P-028 - Cilada Cósmica - K. H. Scheer - Projeto Futurâmica Espacial
P-028 - Cilada Cósmica - K. H. Scheer - Projeto Futurâmica Espacial
P-028 - Cilada Cósmica - K. H. Scheer - Projeto Futurâmica Espacial
1
Cilada Cósmica
K. H. Scheer
Tradução
Richard Paul Neto
Digitalização
Vitório
Revisão
Arlindo_San
Formatação
ÐØØM SCANS
2
A Terceira Potência, uma feliz aliança da
supertécnica arcônida com o espírito de inici-
ativa do homem, já conta com alguns anos
de existência, segundo a escala de tempo ter-
restre.
Muita coisa aconteceu nesses anos: a defe-
sa bem sucedida contra invasores vindos do
espaço, a decifração dos velhos mistérios do
planeta Vênus, a luta, no sistema Vega, com
os tópsidas, criaturas reptilóides, e a desco-
berta do mundo da imortalidade; isso para
mencionar apenas algumas das realizações
mais dramáticas registradas pela história ain-
da recente da Terceira Potência, criada e diri-
gida por Perry Rhodan.
Até mesmo o Supercrânio, um mutante
dotado de energias hipnóticas de potência
inacreditável, acabou sendo derrotado. Mas,
ao que tudo indicava, a luta com o Supercrâ-
nio não deixou de ser notada por outras cria-
turas. Só assim se explica o súbito surgimen-
to de espiões cósmicos...
E, para descobrir quem são esses espiões,
de onde vêm e o que pretendem, Perry Rho-
dan recorre à CILADA CÓSMICA.
3
Personagens Principais:
4
1
***
13
O homem alto desligou o telecomunicador.
Com uma expressão pensativa, Perry Rhodan,
presidente da Terceira Potência, olhou para a
tela que se apagava.
“Esse rapaz deve estar perto de um colapso
nervoso”, recriminou-o a voz do subconsciente.
“Você poderia ter-lhe dito isso em outra oportu-
nidade e de outra maneira.”
Rhodan levantou a cabeça. Reginald Bell,
companheiro fiel e consagrado em numerosas
ações, que desempenhava as funções de minis-
tro da segurança da Terceira Potência, fazia
uma figura insignificante naquela sala gigantes-
ca.
Tinha os lábios cerrados. Lançou um olhar
contrariado para o chefe, que continuava senta-
do. Bell era um dos homens que pareciam impi-
edosos sempre que um cadete se achasse pre-
sente. Mas, quando falava a respeito deles,
mostrava um coração de ouro.
Rhodan sorriu de forma quase imperceptí-
vel. Era evidente que mais uma vez conseguira
descobrir os pensamentos íntimos daquele ho-
mem de ombros largos.
— Tifflor não tem nervos — murmurou
Rhodan em tom pensativo. — Já tivemos opor-
tunidade de conhecê-lo nas ações empreendidas
14
contra o chamado Supercrânio. Tifflor agiu
com uma tática inteligente. Terei que lhe confi-
ar outra missão, uma missão muito dura.
Reginald Bell aspirou ruidosamente o ar.
Seu rosto largo se tornou ainda mais anguloso.
— OK. Estou de acordo, mas só se você lhe
der todas as informações.
A testa de Rhodan se franziu. Levantou-se
muito devagar atrás da enorme mesa, que mais
parecia um complicado painel de instrumentos
que uma escrivaninha. Quando se encontrava
ao lado de Bell, os olhares dos dois homens se
encontraram.
— Não devemos nos iludir — disse Rhodan
com certa ênfase. — O rapaz só poderá saber
de tudo quando sua missão estiver concluída.
— Você vai arrancá-lo em meio aos exames
finais.
— Terei muito prazer em assinar seu diplo-
ma, assim que a missão esteja concluída.
Os ombros de Bell desceram. Lançou um
olhar inexpressivo para as inúmeras telas que
existiam naquela sala, o centro nervoso da Ter-
ceira Potência.
Com voz hesitante disse:
— Acho que você não se sente nada feliz
com o desaparecimento de três unidades de
nossa frota espacial, não é?
15
Rhodan exibiu seu sorriso, que já se tornara
célebre e temível. Era tão meigo que não podia
ser convincente.
— Adivinhou! Alguém que nos é desconhe-
cido começou a se interessar por nós. Aquilo
que procurei evitar durante anos acabou acon-
tecendo: a descoberta da Terra e do sistema so-
lar por inteligências desconhecidas. Já está pro-
vado que não se trata dos Deformadores Indivi-
duais.
Bell se lembrou daqueles seres estranhos,
com os quais tiveram que se defrontar pouco
depois da instalação da Terceira Potência. Des-
ta vez as coisas pareciam mais sérias.
A grande nave auxiliar K-l, da classe Good
Hope, estava desaparecida, além de dois des-
tróieres espaciais. Para Rhodan tais fatos basta-
vam para desencadear uma atividade imediata.
Seres desconhecidos surgiram de um instan-
te para outro e logo desapareceram. Não havia
a menor dúvida de que estavam informados so-
bre a existência do planeta Terra e, portanto,
da Humanidade.
O serviço de escuta de rádio de Rhodan cap-
tara misteriosos impulsos ligeiros transmitidos à
velocidade superior à da luz. A decifração não
produzira qualquer resultado. Tratava-se de gru-
pos simbólicos codificados, aparentemente for-
16
mados de maneira inteiramente arbitrária para
designar vários conceitos.
Portanto, Rhodan não tinha a menor dúvida
de que havia agentes de um poder estranho na
Terra. Nem mesmo através da atuação dos ex-
traordinários mutantes, que compunham um
destacamento especial do exército, fora capaz
de localizar por via telepática qualquer desses
agentes. Até parecia bruxaria. Tinha-se a im-
pressão de que sombras provindas do nada se
haviam espalhado sobre a Terra; sombras que
não se podiam ver nem tocar, apenas imaginar.
