Microsoft Word - Revista - Epoca - 05082007.
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ISABEL CLEMENTE, ANA PAULA GALLI E CELSO MASSON, COM ANDRÉA LEAL, WÁLTER NUNES E MATHEUS LEITÃO
ESPECIAIS
Com isso, ele revela que o trem de pouso está baixado e travado. A
pouco mais de 6 metros do chão, o computador de bordo dá o alerta
para desacelerar: “retard”. O aviso é corriqueiro numa aterrissagem.
À medida que se aproxima do solo, a aeronave precisa perder
velocidade. Segundo a transcrição dos sons da cabine, registrados
por uma das caixas-pretas do avião, o comandante age de acordo
com o esperado. Ao ouvir o segundo aviso “retard”, desloca as
alavancas que funcionam como acelerador dos motores do avião –
conhecidas como manetes – para reduzir a velocidade. O ruído do
movimento das manetes também é captado pelos microfones que
fazem o registro sonoro. Sentado na cabine do A-320, o piloto
precisa fazer poucos movimentos para pousar. Com uma das mãos,
puxa as manetes no centro do console. Com a outra, move um
joystick, comando manual que substitui o manche, para acertar a
mira da aeronave na pista. Os freios – nas rodas e nas asas –
começam a funcionar automaticamente assim que o avião toca o
solo. Os pedais também servem para, quando necessário, controlar
os freios nas rodas e para virar o avião para a direita e para a
esquerda.
Na cabine de comando, ao lado de Lima, está Henrique Stephanini Di Sacco, de 54 anos. Filho de piloto, durante a infância e adolescência Di
Sacco acompanhava o pai, Raphael, nas viagens pelo interior de São Paulo. Aos 18 anos, passou no vestibular para Biologia e mudou-se de
São Paulo para estudar em Bragança Paulista. A atração por aviões era mais forte. Em vez de ir à aula, freqüentava o aeroclube ao lado da
faculdade. Em pouco tempo conseguiu o primeiro emprego como piloto de avião executivo. Casado com a empresária Maria Helena, pai de
três filhos, Di Sacco era considerado pelos amigos e familiares uma pessoa atenta a todos os detalhes da profissão. Os manuais de aviação
costumavam ser seus livros de cabeceira. “Sei quanto ele exigia de si mesmo”, diz Maria Helena. A experiência conquistada na Transbrasil,
onde trabalhara por 22 anos, Di Sacco levou para a TAM. Há seis meses na companhia, Di Sacco se dizia satisfeito. E seria avô em breve. A
nora Carolina, casada com o filho Fábio, está grávida de Sofia, cujo nascimento está previsto para setembro. “Ele estava numa fase
excelente, estava radiante”, diz Maria Helena.
Até as 18h48m24s do dia 17 de julho, Lima e DiSacco conduzem sem
imprevistos o vôo 3054. A partir daí, algo acontece. Algo que, em questão de
segundos, transformará aquela viagem no maior desastre da história da aviação
brasileira. A gravação feita na cabine traz o som claro do motor em aceleração,
contrariando a esperada ordem do piloto para reduzir a velocidade. “Não era para
aumentar o barulho do motor”, diz um comandante de Airbus ouvido por
ÉPOCA. Esse é o momento em que terminam as certezas sobre o vôo 3054 e
começam as hipóteses. Até agora, há mais perguntas que respostas. De modo
resumido, as possibilidades sob investigação são duas:
ELES TAMBÉM SÃO VÍTIMAS 2) Algum sistema de controle do avião falhou e interpretou a intenção do piloto
Na foto no alto, Di Sacco (segurando o cão Mike) com a mulher, os três como uma ordem de decolagem. Sem obedecer ao comando do piloto para reduzir
filhos e a nora (de vestido, grávida), num almoço de domingo em São
Paulo. Abaixo, Kleyber (de óculos) com a mãe e os irmãos, durante a força no motor direito, a aeronave continuou acelerando automaticamente e
visita do piloto à família em Fortaleza cancelou alguns dos procedimentos programados para a aterrissagem.
Ambas as hipóteses são plausíveis, segundo revelam as duas caixas-pretas do avião. A que grava os diálogos é mais compreensível para o
leigo em aviação. Ela revela o clima na cabine até a tragédia. A outra caixa-preta registra os comandos do vôo. Estão ali dados como
velocidade, altitude e a posição de cada equipamento do avião, do trem de pouso às manetes, num total de 580 parâmetros. É ela a caixa-
preta mais importante para os investigadores da Aeronáutica. Eles escolheram 60 desses parâmetros para reconstituir os minutos finais do
vôo 3054. Se forem insuficientes, novos dados serão usados. Até agora, os investigadores sabem que a caixa-preta registrou duas posições
diferentes para as manetes na hora da aterrissagem, quando ambas deveriam estar em ponto morto (idle). Uma delas foi registrada na posição
de aceleração (climb). Visualmente, a distância entre as duas posições é grande. Trata-se de um erro tão grosseiro em aviação, segundo os
pilotos consultados por ÉPOCA, que não há qualquer dispositivo de segurança que impeça um piloto de cometê-lo. “É instintivo, as manetes
são operadas juntas e colocadas em ponto morto”, diz um piloto de Airbus.
Há três anos, um Airbus A-320 sofreu um acidente parecido em Taiwan. Os pilotos disseram que não conseguiram frear. A caixa-preta de
voz registrou um deles dizendo: “Sem freios, sem freios, sem freio nenhum”. A investigação concluiu que o piloto não puxou a manete
direita para a posição de ponto morto. Ele estava num ângulo ainda suficiente para dar aceleração ao motor. Isso impediu o funcionamento
automático do sistema de freios. O avião saiu pela esquerda da pista e parou numa vala, sem ferir ninguém. Independentemente das
especulações que cercam o vôo 3054, esse caso mostra que um fator foi decisivo para a tragédia: o comprimento da pista de Congonhas. Se
houvesse área de escape no aeroporto, como em Taiwan, as mortes poderiam ter sido evitadas. Para além dessa certeza, ainda pairam muitas
dúvidas sobre o desastre:
- O erro foi dos pilotos ou o software do avião interpretou de modo confuso a posição das alavancas?
- A posição das manetes no momento do pouso era realmente a gravada na caixa-preta?
- Se os pilotos erraram, o que os levou a cometer um erro tão grosseiro? A tripulação estava descansada e preparada para situações de
emergência?
- A manutenção da aeronave falhou?
- O fato de a pista estar molhada e escorregadia deixou os pilotos mais preocupados que o normal?
- A pista curta demais não deixou tempo para eles tomarem decisões certas?
- Os freios manuais não funcionaram?
- Houve falha no software que controla o sistema de frenagem do avião?
- A aeronave estava pesada demais?
-Se algum software do avião tinha falhas, por que elas não haviam sido percebidas
antes?
‘‘Kleyber era muito responsável e minucioso.
Apenas os dados das caixas-pretas são insuficientes para concluir o que realmente
Falava com a tripulação e checava o avião antes
aconteceu. Por mais informação que contenham, elas não trarão respostas para
de cada vôo’’
todas as perguntas. Os investigadores contam com registros históricos de SHEILA LIMA, irmã do comandante
manutenção, com dados da torre de comando e com a inspeção dos destroços e do
local para tentar decifrar as causas da tragédia.
Às 18h48m26s, o trem de pouso do Airbus prefixo PR-MBK, que partira de Porto Alegre, toca o solo em Congonhas. É a partir daí que
deveria entrar em funcionamento o sistema automático de freios. Parar um A-320 requer a ação conjunta do motor, das asas e das rodas. No
motor, um dispositivo – conhecido como reversor – inverte o fluxo do ar que passa pela turbina e ajuda a desacelerar a aeronave em solo.
Para acionar o reversor, o piloto desloca a manete da posição de ponto morto (idle) para a posição de reverso (reverse). Nas asas, há freios
aerodinâmicos, chamados spoilers, acionados automaticamente assim que os pneus tocam a pista. Eles são cinco superfícies que se abrem
sobre cada asa para aumentar a resistência ao ar e empurrar o avião contra o solo. Sem os spoilers, o piloto só consegue parar o avião se
estiver em condições favoráveis: numa pista longa e com pouco peso a bordo. Na roda, os freios também são acionados automaticamente,
por um sistema conhecido como “autobrake”. Se o piloto sentir necessidade de frear de modo mais brusco, pode pisar nos pedais na cabine.
No vôo 3054, há uma particularidade: apenas um reversor está funcionando. O dispositivo fora travado dias antes por mecânicos da TAM no
aeroporto de Confins, Minas Gerais. Trata-se de um procedimento recomendado pelo manual de segurança da Airbus, que permite o
funcionamento da aeronave por até dez dias sem que um reversor esteja funcionando. Às 18h48m26, assim s que o avião toca a pista de
Congonhas, o co-piloto diz: “Reversor número um apenas”. Três segundos depois, ele mesmo constata: “Nada de spoilers”. Era a constatação
de que algo de errado acontecera e o avião não frearia como de costume.
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ESPECIAIS
De acordo com o brigadeiro Jorge Kersul Filho, chefe do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), as
investigações deverão levar, no mínimo, dez meses. A demora se explica pelo grau de complexidade que cerca a análise dos dados das duas
caixas-pretas. Se houve problema com algum dos sistemas da aeronave, ele ainda não foi descoberto. Se a maior parte da culpa cabe aos
pilotos, é cedo demais para afirmar. “Kleyber era muito responsável, criterioso, minucioso em tudo que fazia. Sempre dizia que precisava
chegar com antecedência antes de cada vôo para conversar com a tripulação e checar o avião”, diz a irmã Sheila.
O Airbus da TAM teve problemas no motor esquerdo no próprio dia do acidente, detectado pelo piloto que naquele dia voou entre Confins e
Congonhas. Depois de passar pela manutenção, foi liberado para voar. O outro motor, o direito, era aquele cujo reversor estava travado desde
o dia 13. O mesmo avião apresentou problemas com o motor em ponto morto cinco dias antes. Tal fato está registrado nos relatórios internos
da TAM em poder da CPI. Em 10 de julho, o piloto do vôo 3201, entre Confins e Congonhas, relatou dificuldade ao fazer uma manobra. Diz
a ficha do vôo: “Ao iniciar a descida do nível de vôo 260 [26 mil pés], notei uma vibração severa de motor em ponto morto, sem indicação
de que o controle de manutenção automática de potência estivesse desligado, e a vibração parou quando as turbinas foram aceleradas”. A
TAM afirmou em nota que sua equipe de manutenção constatou que as vibrações aconteceram porque a aeronave passou “por uma formação
meteorológica que produziu partículas de gelo que foram liqüefeitas durante a descida”.
Investigações feitas após desastres parecidos com o mesmo modelo de avião sugerem que os programas que controlam a navegação do A-
320 não são infalíveis. O engenheiro de software Lawrence Bernstein, professor do Stevens Institute of Technology, em Nova Jersey,
Estados Unidos, analisou as causas de três acidentes com essa versão do Airbus. Ele parece ter encontrado um padrão. Num vôo de
demonstração, no campo de provas de Mulhouse-Habsheim, na França, em junho de 1988, logo que o A-320 começou a voar
comercialmente, o software interpretou a baixa altitude de vôo como uma intenção de pouso. E impediu o piloto de aumentar a velocidade
usando as manetes. O avião caiu, matando três das 136 pessoas a bordo. Em fevereiro de 1990, um A-320 da Indian Airlines fez um pouso
forçado num campo de golfe perto do aeroporto de Bangalore. Das 146 pessoas a bordo, 92 morreram depois que a velocidade do avião foi
drasticamente reduzida de modo automático pelo computador de bordo. Mais uma vez, o piloto não pôde corrigir a ação do sistema. Em
janeiro de 1992, outro Airbus caiu sobre uma floresta de pinheiros em Mont Sainte-Odile, também na França, matando 87 pessoas. Dessa
vez, os sistemas de navegação interpretaram erroneamente a altitude do avião. Os instrumentos informavam 4,7 mil pés. No momento do
impacto, a aeronave estava a 2,5 mil pés.
Nos três casos houve falhas nos programas de computador que controlam a aeronave. “O software que calcula a altitude não era confiável”,
diz Bernstein. O mais grave, de acordo com o pesquisador, é que o sistema, mesmo falhando, não permitiu ao piloto fazer a correção manual.
As investigações do acidente em Mont Sainte-Odile atribuíram a responsabilidade aos pilotos e à Airbus. A conclusão foi que os pilotos
teriam desprogramado o computador do avião acidentalmente, induzidos ao erro pelo confuso painel de controle da aeronave. O display que
indicava o ângulo de inclinação era muito parecido com o que indicava a velocidade vertical. Depois desse acidente, a Airbus modificou o
painel de controle do A-320. Outra falha foi apontada no sinal de alerta sobre a proximidade do solo. Ele seria dado tarde demais, num
momento em que o piloto não teria tempo para mudar o curso do avião. Essas conclusões – e a própria mudança no painel do avião – foram
obtidas com base não apenas nas caixas-pretas, mas também no depoimento dos pilotos e nos destroços.
Para entender o acidente com o vôo 3054, também é preciso ampliar o foco da
‘‘É preciso ver onde as autoridades estão
investigação. Já se sabe que a TAM acomodou passageiros de dois vôos no mesmo
falhando para apresentar uma solução para a avião. Ele partiu de Porto Alegre com 186 pessoas a bordo e um tanque de
sociedade’’ EMANUEL FERNANDES, deputado (PSDB-
SP)
combustível cheio. Desde o acidente, pilotos da companhia forçaram a empresa a
mudar pelo menos três procedimentos: 1) não pousar sob chuva em Congonhas; 2)
não subir com a aeronave perto do peso máximo; e 3) os aviões foram proibidos de voar com os reversores travados.
A tragédia do vôo 3054 começou a se definir nos últimos segundos de uma aterrissagem normal. O piloto pousou dentro dos limites
recomendáveis e na velocidade-padrão, segundo o brigadeiro Kersul Filho, chefe da investigação. Por algum motivo ainda ignorado, a
aeronave entendeu que não estava pousando, mas decolando e que era preciso dar força ao motor para voltar a voar. O avião não desarmou o
sistema automático que controla a potência dos motores, chamado autothrust. Quando o avião está subindo, ele aumenta automaticamente a
força do motor. Se está descendo, ele a reduz. O autothrust é desarmado no momento em que o comandante coloca as manetes em ponto
morto (idle). Se esse equipamento não é desligado, o avião pode estar sujeito a uma nova aceleração quando o comandante levanta um pouco
o nariz da aeronave para concluir a descida, uma manobra comum. Com o autothrust ligado, levantar o nariz do avião na descida é o mesmo
que dar uma ordem oposta: voe. A caixa-preta mostra que o avião tentou decolar enquanto pousava, ainda que o piloto não tenha tentado
arremeter.
Será que foi por isso que o sistema de freios automático, o autobrake, não funcionou? “O autobrake estava acionado na hora do pouso”, disse
o brigadeiro Jorge Kersul aos deputados da CPI. “Isso, supostamente, traria dois efeitos. O primeiro seria acionar automaticamente os freios
instalados nos pneus. Esses freios são dotados de uma tecnologia que impede os pneus de travar ou explodir. É uma frenagem gradual. O
segundo efeito do acionamento do autobrake é ativar os spoilers. No caso, eles não se abriram.” Pilotos e engenheiros dizem que os spoilers
são independentes do autobrake. Depois de estudar detidamente s o manual do Airbus A-320, o engenheiro aeronáutico Alexis Pan concluiu
que os spoilers se abrem automaticamente quando algumas condições são atendidas. “Para os spoilers não terem aberto nem parcialmente, a
manete direita teria de estar completamente fora da posição correta, a tripulação teria de ter esquecido ou não ter conseguido armar os
spoilers – armar significa prepará-los para a abertura automática – e nenhum dos sensores dos dois trens de pouso foi capaz de informar o
computador que o avião estava pousando”, diz Pan. Quando o sistema automático de freios falha, o piloto continua tendo a sua disposição os
freios nos pedais. E eles foram acionados bruscamente, segundo relato de Kersul.
Se o piloto pisou no freio, por que o avião não parou? Há três sistemas hidráulicos
no Airbus. Todos falharam? Caberá aos investigadores responder. O A-320 foi o
primeiro avião civil a contar com um sistema conhecido como fly-by-wire, que
controla todos os procedimentos por meio de softwares projetados justamente
para evitar as possíveis falhas dos pilotos. É um avião que faz quase tudo sozinho.
Em termos de segurança, isso tem vantagens e desvantagens. O sistema consegue
eliminar erros que poderiam causar acidentes. Mas impede manobras bruscas ou
feitas às pressas para evitar desastres. Ele ignora por completo a capacidade
humana para reagir numa situação de emergência.
Em parceria com o escritório Podhurst Orseck, dos Estados Unidos, o advogado Otto Lobo, de São Paulo, entrou com uma ação
representando familiares de Ricardo Tazoe, peruano com cidadania americana que morreu no acidente da TAM. A ação é contra as seguintes
empresas: TAM, Airbus S.A.S., Airbus Industrie G.I.E. (EADS), a fabricante de pneus Goodrich Corporation e a International Aero Engines
(IAE), fabricante da turbina e do reversor do avião – as duas últimas americanas. Nenhuma das empresas tem responsabilidade comprovada
no acidente ainda. Otto Lobo afirma que eles decidiram processá-las com base nas informações disponíveis até o momento e no parecer de
peritos contratados pelo escritório americano.
Acidentes como o do vôo 3054 da TAM são mais comuns do que se imagina. Pousos em que a aeronave só consegue parar fora da pista são
tantos que a autoridade aeronáutica americana, FAA, quer que os aeroportos de lá se adéqüem a novos padrões de segurança, com a criação
de áreas de escape especiais. Trechos finais das pistas são preparados com um tipo de concreto esponjoso capaz de segurar o trem de pouso e
ajudar a frear a aeronave desgovernada. A meta da FAA é que 100% dos aeroportos tenham essa área de segurnaça até 2015. “Por que não se
fala em fazer isso no Brasil ainda?”, diz Respício Espírito Santo, presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Estratégicos e de Políticas
Públicas em Transporte Aéreo. Na semana passada veio à tona um projeto da Prefeitura de São Paulo para desapropriar áreas próximas a
Congonhas e construir áreas de escape para as duas pistas do aeroporto. “Precisou um acidente dessas proporções para só agora pensarem em
aumentar a segurança do aeroporto”, diz Fábio Di Sacco, de 27 anos, filho do comandante Henrique. “O órgão que fiscaliza a segurança não
pôde prever antes um acidente como esse? Será tão difícil imaginar que qualquer falha mais grave durante o pouso pode resultar num
acidente como o do vôo 3054, tratando-se de Congonhas?”
A indignação dos familiares dos pilotos se soma à de todos os brasileiros, em busca de explicações. “Talvez essas explicações demorem
muito para chegar, ou nunca sejam conclusivas, como não foram até hoje as do acidente com o Fokker-100 da TAM, em 1996”, diz o
comandante Élnio Borges, presidente da Associação de Pilotos da Varig e perito em acidentes aéreos. Mais que investigar o que causou o
pior acidente da aviação brasileira, é preciso entender que está aumentando o risco de voar no Brasil. Mais que apontar culpados para um
desastre, o país precisa encontrar soluções para o caos instalado nos céus brasileiros há mais de dez meses. Isso inclui o respeito às
tripulações, aos passageiros e à manutenção das aeronaves, dos aeroportos e do tráfego aéreo. Alguma lição o Brasil deve ser capaz de tirar
da tragédia.
