Mushoku Tensei - Volume 15

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Era a manhã depois do meu encontro com o homem que dizia ser o meu futuro eu, e não tinha

dormido nada. Minha mente não estava funcionando muito bem neste momento, é claro, mas
precisava decidir o que fazer.
Meu eu do futuro me deu alguns conselhos: “Consulte Nanahoshi”, “Escreva uma carta para
Eris” e “Duvide do Deus-Homem sem se opor a ele”.
Escrevi a carta para Eris na noite passada, mas não iria enviá-la até que tivesse conversado
sobre isso com Sylphie e Roxy. Dependendo de como essa conversa for, talvez eu precise revisá-la
significativamente.
A coisa sobre o Deus-Homem soou bem para mim. A próxima vez que ele aparecesse em meus
sonhos, eu o deixaria saber exatamente onde as coisas estavam entre nós.
Quanto a falar com Nanahoshi… Fiquei tentado a ir vê-la imediatamente, mas como explicar
a situação? A coisa toda era uma loucura. Contudo, Nanahoshi foi convocada aqui de um mundo
paralelo, então minha história pode parecer maluca, mas ela provavelmente não iria apenas rir
dela.
Comecemos com as prioridades, no entanto. Precisava revisar o diário, aquele que meu futuro
eu trouxe de volta com ele. Não tinha ideia do que aquele livro continha e, honestamente, estava
com medo de descobrir, mas não poderia simplesmente enfiá-lo em uma gaveta e esquecê-lo. Era
o único registro do que aquele velho desesperado tinha visto e feito.
O diário estava velho e desgastado. A capa estava arranhada e as primeiras páginas
amareladas pelo tempo. Ainda assim, as palavras eram pelo menos compreensíveis.
Preparando-me, comecei a ler.
Decidi começar a manter um diário.
Tem sido um par de semanas agitadas, sabe?
Conheci Perugius e recebi algumas dicas sobre a condição de Zenith. E estarei aprendendo mais
sobre magia de invocação e teletransporte em breve. Há muitas situações com as quais preciso
lidar, então acho que vou tentar escrever as coisas para ajudar a manter o controle de tudo.
Aisha estava bem deprimida esta manhã. Ela encontrou algum “rato esquisito” morto, eu acho.
Talvez ela não seja fã de roedores.
Aparentemente, alguém encontrou um gato com Síndrome de Petrificação na vizinhança. Algo
assustador. Vou ter que lembrar minha família de lavarem bem as mãos e enxaguarem a boca com
cuidado.
Acabamos de descobrir que Elinalise está grávida! Cliff parecia incrivelmente nervoso, mas
Elinalise tinha um grande sorriso no rosto. Fizemos uma festa para eles, é claro. Você tem que
apreciar os bons momentos enquanto eles estão aqui.
No começo, pelo menos, parecia um diário relativamente mundano. Uma passagem descrevia
o estudo da magia de invocação com Perugius. Outra mencionou sobre vagar pela fortaleza
flutuante com Zanoba, olhando todas as obras de arte. Havia também muitas notas laterais como
“Encontrei uma nova maneira de fazer Roxy gritar de prazer ontem à noite!” ou “Lucie parece um
anjo quando está dormindo. Aposto que ela será uma beldade quando crescer”. Era o diário de
alguém que estava claramente aproveitando sua vida.
As primeiras passagens estavam datadas, mas ele rapidamente parou de se incomodar de
fazer isso. Isso tornava impossível dizer exatamente quanto tempo havia se passado. A julgar pela
história do velho, porém, eu provavelmente estava há cerca de duas semanas no futuro neste
momento.
E foi aí que as coisas pioraram.
Roxy entrou em colapso hoje.
Ela não estava se sentindo bem por um tempo, mas agora ela desenvolveu uma febre. Vou ter
que dizer à Universidade que ela não vai trabalhar por um tempo. Tentei de tudo, incluindo magia
de desintoxicação avançada, mas não teve nenhum efeito. Estou preocupado que possa ser algo
sério. Vou pedir a Cliff para dar uma olhada nela o mais rápido possível.
As pontas dos dedos dos pés de Roxy estão se transformando em algum tipo de cristal roxo.
Chamei Cliff imediatamente para dar uma olhada com seu Olho de Identificação. Aparentemente,
ela tem algo chamado Síndrome de Petrificação. É uma doença horrível que só pode ser curada com
um feitiço de desintoxicação de nível Deus.
Vamos usar os círculos de teletransporte para visitar Millis e obter o encantamento para o
feitiço que precisamos. Cliff e Zanoba estão vindo comigo. Sylphie queria ir também, mas pedi a ela
para segurar as pontas por aqui.
Bem, chegamos a Millishion. Aparentemente, a igreja mantém os encantamentos de nível Deus
armazenados nas profundezas da catedral daqui. Cliff sabe onde eles estão, mas o lugar está fora
dos limites para todos abaixo do posto de arcebispo. Estamos planejando invadir durante a noite.
Assim que conseguirmos copiar o encantamento, podemos sair de fininho novamente.
Fizemos a parte da invasão muito bem, mas não esperávamos que o encantamento fosse um
livro grosso como uma enciclopédia. Era impossível copiar a coisa toda no local. Tivemos que roubá-
lo. E então eles nos viram na saída. Estamos fugindo agora.
Fomos pegos em uma emboscada no círculo de teletransporte. O próprio círculo foi danificado
enquanto lutávamos. Não é mais utilizável. Cliff foi envenenado durante a luta. Ele está inconsciente
e parece sério.
…Eu matei um ser humano pela primeira vez. Ainda posso ouvir o som que fez. Me faz mal ao
estômago.
Droga. Droga!
Estamos indo para outro círculo de teletransporte.
Cliff ainda está inconsciente e parece que eles divulgaram nossos nomes e descrições por todo
o país. Agora somos criminosos procurados.
Me tornei um inimigo da Igreja de Millis para a vida toda.
Cliff morreu hoje.
Não quero escrever nada por um tempo.
Conseguimos chegar a outro círculo de teletransporte de alguma forma. Este pesadelo está
quase no fim.
Estávamos muito atrasados.
Não posso escrever nada hoje.
Acho que preciso escrever o que aconteceu ontem.
Encontramos Eris e Ghislaine na entrada da cidade. Eris começou a tagarelar para mim, mas
eu disse a ela que tinha duas esposas e uma família e não tinha mais tempo para tomar conta dela.
Ela se afastou, parecendo atordoada.
Ghislaine me lançou um olhar de desprezo antes de sair. Aquilo realmente me irritou.
Quando voltei para casa, encontrei todos parecendo miseráveis. Roxy estava morta. Metade de
seu corpo se transformou em cristal no final. Toda a viagem a Millis acabou sendo inútil.
Contei a Elinalise sobre a morte de Cliff. Ela me deu um tapa no rosto e saiu correndo chorando.
Não suporto isso. É demais para mim.
Fizemos um funeral para Roxy.
Mal consigo me levantar da cama agora. Tudo que eu faço é chorar.
Não dou a mínima para mais nada.
Parece que Elinalise saiu da cidade sem contar a ninguém. Não tenho certeza se uma mulher
grávida deveria estar vagando sozinha, mas isso é problema dela, eu acho.
Sylphie continua tentando me animar. Não está funcionando.
Roxy nunca mais vai voltar.
Ela era tão doce. Tão séria. Foi ela quem me tirou daquela casa. Quem me confortou quando
Paul morreu. Ela foi minha bússola por todos esses anos.
E agora se foi.
Eu não tenho feito nada além de ficar bêbado ultimamente. Quando estou sóbrio, me lembro
de Roxy. E então começo a soluçar.
Sylphie continua dizendo que não posso continuar assim, mas o que ela sabe? Perdi a mulher
que me ensinou tudo.
Lilia começou a me incomodar quando bebia em casa, então estou ficando bêbado em
tavernas.
Às vezes, Eris aparece para me assediar quando estou bebendo. Ela geralmente grita um monte
de insultos, então dá um soco em mim. Qual é o problema dessa mulher? E por que Ghislaine não a
impede?
Norn também não está falando comigo esses dias. Ela apenas olha para mim como se eu fosse
um pedaço de lixo.
Ninguém entende como me sinto.
Ultimamente, Sylphie tem vindo para mim de forma agressiva. Fica me pedindo para dormir
com ela e tentar esquecer Roxy. Ela foi tão persistente que acabei gritando com ela.
Por que ela diria algo tão impensado? Por que ela pensou que isso funcionaria?
Não é só isso, eu acho. Se dormisse com Sylphie agora, provavelmente seria muito duro com
ela. Eu a trataria como uma substituta da Roxy. E descontaria toda a minha dor e raiva nela. Isso
não pode ser a coisa certa a se fazer.
Estraguei tudo.
Alguma prostituta começou a flertar comigo na taverna. Eu estava bêbado como o inferno e
acabei levando-a para um quarto no andar de cima. Ela era ótima na cama, é claro. Uma verdadeira
profissional, mas acho que todas as mulheres com quem dormi até agora não tinham tanta
experiência, realmente…
Ok, essa não é a parte importante.
Quando cambaleei para dentro de casa cheirando a outra mulher, Sylphie começou a chorar.
Ela me perguntou: “Eu não sou boa o suficiente para você?” e então se trancou em seu quarto antes
que eu pudesse dizer qualquer coisa.
Lilia me deu uma verdadeira bronca e até Aisha fez uma cara feia para mim. Ainda posso ouvir
Sylphie soluçando em seu quarto. Ela não respondia quando eu batia na porta.
Fiz tudo errado. Ela estava disposta a suportar qualquer coisa. Ela queria que eu jogasse minha
dor nela.
Amanhã, vou pedir desculpas.
Sylphie ainda não fala comigo. O que eu deveria fazer?
Deus, se ao menos Elinalise estivesse aqui…
Sylphie desapareceu.
Quando acordei esta manhã, encontrei o quarto dela vazio. Bem, quase vazio, ela deixou para
trás as roupas e outros presentes que comprei para ela ao longo dos anos.
Lilia ordenou que eu a encontrasse imediatamente; mas nem sei se tenho esse direito. Sylphie
tem todos os motivos do mundo para se divorciar de mim.
Enquanto estava sentado tentando decidir o que fazer, Zenith se aproximou e me deu um tapa
no rosto. Ela não disse nada, apenas me deu um tapa uma e outra vez. Acho que ela estava me
dizendo para me recompor.
Decidi ir atrás de Sylphie.
Pelo que descobri perguntando pela cidade, parece que ela partiu para o Reino Asura com
Ariel e seus aliados. Ainda faltam alguns meses para a formatura de Ariel, por que correr de volta
agora? Não obtive uma resposta satisfatória, mas acho que alguma coisa aconteceu em Asura. Eu
mesmo terei que me mover rapidamente.
Encontrei Eris novamente.
Aquela maluca começou a tagarelar sobre como ela ia me dar “uma última chance” ou algo
assim. E quando eu inevitavelmente a ignorei, ela começou a me dar socos. Estava ficando muito
cansado de toda essa insanidade dela, então a derrubei com magia. Como reação ela puxou sua
espada e veio atrás de mim, eu fugi dela.
Qual é o problema dela, afinal? Ela me largou anos atrás!
Quem entra na chuva, deveria estar preparado para se molhar.
Sylphie já passou por esta área? Estou me sentindo mais ansioso a cada dia.
Hoje cheguei ao Reino Asura, mas eles me pararam na fronteira. Como sou inimigo da Igreja
Millis, aparentemente também sou considerado um criminoso procurado em Asura. Tive que fugir
antes que me prendessem. Preciso encontrar uma maneira de atravessar a fronteira.
Consegui fazer um acordo com uma guilda de ladrões local. Ainda bem que o crime organizado
é tão difundido por aqui.
Aparentemente, sou uma espécie de celebridade para os ladrões do mundo. Eu vi inveja na
maneira como eles olhavam para mim. A notícia correu sobre o meu roubo daquele encantamento
do País Sagrado, eu acho.
Expliquei a situação e eles concordaram que uma ladra chamada Triss me acompanhasse pela
fronteira. Ela é uma mulher bastante voluptuosa. Estou preocupado que Sylphie possa ter uma ideia
errada se nos vir juntos.
Consegui entrar no Reino de Asura.
A guilda me disfarçou com uma máscara e capuz. A partir de hoje, meu nome é Ludo Ronouma.
Convenientemente, estou sofrendo de uma maldição que me petrificará se alguém vir meu rosto.
Este personagem “Ronouma” deveria ser um mago de Basherant que veio a Asura para trabalhar,
viajando com sua prima Triss como guia.
A guilda realmente pensou em tudo, isso eu tenho que reconhecer.
Pelo que estamos ouvindo nas tavernas, o rei de Asura está em seu leito de morte. Também há
rumores de que os príncipes reais estão lutando pelo direito de sucedê-lo. Isso explicaria o porquê
de Ariel ter voltado para cá antes do previsto.
Chegaremos à capital em breve.
Infelizmente, as únicas notícias que ouvimos sobre Ariel parecem bastante duvidosas. As
pessoas parecem pensar que ela está reunindo suas forças para lançar algum tipo de golpe de
estado. Ninguém acha que ela tem alguma chance de conseguir isso, no entanto.
Ariel não é estúpida o suficiente para começar uma luta que ela não pode vencer. É apenas um
boato.
Chegamos a Ars hoje. Triss viu Eris em uma taverna enquanto coletava informações. A garota
me seguiu até aqui?
Não, não pode ser isso. Asura era sua terra natal, certo? Provavelmente acabamos na mesma
cidade por coincidência.
Ariel foi para o submundo, pelo que dizem os rumores. E, claro, Luke e Sylphie foram com ela.
Não sei por onde começar a procurá-los.
Não pudemos encontrá-los.
Triss parece pensar que eles já deixaram a capital, mas quem sabe para onde eles foram?
A única coisa que vem à mente é… bem, talvez Ariel esteja unindo forças com a família de Luke
ou algo assim. Amanhã de manhã, sugeri que prosseguíssemos para a região governada pelos
Notos Greyrats.
Nós fizemos nosso caminho para a região de Milbotts, onde Pilemon Notos Greyrat governa.
No caminho para cá, ouvimos um boato de que Ariel está se escondendo sob a proteção da família
Notos no momento.
Agora tenho que descobrir como eu chego até Sylphie. Sinto que pode envolver mais
arrombamento e invasão.
Por alguma razão, Eris estava esperando por mim quando tentei invadir a propriedade dos
Notos. Ela me bateu bastante.
Depois que eles me trancaram no porão, aquele cara Pilemon apareceu e abusou verbalmente
de mim por um tempo. O rosto do homem se parece muito com o de Paul, mas é aí que a semelhança
termina.
Ele parecia ter a impressão de que eu vim para assumir o controle da família Notos. Depois de
anunciar que me executaria amanhã e enviaria minha cabeça para a Igreja Millis, saiu da sala.
Consegui escapar com bastante facilidade… mas Ariel não estava em lugar algum.
Eles deram um golpe na capital. Aquele boato sobre Ariel fugindo para Milbotts era um monte
de merda. Eles estavam à espreita em algum lugar de Ars, esperando o momento de atacar.
Não sei se conseguirei voltar a tempo.
Estamos a cerca de um dia da capital agora. As pessoas estão dizendo que o golpe terminou
em fracasso.
Ariel havia tentado imprudentemente assassinar simultaneamente o primeiro e o segundo
príncipes, mas eles foram protegidos por dois poderosos mestres de espadas, a Deus da Água e um
Imperador do Norte, que foram trazidos para a capital como convidados reais. O assassinato
terminou em fracasso. As forças de Ariel foram exterminadas e ela mesma foi capturada. Estão
dizendo que ela será executada em breve.
Entretanto, suas forças foram “eliminadas”?
Apagadas… completamente?
E quanto a Sylphie…?
…Não aguento mais isso.
Por que isso está acontecendo? Onde tudo deu tão errado?
Vou escrever sobre o que aconteceu há alguns dias.
Os corpos dos “co-conspiradores” de Ariel estavam em exibição nos campos de execução do
palácio real. Luke estava entre eles. E assim como Sylphie também.
Um de seus braços tinha sido cortado e havia uma enorme laceração em seu rosto. Uma
pequena multidão estava jogando pedras nos cadáveres. Eles estavam jogando pedras em Sylphie
e a chamando de traidora do reino. Sempre que atingiam os corpos, os corvos que bicavam sua
carne batiam ruidosamente no ar.
Eu não conseguia mais me controlar. Queimei seus corpos com magia. E então queimei todos
que tentaram me impedir também.
Para o inferno com este país. Todos eles merecem queimar.
Levantei-me rapidamente. Meu coração batia forte no meu peito e minha cabeça estava
girando. Ler isso foi incrivelmente doloroso. Eu não queria continuar.
Eu realmente tinha que ler essa coisa? Não havia realmente outra escolha?
— Hurp…
Uma onda de náusea tomou conta de mim.
Esta era apenas uma história doentia que o velho tinha inventado, certo? Tinha que ser isso.
Não queria acreditar que um futuro como esse fosse possível. Era horrível demais para sequer
considerar…
—…
Não. Eu precisava ler tudo. Havia informações neste livro, informações valiosas e cruciais.
No entanto, quando olhei para ele de novo, não consegui virar a página. O pensamento de
continuar me deixou enjoado. Que novos horrores estariam esperando por mim na próxima
passagem? Estava literalmente enjoado de pavor.
— Ok, eu… eu preciso de uma pausa…
Saindo do quarto com as pernas instáveis, fui para o banheiro. E então vomitei no banheiro.
Lágrimas escorreram pelo meu rosto. De certa forma, eu escrevi aquele diário, e pude sentir,
com uma clareza terrível, exatamente o que senti quando meu mundo desabou ao meu redor.
Podia sentir minha dor quando Roxy morreu, podia sentir meu pânico e desesperança quando
Sylphie me deixou. E pude sentir minha dor devastadora quando encontrei o cadáver de Sylphie.
— Bleegh…
Enfiei meu rosto no vaso sanitário e vomitei até não sobrar nada para vomitar.
Meu estômago estava completamente vazio agora, mas eu não tinha apetite. Provavelmente
não conseguiria comer nada hoje.
Depois de enxaguar a boca com água, saí do banheiro. Sylphie estava parada no corredor
esperando por mim com um olhar preocupado em seu rosto.
— R-Rudy? O que tem de errado? Você está bem?
Ela estava vestindo suas roupas casuais e cotidianas. Seu cabelo prateado estava solto em
torno de seus ombros. Eu me peguei imaginando-a morta, seu rosto marcado, seu braço faltando.
Fria e sem vida. Pendurada para os corvos.
— Uau! O que é isso?
Sem uma palavra, joguei meus braços ao redor dela. Seu corpo estava tão macio e quente
como sempre.
— Você ainda está pensando naquela batalha com Atofe?
— …Sim.
— Mesmo? Aw… Pronto, pronto — murmurou Sylphie, esticando-se para me dar um tapinha
gentil nas costas. — Sabe, Rudy, estou sempre disponível se você precisar de um pouco de conforto.
Sei que você não é tão forte quanto parece.
Estou sempre disponível se você precisar de um pouco de conforto. Meu eu do futuro ignorou
essas palavras e isso lhe custou caro.
— Sim… Desculpe, Sylphie…
— Ah, está tudo bem.
— Sabe, quando eu estou… realmente sofrendo, posso estragar as coisas… posso dizer coisas
estúpidas, maldosas, em vez de chorar no seu ombro…
— Huh? O que é isso, de repente?
— Mas, por favor, não fuja de mim…
— Uhm… bem, se isso acontecer, acho que ficaria chateada. Poderia dizer algumas coisas duras
também, então talvez tivéssemos uma briga… mas sempre podemos fazer as pazes, certo?
— Sim. Claro. Claro que podemos…
Sylphie é tão legal. Como eu poderia ter traído uma coisinha doce como ela?
— Hum, Rudy? Você está apalpando minha bunda?
— …Você quer que eu pare?
— Quero dizer, acho que não é grande coisa, mas… Wah!
Agora que recebi sua permissão, peguei Sylphie em meus braços e fui para o quarto. Eu não
estava planejando fazer nada muito sexual. Só precisava de um carinho particular no momento,
para ser honesto. Parecia que eu tinha… acabado de recuperar algo que perdi para sempre, sabe?
Embora eu realmente não a tivesse perdido ainda, então… sim. Não era fácil de explicar, mesmo
para mim mesmo.
Ler aquele diário me deixou triste e sentimental, eu acho. Não faria mal se valer de um pouco
de terapia com Sylphie.
Quando Roxy chegou do trabalho, não pude deixar de segui-la pela casa. Quando ela se
acomodou no sofá, me sentei bem ao lado dela e comecei a brincar com as pontas de suas tranças.
— Qual é o problema, Rudy?
Parecia que minha inquietação constante tinha se tornado demais para ela.
— Uhm, bem… eu estava esperando que pudéssemos conversar um pouco.
— Hum? Conversamos o tempo todo, Rudy. Ah… há algo sério que precisamos discutir?
— Não, não. Eu só queria um pouco, er, de um tempo íntimo, sabe?
— Uhhh… tudo bem então, mas não vamos fazer nada muito físico esta noite.
— Certo. Sim. Eu só quero, bem, abraçar um pouco. Se estiver tudo bem para você.
— Tudo bem para mim, Rudy.
Com isso, Roxy se sentou no meu colo e se recostou em mim. Colocando uma mão em volta
de seu ombro, olhei para seu rosto, agora a apenas alguns centímetros do meu.
Foi quando percebi que não tinha ideia do que queria falar.
— Uhm, então… como foi o seu dia?
— Ah, não foi muito agitado, realmente. No entanto, algum estudante travesso fez a peruca do
diretor voar em um determinado momento.
— Ah. Pena que perdi isso.
— Vamos ver, o que mais…
Roxy passou o dia inteiro no trabalho e estava claramente um pouco cansada. Ainda assim,
ela teve tempo para me agradar. Conversamos sobre coisas triviais por um tempo, rindo das piadas
um do outro. Acabei apalpando um pouco sua bunda, o que me rendeu um tapa na mão, mas
quando protestei que estava apenas tentando abraçá-la, Roxy suspirou e me permitiu continuar.
Depois, fomos juntos para o banho, onde lavei suas costas e massageei seus ombros.
Basicamente, eu a adorava como um filho bajulando sua mãe.
— Você parece um pouco carente hoje, Rudy. Aconteceu alguma coisa ruim?
— Não, de jeito nenhum. Estava pensando em como estou muito feliz por tê-la sã e salva, isso
é tudo.
— É isso? Bem, tive um pequeno arranhão no Labirinto de Teletransporte, suponho. Sinta-se
à vontade para confirmar minha “saúde” para o conforto do seu coração.
Nós dois estávamos na banheira agora. Mais uma vez, Roxy estava sentada no meu colo.
Enquanto gentilmente acariciava seus ombros esbeltos, deixei cair uma pergunta tão casualmente
quanto pude.
— Como está se sentindo, Roxy? Não está indisposta nem nada, certo?
Eu a impedi de pegar Síndrome de Petrificação eliminando aquele roedor. Estava bastante
confiante disso, mas não tinha cem por cento de certeza ainda. Havia uma chance de meu eu do
futuro ter tirado conclusões precipitadas, afinal.
— O quê? Estou bem. Por que você pergunta?
— Ah, não sei… eu realmente quero que você viva uma vida longa e agradável, eu acho.
— Dada a vida útil da minha raça, é bem provável que eu viva mais que você. Espero que cuide
bem de sua saúde, senhor.
— Você me pegou.
Quando disse essas palavras, o rosto de Roxy se iluminou com um grande sorriso.
Aparentemente, ela de fato estava bem.
Sylphie e Roxy ainda estavam vivas. As coisas não iam sair do jeito que aconteceram naquele
diário. Eu não ia deixar isso acontecer.
Com aquele pensamento reconfortante firmemente fixado em minha mente, finalmente me
senti pronto para enfrentar o resto daquelas páginas horríveis. Não seria fácil, mas tinha que ser
feito.
Na manhã seguinte, reabri o diário, pronto para continuar de onde parei. No entanto, parecia
que meu eu do futuro não tinha escrito nada por algum tempo após a morte de Sylphie. Quando
virei a página, descobri que o papel estava visivelmente diferente.
Parecia que pelo menos um ou dois anos haviam se passado. Talvez mais… as passagens eram
vagas o suficiente para que pudesse ter sido uma década. Não tinha como saber o que aconteceu
naquele período não documentado, mas quando as passagens foram retomadas, fiquei surpreso
com o quão estúpidas e juvenis pareciam. Falava-se muito das mulheres que vi nas ruas e do
tamanho de suas bundas. Uma passagem contava como seduzi uma garçonete em uma taverna
recém-inaugurada; outras descreviam minhas visitas a vários bordéis, complementadas com
comentários sobre sua qualidade. A linguagem às vezes ficava chula. Era o diário de um canalha,
para ser honesto. Em uma passagem, até tirei um tempo para classificar todas as mulheres com
quem já dormi.
Era difícil acreditar que era eu escrevendo essas coisas. Era isso que eu tinha me tornado sem
Roxy e Sylphie por perto?
De qualquer forma, evidentemente passei anos me entregando a esse estilo de vida. Não
estava claro onde esses eventos aconteceram, mas reconheci os nomes de algumas tavernas aqui
e ali. Parecia que eu ainda estava morando na cidade de Sharia.
Alguns nomes se destacaram pela ausência, no entanto. Nunca mencionei Aisha, Norn, Lilia,
Zenith ou Lucie. De vez em quando, havia uma referência a Zanoba ou Julie, mas algumas dessas
passagens me deixavam enjoado. Meu eu do futuro aparentemente estava de olho em Julie a essa
altura. A garota tinha sido minha aluna fiel desde criança, e agora eu queria tirar vantagem dela.
Não queria acreditar que eu era capaz de me afundar tanto.
Dito isto, tinha que admitir que não era totalmente implausível. Diante do desespero
esmagador, eu poderia imaginar a mim mesmo me abandonando à busca de prazeres sem
sentido… especialmente porque eu tinha a aparência e o dinheiro para tornar esse estilo de vida
fácil.
Eris aparecia com certa frequência nessas passagens, embora meu futuro eu estivesse
claramente fazendo o possível para evitá-la. Ela também morava em Sharia e sempre que nos
encontrávamos, me batia com uma carranca furiosa no rosto.
— Gostaria de pegar aquela garota e dar uma lição nela — escrevi em uma passagem, — mas
não quero que ela jure vingança contra mim ou algo assim. Provavelmente é melhor apenas manter
distância. — Coisas bem patéticas.
Lendo nas entrelinhas, porém, tive a sensação de que meus sentimentos em relação a Eris
eram mais conflitantes do que deixei transparecer. Ainda havia uma parte de mim que queria
consertar nosso relacionamento de alguma forma? Depois do que aconteceu com Sylphie e Roxy,
talvez eu tivesse perdido a capacidade de buscar um romance de verdade. Era difícil dizer com
certeza, mas, no mínimo, as palavras amargas que escrevi não se encaixavam perfeitamente com
algumas das ações que estava descrevendo.
Em outra nota… havia alguns eventos inquietantes misturados com toda a depravação. Zanoba
e eu tínhamos um prêmio por nossas cabeças, cortesia da Igreja Millis e, às vezes, eu tinha que me
defender de um assassino ou caçador de recompensas. Isso não parecia um grande problema, no
entanto. Estava derrubando-os com facilidade até agora.
Virei a página depois de uma dessas passagens e encontrei outra transição repentina no
conteúdo do diário. Parecia que eu tinha saltado para o futuro pela segunda vez. Mais uma vez,
não houve resumo dos anos perdidos. Agora o tipo de papel mudava a cada página e eu ainda não
estava datando minhas passagens claramente.
O livro ilustrado de Norn e as estatuetas de Ruijerd estão vendendo muito bem. Também
convenci a Universidade a integrar oficialmente minhas técnicas de feitiços não cantados no
currículo.
Parece que o País Sagrado enviou uma demanda através do Reino de Asura para que Ranoa
me entregasse, mas enquanto as Nações Mágicas me considerarem útil, não posso ver isso
acontecendo. Graças às Montanhas Wyrm Vermelho, não é fácil invadir um país no Continente
Central. Colocam o agressor em uma desvantagem inerente.
Além disso, Asura não parece estar ciente de que fui eu quem queimou uma boa parte de sua
capital. Sabia que eles eram uma escória, mas suponho que sejam imbecis também.
Zanoba está muito perto de completar seu autômato agora. Demorou mais do que eu esperava,
mas estamos quase lá. Não consigo sentir a mesma emoção que sentia quando começamos, no
entanto.
Por que estou mesmo fazendo isso? Qual é o ponto?
O primeiro autômato está completo.
Zanoba o fez à imagem de Sylphie. Ela tem vontade própria e age por iniciativa própria.
Contudo, faz qualquer coisa que eu digo a ela sem questionar. Ela é obediente e mansa, mas
tem um lado ciumento. Ela realmente é a cara da mulher que eu conhecia… em quase todos os
sentidos.
Mas não é isso que eu queria. Não é isso que eu preciso…
Destruí o autômato Sylphie.
Esperava que Zanoba fosse ficar furioso, mas ele se desculpou em vez disso. Isso só me fez
sentir mais culpado. Devo a esse homem mais do que posso pagar. No mínimo, ele ganhou minha
lealdade até o dia em que eu morrer.
Fizemos um novo autômato que não é baseado em Sylphie ou Roxy.
Zanoba deu-lhe o nome de Quarenta. Aparentemente, é sua quadragésima “obra-prima”,
segundo ele.
Estamos produzindo as “irmãs” de Quarenta em massa agora e as Nações Mágicas vão comprá-
las de nós. É bom ter países como seus principais clientes. Eles têm bolsos fundos.
Não sei até que ponto os “bonecos” seriam úteis em uma capacidade militar, mas Zanoba e eu
refinamos muito seu design ao longo dos anos. Estou supondo que são mais fortes do que um
cavaleiro ou aventureiro médio, pelo menos.
Agora que atingimos nosso objetivo, parece que não tenho mais o que fazer. Vou ter que decidir
qual será meu próximo projeto de pesquisa. Pela primeira vez em algum tempo, estou realmente me
sentindo um pouco motivado.
Hmm… então eventualmente nós completamos o projeto de boneca automatizada de Zanoba,
hein?
Essas passagens não deram nenhuma dica sobre como conseguimos isso, infelizmente. Eu
provavelmente mantive minhas notas de pesquisa separadas deste diário. Isso era uma pena. Um
pequeno conselho do futuro poderia ter acelerado nosso progresso imensamente…
Não era grande coisa, no entanto. Zanoba estava gostando muito de sua pesquisa, e dizem
que a viagem é tão importante quanto o destino, certo?
Virei a página e me assustei com outra mudança repentina no tom do diário.
Esta folha de papel estava muito amassada. Eu estava claramente chorando na página
enquanto escrevia essas palavras.
O Deus-Homem apareceu em meus sonhos. Ainda posso sentir sua mão descansando no meu
ombro.
Eu o odeio. Eu o odeio tanto.
Tenho que ficar mais poderoso e rápido.
Preciso matar aquele bastardo. É o meu novo propósito de vida. Até o dia em que ele morrer,
Roxy e seu filho nunca descansarão em paz.
Nem eu, aliás.
Pensando bem, me pergunto como Lilia e os outros estão. Não os vejo desde que saíram de
casa.
Me pergunto como Lucie acabou. Aposto que ela é uma beldade, assim como sua mãe. Espero
que ela esteja indo bem com seus estudos. Espero que esteja comendo o suficiente.
…Gostaria muito de não ter desmoronado assim depois que Sylphie morreu.
Aisha acabou voltando para cuidar de mim, mas… não consigo imaginar que os outros tenham
me perdoado. Enviar uma carta agora não faria nenhum bem.
Tenho tantos arrependimentos.
Como fico mais forte?
Trabalho na minha magia? Talvez encontrar alguém que possa lançar feitiços de nível Rei ou
Imperador?
Acho que não. Com base no que vi até agora, feitiços além do nível Santo parecem que apenas
aumentam em escala. Eles não são especialmente úteis em combate.
Existem algumas exceções, como aquele feitiço elétrico que eu criei, mas no geral, minhas
capacidades ofensivas já são adequadas.
A questão principal é que sou um canhão de vidro com mobilidade medíocre. Não consigo
ampliar minhas capacidades físicas com Aura e isso me deixa em grande desvantagem tanto em
durabilidade quanto em velocidade.
Como compensar essas deficiências?
Encontrei algumas informações sobre o Deus-Lutador em um livro.