Rhodan se dirigiu ao videofone mais próxi-
mo. Fez a ligação. O rosto do Dr. Haggard apa-
receu na tela. Haggard era ministro da saúde da
Terceira Potência e chefe da Clínica Arcônida,
que adquirira fama mundial, e funcionava se-
gundo os padrões arcônidas.
— Nosso homem chegará dentro de duas
horas — disse Rhodan em tom lacônico. — O
Dr. Kärner já viajou?
— Saiu há cerca de três horas. Eu irei den-
tro de dez minutos. Acho que conseguiremos.
Rhodan não disse mais nada. Fez um gesto
para o receptor ótico e desligou.
— Então você vai arriscar? — disse Bell, es-
ticando as palavras. — Acho que terá um osso
duro de roer. Devíamos lhe perguntar se está
17
de acordo.
— Se houver qualquer vestígio do aconteci-
mento armazenado em sua memória, correrá
um perigo maior do que aquele que enfrentará
se for mantido na ignorância. Faremos uma pe-
quena brincadeira cósmica, meu caro.
Bell enfiou o boné protetor sobre a cabeça.
Pisando fortemente, caminhou em direção à es-
cotilha blindada da sala de trabalho e comando.
— Ninguém mais quer saber da opinião da
gente — resmungou. — OK, então faça seu jo-
guinho. Para mim isso não passa de uma idéia
maluca. O ataque ainda é a melhor defesa.
— Onde poderíamos atacar, e a quem pode-
ríamos atacar? — perguntou Rhodan com a voz
controlada.
Bell cerrou os lábios e desapareceu, soltando
uma praga.
O problema era justamente este. O que po-
dia ser atacado, se não se tinha nada de palpá-
vel à frente?
Registrava-se o dia 28 de junho quando
Perry Rhodan, depois de avaliar cuidadosamen-
te os dados disponíveis, acionou um esquema
de cujos efeitos ninguém estava informado, a
não ser o próprio Rhodan.
Era um esquema grande e potente. Apesar
disso poderia se quebrar com a mesma rapidez
18
com que fora elaborado por Rhodan.
28 de junho. Era o grande dia em que o pre-
sidente da Terceira Potência interveio com mão
de ferro no espaço cósmico. Seria registrado
como um dos momentos mais importantes da
história da Humanidade. Mas naquela época
ninguém imaginaria que aquele era um marco
histórico. O homem ainda era um ser fraco e
pequenino, inferior a vários seres do universo
no terreno científico e tecnológico. Mas tinha
uma qualidade que pouquíssimas inteligências
poderiam apresentar: uma iniciativa imensa, a
intrepidez, a coragem e uma tremenda curiosi-
dade.
Rhodan contava com isso, e não estava erra-
do.
***
40
Para Julian Tifflor a cerimônia de casamento
foi um verdadeiro martírio. As intenções do
pastor Shielmann, um velho amigo da família,
foram boas demais. O sermão foi muito longo.
Finalmente, quando a cerimônia chegou ao
fim, Julian saiu da igreja quase correndo. No
pequeno jardim fronteiro procurou com as
mãos trêmulas a arma que ali havia escondido.
Sua consciência e suas boas maneiras não
puderam se conformar em entrar na casa de
Deus com um instrumento de destruição.
Encontrou a arma de impulsos, juntamente
com o cinto, atrás da densa cerca de rosas. Sus-
pirando aliviado, colocou-o segundo as prescri-
ções, botou a mão sobre o peito para se certifi-
car de que a cápsula metálica continuava no
mesmo lugar e se apressou para não chegar
atrasado às congratulações.
James Frederik Tifflor, um homem bem
apresentável, de pouco mais de cinqüenta anos,
lançou um olhar arrasador sobre o filho. A irmã
de Tiff, que acabara de se transformar em mu-
lher casada, soltou um grito de pavor, e os
olhos de algumas damas de meia-idade torna-
ram-se vidrados.
Ninguém poderia negar que uma arma ar-
cônida de impulsos não só tinha um efeito de-
vastador, mas também parecia representar um
41
perigo comum, ainda mais que a mesma só po-
dia ser carregada num coldre aberto.
— Você não podia ter deixado de fazer uma
coisa dessas, meu filho? — perguntou James
Tifflor em tom gelado.
Pela primeira vez, Julian se deu conta de
como era difícil estabelecer a devida distinção
entre as leis da cortesia e os preceitos emana-
dos de uma ordem lacônica.
— Não poderia, papai — disse em tom gu-
tural e ficou em posição de sentido.
Durante a pomposa viagem de regresso, a
situação piorou ainda mais, pois Tiff foi obriga-
do a ir no carro de uma velha tia.
Palavras duras foram proferidas sobre a Ter-
ceira Potência e sobre Perry Rhodan, tão céle-
bre e tão difamado.
A grande casa de campo da família de Tif-
flor ficava a leste da cidade, em Long Island. Ja-
mes F. Tifflor era um homem que podia se per-
mitir esse luxo.
Quatro horas depois da cerimônia de casa-
mento e pouco antes do escurecer, Tiff ainda
estava sentado em seu quarto. Ninguém conse-
guira convencê-lo a largar a perigosa arma.
— Para mim seria preferível que você resol-
vesse trabalhar em meu escritório — disse Tif-
flor-pai laconicamente. — Não dou muito valor
42
à chamada conquista das estrelas. Pode-se sa-
ber o que significa essa palhaçada?
Mais uma vez Julian não soube dar resposta.