CERTEZAS DÚVIDAS
- O piloto pousou dentro da faixa esperada na pista e numa velocidade - As manetes, alavancas que comandam a aceleração do motor, foram colocadas no lugar
normal. Não estava rápido demais, segundo informações da caixa-preta errado ou o computador não entendeu o comando? Dados da caixa-preta sugerem que a
posição não estava certa, mas esse seria um lapso tão básico que é descartado por pilotos
- Até o momento do pouso, não havia qualquer indicação de falha dos experientes
sistemas que controlam a aeronave
- Se o piloto tivesse realmente errado, por que o co-piloto também não percebeu a
- Os spoilers, superfícies que abrem sobre as asas para aumentar a diferença entre as manetes? Visualmente, dá para perceber esse problema. Há um batente
resistência ao ar, não funcionaram no ponto zero para ajudar na identificação do ponto morto
- O piloto ainda tentou parar a aeronave usando os pedais de freio, um - Por que os freios aerodinâmicos não abriram nem parcialmente? Há sensores que
procedimento mecânico que independe de computadores informam aos controles do avião que a aterrissagem está em curso e é preciso parar. Um
deles é acionado na compressão dos trens de pouso contra o solo e outro pelo
- O reversor, um item acessório na frenagem, estava travado. Toda funcionamento do reversor
aeronave tem um cálculo de pista para pousar e parar totalmente, de acordo
com o desempenho esperado dos freios. A ajuda extra do reversor não influi - O peso a bordo era adequado para as condições da aeronave?
nesse cálculo
Bons modos, Presidente
Ruth de Aquino
Há expressões que caem em desuso sem motivo aparente. Tenha bons modos é
uma delas. Ouvi muito da minha mãe. Não fale de boca cheia, não ponha os pés
em cima da mesa, não ria em velório. A cada detalhe sinistro que emerge da
tragédia do avião da TAM em Congonhas, duas imagens grotescas não me saem
da cabeça. O presidente Lula às gargalhadas com o ministro demitido e o ministro
nomeado para a Defesa. E o gesto obsceno do porta-voz do presidente, Marco
Aurélio “Top, Top” Garcia, para comemorar os problemas no Airbus que
explodiu com quase 200 pessoas a bordo.
Mas, se a mãe do presidente estivesse viva, ela não teria gostado de ver o mais famoso de seus oito filhos rindo uma semana depois do pior
acidente aéreo da história da América Latina. Uma tragédia que deixou ao menos mil parentes diretos das vítimas em estado de torpor e
consternação pela perda súbita e estúpida.
Dona Lindu morreu em 1980. Se ainda estivesse por aí, teria passado um pito: “Lula, meu filho, tenha bons modos. Honre sua reputação.
Seja ex-metalúrgico ou professor da Sorbonne, um presidente da República precisa ter compostura. Deixe a galhofa para o churrasco de
domingo na Granja do Torto. Ataque de riso fora de hora e em bando é aceitável quando se é criança e inocente. Seus cabelos já estão
brancos, você chegou ao posto mais alto da política por meios legítimos. Se rir e fizer gracinha, o brigadeiro vai dizer que tudo o que entra
sai, tudo o que sobe desce, a ministra vai mandar o país relaxar e gozar, o assessor será vulgar e arrogante. Porque o exemplo vem de cima.
Inspire-se em estadistas estrangeiros, que não são flagrados rindo no luto ou na troca da guarda. Não precisa chorar. Basta ficar sério. Isso se
você quiser que a vaia seja exceção. Falta de instrução não justifica falta de educação. Bote a viola no saco, meu filho”.
Montagem sobre fotos de arq. pessoal e arq. pessoal (2), Patrícia Campos/AE, Celso Junior/AE, Franck Fipe/AFP e reprodução
DA REDAÇÃO
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Nesta edição, publicamos uma provocativa entrevista com o historiador britânico Andrew Keen,
feita pelo editor-assistente Leandro Loyola. Keen é um cético em relação ao impacto das novas
tecnologias na mídia e afirma que nem todas as mudanças trazidas pela internet foram para
melhor. Sites como Digg ou Wikipédia, estrelas da onda conhecida como web 2.0 – em que o
conteúdo é produzido pelo próprio internauta –, não passam de “picaretagem” para Keen. De
acordo com ele, o culto ao amadorismo defendido por esses sites tende a disseminar informações
e idéias de baixa qualidade, sem o crivo rigoroso de julgamento, consagrado pela mídia
tradicional.
Ainda é cedo para julgar definitivamente o impacto das novas tecnologias na forma como a
humanidade lida com a informação. Mas é sempre importante lembrar – sobretudo em momentos
de comoção, como a causada pelo desastre do vôo 3054 – que ninguém precisa de boatos, PROVOCAÇÃO
informações desencontradas e julgamentos precipitados. Keen acredita que a internet não democratiza a
informação, apenas cria “novas oligarquias”
HELIO GUROVITZ
diretor de redação
MAX GEHRINGER
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Paradigma é “padrão”. em grego, a palavra significava “colocar lado a lado”, para efeito de
comparação. Em linguagem jurídica, “jurisprudência” é sinônimo de paradigma. Um juiz
decide uma causa com base em sentenças dadas por outros juízes para causas semelhantes.
Em linguagem corporativa, “quebrar paradigmas” é substituir padrões antigos por padrões
novos. Mas não necessariamente melhores.
Por que não se ouve mais falar do “home office”? Nos anos 90, essa prometia ser a
grande tendência para o futuro. Não deu certo?
Maciel
Deu. Nos anos 90, a idéia não surgiu devido ao conforto que o empregado teria se
trabalhasse em sua própria casa. Ela nasceu mais da necessidade das grandes corporações
de reduzir seus custos. Com empregados remotos, diminuía a necessidade de espaço nos
escritórios – e de tudo o que advém disso, como móveis, materiais, café, transporte – e de
funções de apoio – portaria, recepção, secretárias, boys. Atualmente, o número de
prestadores de serviços que operam a partir de casa é grande, e está aumentando. Mas eles
não têm o mesmo espaço na mídia que as grandes corporações conseguem, e isso dá a
impressão de que o home office foi um modismo que passou. Para quem tiver interesse no
assun-to, eu sugiro acessar um site que não quer vender nada, mas apenas compartilhar
experiências e oferecer dicas de como trabalhar em casa. É o www.gohome.com.br. MAX GEHRINGER
é comentarista corporativo, autor de sete livros sobre o
mundo empresarial e escreve semanalmente em ÉPOCA.
Todo ano, eu tiro 30 dias de férias. A lei trabalhista me faculta fazer isso, mas eu não
consigo escapar das gozações de meus colegas (“quem é rico pode”) e das recomendações irônicas dos chefes (“se você ficar muito
tempo fora, vão perceber que você é dispensável”). O que fazer, perder dez dias com a família só para não ouvir bobagens?
Andréa
Você é mais feliz do que pensa, Andréa. Muita gente não consegue nem tirar os 20 dias mínimos de férias. Há empregados que só tiram
férias no papel (assinam a quitação e continuam trabalhando) e há outros que saem, mas ficam disponíveis através do celular ou do e-mail,
comprometendo o descanso. Você não deve se sentir culpada por usar um benefício que a lei lhe oferece, mas deve levar em consideração a
cultura interna – se os diretores de sua empresa não saem de férias, os gerentes os imitam e o mau exemplo desce organograma abaixo. Há
um ditado que diz: “Ditadores não tiram férias”. Veja o caso de Fidel Castro. Ele está no poder há 48 anos. Nesse período, quantos dias de
férias ele tirou? Nenhum. Por isso, Andréa, você está certa em não se deixar “fidelizar”, mas não tenha dúvidas de que sua postura é um
incômodo para os “fidelizados”.
Tenho 46 anos e sempre fui vendedor, em grandes empresas. Sou empírico, eu sei, mas em minha casa há uma prateleira cheia de
prêmios que ganhei. Porém, pela primeira vez na vida, estou parado. Faz cinco meses que não consigo um emprego. Será que a
profissão de vendedor mudou e eu não percebi?
Paulo B.
Sim, Paulo, mudou. Principalmente nas grandes empresas. A oferta de profissionais com nível superior, que se candidatam a vagas de
vendedores, vem crescendo a cada ano. São jovens com muito gás e muitos diplomas, que falam inglês e sabem tudo de informática. Mesmo
que tal excesso de qualificação não seja requerido para a função de vendedor, as empresas aproveitam a abundância de pretendentes. Você
pode (1) correr atrás do tempo perdido e se atualizar ou (2) mudar seu foco e procurar vagas em empresas de menor porte.
PAULO GUEDES
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Somos agora visitados pelo espectro do desaquecimento econômico. Repetem-se os episódios de quedas sincronizadas das bolsas. O primeiro
mergulho em zona de turbulência ocorreu em maio-junho de 2006, quando foi atingido o setor de construção residencial americano. O
segundo mergulho deu-se em janeiro-fevereiro de 2007, quando a eclosão da inadimplência nas hipotecas de alto risco afetou o setor
financeiro. E experimentamos agora o terceiro episódio, com a ameaça de contaminação dos mercados de crédito, que aprofunda a dimensão
financeira da crise. Mas ainda sem abalar a coluna central do templo: a massa de consumidores, responsável por dois terços da demanda nos
Estados Unidos.
A captura da psicologia dos investidores pelo tema do aperto da liquidez global, de um lado, e a reflexividade entre as expectativas e a
realidade, de outro, indicam a complexidade do enredo registrado pelas bolsas. O herege das finanças Benoit Mandelbrot atribui então a
turbulência dos mercados acionários globais “à psicologia das multidões, agindo ao sopro de expectativas extremamente voláteis sobre o que
possa ocorrer ao complexo mecanismo da economia mundial”. E descreve, em O Mau Comportamento dos Mercados (2004), “cascatas de
vendas inundando os pregões, derrubando os mercados, um após o outro, causando grandes perdas em pequenas janelas de tempo”.
Agora, a boa notícia. Ao contrário de todos os episódios anteriores em que houve a contaminação dos mercados de crédito, desta vez o Brasil
não faz o papel de bandido no filme. Enquanto o mundo mergulha no esforço de desaceleração, colhemos os frutos do trabalho prévio de
estabilização e ensaiamos a recuperação de uma dinâmica própria de crescimento, com base no mercado interno. Por enquanto, a crise é lá.
FERNANDO ABRUCIO
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Entretanto, num ambiente de massa, as vaias ganham diversas conotações. Teorizar sobre
sua natureza é uma questão bizantina. O único aprendizado em relação a esse episódio é que
ele representa um dos aspectos da democracia, o da liberdade de expressão. Oposicionistas
e governistas devem respeitar essa máxima democrática sem querer dar a ela uma direção
que só poderá ser compreendida quando a palavra na multidão for transformada em voto. O Fernando Abrucio é doutor em Ciência Política pela USP,
melhor é respeitar a pluralidade de opiniões. professor da Fundação Getúlio Vargas (SP) e escreve
quinzenalmente em ÉPOCA
Pior que o embate sobre as vaias foi a indevida politização da tragédia de Congonhas. É impossível ignorar que o Brasil passa por uma crise
no setor aéreo, com responsabilidades do governo. O problema é procurar um culpado pela catástrofe para faturar sobre o “inimigo político”.
Oposição e governo erraram feio nessa estratégia. Uns inventando coisas que estariam na caixa-preta do avião e outros comemorando de
forma absurda a “inocência” da pista do aeroporto. O que a sociedade quer, além da apuração das causas do acidente, é evitar a repetição de
tão triste fato.
Para completar o quadro de maniqueísmo, eis que surge o embate dos “cansados” versus os “perseguidos”. De um lado, um grupo organiza
um movimento intitulado “Cansei”. Segundo uma visão pluralista da democracia, é sempre bom que setores sociais se associem e
reivindiquem direitos. Não importa se são pobres ou ricos, se moram em Parelheiros ou se passam o fim de semana em Campos do Jordão.
Seguindo a lógica schmittiana, o “outro lado” colocou armadura e atacou o “Cansei”. Formou-se o time dos “perseguidos”, que sofrem com a
“conspiração das elites”. Mesmo havendo exageros e por vezes má-fé de setores da mídia contra o governo Lula, não faltam problemas na
gestão petista. Bons governantes devem celebrar os acertos, mas precisam se concentrar no aprendizado em relação aos erros. Quanto mais
debates houver, maiores são as chances de o governante melhorar seu desempenho.
O maniqueísmo pode ser um guia fácil para o combate entre oposicionistas e governistas ou para os setores sociais que se acham donos da
verdade. Mas ele é um dos principais obstáculos à resolução dos complexos problemas do Brasil.
CHRISTOPHER HITCHENS
Nenhum ser humano pode afirmar com certeza que Deus existe. Está ainda mais além da
capacidade cognitiva de qualquer pessoa afirmar sem problemas que o senhor da criação
disse suas palavras definitivas a um mercador analfabeto na Arábia do século VII. Quem
alardeia acontecimentos fantásticos por definição não tem idéia do que diz (e isso inclui
quem afirma que Moisés abriu o Mar Vermelho ou que uma virgem ficou grávida).
Por que, então, deveríamos ser obrigados a “respeitar” os que insistem que só eles sabem
algo que não se pode saber? E que, ainda por cima, pode se transformar em permissão para
matar? Como de vez em quando desafio a propaganda islâmica publicamente, ouço que
teria “insultado 1,5 bilhão de muçulmanos”. Há um tom de ameaça nessa afirmação. Não
acho que Maomé tenha feito uma “viagem noturna” a Jerusalém em um cavalo alado. E não
importa que 10 bilhões de pessoas digam o contrário. Mas uma ameaça real de violência
está por trás da exigência dos muçulmanos por “respeito”. CHRISTOPHER HITCHENS
é escritor, colunista da revista Vanity Fair, autor e
colaborador regular do New York Times e The New York
Um estudante da Pace University, em Nova York, foi preso por crime de ódio porque jogou Review of Books. Escreve quinzenalmente em ÉPOCA
fora um Alcorão. Nada me causa mais repulsa que maltratar livros. Mas, se eu quiser cuspir
sobre uma cópia dos escritos de Ayn Rand, Karl Marx ou James Joyce, é problema meu. Quando entro em um quarto de hotel e jogo pela
janela a cópia não-solicitada da Bíblia ou do Livro dos Mórmons, não estou infringindo a lei, exceto talvez em relação ao lixo. Por que
fazemos essa distinção para o Alcorão? Por medo. Porque os fanáticos por esse livro provaram mais de uma vez que falam sério quando o
assunto é intimidação.
O incidente na Pace University é ainda mais absurdo se lembrarmos que os islâmicos são os atuais líderes no
Há uma ameaça de campeonato mundial de queima de livros. Depois dos rumores de que um Alcorão teria sido jogado na
violência por trás da
privada em Guantánamo, uma turba queimou uma biblioteca antiga no Afeganistão onde (como observou
exigência de respeito
secamente o presidente Hamid Karzai) havia cópias antigas do mesmo livro. Não satisfeitos com incendiar
feita pelos muçulmanos
cópias dos Versos Satânicos, linchadores islâmicos pediram que o autor, Salman Rushdie, também fosse
queimado. Muitos autores, muçulmanos ou não, estão mortos ou escondidos por escrever sobre afirmações inacreditáveis do islã. E é para
aplacar esse fanatismo que um estudante de Nova York foi preso.
É preciso acabar com isso. Quando vamos ver alguém ser preso por defender que livros sejam queimados em nome de Deus? Se a polícia
realmente estiver interessada, posso ajudar a identificar pessoas que fizeram ameaças físicas contra a publicação nos Estados Unidos de umas
charges dinamarquesas.
É comum dizer que a oposição ao jihadismo só aumenta o recrutamento. Se for verdade, funciona para os dois lados. Que tal lembrar aos
islâmicos que sua política na Caxemira fez com que 1 bilhão de hindus se transformassem em inimigos?
Os inimigos da intolerância não podem ser tolerantes ou neutros sem fazer um convite ao próprio suicídio. Os que fazem apologia do
fanatismo, da censura e do assassinato suicida não podem se abrigar sob a sombra do pluralismo que estão abertamente tentando destruir.
RICARDO NEVES
Afinal ainda não tinha sido inventada sequer a fotografia. Hoje vivemos em um mundo com
abundância de informações visuais. Os documentários da TV e vídeos na internet são
corriqueiros. As viagens se tornaram mais acessíveis para apaixonados por ver espécies
selvagens no próprio meio ambiente. Operadoras de turismo oferecem pacotes com visitas a
parques e reservas naturais. O zôo é hoje ilógico. Caminha na direção do museu das
instituições e organizações humanas ultrapassadas, como a escravidão, a monarquia e o
castelo feudal.
Estamos vivendo uma espécie de grande guerra do novo mundo digital contra o velho
mundo pós-industrial. E nessa disputa as organizações antigas devem se reinventar, ou
ficarão ultrapassadas como os zoológicos. Uma pesquisa feita por uma das mais famosas
empresas de consultoria, a McKinsey, compreendendo as mil maiores empresas americanas RICARDO NEVES
nos últimos 40 anos, sugere que, quanto mais antiga uma companhia, menor é sua é consultor de empresas e escreve quinzenalmente em
capacidade competitiva e de desempenho em relação ao mercado. Uma pesquisa similar ÉPOCA. É autor do livro Novo Mundo Digital, volume I
da trilogia Renascença Digital.
feita na Coréia do Sul mostra que das cem maiores empresas em 1955 apenas sete ainda www.ricardoneves.com.br
estavam na lista de 2004. A realidade das organizações governamentais – do Executivo, do [email protected]
Legislativo ou do Judiciário – se revela ainda mais desanimadora. A cultura do setor
público é a mais refratária ao desafio da mudança e da reinvenção, e isso torna essas organizações um fardo custoso e de resultados
frustrantes. Como em um zôo, os funcionários se sentem enjaulados, sem espaço para desenvolver seu potencial criativo e sem liberdade para
interagir com os outros.
A partir dos anos 80, várias empresas começaram a dar respostas ao desafio da criação de novos tipos de organização. Dessas
experimentações, o melhor exemplo são as empresas da Nova Economia, como Google, Microsoft, Apple, HP e Cisco. Essas empresas
compreenderam, de forma pioneira, que uma organização contemporânea da internet tem duas características cruciais: primeiro, deve ser
uma rede de pessoas operando como se fosse uma orquestra, e não um organograma burocrático. Além disso, é vital lutar para atrair os
melhores talentos do mercado. Esses talentos conectados permitem que a organização faça mais com menos. Com mais qualidade e usando
menos recursos físicos e naturais.
Independentemente do tamanho, qualquer empresa pode deixar de ser um zôo e virar um grande local de
Por que seguir se trabalho, mas tem de acertar o passo e inovar na direção correta: pessoas em rede, como uma orquestra,
vendendo em troca de
atraindo talentos. Isso é o que sustenta o Great Place to Work Institute, organização internacional que
estabilidade e segurança
desenvolve pesquisas e certificações sobre as melhores práticas das empresas e publica, com ÉPOCA, o guia
em empresas
As 100 Melhores Empresas para Trabalhar no Brasil. Nós sempre podemos escolher onde colocar nossas
antiquadas?
energias. Por que seguir se vendendo em troca de estabilidade e segurança em empresas antiquadas? Afinal,
gastar a vida nos zôos humanos pode trazer infelicidade e até fazer adoecer. Não procure emprego. Procure perspectivas. Se a organização
em que você trabalha não oferece oportunidades de crescimento, peça demissão e fuja da jaula.
PRIMEIRO PLANO
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Primeiro Plano
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ESPECIAIS
TESTE DA GORJETA
Quem repara num virtuose tocando no metrô?
O jornal americano The Washington Post resolveu testar o poder transcendental da música. Convenceu um dos melhores violinistas do
mundo, o americano Joshua Bell, a fazer uma apresentação “à paisana” numa agitada estação de metrô. O objetivo era checar se um músico
de primeira classe, executando obras-primas da música mundial, consegue prender a atenção num ambiente banal. Foi um fiasco. Em 43
minutos, só sete pessoas pararam para ouvir. Uma mulher reconheceu Bell e doou US$ 20. Alguns jogaram moedas sem olhar. A maioria em
nada reparou. A pedido de ÉPOCA, o violinista Paulo César Paschoal, um dos mais promissores da Orquestra Sinfônica do Estado de São
Paulo, a Osesp, topou fazer o mesmo teste. No dia 27 de julho, uma sexta-feira, ele chegou de jeans e moletom à Estação São Bento do
Metrô paulistano e começou a tocar. Resultado: a julgar pelo número de ouvintes, Paschoal fez mais sucesso que Bell. Mas, em
compensação, arrecadou menos. Será que o brasileiro é mais erudito?