Diz a lenda que ele usava uma armadura dourada que aumentava muito sua força, velocidade
e resistência. Quando discuti isso com Zanoba, ele teve uma ideia intrigante: e se fizéssemos uma
prótese Zaliff que cobrisse todo o meu corpo?
Não sei o porquê de não ter pensado nisso antes. Não posso me envolver em Aura, é verdade,
mas quando envio mana à minha mão artificial, posso aumentar sua força exponencialmente. Se
usar minha magia da Terra para criar a carapaça mais resistente possível e depois retrabalhá-la
em uma armadura de corpo inteiro…
Sim. Acho que isso pode funcionar.
Com a ajuda de Zanoba, completei minha armadura pessoal.
A coisa tem mais de dois metros de altura e é volumosa para arrancar. É preciso muita mana
para controlar também. Na verdade, eu sou o único capaz de usar isso e mesmo eu não seria capaz
de alimentá-la por muitos dias seguidos. É uma espécie de pedaço enorme de lixo, para ser honesto.
Se ao menos Cliff ainda estivesse vivo. Talvez pudéssemos ter feito algo mais eficiente… Mas
não adianta insistir nisso agora, eu acho.
De qualquer forma, peguei uma sugestão de algum videogame antigo e a chamei de “A
Armadura Mágica”.
A partir deste ponto, o diário passou a se concentrar em meus esforços para ficar mais forte.
Aninhando-me dentro da Armadura Mágica, que em essência era uma versão gigantesca da
Prótese Zaliff, eu poderia aumentar minha velocidade, poder e defesa física para igualar até
mesmo os guerreiros mais poderosos do mundo. Só conseguia manter esse nível de desempenho
por meio dia de cada vez, mas mesmo com 30% de produção eu era capaz de derrotar a maioria
dos oponentes que encontrava.
Nós claramente criamos algo especial, mas presumivelmente não fomos os primeiros a ter a
ideia, dadas as histórias sobre o Deus-Lutador.
Já estava ansioso para começar a minha própria versão, mas Zanoba e eu seríamos capazes
de projetar a Armadura Mágica neste estágio de nossa pesquisa?
Bem… talvez estejamos prontos, talvez não. Ainda vou fazer acontecer.
Em uma nota menos positiva, parecia que minha família havia se mudado da minha casa
pouco depois da morte de Sylphie. Isso explicava o motivo de não ter me referido muito a elas nas
passagens anteriores.
Podia ver Norn ficando farta do meu mulherenguismo rápido o suficiente, mas de alguma
forma, consegui que até mesmo Lilia desistisse de mim. Quão mal eu as tratei?
Então, novamente… não sabia os detalhes. Talvez eu as tivesse movido para sua própria
segurança. Eu tinha aqueles assassinos de Millis vindo atrás de mim e tudo mais…
Sim, claro. Vamos com isso.
De repente, me vi querendo ganhar pontos com minha família.
Felizmente, aconteceu de hoje ser uma das noites regulares de Norn em casa. Isso parecia
uma excelente razão para levá-las para jantar. Um pouco de tempo de qualidade não faria mal,
certo?
— Irmão querido! — Veio uma voz atrás de mim. — O almoço está pronto! Desça e coma com a
gente!
Me levantei da minha cadeira e abri a porta para encontrar Aisha parada do lado de fora em
sua roupa usual de empregada. Havia um pouco de molho em seu rosto; ela provavelmente estava
fazendo um pequeno teste de sabor na cozinha.
— Você tem algo no rosto, garotinha —, disse, pegando um lenço para limpá-la.
— Mmph! Hehehe, obrigada.
Aisha sorriu alegremente para mim enquanto eu puxava minha mão.
Essa criança tinha sido dedicada o suficiente para cuidar de mim sozinha, mesmo quando me
transformei em um lixo inútil. O velho não a mencionou, mas ela era efetivamente a única família
que ele teve por anos. Deve ter significado muito tê-la por perto.
— Ei, Aisha… há alguma coisa que você esteja querendo ultimamente?
— Huh? Por que a pergunta?
— Estava pensando em comprar um presente para você um dia desses. Só um pequeno
obrigado por todo o trabalho duro, sabe?
— O que?! Awww, você não deveria! Eu me sentiria mal por Norn! Hmm, mas acho que vi um
grampo de cabelo muito fofo na loja outro dia… Pisca, pisca.
Você não deveria dizer a parte do “pisca, pisca” em voz alta, sabia?! De quem ela aprendeu esse
tipo de sem-vergonhisse, afinal? De mim? Provavelmente de mim.
— Tudo bem. Vou te levar para comprá-lo em breve. Vamos ter que manter isso em segredo
de Norn.
Aisha soltou um gritinho estranho quando pulou para trás e jogou as mãos para cima em uma
exibição exagerada de choque. — Você está realmente falando sério, querido irmão?! O que você
está planejando…? Suspiro! Será que você está desejando um pouco de amor?! Devo aguardar sua
chegada em meu quarto esta noite, meu senhor? Tee-hee!
— Ok, chega de brincadeiras. Vamos comer antes que a comida esfrie, certo?
— Sim senhor!
Juntos, fomos para a sala de jantar. Roxy e Norn não estavam por perto no momento, mas
fizemos uma refeição em família com todas as outras da casa. Para mim, pelo menos, a comida
estava nitidamente melhor do que o normal.
Quando compartilhei esse pensamento com Lilia, consegui arrancar um pequeno sorriso dela.
Depois do almoço, voltei ao diário.
Com sua Armadura Mágica completa, meu eu do futuro começou a viajar pelo mundo,
procurando uma maneira de chegar ao Deus-Homem. Conheci muitas pessoas diferentes ao longo
dessas jornadas, mas frequentemente ficava angustiado com a pouca informação que conseguia
encontrar sobre meu inimigo.
Eventualmente, cheguei à teoria de que as pessoas que estavam vivas por muito tempo eram
mais propensas a saberem algo sobre o Deus-Homem e concentrei minha atenção em localizar as
pessoas mais velhas do mundo. Ao mesmo tempo, continuei a treinar incansavelmente como mago
e a desenvolver novos feitiços, gradualmente ficando mais poderoso do que antes. Com o tempo,
dominei a magia de manipulação da gravidade, uma variedade de feitiços elétricos e até mesmo
um tipo de magia que manipulava a voz humana. Também alcancei o nível Santo em Cura.
Em algum momento, cheguei à conclusão de que a magia em si era “super-poderosa” e poderia
ser usada para realizar qualquer coisa, desde que você “pegasse o jeito”. Naturalmente, não havia
explicação sobre o que diabos isso deveria significar. Esta também era a seção do diário onde
registrei minhas teorias sobre como Roxy pegou a Síndrome de Petrificação daquele camundongo
e a potencial responsabilidade do Deus-Homem pela morte de Sylphie.
À primeira vista, parecia que eu estava progredindo em muitas frentes, mas à medida que o
tempo passava sem nenhuma informação nova sobre o Deus-Homem, meu eu do futuro começou
a ficar cada vez mais amargo e cheio de ódio.
Neste ponto da minha vida, me tornei uma pessoa genuinamente horrível. Provocava brigas
por onde passava, esmagando oponentes muito mais fracos do que eu só para poder zombar deles.
Agi por impulso e instinto, até mesmo agredindo sexualmente mulheres aleatórias. Este com
certeza não era o tipo de homem que eu queria me tornar.
Eris fez aparições frequentes nessas passagens também. Ela continuava aparecendo ao longo
do meu caminho enquanto eu viajava ao redor do mundo. Eris estava tão forte como sempre, e
repetidamente me derrotou em batalha. Não havia menção clara a isso no texto, mas ela poderia
estar tentando me mostrar meus erros.
Entretanto, o meu eu do futuro começou a pensar que ela poderia ser uma agente do Deus-
Homem. Afinal, ela estava “interferindo” no meu progresso, logo, ela estava claramente sob seu
controle e agindo para proteger seus interesses. Com o tempo, passei a odiá-la por isso.
Fiquei espantado com a facilidade com que me convenci disso, apesar de não ter qualquer
evidência para apoiar essa teoria. Provavelmente era exatamente o que eu queria acreditar.
Eventualmente, Eris parou de me derrotar tão facilmente, até que então não me derrotou
mais. Talvez eu tenha ficado mais forte, ou talvez ela tenha passado de seu auge físico com a idade.
Não consegui distinguir pelo texto.
Finalmente, as coisas chegaram a um clímax.
Fiz Eris chorar. Fazia muito tempo desde que eu a vi chorando assim.
Talvez eu tenha levado as coisas longe demais. Ela pode não estar ligada ao Deus-Homem,
afinal.
Não, isso não faz nenhum sentido. Essa mulher está me seguindo e me atrapalhando desde
que Sylphie morreu. O que mais poderia explicar isso? Ela também continuou se recusando a dizer
qualquer coisa durante o interrogatório.
Ela sabe alguma coisa. Ela tem que saber.
Eris escapou hoje.
Encontrei as algemas dela com marcas de mordida. Os dentes daquela mulher são de aço?!
Que se foda tudo…
Tenho uma audiência com Atofe amanhã. É difícil imaginar que aquela cabeça oca cheia de
músculos me dará algo útil, mas como a maioria dos demônios imortais, ela existe há muito tempo.
Há uma boa chance de que saiba sobre o Deus-Homem.
E irei arrancar isso dela, mesmo que tenha que espancá-la até virar uma polpa.
Eris está morta.
Ghislaine me culpou por tudo. Nada disso faz o menor sentido.
Vou tentar resumir o que aconteceu ontem.
Minha audiência com Atofe virou uma batalha. Eu estava contra ela e toda a sua guarda
pessoal.
Estava confiante de que poderia lidar com a Rei Demônio, mas Moore me enganou
completamente. Eu sabia que o homem era um mago poderoso e mesmo assim deixei que ele me
pegasse desprevenido. Estava muito focado na própria Atofe.
Eles me deixaram contra as cordas quando Eris pulou do nada. Ela sofreu um ataque destinado
a mim e morreu para salvar minha vida.
Ghislaine me contou o porquê depois. Ela explicou tudo, voltando ao dia em que Eris apareceu
em Sharia.
Eris só queria ficar comigo. Eu tinha entendido tudo errado esse tempo todo. Ela nunca deixou
de me amar. Nunca.
Essa foi a razão pela qual ela me seguiu. Foi a única razão.
Eu ainda não consigo acreditar.
Não havia muitos detalhes nessas passagens, mas tudo combinava com o que o velho tinha
me dito.
…Talvez eu realmente precisasse me casar com Eris também. Ler tudo isso me fez querer vê-
la terminar feliz. Entretanto seria preciso muita coragem para dar o primeiro passo. Eu tinha
vagamente abordado o assunto com Sylphie, mas ainda assim…
Bem, o verdadeiro primeiro passo tinha que ser falar sobre isso em detalhes. O envio da carta
viria depois disso.
Decidi tirar esse assunto da minha mente até que Roxy chegasse em casa hoje à noite e voltei
minha atenção para o diário.
Após a morte de Eris, houve uma série de passagens que não diziam nada particularmente
útil. Tinha escrito apenas breves descrições de viajar para certos lugares, conhecer certas pessoas
e lutar contra outras. Entre aqueles com quem lutei, notei alguns oponentes realmente temíveis:
um Imperador da Água aqui, um Imperador do Norte ali, mas minhas vitórias não pareciam me
trazer nenhum prazer, pois nem me preocupei em registrar nenhum detalhe. A maioria das
passagens não passava de uma frase ou duas, como: “Hoje matei indivíduo X e ele também não
sabia nada sobre o Deus-Homem.”
Depois de um bom número de passagens como esta, parecia haver outro salto no tempo.
A primeira passagem mais longa depois de um bom tempo era de natureza muito diferente
daquelas que a precederam.
Zanoba se foi.
Uma unidade de Cavaleiros Templários se infiltraram no Reino de Ranoa sem que ninguém
percebesse. Quando voltei correndo, já era tarde demais. Queimaram a mansão até o chão.
Encontrei o corpo carbonizado de Zanoba na frente da porta do porão. Ginger, Julie e Aisha
estavam deitadas dentro dele, seus corpos cortados em pedaços.
Os Cavaleiros Templários ainda estavam em Ranoa, então os localizei e matei todos, mas matá-
los não teve nenhum significado, é claro.
Zanoba fez muito por mim. Se esforçou tanto para me ajudar e proteger minha família, mas eu
não estava lá para ele quando precisou de mim.
Qual é o sentido de ter todo esse poder, afinal?
Eu sou inútil.
Todo mundo está morto agora, eu acho.
Sou o único que ainda está de pé. Os outros já se foram. Não pude proteger nenhum deles.
É tudo culpa do Deus-Homem.
Eu tenho que matar aquele bastardo, nem que seja a última coisa que eu faça…
Bem… isso foi deprimente.
Perder Zanoba e Aisha de uma maneira tão horrível deve ter sido esmagador.
Dito isto, fiquei um pouco curioso do porquê meu futuro eu não tentou localizar o resto da
minha família. Talvez eu tenha decidido que não tinha o direito de me chamar de pai da Lucie. Ou
talvez Lilia e os outros também tivessem morrido e esses eventos simplesmente não foram
registrados neste diário. O nome de Norn não aparecia há muito tempo, o que não era exatamente
tranquilizador…
Ok, vamos parar de especular.
Se não estava no diário, não tinha acontecido. Era assim que eu precisava abordar isso.
De qualquer forma… não parecia que a morte de Zanoba fosse necessariamente obra do Deus-
Homem, mas meu eu do futuro estava colocando toda a culpa nele. Neste ponto da minha vida,
claramente desenvolvi uma obstinada obsessão pela vingança. Me joguei na busca do Deus-
Homem ainda mais intensamente do que antes, massacrando cruelmente qualquer um que
estivesse no meu caminho.
E, finalmente, encontrei uma pista.
Meu coração está disparado enquanto escrevo isso.
Atualmente estou em um canto remoto do Continente Begaritt. Dizia-se que esta era uma região
desabitada e inexplorada, mas descobri uma antiga ruína aqui, remanescente da antiga civilização
da Tribo dos Dragões. E em suas paredes, encontrei murais forrados de escrita. Isto é o que eu li em
um deles:
Este mundo é dividido em seis: o mundo dos dragões, o mundo dos homens, o mundo dos
demônios, o mundo das feras, o mundo dos oceanos e o mundo dos céus.
Esses seis mundos estão dispostos como as faces de um grande cubo. O interior deste cubo é
um lugar conhecido como o mundo estéril. Atravessá-lo é a única maneira de passar de uma face
do cubo para outra; mas isso só é possível por meio de um método muito específico.
Infelizmente, o mural desmoronou após esta seção, mas a última frase legível dizia o seguinte:
“O Deus-Homem está no centro do mundo estéril.”
Finalmente encontrei o que procurava.
Estou planejando ficar aqui por algum tempo para analisar minuciosamente tudo o que está
escrito nestas paredes.
Os murais contêm um registro histórico das tentativas da Tribo dos Dragões de encontrarem
um caminho para o centro do mundo estéril.
A magia de invocação e de teletransporte foi aparentemente desenvolvida como
desdobramento de sua pesquisa em feitiços para viajar pelo mundo estéril para alcançar os outros.
Talvez eu precise focar minha pesquisa nessa direção.
Encontrei tudo o que há para encontrar nestas ruínas.
Parece que a antiga Tribo dos Dragões tentou criar algo que lhes permitisse alcançar o centro
do mundo estéril, mas não sei o que era. A seção das paredes que o descrevem se desintegrou em
pó. Ainda assim, o método deles era claramente algo bastante semelhante à magia de Invocação
ou de Teletransporte.
Infelizmente, não tenho o conhecimento necessário para recriar o tipo de feitiço que foi
descrito.
Perugius poderia, no entanto. Não conheço ninguém mais familiarizado com feitiços de
Invocação. Talvez ele possa me apontar na direção certa.
Perugius não sabia de nada.
Ele nem mesmo sabe quem ou o que é o Deus-Homem, por falar nisso. A única coisa que ele
sabe é que Laplace ficou furioso com a mera menção dele.
Estou de volta à estaca zero mais uma vez. Laplace claramente conhecia o Deus-Homem, mas
ele não está mais entre os vivos…
Suponho que haja Orsted. Talvez ele saiba alguma coisa.
Não consigo encontrar sequer um boato sobre o paradeiro de Orsted. Acho que nunca vou
rastrear aquele homem, não importa o quanto eu tente.
Talvez seja melhor me concentrar em minha pesquisa sobre magia de teletransporte. Depois
de décadas de batalha constante, não consigo me mover com a mesma agilidade de antes. Posso
não ter muito tempo a perder.
Não… é muito cedo para jogar a toalha. Eu deveria tentar encontrar mais ruínas da Tribo dos
Dragões enquanto ainda sou capaz de viajar.
Huh. Então este mundo era como um cubo oco, com o Deus-Homem no centro. Isso era um
pouco perturbador. Isso também explicava o porquê do teletransporte dar a sensação de estar
sendo sugado para baixo da terra, já que você estava sendo puxado para o mundo estéril e
viajando por ele até o seu destino.
Claro, isso não significava que poderia simplesmente começar a cavar no chão para alcançar
o Deus-Homem. A conexão entre os mundos provavelmente não era tão literal.
O diário pareceu avançar no tempo novamente após essa passagem. Meu eu do futuro
realmente não tinha sido muito consistente com essa coisa.
Descobri uma segunda ruína da Tribo dos Dragões no alto das montanhas do Continente
Demônio. Gostaria de entender o motivo para eles construírem essas coisas em lugares tão
perigosos e bem escondidos. Toda esta área está repleta de monstros poderosos.
Hum. Suponho que a fortaleza flutuante de Perugius também possa se qualificar como uma
ruína, em algum sentido da palavra. Talvez esta seja a número três, então.
De qualquer forma, pretendo começar a explorá-la amanhã.
Meus esforços foram recompensados. Encontrei uma versão completa do mural que estudei
alguns anos atrás, incluindo a seção que descreve seu método para chegar ao centro do mundo
estéril.
A antiga Tribo dos Dragões criou cinco tesouros sagrados. Usar todos os cinco enviaria você
para o mundo estéril, em vez de simplesmente passar por ele.
Finalmente encontrei uma maneira de alcançar o Deus-Homem. Finalmente.
Contudo, agora estou com mais de sessenta anos e meu corpo está em péssimas condições.
Não sei se chegarei a tempo.
Fiz outra visita a Perugius. Desta vez, ele tinha informações para mim.
Os cinco tesouros sagrados criados pela antiga Tribo dos Dragões são mantidos por seus cinco
generais. Todos eles são necessários para abrir a porta para o mundo estéril por meio da arte
secreta do Deus Dragão. No entanto, um desses generais já está morto e seu tesouro, perdido. O
paradeiro de seu sucessor também é desconhecido.
Perugius acredita que o general desaparecido aparecerá dentro de algumas décadas. Algo na
maneira como ele expressou isso me pareceu estranho, mas não consigo me lembrar exatamente
o porquê. Ultimamente, está ficando mais difícil abrir o armário das minhas memórias.
Perugius ainda está escondendo algo de mim? É um pensamento irritante, mas ele é a única
pessoa com quem posso relembrar os melhores dias. Não quero matá-lo.
Ele disse que Orsted pode saber alguma coisa sobre a arte secreta… mas ninguém tem a menor
ideia de onde Orsted está.
De qualquer forma, se vai demorar décadas até que o último General Dragão apareça, não há
mais esperanças para mim. Tenho certeza que não vou viver tanto. Meu corpo já está à beira de
quebrar, posso sentir a morte se aproximando de mim.
O que devo fazer, droga? Estou correndo contra o tempo…
Não consigo pôr as mãos em todos os cinco tesouros dos Generais Dragão.
Acho que não sou capaz de criar minhas próprias imitações ou reproduzir a própria arte
secreta. Simplesmente não tenho o suficiente para continuar; Nem saberia por onde começar.
Em outras palavras, não posso chegar ao mundo estéril.
Estou tão farto e cansado disso.
Quanto tempo eu tenho que continuar lutando sozinho? Para quem estou fazendo isso mesmo?
Até meu ódio pelo Deus-Homem está começando a diminuir.
Estou apenas… tão malditamente cansado.
O fogo e a determinação das primeiras passagens davam lugar à resignação e à amargura. Não
havia muitas páginas restantes. Essas passagens provavelmente eram de cerca de cinquenta anos
no futuro, então.
Meu eu do futuro passou décadas lutando constantemente tendo poucos e preciosos sucessos
e nunca atingiu seu objetivo. Depois de um certo ponto, qualquer um ficaria exausto demais para
pensar direito. A pessoa que eu era hoje provavelmente teria desistido muito antes.
Costumo manter minhas notas de pesquisa separadas deste diário, mas vou adicionar uma
passagem aqui sobre minha teoria mais recente.
Durante minha pesquisa sobre magia de teletransporte, cheguei a uma tese interessante.
Especificamente: combinando-a com a magia descrita nos murais antigos e ajustando com a
execução, pode ser possível viajar no tempo.
No entanto, se minha teoria estiver correta, pode exigir uma enorme quantidade de mana para
viajar alguns segundos para o passado. Quanto precisaria para voltar anos, então?
Vou tentar viajar ao passado.
Eu ainda tenho este velho diário em minhas mãos. Usando-o como um ponto de orientação,
poderia voltar ao dia em que comecei a escrevê-lo… o dia em que o Deus-Homem me enganou para
libertar aquele rato e matar Roxy.
Não sei se vai funcionar.
Também não sei o que vai acontecer comigo se funcionar. Afinal, estou familiarizado com o
conceito de paradoxos temporais.
Gostaria de estar mais confiante de que isso funcionará.
É difícil até dizer se vou conseguir voltar no tempo como estou agora, ou apenas voltarei ao
meu eu mais jovem. Supondo que seja o primeiro, no entanto, preciso rever o que vou dizer. No
mínimo, preciso abordar sobre o incidente da Síndrome de Petrificação, Eris e o Deus-Homem.
Não tenho certeza se serei capaz de explicar tudo. Não tenho certeza se meu eu mais jovem vai
acreditar em mim.
E se eu voltar a ser eu mesmo mais jovem ao invés disso… não sei como poderei interagir com
Sylphie e Roxy.
Quero vê-las novamente, é claro. Quero dizer a elas o quanto eu sinto muito, mas a ideia de
substituir a mente de um jovem feliz pela minha é… honestamente, meio doentia.
Talvez eu devesse esperar mais para experimentar primeiro, mas devido aos riscos potenciais
de um paradoxo temporal, hesito em fazê-lo. Digamos que eu voltasse vários dias no tempo. E se
eu esquecer minhas memórias atuais no processo? Eu estaria me prendendo em um loop sem fim e
sem sentido, me condenando a viver neste mundo miserável por toda a eternidade.
Do outro jeito, pelo menos eu veria Roxy e Sylphie novamente…
Tudo bem. Chega disso. Vou parar de pensar demais nas coisas.
Não é como se eu tivesse alguma coisa a perder de qualquer jeito. Não consegui nada com a
minha vida. Sou um desperdício de oxigênio. Talvez dê errado e eu estrague tudo de novo, mas e
daí? Por que eu deveria dar a mínima?
E se eu conseguir…
Bem, talvez possa dar ao Deus-Homem um gostinho de seu próprio remédio.
Assim que terminei de ler a última passagem, fechei o diário.
A contracapa estava arranhada e surrada, assim como a frente. Agora que li tudo, pude ver o
significado naqueles arranhões. Eles eram testemunhos dos longos e dolorosos anos que passei
carregando essa coisa.
Meu eu futuro deve ter voltado no tempo imediatamente depois de escrever aquela passagem
final, apenas para perceber que ele ficou sem mana no processo.
Não conseguia entender os princípios por trás do uso da magia de teletransporte para viajar
no tempo. Dito isso, não tinha certeza do porquê ele voltou em um grande salto. Com base no que
escreveu no diário, poderia ter sido mais seguro voltar no tempo de pouco a pouco para evitar
esse problema da falta de mana. Ele estava muito velho e cansado para perceber os benefícios
dessa abordagem?
Não… provavelmente nem lhe ocorreu que poderia não ter mana o suficiente para isso. O
homem devia ter absoluta confiança em sua capacidade de lançar qualquer feitiço.
De qualquer forma, este diário simplesmente não continha todos os detalhes que eu precisava
sobre sua pesquisa. Também não havia garantia de que as conclusões que ele havia tirado
estivessem inteiramente corretas. Ele poderia ter interpretado mal aqueles murais antigos, para
começar.
Pensando bem, eu tinha visto um antigo mural nos níveis subterrâneos da fortaleza de
Perugius. Era esse o tipo de coisa de que estavam falando lá? Aquilo não parecia ter nada a ver
com magia de invocação… mas pelo que parece, havia muitos outros de seu tipo escondidos em
todo o mundo.
De qualquer maneira, por enquanto, eu tinha respostas para minhas perguntas mais
importantes. Agora precisava agir antes que as coisas acabassem indo pelo mesmo caminho.
— Olá a todos — chamou uma voz do hall de entrada. — Estou em casa.
Roxy estava de volta do trabalho. No momento certo.
Primeiro o mais importante, então. Esta noite, precisava ter uma discussão séria com minhas
duas esposas. Elas precisavam saber sobre Eris… e o fato de que estávamos todos em perigo.

Rudy estava agindo de forma estranha ultimamente. Ele passou dias inteiros enfurnado em
seu escritório. Quando saia, aparentava estar pálido e ansioso.
O que exatamente ele estava fazendo lá? Eu estava ficando preocupada, mas ele não me deu
uma resposta direta quando o questionei sobre isso. Minha última tentativa terminou com ele
evitando a pergunta e me puxando para a cama. Mas eu tinha certeza de que algo estava deixando-
o inquieto… e isso me incomodava.
Fui até Roxy para pedir conselhos e descobri que ela pensava o mesmo:
— Então você também notou, Sylphie? Receio que Rudy tende a manter seus problemas para
si mesmo. Vamos tentar estar prontas para caso ele precise do nosso apoio.
Decidi que, se as coisas continuassem assim por muito mais tempo, talvez precisássemos
pressioná-lo para obter algumas respostas. Mas então, logo após o jantar, Rudy finalmente
quebrou o silêncio.
— Uh, Sylphie, Roxy? Posso pedir a vocês que venham ao meu quarto esta noite?
Seu tom de voz estava um pouco estranho, mas isso não era muito incomum. Era apenas o
jeito que costumava falar quando queria dormir com nós duas ao mesmo tempo. Eu nunca entendi
o porquê de ele se sentir tão hesitante sobre essas coisas. Não era como se houvesse algo para se
sentir culpado.
De qualquer forma, Roxy e eu fizemos nossos preparativos habituais naquela noite. Tomamos
banho juntas e nos lavamos bem, depois passamos o perfume que reservávamos para essas
ocasiões especiais. Vesti uma calcinha que comprei recentemente e escolhi uma camisola para
combinar. Rudy parecia preferir uma roupa simples a uma mais reveladora, então optei por algo
relativamente modesto.
Olhei para mim mesma e considerei desabotoar dois dos botões da frente para expor um
pouco mais de pele. Eu não era tão peituda, então provavelmente não seria tão atraente…, mas eu
queria chamar o máximo possível de sua atenção.
E se ele achar que estou desesperada? Não, é sobre Rudy que estamos falando… Está tudo bem,
né? Vai ficar tudo bem.
No outro dia, eu o peguei olhando para debaixo da minha camisa quando deixei alguns botões
desabotoados. Acho que ele quis ser sutil, mas estava muito na cara. No entanto, parecia estar se
divertindo, então fingi não notar. Um pouco depois, ele me levou para a cama.
Roxy estava vestindo sua camisola simples e habitual. Porém, não parecia estar usando nada
por baixo. Ela era bastante agressiva do seu próprio jeito.
De qualquer forma, nós duas estávamos prontas. Respiramos fundo algumas vezes e fomos
para o quarto do Rudy.
Ele estava sentado em sua cadeira, calmamente esperando por nós. Roxy e eu nos sentamos
na cama uma ao lado da outra. Sentei-me à direita e Roxy à esquerda. Nós nunca tínhamos
decidido nossos lugares de antemão, mas agora já havia se tornado um hábito.
Rudy normalmente viria em nossa direção com um sorriso malicioso…, mas hoje, ele parecia
um pouco diferente. Havia uma expressão séria em seu rosto, e ele ainda não havia se levantado
da cadeira.
Depois de um bom tempo, Rudy pigarreou e se virou para Roxy.
— Uh, Roxy?
— Sim?
— Como está sendo o desempenho escolar da Norn?
“Desempenho escolar”? Sério? Que estranha escolha de palavras. Roxy parecia ter achado isso
engraçado, também.
— Por que pergunta? A Norn já não te contou?
— Bem, eu estava esperando obter algumas impressões sinceras de você. Como educadora.
Por quanto tempo ele continuaria falando assim? Estava ficando cada vez mais difícil não rir…
— Uh… Tudo bem, então. O desempenho acadêmico dela é mediano e sua esgrima está
progredindo muito lentamente. No entanto, estou impressionada com seus esforços no conselho
estudantil. Com destaque ao seu trabalho disciplinar que está lhe rendendo algum
reconhecimento. A Universidade tem alguns alunos bagunceiros, mas todos se aquietam quando
ela os repreende. Tenho certeza de que tem algo a ver com o fato de você ser o irmão dela, mas
ela também conquistou bastante apreço de alguns alunos mais velhos. De qualquer forma, a Norn
tem muitos amigos e ninguém tenta puxar briga com ela. Acho que você não tem nada com que se
preocupar.
— Hmm, entendo. Muito obrigado.
A Roxy não exagerou. A Norn realmente estava dando o seu melhor. Pelo que os membros do
conselho estudantil me disseram, ela provavelmente era a pessoa mais trabalhadora que tinham.
Às vezes, eu desejava ser mais uma “irmã mais velha” para ela.
— E você, Roxy?
— O que quer dizer?
— Alguma coisa tem te incomodado? Não sei… Talvez esteja ficando com muita fome? Pegando
muitos lanches da cozinha?
— Uh, não. Na verdade, você tem feito eu comer tanto ultimamente que estou um pouco
preocupada que possa engordar.
— Então, como estão indo as coisas na escola?
— … Oh, estão indo bem. Suponho que alguns alunos zombam de mim por ser tão baixinha,
ou se recusam a prestar atenção nas minhas aulas. Mas isso quase nunca acontece.
— O quê? Eles não estão focados nas suas aulas?! Que bando de ingratos! Que tal eu ensiná-
los uma lição de boas maneiras, Roxy? Vou garantir que rastejem aos seus pés na próxima vez que
a virem!
— Hã? N-Não, eu não acho que seja necessário. São só os ossos do ofício. Mas de qualquer
forma, agradeço a oferta.
Roxy inclinou a cabeça para Rudy, parecendo um pouco exasperada…, mas também um pouco
tímida. Percebi que ela estava brincando com as pontas de suas tranças. Eu sabia como ela se
sentia. Às vezes, me dava um pouco de inveja vendo o quanto Rudy a respeitava.
— De qualquer forma — Roxy continuou —, há algo mais que me preocupa…
— Se não se importa que eu pergunte, o que seria?
Roxy fez uma pausa, e então balançou a cabeça.
— Prefiro te contar só depois de eu confirmar uma coisa.
— … Sendo assim, vou esperar ansiosamente.
Ooh. Acho que sei do que se trata.
Parando para pensar, Roxy mencionou estar se sentindo um pouco estranha ultimamente.
Talvez eu tenha que organizar uma pequena comemoração? Ou aquilo ainda está muito
prematuro? Não tínhamos como ter certeza.
— Tudo bem, então. Sylphie?
— Sim, Rudy?
Quando a conversa mudou para mim, inclinei a cabeça para o lado e tentei parecer o mais
charmosa possível. Os olhos do Rudy desceram do meu rosto para a parte superior do meu corpo.
Pelo que parece, minha estratégia foi um sucesso.
— Como, uhm… como você acha que a Lucie está indo?
— Bem, você está cuidando dela, não? Ela é um bebê feliz e saudável.
— Você não a ouviu murmurando “No céu acima e na terra abaixo, eu sou o mais honrado”,
não é?
— Do que diabos você está falando? Uhm… acho que em pouco tempo ela vai conseguir
engatinhar sozinha.
— Hmm.