Pouco depois do pôr do sol se sentiu rejeitado
pela família. Defendera-se com algumas pala-
vras ásperas das aproximações interesseiras das
moças e das perguntas idiotas dos rapazes de
sua idade. Tiff não pertencia à classe dos cade-
tes da Academia Espacial que gostavam de
apresentar seu saber numa bandeja. Dessa for-
ma, houve uma verdadeira ruptura social.
Amargurado, Julian saiu para a pequenina
sacada de seu quarto. As primeiras estrelas ha-
viam surgido no céu noturno. Pareciam chamar
e seduzir. Exprimiam um profundo mistério e
um poder desconcertante.
Ali permaneceu mais ou menos até as vinte
e três horas. Só então chegou o momento que
estava aguardando com tamanha impaciência;
mas não veio pela forma que esperava.
O ataque mental foi desfechado de sopetão.
Um poder invisível procurou se apoderar de sua
personalidade consciente.
Tiff gemeu e recuou cambaleante. Conhecia
os efeitos daquilo. De uma hora para outra vol-
tou a se transformar num cadete da Academia
Espacial que recebera um excelente treinamen-
to.
43
Procurou bloquear sua mente, repelir os im-
pulsos estranhos, fazer qualquer coisa contra
eles. Levou algum tempo para reconhecer a
mensagem que chegava juntamente com o ata-
que.
“Aqui fala John Marshall, do Exército de
Mutantes”, soou claramente a voz em sua men-
te. “Já nos conhecemos. Você deixou cair o ca-
pacete no gabinete do chefe. Desista do seu
bloqueio mental. Já me identifiquei.”
Tiff se esqueceu do lugar em que se encon-
trava. Subitamente tudo estava mudado. O am-
biente marcado de impressões familiares perdeu
todo significado. A tarefa misteriosa iria come-
çar. Esforçou-se para compreender.
“Muito bem; assim fica mais fácil”, foi a
próxima mensagem. “A senha é porta do céu.
Tome imediatamente um táxi aéreo e mande
que o leve ao edifício da G.C.C. Tenha cuida-
do; alguns desconhecidos o estão observando.
Ficarei por perto. Não se despeça. Deixe um bi-
lhete e passe pelo jardim. Tenha cuidado. Fim.”
A pressão mental cessou. Seu cérebro recu-
perou a liberdade. Soltou um suspiro de alívio e
escreveu algumas linhas.
Já conhecia o caminho pelo amplo parque.
Não havia qualquer recanto que não tivesse ins-
pecionado repetidas vezes.
44
Antes de chegar ao portão de ferro recebeu
a nova mensagem.
“Aqui fala Marshall. Estou num planador
gravitacional bem em cima do lugar em que
você se encontra. Vá à rua e chame o táxi aé-
reo.”
“Existe algum perigo?”, pensou Tiff, forçan-
do a mente ao máximo.
O outro hesitou em responder.
“Não tenho certeza. As impressões estão
um tanto apagadas. Há muita gente na casa.
Experimente.”
Tiff engatilhou a arma. A luz vermelha co-
meçou a brilhar na parte superior da coronha.
O portão era usado poucas vezes.
Quando estava prestes a puxar o enorme
ferrolho, percebeu a advertência enérgica do te-
lepata invisível. Tifflor se virou apressadamente.
Atrás dos velhos carvalhos surgiram os vul-
tos apagados de dois homens. Não se percebi-
am os rostos, mas Tiff viu as pernas que se mo-
viam apressadamente.
Ouviu seu próprio grito. Apesar das ordens
terminantes que recebera, não conseguiu abrir
fogo sem prévio aviso.
“Atire!”, retumbou a mensagem telepática
em sua mente. Ao que parecia, Marshall estava
dominado pelo pânico.
45
Tifflor puxou a arma e saltou para trás da
enorme coluna da pedra que ladeava o portão.
No momento em que caía ruidosamente ao
chão, sentindo a forte dor provocada pelo im-
pacto do joelho, ouviu um chiado agudo, segui-
do de um baque surdo.
Numa fração de segundo, viu os vapores que
saíam de um envoltório de plástico rompido.
Sua fluorescência azulada rompeu a escuridão
que reinava sob as árvores do parque. Mais ao
longe alguém soltou um grito gutural.
Naquele instante dois rostos mascarados sur-
giram numa estranha luminosidade. Ao inalar o
ar, Tiff sentiu-se próximo a um desmaio.
Enquanto os objetos começaram a ondear
diante de seus olhos, reuniu as últimas forças e
comprimiu o botão que acionava a arma.
Um fluxo incandescente que brilhava numa
branquidão ofuscante saiu do cano. Abrindo-se
em leque, atingiu os dois vultos e se espalhou
para as árvores do parque.
Foi um disparo de radiações de curta dura-
ção. Tiff ainda ouviu o rugido da arma de im-
pulso e o estrépito de uma grande árvore que,
enquanto caía, começava a ser consumida pelas
chamas.
Não conseguiu fugir da nuvem de gases fluo-
rescentes antes de inalar o ar mais uma vez.
46
Soltou um gemido e caiu para trás. Bilhões de
cristais de aço pareciam espetar seu pescoço.
Não chegou a ver o planador gravitacional que
desceu do céu enrubescido pelas chamas.
Ao longo da trajetória do raio disparado pela
arma de impulsos toda a vegetação ardia. Um
pequeno inferno fora desencadeado por um
simples movimento de dedo daquele jovem.
***
56
O Secretariado ainda apresentava um aspec-
to corriqueiro e inofensivo. Se não considerás-
semos o elevado número de pessoas que ali tra-
balhavam e as instalações altamente sofistica-
das, destinadas à rápida transmissão de mensa-
gens, a sala era igual a qualquer uma das que se
situavam nos arranha-céus daquela área.
Mas a impressão sofreu uma modificação ra-
dical no instante em que Julian Tifflor foi con-
duzido à porta corrediça, cujo aspecto nada ti-
nha de especial.