A pedido de Época, o
violinista Paulo César
Paschoal, da Osesp, fez
o mesmo teste de
Joshua Bell: tocou “à
paisana” no metrô
Estação L’Enfant Plaza do metrô de Washington Local e data da Saída da Estação São Bento do Metrô de São Paulo, no
(EUA), no dia 12 de janeiro, uma sexta-feira apresentação dia 27 de julho, uma sexta-feira
Quantas pessoas
1.097 897
passaram pelo local
Quantas pessoas
Uma reconheceram o Nenhuma
violinista
Total arrecadado em
US$ 52,17 R$ 13,05
gorjetas*
PREPARAÇÃO
Na sexta-feira 27, o violinista Paulo César Paschoal chegou por volta das 17 horas
à Estação São Bento. Sacou o violino, afinou-o e começou a tocar
SHOW
De moletom e calça jeans no lugar do tradicional fraque, o músico tocou obras
consagradas de Bach e Vivaldi, entre outras, das 17h10 às 17h55
SUCESSO
No total, 22 pessoas pararam para ouvir e seis deram alguma gorjeta. Um rapaz
chegou a filmar o show com seu celular. Paschoal arrecadou R$ 13,05
VOCÊ VOTOU
Lençóis, a maravilha campeã
A mais bela maravilha natural do Brasil, segundo os internautas que participaram da enquete no site de
ÉPOCA, são os Lençóis Maranhenses: um grande deserto no litoral do Maranhão formado por dunas de
até 40 metros, separadas por lagos de água azul-turquesa. Entre o dia 28 de julho e a quinta-feira passada,
4.040 pessoas votaram. O objetivo era sondar qual deveria ser o representante brasileiro na disputa pelo
título das Sete Maravilhas Naturais do Mundo, concurso que está sendo promovido pelo mesmo grupo
suíço que organizou a eleição das Sete Novas Maravilhas do Mundo. A votação é feita pelo site
www.new7wonder.com.
PARAÍSO
Dunas dos Lençóis separadas por lagos
de água azul-turquesa
CAMPANHA RUSSA
O Pólo Norte é coisa nossa
Dois minissubmarinos russos desceram 4.261 metros até o fundo do Oceano Glacial Ártico para
fincar no solo abissal uma bandeira da Rússia feita de titânio. Foi um gesto simbólico, científico
e político. Simbólico por mostrar ao mundo o nível de sofisticação tecnológica do país.
Científico porque a expedição vai coletar material para pesquisas. E político porque a Rússia
defende a anexação de uma parte maior do Pólo Norte a seu já vasto território. O local pode
possuir grandes reservas de petróleo.
PREGO
Um dos submarinos que desceram 4.261 m para
fincar bandeira
BANDEIRA PRETA
O exemplo do infrator Piquet
NA POLE
O tricampeão da F-1 na sala de aula do Detran de Brasília
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ALEXA SALOMÃO
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ESPECIAIS
• O fanfarrão e os aristocratas
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4. Uma ovelha de sete patas nasceu na terça 31 numa fazenda da Nova Zelândia. O
veterinário Steve Williams, que fez o parto, disse que ela nasceu desse jeito devido
a uma má-formação de seu embrião. A doença é comum nas ovelhas. Mas nunca
houve uma com sete membros. A notícia foi a mais lida do Yahoo! News.
http://www.indianajones.com/site/index.html
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Dois Pontos
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"Deus fez o homem perfeito, com duas orelhas: uma para ouvir as vaias e outra para ouvir aplausos’’
LULA, presidente da República, sobre as vaias que anda recebendo por onde passa
‘‘É melhor ser a maior banda independente do Brasil do que a menor banda do mainstream’’
FERNANDA TAKAI, vocalista do Pato Fu, banda que resolveu viver à própria custa, sem vínculo com gravadoras
‘‘‘Cansei’ é um termo muito usado por dondocas enfadadas em algum momento das vidas enfadonhas que vivem’’
CLÁUDIO LEMBO, ex-governador de São Paulo, sobre o Cansei, movimento de protesto liderado, segundo ele, pela “elite branca”
VAZ DE LIMA, presidente da Assembléia Legislativa de São Paulo (PSDB), explicando por que usou carro oficial no casamento de Sophia,
filha do ex-governador Geraldo Alckmin
‘‘Ando pelo país e nunca ouvi dizer que a atração (o programa Zorra Total) é ruim: só falam que ela é péssima’’
‘‘Eu não tenho a menor dúvida de que abraçar árvore é bom. Não vejo nada de metafísico ou esotérico nisso’’
‘‘Poderia ter (conflito de interesse) se eu fosse parcial. Mas eu não sou. Minha atuação é republicana’’
VALMIR AMARAL, ex-senador (PMDB-DF) que, mesmo sendo dono de empresas de ônibus, fez uma indicação política para a Agência
Nacional de Transportes Terrestres
‘‘Tinha jogador que chegava (no hotel) entre 4 e 6 horas da manhã bêbado’’
RICARDO TEIXEIRA, presidente da CBF, explicando por que o Brasil foi mal na Copa da Alemanha, em 2006, segundo reportagem do
jornal O Estado de S. Paulo
‘‘O Rio tem totais condições de sediar as Olimpíadas. Atenas nunca sediou um Pan-Americano, mas teve condições de bancar as
Olimpíadas de 2004’’
OSCAR SCHMIDT, ex-jogador de basquete, defendendo o Rio-2016 com uma lógica irrefutável
‘‘O meu maior prazer era entrar em uma sala com 40 alunos, explicar e perceber que eles aprendiam’’
DALVA FORTUNATO, professora de uma escola estadual em São Paulo que abandonou 30 anos de profissão por ter sido ameaçada de
morte por um aluno de 16 anos
‘‘Continuamos ‘arianistas’ no nosso inconsciente e no nosso subconsciente. E até gritantemente no nosso consciente’’
LÁZARO RAMOS, ator, reclamando de um site que elegeu apenas homens com traços europeus entre os dez mais gatos do Pan
Denise é fogo
Briguenta e neófita no mundo da aviação, a diretora da Anac é um símbolo do prejuízo geraado pelo aparelhamento político das
agências reguladoras
RONALD FREITAS
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Criada para regular e fiscalizar o setor aéreo, a Anac é acusada – até dentro do governo – de favorecer as empresas em detrimento dos
passageiros. Seus diretores, que deveriam ser independentes e especialistas em aviação, foram quase todos escolhidos por indicação política.
Até o acidente com o vôo 1907 da Gol, no ano passado, quase ninguém havia reparado nisso. Hoje, dez meses de caos e mais 199 mortos
depois, o comando da Anac passou a ser um incômodo para o governo.
Desde que foi fotografada fumando charuto numa festa na Bahia, em março, num fim de semana em que milhares de passageiros se
desesperavam nos aeroportos à espera de vôos atrasados e cancelados, Denise Abreu tornou-se o rosto mais conhecido dos pecados da Anac.
“Muita gente fumou charuto naquela festa. Por que só tiraram foto de mim?”, disse Denise a Época. Aos 45 anos, divorciada, um filho,
Denise é procuradora do Estado de São Paulo. Desde a década passada está afastada para ocupar cargos políticos. No governo do tucano
Mário Covas, foi chefe de gabinete da Secretaria de Saúde de São Paulo e depois foi para a Febem na tentativa de contornar uma crise.
Chegou a Brasília em 2003, para trabalhar na Casa Civil, a convite do então ministro José Dirceu, seu colega de faculdade nos anos 80. Com
a queda dele, permaneceu no ministério, na equipe de Dilma Rousseff. Depois, foi para a Anac, indicada por Dirceu. Ele nega a indicação.
Antes disso, segundo Época apurou, Dirceu tentara arrumar um emprego para a amiga no Conselho Administrativo de Defesa Econômica
(Cade) e acabou desistindo, porque os senadores da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado avisaram que ela seria barrada por
desconhecimento técnico.
Na Anac, Denise é conhecida por falar alto e bater na mesa para defender seus pontos de vista. Funcionários contam que ela costuma exercer
pressão sobre colegas diretores e subordinados em conversas no fumódromo improvisado no terraço do último andar do prédio da agência.
Incomodado com o que considerava uma área de conspiração dela, o presidente da Anac, Milton Zuanazzi, mandou fechar o fumódromo.
Entre os companheiros da Anac, Denise é criticada por tratar de modo rude os subordinados. “Trabalho até 16 horas por dia, delego e cobro”,
afirma Denise. “Talvez achem que isso é arrogância.” Há dez meses, logo depois da queda do avião da Gol, ela irritou os parentes dos mortos
que buscavam informações no aeroporto de Brasília. “Vocês são inteligentes. O avião caiu de 11.000 metros de altura. O que vocês
esperavam? Corpos?”, afirmou. Logo após a tragédia com o vôo 3054 da TAM, ela tratou de eximir a Anac de responsabilidades. “O
acidente não foi no ar. Ninguém bateu no ar, tá? Então, o acidente não tem nada a ver com o número de vôos em Congonhas”, disse.
De acordo com a legislação das agências reguladoras, a diretoria da Anac deveria ser
"Não faça mais isso, senão eu abro sua
ocupada por especialistas na área. Na prática, vigora o apadrinhamento político. Além de
caixa-preta" Denise, o presidente da agência, Milton Zuanazzi, chegou ao cargo por suas relações com
Brigadeiro José Carlos Pereira, presidente da
Infraero, ameaça a diretora da Anac, Denise Dilma e com o ministro Walfrido dos Mares Guia (Assuntos Institucionais). Outro diretor, o
Abreu, após reunião do governo sobre o caos ex-deputado Leur Lomanto (PMDB-BA), foi indicado pelo próprio partido depois de relatar
aéreo o projeto de lei que criou a agência. O economista José Barat seria uma indicação das
companhias aéreas, segundo funcionários de uma dessas empresas. A exceção é o diretor
Jorge Velozo, aviador da Força Aérea Brasileira (FAB), especialista em segurança de vôo.
Sem profissionais independentes, a Anac dá sinais que reforçam a suspeita sobre sua atuação. Sua primeira resolução, no primeiro semestre
de 2006, privilegiou Varig, Gol e TAM na distribuição das permissões para pousos e decolagens no aeroporto de Congonhas e deixou em
desvantagem as companhias menores, como a BRA, a Ocean Air e a Pantanal. Autoridades que acompanharam o processo disseram a Época
que o Sindicato Nacional das Empresas Aéreas (Snea) participou da redação do projeto de lei de criação da Anac. Por meio de sua assessoria
de imprensa, o Snea nega participação no projeto.
Outro indício da proximidade entre a Anac e as empresas que deveria fiscalizar ocorreu no fim do ano passado. O diretor Josef Barat
participou de um evento promovido pela TAM em Nova York, com despesas pagas pela companhia. Em sua defesa, ele diz que a viagem foi
aprovada pela corregedoria da Anac. Na semana passada, Barat disse que é comum empresas pagarem despesas de viagem para funcionários
do governo participarem de eventos no exterior. Afirmou que funcionários do Ministério da Fazenda e do Banco Central viajam com
despesas pagas por bancos. O Ministério da Fazenda e o BC negaram a prática.
A ingerência das companhias aéreas na Anac é um contra-senso. A Anac tem a missão de fazer as regras e de fiscalizar se elas são
cumpridas. Para agir com a independência necessária, é fundamental ter uma diretoria técnica. “Se os diretores não têm segurança para
sustentar uma decisão, ficam reféns daqueles que deveriam regular”, diz a economista Lúcia Helena Salgado, pesquisadora do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), especializada em agências reguladoras.
As agências reguladoras foram criadas no governo Fernando Henrique Cardoso para fiscalizar setores econômicos recém-privatizados, como
telecomunicações ou energia. O modelo foi copiado dos países ricos. Para escapar da pressão política, por lei seus diretores têm mandato fixo
– no caso da Anac, de cinco anos. Isso sempre incomodou o governo Lula, cuja preferência é concentrar o poder nos ministérios. Na
impossibilidade de alterar o modelo, o governo tem preferido levar sua interferência política para dentro das agências sempre que possível.
As nomeações políticas dos diretores começaram ainda no primeiro mandato. Em vez de simplesmente cumprir a lei e fortalecer a Anac com
especialistas, o governo pensa agora em mudar as agências. Deputados e senadores usam a impossibilidade de demitir os diretores para tentar
votar projetos que reduzam o poder das agências. Trata-se de um retrocesso. O problema central não é a existência das agências, mas seu
aparelhamento político.
Na semana passada, enquanto discutia com o Congresso saídas legais para substituir a diretoria da Anac, o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva deu seqüência ao loteamento político do segundo escalão. Confirmou a nomeação do urbanista Luiz Paulo Conde, ex-prefeito do Rio
de Janeiro, para a presidência de Furnas, a maior estatal do país no setor energético. Sua indicação era uma imposição do PMDB. Nos
próximos dias, o ex-governador de Santa Catarina Paulo Afonso Vieira, também peemedebista, poderá ganhar um cargo na Eletrosul. Como
Conde, Paulo Afonso não é da área: é advogado. Os dois conhecem o setor elétrico tanto quanto Denise ou Zuanazzi entendem de aviação.
Não é difícil perceber que acaba de aumentar o risco de apagões.
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BRASIL
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Nos últimos 12 meses, os
metroviários de São Paulo fizeram
quatro greves. A primeira, em
agosto de 2006, foi realizada em
protesto contra a concessão de uma
nova linha à iniciativa privada. A
segunda, em abril, ocorreu porque o
sindicato da categoria, filiado à
Central Única dos Trabalhadores
(CUT), decidiu que parar o Metrô
seria uma forma de pressionar o
Congresso contra uma mudança na
legislação trabalhista.
A greve da semana passada repete o ritual das paralisações do setor público. Os funcionários param e o governo ameaça com cortes de
salário ou demissões, mas eles insistem. No final, um acordo negociado pela Justiça acerta a volta ao trabalho e nenhuma punição aos
grevistas. A impunidade é possibilitada pelas lacunas da legislação brasileira em relação ao direito de greve para os servidores públicos.
Previsto pela Constituição de 1988, esse direito nunca foi regulamentado pelo Congresso. Então, não há regras para estabelecer limites nem
punições para os grevistas que paralisam serviços públicos e prejudicam a população. “Existe um vácuo, um buraco negro”, diz o advogado
trabalhista José Guilherme Mauger. “Pela Constituição, toda greve de servidor público é abusiva, mas não há previsão de punição.”
Isso cria uma situação absurda em que cada um faz o que quer. Até o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, líder das maiores greves dos anos
80, reclamou de abusos cometidos por servidores públicos em paralisações recentes no Ibama, no INSS e no Ministério da Cultura, que
duraram meses. Atualmente, estão em greve os servidores do Incra e das universidades federais. “O que não é possível, e nenhum brasileiro
pode aceitar, é alguém fazer 90 dias de greve e receber os dias parados, porque aí deixa de ser greve e passa a ser férias”, disse o presidente.
O governo federal anunciou a disposição de enviar em breve ao Congresso um projeto de lei que estipula cortes de salário pelo número de
dias parados e um mínimo de 40% de funcionários trabalhando em serviços essenciais. O projeto enfrenta restrições das centrais sindicais,
entre elas a CUT.
No caso do Metrô de São Paulo, o governo do Estado diz que a greve tem motivos políticos. Os metroviários pedem uma fatia maior na
participação dos resultados e a antecipação do pagamento. O governo afirma que, na verdade, o sindicato da categoria pressiona contra uma
licitação para a compra de 17 novos trens que podem funcionar sem operadores.
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NEGÓCIOS
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Em Paris, capital mundial da moda,
uma brasileira foi considerada a
“rainha das camisas”. O título foi
dado pelo jornal Le Figaro à carioca
Anne Fontaine, de 37 anos. Não
conhece? Ela é dona de uma rede de
lojas que faturou US$ 170 milhões
no ano passado, tem mais de 70 lojas
na Europa, nos Estados Unidos, na
China e no Japão e cuja receita
prevista para 2007 deverá crescer
20%. Mas, no Brasil, suas camisas
são vendidas apenas na butique Avec
Nuance, no Rio de Janeiro. “O Brasil
ainda não é prioridade para ela”, diz
Sílvia Chreem, dona da Avec.
Aos 23 anos, em 1993, conheceu o francês Ari Slotkin, então dono de uma decadente fábrica de camisas para garçonetes. Ele vinha sendo
destruído pela concorrência com as malhas chinesas, muito mais baratas. Para ajudá-lo, Anne diz ter vencido um preconceito. “Faço minhas
próprias roupas desde os 10 anos de idade, mas achava que trabalhar com moda era supérfluo”, afirma. Sua estratégia para ajudar o
namorado foi elevar o padrão das roupas. Ela desenhou um modelo de camisa branca, com colarinho duplo, flores em alto-relevo e laços.
Com a nova modelagem, apostou que a camisa feminina poderia deixar de ser uniforme de reuniões de trabalho para virar item de luxo.
Acertou. Hoje, suas peças chegam a ser vendidas por 290 euros.
A empresa foi rebatizada. Chama-se, até hoje, Anne Fontaine. O primeiro lote de camisas, vendido para uma loja de departamentos, logo
sumiu das prateleiras. “Muitos lojistas nos procuraram”, diz Anne. “Mas queríamos ter nossa própria loja.” Para começar seu negócio, o
casal pediu empréstimo a vários bancos franceses – sem sucesso. Apenas um pequeno banco financiou parte do negócio. Eles recorreram,
então, a parentes e amigos para inaugurar, em 1994, a primeira loja. Anne escolheu o bairro de Saint Germain-des-Prés, na Rive Gauche,
ponto de encontro de artistas e intelectuais, em Paris. Naquela época, as butiques de luxo começavam a se instalar por lá. “Ela acertou no
lugar”, diz Regina Martelli, consultora de moda. “Se fosse em São Paulo, a loja não ia dar certo. Os franceses valorizam o básico, como as
camisas brancas e os vestidos pretos.”
Alta-costura
Os números da grife
No ano seguinte, Anne abriu a primeira loja em Tóquio. “O mercado japonês é muito dinâmico e foi muito importante para nosso
amadurecimento”, diz. Mais um ano, e ela entrou no mercado americano. A carioca Sílvia Chreem, da Avec Nuance, é uma das poucas
revendedoras da grife. Anne não tem sócios nem franqueados. As poucas parcerias que fez não deram certo. “Perdemos dinheiro ao
recomprar a parte de uma sócia nos Estados Unidos que não tocou bem o negócio”, afirma. Ela visita todas as lojas da grife pelo menos duas
vezes por ano. “Vivo no avião.” A sede da empresa fica em Honfleur, uma pequena cidade turística no norte da França. “Como trabalho 12
horas por dia, mudei para o campo para amenizar o estresse.” É lá que fica seu ateliê, onde ela ainda desenha as roupas da companhia. No
início do ano, inaugurou uma loja-conceito e um spa, na Rua Saint Honoré, em Paris, ao lado de grifes badaladas como Valentino e Chloé.
Lá, oferece tratamentos e banhos com cosméticos à base de plantas. “Meu lado ambientalista não morreu.”
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NEGÓCIOS
Shopping no banco?
Com milhões de clientes indo para a internet, o sistema bancário começa a transformar suas agências. Eas agora vendem café,
roupas, têm espaço para ler e ouvir música...
POR ALEXA SALOMÃO
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Uma tendência do momento é repetir parte do modelo do ING e fazer associações com cafeterias para conferir um ar mais casual e propício
para as conversas financeiras. Na Inglaterra, o Abbey National, instituição tradicional com quase 20 milhões de clientes, associou-se ao
Costa Coffee. Na Holanda, o ABN Amro faz uma experiência similar com a rede de cafeterias Douwe Egberts Coffee. O Postbank, também
na Holanda, criou lojas de produtos financeiros, com prateleiras nas quais o cliente encontra caixas com empréstimos, poupanças e seguros.
Os pacotes trazem todas as informações, e o negócio pode ser fechado pelo telefone. O Jyske, terceiro maior banco da Dinamarca, foi mais
longe. Além de cafezinho, quitutes e computadores para navegação pela internet, abriu lojas de verdade, que oferecem até roupas.
Há experiências ainda mais arrojadas. O Deutsche Bank, o maior banco alemão, abriu no centro histórico de Berlim o que chama de agência
do futuro. O local parece um hotel. Tem bar, cafeteria e serviço de internet. No cardápio, saladas, sopas, vinhos e cervejas. Conta ainda com
uma loja em que é possível comprar bonés, mochilas e até toalhas da marca DB. Há também uma colorida área de recreação para as crianças,
com jogos e brinquedos para diferentes idades. Mas o grande precursor da reinvenção da agência é o Umpqua, um pequeno banco da região
oeste dos Estados Unidos.