Graças à ajuda da Lilia, as coisas estavam indo muito bem com Lucie. A Princesa Ariel parecia
achar que as crianças eram melhor criadas por empregadas, em vez de suas mães. Mas a vovó
Elinalise me disse que eu deveria tentar cuidar pessoalmente da minha filha o máximo possível e
dá-la todo o amor do mundo. Eu tendia a concordar com Elinalise, e Rudy parecia querer que nós
dois estivéssemos envolvidos na criação da Lucie, então eu estava investindo muito tempo e
esforço nisso.
— Você notou algo estranho ultimamente, Sylphie? — perguntou Rudy. — Algo que está te
incomodando?
— Nada demais. Na verdade, acho que estou me perguntando o motivo do meu marido estar
escondendo coisas de mim, mas é só isso.
As palavras saíram sozinhas. Eu não tinha a intenção de ser tão dura com ele, porém…
— Uh… certo — disse Rudy, desviando o olhar nervosamente. — Me desculpe.
Então havia algo acontecendo. Será que ele iria nos contar?
Depois de um momento, Rudy olhou de volta para mim. Desta vez, seu olhar estava firme e
determinado. Sempre que tinha esse olhar em seu rosto, Rudy mostrava o seu melhor lado.
— Na verdade, esta é exatamente a razão pela qual eu pedi a vocês duas que viessem aqui.
Com estas palavras, sentei-me de forma mais ereta e abotoei a minha camisola. Roxy também
se endireitou, embora sua expressão fosse um pouco difícil de decifrar.
— O problema é que não sei como explicar… acho que vou começar do início. Alguns dias atrás,
conheci um indivíduo.
— Você poderia ser mais específico?
— Certo. Ele era… algo como uma Criança Abençoada, eu acho. Uma com o poder de prever o
futuro.
Rudy começou a descrever sua conversa com essa pessoa. Os detalhes eram alarmantes, para
dizer o mínimo. Em suma, havia alguém lá fora que queria fazer mal a ele e a sua família. Coisas
terríveis poderiam acontecer conosco se esse misterioso inimigo conseguisse o que queria. E, para
nos manter seguros, Rudy talvez teria que fazer algumas coisas que pareceriam muito estranhas
de vez em quando.
Sendo honesta, eu queria acreditar que ele estava levando isso à sério demais. Mas eu podia
dizer que Rudy estava convencido de que era a mais pura verdade. Percebi que estava guardando
alguns detalhes para si mesmo, provavelmente havia partes dessa história que ele achava melhor
não sabermos. Isso definitivamente não era bom. Ainda assim, podia entender a razão de ele
querer ser tão cauteloso ao nos contar essas coisas.
— Ok, então — eu disse. — Há algo que possamos fazer para ajudar?
— Tenho certeza de que terá. Porém, sendo sincero, prefiro não colocar vocês duas em muito
perigo.
E lá vai ele de novo…
Rudy estava fazendo muito isso ultimamente. Acho que começou logo após a morte de seu
pai. Era bom saber que se importava tanto conosco, mas às vezes ele podia ser um pouco
superprotetor. Eu não era mais uma criança indefesa. Hoje em dia, consigo carregar alguns dos
seus fardos…
— Isso não significa que você estaria se colocando em perigo sem a nossa ajuda?
— Não posso confirmar ainda, mas é bem provável que sim.
— Bem, eu não gosto de como isso soa…
Aquela batalha contra Atofe já tinha sido ruim o suficiente. Rudy era um mago poderoso, mas
nunca quis lutar com ninguém. No entanto, sempre pulava de uma missão a outra e quase morria
no processo… Eu deveria apenas ficar sentada, esperando para animá-lo quando ele voltasse
mancando para casa? Não suporto mais isso. Eu queria ir com ele, pelo menos. Talvez eu possa
ajudar de alguma forma.
Enfim, só não quero mais ficar sentada torcendo por ele.
— Tudo bem — disse uma voz calma ao meu lado. — Eu entendo.
Roxy tinha falado pela primeira vez em algum tempo. Mexendo no cabelo, ela olhou para o
Rudy nos olhos e sorriu.
— Enquanto você estiver fora de casa — ela continuou —, manterei Norn e Aisha em segurança.
Sua voz estava clara e confiante. Ela parecia ter genuinamente aceitado isso como seu papel
a desempenhar.
— Você realmente está satisfeita com isso, Roxy? — perguntei.
Não pude deixar de pensar que havia uma parte dela que também queria acompanhá-lo. Mas
Roxy apenas assentiu.
— Eu sei que Rudy prefere se colocar em risco do que ver sua família em perigo.
— Sim, mas…
Pensando bem, Roxy estava com Rudy quando o seu pai morreu. Era difícil para eu imaginar
o quão devastado ele ficou com aquela tragédia, mas pelo que parece, ele se afundou em uma
depressão muito profunda. No mínimo, foi um choque tão grande que fez com que quebrasse sua
promessa comigo…
Ugh. Pare com isso, Sylphie. Você está sendo tão infantil. Rudy voltou para mim no final. Era
isso que importava, não é?
— Mas, Sylphie… eu não tenho a menor intenção de apenas ficar sentada sem fazer nada
enquanto Rudy coloca a sua vida em risco por nós.
O que ela quis dizer com isso? Ela não tinha prometido ficar em casa?
— A gente pode ficar de olho nele — Roxy continuou. — E se decidirmos que ele realmente
precisa da nossa ajuda, nós o seguiremos, mesmo se ele não quiser.
Ah… sim, isso realmente faz muito sentido…
Não precisávamos da permissão do Rudy para ajudá-lo. Nós poderíamos tomar nossas
próprias decisões. Contanto que as coisas acabassem bem, ele não teria do que reclamar.
— … Sim, acho que você está certa.
Rudy ouviu tudo isso com um sorriso sincero no rosto. Eu meio que esperava que ele tentasse
nos repreender, mas em vez disso apenas ouviu – com algo que parecia confiança em seus olhos.
— Vá e faça o que quiser, Rudy — Roxy continuou, sorrindo de volta para ele. — Não se
preocupe com as coisas aqui – vamos manter todos sãos e salvos.
— Tudo bem. — ele finalmente respondeu. — É bom saber que terei vocês duas cuidando de
mim caso as coisas fiquem feias.
Havia algum alívio genuíno por trás desse sorriso. E talvez fosse apenas minha imaginação,
mas pensei que seus olhos estavam brilhando levemente. Eu tinha que admitir, fiquei
impressionada com a facilidade com que Roxy lidou com isso. Havia uma razão pela qual Rudy a
respeitava tanto.
De qualquer forma, o mais importante era que ele pudesse enfrentar esse desafio com a
mente tranquila. E se ele se meter em problemas, eu sempre posso ir ajudá-lo. Eu seria uma esposa
boa e leal na maioria das vezes, mas quando as coisas ficassem feias, eu cavalgaria para o resgate.
Sim. Esse era o tipo de relacionamento que eu queria.
— Uhm, continuando. Na verdade… há outra coisa que preciso falar.
Eu estava ficando entusiasmada, mas a conversa ainda não havia terminado. Por alguma
razão, a voz do Rudy soou extremamente mansa, de repente. Sua linguagem corporal também
parecia um pouco diferente. Ele estava escolhendo as palavras com cuidado o tempo todo, mas
agora parecia que estava relutante em dizer qualquer coisa.
— … Sendo honesto, não sei como falar sobre isso.
— É um problema complicado? — Roxy disse gentilmente, tentando fazê-lo continuar.
Rudy assentiu em resposta.
— Muito complicado. Não é uma coisa fácil a dizer para vocês duas.
Bem, agora ele me deixou ansiosa. Isso poderia ter algo a ver com o quão abatido parecia
estar ultimamente? Espero que não tenha pegado nenhuma doença que magia não possa curar.
— Eu acho, uh, há uma chance de que… mais um membro seja adicionado à família.
—…
Hmph. Ele está falando de uma mulher? Sim, tem que ser.
Eu realmente não tinha motivos para reclamar. Ele deu algumas dicas sobre isso antes, e eu
não fiz objeções ou o desencorajei. No entanto, não significava que eu estava pronta para dar
minha aprovação a qualquer uma. Meus sentimentos não eram tão simples.
— Quem é ela? É a Nanahoshi?
Tentei manter minha voz o mais normal possível. Eu senti que tinha conseguido. Não parecia
zangada, pelo menos.
Porém, se fosse a Nanahoshi, isso pareceria um pouco errado a meu ver. Não acho que ela
realmente ame o Rudy do jeito que nós amamos. Seus sentimentos eram algo mais como gratidão.
Ela provavelmente não o recusaria se ele a pressionasse para um relacionamento, mas isso não
significava que seria bem-vinda…
— Não, não é a Nanahoshi.
Bem, isso era um alívio. Porém, por alguma razão, Rudy parecia ainda mais culpado do que
antes.
— É uma mulher chamada Eris.
— Eris…?
Quem era essa mesmo? Eu já tinha ouvido o nome antes, mas não era alguém que eu conhecia
da Universidade.
— Não é aquela garota que você foi professor durante a sua estadia na região de Fittoa, Rudy?
— Roxy perguntou.
Foi o suficiente para refrescar minha memória.
— … Não foi ela quem te causou aquela condição?
— Ah, sim. Acho que foi.
Rudy já havia esquecido de como estava deprimido quando chegou à Universidade? Eu não
tinha percebido na época, mas depois de ver a forma como ele foi transformado pelo nosso
casamento, percebi que estava sofrendo de uma séria falta de autoconfiança. Para ele, aquela
“condição” não era motivo de risada. Foi difícil para eu entender completamente seus sentimentos,
mas eu sabia que ele estava sofrendo. Também foi um choque quando descobri.
— Você ainda a ama, mesmo depois do que ela fez com você?
— Não tanto quanto amo vocês duas — respondeu Rudy, olhando-me diretamente nos olhos.
— Isso é uma coisa que posso dizer com certeza.
Corei ao ouvir essas palavras. Quando queria, Rudy podia ser um perigo para as mulheres. Foi
difícil suprimir a vontade de dar um gritinho. Quase quis me gabar para a Linia e Pursena sobre
isso. Era uma pena que não estavam mais por perto…
Gah. Pare com isso, Sylphie! Foco! Estamos falando da Eris. Não deixe que ele te distraia.
— Certo, então… é ela quem quer fazer as pazes com você? Mesmo que tenha sido a
responsável pelo término do relacionamento?
— Não exatamente. Talvez eu tenha me enganado sobre ela ter me largado. Parece que seus
sentimentos nunca mudaram.
— … Talvez, mas ela ainda partiu o seu coração, certo?
— Sim, é verdade.
Teoricamente, eu não tinha nenhuma objeção a Rudy ter uma terceira esposa. Eu tinha
chegado a um acordo em relação ao nosso relacionamento. Não que eu não quisesse tê-lo só para
mim, é claro…, mas Rudy não era adepto a Igreja de Millis, e eu sabia que não era forte o suficiente
para apoiá-lo sozinho. Contanto que fosse alguém que o amasse e que ele ama, eu não iria me
opor. Já tinha decidido isso há algum tempo. Mas estávamos falando de alguém que o machucou
profundamente no passado. Isso tornava as coisas muito mais complicadas.
— Sabe, Rudy, ainda me lembro de como você estava triste e desesperado.
— Sim. Naquela época, não conseguiria perdoar a Eris. Apenas o pensamento de vê-la de novo
provavelmente teria me aterrorizado.
Então, por que as coisas eram diferentes agora? Talvez tivesse algo a ver com aquela Criança
Abençoada que ele encontrou no outro dia. Devem ter feito alguma previsão envolvendo-a.
No entanto, isso não parecia uma razão boa o suficiente para mim. Quero dizer, se alguém
tivesse me dito “Você vai se casar com um homem chamado Rudeus e terá cinco filhos com ele”,
provavelmente teria sido muito emocionante. Porém, eu não teria ido me casar com o primeiro
cara chamado Rudeus que encontrasse. O Rudy realmente via sentido em se casar com essa mulher
mesmo não tendo certeza de que ela o ama?
— Se você se opõe firmemente à ideia, não vou me casar com ela. Mas, pelo menos, acho que
preciso vê-la para explicar as coisas.
Rudy fez uma pausa e franziu a testa, como se tivesse se tocado de algo.
— Sabe, o ponto é que… a Eris vem treinando em um lugar chamado Santuário da Espada há
anos, e parece que ela esteve fazendo isso por mim.
—…
— Não seria meio cruel eu apenas rejeitá-la quando ela finalmente conseguir voltar para mim?
— Bem, acho que sim..
Eu podia imaginar o quão doloroso seria ter o seu tapete puxado assim depois de anos de
trabalho duro. Eu me esforcei muito na Vila Buena para tentar chegar no nível do Rudy.
— Eu realmente não estou dizendo que sou contra ou algo assim…
E se o Incidente de Deslocamento nunca tivesse acontecido, e Rudy nunca tivesse se dado o
trabalho de voltar para a Vila Buena? E se eu o tivesse rastreado, apenas para encontrá-lo casado
com outra mulher? Isso teria sido um grande choque.
— É que… eu não sei. Nunca conheci essa pessoa…
Esse era o cerne da questão, na verdade. Eu não conhecia a Eris. Até o momento, sempre
pensei nela como uma pessoa cruel que maltratava o Rudy. No entanto, tudo parecia se tratar de
um mal-entendido. Ela não queria machucá-lo, certo?
— Posso dar a minha opinião? — disse Roxy, interrompendo minha linha de raciocínio. — A
meu ver, precisamos conhecer a Eris primeiro para só depois tomarmos uma decisão.
— Acha melhor?
— Sim. Por um lado, tenho a impressão de que você ainda não tem certeza dos seus próprios
sentimentos, Rudy. Quando você a vir novamente, tenho certeza de que será muito mais fácil
decidir.
Como a própria Roxy se sentia sobre tudo isso? A última vez que discutimos sobre o Rudy
tendo outra esposa, ela parecia ter aceitado a ideia. Mas agora, era difícil dizer o que estava
pensando.
— E de qualquer forma — ela continuou —, a Sylphie já pediu isso de você.
Eu pisquei confusa. Não tinha mais certeza do que ela estava falando.
— Não se lembra, Sylphie? Acho que suas palavras foram “Apenas certifique-se de trazê-la para
mim primeiro para eu conhecê-la.”
Ah! Verdade. Eu disse isso, não é?
— Traga Eris aqui e a apresente para nós, Rudy. Vamos conversar e nos conhecer. Mas se eu
sentir que não vai dar certo… também terei que me opor à ideia.
Quanto mais eu pensava sobre isso, mais a ideia parecia razoável. Não nos comprometeríamos
com nada, mas ainda ficaríamos abertos à ideia. A Roxy com certeza era muito inteligente. Vê-la
em ação me fez sentir um pouco inadequada como esposa.
— Claro, imagino que também teremos que discutir essa ideia com várias outras pessoas… E
pode não valer de muita coisa, Rudy, mas você tem o meu apoio e a minha confiança.
— Obrigado, Roxy. Isso significa muito.
— Tudo o que peço é que tente não me esquecer, independentemente de quantas garotas
acabe se casando.
— Pode ficar tranquila, eu não conseguiria te esquecer nem se tentasse.
— Posso considerar isso uma promessa, então?
— Com certeza.
Ela era inteligente e atenciosa, e Rudy confiava plenamente nela. Às vezes me dava ciúmes…
Não, não. Essa era a maneira errada de pensar sobre isso. Eu só teria que fazer o meu melhor
para seguir seus passos.
Eu posso ser uma adulta, também! Vou mostrar para todos! Hmph.
— Está de acordo, Sylphie? — Rudy disse hesitante, virando-se para mim. — Sinto muito por
tudo isso.
— Está tudo bem. Desculpe por ter sido tão difícil de lidar hoje. Não foi muito justo da minha
parte, depois de todas aquelas coisas que eu disse da última vez.
Rudy e eu acabamos pedindo desculpas um ao outro por algum motivo. Eu podia ouvir Roxy
rindo baixinho.
Chegamos a uma conclusão muito boa. Me senti totalmente confortável neste quarto. Era algo
que não conseguiria em nenhum outro lugar, nem mesmo com a Princesa Ariel e com o Luke.
Mas agora outra pessoa pode ser adicionada à equação. Isso me deixou um pouco ansiosa.
Essa garota não ia roubar o Rudy de nós, certo?

Rudeus
Após a nossa conversa nós três dormimos lado a lado na minha cama. Eu não fui insensível
ao ponto de tentar começar um ménage depois de uma discussão tão pesada. Além disso, o rosto
de Eris continuava aparecendo em minha mente, o que não era bom para o meu estado emocional.
Eu pensei que já tinha superado, mas quanto mais pensava nela, mais podia sentir aquela antiga
sensação de dúvida e ansiedade que borbulhava do fundo do meu intestino.
Assim como Roxy apontou, eu não tinha muita certeza de como me sentia em relação a Eris,
no momento. E tudo que sabia sobre seus sentimentos era com base no que foi me dito por outra
pessoa.
De um jeito ou de outro, eu tinha que acertar as coisas entre nós.
Porém, para ser honesto, a ideia de vê-la novamente era assustadora. Com certeza haveria
alguns socos envolvidos. Pelo que parece, Eris ficou incrivelmente forte nos últimos anos. Não
havia como ela não reagir caso eu a encontrasse com Sylphie e Roxy ao meu lado. O diário não a
mencionou atacando a Sylphie ou algo assim, mas… não havia garantia de que essas passagens
fossem totalmente precisas, e eu obviamente deixei muitos detalhes de fora. Além disso, algumas
escolhas erradas de palavras facilmente podem tornar a situação perigosa.
Eu tinha um bom motivo para estar preocupado. Era difícil adivinhar o que aconteceria
quando eu me encontrasse com a Eris mais uma vez.
Com tanta coisa em minha mente, demorou um pouco antes que eu conseguisse dormir.
Naquela noite, o Deus-Homem me fez uma visita.

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Me encontrei em um lugar familiar, um espaço totalmente branco. Como sempre, voltei a ser
o homem que era na minha vida passada. De acordo com meu eu do futuro, este era um mundo
estéril – uma espécie de espaço quadrimensional, situado no centro de um cubo composto por
seis outros mundos. Quando se usa magia de Teletransporte, você viaja por este plano de
realidade. Mas com base na pesquisa do velho, não havia uma maneira fácil de chegar até lá.
Porém, aqui estava eu, de pé em seu centro. O que isso significava, exatamente? Dada a
mudança em minha aparência… talvez fosse um tipo de convocação que só afetava a mente, ou a
alma?
—…
O Deus-Homem estava aqui, como sempre, com seu habitual…
Espere, não. Pela primeira vez, ele não estava sorrindo.
Na verdade, sua linguagem corporal sugeria que ele claramente estava de mau humor. Embora
fosse difícil dizer com certeza, devido a todo o embaçamento.
— Isso não é nada divertido.
É. Parece que está irritado.
— Teve que ir e estragar tudo…
O tom de sua voz era baixo e hostil. Sua habitual atitude hospitalar e despreocupada havia
desaparecido completamente.
— Voltar no tempo para se avisar? Vamos lá, isso não é justo. Tudo estava indo tão bem.
Ok, eu já entendi. Você não está feliz. O que significa que o velho estava me dizendo a verdade?
Você esteve me fazendo de trouxa esse tempo todo? Você matou a Roxy e a Sylphie? Acho que isso
significa que o plano dele funcionou. Ele acabou de te dar um gostinho do seu próprio remédio?
— Perguntas, perguntas, perguntas. Sempre com as perguntas. Quem sabe? Quem liga? Parece
que seu eu do futuro esteve trabalhando com alguns equívocos, só para você saber.
É, ele está brincando comigo de novo, mas não parece que está se esforçando em fazer isso.
Preciso tentar manter a calma. Preciso continuar essa conversa.
— Ooh, ele precisa continuar a conversa! Quer parar de fingir ser algum tipo de estrategista?
Você ainda não percebeu que é um idiota?
Ah, cale a boca. Eu posso ser um idiota, mas ainda vou tentar o meu melhor. De qualquer forma,
se importa de me dizer uma coisa? Por que você faria isso comigo? Por que tentaria machucar a
minha família?
— Hum, por que eu faria isso? Talvez eu só quisesse matá-los para poder ver você surtar? Ou
algo parecido.
Uau. Ele nem está se esforçando hoje. É quase como se estivesse frustrado, como se tivesse
montado uma grande e complexa armadilha em um jogo, mas então alguém estragou tudo ao vagar
na direção errada, e agora ele nem quer mais jogar…
— É, mais ou menos isso. Você estragou com tudo, seu retardado burro, estúpido!
… Você pode me dizer o que está acontecendo aqui? Não ligo para o seu objetivo final. Não
estou interessado em ficar no seu caminho. Meu eu do futuro me disse que não posso te matar, de
qualquer maneira. Ele me disse para te bajular, não te desafiar, e eu particularmente estou bem
com isso. Afinal, as coisas estavam indo bem entre a gente até agora… mesmo que você só estivesse
armando para me trair, ainda me ajudou muitas vezes. Pode me usar se quiser. Não é como se eu
tivesse algum motivo para te desobedecer. Tudo o que estou pedindo é que não vá atrás da minha
família.
— Ora, veja só quem está disposto a ajudar.
Quero dizer, o que quer que tenha feito com aquele velho, ainda não conseguiu me prejudicar.
Até onde sei, pelo menos. Você tentou matar a Roxy e o seu bebê, mas ambos saíram ilesos. Já que
estão bem, acho que posso fingir que isso nunca aconteceu. Ainda posso controlar minhas emoções.
Quero encontrar uma maneira de coexistir com você antes que as coisas cruzem um ponto sem
volta.
— Hmmm…
O Deus-Homem parou por um momento, aparentemente considerando algo que acabara de
pensar.
— E se eu te disser que o meu objetivo é a paz mundial? Acreditaria nisso?
Paz mundial, né? Parece bom. Estou dentro. Paz e amor é o meu lema pessoal. Nada melhor do
que um dia tranquilo rolando na cama, não é mesmo?
— Vamos deixar a coisa do sexo de fora por enquanto.
Beleza.
— Se lembra daquele cara, o Deus Dragão? Seu velho amigo, Orsted? Então, seu objetivo final
é destruir o mundo.
Espera, quê? Ele não parecia ter essas intenções, não.
— Ele está se escondendo nas sombras há muito tempo, elaborando todos os tipos de planos
malignos. Entenda uma coisa: se eu morrer, este mundo vai se quebrar em um milhão de pedaços
e desaparecer completamente. Então, Orsted está procurando uma forma de me matar.
Tem certeza que não fez algo horrível e o irritou? Não sei, talvez matar a sua família sem motivo
aparente?
— Não se lembra do que eu te disse antes? Não posso fazer nada contra Orsted. Até onde sei,
ele não tem motivos para me odiar.
Tudo bem, então. Prossiga.
— Orsted é muito poderoso, mas também está sozinho. Sua maldição o mantém assim. E
enquanto estiver isolado, nunca será capaz de me machucar.
Por que você simplesmente não o ignora?
— Esse era o plano… até você aparecer.
E o que eu tenho a ver com isso?
— É que você não é o problema, exatamente. Mas parece que você e seus descendentes são
imunes aos efeitos da maldição de Orsted. Em algum momento no futuro, esses descendentes irão
unir forças com ele, e juntos vão me matar.
Ah, entendi agora… Então é por isso que você foi atrás de Roxy quando ela engravidou? O velho
achou que você tinha manipulado o Luke para fazer a Sylphie morrer, também…, mas não disse
nada sobre você mirar em Lucie. Acho que é o meu segundo ou terceiro filho que vai ser o problema,
né?
Espera. Você não poderia ter me matado anos atrás ou algo assim? Por que deixou as coisas
se estenderem tanto?
— Bem, quando te notei pela primeira vez durante o Incidente de Deslocamento, tentei
algumas coisas só para ver o que ia acontecer. No entanto, receio que você tenha um destino muito
forte. Nunca funcionou do jeito que eu queria.
Um destino forte? O que quer dizer com isso, afinal?
— Hum, como posso explicar? Eu consigo ver uma série de rotas amplas que o futuro pode
seguir se ramificando à minha frente, e posso alterar o curso dos eventos até certo ponto. Mas
quando tento manipular eventos que envolvem pessoas com destinos fortes, raramente dá certo
no final. Você sobreviveu à luta contra Orsted, por exemplo. E mesmo que eu tentasse te manter
longe da Roxy, você acabou se encontrando com ela, se casou e teve um filho.
Oh, é por causa do “princípio de causalidade”? Como quando você viaja ao passado para
reescrever a história, mas as coisas acabam se desenrolando da mesma maneira por algum motivo?
— Algo assim, eu acho.
… Hum. Ok. Então a Roxy e eu estávamos destinados a nos casar? Isso me deixa meio feliz.
— Não posso dizer que sinto o mesmo.
Sim, tá certo. Me desculpe. Mas de qualquer forma, por que decidiu ir atrás dos meus filhos em
particular? Quero dizer, imagino que esses descendentes de que estamos falando são de algumas
gerações no futuro. Você não poderia só lidar com eles antes que unam forças com Orsted?
— Os responsáveis pela minha morte também nascerão com destinos extremamente fortes. A
propósito, não é só você – Sylphie, Eris e Roxy também são fortes, assim como seus filhos. Dito
isto, as mulheres têm momentos em sua vida em que seu destino fica um pouco… vago.
Hã? Espera, você quer dizer…
— Isso mesmo. É quando estão grávidas.
Eu tive que lutar contra o desejo intenso e repentino de socar a cara do ser em minha frente.
A única coisa que me parou foi o pressentimento de que eu não poderia vencê-lo em uma luta, não
aqui, não nesta forma.
— Claro, eu ainda consegui fracassar de algum jeito.
… Então por que você matou a Sylphie? Ela não estava grávida na época e já tinha me
concebido uma filha.
— Quê? Estamos falando do diário agora? Difícil saber, acho que foi porque quis me precaver.
Por outro lado, talvez apenas fosse o destino de Sylphie morrer caso ela te deixasse naquele
momento.
Acho que é possível… Meu deus, isso é deprimente.
— Sabe, eu realmente achei que meu plano era perfeito. Quando percebi que o seu destino
era forte, comecei a agir com calma. Guiei você, passo a passo… tudo para que eu pudesse te atacar
da maneira mais eficiente, no momento em que estivesse mais vulnerável.
Ele está tentando me irritar agora? Mas não posso deixá-lo me abalar. Preciso me acalmar… A
Roxy e a Sylphie estão bem. Está tudo certo…
— Não sei o porquê está tentando se convencer disso. Acha mesmo que ganhou? Só para você
saber, o destino de seus filhos, esposas e descendentes não são tão fortes quanto o seu. Também
não pretendo desistir. Afinal, não quero morrer.
É, eu sei que você não vai parar. Mas não há nenhuma maneira de nós dois sairmos ganhando?
Estou disposto a fazer qualquer coisa para salvar a minha família. Talvez eu pudesse começar uma
tradição familiar de ensinar a cada nova geração a não confiar em Orsted. Podemos contar aos
nossos filhos sobre o quão maravilhoso o Deus-Homem é, e o quão malvado é aquele desagradável
Deus-Dragão.
— Desculpe. Não vai funcionar. Não é tão fácil alterar o destino.
Não dá para pensar mais um pouco, por favor? Eu tenho um destino forte, não é? Deve ter algo
que eu possa fazer.
— … Oh.
Que foi? Pensou em algo?
— Bem, não tenho certeza se é possível…, mas certamente há uma chance… hmm. Você disse
que faria qualquer coisa, certo?
… Uh, sim.
— Tudo bem, então…
Parando por apenas um momento, o Deus-Homem sorriu para mim como uma criança
travessa.
— Mate Orsted por mim.

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— Rudy! Isso dói… Rudy!


Quando acordei, estava apertando Sylphie com força em meus braços. Minha garganta estava
seca, e meu corpo estranhamente frio.
— Oh… Desculpe, Sylphie.
Soltei meu punho de ferro, deixando minha pobre esposa livre para respirar. Toquei meu rosto
e notei minha testa coberta de suor.
— Você está bem, Rudy? — Disse uma voz calma atrás de mim.
Eu me virei e descobri que Roxy tinha me abraçado.
— Eu sinto muito…
Sentei-me na cama. Pelo jeito, ainda era o meio da noite. Tinha sido apenas um sonho? Não,
não foi só um sonho. Era o Deus-Homem, sem dúvida.
— Cof, cof… Qual é o problema, Rudy? Você está bem?
Sylphie também se sentou e começou a enxugar o meu suor com a manga. Roxy ainda estava
me segurando por trás, esfregando suavemente as minhas costas com uma mão.
— Estou bem. Acabei de ter, uh… um sonho estranho, só isso.
Mate Orsted por mim.
Não tenho dúvida, foi isso que me disse. Ele estava falando sério? Qual era o seu objetivo?
Acalme-se. Acalma-se, porra. Preciso organizar os pensamentos.
Orsted era um inimigo declarado do Deus-Homem. Isso era um fato. No entanto, Orsted estava
sozinho. Ele não poderia derrotá-lo por conta própria. Algo que também parecia ser uma certeza.
Era difícil para eu entender o motivo de alguém tão poderoso precisar de ajuda, mas era assim
que as coisas eram. Em algum momento no futuro, meus descendentes acabariam se tornando
seus aliados. Juntos, iriam até o Deus-Homem e o derrotariam.
Por essa razão, o Deus-Homem tentou impedi-los de existir, matando Roxy e Sylphie. Ele não
queria que elas tivessem filhos. Sem a minha família em cena, Orsted nunca chegaria ao mundo
estéril, e o Deus-Homem sairia vitorioso.
Mas hoje, o Deus-Homem percebeu que não poderia matar a minha família. Deve ser por isso
que me ordenou a matar Orsted. Tanto Orsted quanto meus descendentes precisavam estar vivos
para derrotá-lo. Contanto que um estivesse fora de cena, o Deus-Homem estaria seguro.
A questão era se eu conseguiria derrotar Orsted. Pelo que parecia, o meu destino era muito
forte. Mas isso certamente se aplicava a Orsted, também. Afinal, ele ainda estava vivo, apesar de
travar uma guerra contra o Deus-Homem por tantos anos.
Como diabos eu deveria matá-lo, afinal? Ele era incrivelmente poderoso. Eu não tinha como
feri-lo…
Ou tinha?
Esse diário abrangia uma descrição detalhada de algo que meu eu do futuro havia usado em
batalha – algo que amplificou o seu poder significativamente.
Talvez eu pudesse fazer a minha própria versão da Armadura Mágica.
Não parecia impossível, e eu tinha a sensação de que seria extremamente eficaz em combate.
Meu eu do futuro também usou uma ampla gama de magias, incluindo Manipulação da
Gravidade, Teletransporte e ataques elétricos. No entanto, ele não se preocupou em me contar
como havia dominado esses feitiços… Não acho que eu vá descobrir os mais estranhos tão cedo.
Dito isso… na minha primeira luta contra Orsted, consegui causá-lo uma quantidade pequena
de dano com um Canhão de Pedra. E o meu feitiço Elétrico havia ferido Atofe. Em outras palavras,
eu tinha meios para machucá-lo. Desde que eu conseguisse permanecer vivo por tempo suficiente
para usá-los, talvez houvesse alguma chance de sair vitorioso.
… Merda. É de Orsted que estamos falando! Por que estou levando isso à sério?!
— Rudy, por favor… me diga se há algo errado. Não tente lidar com tudo sozinho…
Sylphie parecia estar prestes a chorar. Com a mão direita, puxei sua cabeça contra o meu
peito. Estendi a mão esquerda para trás para agarrar a mão de Roxy.
Que pergunta idiota. É porque tenho que protegê-las.
— Parece que vou ter que matar alguém.
— … O quê?
— Rudy… do que você está falando?
Sem responder à pergunta da Roxy, me afastei e saí da cama. O calor deu lugar ao frio ar
noturno.
— Me desculpem.
Com isso, saí da sala.
Meus passos eram instáveis, e a minha cabeça estava girando.
Eu estava indo estudar; queria entender o quanto antes aquele diário por completo – para ter
uma noção, por mais vaga que fosse, da maneira como aquele velho havia travado as suas batalhas.
Eu ia matar Orsted. Era a única forma de proteger a minha família. Eu faria isso, de um jeito
ou de outro. Mesmo que custasse a minha vida.
— … Oh.
Quando entrei no escritório, meus olhos se encontraram com a carta que eu planejava enviar
amanhã, se não houvesse imprevistos.
—…
Risquei algumas das últimas linhas.
… No fim, talvez eu não consiga ver a Eris novamente.
“Duvide do Deus-Homem sem se opor a ele.”
Essas foram as palavras do meu eu do futuro.