Abriu-se silenciosamente, mas não havia
como abafar o ruído do aço arcônida que desli-
zava. Logo se viram os dois robôs colocados de
um e outro lado da entrada. Os braços mecâni-
cos armados, dotados de ampla mobilidade,
não pareciam tão vulgares.
Tiff entrou sem demonstrar a menor emo-
ção. Já estava acostumado a esse tipo de medi-
da de segurança. Homer G. Adams, largo e pe-
sado, estava sentado atrás de um gigantesco
instrumento de trabalho que já não poderia ser
designado como escrivaninha.
Era a primeira vez que Tifflor se defrontava
com o homem que costumava ser considerado
o ministro das finanças da Terceira Potência. O
estranho era que a sede das atividades de um
funcionário de categoria tão elevada se locali-
57
zasse em Nova Iorque.
— Queira se sentar — disse uma voz cheia e
agradável.
Adams sorriu. Tiff fora informado de que
aquele homem de espinha curvada era um se-
mimutante. Era só o que sabia a seu respeito.
Não tinha a menor idéia da memória fotográfi-
ca de Adams e de sua capacidade de prever os
acontecimentos econômicos.
— Lamento que por minha causa tenha se
envolvido em acontecimentos tão desagradáveis
— precipitou Adams em tom indiferente. — É
claro que poderia tê-lo chamado antes, através
de John Marshall, visto que seus deveres sociais
já haviam sido cumpridos. Mas estava interessa-
do em retê-lo em casa de seus pais, até que pu-
desse contar com o aparecimento dos prováveis
inimigos. Digamos que eu quis fazer certo tipo
de experiência.
Tifflor engoliu em seco de forma a ser ouvi-
do perfeitamente. A revelação era um tanto sur-
preendente.
— Naturalmente — disse com a voz apaga-
da.
— De qualquer maneira o senhor se saiu
bem. As informações de nossos médicos são sa-
tisfatórias. Como se sente?
Tiff parecia mergulhar nos olhos grandes e
58
ardentes do corcunda. Desvencilhou-se à força,
para dar expressão à sua angústia mental:
— Acho que matei dois seres humanos.
Adams lançou um olhar sobre suas mãos estrei-
tas. Conhecia o sentimento de auto-recrimina-
ção que angustiava aquele jovem.
— Não se preocupe com isso. Não há dúvi-
da de que agiu em legítima defesa. Não será
aberto inquérito. De resto, o caso está sendo
examinado pela Federação de Defesa da Terra.
Tenho instruções para mandá-lo imediatamente
à Lua, onde a nave Good Hope-IX, comandada
pelo major Deringhouse, está à sua espera. Não
queremos que a conclusão de seu exame final
seja retardada ainda mais.
Um sentimento de profunda decepção se
apossou de Julian Tifflor. Aquilo começara de
forma tão estranha, interessante e misteriosa...
e vinha aquele homem falar no seu exame final.
— Sim senhor — disse.
Adams se esforçou para sorrir. Mas só o
conseguiu em parte. Falando devagar, disse:
— Quero lhe pedir que cuide de mais um as-
sunto. Senhor Tifflor, tenho ordens para lhe
lembrar que poderá desistir a qualquer hora.
Ninguém, nem mesmo Perry Rhodan, vai
obrigá-lo a aceitar esta missão.
Tiff se transformou na concentração perso-
59
nificada. De uma hora para outra a lembrança
do temível exame final de treinamento tático se
desvaneceu.
— De que se trata? — perguntou com voz
gutural.
Um cilindro metálico de cerca de vinte centí-
metros de comprimento surgiu na mão de
Adams. Era praticamente idêntico àquele que
Tiff recebera poucas horas antes das mãos de
Rhodan.
— Chegamos à conclusão de que é necessá-
rio recorrer a um meio extraordinário para fa-
zer chegar estes dados secretos sobre o planeja-
mento econômico da Terceira Potência ao sis-
tema Vega, que fica a uma distância de vinte e
sete anos-luz. Neste cilindro se encontra uma
microfita de gravações audiovisuais, que em hi-
pótese alguma deve cair em mãos de pessoas
não credenciadas. O senhor há de compreen-
der que o planejamento econômico a longo
prazo é de importância vital para toda a Huma-
nidade. Os dados obtidos pelos planejadores
não podem ser alterados da noite para o dia,
pois deles dependem, além das construções de
naves, muitas outras coisas que em linhas gerais
devem ser adaptadas aos planos. Sua missão
consistirá em entregar este cilindro ao governa-
dor das dependências da Terceira Potência situ-
60
adas no planeta Ferrol, sem que ninguém o
perceba. É só. Concorda em se encarregar des-
ta missão secreta?
Mais uma vez Tiff se sentiu decepcionado.
Era evidente que o destino da nave Good
Hope-IX seria o sistema Vega. Indagou a este
respeito.
— É claro que irá a Vega — confirmou
Adams em tom enfático. — O major Dering-
house recebeu instruções nesse sentido. O que
nos interessa é que os dados cheguem a Ferrol
sem que caiam em mãos estranhas. O senhor
não deverá falar sobre isto com ninguém.
Tiff concordou. A pequena cápsula metálica
mudou de mãos. Antes de se erguer de trás de
sua monstruosa mesa de trabalho, Adams for-
mulou mais uma advertência:
— Se houver qualquer problema, basta aper-
tar o botão blindado que aciona a carga destru-
tiva. Com isso o envoltório se desmanchará. Dê
uma olhada.
Tiff fez questão de se informar sobre todos
os detalhes. Foi nesse instante que começou a
desconfiar de que sua missão não ficaria restrita
a um simples serviço de mensageiro. Devia ha-
ver outras coisas em jogo, que preferiam não
comunicar a um simples cadete como ele.