Há 12 anos, o Umpqua percebeu o perigo da tecnologia e transformou suas agências em lojas de conveniência. Nelas é possível ouvir
música, ler livros, navegar pela internet e degustar, gratuitamente, um cafezinho da marca Umpqua. Sim, o banco tem sua marca de café. O
ambiente sofisticado conta com quadros, sofás confortáveis e requintes tecnológicos, como TVs de LCD. Seus funcionários não entendem
apenas de finanças. Foram treinados na arte de bem receber pela luxuosa rede de hotéis Ritz Carlton. Uma das delicadezas desses bancários
mais apreciadas pelos clientes é oferecer chocolatinhos em bandejas de prata quando entregam recibos de transações. Recentemente, o
Umpqua extrapolou os mimos e implantou aulas de ioga. A repaginação teve um efeito fantástico na expansão dos negócios. De instituição
nanica, com apenas cinco agências, o Umpqua passou a ser uma referência em serviços bancários, com 144 lojas de atendimento – já que
nenhuma delas lembra uma agência bancária nem de longe.
O homem que iniciou o enterro das agências
bancárias foi Arkadi Kuhlmann, o executivo
contratado para implantar o ING Direto. Ele detesta
convenções. Tem uma motocicleta Harley-Davidson,
símbolo da contracultura, e lê a mão dos clientes, um
talento herdado da avó. Kuhlmann acelerou uma
revolução no setor financeiro ao impedir que o ING
Direto tivesse aquelas coisas que ele mesmo odiava
nos bancos – a começar pelas filas. As agências são
cafeterias com terminais de computador, onde é
possível acessar o site da instituição. Quem não
consegue usá-los pode procurar outro banco. Os
serviços são enxutos. Só há dois tipos de conta –
uma corrente e uma de poupança. Isso agiliza a
abertura de conta pela internet. Também não exige
renda mínima e não cobra tarifas pelos serviços.
Quem ligar para o telefone gratuito do banco vai ser
atendido por uma pessoa de verdade do outro lado da
linha – não por aquela gravação irritante. A estrutura
mais enxuta permite que ele remunere melhor os
investimentos dos clientes. Com essa fórmula, o
banco virtual conquistou 5 milhões de clientes entre
os internautas mais sofisticados, que dispensam o
contato físico com o banco. Só nos Estados Unidos,
o ING Direto tem 52% das transações bancárias on-
line.
SOFISTICAÇÃO
Agência do banco Umpqua, nos Estados Unidos. O ambiente arrojado lembra os serviços de hotel de luxo
No Brasil, a mudança tem sido mais lenta. Apenas
um terço da população tem acesso ao computador e quase metade desses usuários ainda reluta em movimentar dinheiro pela internet. A
maioria das agências está longe de ser um oásis da prestação de serviços. Em boa parte dos bancos, durante os horários mais movimentados,
há filas até nos caixas eletrônicos.
As primeiras experiências para transformar os bancos brasileiros em locais de convivência e serviços mais sofisticados estão concentradas no
atendimento à alta renda. O Uniclass, do Unibanco, implantou 29 agências diferenciadas para os mais abonados. Lá os atendentes não estão
no balcão, mas em mesas. Os clientes podem usar salas de reuniões para assuntos particulares, munidas de fax, internet com banda larga e
serviço de copa. “Eventualmente, oferecemos eventos fechados, como degustação de vinhos e lançamentos de livros”, diz Maria Silvia
Ferreira, gerente do Uniclass. “Mas ainda não definimos mudanças mais consistentes no modelo das agências.” A matriz do ABN Amro, na
Avenida Paulista, em São Paulo, foi um pouco além. Criou uma praça de eventos no andar térreo, onde se concentra o atendimento às
empresas. Quem passa para ir a um caixa eletrônico pode apreciar exposições de arte e fazer compras em uma loja do Instituto Escola Brasil,
uma ONG que defende a qualidade do ensino. No estande, há roupas, peças de artesanato e produtos da marca ABN Amro, como canetas,
blocos e camisas. Toda a verba é revertida para ações sociais. O banco estuda seguir o exemplo da sede e associar-se a uma rede de
cafeterias, mas ainda está procurando um parceiro. “O fato é que a tecnologia mudou a função das agências”, diz Fernando Byington
Martins, diretor-executivo de estratégia corporativa do ABN Amro no Brasil.
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NEGÓCIOS
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Buscar o equilíbrio emocional, valorizar as pessoas e não
ter vergonha de fazer o dinheiro criar mais dinheiro. Essa é
a receita de sucesso do empresário mexicano e bilionário
Carlos Slim Helú, segundo uma entrevista exclusiva à
revista Época Negócios, a primeira depois de ter sido
apontado por um site financeiro como o homem mais rico
do mundo. Há 13 anos, o posto era de Bill Gates, o
fundador da Microsoft. A fortuna de Slim é estimada em
US$ 67,8 bilhões – quase US$ 9 bilhões maior que a de
Gates. Na entrevista, Slim fala de suas visões sobre a
economia, a riqueza e a felicidade. Também se defende da
crítica de ter feito fortuna em um país pobre por deter
monopólios. No México, Slim é dono da maior empresa
privada do país, a companhia telefônica Telmex, do maior
grupo financeiro, o Inbursa, e da maior companhia aérea, a
Solaris. Tem ainda fábricas de cigarros, metalúrgicas,
mineradoras, empresas de petróleo e supermercados. No
Brasil, o empresário controla a Embratel, empresa de
telefonia fixa, e a operadora de celular Claro. Também tem
metade da Net, a maior empresa brasileira de TV por
assinatura. Confira algumas de suas idéias.
A riqueza
“Ninguém leva nada deste mundo quando morre. Creio
que a riqueza deve ser administrada com eficiência,
probidade, eficácia e sobriedade para produzir mais
riqueza.”
A felicidade
“O equilíbrio emocional está na vida interior. É preciso
evitar aqueles sentimentos que corroem a alma, como
inveja, ciúme, luxúria, egoísmo, vingança, avareza. Não se
pode viver com medos e culpas.”
EXCLUSIVA
O segredo do sucesso Slim e a revista Época Negócios. Uma conversa sobre dinheiro e filosofia
“Os princípios não são novos. Têm 40 anos e estão
resumidos em um decálogo. Algo fundamental é a equipe, as pessoas. São as pessoas que tornam as coisas possíveis. Pessoas interessadas,
motivadas, que vestem a camisa.”
Oportunidades de negócio
“Há possibilidades a desenvolver nesses novos campos. O entretenimento é muito importante. As pessoas têm muito tempo livre. Mais
esportes, mais cultura e educação de alto nível. Há uma gama enorme de campos novos com enorme potencial de desenvolvimento.”
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SAÚDE
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Nos últimos 20 anos, a visão de que a sinestesia envolve outros elementos cognitivos ganhou terreno entre os psicólogos. Um dos motivos é
a existência de casos atípicos, como o de A.P. As experiências vividas por ela são difíceis de explicar em termos puramente sensoriais. Há
também novas evidências experimentais que não podem ser descartadas.
No ano passado, uma equipe liderada por Mike Dixon, da Universidade de Waterloo, em Ontário, no Canadá, realizou testes com uma
mulher que vê letras ou números em cores bem definidas. Mostraram para ela uma série de formas ambíguas que poderiam ser tanto letras
como números e descobriram que as experiências com a cor dependiam do significado, não da forma. Quando ela via um garrancho que
poderia ser um S ou um 5, enxergava verde – a cor que ela associava à letra S – quando ele aparecia em MU5IC (a palavra “música”, em
inglês). Mas quando ele aparecia em 1234S6 ela enxergava rosa – a cor que associava ao número 5.
Mais ou menos na mesma época, os pesquisadores Julia Simner e seu colega Jamie Ward também estavam procurando evidências de que a
experiência sinestésica poderia ser induzida apenas pelo significado conceitual de uma palavra. Juntaram um grupo de pessoas que sentem
gosto para as palavras e mostraram-lhes fotos de objetos pouco comuns: gazebos, catamarãs, ornitorrincos, castanholas. O objetivo era
induzir o efeito de ter uma palavra na ponta da língua, quando sabemos o que é um objeto, mas não conseguimos lembrar o nome dele. Eis o
raciocínio de Julia: se as sensações sinestésicas fossem desencadeadas apenas pelos elementos sensoriais de uma palavra – as letras e os sons
–, os participantes deveriam sentir o gosto somente quando se lembrassem da palavra certa.
Não foi isso o que aconteceu. Algumas vezes, quando conseguiu induzir o efeito
de ter a palavra na ponta da língua, o gosto invadiu a boca dos participantes. Uma
mulher disse que sentiu gosto de atum quando tentava lembrar a palavra
“castanhola”. Outra sentiu gosto de chocolate quando não conseguia lembrar
exatamente a palavra “vitrola”. As duas confirmaram posteriormente que esses
eram os gostos que normalmente associavam àquelas palavras. Segundo Julia, isso
significa que algumas experiências sinestésicas são desencadeadas somente por
conceitos. Parece claro que, pelo menos para algumas pessoas, as sensações são
desencadeadas por conceitos, não por informações sensoriais. Qual a incidência
dessa forma de sinestesia? No ano passado, Julia fez uma estimativa
surpreendente.
Os pesquisadores fizeram testes, aleatoriamente, com 1.700 pessoas. Descobriram que a sinestesia é mais comum do que se pensava. Pode
atingir uma a cada 20 pessoas, com uma diferença muito menor entre os sexos. “Fiquei surpresa”, diz Julia. “Nossas estimativas foram 88
vezes mais altas que as anteriores.” A maioria desses sinestésicos não-assumidos nunca havia sido identificada porque não tinha percebido
haver algo diferente com seus sentidos. “Algumas pessoas nunca percebem que têm sinestesia. Para elas, é apenas sua maneira de ver o
mundo”, afirma Julia.
Dias coloridos
O estudo revelou outra surpresa. Até recentemente, acreditava-se que ver símbolos coloridos, como letras ou números, fosse a forma mais
comum de sinestesia. Algumas estimativas chegavam a 68% dos casos. Julia esperava um resultado semelhante, mas não foi o que constatou.
Na verdade, 64% das pessoas com sinestesia manifestavam uma forma em que os dias da semana têm cores. Ela também encontrou casos em
que as cores eram desencadeadas por meses, alguns nomes próprios ou palavras específicas.
Cerca de dois terços dos indivíduos que apresentaram sinestesia no estudo de Julia eram estimulados não por informações sensoriais, mas por
conceitos: dias, nomes e palavras. Se a variante que associa cor a letras e números for incluída nesse grupo, o índice sobe para quase 90%. A
conclusão da pesquisadora, ainda não definitiva, é que a visão da sinestesia como um fenômeno puramente sensorial precisa ser revista.
“Quanto mais aprendo sobre a sinestesia, mais me convenço de que não é possível explicá-la com base apenas nos vários tipos de sensação”,
diz Julia. Ela acredita que a sinestesia seja desencadeada principalmente por conceitos, especialmente os lingüísticos.
Descrições anteriores da sinestesia sugerem que cada indivíduo tem uma experiência única. Elas realmente podem ser classificadas em tipos
– palavras com gosto, música com cheiro, letras com cores e assim por diante. Mas não havia regras aparentes para esses grupos. Se para
uma pessoa “castanhola” tem gosto de atum, não quer dizer que para as outras o gosto vai ser o mesmo. Pode ser gosto de mingau, cera de
ouvido ou nada.
Pesquisas mais recentes dizem que nem sempre isso é verdade. Quando começaram a examinar pessoas que associam cores a símbolos, os
pesquisadores detectaram padrões que não haviam sido notados anteriormente. A letra O, por exemplo, muitas vezes é branca. Normalmente,
A é vermelha. B é azul ou marrom. Muitas vezes, Q e J são roxo ou rosa. Essas regras não são fixas, mas ocorrem com uma freqüência
suficiente para permitir que a psicóloga elaborasse um protótipo do alfabeto
sinestésico.
Para quem tem sinestesia, palavras podem ter
O que poderia estar por trás dessas correspondências? A equipe de Julia percebeu
gosto de atum, um número pode ser verde e uma
que letras freqüentes geralmente têm cores freqüentes, e letras pouco freqüentes,
música pode ter cheiro de perfume
têm cores pouco freqüentes. Outras associações refletem a primeira letra do nome
da cor: B muitas vezes é blue (azul) ou brown (marrom). G é green (verde) e Y é yellow (amarelo). O efeito se repete em outras línguas.
Alemães com esse tipo de sinestesia muitas vezes vêem G amarelo – a palavra em alemão para amarelo é gelb. Quando a pesquisadora
perguntou a indivíduos que não tinham sinestesia de que cor A ou B poderiam ser se tivessem uma cor, o resultado foi ainda mais intrigante.
As respostas combinavam com o alfabeto sinestésico mais que o esperado.
Coisas em comum podem ser encontradas entre as pessoas que associam palavras e gosto. As palavras muitas vezes têm o gosto de alguma
coisa com um som parecido. Prince (príncipe) tem gosto de mint (menta). Forage (pasto) tem gosto de orange (laranja). Há também ligações
conceituais: azul tem gosto de tinta e jornal tem gosto de peixe frito.
Esses padrões sugerem, diz Julia, que a sinestesia de alguma forma reflete mecanismos cognitivos que todos usamos quando processamos
conceitos lingüísticos. Isso tem conseqüências importantes. Ao estudar a sinestesia, os psicólogos podem conseguir decifrar conceitos
obscuros sobre o funcionamento da linguagem. “Os seres humanos armazenam uma quantidade enorme de conhecimento sofisticado sobre a
linguagem, mesmo não podendo articulá-lo”, afirma ela. “O estudo da sinestesia pode permitir que vislumbremos esses conhecimentos em
primeira mão, porque os sinestésicos experimentam de forma explícita aquilo que o resto de nós sabe apenas implicitamente.”
Esse novo campo começa a lançar luzes sobre alguns pontos obscuros da lingüística. Os lingüistas documentaram uma grande quantidade de
regras de pronúncia que nem sempre são evidentes. Em inglês, o fonema L tem três sons: um mais evidente, como na palavra like (gostar). E
dois menos evidentes, como em deal (trato) e bottle (garrafa). Os lingüistas querem saber se esses sons diferentes são processados
diferentemente pelo cérebro. A sinestesia pode ter a resposta.
Outra área em que a sinestesia se mostrou útil é com palavras como blackbird (melro) ou tablecloth (toalha de mesa). Os lingüistas discutem
há bastante tempo se o cérebro armazena essas palavras compostas como um conceito ou dois. Andreas Kubitza, lingüista da Universidade
de Erfurt, na Alemanha, pediu a um alemão com sinestesia para contar como era. Para esse alemão, essas palavras normalmente
desencadeavam uma única cor.
Kubitza descobriu que palavras compostas desencadeavam duas cores, a não ser que fossem palavras muito comuns. Assim, Fährmann
(barca + homem = barqueiro) mostrava as duas cores associadas a “barca” e a “homem”. Já Bahnhof (trem + estação) era de uma cor só. Isso
quer dizer, diz Kubitza, que palavras compostas são inicialmente armazenadas como dois conceitos, mas, pelo uso constante, podem ser
assimiladas como um conceito único.
“Essa linha de pesquisa é muito reveladora”, afirma Vilayanur Ramachandran, da Universidade da Califórnia. “Mostra que é possível levar
esse fenômeno curioso ao terreno da lingüística e ajudar a compreender como a mente processa a linguagem.” Julia acredita que haja muitos
outros problemas lingüísticos que podem ser investigados com o auxílio da sinestesia e que não poderiam ser investigados de outra forma. O
cérebro acha que o símbolo “qu” é uma letra só ou duas? O cérebro automaticamente soletra as palavras quando ouvimos a linguagem falada
como se tivéssemos um teclado interno?
Talvez a implicação mais importante seja a possibilidade de a sinestesia ajudar a esclarecer o misterioso funcionamento das profundezas da
mente humana. Julia Simner acredita que o cruzamento entre conceitos lingüísticos e os sentidos não é exclusividade de quem tem sinestesia.
De certa maneira, os conceitos lingüísticos que carregamos em nossa cabeça influenciam a forma como vemos o mundo e vice-versa. Se ela
estiver certa, todos somos um pouco sinestésicos, mas ainda não percebemos isso.
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ESPECIAIS
Entre as dez respostas de mais alta pontuação estavam alguns dos motivos mais esperados, como “eu queria ter prazer físico” e “queria
mostrar meu afeto pela pessoa”. Essas razões refletem, na avaliação dos autores, o que motiva as pessoas na maior parte das vezes: atração,
prazer, afeição, amor, excitação, desejo de agradar, aventura, celebração, curiosidade, oportunidade. No entanto, a lista inclui também
respostas menos recorrentes, mas que merecem atenção, como “queria ferir um inimigo” ou “para transmitir uma doença”. “A maioria das
pessoas não é motivada pelo desejo de humilhar o outro ou se sentir humilhado por meio do sexo. Mas, para alguns, sadismo ou masoquismo
definem sua sexualidade”, afirmam os autores.
Os 4 tipos de respostas
Veja como os autores da Universidade do Texas classificaram os 237 motivos para fazer sexo
Eu precisava de um emprego
Eu estava excitado(a)
Eu queria aprimorar minhas habilidades sexuais Queria me livrar de uma dor de cabeça
O estudo procurou checar as diferenças entre homens e mulheres no quesito comportamento sexual. Muitas semelhanças foram identificadas.
A resposta que recebeu o maior número de pontos, tanto por homens quanto por mulheres do segundo grupo de participantes do estudo de
Buss e Meston, foi “eu me senti atraído pela pessoa”. O sétimo lugar da lista empata homens e mulheres de novo com o motivo “estava
excitado(a)”. Mas também foi possível perceber o peso do gênero em várias respostas. Na avaliação de Buss e Meston, os homens se
revelaram mais inclinados a iniciar uma relação sexual por conta de razões físicas, como “a pessoa tinha um corpo desejável” ou “ela era
sexy demais para eu resistir”, “a pessoa estava disponível” ou simplesmente “porque surgiu a oportunidade”. Eles também alegaram com
mais freqüência usar o sexo para melhorar o status social, como em “queria melhorar minha reputação”. Já as mulheres ultrapassaram os
homens em respostas do tipo “queria expressar meu amor por ele” e “percebi que estava apaixonada”. “Embora eu soubesse que o sexo traz
conseqüências para a reputação, me surpreendeu que esse possa ser o único propósito”, disse Buss.
Achei que era meu dever Queria expressar meu amor pela pessoa
Queria me sentir mais velho(a) Para ele(a) se sentir bem consigo mesmo(a)
A pessoa continuava
A pessoa era inteligente
insistindo...
“O uso do sexo como recurso de troca econômica é antiqüíssimo. Um exemplo é a prostituição”, diz a psicóloga Jônia Lacerda, coordenadora
do instituto de psiquiatria do Hospital das Clínicas, em São Paulo. Jônia elogia o fato de o estudo de Buss ter demonstrado em linguagem
científica que existem também motivos emocionais e sociais. “Sexo é linguagem. Num relacionamento, pode comunicar tanto uma troca
amorosa quanto uma troca hostil”, afirma Jônia.
CIÊNCIA E TECNOLOGIA
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Andrew Keen foi um dos pioneiros da internet na Califórnia dos anos 90. Hoje, Keen é um cético, uma voz dissonante daqueles que se
empolgam com o conteúdo produzido e divulgado por qualquer internauta. Tornou-se um dos críticos mais vocais desse fenômeno,
conhecido como web 2.0. Em seu livro The Cult of the Amateur (O Culto ao Amador), ele diz que a web 2.0 nivela por baixo a produção,
piora a qualidade da informação e ameaça a cultura. “Há muita picaretagem na internet”, afirma.
Andrew Keen
QUEM É
Inglês, formado em História, Keen foi um dos pioneiros da
explosão econômica da internet com a empresa Audiocafe.com
O QUE FAZ
Estuda e escreve sobre internet. Mantém o site
thegreatseduction.com e produz um podcast para o site AfterTv
O QUE FALAM DELE
Blogueiros já o chamaram de “uma prostituta mental do
establishment” e de “Anticristo do Vale do Silício”
ÉPOCA – O senhor diz em seu livro que o conteúdo de internet produzido pelo cidadão comum gera um culto ao amadorismo. Por que
considera isso uma ameaça a nossa cultura?
