanto, em caráter emergencial, a historiadora Monica
Cristina de Moraes foi imbuída de encontrar informações que esclarecessem a condição
histórica do salão de exposições e, assim, chegou-se às origens da edificação conforme
descrito na seção “As origens” deste artigo.
Conforme afirma Moraes (2015), essa circunstância auxiliou o desarquivamento do
Projeto Memória, “colocando-o em outra perspectiva, de valorização do passado como
requisito de permanência”. Nesse momento, a questão documental adquiriu um novo status
para a instituição, uma vez que poderia configurar a perspectiva histórica garantidora de
sua sobrevivência. Pensamos então, a partir de Ricoeur (2007), no documento como a
soma dos indícios e dos testemunhos cuja prova documental designa a porção de verdade
histórica acessível em alguma etapa da operação historiográfica.
Portanto, é armado de perguntas que o historiador se engaja numa investigação
dos arquivos para que rastro, documento e pergunta formem, assim, o tripé de base do
conhecimento histórico. Isso faz com que o arquivo não seja mais “o saldo mais ou menos
intencional de uma memória vivida, mas a secreção voluntária e organizada de uma
memória perdida” (Ricoeur, 2007, p.414). Desse modo, o recorte temporal da proposta se
ampliou, retrocedendo à construção da edificação, por volta de 1923, para que os gestores
do Plano Diretor constatassem seus valores históricos, evitando assim sua demolição. Toda
documentação encontrada relativa à construção do PAP foi encaminhada à coordenação
do FCC à época e, posteriormente, ao comitê técnico do Plano Diretor, que, finalmente,
reconheceu a necessidade e legitimidade de preservação da edificação.
Foi diante desse quadro que a Casa iniciou os trabalhos para institucionalização de seu
Centro de Memória, que terá como lema: “Memórias de um futuro desejado”. Esse conceito
tem a ideia de que tudo o que se coloca como memória pressupõe vida compartilhada por
seres num determinado presente. Nessa perspectiva, para que haja “lugares de memória”
é preciso uma “vontade de memória”. Se um museu reduz sua construção identitária à
mera exibição de coleções (peças ou artefatos), podemos crer que não estamos num lugar
de memórias, estamos num lugar de história, adotando-se aqui a perspectiva analítica de
Nora (1993). Pensamos, então, que a Casa da Ciência, mais do que ser um lugar de história,
deve ser um lugar de memória. O olhar, portanto, não está na materialidade de um acervo,
e sim no uso e no significado que são atribuídos a ele. A Casa como lugar de memória da
divulgação da ciência, de uma determinada concepção de divulgação científica, é um
lugar de memória viva, que se faz cotidianamente, a cada experiência, a cada exposição,
a cada atividade.
Os centros de memória, além de fortalecer a identidade institucional, também possuem
um caráter retrospectivo e prospectivo, estabelecendo vínculos entre o passado, o presente
e o futuro. O acervo híbrido característico dessa instituição possui um caráter intrínseco
ao seu fazer porque registra as atividades-meio e atividades-fim, mas também possui um
caráter exógeno, porque discute as relações e concatenações na formulação de políticas
voltadas para o fortalecimento da divulgação científica brasileira.
O ponto de partida para criação dos centros de memória é a necessidade de cuidar dos
documentos, e, por entender a natureza híbrida do acervo, propomos a criação de um centro
de memória que seja um misto de arquivo e biblioteca. A ideia é que a heterogeneidade
desse acervo seja associada ao capital intelectual da instituição, e, por isso, trataremos de
assuntos relacionados à divulgação científica.
Assim, o arquivo institucional é concebido como uma “cápsula do tempo” (Assman,
2011, p.375), em que se armazenam documentos, fotografias, relatórios etc.; não é algo
passivo, porque entendemos que não se arquiva sem classificar, sem produzir sentido, sem
sugerir uma visão total ou parcial do que se quer guardar, mas, sobretudo, sem ordenar
simbolicamente o real. Isso impõe uma escolha e cria lacunas de informação, uma vez que
se seleciona o que vai ser ou não arquivado.
Grande parte da documentação arquivada foi produzida durante a rotina institucional,
sem a preocupação de preservação memorialística e que atendesse ao interesse de um
historiador em criar uma identidade institucional. Como nos lembra Pierre Nora (1993),
se, por um lado, buscamos estabelecer um lugar de memória, reivindicando um espaço
de preservação, por outro, entendemos que o olhar da história nos direciona para a
dessacralização do passado e a sua representação no presente.
Entendemos os documentos textuais (relatórios, clippings, projetos) e os registros
iconográficos (fôlderes, fotografias, vídeos) como materialidades de um discurso
institucional que devem ser analisadas para além do que significam, mas como significam,
pois devem ser abordadas como “práticas socialmente inseridas em contextos específicos”
(Oliveira, 2011, p.20). Assim, sabemos que o que fica não é a totalidade daquilo que
existiu no passado, mas escolhas do mundo e das relações sociais. Tais relações resultam
em disputas de percepções de mundo, em que prevalecem, na maioria das vezes, as visões
daqueles que detêm o poder em determinado momento histórico (Le Goff, 2013). Além
dessa impossibilidade de totalidade, há também o que Rousso (1996) aponta como sendo o
abismo entre o autor que produz o registro e o historiador ou pesquisador que, a posteriori
e em outras circunstâncias, se debruça sobre tal registro, alçado, nessa perspectiva, ao
estatuto de “fonte documental”.
O direito à memória é um direito à cidadania, e por isso precisamos criar mecanismos
internos e externos às instituições que reforcem junto às instâncias superiores, aos
governantes, às agências de fomento e aos empresários a importância de salvaguarda
da memória das instituições, bem como a necessidade de viabilizar recursos materiais
importantes à recuperação, preservação e disseminação de informações sobre os acervos
memorialísticos à toda a sociedade (Oliveira, Queiroz, 2009). O Estado brasileiro também
tem sido omisso nas políticas de preservação de patrimônio, e, por isso, há uma tendência
nas instituições de multiplicação dos arquivos, entendendo “a história como uma narrativa
construída, e não mais como a descoberta e reconstituição de um passado efetivamente
existente, isto é, ‘daquilo que de fato aconteceu’” (Stronzenberg citado em Barreto, 2009).
É nesse sentido que se vinculam as atividades de pesquisa e documentação, pois acredita-
se na “vontade de memória” (Nora, 1993) e no fato de que a reunião dessa documentação,
resultante dos estudos realizados, permite sua permanente ressignificação. Portanto, “os
lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há memória espontânea,
que é preciso criar arquivos” (Nora, 1993, p.13). E como não podemos pensar diferente,
entendemos os museus como espaços de memória que servem à criatividade humana, por
meio de descobertas presentes e projeções para o futuro (Greco, 2009, p.136).
Nota
1
Em 2004, o enredo desenvolvido junto com o carnavalesco Paulo Barros foi “O sonho da criação e a criação
do sonho. A arte da ciência no tempo do impossível”, com esse enredo, o GRES Unidos da Tijuca ficou como
segunda colocada no Grupo Especial da Liga das Escolas de Samba (Rio de Janeiro). Em 2005, o enredo foi
“Entrou por um lado, saiu pelo outro. Quem quiser que invente outro!”. Também ficou em segundo lugar.
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