Adams ficou satisfeito ao registrar a descon-
61
fiança do cadete, que começava a despertar. As
coisas estavam correndo exatamente pela for-
ma que Perry Rhodan havia previsto. Tiff devia
desconfiar, mas não a tal ponto que a simples
suposição se transformasse num verdadeiro sa-
ber.
Tiff guardou o cilindro. Permaneceu imóvel
diante do homem de meia-idade com a cabelei-
ra loura rala e desbotada.
— Quer dizer que aceita? — procurou se
certificar Adams. Tiff quase chegou a ter a im-
pressão de que aqueles grandes olhos implora-
vam: “Não o faça!”
Mas logo sacudiu aquela idéia fugaz.
— Naturalmente; terei muito prazer.
— Pois venha — disse Adams, pigarreando
para dentro da mão colocada diante da boca.
— Pegue meu elevador particular. Já sabe
como funciona um hipertransmissor de maté-
ria?
O calafrio provocado por um grande nervo-
sismo sacudiu Tiff. Um hipertransmissor de ma-
téria! Era um daqueles aparelhos extraordiná-
rios que Perry Rhodan encontrara no sistema
Vega e que chegara a compreender. O cadete
gaguejou com a garganta ressequida:
— Conheço os princípios do seu funciona-
mento, mas não tenho qualquer experiência
62
com o aparelho.
— Pois vai adquirir essa experiência. Faça o
favor de vir comigo.
O pequeno elevador especial desceu vertigi-
nosamente. Tiff quase chegou a engasgar quan-
do Adams recorreu às suas ondas individuais
programadas para acionar o transformador de
cinco dimensões. Num ponto as paredes maci-
ças do subterrâneo se transformaram numa es-
piral cintilante.
— É um campo de dissolução situado num
espaço de grau superior — explicou Adams em
tom indiferente. — A matéria se transforma
numa forma de energia capaz de ser atravessa-
da. Não, não são gases. E a travessia não é tão
curta como se poderia ser levado a acreditar. A
sala de controle fica a mais de um quilômetro
daqui, nas rochas de Manhattan. Venha comi-
go. Já realizei sua identificação junto ao contro-
le automático.
A passos hesitantes Tifflor penetrou no es-
tranho campo. Não sentiu nada, além de uma
leve pressão na nuca. Era muito menos penoso
que uma transição no espaço cósmico.
A distância indicada por Adams parecia exa-
gerada. De qualquer maneira, Tiff não se lem-
brava de jamais ter vencido a distância de um
quilômetro com um único passo.
63
Nem desconfiou de que nesse ligeiro instan-
te deixara de existir materialmente. Pela própria
natureza das coisas era impossível atravessar
um campo de dissolução da quinta dimensão
mantendo estável a forma normal da matéria.
O raciocínio matemático de Tiff deu sinal de
vida. Poucos segundos depois encontrou um es-
boço da provável solução. Ao menos sua inteli-
gência bem treinada lhe permitia imaginar de
forma realista esses fenômenos aparentemente
improváveis. Era uma coisa que só se aprendia
na Academia Espacial da Terceira Potência.
Seu olhar foi atraído por um aparelho com
o formato de jaula, em cujo interior se via uma
plataforma circular. Devia ser o hipertransmis-
sor. Adams já estava ocupado com as regula-
gens.
Pesadas máquinas começaram a rumorejar.
— É a usina de força independente — expli-
cou Adams, seguindo as instruções recebidas.
Rhodan fizera questão de que Tifflor fosse
informado sobre essas coisas.
— É claro que não podemos depender do
suprimento de energia sempre incerto da cida-
de. Faça o favor de entrar. Dentro de um ins-
tante o senhor voltará a se materializar no hi-
pertransmissor sincronizado da Lua. Prepare-se
para sentir uma dor leve. Faça de conta que vai
64
passar pela transição de uma nave espacial.
Com os olhos vidrados e as pernas cambale-
antes, Tifflor se dirigiu à terrível máquina. Uma
luminosidade violeta surgiu entre as barras cir-
culares que cercavam a plataforma.
— Não há o menor perigo — tranqüilizou-o
Adams. — A máquina foi regulada para o se-
nhor. É bem verdade que não recomendaria a
uma pessoa não autorizada que se atrevesse a
um hipersalto espacial. O cilindro com os dados
está com o senhor?
Tiff fez que sim. Colocou-se entre as duas
plataformas e segurou os pólos com ambas as
mãos.
Antes que pudesse formular outra pergunta,
sentiu a dor intermitente da desmaterialização.
Adams viu que uma espiral turbilhonante se for-
mava entre os bastões dos pólos, para desapa-
recer dentro de poucos segundos. O hipertrans-
missor emitiu um zumbido grave e parou de
funcionar. Julian Tifflor, estudante de cosmo-
náutica, havia desaparecido.
Ao se rematerializar, Tifflor acreditou que ti-
vesse sonhado por uma fração de segundo. Não
havia a menor recordação do transporte a uma
velocidade superior à da luz, realizada através
de uma dimensão de ordem superior, que não
conhece as leis que prevalecem no universo co-
65
mum.
Voltou a distinguir nitidamente o quadro que
se oferecia diante de seus olhos. Encontrava-se
num aparelho absolutamente idêntico ao que
deixara na Terra. A única diferença era que não
se encontrava naquela sala situada bem abaixo
da rocha de Manhattan.
— Olá — disse o major Deringhouse em
tom seco. — Como se sente? Deixe de boba-
gens. Um homem que acaba de se remateriali-
zar não deve perder tempo em continência.
Saia logo dessa jaula.
Tiff passou desajeitadamente por cima da li-
nha vermelha que demarcava a zona de perigo.