Andrew Keen – É uma ameaça porque cria a ilusão de que todos somos autores, quando, na verdade, deveríamos ser leitores. Dá às pessoas
ilusão sobre suas habilidades. Todo mundo tem algum talento, mas a maioria de nós realmente não tem muito a dizer. Somos melhores lendo
um jornal ou assistindo à televisão do que tentando nos expressar na internet.
ÉPOCA – Por que o senhor afirma que esse fenômeno pode destruir a mídia tradicional?
Keen – Parte da mídia tradicional já foi destruída. Estamos assistindo à morte lenta da indústria da música, estamos assistindo à morte lenta
dos jornais locais nos Estados Unidos. Não acho que nós viveremos num mundo sem nenhum profissional especializado em agregar
informação. A questão central é a idéia de que os consumidores continuarão a pagar por conteúdo. Você já vê no mercado fonográfico que
eles não vão. Mais e mais pessoas pensam que a música deve ser livre e estão roubando-a. A mídia tradicional não vai exatamente morrer,
mas vai mudar dramaticamente. Os meios de comunicação de massa – que considero democráticos e onde conteúdo de qualidade é acessível
pelo preço de US$ 10 ou US$ 15 para comprar um CD, assistir a um filme ou comprar um livro – talvez se tornem coisa do passado.
Enquanto os utópicos digitais falam sobre democratização da mídia e do conteúdo, acredito que a conseqüência é o aparecimento de uma
nova oligarquia. A tão propalada democratização, na verdade, tornará o entretenimento cutural de alta qualidade menos acessível às pessoas
comuns.
ÉPOCA – Entusiastas da web 2.0 dizem que os blogs, independentes de grandes interesses, são uma fonte pura de informação. Por que o
senhor discorda?
Keen – Alguns blogs são muito bons. Mas os blogs não são objetivos. Não tenho problemas com a blogosfera se você ler o jornal antes. A
blogosfera depende de a pessoa ser familiarizada com a mídia sofisticada. Se você está familiarizado com notícias, se entende como a
tecnologia funciona, a blogosfera pode ser útil. Mas preocupa-me que, especialmente para os jovens, a blogosfera se torne uma fonte
substituta de notícias. Eles acreditam em tudo o que lêem, então me preocupo que a blogosfera se torne forte numa sociedade em que as
crianças não fazem a menor idéia de como ler “através” das notícias. Elas estão perdendo sua capacidade crítica. Você sabe que o The New
York Times é pró-Israel e socialmente liberal. Sabemos que o The Wall Street Journal é editorialmente muito conservador. Não há jogos, é
óbvio, você pode ler através. Em muitos blogs, não.
ÉPOCA – Por que o senhor questiona a confiabilidade de sites como Wikipédia ou Digg.com?
Keen – A Wikipédia é um dos grandes perigos porque é tão inconfiável, tão pobre, tão falha em todos os tipos de conteúdo. O Digg é
particularmente problemático. Minha forte suspeita é que as recomendações são feitas por grupos de ativistas, de garotos de 20 e poucos
anos, sem nada melhor para fazer. Não devemos confiar porque não sabemos quem está recomendando aquilo. Eles são anônimos, podem
estar tentando moldar nosso gosto de acordo com interesses particulares. Na Wikipédia ninguém sabe quantos editores realmente existem,
quem são eles. Como as pessoas têm tempo para editar a Wikipédia ou para continuamente fazer recomendações no Digg? Como pagam suas
prestações ou põem comida na mesa? Não sei, nem você. O modelo do Digg, do Reddit e da Wikipédia se presta à corrupção. Todos os dias
há novas evidências de que as pessoas estão usando esses sistemas em benefício próprio.
ÉPOCA – No livro Como a Picaretagem Conquistou o Mundo, o jornalista inglês Francis Wheen mostra que teses absurdas, tolas ou falsas
são aceitas com facilidade. A web 2.0 é uma delas?
Keen – Há muita picaretagem sobre a web 2.0. As três palavras que representam as maiores picaretagens na internet são os “3Cs”:
conversação, colaboração e comunidade. É por isso que escrevi meu livro. Para dizer: “Olhe, a maior parte disso não é verdade, é apenas
bobagem, é picaretagem, lixo”. Mas há mais que isso em jogo. Há gente ficando rica com tudo isso. Quem tem ações do Google, YouTube,
MySpace está juntando uma fortuna. É um negócio sério, há interesses importantes demais envolvidos para ignorarmos o que está
acontecendo.
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CIÊNCIA E TECNOLOGIA
O gene canhoto
Cientistas de 20 centros de pesquisa descobriram a provável origem da assimetria do cérebro
POR RENATA LEAL
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Quando Jimi Hendrix subia a um palco para se apresentar,
nas décadas de 1950 e 1960, o público esperava
ansiosamente para ver um dos melhores guitarristas de
todos os tempos tirar sons fantásticos de sua Fender
Stratocaster. Mas, para que Hendrix conseguisse tocar, sua
guitarra tinha de ser adaptada para canhotos. Ninguém
consegue explicar o talento de Hendrix. Mas o estudo de
um grupo de 40 pesquisadores, publicado na semana
passada na revista científica Molecular Psychiatry, afirma
que a inversão das cordas de sua guitarra se deve a uma
alteração no gene LRRTM1, do cromossomo 2,
característica herdada de seu pai.
Há, portanto, alguma correlação entre ser canhoto e ter esquizofrenia, segundo os pesquisadores. Não é algo com que os canhotos devam se
preocupar, diz Francks. “Há muitos fatores que tornam os indivíduos mais propícios a desenvolver esquizofrenia e a ampla maioria dos
canhotos nunca terá esse problema. Ainda não sabemos exatamente todas as funções do gene.” Outros estudos recentes mostraram vantagens
em ser canhoto. Em 2006, pesquisadores australianos afirmaram que eles pensam mais rápido ao jogar no computador ou praticar alguns
esportes. E um estudo francês mostrou que os canhotos têm mais chance de se sair melhor em brigas.
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Não é uma imagem que se associe aos Estados Unidos. Equipes de resgate tentando salvar vidas
no país mais rico e poderoso do mundo são normalmente vistas quando os inimigos dos EUA ou
as catástrofes naturais se abatem sobre o país. Minneapolis, porém, viu um cenário mais
complicado. Uma ponte de metal que cruzava o Rio Mississippi caiu no início da noite da quarta-
feira 1o. Pelo menos cinco pessoas morreram quando cerca de 50 carros que estavam na ponte
caíram no rio ou se misturaram aos escombros 19 metros abaixo do nível da ponte. Os hospitais
trataram 79 feridos, alguns em estado grave. Não houve ataque terrorista. Não houve tremor de
terra. Não houve condições climáticas extremas. A ponte estava dentro dos padrões de segurança
adotados nos EUA, supostamente os mais científicos e rigorosos do mundo, e passava por
inspeções regulares. Mesmo assim caiu.
Vai demorar ainda um tempo para saber o que, exatamente, fez a ponte cair. Construída em
1967, a ponte 9340 da Rodovia I-35W se assentava sobre um arco estrutural de metal. Tinha oito
faixas e por ela passavam 140 mil carros por dia. Seu desenho não é mais usado há décadas,
porque uma única falha estrutural pode fazer com que a ponte inteira caia. Exatamente o que
ocorreu em Minneapolis. Todas as pontes construídas a partir da década de 1970 contam com
estruturas redundantes. Se uma delas tiver um problema, a outra impedirá a queda completa da
obra.
A 9340 foi classificada como “estruturalmente deficiente”, condição que afeta cerca de 11% das DESASTRE
pontes de metal do país. Algo como 70 mil pontes. Por conta disso, ela passa por inspeções Carros em cima dos escombros da ponte sobre o
anuais desde 1993. No ano passado, sua estrutura foi classificada como em “condição ruim”. Mississippi. Falha estrutural fez com que a ponte
ruísse inteiramente (abaixo)
Está longe de ser a pior categoria. Numa escala que vai de zero a nove, a 9340 recebeu nota
quatro. Um zero acarretaria o fechamento da ponte. A famosa ponte do Brooklyn, em Nova York, também tem sua estrutura classificada
como em “condição ruim”.
“Achamos que tínhamos feito tudo o que podíamos”, disse Daniel Dorgan, engenheiro do Departamento de Transportes de Minnesota.
“Obviamente, alguma coisa saiu terrivelmente errado.” As investigações sobre as causas da queda só começarão quando as equipes de
resgate derem por encerrada a busca por corpos. Na sexta-feira 3, ainda havia oito pessoas desaparecidas.
O brasileiro Raymundo dos Santos estava na ponte quando ela ruiu. Ex-fuzileiro
naval, o baiano Santos disse ao Globo Online ter ajudado no resgate de crianças de
um ônibus escolar que ele vira passar por seu carro pouco antes da queda da ponte.
“Parecia cena de filme do Bruce Willis, tinha muita gente pelo chão, não dava para
acreditar”, disse. “Foi a mesma sensação do 11 de setembro.”
Mas desta vez não houve ataque. Os responsáveis por segurança de transportes nos
EUA agora discutem a necessidade de mudar os padrões de inspeção e, talvez, as
normas de construção de pontes. A cada queda de ponte nos EUA os técnicos vêm
aprendendo algo novo. Em novembro de 1940, a ponte sobre o Estreito de Tacoma,
no Estado de Washington, caiu espetacularmente por ter entrado em ressonância
com o vento. Ela vibrou como uma corda de um instrumento musical até
arrebentar. Por causa desse acidente, foram introduzidas exigências em relação à
aerodinâmica na construção de pontes.
Foi só na década de 1970, depois da queda de uma ponte no Estado de Nova York, que pesquisadores mostraram que a fadiga metálica pode
causar a queda de uma ponte de metal. Essa é uma das possíveis causas da queda da ponte de Minneapolis. A tensão a que o metal é
submetido, aliada ao frio extremo do norte dos Estados Unidos, pode causar o rompimento de partes de metal. Até então, as inspeções só
levavam em conta a corrosão do material.
Mesmo assim, a fadiga metálica é difícil de ver numa estrutura como a de uma
ponte. Em 1982, uma ponte em Connecticut caiu por causa do rompimento de um
pino de aço. Ela havia sido inspecionada nove meses antes. Hoje em dia, os pinos
são checados com ultra-sonografia.
O Brasil tem um pequeno número de pontes de metal. Mas elas não são um
problema em si, diz o engenheiro civil João Carlos Hachmann, que durante 40
anos foi diretor de engenharia da construtora Camargo Corrêa. “O que vale é a
manutenção em dia, independentemente do tipo de material.” Como faz muito frio
em Minneapolis no inverno, a mistura de sal e água que as pessoas usam para
derreter a neve pode ter acelerado o processo de corrosão, diz Hachmann. No
Brasil, de clima tropical, isso não se aplica. “Mas problemas de manutenção
podem ocorrer. Antes de ser privatizada, a ponte Rio–Niterói corria grave risco de
acidente, pois o governo não fazia a manutenção adequada.”
Fotos: Scott Olson/Getty Images/AFP e Brandi Jade Thomas/Pioneer Press/AP
MUNDO
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Fechada para o comércio com os EUA por causa do boicote econômico imposto pelos americanos há mais de 40 anos, sem a renda extra que
a União Soviética e o bloco comunista da Europa garantiam até 1991, Cuba apenas sobrevive. O regime continua controlando, oficialmente,
toda a atividade econômica. Mas os cubanos precisam de mais para viver.
E são esses cubanos “que se viram” os protagonistas do presente e do futuro de Cuba. Pessoas simples e capazes; homens e mulheres,
principalmente jovens, que carregam sobre os ombros o peso do país e fazem a ilha funcionar, apesar da falta de estímulo e da burocracia.
Metade dos 11 milhões de habitantes de Cuba tem menos de 40 anos. Cerca de 70% deles nasceram depois de 1959 e não conheceram
sistema político diferente. s
Quando se fala das “conquistas” da revolução, costumam-se citar – com ressalvas – a saúde e a educação. Os números da educação
impressionam. Em Cuba, há 800 mil pessoas com curso superior e 1,5 milhão com formação técnico-profissional; metade da população ativa
– 4,5 milhões de habitantes – tem formação de nível médio ou superior.
Na ilha, há 9 mil pesquisadores com títulos científicos, cerca de 70 mil médicos e a proporção de professores por habitante – 1 para 40 – está
entre as maiores do mundo. Funcionam no país dezenas de escolas de arte, cerca de 50 universidades e uma Escola Internacional de Cinema,
em San Antonio de los Baños. Centenas de milhares de cubanos sabem idiomas e dezenas de milhares cursam faculdades e especialidades no
exterior, principalmente nos países do antigo bloco socialista. Atualmente, mais de 2 milhões de crianças e jovens percorrem os diferentes
graus de ensino.
Mesmo assim, o país não parou. A maioria dos profissionais e técnicos seguiu em frente, seja por amor ao trabalho, seja por falta de opção.
Estudos sociológicos realizados na ilha demonstram que a crise castigou duramente os setores que, em qualquer outro país, equivaleriam à
classe média. Se, antes do desaparecimento do bloco socialista, o salário em Cuba tinha valor e mantinha certa racionalidade, com o Período
Especial e a legalização do dólar foram rompidos todos os padrões e estruturas, e os que estavam por cima caíram no fundo do poço.
MUNDO
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A princípio, era comum encontrar fonoaudiólogos vendendo figurinhas e doces de coco para complementar o salário ou advogados levando
papel e fitas de máquina de escrever próprias aos escritórios coletivos para poder redigir os documentos oficiais. Ainda hoje é comum
encontrar em Cuba acadêmicos que sabem consertar
qualquer problema de encanamento ou carpintaria
em sua casa.
Pimentel iniciou-se na ioga há 30 anos, época em que qualquer disciplina independente era malvista pelas autoridades. Esteve na Índia por
duas ocasiões, inclusive em um dos centros de Iyengar, inventor do tipo de ioga que ensina. Em sua casa, onde dá aulas na sala, há retratos
do mestre fazendo diversos ássanas (posições). A princípio, poucos se aproximavam de Pimentel. Hoje, há dezenas de instrutores cubanos
formados por ele e milhares de praticantes de ioga na ilha. Essa, afirma ele, é uma de suas maiores satisfações.
AMOR A HAVANA
Aos 60 anos, Pimentel diz que “a busca interior é o
A arquiteta Maria Elena Martín na avenida que ajudou a preservar. Seu esforço é para que as mudanças futuras princípio do caminho para outras buscas”. Ele sabe
não destruam o que vale ser conservado que está aí para andar com sua gente e com seu país
agora e nos momentos difíceis.
MUNDO
A vida real na ilha
Estagnação econômica e burocracia
fazem os habitantes da ilha comunista
buscar soluções criativas
MAURICIO VICENT, DE HAVANA, E JOSE GOITIA (FOTOS)
E momentos difíceis não faltam na ilha. Foram esses momentos que decidiram o tortuoso caminho de José Emílio Rodríguez até chegar à
cozinha do hotel Meliá-Cohiba de Havana. Tudo começou em Baku, capital do Azerbaijão, em 1985. Ele tinha 18 anos quando chegou a essa
cidade da antiga União Soviética, a mais de 10.000 quilômetros de casa, para o curso de Técnico em Extração de Poços de Petróleo e Gás,
com duração de cinco anos. “Eu era jovem, e isso não importava. Diziam que em Cuba havia depósitos de petróleo e que essa carreira teria
um futuro promissor. Só em Baku, éramos mais de cem cubanos estudando na faculdade do Petróleo.”
Emílio gostava da especialidade e pensava que poderia se tornar um profissional reconhecido. Suas notas foram excelentes, e ele se casou
com Olga, uma jovem de origem armênia que estudava para ser advogada criminalista. Mas as coisas se complicaram. “E muito”, diz.
Primeiro, chegou a perestróica, a reforma política da União Soviética implantada por Mikhail Gorbatchev em meados da década de 1980 e
que culminaria com o fim do comunismo. Embora em Baku ela “nem tenha sido sentida”, suas conseqüências o foram. No fim de 1989,
quando Rodríguez estava prestes a se formar, estourou o conflito de Nagorno-Karabakh, entre Azerbaijão e Armênia. “A coisa ficou mais
que feia. Era muito perigoso. Todos os dias apunhalavam alguém na cidade, e, embora o problema não fosse com os cubanos, poderíamos ser
confundidos.”
O governo cubano agiu rapidamente, repatriando todos os estudantes de Baku. No dia 14 de fevereiro de 1990, Dia dos Namorados, ele
desembarcou em Havana com sua mulher e sua filha, Axana. Elas hoje residem na Costa Rica. Emílio concluiu o curso em Cuba, mas logo
começou a crise do Período Especial e ele decidiu “reciclar-se”. Começou a trabalhar no aeroporto de Havana fazendo o fornecimento de
comida dos aviões. Em 1995, quando foi inaugurado o Meliá-Cohiba, entrou como lavador de pratos, mas começou a freqüentar cursos e
aprimorar-se. “Eu não havia estudado cinco anos para ser lavador de pratos.” Emílio gostou da cozinha.
Há dez anos, Emílio trabalha no ramo de gastronomia. Hoje, em Cuba ganhar gorjetas em dólares é um privilégio, e ele sabe disso, embora às
vezes ainda sonhe com o Azerbaijão.
MUNDO
O estudante e técnico de informática Eugenio Cesar Lorenzo é jovem e tem tempo para esperar. Lorenzo tem 27 anos. Quando nasceu, Fidel
Castro já estava havia 20 anos no poder. Em 1997, formou-se técnico de nível médio em Controles Automáticos e há um ano trabalha na rede
de informática do Ministério da Educação em Havana, como programador de sistemas. Estuda simultaneamente Engenharia de
Telecomunicações na universidade, onde cursa o 3o ano com ensino a distância. Seu salário mensal é de 385 pesos cubanos. “Isso equivale a
15 pesos conversíveis (cerca de R$ 30), ou seja, não dá para nada. Mas isso não é o pior”, diz.
Em Cuba, computadores não são vendidos a particulares nem se pode adquirir livremente uma conta de internet, e esses, em sua opinião, são
os dois problemas que mais atrapalham jovens profissionais como ele. Lorenzo gosta de desenho e de arte digital e, em seu tempo livre, faz
música eletrônica e “chill out”. Também criou web pages para alguns amigos. “Sempre na casa de amigos, porque eu não tenho computador
em casa.”
Lorenzo acha que muitos jovens poderiam e gostariam de implantar em Cuba projetos e idéias inovadoras, mas as autoridades têm de deixá-
los desenvolver seu talento. Ele pertence a uma geração de cubanos que há muito tempo, silenciosamente, reivindicam mudanças econômicas
e espaços para a iniciativa pessoal. E não só para seu bem, mas “sobretudo para o do país”. Lorenzo é um grande leitor de José Martí, o herói
da independência de Cuba, e um seguidor de suas idéias mais avançadas. Seu sonho é abrir um cibercafé em Havana e dedicar-se
integralmente ao negócio de computação, mas administrando os próprios recursos. Em suma, “poder prosperar” e ver o fruto de seu trabalho.
Lorenzo espera mudanças.
Para a arquiteta Maria Elena Martín Zequeira, o problema é fazer com que as mudanças, quando vierem, não causem destruição excessiva.
Ela aprendeu com a experiência o que uma futura liberalização econômica da ilha pode significar para a cidade de Havana, que tanto ama.
Em 1999, a arquiteta era a especialista principal da Direção Provincial de Planejamento Físico e Arquitetura da Cidade de Havana. Seu
trabalho consistia em realizar projetos de embelezamento urbano e participar da aprovação de outros, que já naquela época começavam a
aumentar em razão da aprovação da Lei de Investimento Estrangeiro de 1995.
“Naquela época, não estávamos preparados para receber a avalanche de projetos imobiliários promovidos por entidades estrangeiras nas
zonas centrais da cidade, por anos cuidadosamente preservadas, como El Vedado e Miramar.” Esse processo de abertura ao investimento
estrangeiro no setor imobiliário durou apenas alguns anos.
Ao abrir essa possibilidade, na segunda metade dos anos 90, no calor das reformas econômicas progressivas adotadas para amenizar a crise
gerada pelo desaparecimento do bloco socialista, diversas empresas estrangeiras criaram companhias mistas com sociedades cubanas, a fim
de construir escritórios e apartamentos, com a possibilidade de vendê-los a cidadãos estrangeiros.