A meu ver, muito do que o Deus-Homem disse era questionável, especialmente a parte sobre
Orsted querer destruir o mundo, ou o mundo acabar caso ele morra. Eu não tinha como saber onde
a verdade terminava e as mentiras começavam. Não tenho dúvida de que ele não foi
completamente honesto comigo.
Ainda assim, não podia assumir que as partes que queria que fossem falsas eram mentiras.
Se eu tirasse conclusões precipitadas, seria cobrado por isso em algum momento no futuro. No
entanto, tinha a sensação de que a irritação do Deus-Homem havia sido real. Aparentemente, a
intervenção do meu eu do futuro o pegou desprevenido.
Porém, isso também quase o fez classificar-me como seu inimigo. Nesse ponto, não tinha
muita escolha a não ser fazer o que ele me disse. Opor-se ao Deus-Homem simplesmente não era
uma opção. Ele poderia me atacar de todas as formas com total segurança. Nessas circunstâncias,
não tinha como proteger todos que eram importantes para mim.
Então, é melhor me tornar seu peão.
Eu não suportava o cara e não confiava nem um pouco em suas promessas, mas sabia o
porquê de estar atrás da gente, e havia uma chance de ele nos deixar em paz quando não estivesse
mais em perigo.
O Deus-Homem havia me ordenado a matar Orsted. Colocando os detalhes específicos de
lado, achei sua história sobre meus descendentes unindo forças com o Deus-Dragão para matá-lo
relativamente plausível. Seu objetivo seria atingido desde que eu ou Orsted morrêssemos. Esta era
a nossa única saída.
Eu tinha que proteger a minha família. O Deus-Homem os queria mortos, mas não havia como
alcançá-lo. Ele poderia só ficar sentado em seu grande vazio branco, nos forçando a enfrentar
situações perigosas interminavelmente
Orsted, por outro lado, existia em algum lugar deste mundo. Era difícil imaginar eu matando-
o e, sendo sincero, nem queria tentar. Mas pelo que o Deus-Homem disse, havia ao menos chance
de isso dar certo. De um jeito ou de outro, não queria ver ninguém morrer porque tomei decisões
erradas.
No dia seguinte ao meu encontro com o Deus-Homem, passei pela Guilda dos Aventureiros
com Sylphie e enviei minha carta para Eris.
Com isso resolvido, fomos direto para a fortaleza flutuante de Perugius. Ao chegarmos na
estrada, seguimos caminhos diferentes, e eu fui até o quarto de Nanahoshi.
Após receber ordens para matar Orsted, tirei algum tempo para pensar em quem poderia
recorrer para obter ajuda e conselhos. Ela foi a primeira pessoa que me veio em mente.
Em parte, foi por causa das palavras do meu eu do futuro: “Consulte Nanahoshi”. Porém,
também tive a sensação de que ela poderia saber onde encontrar o cara. Claro, eu eventualmente
discutiria a situação com Sylphie e Roxy… Precisava que elas entendessem que nada disso era um
fardo para mim. Só não tinha certeza de como convencê-las, honestamente.
— Eaí.
— Oh? Você voltou mais cedo do que eu esperava.
Fazia alguns dias desde a nossa última conversa, mas Nanahoshi ainda não havia se
recuperado totalmente. Por enquanto, ainda estava acamada, mas suas bochechas estavam mais
rosadas do que antes.
— Aqui está, Nanahoshi — disse, colocando uma cesta de frutas em sua mesa. — Só um
pequeno presente pela sua recuperação.
— Obrigada. Parecem estar uma delícia.
Nessa época do ano, frutas frescas não eram baratas no mercado local, mas eu estava prestes
a pedir sua ajuda. Ter boas maneiras não faria mal algum, independentemente do quão comercial
nosso relacionamento possa ser.
— Por que está tão sério? Aconteceu alguma coisa?
Nanahoshi estava me analisando com ansiedade em seus olhos.
Era tão óbvio? Bem, acho que sim. Não duvido que meu rosto esteja ainda mais pálido do que
o dela no momento.
— Vou direto ao ponto. Quero cobrar o favor que me deve.
— Ok. O que quer de mim?
— Primeiro, deixe-me dizer o que aconteceu. Já te adianto que é uma história muito doida,
mas prometo que é verdadeira.
— Tudo bem.
Atento aos detalhes, contei esmiuçadamente sobre a visita do meu eu do futuro. Repassei o
que ele me disse e resumi o que li no diário. Então, falei sobre a visita do Deus-Homem, sua clara
irritação e sua afirmação de que meus descendentes uniriam forças com Orsted para matá-lo. Por
fim, disse que ele havia me ordenado a matar Orsted.
Em outras palavras, contei tudo. Não tinha deixado nada de fora.
—…
Quando terminei, Nanahoshi ficou em silêncio por um momento, pressionando os dedos sob
a testa.
— Desculpe, preciso de um minuto para processar tudo isso… Viagem temporal? Sério?
— Sim. Ele disse que veio do futuro.
— Há alguma evidência concreta disso?
— Havia comentários em japonês por todo o diário. Além disso, ele sabia o meu nome da
minha vida passada.
— Qual era?
— Não quero dizer.
— Ah. Certo… De qualquer forma, tem certeza de que esse homem estava falando a verdade?
— Sobre o quê?
— Comecemos com sua identidade. Mesmo que ele fosse um viajante do tempo, talvez
estivesse apenas se passando por você.
— O diário dele era idêntico ao que eu tinha acabado de criar, e a primeira passagem era
exatamente o que eu estava planejando escrever para aquele dia.
— Isso não prova nada. Ele pode ter copiado do diário real enquanto você dormia.
Ela não estava errada, mas isso não nos levaria a lugar nenhum.
— Posso não ter certeza, mas acho que ele era exatamente quem dizia ser.
— Entendo. Claro, é possível que o Deus-Homem tenha escolhido alguém que você acharia
crível para o papel.
— E daí? Acha que todo o diário foi inventado, também? E que ele só estava fingindo estar
irritado naquele sonho?
— Não é para tanto. Só estou me perguntando se você realmente acha que o Deus-Homem é
confiável.
— Nem um pouco.
— Ainda assim, está planejando seguir suas ordens.
— Que escolha eu tenho, Nanahoshi?
Ela suspirou baixinho. E então, com algo como resignação em seus olhos, mudou um pouco
de assunto.
— Sendo honesta, Rudeus, o Orsted me contou um pouco sobre o Deus-Homem.
— Sério?
— Sim. Foi logo depois de ele quase te matar.
— Oh. Certo…
— Ele não me deu nenhum detalhe, mas disse que ia matar o Deus-Homem custe o que
custasse. Também mencionou que não era possível no momento…
Então Orsted realmente estava atrás do Deus-Homem, e sabia que ainda não era capaz de
matá-lo. Ele estava esperando que meus descendentes nascessem? Ou talvez pelo aparecimento
do quinto e último General Dragão? De qualquer forma, o Deus-Homem queria detê-lo antes que
fosse tarde demais. Tudo isso parecia fazer sentido.
Quanto mais eu pensava sobre, mais as palavras do Deus-Homem pareciam ser plausíveis. Ele
realmente poderia ter inventado mentiras tão convincentes de última hora? Apesar de sua
irritação? Era possível que tenha planejado tudo de antemão e simplesmente fingido sua raiva.
Porém, mesmo que fosse o caso, não conseguiria descobrir quais de suas alegações eram falsas.
Mas seus reais objetivos realmente importavam? Não agora. Não para mim.
— De qualquer forma — Nanahoshi continuou —, por que me contou tudo isso? Não teria sido
melhor ir atrás de outras pessoas primeiro? Não é como se eu pudesse fazer alguma coisa para
ajudá-lo…
— Meu eu do futuro me disse para te consultar.
— Entendo… O que ele disse sobre mim, exatamente?
Fiquei sem palavras. Devo mesmo responder a esta pergunta? Dizê-la que pode fracassar no
final, e se entregar ao desespero? O diário não abrangia nenhum detalhe, e meu eu do futuro tinha
sido vago na melhor das hipóteses…
No entanto, talvez fosse melhor ser honesto. Se ela soubesse que havia uma boa chance de
sua pesquisa falhar, poderia se preparar para esse resultado com antecedência e procurar
maneiras de evitá-lo.
— Ele disse que você… provavelmente vai falhar no último estágio da sua pesquisa.
Os olhos de Nanahoshi se arregalaram de surpresa. Logo em seguida, mordeu os lábios com
força e balançou a cabeça.
— Não foi isso que perguntei. Eu queria saber se ele explicou o porquê deveria me consultar.
— Uh, bem… Acho que você morreu em algum momento, então ele não pôde te perguntar…,
mas o velho achou que você poderia saber a localização de Orsted. Também disse que você passa
muito tempo pensando nas coisas, então conseguiria elaborar outro plano…
— Coisas? Como o quê?
— Não sei… os verdadeiros objetivos do Deus-Homem, provavelmente?
Embora eu já soubesse quais eram. Aquele lance de paz mundial com certeza era uma grande
besteira, mas acredito que ele falou a verdade quanto a evitar sua própria morte. Claro, havia uma
possibilidade de que era apenas mais uma mentira bem arquitetada.
— Você se importaria de me deixar dar uma olhada neste diário?
— Não, pode olhar.
Entreguei o velho livro amassado. Nanahoshi folheou as primeiras páginas e fez uma careta.
— Isso vai demorar um pouco. A sua caligrafia é horrível…
— Sim. Demorei dois dias para ler tudo.
— Certo. Poderia me emprestar por um dia, então?
— Acha que consegue terminar em tão pouco tempo?
— Eu leio rápido, então até esta noite já terei terminado.
Fiquei tentado a mostrá-la apenas as partes mais importantes, mas havia uma chance de ela
perceber algo crucial nas passagens menos relevantes. Provavelmente era melhor ser paciente.
— Sendo assim, vou descansar um pouco. Não tenho dormido muito ultimamente.
— Certo. Volte à noite ou antes, se quiser.
— Obrigado, Nanahoshi.
Me levantei e saí do quarto. Assim que cheguei ao outro cômodo, senti um peso sendo retirado
dos meus ombros. Eu estava experimentando um alívio genuíno.
Achei isso um pouco estranho. Sempre confiei tanto em Nanahoshi?
Não, não era exatamente isso. Ela era a única pessoa com quem eu podia conversar
sobre tudo, até mesmo em relação às coisas que não podia contar para Sylphie ou Roxy. Não me
importava tanto com Nanahoshi a ponto de que não senti necessidade de esconder verdades duras
e dolorosas dela. Talvez tenha sido isso que me permitia recorrer a sua ajuda para resolver
problemas como este.
Eu era uma pessoa bem fria às vezes, não é?
—…
Olhei pela janela do corredor e notei Ariel, Zanoba, Cliff, Sylphie e Perugius discutindo sobre
algo no pátio. Luke estava a uma distância respeitosa deles. Sylphie se posicionou na frente de
Ariel e estava falando com Perugis com a cabeça erguida. Era difícil acreditar que um dia ela já foi
aquela garotinha tímida e intimidada da Vila Buena.
Ainda assim… de acordo com meu eu do futuro, Ariel não conseguiria obter apoio de Perugis
antes de voltar para seu lar em Asura, onde seria derrotada. Sylphie a acompanharia… e todos
morreriam. Acho que eu precisava ajudá-los. Aceitei essa responsabilidade quando me casei com
Sylphie.
Porém, deixaria isso para depois. No momento, minha maior prioridade era lidar com o Deus-
Homem.
Afastei-me da janela e voltei para o quarto que me deram, esperando poder dormir algumas
horas.
Ao acordar, notei que Sylphie estava deitada ao meu lado. Seu rosto sempre ficava adorável
quando dormia, e estava a apenas alguns centímetros do meu. Isso fez meu coração bater forte.
Eu não me lembrava de ter ido para a cama com Sylphie. Ela deve ter entrado em algum
momento depois de eu já ter caído no sono. Talvez ela tenha tentado me acordar. Talvez quisesse
pedir meu conselho sobre como lidar com Perugis. Me senti um pouco culpado por não estar
disponível.
Levantei gentilmente o braço dela da minha cintura, dei um tapinha em sua cabeça, e então
saí da cama.
— Hmm… Rudy… me dê um beijo…
Às vezes, essa garota dizia coisas fofas enquanto dormia. Normalmente, isso teria me deixado
no clima para uma pequena diversão noturna, porém, estava muito preocupado com pensamentos
menos agradáveis no momento. Arrumei minha cabeceira e saí do quarto o mais silenciosamente
que pude.
As janelas do corredor revelavam um céu estrelado. Percebi que tinha dormido até de noite.
Enquanto caminhava pelo corredor, me perguntei futilmente se a presença daquelas estrelas
significava que este universo era parecido com o meu antigo na escala cósmica.
— Posso saber aonde vai a esta hora?
— Gah!
Um homem mascarado me surpreendeu quando virei um cruzamento.
— … Uh, oi, Arumanfi.
— Como sabe, está bem tarde, então deixe-me repetir: para onde está indo a esta hora?
— Eu ia ver Nanahoshi. Ela ainda está acordada?
— Creio que sim. Ela me pediu caneta e papel agora há pouco.
— Ah. Ótimo, obrigado…
Continuei meu caminho, meu coração estava batendo mais rápido do que o normal. Os
espíritos nunca dormiam, ou o quê? Eles não eram humanos, então talvez não precisassem. Deve
ser bom ter seguranças ativos vinte e quatro horas por dia.
Uh, isso me lembra… Eles ouvem todas as conversas que acontecem neste castelo, certo?
Então, presume-se que Perugis já saiba de tudo que discuti com Nanahoshi esta tarde. Como
ele não apareceu para discutir isso comigo, posso pressupor que estava deliberadamente ficando
fora disso por enquanto.
Porém, ele não era o único a me monitorar. O Deus-Homem também devia estar assistindo.
Sentindo-me cada vez mais enervado, fiz meu caminho pelos silenciosos corredores até o
quarto de Nanahoshi. A luz escapava pelas frestas da porta, então ela ainda estava acordada. Só
por educação, bati antes de entrar.
— Quem está aí?
— Sou eu, Rudeus.
— Por que veio tão tarde? Sua esposa pode ter a ideia errada.
— Quer que eu volte amanhã, então?
— Não, não me importo com essas coisas. Entre.
Abri a porta e entrei. Nanahoshi ainda estava deitada na cama, mas havia folhas de papel
espalhadas por toda a parte.
— Nossa. Está um pouco bagunçado aqui.
— Bem, estou tentando interligar os fatos.
— Descobriu algo? — perguntei, pegando um pedaço de papel aleatório enquanto me sentava
na cadeira ao lado de sua cama.
— Não sou das mais otimistas, mas com base neste diário e no que você me disse antes,
consegui chegar a uma hipótese.
— Oh? Que tipo de hipótese?
— Há muitos anos, venho me perguntando o porquê de ter sido trazida aqui – para este
universo, este lugar e tempo em específico.
Isso tem algo a ver com o que estávamos discutindo? Não conseguia ver a ligação, mas não
faria mal ouvi-la.
— No começo, achava que não era só eu. Pensei que meu amigo tinha sido trazido para cá,
também.
—…
Eu deveria estar me perguntando o motivo de ela ter assumido isso? No entanto, com base
nas minhas lembranças da minha vida passada, já tinha uma ideia. Na tentativa de salvar três
estudantes do ensino médio que estavam prestes a ser atropelados por um caminhão, empurrei
um deles para um local seguro, perdendo minha vida no processo. Nanahoshi e seu amigo não
foram mortos, mas ela ainda foi trazida para este mundo. Era entendível o porquê pensou que seu
amigo também poderia estar aqui. Eles estavam muito próximos um do outro na hora do
acontecimento.
— Mas não importava o quanto eu o procurava neste mundo, não consegui encontrá-lo em
lugar algum.
— Talvez ele tenha morrido logo após a chegada?
— Pensei nisso, mas por que ele teria morrido sendo que eu sobrevivi?
Foi por isso que viajou junto de Orsted? Ela esperava encontrar seu amigo? Provavelmente
tinha mais história por trás.
— Sim, acho que você está certa. Nada aconteceu comigo, também.
— Tem certeza disso?
— Hum…?
Agora fiquei confuso. Não me lembrava de estar em perigo quando criança. Na Vila Buena,
Paul e Zenith cuidavam de mim, e as coisas geralmente eram pacíficas.
— Escute. Quando você me disse que seu eu do futuro chegou no passado sem seus órgãos
internos, me ocorreu que eu também poderia ter vindo do futuro.
— Espere, quê? Então, você acha que este é o mesmo universo em que estávamos antes, e este
é apenas o passado distante?
— Não, não estou dizendo nada disso. Desculpe, não sei como explicar… Hmm. Lembra que a
causa do Incidente de Deslocamento ainda não foi descoberta?
— Não foi devido a um efeito colateral da sua chegada?
— Certo. Porém, teoricamente falando, o ato de teletransportar alguém para um campo não
deveria ter causado um desastre como aquele.
É verdade, mas ela foi trazida para cá de um mundo diferente. Esse fator deve ter influenciado
em algo, não?
— Não sei, Nanahoshi. Quando meu eu do futuro viajou de volta para cá, não teve nenhum
efeito colateral como esse.
— Na verdade, teve.
— O quê? Sério?
— Caso tenha esquecido, metade dos órgãos internos do cara estava faltando.
— Uh, sim…, mas… espere um segundo…
Então, de acordo com ela, o que havia “sumido” com os órgãos dele, também causou o
desaparecimento de todas aquelas pessoas durante o Incidente de Deslocamento?
— Viajar cinquenta anos no tempo esgotou o suprimento de mana do seu eu do futuro.
— Não completamente. Ele ainda era capaz de usar alguns feitiços.
— Mas ele ficava mais fraco toda vez que fazia isso, certo? Embora fosse um mago
incrivelmente poderoso, não se deu ao trabalho de curar suas feridas.
Nanahoshi deu um tapinha na capa do desgastado diário para enfatizar seu ponto de vista.
— Agora, vamos supor que eu tenha sido trazida para cá de cem anos no futuro.
Presumivelmente, teria exigido ao menos o dobro de mana que você possui.
Por alguma razão, Nanahoshi parecia muito convencida disso. Tive a sensação de que ela
poderia saber um pouco mais do que estava dizendo.
— Viajar cinquenta anos no tempo lhe custou parte do seu corpo. Para onde foram estes
órgãos, exatamente? Só foram deixados para trás no futuro? Consideremos um retrocesso de cem
anos. Nesse caso, você certamente não sairia perdendo apenas alguns órgãos, então seu corpo
inteiro ficaria para trás em vez disso?
— Uh…
— Não parece certo, né? Imagino que você acabaria em outro local. No mesmo lugar para onde
esses órgãos desapareceram.
— E onde seria isso?
— Não faço ideia, estou frustrada por não saber. Porém, acho que tudo que acontece faz parte
de uma espécie de processo de equilíbrio. Afinal, a “mana” deste mundo obedece à lei de
conservação de energia.
Sério? Isso é novidade para mim…
— Não tenho evidências para apoiar minha hipótese…, mas imagino que muitas pessoas
desapareceram no Incidente de Deslocamento. Talvez milhares ou até mesmo dezenas de milhares.
—…
— Agora me diga uma coisa. Logo após esse incidente, você notou algo de errado com seu
corpo? Talvez estivesse com pouca mana sem motivo aparente?
Após esse incidente, Eris e eu conhecemos Ruijerd, e fomos parar na cidade de Rikarisu, onde
trabalhamos como aventureiros. Não me lembrava de nada fora do normal… Não, espere. Não me
senti estranhamente lento naqueles primeiros dias, enquanto caminhávamos para Rikarisu? Eu
também estava me cansando muito facilmente. Era uma sensação semelhante à perda de mana…
— Um segundo, Nanahoshi. Se está tão certa sobre isso, por que algumas pessoas
desapareceram e outras não?
— Com base no que o Deus-Homem lhe disse, eu especularia que tinha algo a ver com… a força
de seus destinos, ou algo do tipo. As leis da causalidade podem ter protegido algumas pessoas
mais do que outras.
— Quê? Agora você só está especulando?
— Toda essa teoria é especulativa. Eu disse que era apenas uma hipótese, esqueceu?
Meu destino era forte, assim como o das mulheres da minha vida. Foi por isso que Sylphie e
Eris saíram do incidente sãs e salvas. Talvez valesse para a minha família, também – isso explicaria
o porquê da supervivência dos meus pais e irmãs.
… Ou talvez eu só estivesse procurando explicações convenientes para uma série de eventos
aleatórios.
— Ok, então qual é o principal fator? Que você veio do futuro?
— Essa não é a questão. É mais que… Argh. Como posso explicar isso?
No momento, Nanahoshi estava praticamente arrancando os cabelos de frustração. Ela
parecia estar tendo muita dificuldade em transformar suas ideias em palavras.
— Acho que, em algum momento no futuro, algo provocou… uma cadeia de causalidade que
levou à queda do Deus-Homem.
— Uma cadeia de causalidade?
— Sim, e para evitar que esse futuro se concretizasse, o Deus-Homem começou a se intrometer
em sua vida.
— Hum.
— Pense um pouco, por favor. Quando foi a primeira vez que o encontrou?
O primeiro sonho ocorreu logo após o Incidente de Deslocamento. Porém, na época, o Deus-
Homem disse que já estava de olho em mim há algum tempo, mas ontem ele alegou que só havia
me notado durante aquele desastre. Era tão difícil descobrir a verdade dentre todas as suas
mentiras…
— Se lembra de ter visto algo estranho no período anterior ao Incidente de Deslocamento?
Antes do incidente? Uh… acho que sim, na verdade. Eu tinha visto aquele estranha gema
vermelha flutuando no céu do lado de fora da torre de sexo de Sauros em Fittoa…
— Parece que pensou em algo. Consegue se lembrar de quando essa esquisitice surgiu pela
primeira vez?
Como eu deveria saber?
Não, espere… Sauros não disse algo sobre isso na época?
Vamos, vamos… você consegue… este corpo tem uma memória boa, não é? Ele disse…
“Encontrei isso há três anos”. É, suponho que tenha sido assim…
— Acho que foi quando eu tinha cinco anos. Talvez mais.
— Aconteceu alguma coisa com você nessa idade? Conheceu alguém importante?
— Bem, acho que foi quando conheci Sylphie, mas é a única coisa que me vem à mente…
De repente, algumas peças do quebra-cabeça se encaixaram.
Aos cinco anos, conheci Sylphie e nós nos aproximamos. Como resultado, Paul me mandou
para Fittoa, onde conheci Eris. No meu décimo aniversário, Eris e eu éramos quase íntimos, e no
dia seguinte ocorreu o Incidente de Deslocamento. Logo após isso, o Deus-Homem entrou em
contato comigo.
Foi nesse momento exato em que um futuro em que ele morreu foi criado?
— Originalmente, você não deveria existir neste mundo. Correto?
— Sim.
— Então, por que acha que reencarnou nele?
— E eu lá vou saber?
— Pessoalmente, acho que aconteceu por um motivo.
— Uh… que motivo?
— Alguém nos mandou para cá, Rudeus. Nós dois. Nos enviaram para esta era como um meio
de mudar o futuro.
— Quem faria isso?
— Alguém do futuro que queria muito ver o Deus-Homem morrer.
Isso estava começando a me dar dores de cabeça. Ela estava insinuando que éramos todos
marionetes, manipuladas por alguém que ainda nem tinha nascido?
— Não vejo lógica nisso, Nanahoshi. O que está querendo dizer?
— Acho que eu e você somos elementos indispensáveis para a existência de um mundo em
que o Deus-Homem morre.
Bem, isso não esclareceu nada…
— É possível que esses seus descendentes tenham me invocado para criar alguma arma ou
ferramenta que precisavam para matar o Deus-Homem. E até que eu faça minha parte, não posso
retornar ao meu antigo mundo, independentemente do quanto tente.
— Como isso faz algum sentido?
— Fui trazida para cá porque tenho que construir essa ferramenta algum dia. Essencialmente,
sou um paradoxo temporal ambulante.
Tudo bem. Vamos ver se consigo entender o que ela está querendo dizer.
O Deus-Homem ia morrer nas mãos de Orsted e meus descendentes, que uniriam forças no
futuro. Para que isso acontecesse, eu precisava ter filhos.
Desde o momento em que conheci Sylphie quando criança, nós estávamos destinados a nos
casar e ter um bebê. Provavelmente o mesmo valia para Roxy, a julgar pelo interesse do Deus-
Homem nela. Talvez até se aplicasse a Eris, já que o Incidente de Deslocamento ocorreu logo depois
de quase fazermos algumas coisas indecentes.
No futuro em que minha família foi exterminada, o Deus-Homem saiu vitorioso. Porém,
também não era o suficiente para que meus descendentes se unissem a Orsted. Eles
provavelmente precisavam de algo a mais – algo que Nanahoshi criaria algum dia. Foi por esse
motivo que ela foi invocada para cá, dez anos depois de mim.
Em outras palavras, não fomos apenas invocados, mas também enviados de volta no tempo.
Talvez alguém tivesse feito isso intencionalmente. Talvez fosse algum estranho subproduto
dos princípios da causalidade. Não tínhamos como saber. Porém, caso a hipótese de Nanahoshi
estivesse correta, chegamos a este mundo como resultado das ações tomadas por alguém no
futuro.
Isso significava que esses eventos aconteceram antes de virmos para cá? O futuro vem antes
do passado? A galinha veio antes do ovo? Ah, que seja.
— Tudo bem. Acho que entendi sua hipótese.
— Fico feliz. Desculpe, não sou muito boa em explicar essas coisas.
Era uma teoria interessante, sem dúvida. Porém, não muito reconfortante.
— Ou seja, o Deus-Homem provavelmente estava dizendo a verdade. Meus descendentes
realmente se unirão a Orsted para matá-lo algum dia.
— A meu ver, sim.
— Tudo bem, então. Vamos voltar ao assunto principal.
— E qual seria?
— Como vou matar Orsted.
— Oh…
Nanahoshi franziu a testa e ficou em silêncio.
— Mesmo que sua teoria esteja correta, o Deus-Homem está tentando evitar esse futuro, e ele
conseguiu pelo menos uma vez. O “destino” pode ser um fator, mas o futuro ainda pode mudar.
— Eu só não acho que essa seja uma boa ideia, Rudeus. Seria melhor conversar com Orsted e
tentar encontrar algum…
— Pare, Nanahoshi. Pelo que sei, o Deus-Homem pode estar ouvindo esta conversa agora.
Mordendo os lábios, Nanahoshi olhou para o teto.
Desculpe, direção errada. O mundo estéril está abaixo de nós.
— Esse lance de destino é um conceito abstrato. Não posso vê-lo, nem contar com ele. Meu
destino pode ser forte, mas isso não protegeu meu pai e minha mãe. Não estou dizendo que o
Deus-Homem fará alguma coisa contra mim neste instante, mas ele pode ver o futuro. Se perceber
que vou traí-lo, posso voltar para casa e encontrar Aisha morta, ou ele poderia armar alguma
tragédia para acontecer daqui alguns anos.
— Mas o Deus-Homem não pode manipular a todos, certo?
— Eu não teria tanta certeza sobre isso se fosse você. Quem sabe exatamente do que ele é
capaz? Não me surpreenderia caso estivesse limitando seus próprios poderes.
— Acho que você está certo.
— E de qualquer forma, não é como se Orsted tivesse chance de vencê-lo, no momento.
Assumindo que o Deus-Homem não está mentindo, ele precisa dos meus descendentes para ajudá-
lo, caso contrário, falhará.
— Sim, é verdade. Presumindo que o Deus-Homem não esteja mentindo.
— Tenho que proteger a minha família. O Deus-Homem é quem está tentando matá-los, mas
não tenho como lutar contra ele. Pelo menos, Orsted está em algum lugar deste planeta. Não sei
onde, mas há ao menos uma chance de encontrá-lo.
— Não há garantia de que o Deus-Homem cumprirá com sua palavra.
— Orsted é o Deus-Dragão. Com base no meu diário, ele provavelmente é o único que conhece
a arte secreta para chegar no mundo estéril. Se eu o matar, esse conhecimento será perdido. O
Deus-Homem não terá nenhuma razão para vir atrás da minha família.
— Sabe, mesmo que Orsted morra, há uma chance de seus descendentes encontrarem um
caminho para lá por conta própria…
— O que diabos devo fazer, então?
Minhas palavras saíram mais alto do que eu esperava. Não queria gritar com ela. Nanashi se
encolheu, mas continuou com seu argumento de qualquer maneira.
— Como eu disse, fale com Orsted. Ele pode ser capaz de ajudá-lo a sair dessa.
— Acha que não pensei nisso?! Entenda, se eu unisse forças com Orsted, estaria me tornando
um inimigo jurado do Deus-Homem. Você sabe o que acontecerá caso eu tente lutar contra ele
sozinho? Olhe para esse diário! Não tenho chance. Desta vez eu teria Orsted ao meu lado, mas o
que isso muda? Ele também não pode vencer! A única razão pela qual ele teve uma chance foi por
causa de mim que baguncei a ordem das coisas, certo? Esse era o motivo pelo qual o Deus-Homem
está vindo atrás de mim! Orsted está lutando uma batalha perdida – acha que ele terá tempo e
disposição para ajudar a proteger toda a minha família? Ele é tão poderoso assim? Quer que eu
me torne um inimigo do Deus-Homem antes mesmo de saber…
— Mas…, mas Orsted é mais confiável do que o Deus Homem.
— Como posso ter certeza disso? Aparentemente, ele está tentando destruir o mundo. Quero
dizer, não estou dizendo que acredito completamente nisso…, mas veja, o Deus-Homem estava me
enganando. Fingiu estar me ajudando por anos e anos, e se Orsted fez o mesmo com você?
— Bem… não posso negar que é possível.
Fiz uma pausa para analisar o rosto de Nanahoshi. Havia uma pitada de medo em seus olhos.
— Não confio no Deus-Homem — eu disse calmamente. — Mas também não posso confiar em
Orsted.
Tinha ciência do quão impotente eu realmente era. Acreditava no que meu eu do futuro havia
me dito – que não tinha chance contra o Deus-Homem. Eu podia me imaginar, em detalhes vívidos,
seguindo os passos daquele velho. Podia me ver perdendo tudo que me importava e tendo uma
morte miserável.
Também foi difícil para mim ser otimista em relação à luta contra Orsted. O único resultado
que conseguia imaginar era uma derrota feia e brutal. Porém, o Deus-Homem disse que meu
destino era forte. Talvez ele tenha visto um futuro no qual eu poderia vencer essa luta, de alguma
forma.
Essa era a minha última fagulha de esperança.
— Ouça, Nanahoshi. Meu eu do futuro me disse para te consultar. Acho que isso significa que
você conhece alguma maneira de entrar em contato com Orsted.
— Sim…
— Me ajude, por favor. Preciso matá-lo.
— Mas… eu… ele fez tanto por mim…
Os olhos de Nanahoshi se desviaram dos meus. Ela claramente estava perturbada. Orsted foi
a primeira pessoa que conheceu após sua chegada a este mundo. Ele provavelmente salvou sua
vida várias vezes, assim como Ruijerd me salvou quando eu estava preso no Continente Demônio.
Era difícil trair alguém a quem você devia tanto. Eu provavelmente também não teria feito isso.
Não trairia Ruijerd, mesmo que custasse minha vida.
Eu sabia o que Nanahoshi estava sentindo e, normalmente, não a pediria isso pelo bem do
nosso relacionamento. Porém, não ia recuar desta vez. Simplesmente não era uma opção.
— Ouça-me por um minuto, Nanahoshi Shizuka.
—…
— Antes de vir para este mundo, eu era um completo desperdício de oxigênio. Não sei qual a
sua visão de mim hoje em dia…, mas na minha vida anterior, eu era alguém que você teria
desprezado, e com razão.
—…
— Porém, eu reencarnei neste mundo e fiz um novo começo. Errei muitas vezes, e isso às vezes
me custou caro, mas aprendi com essas experiências. Agora, tenho uma família que significa tudo
para mim.
—…
— Eu só quero mantê-los seguros.
Saí do meu lugar. Pedir algo sentado em uma cadeira não era o jeito certo de implorar a
alguém. Havia uma maneira adequada de fazer esse tipo de coisa.
Fiquei de joelhos e coloquei as mãos no chão. Pressionei minha testa contra o solo e me curvei
o máximo possível.
— Por favor, estou te implorando. Me ajude.
Os pisos da fortaleza flutuante eram frios e duros.