Perplexo, lançou os olhos em torno de si. O hi-
pertransmissor estava instalado num recinto ca-
vado na rocha. As paredes estavam nuas, com
exceção de um enorme painel de controle, pre-
so a uma delas. Atrás do mesmo, uma máquina
cessou de funcionar com um ligeiro zumbido.
Devia ser a usina atômica que gerava a energia.
Uma coisa era certa: não devia ser muito gran-
de. Os construtores dessas estranhas transpor-
tadoras nunca fizeram questão de que os gera-
dores fossem de dimensões avantajadas. Pelo
que se dizia, havia hipertransmissores cujas fon-
tes de energia estavam embutidas nas platafor-
mas inferiores.
66
De qualquer maneira, Tiff colocou a mão no
boné do uniforme. Deringhouse o examinou de-
tidamente antes de formular a pergunta lacôni-
ca:
— Tudo em ordem? Como se sente?
— Muito bem. Foi uma experiência excitan-
te.
— Não foi isso que perguntei, mas acredito
em você. Venha comigo.
Tiff esperara uma série de perguntas. De-
ringhouse não soltou qualquer observação que
pudesse se relacionar com a missão confiada a
Tiff. Apesar disso, o major parecia estar infor-
mado sobre as linhas gerais da mesma. O olhar
perscrutador que lançou sobre o bolso do uni-
forme de Tiff era bastante revelador.
O desmaterializador subia pela superfície
nua e áspera da parede. Isso significava que
também aqui a pessoa era levada para fora
através de um campo do tipo A.
— Você se encontra no satélite Lua, bem
abaixo da base do pólo sul — explicou Dering-
house. — Quando chegarmos lá em cima, você
não vai dizer nada que não seja absolutamente
necessário. Decolaremos imediatamente para
realizar nosso vôo de treinamento, e você ocu-
pará o lugar que normalmente cabe a um exa-
minando. Entendido?
67
— Sim senhor — gaguejou Tiff em tom de-
primido. As coisas estavam ficando cada vez
mais confusas.
Um sorriso parecia se insinuar no rosto es-
treito de Deringhouse. Todos sabiam que o jo-
vem oficial tinha bastante senso de humor.
— As perguntas que seus colegas certamen-
te formularão não lhe interessam. Sou a única
pessoa a bordo da nave que está informada so-
bre sua tarefa de mensageiro. Se acreditar que
haverá dificuldades, dirija-se diretamente a mim.
Acho que não há mais nada a dizer, não é? Ah,
sim, há mais uma coisa. Devo informá-lo de
que, dentro de uma hora, seu sósia voltará para
o deserto de Gobi. Ao que parece os fabrican-
tes de máscaras fizeram um serviço excelente.
Neste instante seu substituto provavelmente se
encontra numa cerimônia de despedida regada
a lágrimas. Fazemos questão de encenar um li-
geiro engano para os visitantes que certamente
se encontrarão presentes.
Tiff sentiu sua garganta se estreitar ainda
mais. Engoliu com grande esforço.
— Um sósia? — gaguejou.
Um largo sorriso cobriu o rosto de Dering-
house.
— Isso mesmo — confirmou. — Dissemos
ao rapaz que, em hipótese alguma, deve beijar
68
sua irmã.
Numa súbita clarividência, Tiff percebeu
com que cuidado o chefe planejara tudo. A
nave Good Hope-IX havia decolado sem Tifflor;
não havia a menor dúvida. Se de repente seu
sósia aparecesse por lá, só por obra do demô-
nio alguém poderia perceber a trama.
Era essa a opinião de Tiff. Não contava com
a lógica fria de um homem que acreditava ple-
namente que outras inteligências pudessem ter
bastante visão para perceber a manobra. Se
isso acontecesse, a história da missão de men-
sageiro deveria parecer verdadeira.
— Há uma certa turbulência — disse Tiff em
tom respeitoso.
— Turbulência? — exaltou-se Deringhouse.
— É uma névoa em espiral. Muito bem. Entre...
e não diga uma palavra sobre sua missão.
O comandante da Good Hope-IX seguiu o
cadete para o interior do campo transportador,
que nada mais era senão um hiper-transmissor
para distâncias reduzidas. Quando chegaram à
parte de cima, lâmpadas fortes iluminavam o
espaço. A saída ficava no escritório do chefe de
segurança. O homem mal levantou os olhos
quando os dois homens uniformizados passa-
ram junto à sua escrivaninha.
Sob a imensa abóbada energética que cobria
69
a base lunar estava estacionada a nave esférica
auxiliar do tipo Good Hope, que tinha um diâ-
metro de sessenta metros. Um couraçado da
classe da Stardust-III trazia doze naves desse
tipo a bordo.
Sem dizer uma palavra, caminharam em di-
reção à nave, pronta para decolar. A comporta
do pólo inferior fora aberta entre os suportes
bastantes estáveis. Subiram no elevador antigra-
vitacional e logo entraram na sala de comando.
— Atenção! — berrou alguém a plena força
dos pulmões.
Tiff estremeceu ao reconhecer a voz de
Humpry Hifield. Com o rosto pálido, passou os
olhos pelos cadetes enfileirados. À entrada do
comandante, mantinham-se imóveis como colu-
nas de granito.
O sargento Rous também estava presente.
Exercia as funções de imediato do girino que se
deslocava a velocidade superior à da luz.
Tiff contou onze cadetes de sua turma. Ain-
da havia duas moças, uma das quais era Mildred
Orson. Também conhecia a outra, Felicitas
Kergonen, uma pessoa frágil e esguia. Felic,
como era chamada, só tinha dezoito anos. Ain-
da tinha dois semestres de estudos de botânica
galáctica diante de si. O que estaria fazendo a
bordo da nave dos formandos?
70
Tiff sentiu seu pulso bater mais depressa
quando seu olhar se encontrou com o de Milly.