Foi possível fechar a construção de 3 mil desses imóveis, mas, quando uns 500 já estavam vendidos, o empreendimento imobiliário foi
abruptamente interrompido por decisão do governo. Os 2.500 apartamentos que estavam sendo construídos foram comprados por empresas
cubanas para alugar.
O investimento estrangeiro no setor na época foi de mais US$ 200 milhões. Com a avalanche de dólares, disse Maria Elena, “Havana foi
testemunha de muitos desacertos”. Hotéis descomunais foram erguidos em áreas residenciais, surgiram edifícios de apartamentos banais e
antiquados em zonas de elevado valor patrimonial, houve demolições de imóveis únicos “e um sem-número de outros equívocos”.
Um desses equívocos foi a autorização para construir duas altas torres de apartamentos concebidas por uma firma italiana para uma das ruas
mais fabulosas de El Vedado, Paseo, onde residências palacianas de grande elegância contam com terraços e jardins em seus arredores.
Maria Elena, que fazia parte da Comissão de Aprovação de Projetos, se opôs firmemente. No final, depois de muitos atritos, voltou-se atrás
na decisão. El Vedado foi declarado Zona de Proteção e hoje, felizmente na opinião de Maria Elena, a Calle Paseo continua sendo uma
avenida majestosa e encantadora.
No entanto, na ocasião Maria Elena imaginou que a melhor forma de contribuir para minimizar esses e outros despropósitos não era
empreender lutas solitárias, mas formar “exércitos de jovens arquitetos que tinham uma maior sensibilidade de sua cidade”. Desistiu. Sem
mercado imobiliário, não há como formar esses profissionais de fato preparados para atuar na vida real da cidade. Ela vive sozinha em um
apartamento de classe média em seu querido bairro de El Vedado. O edifício está em péssimo estado, mas sua casa está bem cuidada e
ajeitada. Há sete anos ela dá aulas na Faculdade de Arquitetura de Havana e se sente orgulhosa do que faz: defender, junto com seus
estudantes, a cidade de agora para o futuro.
O historiador de Baracoa
“Baracoa fascina, é diferente das demais cidades de Cuba. Somos natureza exuberante, sensualidade, história, tradições musicais e culinárias
únicas, como o ritmo do nengón, o sorvete de coco e mel e o peixinho transparente que chamamos de ‘tetí’, que entra na foz dos rios quando
a lua está minguante.”
Atualmente suas palavras, cativantes, estão em função da comemoração dos 500 anos de Baracoa, que pode trazer oportunidades de
desenvolvimento para a primeira vila de Cuba. “Agora, esse é nosso grande desafio. Não podemos perder a oportunidade.” Fica difícil saber
se ele se refere apenas a Baracoa ou ao país inteiro.
SOCIEDADE
ESPECIAIS
Sexta-feira, 8 horas da noite. O som dos atabaques – tambores africanos – ecoa na ampla sala.
Em círculo, mulheres com saias rodadas e coloridas e homens de bata e turbante batem palmas e
entoam cantos que evocam orixás e Pretos Velhos – espíritos que representariam escravos
anciãos. Os fiéis procuram seguir os versos em português escritos em um panfleto. Eles dizem
aguardar a presença das entidades para contar suas aflições. No fundo da sala, um pequeno altar
enfeitado com plantas e flores sustenta a imagem de um índio, o Caboclo Guaracy.
Carlos Buby tem um físico enxuto. Sua estatura alta e seu porte são incomuns para quem afirma não fazer mais que meia hora de esteira por
dia. A presença do dirigente nunca é ignorada. Por onde passa, as pessoas se viram com sorrisos, ainda que ele nem as cumprimente. “Buby
tem uma energia incrível”, diz a biomédica paulistana Fabiana Ieger, que freqüenta há três anos um dos templos do Brasil. Ele também tem
fama de fazer sucesso entre as mulheres. “O porte e o jeito de falar cativam. Ele chama a atenção das meninas.” Buby foi casado duas vezes s
e hoje tem uma bela namorada, 36 anos mais nova que ele. Veste-se de modo simples, com bata e calça branca e um turbante de cor neutra.
Se os fiéis reclamam de algo, é da falta de acesso a ele. Há mais de dez anos, o pai-de-santo não atende diretamente os visitantes. “Na última
vez, em 1997, formou-se uma fila de 150 pessoas”, diz Buby. Apesar da fala mansa, ele não esconde o requinte das palavras e o poder de
convencimento.
A origem desse líder umbandista faz jus à fama do Brasil como um país de forte sincretismo religioso. Batizado com o nome de Sebastião,
santo que teria curado o irmão mais velho da coqueluche, o pai-de-santo nasceu em berço católico. Sua mãe, Natália Alves de Souza, afirma
que não imaginava que o segundo filho fosse viver para – e dos – orixás. Os pais se mudaram para São Paulo porque queriam dar a ele, então
com 7 anos, e a seus dois irmãos a possibilidade de estudo que não teriam na pequena Colônia Leopoldina, cidade de 17 mil habitantes a 84
quilômetros de Maceió. “Morávamos numa fazenda de cana-de-açúcar. Não tinha estrutura nem escola ali”, diz Natália.
Em São Paulo, as crianças puderam estudar. A família vivia do comércio e ia à missa todos os domingos. A trajetória do devoto coroinha da
Igreja Matriz de Santo Amaro, em São Paulo, mudou quando ele completou 15 anos. Buby diz ter começado a sofrer de desmaios e dores de
cabeça. Tornou-se um adolescente calado, sem entusiasmo pela vida. Perdeu o emprego de office-boy e não ia bem nos estudos. O pai-de-
santo afirma que médicos, psicólogos e psiquiatras não conseguiram desvendar seu mal. “Meu diagnóstico veio dois anos depois: o Caboclo
Ubiratan, em um terreiro de umbanda paulistano, disse que eu tinha mediunidade”, afirma. Um vizinho umbandista sugeriu a seus pais que o
levassem a um centro. O pai-de-santo diz que os pais católicos acabaram por aceitar a idéia, mesmo acreditando que fosse pecado.
Concordaram também que o filho continuasse a freqüentar o lugar por mais dois anos. Segundo Buby, foi quando o Caboclo Guaracy veio
lhe dizer que era hora de fundar o próprio terreiro.
Aos 19 anos, ele começou seu trabalho de modo caseiro, como tantos
“Em 1997, na última vez em que atendi diretamente os
outros pais-de-santo. Buby afirma que incorporava o Caboclo na sala de
fiéis, formou-se uma fila de 150 pessoas” Carlos Buby, pai-
de-santo
casa, ajoelhado em frente a uma vela branca acesa sobre a radiovitrola, seu
primeiro altar. De acordo com o pai-de-santo, no início, ele recebia os
ensinamentos da entidade por intermédio de seu pai, que anotava tudo que entendia da fala enrolada do Caboclo. A irmã mais nova, Maria
Aparecida de Souza, esperava pelo fim da sessão tremendo de medo. Aos poucos, ele passou a atender os conhecidos da família. Quando já
não cabia mais gente na modesta casa do bairro paulistano Vila das Belezas, Buby resolveu montar um espaço próprio.
Embora diga que todas as mudanças que operou na religião tenham sido fruto de inspiração da entidade Caboclo Guaracy, as atitudes
adotadas por Buby em seu templo demonstram ser resultado do planejamento de uma mente perspicaz e detalhista. Buby não chegou a
completar o ensino fundamental. Repetiu seis vezes a 7a série e desistiu de estudar. Aparentemente, o conhecimento formal não fez falta.
Quem o conhece diz que ele parece ter tino empresarial. “Ele é muito organizado e inteligente”, afirma Jamil Rachid, presidente da União de
Tendas de Umbanda e Candomblé do Brasil. “Com administração regrada, o trabalho só pode prosperar.” A capacidade de organização veio
com o trabalho no templo. Por volta dos 25 anos, Buby se dividia entre as funções de auxiliar de enfermagem durante o dia, pai-de-santo uma
vez por semana e cantor de bar à noite. “Eu acabava as sessões, me trocava e passava a madrugada cantando em restaurante para conseguir
me sustentar e manter o templo”, diz ele.
Após dez anos sem nenhum retorno na carreira musical, uma gravadora lhe propôs um bom contrato. Suas músicas seriam gravadas, mas ele
teria de fazer inúmeras viagens para divulgação. “Eu ficaria 30 dias fora e dois em casa. Não tinha como conciliar a carreira de músico, de
enfermeiro e dirigente de templo”, diz Buby. “Passei, então, a me dedicar totalmente à umbanda.” No início, os escassos dez filhos-de-santo
– os médiuns sob a responsabilidade do pai-de-santo – e a casa rude e mal-acabada na Rua dos Missionários, em São Paulo, não permitiam
prever a quantidade de seguidores e a suntuosidade que as casas do Caboclo Guaracy abrigariam. Hoje, há cerca de 430 filhos-de-santo
brasileiros, divididos em dois templos no Estado de São Paulo. Um deles é s uma casa adornada por um lago artificial em que se criam carpas
na região do bairro paulistano Campo Limpo. O outro, um sítio de 104.000 metros quadrados, com campos gramados, áreas de Mata
Atlântica, um lago e uma cachoeira, em Cotia, na Grande São Paulo.
Os dois templos brasileiros foram arquitetonicamente projetados por Buby. São amplos, bem
conservados e repletos de detalhes simbólicos. Durante o culto, todos os médiuns usam o mesmo
modelo de roupa, desenhado pelo pai-de-santo. Os objetos usados também são padronizados.
Tudo parece estar sempre na mais perfeita ordem.
O Templo Guaracy em Cotia é aparentemente o melhor exemplo disso. Ao chegar lá, o fiel tem o
conforto de um amplo estacionamento. É recepcionado por uma mulher com um turbante numa
sala iluminada, com portas de vidro e cadeiras confortáveis. Numa escrivaninha descansa a tela
plana do computador, no qual são registrados os dados do recém-chegado: nome completo,
telefone, número do documento de identidade. As contas do templo estão no mesmo
computador. “A informatização e o controle de freqüência são incomuns nos terreiros”, diz
Milton Aguirre, presidente do Superior Órgão de Umbanda do Estado de São Paulo.
Vizinho à recepção, está o templo. Ele parece ter sido construído à semelhança de seu dirigente:
imponente e sofisticado. Ao passar por uma das quatro portas de entrada, o visitante avista o
colorido dos trajes dos umbandistas que dançam. No lugar de um velho reboco, paredes de barro
graficamente desenhadas. O alto teto de palha dá um ar de suntuosidade. Ao contrário de outros
centros, no Templo Guaracy os rituais são organizados de modo circular, com cada médium em
seu lugar para dar maior visibilidade ao visitante. Evita-se qualquer ação que possa chocar ou
constranger, como gritos ou a incorporação de espíritos que façam o médium se arrastar pelo RITUAL E BELEZA
chão. A duração dos cultos não passa de duas horas e sempre começa no horário, em sintonia No templo de Cotia, as paredes são estilizadas.
com o relógio do pai-de-santo. “Isso tudo dá segurança à pessoa”, afirma Buby. “Quem entra Nele, os médiuns ficam em círculo, formação
incomum na umbanda
aqui sabe que é um lugar organizado, que respeita horários.” Outra distinção importante: no
terreiro de Buby, o fiel não encontra Exus e Pombajiras, os espíritos que supostamente viriam do inferno. Bebidas alcoólicas não são
ingeridas na frente dos freqüentadores, uma prática comum na umbanda. Boa parte dos cultos é feita à luz do sol, sempre com a presença de
crianças. Também não há sacrifícios de animais.
O nascimento da umbanda
A versão mais aceita para a origem da umbanda estaria completando cem anos
no ano que vem. Em 15 de novembro de 1908, o médium Zélio Fernandino de
Moraes, considerado por muitos umbandistas como fundador da religião, teria
incorporado o caboclo sete encruzilhadas em sua casa em niterói. O
fluminense Zélio tinha, então, 17 anos. Ele sofria de paralisia e os médicos não
conseguiam resolver seu mal. Para tentar sanar o problema, o jovem foi levado
à federação espírita do estado do rio de janeiro. Ali, sua mediunidade foi
supostamente revelada. A entidade caboclo sete encruzilhadas não teria sido
aceita entre os espíritas por ser considerada inferior. A rejeição o levou a
fundar a umbanda.
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AINDA NESTA MATÉRIA
SOCIEDADE
O pai-de-santo que reinventou a umbanda
O alagoano Carlos Buby transformou os rituais em cerimônias diurnas, bem organizadas e voltadas para o público de classe média.
Com isso, seus 11 templos já atraíram mais de mil fiéis no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos
MARIANA SANCHES
ESPECIAIS
Carlos Buby moldou a religião para que fosse atraente e agradável para os
letrados. “Buby criou uma umbanda clean”, afirma Lísias Negrão, sociólogo da
Universidade de São Paulo (USP). O pai-de-santo diz que o estilo dos rituais faz
parte da doutrina estabelecida pelo Caboclo Guaracy. Para ensinar esses preceitos,
dá cursos pelos quais cobra até R$ 200. Nas aulas, os ditos médiuns, iniciantes ou
não, tomam nota freneticamente, enquanto Buby lança mão de conceitos
científicos, como os genes ou a força da resistência do ar, para tentar explicar as
energias dos orixás e suas formas de atuação.
Segundo o pai-de-santo, todos os seus templos, inclusive aqueles fora do país, foram construídos com o dinheiro de doações dos
freqüentadores. Ele também afirma que nunca houve transferência de caixa do Brasil para o exterior. “Cada templo se mantém com os
recursos que consegue. Não há intercâmbio de dinheiro entre eles”, diz Buby. Ao contrário do que comumente acontece nos terreiros, ele não
paga as contas do templo. Buby adota uma prática de muitas religiões tradicionais, mas exceção na umbanda: é sustentado pelo templo.
Enquanto padres, bispos e rabinos recebem por se dedicar à religião, pais-de-santo da umbanda não se profissionalizam. Ao contrário, põem
dinheiro do próprio bolso na instituição. “Mais de 90% dos terreiros são sustentados pelos dirigentes. Feliz é o pai-de-santo que consegue
viver do dinheiro que sai dali”, afirma Rubens Saraceni, dirigente e autor de livros sobre o tema.
Buby transformou os dois templos de São Paulo em associações. Passou a convidar os freqüentadores, mesmo aqueles que só apareciam de
vez em quando, a se tornar sócios. No início, a idéia era que cada membro brasileiro contribuísse com uma mensalidade de R$ 35. “É com
esse dinheiro que mantemos a casa, mas se a pessoa não puder pagar não tem problema”, diz Buby. Muitos fiéis dos templos de Buby
afirmam ser um preço justo pelo conforto e sofisticação que a casa oferece. Ainda assim, Buby diz que menos da metade paga o valor total.
Ele exibiu as contas do terreiro para a reportagem de ÉPOCA. Nos recursos declarados por ele no Imposto de Renda de 2006, a arrecadação
dos associados soma R$ 132.513, ou algo como R$ 11 mil por mês. “Muitos terreiros não arrecadam isso em um ano inteiro”, diz o líder
umbandista Milton Aguirre. “Não conseguimos fazer com que os médiuns doem nem R$ 10.” Os gastos declarados no mesmo ano foram de
R$ 173.289, resultando num saldo negativo de R$ 40.777. Buby diz que cobriu esse saldo negativo com os cursos que oferece. Ele também
mostrou extratos de sua conta bancária pessoal – saldo negativo de R$ 700 – e da conta do templo – saldo positivo de R$ 2.114,17.
Se os templos paulistas foram planejados, o mesmo não aconteceu, diz Buby, com os
“Buby criou uma umbanda clean”
Lísias Negrão, sociólogo da USP
nove terreiros Guaracy fora do país. “Ter casas no exterior nunca foi minha intenção”,
afirma. Ele não fala nenhuma língua estrangeira e se diz pouco afeito a viagens. Nos
anos 80, psicólogos suíços e franceses em visita ao Brasil teriam ido conhecer o primeiro templo. “Eles ficaram fascinados. Em menos de
três meses, voltaram querendo aprender sobre a tradição”, diz Buby. Desse interesse teria nascido o primeiro terreiro fora do Brasil, o
Templo Guaracy de Genebra, na Suíça. Numa sala alugada, uma imagem do Caboclo Guaracy ocupou o centro do altar, adornado com
flores, pedras e uma pequena fonte. Os suíços e os franceses compraram as roupas coloridas e bufantes criadas por Buby, modelo depois
usado em todas as unidades. Para entender as entidades da umbanda, os estrangeiros tiveram de estudar a história e o significado dos
Caboclos e Pretos Velhos. Buby exigiu que todos os praticantes fizessem o culto em português. Fitas cassete gravadas com os cantos
umbandistas foram reproduzidas à exaustão, até que o coro perdesse o sotaque.
Cassandra Kharam, professora americana de 39 anos, é uma das 40 pessoas que vão ao Templo Guaracy de Washington semanalmente. Filha
de judeus, Cassandra foi a cultos islâmicos e conheceu a religião cubana santería, equivalente ao candomblé nos países centro-americanos.
“O terreiro de umbanda foi o lugar em que me senti melhor”, diz. “Nos Estados Unidos, as pessoas estão carentes de um senso de
comunidade e de maior positividade, coisas que a umbanda tem. As outras religiões são mais fechadas e unilaterais.”
Na Europa, talvez por curiosidade ou necessidade, franceses e austríacos começaram a viajar até Genebra para ouvir as palavras de um
caboclo. “Pensamos, então, que seria possível formar templos na Áustria e na França”, afirma Maria Aparecida, irmã de Buby. Ela antes
temia a aparição do Caboclo. Hoje, visita os terreiros no exterior a cada quatro meses. É a responsável por garantir que os rituais sejam
idênticos aos realizados no Brasil. Depois de Genebra, Buby fundou outros quatro
templos na Europa.
Essa não é a única polêmica em que se envolveu o líder religioso. Em 1996, a psicoterapeuta francesa Barbara Schausser, coordenadora do
terreiro de Paris, foi processada por duas pacientes que a acusaram de praticar rituais da seita para tratar a bulimia de ambas. Barbara teria
usado a umbanda como forma de tratamento. Isso teria causado dependência emocional e isolamento social, segundo as francesas. A
psicoterapeuta respondeu ao processo judicial com um outro, por difamação. A história acabou em acordo amigável entre as partes.
Embora alguns pais-de-santo digam que Buby quer padronizar a religião e controlar os fiéis, seu estilo de dirigir o terreiro parece ser uma
alternativa para a sobrevivência da umbanda no Brasil. “A tendência é que diminua o número de umbandistas”, afirma Reginaldo Prandi,
sociólogo da religião da USP. “Um dos grandes motivos para a perda de fiéis é o crescimento das igrejas evangélicas, com sistemas menos
complexos e que exigem menos tempo e dedicação.” Nas igrejas pentecostais, não há vários deuses, como os orixás. “Na umbanda, é sempre
preciso estar alerta, dar atenção aos orixás, aos guias, fazer trabalhos e há sempre a ameaça de que alguém manipule essas forças contra
você”, diz a antropóloga Yvonne Maggie, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Se a pessoa passa a acreditar que só Jesus salva, só
ele é poderoso, tudo fica mais simples.”
É a idéia do medo do feitiço, tão freqüente nos terreiros, que Buby procura afastar de seus rituais. “Não negociamos com Deus. Não
acreditamos que os orixás sejam responsáveis pelo sucesso ou fracasso de alguém”, afirma. A nova leitura da crença feita por esse pai-de-
santo, somada à administração moderna, pode atrair novos seguidores para a religião. “No futuro, quase todos os pais-de-santo serão como
ele”, diz o antropólogo Vagner Gonçalves da Silva.