— Até onde sei, o Deus-Homem pode mudar de ideia amanhã. Não quero perder tempo. Não
quero voltar para casa um dia e encontrar a minha família morta no chão…
— O que está fazendo? Pare com isso!
— Não quero perder nenhum deles. Por favor.
Nanahoshi se levantou da cama, agarrou meu ombro e puxou com força minha cabeça do
chão.
— Certo… certo, eu vou te ajudar. Só pare… de fazer isso.
Exaustão e tristeza estavam estampados em seu rosto. Senti uma pequena pontada de culpa.
Porém, ao mesmo tempo, uma parte dentro de mim estava dançando de alegria. Às vezes, eu meio
que me odeio.
— Obrigado. Muito obrigado mesmo.
Talvez eu estivesse cometendo um grande erro.
Mas honestamente, que escolha eu tinha?
O Santuário da Espada, no extremo oeste dos Territórios do Norte, era um lugar onde o ar
ressoava com fervorosos gritos de guerra e o som de espadas de madeira. Mesmo nas ruas, a
maioria das pessoas usava uniformes de artes marciais ou algo semelhante, e carregavam espadas
de treino e toalhas de mão. Às vezes, era possível ver um visitante com roupas de espadachim, mas
aqueles que optavam por ficar por um período prolongado geralmente adotavam roupas feitas
especificamente para treinamento.
Na parte de trás desta pequena cidade havia um vasto campo nevado que levava a um grande
salão de treinamento. Hoje, uma mulher com roupas de espadachim estava naquele campo, perto
da entrada daquele salão. Sua camisa simples e calça preta foram claramente escolhidas para
maior mobilidade. Por cima destes, usava um sobretudo tradicional, concedido aos Santos Da
Espada do Estilo Deus da Espada. Havia duas espadas em sua cintura; mesmo à distância, a mais
longa delas era distinguível como a obra de um verdadeiro mestre.
Apenas pela qualidade de sua arma, era evidente que era uma aluna de alto nível do Estilo
Deus da Espada, e uma das poucas que alcançaram o rank de Rei da Espada. Sua aparência
intimidante, combinada com seus longos e brilhantes cabelos ruivos, lembrava um leão. Nove em
cada dez pessoas que a viam na rua teriam imediatamente saído de seu caminho por instinto.
Ela era a Rei da Espada Berseker, e seu nome era Eris Greyrat.
Porém, no momento, estava olhando para sua roupa imponente com uma expressão um pouco
ansiosa.
— Ei, Nina… tem certeza de que pareço bem?
— Sim, sim. Você está mais do que bem, está maravilhosa. Confia em mim.
De pé em frente a esse leão de juba vermelha, estava uma jovem vestida com um uniforme de
artes marciais, de cabelo preso e de cor azul escuro. Seu nome era Nina Falion, e pelo tom de sua
voz, estava começando a ficar um pouco exasperada com sua rival.
— Estou falando sério, Eris, a roupa é perfeita. Você é a imagem ideal de um Rei da Espada.
— Mas o Rudeus costumava dizer que preferia minhas roupas com babados.
— Ah, pelo amor de Deus…
Sem paciência, Nina soltou um suspiro e continuou a conversa da melhor maneira que pôde.
— Eris, como exatamente espera que eu saiba dos gostos do seu namorado?
— Oh. Verdade, acho que você não…
— Poderia, por favor, parar de me olhar com pena? Sabe, o Gino e eu… Ugh, esquece!
Com um aceno firme de cabeça, Nina apontou o dedo para Eris.
— Olha, não é como se você fosse encontrar roupas elegantes por aqui. Se lembra de onde
estamos, não é? Se realmente quer uma roupa com babados, basta comprar uma na cidade.
— Acho que está certa. — disse Eris, acenando um pouco com a cabeça.
Aparentemente, o assunto havia sido resolvido. Porém, esta era a quinta vez hoje que tiveram
basicamente essa mesma conversa.
— De qualquer forma, não sei o porquê de estar tão obcecada com sua roupa agora. Não
importa o quão rápido viaje, será um bom mês na estrada antes de chegar à Sharia.
—…
— Eu me preocuparia menos com as roupas e mais em garantir que esteja limpa e apresentável
quando o vir. Certifique-se de tomar um banho, pentear o cabelo e passar um pouco de perfume…
Uh, você sabe que os homens não gostam de mulheres fedorentas, né?
— O Rudeus gosta. Ele parecia nunca se importar quando eu ficava toda suada.
— Bem, acho que a pessoa tem que ser muito compreensiva para te achar atraente…
— Na verdade, até o vi cheirando minha calcinha velha e suada algumas vezes. Ele parecia
estar gostando.
— Quê? O cara é um pervertido!
Eris franziu ligeiramente a testa para esta observação.
— Rudeus não é um pervertido. Ele só é um pouco… indecente.
— Ele estava gozando com o seu odor corporal, Eris! Essa é a definição de um pervertido!
—…
Eris levou o nariz até a axila e cheirou para checar a situação. Suas roupas eram novas e ela
tomou um banho em preparação para a viagem. Tudo o que podia sentir era o cheiro fraco de
sabão.
— Ele não é um pervertido.
— Se você diz… Desculpe, acho que exagerei.
As duas ficaram em silêncio por um tempo. De vez em quando, o vento frio do campo tranquilo
e nevado soprava em seus cabelos.
— Ghislaine está demorando — murmurou Eris.
— Acho que os alunos devem estar brigando entre si para decidir quem vai vir.
Eris assentiu vagamente.
— Talvez.
— Sabe, Eris, de vez em quando ouço alguns rumores do seu namorado.
— Que tipo de rumores?
— Dizem que Rudeus Greyrat pode esbugalhar os olhos voluntariamente.
— Não duvido nada!
— Além disso, parece que ele gosta de garotas sem peito.
Nina olhou para Eris enquanto falava essas palavras. Eris olhou para si mesma, também. Era
raro a palavra “voluptuosa” ser aplicada a uma espadachim, mas em seu caso, não podia ser mais
adequada.
— Isso não será problema.
A voz de Eris soava confiante, mas seu rosto parecia um pouco mais pálido do que antes.
— Vamos ver, o que mais…? Dizem que ele conquistou um labirinto lendário, derrotou um Rei
Demônio Imortal e lutou bravamente contra um dos Sete Grandes Poderes.
— Tá falando sério? Esse é o Rudeus que conheço. Não esperaria menos.
Ao ouvir isso, suas bochechas voltaram à cor rosada natural. Eris ficou feliz em saber que
Rudeus estava se esforçando para ficar mais forte, assim como ela.
— O cara é ridiculamente forte, tenho que admitir. Normalmente, eu não teria acreditado em
nem uma palavra desses rumores.
Eris se encheu de orgulho e disse com confiança:
— Eu sei! Ele é incrível!
— Porém, também há alguns… rumores mais obscuros por aí.
— Como assim?
— Dizem que ele é um playboy notório que sai com uma garota diferente a cada dois dias.
Com essas palavras, o sorriso de Eris enrijeceu de repente.
— Ah, e parece que abusa de sua própria força para conseguir o que quer…
—…
— Olha, Eris, isso é apenas uma possibilidade — Nina fez uma pausa, e então continuou com a
voz baixa. — Mas talvez ele nem se lembre mais de você?
Assim que essas palavras saíram de seus lábios, Nina levantou a mão esquerda para proteger
o rosto e, após uma fração de segundo, o punho de Eris bateu em sua palma.
—…
Embora tenha conseguido bloquear o soco, a fúria do olhar de Eris era demais para Nina
suportar, que desviou os olhos sem jeito.
— É só um rumor.
Eris abaixou o punho e cruzou os braços. Endireitou a postura e estufou o peito, fez um sorriso
distorcido e, zangada, virou a cabeça.
—…
— Ei, olha. Ghislaine finalmente chegou.
Quatro cavalos estavam se aproximando lentamente da direção em que Eris havia olhado.
Uma mulher Besta os conduzia. Esta era a Rei da Espada Ghislaine Dedoldia. Embora tivesse quase
quarenta anos de idade, seu corpo estava tão definido e musculoso como sempre.
Ghislaine conduzia dois dos cavalos pelas rédeas. Um pouco atrás estava uma bela e jovem
mulher que liderava as outras duas. Enquanto usava roupas simples de viajantes, seus longos
cabelos sedosos e rosto bem torneado eram mais do que o suficiente para encantar todos que a
viam. Esta era a Rei da Água, Isolde Cluel. A Deusa da Água, Reida Lia, estava montada em um dos
cavalos que conduzia.
— Desculpe a demora — Ghislaine entregou a Eris as rédeas de um cavalo carregado de
bagagens. — Vocês duas estavam brigando de novo?
— Foi culpa da Nina — Eris respondeu mal-humorada e fazendo beicinho.
Nina só deu de ombros.
— Entendo — Ghislaine murmurou, com um sorriso sincero estampado em seu rosto.
— Não parece uma despedida — veio uma voz de cima. — Gall nem se deu ao trabalho de sair
da cama?
A velha a cavalo, facilmente a pessoa mais formidável deste imponente grupo, olhava para
trás na direção do salão com uma expressão irritada.
— Eu não assumiria nada disso, Mestra Reida. Receio que o Deus da Espada seja um pouco
fraco com bebidas.
— O quê? Acha que ele está de ressaca da noite passada? Minha nossa. O homem deveria
conhecer os limites de sua idade… Sabe, Nina, essa pode ser uma oportunidade de ouro. Por que
não o desafia para um duelo?
Nina sorriu sem jeito com a provocação da velha.
— Acho que vou ter que me abster. Pretendo me tornar a Deus da Espada de uma maneira um
pouco mais esportiva.
— Ah, você é uma coisinha tão séria. Não se preocupe, querida, você vai superar esse velho
rabugento em pouco tempo. Apenas continue fazendo o que está fazendo! Embora talvez queira
ficar de olho naqueles abaixo de ti.
— Abaixo de mim? Bem, em todo caso, me esforçarei ao máximo para fazer bom uso de tudo
que me ensinou.
Nina inclinou a cabeça respeitosamente para Reida, então se virou para Isolde.
— Posso perguntar para onde planejam ir? Vocês acompanharão Eris durante parte do
caminho, certo?
— Isso mesmo — respondeu Isolde. — Estamos voltando ao Reino de Asura. Fui convidada para
ser a instrutora de esgrima do palácio real.
— Ah, entendo. Vai ficar um pouco solitário por aqui sem você…
Isolde sorriu gentilmente com as palavras de Nina.
— Não se esqueça de me fazer uma visita caso chegue no reino. Vou lhe mostrar a capital.
— Não, obrigada — disse Nina, coçando o nariz timidamente. — Se uma garota do interior como
eu fosse para Asura, tenho certeza que todos os habitantes chiques da cidade apenas apontariam
e ririam de mim.
Eris bufou com desdém.
— Hmph. Se alguém rir de nós, podemos cortá-lo ao meio.
Por mais alarmantes que essas palavras fossem, graças a elas Nina riu baixinho ao se lembrar
da identidade das três em sua frente. Tirar sarro de uma Santo da Espada, de uma Rei da Espada
ou uma Rei da Água, realmente não era a melhor das ideias. Para tal, a pessoa teria que ser um
combatente verdadeiramente formidável, ou um tolo completo e sem limites.
— Tudo bem, então. Eris, vamos indo?
— Sim! Vamos lá!
Isolde sorriu com a resposta energética de Eris e subiu em seu cavalo. Eris fez o mesmo,
montando tão rudemente em seu animal, que fez com que ele se sacudisse em desagrado. Ela deu
um tapa em seu pescoço, rapidamente acalmando-o.
— Boa sorte a todos — Nina desejou, surpresa ao descobrir que havia lágrimas em seus olhos.
Desde a chegada de Eris aqui, seus pensamentos mudaram bastante conforme o passar dos
anos. O primeiro encontro delas foi horrível. Nina foi humilhada, e Eris a submeteu a muitos outros
constrangimentos um seguido do outro. Porém, a frustração desses fracassos levou Nina a
melhorar. E quando Isolde chegou, suas palavras gentis e conselhos sensatos também foram de
grande ajuda. Se não fosse por elas, Nina sem dúvida ainda estaria estagnada no rank de Santo da
Espada. Poderia nunca ter ascendido ao reino dos Reis da Espada. Em outras palavras, ela lhes
devia…
— Ei, povo! Tenho uma entrega para vocês! Se importariam de assinar?
As reflexões melodramáticas de Nina foram abruptamente interrompidas por uma voz alegre
e despreocupada. Tentando conter sua irritação, ela se virou em sua direção.
Um homem de aparência meio estúpida com um casaco grosso de inverno estava parado na
neve, próximo a elas, soprando nuvens brancas de vapor a cada respiração. Parecia que ele não
tinha absolutamente nenhuma ideia de quem elas eram. Em vez de esperar que respondessem, ele
enfiou a mão na bolsa e pegou o envelope.
— Oh, céus… É de quem?
— Err… Parece que está endereçado à senhorita Eris Boreas Greyrat.
Eris franziu a testa desconfiada, mas as próximas palavras do homem fizeram seus olhos se
arregalarem.
— É de um Senhor Rudeus Greyrat.
— Rudeus?!
Eris instantaneamente pulou do cavalo e arrancou o envelope da mão do homem. No entanto,
quando estava prestes a rasgá-lo, ele agarrou-a apressadamente pelo ombro.
— Ei, espere um segundo aí. Preciso que você assine, ou não me pagarão pela entrega…
— Tá! Onde eu assino?
— Ah, claro. Espere só um momento, por favor…
O homem enfiou a mão na bolsa e tirou uma caneta e algum tipo de formulário, e entregou-
os para Eris. Ela parou por alguns segundos, claramente tentando lembrar as letras de seu nome,
então escreveu-as na forma de um rabisco quase incompreensível.
O homem analisou esses caracteres por um longo momento e acabou conseguindo identificar
a palavra Eris.
— Certo. Muito obrigado… Cara, queria muito que todos os trabalhos pagassem esse tanto…
Ele colocou o recibo de volta em sua bolsa e fez seu caminho de volta em alto astral. Eris mal
olhou para ele enquanto mexia no envelope. Ela estava prestes a rasgá-lo, mas então viu as
palavras “Senhorita Eris Boreas Greyrat” na frente, no que era claramente a caligrafia de Rudeus.
Heh. Ele devia estar com muita pressa! Não uso o nome Boreas há anos… Oh, espere. Talvez ele
não saiba disso?
Ela virou o envelope e leu o nome escrito no verso: “Rudeus Greyrat. Sua caligrafia não mudou
nada. As letras eram cuidadosamente moldadas, mas sempre pareciam um pouco tortas. Há muito
tempo, ela passava horas todos os dias olhando para essa caligrafia enquanto Rudeus tentava
ensiná-la a ler. A lembrança a fez sorrir.
Para preservar o envelope da melhor forma possível, Eris decidiu abri-lo pela parte superior
com as unhas. Sua primeira tentativa falhou. Assim como a segunda. Depois de sua terceira
tentativa, ela pegou uma das espadas em sua cintura. Jogou a carta no ar e desembainhou sua
lâmina.
— Hah!
De alguma forma, em vez de partir o envelope ao meio, sua espada cortou uma pequena lasca
da parte de cima. Eris pegou os dois pedaços quando caíram, jogou fora o menor e finalmente tirou
a carta. Com um olhar ansioso em seu rosto, começou a lê-la. Rapidamente, sua expressão animada
deu lugar a uma profunda irritação.
— Uhh, Eris? — Nina perguntou com cuidado. — O que está escrito?
Eris não respondeu. Ela ainda estava olhando ferozmente para o pedaço de papel em suas
mãos.
— Eris? Está me ouvindo?
— Ah, cale a boca! Eu não reconheço algumas dessas palavras, tá? Por isso estou demorando
um pouco para ler!
— Ah. Entendo…
— Leia para mim, Nina!
— Quê? Uh, eu não sei ler.
— Sério?! Isso vai te causar problemas no futuro.
— E quem você pensa que é para me dar sermão sobre isso? Você também não sabe ler!
Quando as duas começaram a brigar, Isolde suspirou e desceu do cavalo.
— Acalmem-se, vocês duas. Deixa que eu leio.
— Ah, tudo bem — disse Eris, entregando a carta. — Obrigada.
Isolde começou a lê-la devagar e com atenção. No início, sua expressão era neutra, mas com
o passar do tempo, tornava-se cada vez mais tempestuosa. E quando terminou, gritou com uma
voz cheia de raiva.
— Qual é o problema desse cara?!
— Hã? — disse Eris nervosamente. — O quê? O que está escrito?
— Oh, Eris… Você esteve treinando tão duro todos esses anos por ele? Que pobre coitada.
Santo Millis, tenha pena dessa garota…
Isolde cruzou as mãos e olhou suplicante aos céus por um momento, então olhou cheia de
simpatia para Eris.
— Eris, você realmente deveria esquecer tudo sobre esse homem. Por que não vem comigo
para Asura, em vez disso? Seria um desperdício te entregar a um canalha como este.
— Dá para me dizer o que está escrito na carta?! — sibilou Eris, pegando a espada em sua
cintura. — Ou quer que eu te corte ao meio?!
— Muito bem, então. Aqui vou eu.
Limpando a garganta, Isolde começou a ler a carta com uma voz que soava clara indignação.
“Querida Senhorita Eris…
Já faz um tempo, não? Aqui é Rudeus Greyrat.
De alguma forma, parece que cinco anos se passaram desde que nos separamos.
Ainda se lembra de mim? Espero que sim. Sei que eu não te esqueci, ou o tempo que passamos
na companhia um do outro.
Durante nossa primeira noite juntos, jurei a mim mesmo que ficaria com você para todo o
sempre. Pretendia ficar ao seu lado pelos restos dos meus dias, te apoiando contra todas as
adversidades.
Mas quando acordei de manhã, encontrei-me sozinho na cama. Você já tinha partido.
Devastado pelo seu desaparecimento, mergulhei em uma profunda depressão. Os próximos
três anos da minha vida foram amargos e solitários. Nada do que eu fazia parecia significativo.
Senti como se estivesse vagando por um denso nevoeiro.
Claro, não te culpo por nada disso agora. Porém, espero que possa entender o quão miserável
estava naquela época. Quanto ao motivo pelo qual estou lhe escrevendo essa carta, bem… digamos
que alguém recentemente me falou sobre você.
Até agora, estava convencido de que havia me abandonado para viajar pelo mundo sozinha.
No entanto, esse indivíduo alegou que eu tinha entendido mal seus sentimentos – que você nunca
parou de se importar comigo ou pensar em mim.
Tenho duas esposas agora.
Ambas me resgataram do desespero em momentos em que poderia ter me perdido
completamente. Embora possa ter interpretado mal suas ações, isso não amenizou minha dor. E
elas estavam lá para mim quando eu mais precisava.
Porém, se é verdade que seu coração permanece inalterado – se realmente quer se reunir
comigo e passar sua vida comigo – estou pronto para aceitar seus sentimentos. Não tenho intenção
de me separar das minhas duas esposas, então você se tornaria a minha terceira.
Entendo que possa achar a proposta inaceitável, ou talvez até mesmo revoltante. Se for assim,
você tem todo o direito de me socar para se sentir melhor. No entanto, agradeceria se desse apenas
dois ou três golpes.
Claro, torço para que não chegue a isso. Mesmo que não esteja disposta a se juntar à minha
família, espero que possamos pelo menos nos tornar bons amigos.
Com toda a sinceridade,
Rudeus Greyrat.”
—…
Eris não estava dizendo nada. Também não estava se mexendo. Aos olhos de todos, ela havia
se transformado em uma pedra.
Isolde deu uma olhada nela e prontamente retomou seu discurso anterior.
— Bem, aí está. Ele não é horrível? Ter duas esposas já é ruim o suficiente, e agora ele está
casualmente oferecendo torná-la a número três! O homem claramente não tem nenhum respeito
pelas mulheres!
— Não sei — disse Nina, olhando para a carta com uma expressão pensativa. — Parecia que
ele estava se esforçando muito para ser atencioso…
— Atencioso?! É a primeira carta que ele escreve para ela há anos, e não se deu ao trabalho
de dizer eu te amo! Parece pensar que estaria fazendo um favor permitindo-a que se casasse com
ele! Não, me desculpe. Não gosto nem um pouco desse Rudeus Greyrat!
— Olha, ele pensou que a Eris tinha rompido a relação, certo? E passou três anos inteiros
deprimido por causa disso! Não é parcialmente culpa dela por sair desse jeito?
— Oh, por favor! Ele provavelmente inventou tudo isso para fazê-la se sentir culpada. Ele só a
quer porque ela é uma mestra espadachim com um belo corpo!
— Uhhh… eu não teria tanta certeza sobre isso. Você realmente arriscaria manter Eris por perto
apenas para ter uma guarda-costas sexy…?
Nina estava pensando seriamente no assunto. Isolde estava gritando loucamente. Eris, por
sua vez, com os braços ainda cruzados, estava olhando para os céus, mas ao mesmo tempo, não
via nada. O céu acima era azul, mas sua mente se tornou um vazio puramente branco.
— Huh? Ah, tem mais um pedaço de papel aqui…
Foi nesse momento que Isolde percebeu que ainda não havia lido a carta inteira. Recuperando
a última folha de papel, ela começou a ler.
— Vamos ver… Ahem.
P.S:
Enquanto escrevo estas palavras, estou me preparando para lutar contra o Deus Dragão Orsted
até a morte. Não faço ideia se conseguirei ganhar. É possível que eu nem esteja vivo quando esta
carta chegar até você. Mas se eu conseguir voltar vivo, vamos conversar sobre as coisas.
Quando terminou de ler essas palavras, o rosto de Isolde estava visivelmente rígido, assim
como o de Nina. Sua expressão era de medo e admiração. A mera ideia de desafiar o Deus Dragão
para um duelo tinha arrepiado sua espinha. Porém, no rosto de Eris, e somente no dela, havia um
sorriso. Seus olhos estavam vivos novamente – queimando de paixão e determinação.
— Certo! — ela gritou, pulando de volta em seu cavalo. — Temos que nos apressar para chegar
lá a tempo! Vamos indo, Ghislaine!
Após dizer isso, partiu com seu cavalo; a corrida dele pela planície levantava um pouco de
neve a cada passo e Ghislaine logo apressou o seu para fazer o mesmo. Em questão de segundos,
já haviam atropelado o mensageiro, jogando-o para o lado, e desaparecido no horizonte.
Nina e Isolde ficaram paradas olhando para elas, atordoadas demais para sequer piscar.
Um mês se passou desde minha conversa com o Deus-Homem. Passei todos os dias seguintes
trabalhando em meus preparativos para a batalha com Orsted.
Matá-lo não seria fácil, para dizer o mínimo. Ele era a pessoa mais forte do mundo, o que
significava, é claro, que era muito mais poderoso do que figuras formidáveis como Atofe, Perugius
e Ruijerd. E não consegui derrotar nenhum desses três. Em uma luta justa, minhas chances contra
Orsted eram menores que zero.
Com isso em mente, elaborei três prioridades.
Primeira: precisava criar a Armadura Mágica.
Segunda: queria garantir alguns aliados.
Terceira: tinha que encontrar uma estratégia que pudesse funcionar.
Em primeiro lugar estava o projeto da Armadura Mágica.
Baseado no que li naquele diário, uma vez que a tivesse, poderia exercer poder físico
comparável ao dos Sete Grandes Poderes. Meu eu do futuro ficou ridiculamente mais forte depois
de criá-la. Parecia algo essencial.
A primeira coisa que fiz foi comprar uma pequena cabana nos arredores da cidade de Sharia.
Inicialmente esperava construir a coisa na fortaleza flutuante de Perugius, mas ele não permitiu.
(Vou explicar o porquê mais tarde.)
Recorri a Cliff e Zanoba para obter ajuda com o projeto. Os dois imediatamente concordaram
em ajudar sem me pressionar por uma explicação detalhada. Eu queria que Cliff criasse um sistema
de controle baseado na Prótese Zaliff e que Zanoba projetasse o escudo blindado e seus
mecanismos de propulsão. Quando expliquei o conceito geral da Armadura Mágica, os olhos de
ambos brilharam de excitação. Não demorou muito para entenderem o que eu tinha em mente.
Trajes de combate não eram grande coisa por aqui, mas acho que garotos são garotos em qualquer
lugar que você vá.
Uma vez que Cliff e Zanoba estavam a bordo, pedi ajuda a Sylphie e Roxy também. Roxy atuou
como diretora geral e supervisora do projeto. Poderia ter desempenhado esse papel sozinho, mas
eu era a única pessoa capaz de criar e modificar as placas ultra-duras de rocha que serviriam como
a real armadura daquela coisa. Era um trabalho que demandava muito tempo e mana. Não tinha
tempo para me preocupar com mais do que isso.
Sylphie era capaz de lançar feitiços sem canto de magia de Terra. Além disso, sua pesquisa
sobre o Incidente de Deslocamento a deixou com um conhecimento incomum sobre círculos
mágicos. A garota era muito inteligente e talentosa no geral, por falar nisso. Como ela podia lidar
com quase qualquer tarefa, eu a queria como assistente de Roxy, correndo para ajudar onde fosse
mais necessária.
Quando pedi ajuda, ela disse: “Claro! Estou nessa!” com um grande sorriso no rosto. Parecia a
primeira vez em muito tempo que a via tão feliz, na verdade. Ela provavelmente estava mantendo
alguns pensamentos nada felizes para si mesma recentemente e isso me fez sentir mais do que um
pouco culpado.
Uma vez que o projeto da Armadura Mágica começou, comecei a gastar algum tempo na
segunda prioridade: encontrar aliados.
Meu plano inicial era enfrentar Orsted sozinho, mas sabia o quão impotente eu era comparado
a ele. Não tinha os longos anos de experiência em combate do meu eu do futuro, nem seu
conhecimento de magia.
Infelizmente, não rastreei ninguém que parecesse capaz de igualar as probabilidades.
Badigadi estava longe de ser encontrado, assim como Ruijerd. Perugius, sem surpresa, recusou.
Suas razões para isso também não eram exatamente reconfortantes…
— Existem três pessoas neste mundo que você nunca deve tentar lutar: o Deus da Técnica, o
Deus Lutador e o Deus Dragão. Mesmo entre esses três, Orsted é particularmente poderoso e
implacável. Sua determinação em proteger sua família é admirável e eu adoraria fazer algumas
perguntas a ele sobre o Deus-Homem… mas ficarei fora disso. Prefiro não morrer antes que Laplace
retorne, entende?!
Eu estava otimista sobre minhas chances de convencê-lo a ajudar, mas simplesmente não
funcionou dessa maneira. Pelo menos ele também não estava ativamente tentando me impedir.
Teria que tomar isso como uma vitória.
Além de Perugius, não consegui localizar mais ninguém que parecesse capaz de enfrentar
Orsted. Zanoba era incrivelmente forte e altamente resistente a danos físicos, então considerei
brevemente trazê-lo… mas Atofe foi capaz de danificá-lo com seus ataques, apesar de sua
“bênção”. Tive de assumir que o mesmo valeria para Orsted. A última coisa que queria era matar
Zanoba. Ele era meu melhor amigo.
Claro, também não queria ver Cliff ou Elinalise morrerem. Quanto mais pensava sobre isso,
menos queria arrastar mais alguém para essa luta. Considerei Eris por um momento, no entanto
era difícil adivinhar exatamente quando ela chegaria aqui. Com base nesse diário, ela
provavelmente era ainda mais poderosa do que eu com a Armadura Mágica completa. Havia
alguma chance de ela se juntar a mim na luta contra Orsted?
Não era nem mesmo uma pergunta justa, na verdade. Antes de começar a arrastá-la para
minhas batalhas, precisaríamos resolver nosso passado e as coisas que estavam entre nós. Não
tinha o direito de esperar sua ajuda até que isso acontecesse.
Com minha busca por aliados em um impasse, redirecionei minha atenção para a terceira
prioridade da minha lista: elaborar minha estratégia para a batalha. Eu precisava repassar essa
luta com cuidado de antemão.
Estaria lutando sozinho e era indiscutível que precisava matar meu oponente. Dadas essas
duas premissas, eu realmente tinha um grande número de opções disponíveis para mim.
Se não houvesse aliados por perto e eu mantivesse distância do meu inimigo, poderia
facilmente fazer uso de feitiços poderosos com uma ampla área de efeito. Quanto maior o feitiço,
mais difícil seria para ele escapar. Algo como Relâmpago, que concentrava todo o seu poder em
uma área menor, poderia ser mais eficaz em causar dano, mas tinha a sensação de que Orsted
simplesmente esquivaria.
Considerando tudo, bombardeá-lo com amplos ataques em área de uma grande distância
parecia a abordagem mais inteligente. O dano se acumularia eventualmente. E se eu ficasse longe
o suficiente para não ser percebido, ele não seria capaz de me interromper com Atrapalhar Magia.
Também havia a possibilidade de pegá-lo desprevenido e quebrar suas defesas quando sua
guarda estivesse baixa. Montar uma armadilha pode não ser uma má ideia. Eu poderia atraí-lo para
uma área deserta, onde ele encontraria algo que chamaria sua atenção… algo que explodiria no
momento em que pegasse. Poderia usar isso como meu sinal para disparar magia nele à distância.
Quanto mais pensava sobre isso, mais parecia a abordagem certa. A questão era: como farei
para atraí-lo a este local? Talvez pudesse tomar Nanahoshi como “refém”, ou enviar-lhe uma
mensagem do Deus-Homem. Ambos pareciam viáveis.
Dito isso, não estava otimista o suficiente para pensar que meus ataques iniciais de longo
alcance seriam o suficiente para derrubá-lo. Havia a chance de funcionar, mas precisava assumir
o contrário. Uma vez que ele encontrasse seu caminho até mim, tudo se resumiria a uma luta de
curto alcance na minha Armadura Mágica. Não tinha certeza do quão bem minha mente conseguiria
acompanhar uma batalha em ultra velocidade… mas não havia motivos para me preocupar com
isso até que realmente pegasse a Armadura Mágica para dar uma volta.
Enquanto pensava em tudo isso, me peguei lembrando da minha infância neste mundo. Teve
uma época que passei muito tempo trabalhando em um plano para vencer Paul em uma luta.
Esperava superá-lo enquanto ele ainda estava no auge. No final, porém, nunca o derrotei, nem
uma única vez.
Ainda assim, as táticas que tinha trabalhado naquela época estavam profundamente
enraizadas em minha mente. Sabia como usar minha magia em coordenação com os movimentos
do meu corpo, do mesmo modo que também sabia como me mover em três dimensões. Não
importa o quão esmagador meu oponente pudesse ser, minha abordagem básica não mudaria,
precisaria mantê-lo à distância, explodindo-o com ataques enquanto ele tentava me pegar, manter
a pressão e forçá-lo a tomar decisões desvantajosas.
Era assim que eu lutava quando estava no meu auge.
Claro, Orsted tinha Atrapalhar Magia e seus Portais Wyrm. Sem dúvida, havia outros truques
na manga também. Parecia seguro dizer que isso nunca sairia conforme o planejado. A armadilha
e a emboscada eram um bom começo. O que mais eu precisava para vencê-lo? Era crucial para
mim realmente pensar nisso. Tive que considerar todas as possibilidades e então focar nas ideias
mais promissoras.
Sendo bem honesto, sabia que minha mente não estava funcionando muito bem agora. Estava
impaciente, assustado e cada vez mais obcecado com a minha tarefa. Provavelmente teria sido
mais sensato ir mais devagar e testar algumas das minhas ideias em uma base experimental.
O melhor plano provavelmente envolveria encurralar Orsted de uma forma gradual e
metódica, durante um período de cerca de dez anos, mas se eu fosse tão indiferente sobre isso, o
Deus-Homem poderia mudar de ideia e eu poderia voltar para casa e descobrir que perdi alguém
que amava. Mais do que qualquer outra coisa, estava com medo disso.
E uma noite, enquanto meus preparativos continuavam, ele veio até mim novamente.

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Me encontrei em um espaço branco. Presumivelmente, estava no centro do mundo estéril.


— Ei! Parece que as coisas estão indo bem, hein?
Sim. Vou lutar contra Orsted, como você me pediu.
— Ei, calma lá, não pedi para você lutar com ele. Pedi para você matá-lo!
Você com certeza parece estar de bom humor hoje. Está tão feliz de me ter dançando em suas
cordas?
— Qual é, isso é uma coisa excitante! Nem eu sei o que vai acontecer a seguir!
Que bom que está se divertindo. Não esperava vê-lo novamente tão cedo, no entanto. Isso
significa que conseguiu inventar aquela coisa sobre alinhamento de comprimentos de onda ou algo
assim?