Ao que tudo indicava, Deringhouse preferira
não mencionar sua ligeira excursão ao setor re-
sidencial dos cadetes.
— A licença especial do cadete Tifflor che-
gou ao fim. Decolaremos imediatamente. Ocu-
pem seus lugares — foram as palavras bastante
lacônicas de Deringhouse. Para os nervos ten-
sos dos futuros cosmonautas representavam
uma indicação pouco precisa sobre o misterioso
aparecimento de Tiff.
Klaus Eberhardt parecia prestes a estourar.
O rosto de Hump se manteve impassível. Sem-
pre permanecia assim quando um superior se
encontrava nas proximidades.
Enquanto Deringhouse caminhava em dire-
ção à comporta de segurança transparente da
cabina de telegrafia, para realizar pessoalmente
algumas das regulagens que se faziam necessá-
rias, Rous resmungou naquela gentileza que lhe
era peculiar:
— Não precisamos de estátuas. Quem sabe
se os cavalheiros não querem ocupar logo os
seus lugares? As damas farão o favor de desa-
parecerem no interior dos seus camarotes. Va-
mos logo!
As intenções de Rous não eram tão ruins.
71
Quando Milly Orson, ao passar por ele, lhe lan-
çou um olhar aniquilador, reprimiu um palavrão
bem intencionado.
Felic Kergonen, uma loura tímida, caminha-
va atrás de sua colega, que tinha um ano mais
que ela. A escotilha voltou a se fechar. A respi-
ração de Rous emitia um chiado igual ao do va-
por que escapa de uma caldeira.
— Que porcaria! — chiou, lançando um
olhar furioso. — Afinal, qual é a graça? Não
são moças, mas alunas da Academia Espacial.
Entendido? Peço que recebam um tratamento
igual ao de qualquer homem que se encontre a
bordo. As damas terão de mostrar em mundos
estranhos o que aprenderam de bacteriologia
cósmica e botânica galáctica. Cadete Tifflor!
Tiff se encolheu. Mais uma vez Rous, seu ve-
lho martirizador, parecia ser feito de uma carga
de explosivo.
— No primeiro intervalo o senhor cuidará
do controle de armamentos. Se quiser, pode fa-
zer a Good Hope-IX passar por dentro do pri-
meiro planeta que tivermos pela frente. Eber-
hardt e Hifield, os senhores controlarão o setor
técnico. Os outros homens ocuparão os postos
anteriores. Decolaremos dentro de cinco minu-
tos.
Aquilo era típico do sargento Rous! Tinha
72
que ser levado conforme era.
— Ora, veja! Você ainda está de traje de
gala — disse o sargento, muito nervoso. — Da-
qui a alguns segundos você estará de volta, em
trajes de serviço.
Tifflor saiu correndo. Não chegou a ver o
sorriso largo de Rous. Eberhardt e Hifield se di-
rigiram às poltronas giratórias que ficavam jun-
to aos dois assentos de piloto.
— Que cachorrão, não é? — chiou Eber-
hardt. — Você viu alguma nave pousar? Ainda
está com a arma de verdade.
— Depois da decolagem receberemos uma
igual. Fique quieto.
As máquinas começaram a trabalhar no gi-
gantesco bojo da Good Hope-IX. A reação do
dispositivo automático aos comandos de Rous
foi tão precisa que nenhum homem conseguiria
fazer igual. A nave em que se encontravam não
fora construída na Terra. A supertecnologia ar-
cônida ressaltava em todos os cantos. O desem-
penho dos conversores de impulso arcônidas
subia numa curva íngreme. Eberhardt anunciou
que a energia necessária à ativação dos neutrali-
zadores de pressão se encontrava disponível.
Uma vida de múltiplas facetas passara a tomar
conta da nave ainda há pouco amortecida.
Rous mantinha contato audiovisual com o
73
comandante da base. Além da cortina energéti-
ca protetora começava o espaço cósmico. Para
que a Good Hope-IX pudesse decolar tornava-
se necessário abrir a abóbada energética, por
uma fração de segundo, no setor pelo qual a
nave teria de passar.
— Pronto para decolar. Solicito a delimita-
ção vertical do setor — transmitiu Rous.
Fora do girino os projetores do espaçoporto
lunar entraram em funcionamento.
Uma coluna energética luminosa se projetou
para o alto, combinou-se com o abaulado da gi-
gantesca abóbada e envolveu a nave.
Tratava-se de uma comporta imensa e supe-
raperfeiçoada, que ainda provocava a admira-
ção dos cientistas terrestres. No distante planeta
de Árcon já há dez mil anos a decolagem das
naves espaciais era realizada dessa forma. A
manobra era indicada sempre que o espaçopor-
to se localizasse em astros onde não houvesse
atmosfera, ou esta fosse venenosa.
Olhando pela parede blindada e transparen-
te, Rous contemplou a sala de telegrafia. O co-
mandante continuava sentado diante de uma
tela de telecomunicação. Da sala de comando
não se podia ver a pessoa que aparecia na mes-
ma.
74
***
***
***
114
Perry Rhodan, que costumava ser chamado
de reator instantâneo pelos psicólogos da Força
Espacial dos Estados Unidos, compreendeu
numa fração de segundo.
Quando a Stardust-III reentrou no universo
normal, a nave estranha foi captada imediata-
mente pelos raios dos rastreadores automáticos
e projetada nas telas.
Rhodan levou cerca de um segundo para
vencer o choque da rematerialização. Só depois
disso se encontrava verdadeiramente presente.
O dispositivo positrônico de medição indicou
a distância entre as duas naves: 1,9356 minu-
tos-luz. O salto fora realizado com muita preci-
são; apenas, gastara-se um minuto a mais para
sair do hiperespaço.