Os espíritos da umbanda
BOIADEIROS O mítico peão MARINHEIROS Quando CIGANOS É uma nova entidade EXUS/POMBAJIRAS
sertanejo responsável pelo gado baixam, faz o médium ter na umbanda. Eles dançam e Conhecidos como espíritos que
seria representado por eles. dificuldade de equilíbrio, tocam castanholas e pandeiros. A viriam do inferno, seriam
hicote, boleadeiras e berrante são chacoalhando de um lado para o capacidade de adivinhação e capazes de fazer o mal em troca
seus instrumentos. São valentes e outro, como se estivesse em alto- leitura de cartas costuma estar de bebidas ou velas pretas. O
fortes. Com voz grave, é difícil mar. Explicam o mundo por relacionada à presença desses Exu toma uísque e cachaça. A
entender o que falam meio de metáforas espíritos Pombajira, champanhe
sobre navegação e anis
O próximo herói
Os Jogos Parapan-americanos, neste mês, no Rio, apresentarão campeões como o nadador Daniel Dias
RAFAEL PEREIRA
ESPECIAIS
• Entenda o Parapan
Embora já fosse um nadador de classe mundial,
Thiago Pereira só virou ídolo nacional com as oito
medalhas conquistadas no Pan. Neste mês, outro
herói brasileiro poderá ganhar fama nas modernas
piscinas do Parque Aquático Maria Lenk. Seu nome
é Daniel Dias. Aos 19 anos, ele é detentor de dois
recordes mundiais. Como Thiago, nadará em oito
provas de todos os estilos e é candidato a medalha
em todas. A diferença é que nasceu com uma
malformação – não tem os dois antebraços e a perna
direita vai só até o joelho. Vai competir nos Jogos
Parapan-americanos, que começam no dia 14 no Rio
de Janeiro.
Nascido em Campinas e criado em Camanducaia, cidade mineira de 23 mil habitantes, Daniel aprendeu a lidar com o preconceito desde a
escola, onde ganhava apelidos maldosos. Os próprios pais reconhecem que tiveram de superar o trauma inicial. “Não tínhamos feito ultra-
sonografia até uma semana antes de ele nascer. Quando o médico me falou da malformação, quase desmaiei. Minha esposa chorou”, diz
Paulo Dias, pai do atleta. “Mas foi só no primeiro momento. Saímos do hospital agradecendo a Deus”, afirma. Criado como toda criança,
Daniel adora internet, rock gospel e é baterista na banda da igreja presbiteriana que freqüenta. “Meus pais nunca me proibiram de fazer nada.
Para mim, foi muito importante”, afirma. Quando foi campeão mundial, desfilou em um carro da polícia. “Não foi de bombeiros porque não
tem Corpo de Bombeiros em Camanducaia”, diz o pai.
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ENTREVISTA
ESPECIAIS
O carioca Carlos Arthur Nuzman pôde comemorar dois feitos, encerrados os Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro: comandou a bem-
sucedida organização da competição e, como presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, viu a delegação nacional quebrar o recorde de
medalhas do país em um único Pan. Apesar do sucesso, Nuzman foi criticado porque gastou-se muito mais dinheiro que o previsto para
organizar o Pan. Ele não fugiu das perguntas dos leitores de Época, inclusive sobre o estouro no orçamento original.
Como foi tomada a decisão sobre quem abriria os Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro? Nas edições anteriores, o presidente do país-
sede foi quem fez a abertura, e não o presidente do Comitê Olímpico local. Por que a tradição foi quebrada?
André Monteiro, São Paulo
Carlos Arthur Nuzman – Tradicionalmente é o presidente da República quem declara abertos os Jogos Pan-Americanos. Porém, houve um
erro de cerimonial e coube a mim abrir o Rio 2007.
O montante gasto na organização do Pan, já descontado o dinheiro proveniente da iniciativa privada, foi muito superior ao inicialmente
previsto. O investimento valeu a pena?
Júlio de Assis Sobreiro, Minas Gerais
Nuzman – O orçamento da candidatura, revisado e oficializado pela Organização Desportiva Pan-Americana (Odepa) em fevereiro de 2003,
elaborado em reais e convertido para dólares atendendo à exigência da própria Odepa, equivalia na época a US$ 225 milhões. Esse valor
equivale hoje a cerca de R$ 1 bilhão, levando-se em conta a taxa de câmbio de fevereiro de 2003 e a atualização monetária até maio de 2007.
O projeto de candidatura é distinto do projeto implementado para os Jogos. Este último recebeu melhorias significativas com o objetivo de
deixar ao Rio de Janeiro e ao Brasil instalações esportivas de padrão internacional, que abrirão a possibilidade de futuras candidaturas de
campeonatos mundiais s e Olimpíadas. Como exemplo, inicialmente o estádio de atletismo teria capacidade para 10 mil pessoas. No entanto,
a Prefeitura do Rio de Janeiro entendeu que o Rio 2007 era uma oportunidade para desenvolver o esporte na cidade e decidiu pela construção
do Estádio João Havelange. O mesmo conceito se aplica ao Complexo do Maracanã, ao Complexo de Deodoro e ao Complexo do
Autódromo. Esse entendimento por parte dos governos reflete a dimensão que o Rio 2007 teve para o Brasil. Certamente será um marco na
história do país.
Como serão utilizadas, depois dos Jogos, as instalações construídas para o Pan?
Luiz Carlos dos Anjos, Rio de Janeiro
Nuzman – A sugestão do Comitê Olímpico Brasileiro aos responsáveis pelas instalações – governos federal, estadual ou municipal – é que
se trace um planejamento junto a cada confederação brasileira olímpica, com a participação do COB, de forma a contemplar o esporte de
base (escolinhas e cursos de iniciação) e o de alto rendimento, como o futebol.
A atitude do público brasileiro de vaiar atletas de outras delegações pode prejudicar o Brasil numa possível candidatura para as Olimpíadas
de 2016?
Rafael Alaby Ferreira, São Paulo
Nuzman – A questão das vaias já foi esgotada. Não há prejuízo nenhum para a candidatura. As
Vaias acontecem em qualquer
diversas cidades que são candidatas têm culturas completamente diferentes umas das outras. As
competição. Elas não vão
exigências do Comitê Olímpico Internacional às cidades-candidatas tratam de 19 temas, e não existe
prejudicar a candidatura do
nenhum relativo a isso. Vaias são coisas que acontecem durante os Jogos Olímpicos. E não foi algo
Brasil às Olimpíadas
generalizado. A mídia está pegando coisas pequenas e pontuais que aconteceram. É natural que o leitor
faça essa pergunta, porque foi dado um destaque grande. Mas a vaia não causou nenhum prejuízo, até porque não alterou o resultado de
nenhuma competição que foi disputada.
Nuzman – Embora tradicionalmente a imprensa americana não abra espaço para os Jogos Pan-Americanos, tivemos no Rio de Janeiro
profissionais do Chicago Tribune, da revista Sports Illustrated e do principal site do mundo olímpico, o Around the Rings, além das agências
internacionais, que estiveram no Rio com equipes numerosas. Isso demonstra que o Rio 2007 teve para a imprensa americana uma
importância além da que normalmente ela dá aos Jogos Pan-Americanos.
O que o senhor acha, como dirigente do vôlei que foi, da crise entre o técnico Bernardinho e o jogador Ricardinho?
Júlio Araújo, São Paulo
Nuzman – Não vivo mais o dia-a-dia do voleibol para manifestar uma opinião embasada a respeito do que teria ocorrido nesse episódio.
A lei de incentivo fiscal para o esporte brasileiro, aprovada no fim de 2006, terá o mesmo impacto do dinheiro da loteria na evolução do
esporte no país?
Dermeval Assumpção, Rio de Janeiro
Nuzman – A lei prevê várias fatias, direcionadas para diferentes áreas, seja para a questão social, a educacional e outras. No entanto,
precisamos aguardar a regulamentação da lei para sabermos qual será o porcentual que caberá ao esporte de alto rendimento, ou de que
maneira esse porcentual poderá ser aplicado.
Lembro o entusiasmo com que foi lançado, nos anos 70, o projeto para tornar o vôlei um novo esporte de massa. No Pan, o senhor entregou
mais uma medalha de ouro ao time mais vencedor da história. É possível reproduzir o mesmo sucesso do vôlei em outras modalidades?
Jorge Haas, Rio Grande do Sul
Nuzman – Na verdade esse sucesso do vôlei já é reproduzido em outras modalidades. É com base na experiência vitoriosa que implantei no
voleibol que o COB vem trabalhando nos últimos anos. Todas as modalidades evoluíram muito em termos de gestão do esporte, e isso vem
se refletindo em resultados expressivos, como na ginástica, no handebol e no judô.
Nuzman – Os resultados obtidos por nossos atletas no Rio 2007 refletem o trabalho que vem sendo feito pelo COB e pelas confederações
olímpicas. Desde o início da aplicação dos recursos da Lei Agnelo/Piva, em janeiro de 2002, o esporte olímpico vem tendo um salto de
qualidade muito grande. De 29 medalhas de ouro em 2003, passamos para 54 no Rio. O esporte brasileiro, de acordo com suas possibilidades
e disponibilidades financeiras, está num caminho evolutivo, seja de resultados, seja de ampliação de sua prática desde a base.
A vida pessoal de Ingmar Bergman é marcante na obra. Ele odiava o pai, um rígido pastor protestante. Tinha relação distante com a mãe, que
vinha de uma família rica (retratada em Fanny e Alexander). Só se reconciliou com os pais pouco antes da morte deles. Considerava o irmão
um estranho e a irmã a vítima de um massacre psicológico dos pais. Por isso, criou-se em torno de Bergman o mito do cineasta atormentado.
Tormentos que seriam dele, não nossos, que somos “normais”. Nada mais enganoso. O espantoso nele é a honestidade para admitir os
sentimentos, o que o levou a procurar entendê-los. A última meia hora de Sonata de Outono (1978) é uma troca de acusações entre mãe e
filha. Bergman é fruto da Suécia rica e em secularização no fim dos anos 40. A subsistência estava garantida, não dependia mais da família
nem da comunidade, das quais era possível se “libertar”. As relações se tornavam impessoais. E Deus, cada vez menos uma justificativa para
nossas limitações ou um consolo, a começar pela morte, tema recorrente em Bergman.
Antonioni nasceu de família proletária, como gostava de dizer. Formou-se economista, o que mostra seu interesse pela realidade material,
inevitável numa Itália devastada pela guerra. Foi documentarista nos anos 40 e trabalhou com expoentes do neo-realismo. Seu cinema logo
superou o realismo. Na trilogia A Aventura (1960), A Noite (1961) e O Eclipse (1962), mas sobretudo nos filmes feitos fora da Itália, como
Blow Up (1966), ele mostra o homem perdido num mundo no qual é difícil distinguir realidade da ficção.
O cinema dos dois é chato? Antonioni diria que a resposta está mais em nós que na obra. Seus filmes não são fáceis. E são incômodos.
Querem desviar nosso olhar para o que não percebemos ou preferimos ignorar. Insistem nisso. Deixam silêncios, para que possamos refletir e
participar. Mas quem disse que a arte precisa ser fácil e cômoda? Será que os chatos não somos nós? O cinema é a arte por excelência do
século XX. Quem quiser entender o espírito da segunda metade do século passado, com suas incertezas, seu individualismo, existencialismo
e consumismo, terá de se deparar com Bergman e Antonioni. Poucos artistas retrataram tão intensamente seu período.
Persona (1966)
Uma atriz e uma
enfermeira vão a uma ilha, onde se aproximam e trocam
de identidade
A Aventura (1960)
Primeiro longa-metragem da
“trilogia da incomunicabilidade”
Blow Up (1966)
Filme rodado em Londres, adaptado
de um conto de Julio Cortázar
SOCIEDADE
“A cozinha latina é por natureza uma cozinha de fusão”, diz o chef Checho
Gonzales, do restaurante Pecado, em Ipanema, no Rio de Janeiro. “Chamam de
nova cozinha porque tem uma roupagem contemporânea, uma preocupação
estética, um refinamento técnico.” Nascido na Bolívia e criado no Brasil, Checho
trabalhou com Alex Atala no restaurante DOM, em São Paulo, e foi responsável
pelo Zazá Bistrô, no Rio. No Pecado, receitas como a do escabeche de polvo e
creme de manga (leia o quadro) são exemplo da síntese de culturas que é
característica dessa tendência. Os escabeches são marinados à moda espanhola,
comuns na cozinha peruana. Além do tomilho fresco, típico da comida tradicional,
Gonzales usa gergelim e molho de soja, que revelam a influência oriental na
região. Ele é um dos poucos a se denominar “nuevo latino” no Brasil. “A América
Latina é a grande estrela da gastronomia”, diz. “Mas os latino-americanos
custaram para descobrir isso.”
A América Latina é a estrela porque permanece um território quase inexplorado no que se refere a temperos, frutas, carnes. Embora entre os
maiores tesouros que os primeiros descobridores levaram para a Europa estivesse uma enorme gama de novos ingredientes, como o tomate, o
milho, a batata e o chocolate, a biodiversidade latino-americana vai muito além. Nos anos 80, chefs estrangeiros, como o francês Laurent
Suaudeau, no Brasil, e Nobu Matsuhisa, no Peru, iniciaram experiências com os ingredientes locais. Essas experiências cresceram com a
criatividade de chefs como o peruano Gastón Acurio, do Astrid y Gastón, em Lima. O próprio Nobu, nascido no Japão, desenvolveu seu
estilo fusion em Lima e explodiu em Nova York como sócio de Robert De Niro.
Sem saber o que se passava na cozinha do vizinho, os chefs seguiam por caminhos parecidos. Atala, em sua pesquisa incessante de
ingredientes da Amazônia, deliciava a elite paulistana com pratos como o fettuccine de pupunha com camarão glaçado ao perfume do
Amazonas. O chileno Carlo von Mühlenbrock aparecia no Osadía, em Santiago, com sua musse de pisco sour, o drinque nacional. O
argentino Guerman Matitegui causava furor em seu restaurante Olsen de Buenos Aires com misturas como o molho de morcilla (embutido
suíno de origem espanhola) e cerejas. O movimento deve muito a latinos formados nos Estados Unidos, como o cubano Douglas Rodríguez.
No início da década, ele deslumbrava Nova York com cores e temperos fortes.
Nesse cenário, destacam-se principalmente três cozinhas: a mexicana, a peruana e a brasileira. O México, por
LATINIDADE
seus pratos incomuns, com pimentas, cactos e até insetos. O Peru, com os ingredientes pré-colombianos, como a
Checho Gonzales no
quinoa, a cozinha novo-andina e a culinária nikkei (dos descendentes de japoneses que usam temperos locais para
restaurante Pecado.
preparar seus sushis). E o Brasil, com todas as ervas e frutas das florestas.
Ele é um dos
melhores exemplos
Hoje esses chefs começam a se reconhecer como grupo e percebem que, unidos, podem ganhar até força política.
do sucesso latino na
Vários desses profissionais dedicados a satisfazer desejos de luxo e prazer se orgulham do efeito positivo que seu
cozinha
trabalho pode provocar nas camadas mais simples e isoladas das populações de seus países. “A gastronomia é um
ato cultural e de resistência”, diz Lourdes Hernández Fuentes, a crítica gastronômica mexicana conhecida como Cocinera Atrevida, que hoje
mora no Brasil. “Tem até uma série de antropólogos, sociólogos, filósofos fazendo teses a respeito. Em toda a América Latina, os chefs estão
assumindo o papel de agitadores culturais e defensores de valores nacionais que os poetas ocuparam nos anos 60.”
O sucesso do nuevo latino deu origem a ilhas de prosperidade econômica. O Estado mexicano da Baja California, onde o badalado Benito
Molina tem o restaurante Manzanilla, atraiu jovens chefs e se tornou um pólo gastronômico. Muito rica em ingredientes, a região também se
mostrou um terroir perfeito para a produção de vinhos. “Hoje a Baja California é até mais sofisticada que a Califórnia americana”, diz
Molina. “Os frutos do mar, totalmente diferentes no Pacífico e no Mar de Cortez, são únicos e de primeiríssima qualidade. Os vinhos são
maravilhosos. Tem muito americano descolado se mudando para lá.”
Recentemente surgiu um intercâmbio entre os próprios países latino-americanos. Hoje, em Buenos Aires, é moda a comida peruana. No
bairro de Palermo há uma Pequena Lima, onde se encontram de restaurantes tradicionais peruanos a interpretações modernas dessa culinária,
como o Mosoq. No Brasil, as opções são poucas. Além do Pecado, um ótimo exemplo de cozinha latina contemporânea é o Wanchako, de
Maceió. A chef Simone Berti, discípula de Gastón Acurio, apresenta pratos peruanos nikkeis e da cozinha tradicional, tudo com toques
brasileiros. “A gente tem de fazer uma interpretação”, diz Simone. “Consigo alguns ingredientes originais. Outros, substituo por produtos
locais semelhantes. Lá eles usam peixes do Pacífico. Eu uso da foz do São Francisco. O resultado é muito interessante.”
Cozinhe o polvo por 15 minutos e corte-o em finas fatias. Corte os outros ingredientes
em cubinhos bem pequenos, acrescente o polvo, a mostarda e o limão. Deixe na
geladeira até servir
Bata a manga com o limão no liquidificador. Tempere com o molho. Peneire e deixe na
geladeira
SOCIEDADE
Afastada das novelas desde 2003, Isadora Ribeiro vibra com sua volta à TV: no dia 15,
estréia na Rede TV! Donas-de-Casa Desesperadas, versão do seriado americano
Desperate Housewives. “Infelizmente, no Brasil, se você não faz novela das 8, você
não está fazendo nada”, diz, garantindo que nunca parou de trabalhar em teatro e
cinema. Na série, ela vive Vera Marques, uma personagem – que surpresa! – que abusa
da sensualidade. “Se eu com 40 anos ainda posso fazer uma mulher sensual, então está
ótimo. Se existe uma personagem que precisa de uma atriz sensual, por que tem de ser
a fulaninha? Que seja a Isadora Ribeiro!”
ATIVA
Isadora não deixou de trabalhar
MUSA DESNUDA
Monica Veloso, pivô do processo que ameaça derrubar Renan Calheiros, está prestes a
revelar muito mais. Nada a ver com o escândalo político: segundo seu advogado, Pedro
Calmon, a jornalista já foi convencida a ser a capa da revista Playboy. Solteira e
cuidando das duas filhas, só basta definir quanto vale seu cachê para posar nua.
TIRA!
Falta acertar o cachê
ARÓSIO NOTÁVEL
Ao apresentar o Prêmio Avon de maquiagem, no dia 30, em São Paulo, Ana Paula
Arósio trocou de roupa sete vezes encarnando até uma saltitante Carmen Miranda – e
esbanjou bom humor no palco. Mas não se prolongou na festa pós-cerimônia. Notória
baladeira, dançou apenas 20 minutos e deu no pé.
CARMEN?
La Arósio e seus balangandãs
Ao chegar ao Maranhão para as filmagens, mergulhei fundo. Fiquei duas semanas vivendo com os pescadores. Era uma
aldeia humilde, muito distante da minha realidade. Sou totalmente cosmopolita. Ter esse contato com a natureza foi
fundamental para o trabalho no filme e para meu desenvolvimento como ser humano.
Na época, eu fazia um paranormal na novela Estrela Guia. Quando cheguei à aldeia, conheci um velhinho de uns 60 anos
com uma doença incurável. Assim que o cumprimentei, ele encostou a mão em mim e se emocionou, achando que eu fosse
curá-lo. Foi uma maravilha sentir que você pode tocar as pessoas tão fundo com seu trabalho de ator.
Sim, mas eu já havia conversado com o pessoal da direção, pois não queria que aparecesse nada. Foi apenas um a
bundinha. A cena é linda, estou parecendo Jesus Cristo jogado numa mesa, pelado, e a minha mãe (Daniela Escobar)
apalpando, descobrindo que estou morto.
BALANÇO
Como é ver o filme após seis anos? “Acho que não fiz feio” Sergio Marone conta como
foi participar de O Dono do Mar, adaptação do livro
Eu não tenho medo. Acho que vai ser bem positivo. Gosto de fazer o que eu faço, me joguei de cabeça nesse projeto. Mas do ex-presidente rodada há seis anos, que estreou
é claro que se eu fizesse o filme hoje seria melhor. São seis anos de crescimento pessoal, profissional. Rola uma certa agora
insegurança, mas acho que não fiz feio.