— Ah sim. É tudo bobagem.
Você poderia pelo menos fingir sentir um pouco de vergonha… Então posso supor que a parte:
“Eu só posso aparecer para certas pessoas” era uma mentira também?
— Sim, pura ficção. Mas ei, deve ter sido ótimo para o seu ego ouvir que você era o escolhido,
não é?
Tch… Bem, tanto faz. Nos próximos dias, direi a Sylphie e Roxy que estou planejando lutar
contra Orsted. Se ele acabar me matando, meus filhos vão crescer sabendo que ele é o homem que
assassinou o pai deles. Isso deve ser motivo suficiente para eles o odiarem, então…
— Desculpe, mas isso não será o suficiente para tirar o destino dos trilhos. Você precisa matá-
lo, ou vou apagar seus descendentes, não importa quanto tempo leve.
Ugh. Você precisa falar assim? Bem, que seja. De qualquer forma, vou demorar um pouco para
completar a Armadura Mágica. Estamos abrindo novos caminhos aqui e Cliff está lutando com
algumas das teorias envolvidas. Estou tentando fazer as coisas o mais rápido que posso, mas acho
que vai levar mais uns seis meses ou mais…
— Cliff já deve ser capaz de desenhar círculos mágicos para fortalecer as rochas. Você deve se
concentrar apenas em fazer as juntas e a carapaça externa, pois isso precisa ser o mais resistente
possível. Além disso, quando estiver projetando os círculos mágicos para o torso, certifique-se de
usar o Método Alastair em vez do Sistema de Vento. Isso deve ajudá-lo a superar as partes difíceis.
Uh… é sério?
— Diga a Zanoba que você quer que a coisa seja um pouco mais volumosa também. Queimará
mais mana dessa maneira, mas te permitirá colocar mais círculos mágicos embaixo dos círculos
principais. Desenhe-os na camada inferior para reparar os mais importantes, caso sejam
danificados. Isso deve permitir que continue se movendo, mesmo que a coisa esteja meio
destruída.
Huh? Espera. Não sabia que você era especialista nessas coisas.
— Bem, eu sou o Deus-Homem, sabe?! Estou familiarizado o suficiente com a armadura do
Deus Lutador para lhe dar algumas dicas.
Sabe, isso me lembra… As pessoas do mundo o chamam de Deus dos Homens, não é? Há algum
significado nisso?
— Deus dos Homens é algo como um apelido meu, suponho. Por algum motivo ele só pegou,
acho! Deus-Homem é meu nome próprio.
Por que sinto que está mentindo para mim mais uma vez? Não que realmente me importe muito
com o seu nome… Mais importante, acha que posso vencer? Digamos que eu construa a Armadura
Mágica, monte uma armadilha e lance um ataque furtivo. Tenho uma chance?
— Ooh, boa pergunta… quero dizer, você tem tanta mana quanto Laplace para trabalhar, certo?
Se for com tudo, aposto que vai dar uma boa luta.
Isso não é super reconfortante. Importa-se de ser menos vago? Não me importaria se me desse
mais algumas dicas sobre estratégia…
— Tudo bem então. Arranje alguns implementos mágicos, do tipo que disparam um feitiço
ofensivo quando os alimenta com mana. Não deve ser muito difícil encontrá-los em Sharia, certo?
Eles são projetados para consumir pouco, a fim de que pessoas comuns também possam usá-los,
mas é fácil modificá-los para que usem mais mana… assim como aquela sua prótese Zaliff. Faça
alguns realmente poderosos, do tipo que só você poderia usar. Assim terá alguns novos ataques
para o seu arsenal e uma maneira de contornar o Atrapalhar Magia.
Ah. Uau. Tenho que admitir, você está me dando alguns conselhos realmente detalhados para
variar.
— Bem, você está se jogando nisso com mais entusiasmo do que eu esperava. Por que não
ajudaria? Realmente quero Orsted morto, sabe?!
Não consigo afastar a sensação de que há mais do que isso. Até onde sei, se eu projetar a
Armadura Mágica de acordo com suas instruções, ela explodirá no momento em que tentar ativá-
la.
— A vida de quem gostaria de apostar nessa teoria intrigante? Vá em frente, escolha: Aisha,
Norn, Lilia ou Zenith?
Tch…
— Como já te disse, não consigo ver o futuro de Orsted. Isso significa que também não posso
ver o resultado de sua batalha. Não sei o que vai acontecer com você.
Ok. E isso significa que não tem certeza se vou perder, certo?
— Exatamente.
A propósito… se não consegue ver o futuro de Orsted, como sabe que ele vai unir forças com
meus descendentes no futuro?
— Não consigo ver o próprio homem, mas certamente consigo ver meu próprio futuro. Envolve
seus descendentes, algum homem que não reconheço e Orsted me cercando.
Você pode ver qualquer coisa que vá experimentar pessoalmente, hein? Então, o que acontece
depois que eles aparecem? Eles apenas bateram em você ou o quê?
— Sim. Eles me matam brutalmente. Não sou muito bom em luta.
Hmm… Escuta, por que Orsted está atrás de você, afinal? Tem certeza de que não fez nada
indescritivelmente cruel com ele?
— Ah, quem sabe. Não me lembro de ter feito nada com ele especificamente, pelo menos.
Ou você não quer me dizer, ou realmente não sabe. Acho que não importa qual das duas. Não
é como se eu pudesse confiar em qualquer coisa que você me diga, de qualquer maneira. Você mente
constantemente.
— Isso é um pouco injusto. A única mentira maliciosa que já te contei foi aquela mentirinha
sobre o porão, sabe?
Todos os seus conselhos até então estavam apenas preparando as bases para aquele
momento, certo?
— Sim, verdade! Mas sabe, se você não tivesse engravidado Roxy, eu não precisaria fazer isso.
Por que diabos não me disse para não ter um filho com ela, então?! Por que teve que fazer isso
tão complicado?!
— Não teria funcionado. Não importa o que eu dissesse, você a teria engravidado. Era assim
que tinha que ser, eu acho. Não importa quantas vezes ajustei e cutuquei o futuro, ele
simplesmente não queria mudar…
Talvez sim, mas poderia ter pelo menos… Agh. Deixa pra lá. Desculpe por gritar com você. No
final, me casei com Roxy e a engravidei. Agora que penso nisso, algumas das coisas que fiz para
acabar aqui me pareceram um pouco estranhas. Fora do normal, até. Acho que é assim que essa
coisa do destino funciona, até entendo a razão de querer mudar isso.
Farei o que você quiser, Deus-Homem. Seguirei suas ordens e matarei Orsted, mas antes de
fazer isso, há algo que preciso dizer a você.
— O que é?
Quando Orsted estiver morto, quero que me deixe em paz pelo resto da vida. Não se meta com
a minha família também. Por favor, quero que me prometa isso.
— Como é? Hmm. E eu aqui pensando que você não confiava mais nas minhas promessas.
Não confio. É claro que não… mas tenho de acreditar que você não está mentindo sobre isso.
Se não vai me deixar em paz, não importa o que aconteça, talvez eu me junte a Orsted e comece a
trabalhar contra você.
— Ah, vá em frente. Não posso te matar, é claro, e também não posso matar ele, mas você não
vai querer ver o que posso fazer. Descobrirá exatamente o que significa fazer de mim um inimigo.
Você pode estar blefando agora. Talvez me ameaçar seja o melhor que você tem. Quero dizer,
teve que me manipular por anos antes que pudesse me fazer cometer um pequeno erro… Pelo que
sei, pode estar bancando o durão por estar apavorado de me ter como inimigo.
— Por favor. Você tem um destino muito forte, então estava apenas tentando cortar o mal pela
raiz o mais sutilmente possível… Ah, esqueça. Não é como se você fosse acreditar em qualquer
coisa que eu dissesse, não é? Vá em frente, me subestime o quanto quiser. Tchau! Pode viver para
se arrepender disso.
Ah não. Me desculpe. Retiro o que eu disse. Me dê um tempo aqui. Olha, tudo que eu quero é
uma garantia. Você diz que vai matar minha família se eu perder para Orsted, mas mesmo se eu
vencer, parece bem possível que você volte atrás e os mate de qualquer maneira. Isso não é muito
bom para minha motivação, sabe? Preciso saber se há algum benefício em fazer isso.
— Suspiro. Suponho que esteja certo. Aqui vai, então: Em nome do Deus-Homem, juro honrar
minha promessa. Depois de derrotar Orsted, não terei nada para me preocupar, o que significa que
não precisarei incomodá-lo nunca mais. Não vou falar, assediar ou tentar prejudicar você, suas
esposas, sua mãe, suas irmãs, seus descendentes ou seus animais de estimação.
Você realmente pretende jurar isso, certo? Vou confiar em você.
— Certo. Se quiser, estou até disposto a oferecer um pequeno conselho útil se sua família se
encontrar em uma crise.
Já tive o suficiente de seus conselhos para uma vida inteira, obrigado.
— Ah é? Bem, boa sorte com Orsted.
Com aquelas palavras finais ecoando em meus ouvidos, me senti afundar na inconsciência.

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Mais um mês voou.


A construção da Armadura Mágica estava indo bem. Seguindo a recomendação do Deus-
Homem, nós a tornamos maior do que eu pretendia originalmente. A coisa tinha uns bons três
metros de altura… cerca da metade do tamanho de um Aura Battle,pensando bem. A Armadura
Mágica descrita no diário do meu eu do futuro era mais como uma armadura volumosa padrão.
Esta versão seria significativamente maior. Aumentar seu tamanho nos levou a várias descobertas:
além de ser mais fácil projetar dessa maneira, também poderíamos aumentar sua durabilidade.
O conselho do Deus-Homem tinha sido completamente útil, em outras palavras.
Quando transmiti suas outras sugestões a Cliff, seus olhos brilharam de compreensão e
imediatamente se lançou ao trabalho com o vigor redobrado. Em pouco tempo, ele resolveu os
problemas mais difíceis com os quais estava lutando. Esperava que o projeto levasse pelo menos
meio ano, mas nosso progresso foi acelerado significativamente.
Nesse ritmo, terminaríamos em cerca de mais um mês. Ao todo, o trabalho duraria apenas três
meses depois de termos começado. Sob quaisquer outras circunstâncias, eu poderia estar
imensamente grato ao Deus-Homem.
Era irônico, de certa forma. Meu eu do futuro havia criado a Armadura Mágica para matá-lo,
mas agora foi ele quem nos ajudou a criá-la… Quando pensei nisso dessa forma, não pude deixar
de me perguntar se ele realmente estava tramando algo desonesto aqui, mas Cliff e Zanoba foram
os que realmente fizeram a coisa. Confiei neles completamente.
Também tinha caçado os implementos mágicos que o Deus-Homem tinha mencionado. Roxy
me ajudou com isso.
Encontramos o que procurávamos bem rápido. Os implementos em questão eram pequenas
varinhas, ativadas pela palavra “Fogo”, que lançavam feitiços ofensivos de nível Iniciante em seu
alvo. Eram um produto bem popular e acessível e não eram realmente poderosas. Às vezes
encontraria Ladrões sem outros ataques à distância carregando-as.
Em suma, o Deus-Homem disse que se modificássemos isso para que elas pudessem suportar
minha produção de mana, seria possível fazê-las disparar um tipo do feitiço Canhão de Pedra que
eu costumava usar em batalha.
Enquanto considerava isso, uma ideia interessante surgiu em minha mente. Enquanto
modificávamos o poder delas, e se também fizéssemos ajustes para que elas pudessem disparar
um fluxo contínuo de feitiços enquanto continuassem a receber mana? E se eu juntar dez ou mais
delas juntas? Teria uma espécie de metralhadora, capaz de bombear um fluxo constante de
projéteis mortais.
Quando mencionei a ideia para Roxy, ela assentiu com uma expressão neutra no rosto.
— Seus feitiços são muito potentes, mas você só pode disparar um de cada vez. Esta pode ser
uma maneira de contornar essa limitação. Felizmente, encontrei recentemente um excelente
criador de implementos mágicos. Vamos ver se eles aceitam o trabalho.
Nesse mesmo dia, Roxy marcou um encontro com seu conhecido. Fiquei um pouco surpreso
quando ela se revelou uma elfa. Não havia muitos de sua raça em Sharia. Elfos têm rostos bonitos
como regra geral, mas o dela estava coberto de fuligem e suas unhas estavam pretas de sujeira.
Ela era claramente dedicada ao seu trabalho.
Quando expliquei minha ideia, seus olhos se arregalaram de surpresa. — Ah, tem certeza
disso? Se eu fizer essa coisa como você descreveu, cada tiro vai consumir muita mana. Pode drenar
você até a morte se não for cuidadoso.
Nem tinha considerado a ideia. Era isso que o Deus-Homem tinha em mente quando sugeriu
isso? Canhão de Pedra não consumia muita mana, mas essa coisa seria capaz de disparar dezenas
de milhares deles em um único dia…
Não poderia me preocupar muito com isso, no entanto. Se eu ficasse sem mana antes de matar
Orsted, estaria morto de qualquer maneira. E precisava me esforçar até o limite se quisesse ter
uma chance contra ele.
— Isso não será um problema. Por favor, faça exatamente como descrevi.
A elfa deu de ombros, mas aceitou o trabalho mesmo assim. Eu teria minha arma de curto
alcance. Agora só tinha que rezar para que fosse capaz de causar danos em Orsted.
— Rudy…
No caminho de volta da oficina, Roxy puxou conversa.
Ela disse: — Não sei com quem você está planejando lutar, mas realmente precisa de uma
arma como essa para derrotá-lo?
— Não não. Tenho certeza de que ficarei bem de qualquer maneira.
Só estava tentando ser reconfortante, é claro. Não funcionou. Roxy estreitou os olhos e fez
beicinho em desagrado. — Você costumava ser um garoto tão honesto e doce, Rudy, mas
ultimamente tudo que tem feito é mentir e esconder coisas de mim.
As palavras doeram bastante. Entretanto, para ser justo, também menti e iludi muitas vezes,
mesmo quando era criança.
— Desculpa, Roxy…
— Ah, tudo bem. Também estou escondendo algo de você, afinal. No entanto, Rudy… pelo
menos estou discutindo esse assunto com pessoas em quem posso confiar. Não estou dizendo que
precisa ser eu, mas espero que esteja confiando em alguém. Não está tentando enfrentar isso
sozinho, está?
— Não. Não se preocupe. Eu ficarei bem.
Tinha uma boa ideia de qual era o segredo de Roxy. Ultimamente, ela não estava me deixando
fazer nada muito… ativo no quarto. Foi, em partes, porque eu não estava pedindo, mas notei que
ela estava me afastando ativamente da sugestão. Tendo em vista o que li no diário, ela
provavelmente estava começando a suspeitar que estava grávida. Ainda não estava com enjoos
matinais, pelo que sabia, mas notei que seu paladar parecia estar mudando.
Quando ela estava planejando dar a notícia? Talvez estivesse esperando pelo segundo
trimestre… ou talvez planejasse ficar quieta até que eu lidasse com minha missão atual.
De qualquer forma, não pude deixar de torcer para que me contasse antes da minha luta
contra Orsted. Dessa forma, poderíamos ter uma grande festa para comemorar.
Pode ser minha última chance de ter uma.
No dia seguinte, fiz uma visita a Nanahoshi.
Meio que esperava ser impedido de entrar na fortaleza flutuante, mas me deixaram entrar
com uma facilidade surpreendente. Dado o quanto ele estava com medo de Orsted, Perugius estava
sendo bastante tolerante comigo.
Acabei perguntando a Sylvaril sobre isso e recebi uma resposta imediata.
— Meio que pensei que não me deixariam entrar depois da última vez, sabe?
— Lorde Perugius sempre mostra grande compaixão por aqueles que vão para a morte. Ele
não tem nenhuma objeção a você se despedir da Srta. Nanahoshi.
Aparentemente, eles já estavam convencidos de que eu iria perder. E também morrer. Estava
sendo autorizado a entrar no castelo como um ato de caridade.
Não estava reclamando, é claro. Era melhor do que ser barrado na porta.
Encontrei Nanahoshi muito mais animada do que antes. Alguém trouxe alguns de seus
pertences da Universidade para cá, então seu quarto estava um pouco menos vazio também. A
estatueta de Ruijerd sentada no parapeito da janela foi presumivelmente um presente de Zanoba
e a pequena cruz decorativa ao lado deve ter vindo de Cliff. Isso foi atencioso da parte dele. Nunca
é demais ter algo para orar quando você está lutando. Nunca tive muito interesse em deuses ou
relíquias em minha vida anterior, mas minhas opiniões sobre o assunto… evoluíram um pouco.
— Então, basicamente, meus preparativos estão indo muito bem. Acho que é hora de falar
sobre como vamos atraí-lo para mim.
— Tudo bem, mas primeiro, como tenho certeza que já sabe, Orsted é extremamente poderoso.
— Eu sei.
— Ele também é implacável. Não tenho certeza de como escolhe seus alvos, mas quando ele
pretende matar alguém, não hesita.
—…
— Passei vários anos viajando com ele e nunca o vi suar em batalha. Ele mata dragões gigantes
em um único…
— Poderia parar de tentar me assustar, Nanahoshi?
— Sinto muito, mas, sendo bem honesta, quero que reconsidere isso. É loucura, pura e
simplesmente…
— Veja…
— Eu sei, eu sei. Sinto muito.
Bem, agora ela me fez sentir ainda mais ansioso do que antes. Eu realmente tinha uma chance
de ganhar aqui?
— O que estou tentando dizer é: não recomendo enfrentá-lo de frente.
— Certo. Claro. Não consigo me ver vencendo ele em uma luta justa, não importa o quanto eu
aumente minha força e velocidade.
— Se eu fosse você, o atrairia para um local específico e depois o atacaria com sua magia à
distância… enquanto me mantenho escondida, é claro.
— Hmm. Mais alguma coisa vem à mente?
— Vamos ver… Ah.
— O quê? Você pensou em alguma coisa?
— Quase prefiro não dizer… mas decidi ajudá-lo, eu suponho.
— Certo…
Nanahoshi engoliu em seco antes de continuar. — Envenená-lo também pode funcionar.
Veneno, hein…
A magia de desintoxicação poderia lidar com uma ampla gama de toxinas, mas havia certas
doenças e venenos que nenhum feitiço conhecido poderia neutralizar. Era difícil saber o quão
eficaz a maioria deles seria contra um monstro como Orsted, é claro… mas tinha que haver algo lá
fora que pudesse prejudicá-lo. Talvez Ariel pudesse me arranjar algo adequado. Tinha a sensação
de que todos na família real Asurana eram bem versados nesse tipo de coisa.
— Ok. Então armo uma armadilha, o enveneno e depois ataco a distância… Ah, certo.
Nanahoshi, posso te usar como refém?
— Uma refém…? Suponho que sim. No entanto, não tenho certeza do quão preocupado Orsted
estaria com minha segurança.
— Sim, esse é um bom ponto… Também não queremos que ele descubra que está trabalhando
comigo. Não há razão para colocar seu pescoço na corda também…
— A-ah. Certo. Nem tinha pensado nisso.
Hum, sim. Não vamos fazer a coisa dos reféns.
O Deus-Homem estava usando minha família como reféns no momento. Eu sabia que era uma
maneira altamente eficaz de manipular alguém, mas também era uma ótima maneira de deixá-los
furiosos e altamente motivados. Isso poderia seriamente sair pela culatra contra você na batalha.
— Alguma outra ideia, Nanahoshi?
— Hmm, eu não sei… Você leu muito mangá no Japão? Havia muitos inimigos poderosos neles,
certo?
— Não acho que essas estratégias serão muito úteis aqui…
Nós dois conversamos por mais algum tempo, tentando pensar em algumas ideias um tanto
promissoras. Todas, sem exceção, eram truques sorrateiros e dissimulados. Era difícil imaginá-los
fazendo alguma coisa contra alguém tão formidável quanto Orsted.
Por outro lado, mesmo as técnicas mais mortais são apenas uma combinação de pequenas
manobras tortuosas. Precisava acreditar que conseguiria alguns resultados com tudo isso.
— Bem, uhm… boa sorte, Rudeus.
— Obrigado.
— Tente voltar vivo, sim? Acho que nunca vou chegar em casa sem a sua ajuda.
Quando saí do quarto de Nanahoshi, tínhamos elaborado nosso plano para atrair Orsted para
mim.
Em seguida, fui até a Ariel para obter ajuda.
Quando expliquei que queria venenos que nenhum feitiço pudesse neutralizar, ela fez uma
careta abertamente, mas mesmo assim, me apresentou a uma organização do submundo local com
a qual ela estava em boas relações.
Esse grupo era maior e mais sofisticado do que um bando típico de bandidos; havia se tornado
algo mais parecido com uma gangue ou uma família mafiosa. O contrabando de drogas era seu
principal negócio, mas também fabricavam e vendiam uma variedade de venenos.
Quando entrei em contato, me encaminharam para uma casa em ruínas em um canto tranquilo
de Sharia, onde fui escoltado para uma sala específica no porão. O ar estava espesso com a fumaça
perfumada.
Meu contato, um homem caolho, já me esperava lá dentro.
— Olá, Sr. Greyrat. Prazer em conhecê-lo.
Não tinha me apresentado, mas o homem claramente sabia quem eu era. Com um sorriso
grande e grosseiro, ele foi direto ao assunto.
— Então me diga, o que posso fazer por você hoje? Quer fazê-los realmente sofrer por um
tempo, ou apenas desmaiarem de imediato? Talvez algo para fazer as pernas ficarem dormentes
ou inchar a língua de algum mago? Tenho uma poção que pode deixar qualquer mulher louca
também. Perfeito para quando as coisas começam a ficar um pouco frias!
Com base nesse discurso, seu inventário variou de venenos a anestésicos e afrodisíacos. Isso
me servia perfeitamente.
— Vou levar tudo o que você tem.
— Ah, tudo? Bem, não estou reclamando, mas isso vai ficar um pouco caro…
— Por mim, tudo bem.
— Uau. Está bem então! Acho que você realmente quer alguém morto… Ah, e aquele
afrodisíaco? Quer esse também?
— Bem…
Um pensamento passou pela minha mente: E se Orsted for imune a venenos?
Matá-lo com um veneno que nenhum feitiço poderia curar era uma ideia bastante simples.
Qualquer um poderia ter pensado nisso. E Orsted foi amaldiçoado a ser odiado por todos que
encontrou. Parecia provável que tivesse algumas contramedidas contra esse tipo de coisa. Talvez
ele fosse naturalmente resistente… ou talvez tivesse algum tipo de poção milagrosa que pudesse
purgar quaisquer toxinas de seu organismo.
— Sim, vou levar isso também.
— Hehehehehe! Muito bem. Quer ver aquela sua belezinha fria e recatada derreter em uma
poça, hein?
— Minha esposa é doce como uma gatinha na cama, na verdade.
— É sério? Estamos falando de Fitz Silencioso, certo? Sendo sincero é meio difícil de acreditar!
Não tinha nenhuma razão real para acreditar que um afrodisíaco funcionaria em Orsted se o
veneno não funcionasse, mas não faria mal tentar. Qualquer coisa que pudesse afetá-lo ou distraí-
lo valia a pena empreender.
Com esse pensamento em mente, comprei tudo o que o homem tinha a oferecer.
Entre todos os meus outros preparativos, também reservei um tempo para explorar campos
de batalha em potencial.
Pretendia lutar com ele sozinho, sem mais ninguém por perto. Isso significava sair da cidade,
é claro. Tinha que ser um local fora dos muros de Sharia, onde provavelmente ninguém iria e que
oferecia oportunidades para montar armadilhas. Fiz algumas pesquisas sobre potenciais
candidatos na Guilda dos Aventureiros; e quando encontrei um lugar que parecia adequado, saí
para estudá-lo pessoalmente.
Também pedi a Elinalise que me apresentasse a um aventureiro conhecido dela, que me deu
palestras detalhadas sobre como montar e criar armadilhas. O aventureiro em questão era
aparentemente um ex-assassino, com conhecimento de muitas técnicas diferentes para atrair
pessoas para a morte. Muitas dessas armadilhas exploravam as fraquezas da psicologia humana
de maneiras diabolicamente inteligentes. Tenho alguma experiência prática com alguns exemplos.
Mesmo sabendo o que esperar, ainda assim acabei tropeçando nelas. Pessoalmente, não estava
convencido de que Orsted cairia em nenhuma delas, mas elas ainda me dariam alguma vantagem.
Em uma nota diferente, Elinalise me deu algumas lições pessoais sobre combate a curta
distância. Ela era uma especialista em lutar na linha de frente de um grupo e mesmo que eu não
dissesse que ela era tão forte em um duelo mano a mano, ela estava viva por muitos anos e tinha
uma riqueza de experiência prática. Em seu tempo como aventureira enfrentou oponentes mais
poderosos do que ela em várias ocasiões. E apesar de suas capacidades físicas relativamente
medianas, saiu viva em todas as vezes. Isso tornava seu conhecimento valioso.
Nesse sentido, era uma pena eu não ter ideia de onde encontrar Ruijerd, considerando tudo
o que ele passou… mas não havia sentido em insistir nisso, realmente. Perugius também não
ajudaria. Eu só teria que administrar.
Ao longo dessas lições e sessões de estratégia, tentei ao máximo visualizar como me
movimentaria e lutaria dentro da Armadura Mágica.
Meu método básico de ataque seria uma enxurrada constante de feitiços de Canhão de Pedra,
disparados dos numerosos implementos mágicos montados em minha armadura. Eu
provavelmente gostaria de estar me movendo para trás, na maior parte do tempo. Mantendo uma
barragem constante de tiros, também poderia desacelerar Orsted com feitiços como Atoleiro e
Névoa Profunda. E se ele eventualmente escorregasse, estaria pronto para me aproveitar disso.
Isso parecia bastante simples. Simples era bom.
Finalmente, deslacrei o porão e rezei em meu altar pela vitória na próxima batalha.
Dois meses se passaram desde que matei aquele camundongo doente. Se as palavras do meu
eu do futuro pudessem ser confiáveis, o vírus ou germe que causou a Síndrome de Petrificação
estaria morto há muito tempo. Ainda assim, pedi a Roxy que não entrasse no porão por enquanto,
e exigi que qualquer um que o fizesse lavasse as mãos e enxaguasse a boca imediatamente depois.
Foi mais para minha própria paz de espírito do que qualquer outra coisa.
Como eu já estava aqui, decidi dar uma olhada e ver se encontrava alguma coisa que pudesse
ser útil contra Orsted.
Os itens mágicos no porão eram principalmente lixo. Eles também foram congelados pelo meu
Nova Congelante há dois meses, mas isso aparentemente não os danificou. Todos pareciam
funcionar como antes. Tínhamos um chapéu que jogava água em sua cabeça quando tentava tirá-
lo; um capacete com uma gema montada na frente que brilhava como uma lanterna quando o
colocava; uma caixinha que soltava nuvens de fumaça quando a abria; uma espada curta com uma
lâmina que se transformava em borracha quando tentasse esfaquear alguma coisa; um par de
sapatos que exalava um odor fétido toda vez que pisasse neles… etc., etc.
Os joguei no porão por via das dúvidas, mas não via como qualquer um deles poderia ser útil,
a não ser como adereços para algum tipo de performance de rua. Talvez aquela caixinha pudesse
fornecer uma cortina de fumaça, pelo menos. Teoricamente. Seria bom substituir de alguma forma
todos os equipamentos de Orsted por essas coisas estúpidas, mas não conseguia ver como
conseguiria fazer isso. Além disso, ele provavelmente os tiraria.
De toda forma, peguei alguns deles aleatoriamente. Nunca se sabe o que poderia vir a ser útil.
Antes de sair do porão, voltei ao meu altar e fiz outra oração silenciosa pela vitória na batalha.
É sempre melhor pedir duas vezes para as coisas realmente importantes.
Todos os meus preparativos estavam se encaixando. E, no entanto, a sensação persistente de
ansiedade no fundo da minha mente nunca desapareceu completamente. Nem por um momento.
O tempo passou, indiferente às minhas preocupações; e logo outro mês se passou.
A Armadura Mágica Mark 1 agora estava completa.
De alguma forma, terminamos o projeto em apenas três meses. Gastei muito dinheiro perto
do fim contratando trabalhadores adicionais para cobrirem as tarefas mais monótonas, o que
definitivamente acelerou as coisas.
Assim como tinha previsto, a coisa acabou ficando com cerca de três metros de altura. No
entanto, toda a sua estrutura estava coberta de placas espessas e grosseiras de armadura que eu
criei, o que lhe deu uma aparência surpreendentemente atarracada e robusta. Não era exatamente
elegante, em outras palavras.
Você entrava pela parte de trás. Havia um buraco em suas costas no formato de um humano,
no qual você basicamente só entrava. Uma vez que a alimentava com mana, ela agiria como uma
extensão do seu próprio corpo, então poderia fechar manualmente a traseira da armadura. Essa
seção também continha um círculo mágico especial que o ejetaria automaticamente pelas costas
se falasse o comando correto.
Montamos a “Metralhadora” no braço direito, o Implemento Mágico modificado agora
disparava automaticamente feitiços de Canhão de Pedra sempre que eu quisesse. Quando o
alimentei com o máximo de mana que pude, foi capaz de disparar meu Canhão de Pedra mais
mortal dez vezes por segundo. Isso reduziria a maioria dos monstros a uma névoa sangrenta em
um piscar de olhos.
Este era meu plano principal para lidar com Atrapalhar Magia de Orsted.
Na mão esquerda, montamos uma Pedra de Absorção. Na maioria das vezes, estava
planejando afastar os feitiços de Orsted com Atrapalhar Magia, mas era possível que não tivesse
tempo se as coisas ficassem muito agitadas. Esta pedra poderia dissipar a magia que já havia sido
completamente formada. Isso me deixaria lidar com quaisquer feitiços que eu não fosse rápido o
suficiente para parar preventivamente. Tive a sensação de que poderia ser útil.
Nós também lhe demos um escudo que poderia servir como uma espécie de arma corpo a
corpo. Eu mesmo não era ruim com uma espada, mas sabia que não poderia competir com Orsted
nessa questão. Concluí que seria melhor focar na defesa à curta distância. E honestamente, bater
nele com uma placa de pedra gigante e pesada pode causar mais danos de qualquer maneira. O
melhor ataque era uma boa defesa. Era o mesmo conceito de um tanque, basicamente.
No entanto, também montei uma das velhas armas de Paul na ponta do escudo. Era a espada
mágica que tinha dado a Aisha, ao invés da que Norn agora possuía. Não sabia se sua capacidade
de ignorar a defesa do inimigo funcionaria em Orsted, mas valia a pena tentar tudo que eu podia.
O resultado final não foi exatamente majestoso.
A Armadura Mágica foi pintada em um padrão de camuflagem, que parecia quase tão fora de
lugar aqui quanto a volumosa Metralhadora em seu braço. O escudo enorme e desajeitado com
uma lâmina na ponta também não tinha muito valor estético.
No momento, a coisa estava de bruços no chão em um campo nos arredores de Sharia. Era tão
incrivelmente pesada que eu teria que entrar e alimentá-la com mana só para ficar de pé.
— Ah! Agora sim, isso é uma armadura temível!
— De fato, de fato. Seu tamanho é bastante imponente.
— Uh, não sei. Poderia ter escolhido algo um pouco mais elegante…
— Concordo, mas para ser perfeitamente honesta, acho que parece absurda.
— É como uma espécie de monstro, Rudy. Não poderia ter escolhido uma cor diferente?
Cliff e Zanoba assentiram com satisfação enquanto examinavam o produto acabado, mas as
mulheres reagiram muito menos favoravelmente. Talvez esse tipo de coisa atraísse mais os
garotos.
Por outro lado, Julie estava estudando com uma expressão bastante satisfeita em seu rosto,
então isso claramente não se aplicava a todas. Se voltasse inteiro, teria que ver o que Aisha e Norn
pensavam.
Bem, tanto faz. Não havíamos projetado essa coisa para ser bonita.
— Certo, todo mundo — disse, virando-me para o grupo. — Acho que é hora de começar o teste
final.
Sylphie, Roxy, Zanoba, Cliff e Elinalise vieram assistir. Julie e Ginger também vieram. Nanahoshi
não estava aqui. Ela concordou em ajudar a atrair Orsted para mim, mas seu objetivo principal
ainda era retornar ao seu próprio mundo. Como precaução para sua segurança, estávamos fingindo
que eu a tinha coagido a cooperar comigo. Por essa razão, ela não poderia ser vista conosco agora.