O rugido medonho dos gigantescos propul-
sores irrompeu em meio às reflexões de Rho-
dan. O engenheiro-chefe, Manuel Garand, agira
com muita rapidez e precisão ao cumprir as ins-
truções que lhe haviam sido ministradas antes
do salto.
O supercouraçado entrou em movimento.
Em poucos segundos atingiu o limite máximo
de deslocamento à velocidade inferior à da luz.
A tripulação acordou. A sala de interpreta-
ção chamou.
— A nave estranha encontra-se em viagem
115
preparatória do salto. A ocorrência de uma
transição é bastante provável.
Perry Rhodan ouviu o primeiro-oficial pra-
guejar em altas vozes. Reginald Bell sabia que
os cálculos demorados fizeram com que chegas-
sem pouco depois da hora.
— A Good Hope-IX deve se encontrar num
campo de sucção de enorme potência — com-
pletou a interpretação. — Não é aconselhável
disparar contra a nave.
Rhodan já sabia disso. Agindo rapidamente,
sem perder tempo com palavras desnecessárias,
experimentou a última possibilidade.
As torres escamoteadas do gigante silencia-
ram. Em compensação nos pavilhões de reato-
res eram realizadas regulagens extremamente
rápidas. O uivo dos transformadores se mistu-
rou ao ruído dos condutores de força. Quase no
mesmo instante o radiador de tração começou
a trabalhar com uma potência que absorveu o
suprimento de energia de quase todas as unida-
des geradoras da Stardust-III. Um raio gravitaci-
onal de vinte metros de diâmetro, que se propa-
gava à velocidade da luz, saiu do projetor. Esse
campo energético, altamente concentrado, era
capaz de arrancar um astro de pequenas dimen-
sões de sua órbita. A nave desconhecida não te-
ria a menor chance, nem mesmo levando a
116
massa da Good Hope-IX no reboque energéti-
co.
A bordo do couraçado as discussões acalora-
das cessaram. Notava-se perfeitamente a lumi-
nosidade pálida do raio de tração. Era um pou-
co mais veloz que a Stardust-III, que já desenvol-
via uma boa velocidade.
Assim mesmo o tempo gasto no percurso
foi longo demais. Rhodan foi o primeiro a reco-
nhecer que não devia se entregar a ilusões.
Antes que o alvo fosse atingido os sensores
estruturais emitiram um ruído. O desconhecido
desapareceu em meio a um turbilhonante fenô-
meno luminoso.
A mão de Rhodan bateu na chave de ener-
gia. O projetor de tração se apagou.
— Silêncio a bordo — irrompeu a voz de
Rhodan dos alto-falantes. Veio num tom frio e
metálico, que fez até Bell se calar. — Vejo per-
feitamente que chegamos tarde. A Good Hope-
IX foi capturada por uma nave muito maior. O
que é de admirar é que o desconhecido tenha
conseguido levar para a transição a nave amar-
rada fora de sua célula. Estão utilizando a técni-
ca arcônida. Central de observação: fiquem de
prontidão absoluta. O sensor estrutural deve ser
regulado para a precisão máxima. Apurem de
qualquer maneira em que ponto a nave desco-
117
nhecida atinge o hiperespaço. O salto não deve
ser muito longo. Acho que se trata apenas de
uma transição de emergência, realizada sem um
objetivo definido, tão-somente para possibilitar
a fuga rápida. Por enquanto basta verificar a
posição aproximada em que ocorreu o mergu-
lho.
As instruções logo foram confirmadas. Dali a
um instante os cruzadores pesados Terra e So-
lar System receberam ordens para, dentro de
meia hora de tempo padrão, avançar até a órbi-
ta de Plutão.
O major Nyssen e o capitão MacClears con-
firmaram o recebimento da ordem.
— Ainda não desistiu? — perguntou uma
voz sonora.
Rhodan virou a cabeça. Crest, o arcônida,
estava de pé a seu lado.
— Nem penso nisso. Se conseguirmos fixar
o ponto de mergulho, poderemos realizar um
cálculo aproximado da posição da nave. Uma
pergunta: o formato da nave lhe permitiu qual-
quer conclusão sobre quem seja o inimigo com
que nos defrontamos?
Crest sacudiu a cabeça comprida.
— Não; não consegui chegar a qualquer
conclusão. Muitas raças de cosmonautas da ga-
láxia constroem suas naves nesse estilo. Preci-
118
saria de maiores detalhes.
Desapontado, Rhodan se virou para o painel
de controle. Dali a pouco os sensores estrutu-
rais emitiram um leve ruído.
— A rematerialização acaba de ser levada a
efeito — anunciou o posto de observação. — A
distância é grande. Torna-se muito difícil calcu-
lar a posição.
— Já conheço as fontes de erro; muito obri-
gado — interrompeu Rhodan. — Apurem os
valores aproximados. Juntamente com a equipe
matemática cuidarei da obtenção de outros da-
dos. Crest, peço seu auxílio.
Dali a vinte minutos os dois cruzadores pesa-
dos chegaram ao mesmo tempo. Aproxima-
ram-se a alta velocidade e realizaram uma ma-
nobra de adaptação muito bem executada.
***
10
***
***
***
170
O cadete Julian Tifflor, formando da Aca-
demia Espacial da Terceira Potência, foi es-
colhido por Perry Rhodan para desempenhar
o papel de chamariz cósmico.
O cadete caiu na armadilha em que lhe
puseram. Mas Perry Rhodan, que na Star-
dust-III pretende tirá-lo prontamente da ar-
madilha, defronta-se com dificuldades, pois
de repente tem diante de si A FROTA DOS
SALTADORES.
A FROTA DOS SALTADORES é o título
do próximo volume da série Perry Rhodan.
*
* *
ÐØØM SCANS
PROJETO FUTURÂMICA ESPACIAL
https://doom-scans.blogspot.com.br
171