RELÓGIO DA FAMA
HÁ CINCO MINUTOS
Dakota Fanning
Tem 13 anos de idade, sete de carreira e já atuou com astros como Sean Penn, Robert De Niro e Tom Cruise. Está crescendo e agora luta para
não ser esquecida
AGORA
Abigail Breslin
Com apenas 11 anos, foi indicada ao Oscar por seu desempenho em A Pequena Miss Sunshine. Volta às telas em Sem Reservas e está escalada
para interpretar Jodie Foster na infância no filme Nim’s Island
EM BREVE
Jodelle Ferland
Tem 12 anos e vem se destacando em filmes de suspense como Terror em Silent Hill. Seu mais recente trabalho, Os Mensageiros, estreará no
Brasil em setembro
VIDA ÚTIL Fotos: reprodução, divulgação, Lula Marques/Folha Imagem, Gustavo Azeredo/Ag. O Globo Marcelo Liso/AFBPress
GASTRONOMIA
ESPECIAIS
As adegas climatizadas entraram definitivamente para a lista de eletrodomésticos da classe média brasileira. As grandes empresas as
fabricam, as grandes lojas lhes dão espaço nobre e os sites de comparação de preço oferecem dezenas de opções de compra pela internet.
Como ocorre com uma geladeira comum, o motor deve ser bom. Aposte numa marca conhecida. Dimensione suas necessidades. Pretende
comprar vinhos para armazenar por anos? Então adquira um modelo grande. Senão fique com um pequeno ou médio. A sommelière
Alexandra Corvo, dona da escola Ciclo das Vinhas, de São Paulo, aconselha a comprar um modelo um pouco maior do que se imagina ser
preciso. “Vinho é um hobby”, diz. “A tendência é querer ter cada vez mais garrafas.” Alexandra também sugere um modelo de porta sem
vidro para evitar qualquer entrada de luz.
Para apaixonados
Prestige, Art des Caves: de imbuia e marchetaria, é revestida com tampos de caixas
de vinho. Tem também opções em branco, de cedro e de marfim alemão. A porta
sem vidro garante proteção contra o calor e a luz. Tem capacidade para 90 garrafas
Preço: R$ 12 mil
De bom tamanho
Dometic: Com o modelo da marca francesa, importado pela Mistral, tem capacidade
para 36 garrafas e um bom tamanho para amadores que guardam vinhos por um
período médio
Preço: US$ 3.950
Os vinhos orgânicos estão fazendo sucesso mesmo com quem não está nem aí para uma dieta saudável. Outra novidade são os vinhos
biodinâmicos. A biodinâmica é uma filosofia agrícola alternativa, que se baseia na relação energética das plantas com o Universo. Tem
adeptos e detratores, mas o que importa é a qualidade da bebida. “Os vinhos biodinâmicos que experimentei eram muito expressivos”, diz a
sommelière Alexandra Corvo. Segundo ela, um dos princípios da viticultura biodinâmica é não usar nada de fora da propriedade onde estão
as vinhas.
CHÂTEAU LE PUY 2001, BIODINÂMICO
Um bom exemplar bordeaux, este vinho é redondo, macio, com taninos aveludados. É
fabricado pela família Amoreau desde 1610. Sua terra nunca recebeu agrotóxicos, segundo os
produtores
Preço: R$ 240, World Wine
O que é a biodinâmica
Os princípios dessa filosofia e suas práticas
- Os princípios da agricultura biodinâmica foram estabelecidos pelo filósofo austríaco Rudolf Steiner, o mesmo que criou a medicina
antroposófica, no fim do século XIX e início do século XX
- A agricultura biodinâmica não usa adubos artificiais. Fertiliza a terra com ervas que nascem e morrem na própria cultura
- Segundo essa filosofia, os alimentos estão todos ligados a um elemento: terra, água, ar e calor. Não há, porém, embasamento científico para
essa teoria
ONDE ENCONTRAR
Art Des Caves: www.maisondescaves.com.br Bier & Wein: www.buw.com.br Expand: www.expand.com.br Ge
Eletrodomésticos: www.geeletrodomesticos.com.br Gran Vin: www.grandvinonline.com LG: www.lge.com
Mistral: www.mistral.com.br World Wine: www.worldwine.com.br
Futurismo retrô
Pequenos e econômicos, os scooters voltaram menos poluentes e mais estilosos
Os scooters estão de volta. Conhecidos como lambretas nos anos 60 e vespas nos 80, hoje eles poluem menos que as versões antigas.
Algumas marcas conservaram o ar retrô. Outras optaram por um visual modernoso. Alternativa mais confortável que as motos no tráfego
urbano, o scooter vem ganhando mercado. Em maio, as vendas do modelo Sundown Future foram sete vezes maiores que as de janeiro. Os
compradores típicos são jovens de classe média alta, profissionais liberais ou universitários com emprego. O trânsito caótico e a consciência
ecológica justificam a escolha.
Camila Carvas
AN 125 Burgman
Marca: Suzuki
Preço:R$ 5.990
Velocidade máxima: não informada
Vespa
GTS 250 Marca: Piaggio
Preço: R$ 24.500
Velocidade máxima: 122 km/h
Vespa LX 150
Marca: Piaggio
Preço: R$ 14.500
Velocidade máxima: 105 km/h
6 horas em Reims
Pela nova linha do TGV Leste, a capital da (e do) Champanhe está a apenas 45 minutos de Paris
Ricardo Freire
RELÍQUIAS Reims (pronúncia: “rãs”) foi desfigurada ela Segunda
Guerra Mundial, mas dois de seus tesouros sobreviveram: a Catedral de
Notre-Dame, onde 25 reis franceses foram coroados, e o vizinho Palácio
do Tau, sede das festas de coroação. (2h)
Eles descobriram que não é preciso mais que talento para obter sucesso em Hollytube, a nova cidade virtual da fama. Rafael Gomes, de 24
anos, tinha uma rotina: ser desencorajado pelas secretárias dos diretores das maiores agências de publicidade de São Paulo. “Cansei de não
ser atendido”, diz ele. De uns tempos para cá, o jovem diretor de vídeos passou a receber ligações daqueles mesmos que o ignoravam. O que
aconteceu? Bom, algo que envolve um cachimbo, um sofá e uma atriz com problemas de memória. Era o curta-metragem Tapa na Pantera.
O trecho de uma entrevista fictícia, soberbamente editado unindo improvisações da veterana atriz Maria Alice Vergueiro, foi visto em torno
de 10 milhões de vezes no site de vídeos YouTube, o mais acessado do planeta. Rafael, que dirigiu o vídeo com Esmir Filho e Mariana
Bastos, aproveitou o bom momento e dirigiu outro curta para o lançamento do filme Muito Gelo e Dois Dedos D’Água. “Até hoje não
sabemos quem colocou o Tapa na internet”, diz. Essa é a principal característica desses vídeos: espalharem-se como vírus. “O sucesso abriu
nossos olhos. Apostamos agora em entrevistas intimistas com nomes da música nacional.” O novo projeto de Rafael pode ser conferido no
site www.musicadebolso.com.br.
História parecida é a de James Rolfe, americano fanático por videogames. Ele fez, por brincadeira, uma crítica audiovisual em que encarnava
um personagem de boca suja chamado Angry Video Game Nerd (o fã nervoso de games). Amigos convenceram-no a colocar os vídeos nos
quais ele espezinhava games da década de 80 no YouTube. Um ano depois, James já estrelou mais de 20 vídeos e colheu um contrato com
um site especializado. “Estou trabalhando numa compilação em DVD e procurando um novo trabalho com horas mais flexíveis”, diz James.
“Meu objetivo é fazer do ‘nerd’ minha fonte de renda.” Dois americanos conseguiram, bem como outros jovens diretores que saíram do
YouTube para canais tradicionais. Aaron Yonda e Matt Sloan abandonaram os empregos de vendedor de livros e funileiro para se dedicar às
aventuras de Chad Vader, o irmão mais novo e menos audacioso do personagem dos filmes Guerra nas Estrelas. Chad Vader, um lunático
gerente de supermercado, passa por situações típicas dos melhores episódios da sitcom Seinfeld. “Lá pelo quinto episódio, a gente conseguiu
fazer um bom dinheiro. Estamos vivendo bem”, disse Matt. O ator e produtor fez tão bem a voz de Darth Vader, tarefa do ator negro James
Earl Jones nas telas, que foi convidado a dublar o personagem nos games da Lucas Arts. “Já sentamos com a NBC e o Sci-Fi Channel para
falar sobre novos shows”, disse Sloan. “É maravilhoso.”
Já o brasileiro Josias Pereira não almeja outro sucesso que não a discussão de temas que julga importantes. Seu curta Mundo em Mudanças,
com mais de 1 milhão de exibições, é usado por professores de faculdades para apimentar o debate em torno do papel das mulheres na
sociedade. “Eu só gastei a energia elétrica do PC”, diz Christian Caselli, diretor do tocante O Paradoxo da Espera do Ônibus.
“É inacreditável!”
<
MENTE ABERTA
Cozido demais
ESPECIAIS
• Catherine e o cinema
INSPIRAÇÃO
Kate leva a sobrinha para a cozinha
Em encontro com ÉPOCA, em uma suíte de um hotel em Nova York, a estonteante atriz de 37 anos conta como melhorou sua habilidade na frente
do fogão depois de rodar o filme
É verdade que não sabia nem ferver água antes de Sem Reservas?
(Risos) Não era uma connaisseuse da culinária, mas me virava bem cozinhando alguma coisa rápida para meus
filhos. Depois de fazer o filme e aprender a cozinhar com uma chef fera de Nova York, passei a usar os
inúmeros livros de culinária que tenho em casa. Mas confesso que tenho dificuldades em cozinhar um ovo!
Um boato na internet diz que você passa caviar nas pontas do cabelo para deixá-lo brilhante...
Você acredita que inventaram uma lorota dessas? Mas eu usava cerveja no cabelo há alguns anos. Parei porque
ficava fedendo dias depois.
O divômetro
O livro Divas Abandonadas (Editora Jaboticaba), de Teté Ribeiro, conta a vida de sete musas, como Marilyn Monroe e Maria Callas.
Eis nosso termômetro de glamour de outras divas
DENERVAL FERRARO JR.
1. ELIZABETH TAYLOR
A diva das divas: linda, triunfou no cinema, casou-se oito vezes e ganhou diamantes enormes. Foi o
centro de escândalos e a melhor amiga de astros gays, como Montgomery Clift e Rock Hudson. Hoje,
presa a uma cadeira de rodas na maior parte do tempo, usa sua fama para campanhas antiaids. Ainda
é adorada e divina.
2. JUDY GARLAND
Além de estrela dos musicais de Hollywood e da canção americana,foi a musa dos gays e mãe de
Liza Minnelli – quer mais diva que isso? Morreu com 47 anos, por overdose de barbitúricos.
3. BILLIE HOLIDAY
Sua vida foi tão sofrida quanto os blues que cantava: chegou a lavar chão de bordel antes de ser
famosa. Morreu aos 44, viciada em heroína.
4. SOPHIA LOREN
Ex-favelada e filha ilegítima, tornou-se estrela do cinema italiano pelas mãos do marido, o produtor
Carlo Ponti. Ganhou um Oscar e foi sex symbol nos anos 60. Manteve a beleza e, hoje, aos 74 anos,
é ícone da moda e do cinema.
5. EVA PERÓN
A atriz de rádio que virou primeira-dama da Argentina morreu com 33 anos, de câncer. Símbolo de
luxo e poder, tornou-se mito em seu país e musical na Broadway.
6. GRETA GARBO
Atriz de Anna Karenina, a sueca estabeleceu-se como a diva mais misteriosa do cinema. Depois da
Segunda Guerra Mundial, retirou-se de cena. Morreu aos 84 anos, totalmente reclusa.
7. BARBRA STREISAND
Chegou a ser a mulher mais poderosa do cinema – e a mais imitada pelas drags. Hoje, é a grande
dama da canção americana.
8. ELIANE LAGE
Nascida em uma família aristocrática, foi a grande estrela da companhia Vera Cruz. Fez apenas
cinco filmes, largou o cinema e foi morar em uma fazenda. Hoje, aos 77 anos, vive no interior de
Goiás.
MENTE ABERTA Fotos: Arq. Ed. Globo (4), AP (3), Douglas Kirkland/Corbis/LatinStock
Fotos: Divulgação
PARANGOLÉ
Caetano Veloso veste obra de Oiticica em 1968
MENTE ABERTA
É muita nota
A temporada de festivais de jazz traz grandes estrelas internacionais a vários cantos do Brasil
POR GISELA ANAUATE
ESPECIAIS
O jazz hoje tem uma certa aura de música clássica, restrita a consumidores veteranos e exigentes. Mas a
temporada de festivais é uma oportunidade de acabar com o preconceito – e curtir a beleza da música
espontânea e dançante que nasceu nos Estados Unidos no início do século XX. O Jazz Festival, a partir de 7
de agosto, vai percorrer oito cidades. Um dos destaques é o trombonista australiano Dan Barnett. Outra
apresentação esperada é a da Duke Ellington Orchestra, liderada pelo neto de Duke, Paul Ellington. A big
band, que existe há 80 anos, apresentará os sucessos de seu criador, o grande inovador do jazz americano.
Ainda em agosto, o Bourbon Street Fest leva a banda de Nova Orleans Wild Magnolias para São Paulo e Rio
de Janeiro. Em setembro, o festival Tudo é Jazz, na cidade mineira de Ouro Preto, terá a cantora americana
Madeleine Peyroux, que também exibe suas inflexões suaves em São Paulo.
VOZHERANÇA
SUAVE
Paul
Madeleine
Ellington
Peyroux
dirigevem
a orquestra
a Ouro
Pretocriada
e a São
pelo
Paulo
avô
Homens ao abismo!
Confira as dicas dos melhores DVDs da semana
O filme 300
(Warner), de Zack
Snyder, virou um
blockbuster por
atingir vários tipos de
público. Com um
orçamento reduzido
para uma
superprodução – US$
65 milhões –, o filme
estreou em março nos
EUA e no mês
seguinte no Brasil,
com arrecadação
quase oito vezes
superior ao
orçamento: US$ 456
milhões. 300 deve
repetir o êxito em
DVD no Brasil, com BATALHA Os espartanos de Frank Miller sofrem mais
o lançamento da
edição em dois discos. Os extras compreendem documentários sobre a história de Esparta, entrevistas com diretores e atores.
O filme vale ser reprisado em DVD, pelas atrações que contém. Para os amantes dos quadrinhos, apresenta uma adaptação fiel da graphic
novel de Frank Miller. Snyder chega a imitar as cores e os traços do original. Para quem gosta de guerras da Antigüidade, traz uma fantasia
sobre a Batalha das Termópilas (480 a.C.), quando um grupo reduzido de gregos liderado por Leônidas iniciou a resistência ao exército
gigante do imperador Xerxes. O espectador brasileiro conta com a presença de Rodrigo Santoro, como um afetado Xerxes, naquele que foi
seu papel mais importante em Hollywood até agora. Os trajes mínimos de couro dos soldados também colaboraram para chamar a atenção da
audiência alternativa. E os geeks estão bem servidos, pois se fartam no abismo de efeitos especiais, num cenário quase inteiramente gerado
em imagem digital. 300 é, na realidade, uma fantasia épica historicamente inconsistente. Por isso mesmo, ainda mais divertida.
Luís Antônio Giron
(In) Felizes
Nove anos depois de seu lançamento no cinema, FELICIDADE
(Lume) sai em DVD e continua a gerar ruído. É uma crônica ácida
do diretor americano Todd Solondz sobre os valores da classe média
americana. São três irmãs: Trisch, a dona de casa “perfeita” e
competitiva, Helen, a escritora sexy e fria, e Joy, uma música
fracassada e patologicamente otimista. Sua felicidade, porém, é um
lobo com pele de cordeiro: Trisch ignora que seu marido, um
psiquiatra de prestígio, é um pedófilo prestes a atacar sexualmente
os amigos de seu filho de 11 anos. Helen não sabe que o estranho
que a excita com telefonemas pornográficos é na verdade o vizinho
que ela despreza. E Joy ilude-se com um motorista de táxi russo, que
no fundo quer explorá-la. Não espere por nenhuma moral redentora:
Solondz mostra o pecado, mas não indica o caminho da salvação ou,
menos ainda, o da felicidade.
Denerval Ferraro Jr.
PEDÓFILO
Pai psiquiatra consola o filho, mas cobiça seu
amiguinho
CHORAR
Os Incompreendidos (Versátil) Cópia restaurada do clássico da nouvelle vague, de 1959
RIR
Um Príncipe em Nova York (Paramount) Traz Eddie Murphy no auge do talento
TREMER
Fanatismo Macabro (Columbia) A estrela Tallulah Bankhead interpreta a pior sogra do mundo
Diga-se em defesa de Hosseini que ele jamais pensou em escrever profissionalmente. MODESTO
Mas, no início de 2003, sua mulher encontrou um manuscrito dele na garagem e, O médico Khaled Hosseini só publicou por causa da mulher
encantada pela história, incentivou-o a publicá-lo. Intitulava-se O Caçador de Pipas. O
romance tornou-se um best-seller num esquema boca a boca. Demorou dois anos até figurar em primeiro lugar na lista do jornal The New
York Times. O livro foi lançado no Brasil em setembro de 2005 e, de lá para cá, fascina os leitores locais e figura no alto das listas de mais
vendidos.
O Caçador de Pipas seduz com uma história surpreendente, narrada com simplicidade. São dois irmãos (filhos, claro, de uma mulher de
burca) separados na juventude. O móvel da trama é o remorso de um deles por ter se acovardado no instante em que pôde salvar a vida do
outro. A Cidade do Sol não possui a mesma força, até porque, em quatro anos, a inovação se degenerou em clichê. A narrativa do novo livro
se enquadra na linhagem do romance-de-burca: inclui locações exóticas, um déspota polígamo e mulheres dominadas, tudo sob o pano de
fundo de guerra, destruição e excêntricos hábitos ancestrais. Conta a história de Mariam e Laila, duas mulheres do pérfido Rasheed, o
sapateiro de Cabul. Rivais à primeira vista, elas se unem na resistência à opressão. Assim nasce uma grande amizade e o desafio de vencer os
preconceitos em série: primeiro os do marido, depois os dos comunistas, dos talebans e, finalmente, das tropas da Otan. Nesse ínterim, o
leitor pode espiar cenas da vida privada, com ciúme e sangue. Sim, os afegãos são, com alguns adereços a mais, gente como a gente.
FACES OCULTAS
Afegãs oprimidas são o prato cheio de livros de sucesso
TRAIÇÃO
PAIXÃO
MEMÓRIAS CASTIGO O Hermann Fegelein era
TRAMA O Geli Raubal era sobrinha
O Heinz Linge serviu Hitler O oficial da SS e ajudante casado com Gretl, a irmã
O Rudolf Hess acreditou que de Hitler e vivia com ele. Era
como camareiro por mais de pessoal de Hitler Otto mais nova de Eva Braun.
um acordo com o Reino objeto da adoração dele, que
dez anos. Preso pelos Günsche passou dez anos na Fugiu do bunker perto do
Unido era possível e só gostava de adolescentes.
soviéticos, aceitou, depois de prisão na União Soviética. fim da guerra, foi caçado e
convenceu Hitler disso. Era Impedida pelo tio de
muitos interrogatórios, De volta à Alemanha, morto por uma tropa SS.
um golpe britânico namorar seu amado,
redigir o que viu continuou preso Nem sua cunhada (dançando
suicidou-se
com ele na foto) o salvou
O dossiê Hitler
A história perdida de Eva Braun A missão secreta de Rudolf Hess
Henrik Eberle e Matthias Uhl
Angela Lambert Globo, 610 págs. Martin Allen Record, 364 págs.
(org.) Record, 627 págs.
Palavra Final
POR NELITO FERNANDES
CESAR MAIA
Prefeito do Rio de Janeiro
Um livro de cabeceira...
Decadência da Mentira (Oscar Wilde).
Um hobby...
O Ex-Blog (seu blog na internet).
Quem aplaudiria?
Dom Pedro II.
Uma vergonha...
Ser anacoreta (pessoa que vive afastada das outras).
E em si mesmo?
Otimismo.
Um defeito seu...
Dormir pouco.
Uma citação...
“Não ceder ante a aparência de perigo.”
Uma superstição...
Minhas corujas, que afastam o mau-olhado.
Um filme...
A Batalha do Chile, de Patricio Guzmán.
Três desejos...
Ir ao Tibete. Visitar com calma os “primos” maias na Guatemala e o deserto de Atacama, até Arica.