Ela provavelmente estava estudando magia de invocação com Perugius na fortaleza flutuante
neste momento.
Claro, havia uma chance de que Orsted acabasse matando-a de qualquer maneira, mas
quando mencionei isso, ela assentiu enjoada e aceitou o risco.
— Tudo bem, acho que vou assistir de uma distância segura, então.
Com essas palavras, Roxy foi até as cadeiras que arrumamos para nossos espectadores,
levando Julie com ela. Sua barriga ainda não era visível, mas você poderia vê-la se observasse com
atenção. Ela provavelmente não seria capaz de esconder isso por muito mais tempo.
Esperançosamente ela faria o grande anúncio em breve.
Pensando bem, ir para a batalha com uma esposa grávida esperando por você em casa era
uma maneira clássica de conseguir uma morte trágica…
Ok, não! Nem pense nisso. Quanto mais ansioso você ficar, mais difícil ficará se concentrar.
Eu iria vencer essa luta. Minha esposa teria seu filho e eu daria nome a ele. E então começaria
a fazer o bebê número três. Era assim que meu futuro se parecia! É isso!
— Ok, vou entrar nela agora. Sylphie, Zanoba e Elinalise, quero que vocês três venham até mim
de uma vez só. Cliff, mantenha seu Olho de Identificação ativo e me avise se notar alguma coisa.
— Claro, Rudy.
— Certamente, Mestre.
Sylphie e Zanoba avançaram imediatamente, mas, para minha surpresa, Elinalise ergueu as
mãos no ar e se afastou.
— Desculpe, Rudeus, mas acho que estarei apenas assistindo hoje. Prefiro não me machucar.
Pensando bem, aquele diário dizia que Elinalise havia engravidado em algum momento.
Quando estudei seu físico cuidadosamente, pensei que poderia distinguir o início de uma
protuberância. Tinha sido um pouco impensado convidá-la para lutar comigo.
— Ah, certo. Não gostaria que nada acontecesse com o bebê. Por que você não vai se sentar
com Roxy?
— O quê?! — gritou Cliff. — Bebê?! — Girando, ele olhou para a barriga de Elinalise
intensamente. — Elinalise… você está grávida?
— Bem, minha maldição está inativa há algum tempo… então sim, provavelmente estou.
— Sua maldição está inativa?! Mas nós temos, er, continuado como de costume!
— Isso nós temos.
— Espere, de quem… é… não é o bebê de Rudeus, é?
— Você está tentando me irritar, Cliff?
— M-mas, quero dizer…
— Se é tão difícil de acreditar, por que você mesmo não dá uma olhada? Talvez esse seu Olho
lhe diga alguma coisa.
— O-ok.
Cliff puxou o tapa-olho de lado e se aproximou de Elinalise… e depois mais perto ainda. Ele
acabou com o rosto a cerca de cinco centímetros de seu abdômen inferior. Apesar das aparências,
ele estava tentando olhar diretamente para seu útero. No entanto, este exame de perto não parecia
ser o suficiente, então ele estendeu a mão e começou a subi-la lentamente pela saia.
— Oh nossa. Sabe que estamos em público, querido?
— Poderia ficar quieta por um minuto? — Sibilou Cliff intensamente. — Por favor?
— Tudo bem, tudo bem — respondeu Elinalise, com um pequeno encolher de ombros.
Para ser justo, parecia mais do que um pouco obsceno o jeito que ele estava rastejando sob
aquela saia longa dela. Talvez pudesse tentar algo assim com uma das minhas esposas mais tarde…
Hmm. Sylphie definitivamente ficaria bem em uma dessas.
Isso provavelmente não é algo em que eu deveria gastar meus recursos mentais agora.
— É verdade…
Cliff ressurgiu sob a saia de sua esposa, seu rosto pálido como um lençol. Aparentemente, o
Olho de Identificação poderia servir como um pseudo-ultra-som. Talvez a palavra Grávida tenha
aparecido em sua visão ou algo assim.
— A-agora o quê? O que nós fazemos?!
— Ah, nada em particular.
— Mas isso… não é um processo fácil, é? E há todos os tipos de…
— Cliff, já passei por isso muitas vezes. Vou ficar bem, apenas me deixe lidar com essas coisas
e eu darei à luz a um bebê saudável.
— C-certo…
O rosto de Cliff não estava ficando menos pálido. Ele parecia chocado com a rapidez de tudo.
— De qualquer forma, não foi muito delicado da sua parte, Rudeus — disse Elinalise, olhando
em minha direção. — Roxy deu com a língua nos dentes?
— Não, ela não disse nada. Só tive um palpite, eu acho.
— Entendo. Bem, espero que possa entender o motivo de não preferir me envolver em
nenhuma luta no momento.
— Claro. Me desculpe por isso.
Elinalise, esvoaçando uma mão no ar, caminhou em direção à área de espectadores, onde se
sentou ao lado de Roxy. As duas imediatamente iniciaram uma conversa. Tinha uma boa ideia de
qual poderia ser o assunto, considerando que Roxy estava esfregando a mão na própria barriga.
As duas devem ter engravidado quase exatamente ao mesmo tempo.
Por mais importante que tudo isso tenha sido, no entanto, tínhamos outras coisas nas quais
precisávamos nos concentrar no momento.
— Certo, pessoal, de volta ao trabalho. Vamos começar este teste.
Sylphie e Zanoba assentiram, seus rostos ficando sérios.
Uma hora depois, declarei o teste como completo.
A Armadura Mágica teve um desempenho estupendo. Minha velocidade máxima parecia algo
como duzentos quilômetros por hora, podia pular vários metros no ar com facilidade e meus socos
bateram forte o suficiente para deixarem uma cratera de impacto no chão. Sylphie lutou para
lançar um único feitiço em mim, mas qualquer magia que me atingia apenas rebatia. Nem mesmo
consegui sentir os temíveis socos de Zanoba. Na verdade, ele acabou quebrando a mão na minha
armadura e gritando de dor.
O projeto foi um sucesso. Era capaz de causar dano físico a uma Criança Abençoada como
Zanoba, o que significava que seria capaz de machucar Orsted também. Pela primeira vez, parecia
que consegui atingir meu objetivo completamente, sem estragar nada nenhuma vez ao longo do
caminho. Isso era bom.
Pensando melhor, não poderia levar todo o crédito aqui. Zanoba e Cliff tornaram o projeto
possível.
Talvez isso fosse algo parecido com o que era lutar sob a proteção da Aura de Batalha. Esse
tipo de poder era inebriante. Estava começando a entender o porquê de gente como Perugius e
Atofe terem se tornado tão arrogantes ao longo dos anos.
Será que igualei o nível da batalha o suficiente? Tinha uma chance agora?
Sim. Poderia funcionar… Posso fazer isso.
De uma forma ou de outra, meus preparativos estavam completos.

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Naquela mesma noite, Roxy finalmente fez o grande anúncio.


— Acho que é hora de contar a vocês, pessoal. Parece que estou grávida.
Ela falou um pouco antes do jantar. Norn também estava em casa naquela noite, então toda
a família estava presente.
— Parabéns! Que emocionante!
Lilia foi a primeira a reagir. Embora geralmente mantivesse suas emoções um pouco
escondidas, havia um grande sorriso em seu rosto agora e parecia completamente genuíno. Por
um momento, pensei que poderia ter algo a ver com seus sentimentos sobre a posição de sua
própria filha na família… mas parecia mais provável que Roxy a tivesse consultado com
antecedência. Isso também explicaria o motivo da refeição em nossa mesa de jantar estar um
pouco mais chique do que o normal.
— Parabéns, Roxy.
A reação de Sylphie foi semelhante. Ou Roxy tinha ido até ela para pedir conselhos, ou tinha
um palpite de que isso aconteceria. Ela aceitou a notícia facilmente, com um sorriso caloroso no
rosto.
Por alguma razão, a visão daquele sorriso me atingiu com um flash de déjà vu.
De certa forma, isso foi semelhante ao dia em que Lilia revelou sua gravidez. Havia muitas
diferenças, é claro. Zenith e Lilia estavam aqui e eu não estava exatamente traindo Sylphie com
Roxy. Bem… pode ter começado assim, mas pelo menos conversamos como uma família e
resolvemos. Sylphie aceitou Roxy. Ao contrário do meu velho, não ia levar um tapa na cara da
minha esposa furiosa, ou ver minha “amante” cair em lágrimas. Tínhamos pulado direto para a
parte do final feliz.
— Uhm… Rudy? Você não tem nada a dizer?
Evidentemente um pouco enervada pelo meu silêncio, Roxy se virou para mim com um olhar
apreensivo em seu rosto.
Só havia uma coisa a dizer, é claro.
— Estou incrivelmente feliz. Obrigado, Roxy.
— Hã? Uh… pelo que você está me agradecendo, exatamente?
Roxy inclinou a cabeça para o lado com um sorriso meio confuso. Não pareceu entender minha
reação, mas também não parecia chateada.
— Aí está você de novo, Rudy — disse Sylphie com uma risada. — Ele disse a mesma coisa para
mim quando lhe contei sobre Lucie, sabe?
Eu disse? Sim, talvez tenha dito. Por que essa seria minha resposta padrão, no entanto? Hmm…
— Bem… estou feliz que você esteja grávida do meu bebê e estou feliz que se sentiu à vontade
para me contar sobre isso. Parece uma prova de que você realmente me aceitou, eu acho.
— Pensei que tinha provado isso para você há algum tempo, mas… Wah!
Inclinei-me para frente, peguei Roxy e a puxei para o meu colo. Normalmente tentava não
ficar muito carinhoso com ela na frente de Sylphie, mas hoje seria uma exceção.
— Você me deu todos os tipos de presentes, me ensinou todo tipo de coisa e me ajudou muitas,
muitas vezes. E agora, para completar, vai ter um bebê comigo… Não sei o que dizer além de
obrigado. Estou muito grato por ter conhecido você, Mestre Roxy.
— Deuses. Já faz um tempo desde que você me chamou assim…
Gentilmente, passei minha mão sobre a barriga de Roxy. Ela provavelmente estava no terceiro
mês de gravidez agora; pude sentir um chute. Já tinha passado por isso uma vez com Sylphie, mas
ainda parecia meio surreal.
— Ouça, Rudy. Você é meu marido agora e eu queria ter um bebê com você. Se sentir a
necessidade de me elogiar, acho que algo como “muito bem” ou “bom trabalho” seria mais
apropriado.
— Isso não soaria meio arrogante?
— Vamos lá. Por favor? Não pode me deixar fazer do meu jeito de vez em quando?
— Bem, tudo bem então… B-Bom trabalho, Roxy.
— Hehehe. Oh, não foi nada, realmente.
Enquanto ela falava essas palavras, Roxy pressionou a cabeça contra o meu peito e se
aconchegou. Ela com certeza parecia estar levando isso com calma. Senti como se Sylphie estivesse
um pouco mais nervosa.
Por outro lado, parecia que Elinalise e Lilia sabiam da gravidez de Roxy com antecedência.
Talvez ela tenha se tranquilizado falando com muitas pessoas diferentes sobre sua situação.
Talvez tenha se voltado para elas por causa do quão ocupado estive ultimamente.
A ideia me fez sentir culpado. Estava me transformando em um daqueles pais ausentes,
ocupado demais para prestar atenção em sua família… Embora não fosse como se estivesse
subindo a escada corporativa ou algo assim.
Apertei Roxy com força em meus braços, pressionei meu rosto na parte de trás de sua cabeça
e enterrei meu nariz em seu cabelo. Seu cheiro estava tão maravilhoso como sempre. Realmente
deixou meu coração tranquilo.
— Ugh! Rudeus! — gritou Norn, batendo as mãos contra a mesa para dar ênfase. — Você pode
tentar se conter? Vou perder o apetite!
Quando olhei, vi seu rosto vermelho como um tomate.
— Qual é, dê uma folga para eles — repreendeu Aisha. — Roxy é sempre tão atenciosa, sabe?
Ela merece um pouco de carinho esta noite.
Por alguma razão, ela estava inclinada sobre a mesa com o queixo na mão e um sorriso no
rosto.
— Você só está mal-humorada porque Rudeus não está te dando atenção ultimamente, certo?
— O-o quê?! Não! — gritou Norn. — Eu não estou! Olha, quero dizer, as coisas são um pouco
complicadas, certo? Pense em como Sylphie e Lucie devem se sentir! Só acho que eles deveriam
manter esse tipo de coisa a portas fechadas!
— Ah, você não está me enganando. Sabe, querido irmão, você realmente deveria reservar um
tempo para conversar com Norn. Ela está muito popular na escola ultimamente. Ainda outro dia,
um menino passou em casa para deixar uma carta para ela.
— Aisha! Quem disse que você poderia contar a ele sobre isso?!
Ah, então Norn atraiu seu primeiro enxame de admiradores? Bem, ela era adorável e
esforçada também. Os meninos tinham bom gosto, eu tinha de admitir.
Algum dia, ela provavelmente arrumaria um namorado, se casaria e sairia de casa para
sempre. Queria ser solidário, é claro… mas se ela se apaixonasse por algum playboy ruim, seria
difícil não intervir. Tentei imaginar Norn trazendo para casa um garoto com cabelos loiros
descoloridos, orelhas furadas e uma tatuagem de lágrima sob um olho…
Sua irmãzinha está me ensinando o que é o verdadeiro amor, cara. Podemos, tipo, ter sua
benção?
Hmm. Não parecia muito plausível, felizmente, mas se as coisas acabassem assim, teria que
tentar sorrir educadamente antes de surtar.
— Você já tem alguém de quem goste, Norn?
— A-alguém de quem eu… goste? — Enquanto outro rubor se espalhava lentamente por seu
rosto, Norn se afastou de mim e fez beicinho. — C-claro que não.
Então tinha alguém aí, né? Nada de incomum nisso. Ela estava chegando a essa idade, afinal.
Quem quer que fosse, era um garoto de sorte.
— Certo, entendi. Se as coisas começarem a ficar sérias, certifique-se de trazê-lo para
conhecer a família.
— Você está me ouvindo?!
Uma vez que ela trouxesse o menino para casa, teria que avaliá-lo cuidadosamente no lugar
de Paul. Isso, e distribuir algumas ameaças paternais. As palavras “Você só vai levar minha
garotinha sobre o meu cadáver!” iriam ser berradas em algum momento.
— De qualquer forma, e você, Aisha? Está sempre tagarelando sobre como Rudeus ficará feliz
quando mostrar a ele aquele arroz do jardim!
— Heeey! — gritou Aisha, pulando da cadeira. — Eu ia fazer um grande anúncio sobre isso mais
tarde! Você é horrível, Norn!
— Hum! Estamos quites! — disse Norn, virando-se mal-humorada.
Espera espera. Ela acabou de dizer o que pensei que ela disse?
— Espere, Aisha. Você… colheu o arroz do jardim?!
— Uh… bem, sim. Acho que tem estado um pouco frio demais, então não consegui muito, mas
se eu replantar agora, no outono devemos…
— Replantar?! Isso significa que você colheu sementes de arroz também?! Significa, não é?!
— S-Sim, colhi. Uh, você está… agindo um pouco estranho, Rudeus. Qual é o problema?
— Estou agindo perfeitamente normal, lhe garanto! E no próximo ano?! Teremos outra safra
ano que vem?!
— B-Bem, contanto que você faça mais dessa terra com sua magia, claro…
Gentilmente peguei Roxy e a sentei no chão ao meu lado. Então me levantei, me movi para o
lado da mesa e me ajoelhei a três passos da cadeira de Aisha com os braços abertos.
— Muito bem, Aisha!
— Hã? Uh, eu deveria estar… pulando em seus braços agora, ou algo assim?
Aisha caminhou lentamente em minha direção enquanto olhava repetidamente na direção de
Roxy, então pulou cautelosamente em meu abraço. Agarrei-a de ambos os lados, ergui-a no ar e
comecei a girá-la.
— Uau! É arroz, Aisha! Aaarrooz!
— Uau!
Finalmente poderei comer arroz de novo. Era uma coisa pequena em comparação à gravidez
de Roxy, mas eu amava arroz de verdade. Nada poderia se comparar a um monte grande e gordinho
de perfeição branca e fofa. Especialmente quando combinado com um bom peixe grelhado. Em
breve, poderia tornar esse sonho feliz em realidade.
Enquanto girava Aisha, uma nova onda de alegria se espalhou pelo meu corpo. Roxy e eu
teríamos um bebê. Lucie ia ter um irmão ou irmã mais novo, cerca de dois anos mais novo que ela.
A criança seria metade Migurd, é claro… espero que ela não sofra bullying nem nada. Qual seria a
cor do cabelo dela?
Lucie seria uma boa irmã mais velha? Esperançosamente, eles se dariam bem com Norn e
Aisha também…
Mal posso esperar. Como devemos nomear… Ah, certo. Há um tabu sobre isso, não há…
Um monte de outros pensamentos rodopiaram pela minha cabeça em rápida sucessão, até
que não conseguia mais acompanhá-los.
Após o anúncio de Roxy, tivemos uma pequena comemoração modesta. A comida estava
melhor do que de costume e a conversa ao redor da mesa era alegre e enérgica. Norn nos contou
histórias de suas atividades no conselho estudantil. Aisha relatou alegremente que as pessoas no
mercado da cidade estavam começando a aprender seu nome. Lucie começou a chorar com todo
o barulho e Sylphie a confortou habilmente. Lilia serviu a comida tranquilamente, com um sorriso
gentil no rosto. Zenith comia em silêncio, mas estava claramente de bom humor. Roxy estava de
mau humor depois da minha reação exagerada às notícias de Aisha, então tive que trabalhar duro
para acalmá-la.
Um dos pratos daquela noite consistia em bolinhos de arroz salgados. Aisha tinha feito isso
pessoalmente. Quando lhe perguntei o porquê de ter escolhido bolinhos de arroz em particular,
explicou que Nanahoshi havia lhe ensinado como fazê-los algum tempo atrás. Tive que assumir
que era a única “receita” que ela sabia de cabeça… a garota claramente não tinha passado muito
tempo numa cozinha. Por outro lado, as únicas receitas que consegui lembrar no calor do momento
foram para coisas igualmente básicas, como mingau de arroz e variações simples de bolinho de
arroz.
De qualquer forma, a primeira tentativa de Aisha em fazer bolinhos de arroz feitos à mão
terminou com eles redondos e pequenos. O primeiro plantio foi mais um experimento do que
qualquer outra coisa, então não havia colhido tanto arroz.
Ainda assim, havia o suficiente para todos experimentarem um pouco. Ninguém mais ao redor
da mesa parecia particularmente impressionado com o sabor, mas eu saboreei o meu com alegria.
Aisha trabalhou muito duro para colher aquele arroz e o apertou em uma bola com suas próprias
mãozinhas. Como o resultado poderia ser qualquer outra coisa senão delicioso? Lágrimas
escorriam pelo meu rosto, lentamente mastiguei e engoli cada mordida.
A experiência foi um sucesso. Significava que poderíamos esperar uma colheita maior da
próxima vez. Aisha iria plantar mais arroz do que antes, então os próximos bolinhos de arroz que
fizesse seriam maiores.
No entanto… Não havia garantia de que eu estaria por perto para comê-los.
— Tenho algo que preciso dizer a vocês, pessoal.
Uma vez que todos terminaram sua refeição, finalmente falei, então parei para olhar ao redor
da mesa. Minhas irmãs e minhas mães pareciam assustadas. Minhas esposas pareciam estar se
preparando. Aproveitei para olhar todas elas nos olhos, uma por uma.
— Muito em breve, estarei lutando com alguém. Alguém que é incrivelmente poderoso.
Decidi de antemão não dizer o nome de Orsted explicitamente.
— Tenho certeza que notaram que tenho agido de forma bastante estranha nos últimos dois
meses. Obrigado por não me pressionarem por uma explicação. Sei que não foi fácil para vocês e
lamento não poder explicar em detalhes.
—…
— Há uma boa chance de eu não ganhar essa luta.
Quando falei essas palavras, surpresa e ansiedade passaram pelos rostos de minha família.
Prossegui assim mesmo.
— Esta pode ser minha última refeição nesta mesa de jantar, em outras palavras.
— V-você tem que lutar contra essa pessoa? — disse Norn, claramente abalada. — Não há outra
opção?
— Não. Nenhuma que eu conheça, pelo menos.
O Deus-Homem não apareceu mais desde que me aconselhou sobre como construir a
Armadura Mágica. Conhecendo-o, no entanto, tinha que assumir que estava de olho em mim todo
esse tempo.
— Mas você disse que poderia não ganhar, certo? O que… Por que faria algo assim? Isso não…
— Norn, escute.
Norn era a pessoa mais perturbada e confusa da sala. Isso era perfeitamente compreensível.
Aisha e Lilia ainda viviam sob o mesmo teto que eu, então provavelmente perceberam
que algo estava acontecendo. Suas expressões eram graves, mas não pareciam especialmente
surpresas.
— Se eu não voltar, quero que entre no meu quarto e…
— Se você não voltar?! Por que diria isso?!
Ela tinha um ponto. Eu tinha trabalhado em uma boa linha dramática como algo saído de uma
história, mas por que se preocupar com o ato do herói condenado? Poderia muito bem manter
uma atitude positiva.
— Está bem então. Quando eu voltar, vamos tomar um banho juntos ou algo assim.
— Eu não quero. Tome um sozinho.
Haha, ai! Um clássico da Norn!
— Aisha.
— Sim?
— Se eu não voltar, quero que leve alguns daqueles bolinhos de arroz que fez para Nanahoshi
também.
— Oh…
— Ela vai chorar de alegria, garanto. Uma vez que você der a ela alguns desses, ela fará
qualquer coisa que você pedir.
— Eu realmente não quero conquistar a Srta. Nanahoshi — murmurou Aisha, sua cabeça
ligeiramente inclinada. — Prefiro fazer você me mimar, Rudeus.
Ah, ela é tão doce. Que criança adorável. Terei que comprar um belo presente para ela se voltar
vivo. Acho que ela merecia uma grande bolsa ou um anel de diamante.
— Lilia…
— Sim, Mestre Rudeus?
— Cuide da minha mãe, por favor.
— Certamente irei. No entanto…
— Sim?
— Estarei esperando seu retorno, Mestre Rudeus. Não importa quanto tempo demore.
A voz de Lilia era suave, mas firme. Nós nos conhecíamos há muito tempo, mas ela nunca
conseguiu ser menos formal comigo. Aisha definitivamente era minha irmãzinha, mas parecia que
Lilia não se considerava minha mãe.
— Ei mãe. Você ouviu tudo?
—…
— Tenho que ir em breve, mas estarei de volta.
—…
Achei que podia ver uma pitada de tristeza no rosto de Zenith, mas era difícil dizer. Tinha de
esperar que ela conseguisse expressar suas emoções com mais clareza algum dia.
— Sylphie…
— Sim?
— Cuide de Lucie.
— Certo. Uhm, Rudy… eu…
— Diga. O que é?
— É… não é nada. Me desculpe.
Havia algo na ponta da língua de Sylphie, mas não conseguia adivinhar exatamente o que era.
Eu a amava muito, é claro, mas ela não era fácil de se ler e isso me deixava ansioso às vezes.
Estendi a mão debaixo da mesa e peguei a mão dela com a minha. E então, levando minha
boca ao ouvido dela, falei em um sussurro.
— Uh, Sylphie?
— Sim?
— Honestamente isso pode te irritar um pouco…
— Ok.
— Mas se eu conseguir voltar, vamos ficar muito ocupados.
A cabeça de Sylphie foi para frente com isso. Talvez eu tenha tomado a abordagem errada
aqui?
— Minha nossa! Por que você é sempre tão travesso, Rudy? — sussurrou ela, me batendo
levemente no ombro.
Aproveitei a oportunidade para pegar sua mão e puxá-la para perto.
— Ah!
Foi um beijo repentino e relativamente forte. Sylphie endureceu em surpresa, mas não se
afastou. Ela estava tão fofa hoje. Não que ela não fosse fofa em outros momentos. Sylphie era fofa
por definição. Eu ia voltar para casa, para ela. Quando disse isso para mim mesmo, começou a
parecer verdade.
— Vamos, Rudy… todo mundo está assistindo… Hyaah!
Só para garantir, levei algum tempo para lamber uma de suas orelhas longas e pontudas,
parando para mordiscar suavemente. No momento em que a soltei, havia marcas de mordida
visíveis nela.
— Não se preocupe, eu vou voltar. Apenas seja paciente, certo?
— Certo— murmurou Sylphie, seu rosto vermelho brilhante. — Vou tentar o meu melhor.
Com isso, me virei para a última pessoa na mesa.
— Roxy…
— Sim, Rudy?
— Vamos… dormir juntos esta noite, ok?
— Mas o bebê… Bem, tudo bem.
Ela hesitou brevemente a minha oferta, mas acabou concordando com a cabeça.
Naquela noite, Roxy e eu tomamos nosso banho e fomos para o meu quarto juntos, de mãos
dadas. No ano passado, esse tipo de coisa era o suficiente para me deixar excitado e ansioso para
fazermos, mas sob essas circunstâncias, bem… não havia como eu entrar no clima.
— Tudo bem então. Contanto que você seja gentil, eu…
— Tudo bem, Roxy. Acho que devemos pular isso hoje à noite.
Roxy já tinha começado a tirar a camisola, mas levantei a mão para impedi-la. Ela fez uma
pausa, com as mãos ainda na manga, e inclinando a cabeça interrogativamente.
— Vamos. Sente-se.
Apontei para a cama. Assim que Roxy se sentou, sentei na minha cadeira, em vez de me juntar
a ela.
— Quero dar os detalhes da situação… e explicar o que pode acontecer se eu perder.
— …Por que só eu? E quanto a Sylphie?
—…
— Você está disposto a confiar em mim e em Nanahoshi, mas não nela?
— Como você sabe que eu tenho falado com Nanahoshi?
— É uma teoria de Sylphie, não minha. Estamos conversando sobre a situação há algum
tempo… Existe algum motivo para você não querer que Sylphie saiba todos os detalhes?
— Essa é… uma boa pergunta, na verdade.
Por que estava fazendo isso? Não tinha certeza, mas por alguma razão, não queria contar tudo
a Sylphie. Talvez não quisesse preocupá-la?
Não, não era isso, mas por que, então? Sério, por quê?
Isso era aquela coisa do destino em ação de novo?
— Estou feliz que esteja disposto a me contar, é claro, mas me sinto muito mal por ela neste
momento.
— Sim… você está certa, Roxy. Vou buscá-la agora.
— Fico feliz em ouvir isso.
Roxy estava sempre certa, não estava? Eu tinha tanta sorte de tê-la por perto.
Deixei Roxy no meu quarto por um momento e fui até o quarto de Sylphie. Quando minha mão
encontrou a maçaneta, porém, hesitei por um momento.
Agora que pensei sobre isso, nunca tinha visto Sylphie em uma “noite da Roxy” antes. E se ela
estivesse chorando até dormir ou algo assim? Sylphie sempre disse que estava tudo bem comigo
me apaixonando por outras mulheres. Ela acolheu Roxy na família calorosamente e até aceitou a
possibilidade de Eris se juntar a nós também, mas era possível que se sentisse bem diferente lá
no fundo.
E se ela estivesse chorando agora?
Ou se estivesse martelando pequenos pregos em um boneco de vodu? Ou mordendo um lenço
rendado, sussurrando “Aquela vadiazinha!” para si mesma?
Hmm… Não, vai ficar tudo bem. Certamente minha pequena e doce Sylphie não seria capaz
disso.
— Uhm, Sylphie? Você poderia vir ao meu quarto para…
— Ele apenas mordeu minha orelha, assim! Oh, você deveria ter ouvido o jeito que ele
murmurou Vamos ficar muito ocupados! Eee! O que ele vai fazer comigo? Aposto que vai ser como
naquela primeira noite de novo… O que eu faço, Lucie? Você pode ter um irmãozinho ou irmãzinha
a caminho em breve!
Quando abri a porta, encontrei Sylphie rolando em sua cama com os braços em volta de um
travesseiro, chutando as pernas em excitação feminina. Ela estava falando bem baixinho, mas uma
vez que a porta estava aberta, podia ouvir cada palavra claramente.
Era um pouco difícil acreditar que essa garota já era mãe de uma criança. Por outro lado, era
uma visão extremamente adorável. Fiquei muito tentado a atacá-la. Felizmente, Lucie não estava
no quarto, pois dormia no quarto de Lilia. Contudo, é preciso ressaltar, este quarto não era à prova
de som…
Gah. Controle-se! Roxy está esperando por você, lembra?
— Ah.
Nossos olhos se encontraram. Sylphie parou no meio do rolamento com as costas na cama, a
bunda contra a parede e as pernas esticadas em direção ao teto. Um grande e assustador sorriso
estava congelado em seu rosto.
—…
Num gesto de compaixão, fechei a porta sem dizer uma palavra. Todo mundo faz coisas que
não gostaria que ninguém visse, certo?
— Ei! Não, Rudy! Espera! Você entendeu tudo errado! Não vá!
Movendo-se com velocidade impressionante, Sylphie saltou de sua cama e correu para frente,
pegando a porta pouco antes de fechar completamente.
— Bem, eu não ia a lugar nenhum. Apenas pensei que poderíamos tentar de novo do início.
— O quê? Você não tem que fazer isso. Precisa de alguma coisa? É a noite de Roxy, não é? Oh,
talvez seja um daqueles dias? Você quer que eu me troque?
A garota claramente não estava pensando direito no momento. Parecia pensar que a
menstruação de Roxy tinha começado de repente, apesar de ela estar grávida. Você não a via assim
todos os dias, nem muito frequentemente, na verdade.
No entanto, por mais encantador que fosse, já era hora de colocar as coisas de volta nos
trilhos.
— Queria falar sobre a pessoa com quem vou lutar e o que pode acontecer depois. Você pode
vir ao meu quarto?
Sylphie ficou em silêncio por alguns segundos, então assentiu rapidamente com uma
expressão séria no rosto. Pensei ter visto uma pitada de felicidade em seus olhos também.
Me senti um pouco aliviado, por algum motivo.
A explicação em si não demorou muito.
Sylphie e Roxy ouviram em silêncio enquanto lhes dizia que meu oponente era o Deus-Dragão
Orsted e que tinha recebido ordens de lutar com ele por alguém chamado Deus-Homem, que me
visitava em meus sonhos. Expliquei que, se eu morresse, elas precisariam fazer algumas coisas:
primeiro, considerar Orsted um inimigo, mas nunca desafiá-lo diretamente; segundo, nunca confiar
em nenhum conselho dado pelo Deus-Homem; e terceiro, transmitir ambas as instruções para as
futuras gerações de nossa família.
Também mencionei que, após minha morte, elas deveriam contar ao resto da família tudo o
que eu disse a elas e tentar pensar em maneiras de manter uns aos outros seguros. Fiz o meu
melhor para transmitir a gravidade da situação. Nós três começamos sentados na cama, mas
enquanto a conversa continuava, me encontrei deitado com Roxy e Sylphie aninhadas em cada
lado meu.
— Se eu acabar perdendo, há uma chance de que algo horrível aconteça com Roxy durante a
gravidez. Ou para Lucie, por falar nisso.
— Algo horrível? Uhm, basicamente… você está dizendo que este Deus-Homem pode fazer algo
conosco?
— Sim.
— Ah… agora entendi. Então é por isso que ficou nos dizendo para ficarmos de olho na casa
ultimamente…
Sylphie assentiu para si mesma, parecendo que tinha acabado de resolver um quebra-cabeça.
Tinha a sensação de que ela estava entendendo um pouco mal meus motivos. Isso foi conveniente,
de certa forma, mas talvez precisasse dizer alguma coisa.
— Certo, eu entendo — continuou Sylphie. — Mas sabe, Rudy, posso cuidar de mim mesma! E
você também não precisa me pedir para proteger minha filha. Eu daria minha vida por ela num
piscar de olhos.
— Não se preocupe comigo também — acrescentou Roxy. — Eu me mantive viva por muitos
anos e não pretendo ser descuidada agora. Posso ser mais fraca que você, mas, por favor, não
pense que sou indefesa.
Pensando bem, não conseguia ver uma razão para dizer algo. Ambas estavam um pouco
animadas e isso era bom.
— De qualquer forma, Orsted dos Sete Grandes Poderes é… um grande oponente — continuou
Roxy. — Acha que pode vencer?
— Não tenho certeza — respondi honestamente. — Só lutei com ele uma vez antes.
— E o que aconteceu?
— Ele me superou. Facilmente.
Mesmo depois de todo esse tempo, lembrar daquele primeiro encontro com o Deus-Dragão
fez minhas pernas tremerem. Ele derrotou Ruijerd em um instante, facilmente tirou Eris da luta… e
enfiou sua mão profundamente em meu corpo.
O homem era aterrorizante.
— Rudy, tem certeza que não devemos ir todos juntos?
— Nah, vou fazer isso sozinho. Acho que isso me dá a melhor chance de ganhar. Vou disparar
vários feitiços enormes e destruir suas defesas à distância.
— Isso faz sentido… mas você está tremendo, sabia?!
— Sim.
— Ei! O que… Tire as mãos, Rudy! Pare de tentar me distrair!
Em minha defesa, não comecei a tocar em Sylphie porque queria distraí-la, só queria senti-la.
Se Orsted me matasse, não teria outra chance de tocar nisto, ou nisto aqui também, ou naquilo…
ou nisso, aliás…
— Ah! Vamos. Estamos tendo uma conversa séria aqui, certo?
— Sim.
— Você sabia, Rudy? Lucie está rastejando por todo o lugar agora. Ela pode chegar onde quiser.
— Hmm…
— Lilia disse que ela a lembra do jeito que você era quando bebê.
—…
— Além disso, ela está pegando muitas palavras novas. Nesse ritmo, aposto que ela estará
andando por aí em menos de um ano.
Não estava ajudando muito com a criação de Lucie. Estava deixando isso inteiramente para
Lilia e Sylphie. Ainda assim… sabia o quão incrivelmente fofa ela era, pelo menos.
— Estou realmente ansiosa por isso, Rudy.
— Eu também.
— Se parecer que vai perder, certifique-se de fugir, certo?
— Sim. Não sei se vou conseguir me livrar dele, mas vou tentar.
Lucie já tinha idade suficiente para entender o que estava acontecendo ao seu redor? Se eu
morresse nesta batalha, ela provavelmente nem se lembraria do rosto de seu próprio pai quando
crescesse. Qual seria a sensação? Era difícil imaginar, mas talvez pudesse encontrar uma maneira
diplomática de perguntar a Aisha…
— Rudy…
Roxy tinha falado da minha esquerda. Estendi a mão para apalpar seu peito também, mas ela
agarrou meu braço antes que eu pudesse.
Ooh, isso é uma força de aperto impressionante! Ai. Desculpe. Eu sei, eu sei… estamos tendo
uma conversa séria.
— Uhm… estou feliz por ter conhecido você, Rudy. Estou feliz por me casar com você e ter um
filho com você. Nunca estive mais feliz em toda a minha vida do que estou agora. Para ser honesta,
nunca pensei que encontraria esse tipo de felicidade.
— Certo…
— Mas há uma desvantagem, suponho. Se você sair e se matar, vai me deixar mais triste do
que nunca.
— Certo…
— Uhm, é um pouco embaraçoso dizer esse tipo de coisa, mas…
Roxy parou por um momento, respirou fundo e então terminou sua frase.
— Por favor, me faça feliz, Rudy.
Não tinha tomado a decisão errada, afinal. Iria lutar por Roxy e por Sylphie.
Precisava lutar por essas duas e depois voltar para casa e para minha família.
Todas as minhas dúvidas tinham finalmente evaporado.
Alguns dias depois, com todos os meus preparativos finalmente completos, parti da Cidade
Mágica de Sharia.
Estava completamente sozinho.
A dois dias ao norte a nordeste da cidade de Sharia, havia uma aldeia abandonada que tinha
sido engolida pela floresta.
Há cerca de quarenta anos, uma catástrofe mágica fez com que a floresta local se expandisse
rapidamente. A aldeia foi rapidamente invadida, forçando seus habitantes a se mudarem. Nas
décadas seguintes, os únicos visitantes deste lugar foram os monstros que percorriam a floresta e
aventureiros ocasionais que vinham caçá-los.
Hoje, no entanto, um homem estava indo em direção a essa aldeia – um homem com cabelos
prateados e olhos dourados, que usava um casaco de couro branco. O homem monitorou seus
arredores em alerta enquanto se aproximava de seu destino. Ele não estava a cavalo ou montado
em uma carruagem; ele estava simplesmente caminhando, andando calmamente pela floresta. Às
vezes, seus olhos afiados e intensos olhavam para um objeto semelhante a uma bússola em sua
mão esquerda.
Nenhum monstro se aventurou a atacá-lo. Muitos olhos brilhantes o espiaram das
profundezas da floresta, mas quando ele se aproximou, até as criaturas mais ferozes fugiram como
esquilos assustados.
— É isso?
Ao chegar nos arredores da aldeia abandonada para onde sua bússola apontava, o homem
fez uma pausa e a estudou em silêncio por um momento.
— Por que ela me chamaria para um lugar como este…?
Lentamente e cautelosamente pôs os pés na cidade em ruínas. Suas ruas outrora limpas
estavam cobertas de ervas daninhas e seus campos agora eram matagais. Grandes árvores subiam
pelos telhados de casas vazias; outras estavam tão cobertas de trepadeiras que se assemelhavam
a grandes montes verdes de vegetação.
Logo, o homem parou mais uma vez. Ele chegou ao centro da cidade, onde um poço
presumivelmente teria sido localizado, porém uma estrutura distinta estava lá: um edifício alto e
amarelo em formato cilíndrico, e era a única coisa em toda a cidade que não tinha nenhum vestígio
de vegetação nele. Pela condição de suas paredes de pedra e sua porta da frente, claramente havia
sido construída recentemente.
O homem olhou para a bússola em sua mão esquerda e confirmou que sua agulha apontava
diretamente para esta torre. Ele estendeu a mão para a maçaneta com certa cautela.
— Nanahoshi, você está aí?
O interior da torre era extremamente simples. Não havia janelas ou corredores. O chão estava
estranhamente escorregadio, como se estivesse coberto de algum tipo de óleo. Alguém havia
deixado uma série de sacos de estopa protuberantes e algo como um queimador de incenso contra
a parede. O cheiro estranho no ar parecia indicar que o queimador estava em uso ativo.
— Que lugar é este?
Olhando ao redor da sala, o homem avistou outra porta na parede em frente a ele. Com
cautela, mas sem hesitar, caminhou até ela e alcançou a maçaneta. Ao fazer isso, sentiu uma
pequena pontada de dor. Quando ele examinou a palma da mão, no entanto, não havia nem uma
mancha de sangue.
— Hm…? Estou imaginando coisas?
Ele entrou pela porta e se viu em uma sala com um layout idêntico ao primeiro. Dado que
estava sentado em uma encosta, parecia que uma parte deste edifício era realmente subterrânea.
O homem estava cada vez mais desconfiado, mas mesmo assim avançou. Placas com
mensagens como “Por favor, remova seu calçado aqui” e “Todos os hóspedes, por favor, coloquem
este chapéu” foram postados nas paredes; naturalmente, ele ignorou suas instruções e continuou
com mais cautela do que antes.
Algumas das portas estavam equipadas com armadilhas tão pequenas que poderiam ter sido
destinadas a ratos. Evitando-as cuidadosamente, continuou, passando por um cômodo após o
outro.
Eventualmente, chegou a uma sala muito estranha. Era alta, circular e não tinha teto algum.
Quando olhou para cima, podia ver uma fatia do céu acima dele. Parecia que ele estava parado no
fundo de uma chaminé.
— O que está havendo aqui?
Duvidoso, o homem franziu a testa, mas a agulha de sua bússola apontava para o centro da
sala. Uma pequena caixa estava ali com uma única folha de papel embaixo dela. Ele se aproximou
cautelosamente e olhou para o papel. Havia duas palavras escritas nele:
Deus-Homem.
Ele rapidamente pegou a caixinha e a abriu.
— Hã?!
Grandes nuvens de fumaça imediatamente saíram dela.
Quando ele a deixou cair e assumiu uma postura defensiva, o homem ouviu um
pequeno tilintar metálico. Um anel de prata havia caído no chão ao lado da caixinha, que de
alguma forma ainda soltava fumaça com uma intensidade notável.
O anel provavelmente havia saído da caixa quando bateu no chão. Por alguma razão, piscou
com uma luz vermelha fraca – e a agulha de sua bússola apontou diretamente para ela.
— Nanahoshi?
O homem estendeu a mão para pegar o anel.
Uma fração de segundo depois, houve um grande clarão no céu.
— Guh!
O homem imediatamente se impulsionou, tentando pular para o lado. Mas o piso escorregadio
se recusou a cooperar. As solas de suas botas perderam completamente o controle.
Um enorme raio atingiu o Deus-Dragão Orsted.
Rudeus
A partir do meu acampamento acima da aldeia abandonada, olhei atentamente para o local
que atraí Orsted. No exato instante em que vi aquela fumaça subindo no ar, disparei um relâmpago
no local do alvo com todo o poder que pude reunir.
Estava confiante de que tinha o acertado. Pratiquei muitas vezes em preparação para este dia,
e revesti o chão com óleo vegetal para que ele não pudesse escapar do meu feitiço no último
momento.
Mas, claro, um golpe não seria suficiente para derrubá-lo. Ninguém tão frágil poderia ter
ganhado uma reputação como o mais forte do mundo – não com monstros como Atofe por perto.
Enfiei meu cajado no chão, alimentei-o com uma onda de mana e visualizei uma enorme
nuvem de trovão – uma supercélula escura e turbulenta. Este era o feitiço Classe Santo de Água,
Cumulonimbus. Em um instante, o céu estava coberto por uma grande nuvem negra. Fortes chuvas
começaram a cair, acompanhadas de relâmpagos.
Coloquei mais energia em meu cajado. Podia sentir que isso arrastava a mana para fora de
mim de algum lugar profundo dentro do meu corpo, e deixei isso ocorrer livremente.
Desta vez, imaginei gelo. Visualizei parando os movimentos de cada molécula no centro da
cidade, baixando a temperatura rapidamente.
Nova Congelante.
Era um feitiço que já usei muitas vezes, mas nunca com tanto poder, ou em uma área tão
ampla. Uma após a outra, as gotas de chuva caindo sobre a aldeia congelaram. Camadas sobre
camadas de gelo se formaram rapidamente, consolidando-se em um único objeto gigante.
Finalmente, quando atingiu o tamanho de um iceberg, parei meu feitiço.
Ainda não tinha acabado. Canalizei mais mana para o meu cajado e criei uma rocha no céu
acima da aldeia. Ignorando o custo de mana, expandi constantemente seu tamanho até que fosse
grande demais para escapar – depois a lancei direto para baixo, com toda a velocidade que pude
transmitir.
A rocha caiu em uma fração de segundo. O chão tremeu sob meus pés. Um instante depois,
um grande estrondo atingiu meus ouvidos, seguido por ventos ferozes e uma onda de choque.
Protegi meus olhos com meu braço e olhei para minha obra. O iceberg havia sido quebrado e
dois terços da grande rocha estavam incrustados na terra. Parecia impossível que algo pudesse ter
sobrevivido a tal impacto.
— Eu o peguei?
Não houve nenhum movimento na aldeia. Parecia possível que isso realmente tivesse
acabado. Eu certamente esperava que sim.
Mas um instante depois, a grande rocha se quebrou.
— Ei!
De alguma forma, pude sentir a raiva assassina do homem, mesmo a esta distância.
Um arrepio percorreu minha espinha. Minhas pernas tremiam fracamente e lágrimas se
formaram em meus olhos.
Assim que pude me mover, pulei na Armadura Mágica, que estava pronta ao meu lado. Assim
como pratiquei centenas de vezes, dei energia a todos os seus componentes individuais, assumi o
controle de seus membros e estendi a mão para agarrar meu cajado. Não demorou nada, mas, de
alguma forma, a raiva já estava se aproximando.
Com a rotina de inicialização concluída, voltei meu foco para o próximo ataque.
Mana saiu de mim, através da minha armadura, e entrou no cajado na minha mão direita.
Estimulei a torrente, com toda a intenção de me secar.
Estava visualizando uma explosão nuclear.
Apontando meu cajado na direção do meu inimigo, soltei o feitiço com toda a ferocidade que
pude reunir.
Houve um clarão intenso no centro da aldeia, e uma onda de calor e luz varreu o chão. Pelo
canto do olho, vi árvores incineradas em um instante, reduzidas a sombras carbonizadas de si
mesmas. Uma poderosa onda de choque seguiu um momento depois.
A Armadura Mágica que usava pesava várias toneladas. Ela suportou o calor e a onda de
choque sem ao menos tremer.
Uma vez que a onda de devastação passou completamente por mim, olhei para baixo em
direção à aldeia. Uma enorme nuvem de cogumelo estava subindo sobre ela. Não conseguia ver o
chão claramente sob toda a fumaça e poeira, mas alimentei aquele feitiço com mana suficiente
para destruir tudo em seu raio. Foi provavelmente o ataque mais poderoso que já usei na minha
vida.
—…
E ainda assim, não conseguia parar de tremer de medo.
Ainda podia sentir aquela raiva, e estava muito, muito mais perto agora. Ele estava se
aproximando de mim a uma velocidade feroz. Estávamos tão distantes no início, mas agora ele
estava quase em mim.
Apertei minha mandíbula para impedir que meus dentes tremessem, apertei minhas mãos
trêmulas com força e depositei meu cajado no suporte nas minhas costas. Então coloquei minha
Metralhadora no meu braço direito, e peguei meu escudo com a minha esquerda.
— Hoo… Haa… Aah…
Quando parei para respirar fundo, percebi que até minha garganta tremia.
Suprimindo à força o medo e a ansiedade que se erguiam dentro de mim, apontei minha
Metralhadora em direção à nuvem de poeira que se aproximava rapidamente da minha posição.
— Hoo! Haa!
Eu precisava manter a iniciativa. Se o deixasse controlar o ritmo, estava acabado.
Causei algum dano a ele? Os venenos na porta, ou o queimador de incenso afrodisíaco, ou
qualquer uma das outras armadilhas tiveram algum efeito? Coloquei todo o poder que pude
naqueles quatro feitiços com os quais acabei de atingi-lo. Se eles o tivessem deixado totalmente
ileso, era difícil imaginar que essa pseudo-Metralhadora o arranharia. Mas, por falar nisso, meus
feitiços chegaram a acertar? Certamente ele não poderia ter evitado eles. Sua área de efeito tinha
sido enorme; eu os tornei tão enormes e mortais quanto possível. E os disparei de tão longe que
não poderia tê-los visto chegando, mesmo com um Olho da Previsão. Não importa que tipo de Olho
Demoníaco possua, a essa distância…
Uma silhueta humana se aproxima.
— Atiraaaaaar!
Gritando a palavra de comando, ativei a Metralhadora na minha mão direita. Quando a mana
fluiu para dentro dela, imediatamente começou a disparar Canhões de Pedra a uma velocidade
feroz. Tantas ‘balas’ cortaram o ar que o som de seus assobios se transformou em algo como um
grito.
Os pedaços de rocha que se moviam rapidamente atingiram seu alvo, soprando a nuvem de
poeira que o cercava e revelando um homem de cabelos prateados em uma capa surrada com seu
rosto coberto de fuligem.
Ele se machucou? Meus feitiços fizeram alguma coisa?
Sim. Podia ver sangue escorrendo de seu queixo, e algo como uma queimadura na base de
seu pescoço. O dano foi pequeno até agora, mas consegui machucá-lo.
— Guh!
Nossos olhos se encontraram. Seu olhar afiado, como um falcão, estava fixo em mim agora.
Ele tinha a aparência de um caçador que finalmente encontrou sua presa.
Ele se esquivava na tentativa de escapar do bombardeio de pedras.
Mantendo meu Olho da Previsão totalmente ativado, concentrei-me em antecipar os
movimentos do Orsted. O homem era incrivelmente rápido, então eu estava vendo uma série de
possibilidades borradas e sobrepostas. Ainda assim, tentei ajustar minha mira para cortar suas
tentativas de evitar meu ataque.
O tempo de viagem para cada projétil individual atingir seu alvo era praticamente inexistente.
Mas de alguma forma, Orsted os evitou como se os visse chegando, gradualmente se aproximando
de mim no processo.
Um passo aqui. Dois passos lá.
Olhando para mim tão ferozmente quanto uma ave de rapina, ele estava vindo lentamente,
mas firmemente fechando a distância entre nós. De vez em quando, um Canhão de Pedra o roçava,
e ele fazia uma leve careta, mas era só isso. Ele parecia convencido de que mesmo um golpe direto
não seria fatal; aparentava não ter medo.
Ao que tudo indica, meus ataques não eram nada de especial para ele. De todas as aparências,
ele lutava contra pessoas como eu regularmente.
Me senti muito diferente. Sua calma e foco parecidas como um zumbi eram aterrorizantes de
testemunhar. Tinha uma sensação crescente de que nenhum dos meus ataques funcionaria nele,
e era uma luta de não ceder ao desespero.
Ainda assim, estava mantendo a vantagem por enquanto.
Tentando muito me convencer disso, comecei a me mover em resposta a Orsted. Quando ele
deu um passo à frente e à direita, me movi para trás, para a esquerda. Quando ele ziguezagueou
para a esquerda, recuei para a direita. Aonde quer que ele tentasse ir, eu o encontrava com uma
saraivada de pedras. Enquanto pudesse continuar com isso, ele nunca se aproximaria. Eu tinha a
vantagem. Estava indo exatamente como tinha visualizado.
Em uma tentativa de aumentar a pressão, usei minha mão esquerda para lançar um feitiço.
Meu alvo era o chão sob nossos pés, e a magia que eu tinha em mente era Atoleiro.
Moldando rapidamente o feitiço familiar, levantei a mão para ativá-lo, mas naquele mesmo
instante, Orsted também levantou a mão esquerda para mim.
— Interromper Magia!
Minha magia totalmente formada foi reduzida a um emaranhado caótico por uma súbita onda
de poder externo. O feitiço começou a desaparecer em uma nuvem sem sentido de mana.
— Argh!
Mas eu a refiz forçadamente, puxando os fios de volta ao seu devido lugar.
Eu era capaz disso agora. Finalmente aprendi a fazer isso. Enquanto ensinava Sylphie a usar
Interromper Magia, também estava me treinando para neutralizá-la: completar um feitiço, mesmo
depois de ter sido arruinado. Todas aquelas horas de prática valeram a pena por este momento.
Os olhos de Orsted se arregalaram de surpresa. Foi a primeira vez que ele viu seu Interromper
Magia falhar…
Uau.
No instante em que meu Atoleiro tornou o chão sob seus pés em lama, Orsted usou um feitiço
próprio para sobrescrevê-lo. Ele cobriu meu pântano completamente com uma placa de barro.
E agora, sua mão direita estava apontando diretamente para mim. Eu respondi rapidamente
com meu próprio Interromper Magia.
Uma luz brilhante apagou o mundo.
Um choque de medo correu através de mim. Pausando meu bombardeio da Metralhadora por
um instante, pulei para o lado com todas as minhas forças.
Posso ver o mundo de novo.
Agora havia uma cratera profunda e considerável no local onde Orsted estava mirando. Eu
nem tinha visto o ataque em si. Foi algum feitiço de Fogo? Ou talvez algo mais estranho, como
magia de Gravidade?
Aquela luz que eu tinha visto agora era a morte?
Não havia tempo para pensar. Orsted estava correndo para mim com uma mão estendida. O
Interromper Magia não funcionaria; ele podia neutralizá-lo, assim como eu.
Apontei as duas mãos para ele, canalizando mana através delas simultaneamente. Minha
intenção era parar o avanço do Orsted com a Metralhadora, enquanto também cancelava sua magia
com a Pedra da Absorção, mas assim que coloquei esse plano em ação, percebi meu erro.
O feitiço do Orsted se dissipou. Mas, ao mesmo tempo, meus projéteis de pedra também se
dissolveram em nuvens de areia quando deixaram minha arma.
Aproveitando esta breve janela de oportunidade, Orsted se aproximou rapidamente. Com a
mão direita ainda estendida em minha direção, puxou o braço esquerdo de volta para a cintura,
depois o balançou violentamente em direção ao meu coração.
— Argh…!
Por puro instinto, tomei medidas evasivas. Usando as duas pernas ao mesmo tempo, me lancei
diretamente para trás com toda a força e velocidade que pude reunir.
— Guh!
Não fui rápido o suficiente.
O punho do Orsted bateu no meu peitoral. Um som de assobio encheu o ar, e eu o vi encurtar
a distância a uma velocidade feroz. Logo o assobio deu lugar a um estrondo, mastigando ruídos
atrás de mim, e o mundo estava cheio de árvores dançantes.
Ah. Então é assim que se sente ao ser acertado com tanta força.
Assim que esse pensamento passou pela minha mente, bati em uma árvore enorme,
interrompendo meu voo. A desaceleração repentina me atingiu como um martelo; parecia que
todos os meus órgãos internos haviam sido esmagados.
Minha visão começou a escurecer, mas me recuperei rapidamente. Os círculos mágicos que
Cliff havia esculpido no interior da minha armadura curaram minhas feridas automaticamente.
Quando olhei para o meu peito, no entanto, descobri que meu peitoral estava muito amassado
e quase rachado ao meio. A rachadura estava se reparando gradualmente, mas o processo era
dolorosamente lento.
Ainda assim, pelo menos me protegeu de um golpe. Foi uma coisa boa eu ter tirado um tempo
para fazer essa peça da armadura particularmente grossa e forte.
Aquela raiva assassina familiar já estava me dominando novamente. Orsted estava correndo
direto para mim, tentando dar um golpe final. Ativando rapidamente minha Metralhadora, disparei
uma saraivada de pedras mortais em sua direção. Ele se esquivou agilmente e estendeu a mão
direita para mim mais uma vez.
Nesse ritmo, as coisas iam se desenrolar como da última vez. É um grande problema. Minha
armadura foi severamente danificada por um único golpe – se ele acertasse mais em mim, acabaria
por dar um soco direto nela.
Quais eram minhas opções? Duelar com ele usando magia não ia funcionar. Poderia cancelar
seu Interromper Magia, mas o homem claramente tinha alguns meios de resistir a danos mágicos,
assim como Moore. E eu nem sabia que tipo de feitiços ele estava jogando em mim.
Eu estava em desvantagem em uma luta à distância. Isso significava que eu teria que tentar a
minha sorte a uma distância mais próxima. Era a única opção que me restava.
Tive que confiar no poder da Armadura Mágica. Tinha que derrubá-lo com minha força bruta.
Disparei outro bombardeio da minha Metralhadora para manter Orsted preso e avancei,
soltando um grito de batalha silencioso.
— Raaaaaah!
— Ngh!
Orsted puxou a mão direita para trás para se preparar para o meu ataque. Conduzindo com o
escudo no meu braço esquerdo, me endireitei com as duas pernas. Minha intenção era bater nele
como um aríete.
Orsted assume uma postura Estilo Deus da Água.
No instante em que vi isso com meu Olho da Previsão, balancei meu escudo para frente,
atacando em sua direção com a lâmina montada em sua ponta. Esta era uma espada que causava
mais dano aos inimigos com defesas poderosas. Talvez funcionasse.
Meu corpo bateu em Orsted com um estrondo alto e metálico. Parecia que tinha batido contra
uma parede. Mas o impacto o fez voar para trás; e havia sangue jorrando de seu braço. Seus olhos,
ainda fixos em mim, estavam ardendo de ódio e raiva.
Esta era a minha chance. Colocando minha Metralhadora em posição, rapidamente disparei
um bombardeio de pedras. Elas bateram nele no ar, rasgando o que restava de suas roupas e
revelando um corpo machucado e espancado por baixo. Havia queimaduras, cortes e arranhões
por todo o corpo. Meus canhões de pedra atingiram sua pele exposta repetidamente, enviando
jatos frescos de sangue para o ar.
Finalmente, Orsted bateu no chão com um forte estrondo.
Eu poderia fazer isso. Eu poderia matá-lo. Contanto que pudesse acertar golpes diretos, meus
feitiços poderiam causar muitos danos. Sim, as pedras ricochetearam nele, mas rasgaram sua pele
e o deixaram sangrando. Eventualmente, isso seria o suficiente para matá-lo. Se eu pudesse
machucá-lo o suficiente agora, antes que ele…
— Parece que não tenho escolha.
De alguma forma, o ouvi dizer essas palavras. Mesmo à distância. Mesmo enquanto minhas
pedras gritavam no ar.
Naquele instante, o ar esfriou. Meu corpo estremeceu incontrolavelmente, como se de repente
tivesse pisado em uma tundra gelada. E então meu Olho da Previsão parou de ver Orsted, embora
ele fosse claramente visível para o meu outro olho.
Antes que eu pudesse entender o que isso significava, ele desapareceu completamente.
— Ei!
Atingido por um súbito e intenso choque de terror, dei um salto para a direita.
Naquele momento, houve um estrondo agudo do meu lado esquerdo.
Quando olhei, vi Orsted parado ao meu lado com uma espada parecida com uma katana nas
mãos. Sob todos os aspectos, ele tinha acabado de balançá-la.
Eu também vi a mão esquerda da minha armadura, cortada de forma limpa de seu braço, cair
no chão com um baque pesado.
— Graaaaaaaaaaahhh!
Antes que eu pudesse reagir, Orsted soltou um grito assustador e ensurdecedor. A força do
grito deixou meu corpo atordoado e entorpecido. Esta era a magia vocal, a especialidade do povo-
fera.
Por um instante, vacilei à beira da inconsciência. Mas no último momento, consegui me
recompor e pular para o lado.
Impulsionando o chão com tanta força que deixou uma cratera em seu rastro, Orsted saltou
atrás de mim em perseguição.
Virei minha Metralhadora para ele. Mas assim que eu estava ativando, ele balançou a espada
pela segunda vez, cortando-a ao meio. Pedaços quebrados dos implementos mágicos caíram
inutilmente no chão.
Eu ainda tinha meu braço direito, pelo menos. Havia uma ranhura longa e profunda na
superfície de sua armadura, mas ele não estava perto o suficiente para cortá-la completamente.
Orsted estava bem na minha frente agora com sua espada ainda baixa de seu ataque.
Imediatamente canalizei mana na minha mão direita. No mesmo momento em que disparei minha
versão mais forte do feitiço Elétrico, balancei meu punho blindado implacavelmente em seu rosto.
Mas, em vez de acertar com um estalo, senti meu golpe deslizar inofensivamente para longe
de seu alvo.
De alguma forma, a espada do Orsted estava pressionada contra meu braço. E atrás dele, a
eletricidade explodiu ruidosamente pela floresta, incendiando a vegetação rasteira e quebrando
grandes árvores.
Ele redirecionou meu feitiço e meu soco.
No momento em que finalmente entendi isso, sua espada se moveu ligeiramente.
— Gaaaagh!
O braço direito da minha armadura caiu no chão com meu braço real ainda dentro dela.
A dor era esmagadora, mas eu nem tive tempo de fazer careta. Mesmo enquanto ele seguia
em seu ataque, Orsted continuava pressionando o ataque novamente.
Não pude responder. Não pude nem me preparar.
Seu chute me acertou bem no estômago. Um grito metálico horrível soou em meus ouvidos.
Fui levantado brevemente do chão. Toda a força de seu ataque havia passado direto através da
armadura para o meu corpo.
— Bleeergh!
O golpe no meu estômago enviou sucos gástricos pela minha garganta e pela minha boca.
Minha visão estava turva de lágrimas. Mas quando caí pesadamente de costas, apontei o cotoco
do meu braço direito para Orsted e disparei uma onda de choque nele.
Orsted balançou a espada no ar. Ouvi um estrondo enquanto ele fazia isso, mas essa foi sua
única reação ao meu ataque. Quando percebi que ele havia cortado a onda de choque, seu pé havia
esmagado meu rosto. Meu pescoço rangeu ameaçadoramente, e um choque de dor intensa correu
da minha cabeça até meus ombros.
—Nh…?!
Sem nem perceber, caí no chão. Depois de me levantar apressadamente para uma posição
sentada, consegui me levantar – apenas para ver Orsted parado bem na minha frente com sua
espada erguida.
Eu ia morrer.
— Expurgar!
Por puro reflexo, consegui gritar a palavra de comando. Os painéis traseiros da Armadura
Mágica saltaram instantaneamente, puxando-me junto com eles. Uma fração de segundo depois,
Orsted cortou a armadura vazio ao meio.
Bati no chão com força e meu corpo caiu por algum tempo antes de finalmente parar.
Não conseguia ver o que Orsted estava fazendo. Eu estava sem opções. Estava tudo acabado.
— Ai!… caaagh…
Meu corpo inteiro estava cheio de dor. O homem só me chutou algumas vezes através
da minha armadura, mas parecia mais que eu tinha sido espancado com um bastão por horas. Meu
peito dói. Meu estômago dói. Meu braço direito dói. Meu pescoço dói. Minhas costas doem. Era
doloroso apenas respirar. Por alguma razão, mal conseguia me mover. Me senti mais exausto do
que nunca em toda a minha vida.
Oh. É assim… que se sente… quando sua mana acaba?
— Aah… haah…
Os olhos de Orsted se voltaram para mim.
Me encolhi de medo. Minha armadura se foi. Tinha que correr, ou ele me mataria aqui e agora…
Espera. Meu braço direito. Onde está meu braço direito?
— Guhhh…
O chute acertou antes mesmo de eu vê-lo se mexer. Caí para trás com meu corpo gritando em
agonia.
Caí de bruços na terra. Lutando para respirar, virei de costas – e um pé bateu no meu peito.
— Nrrgh…
Um gemido de dor saiu da minha garganta.
Meu corpo parecia estar queimando. Mas havia algo frio pressionado contra minha garganta.
Olhando para cima, vi que era a espada do Orsted.
Droga. Eu realmente vou morrer. Tudo isso, e ainda não foi o suficiente…
— Então é você, Rudeus Greyrat. Da última vez que soube, você tinha sossegado e começado
uma família. Por que viria atrás da minha cabeça?
Parecia que Orsted não pretendia me matar imediatamente. Talvez fosse porque ele já havia
poupado minha vida uma vez. Ou talvez soubesse que eu não era capaz de continuar a luta.
— O Deus-Homem… disse…
— Hmph. Então você é um dos discípulos dele, afinal. Morra, então.
Ele tirou o pé do meu peito e ergueu a espada.
— Ele disse… que você está tentando destruir o mundo, e meus descendentes vão ajudá-lo a
te matar um dia…
Orsted fez uma pausa ao ouvir isso.
— O quê?
— O Deus-Homem me disse… ele está lutando contra você porque quer proteger o mundo.
—…
— Ele disse que se eu te matasse, não machucaria meus filhos… ou minha família…
Virei-me de barriga para baixo e estendi a mão em direção ao pé do Orsted. Agarrando-me a
ele, esfregando meu rosto contra ele, comecei a implorar com uma voz alta e desesperada.
Isso era a única coisa que eu podia fazer agora.
— Por favor… não destrua o mundo. Você pode me matar, não me importo. Só não leve meus
filhos… Não tire o futuro deles! Por favor, isso… Esta é a primeira vez que eu… fui tão feliz. Por
favor, deixe o Deus-Homem em paz. Eu te imploro!
Lágrimas escorreram pelo meu rosto. Eu era um fracasso impotente, e agora até perdi minha
dignidade.
Patético. Apenas patético. O que há de errado comigo, droga?
— Não posso fazer isso, estou com medo.
No momento em que ouvi essas palavras, mordi ferozmente o pé do Orsted.
— Fgaaaaaah!
Ao mesmo tempo, levantei o coto sangrando do meu braço direito do chão, canalizei toda a
minha mana restante para ele e ordenei que explodisse.
Se eu tivesse que morrer, pelo menos eu levaria esse desgraçado comigo.
— Interromper Magia!
Um chute forte me fez voar. Com meu foco quebrado, a mana que reuni se dissipou
inutilmente. Era uma luta apenas para ficar acordado agora. Se eu usasse mais mana neste
momento, poderia dizer que ficaria instantaneamente inconsciente.
— Você pode possuir o Fator de Laplace e a enorme quantidade de mana que vem com ele.
Mas lançar tantos feitiços poderosos em rápida sucessão ainda o drenará.
Enquanto falava, Orsted se abaixou e estendeu a mão para mim.
Eu vou morrer. Ele vai me matar. Mas se eu morrer, ele não morrerá.
E se ele não morrer… então Lucie morrerá. E Roxy. E Sylphie. Não posso deixar isso acontecer.
Não posso deixá-lo me vencer. Eu preciso ganhar!
Mas meu corpo não se mexe. E estou sem mana.
O sangue pulsava constantemente para fora do meu braço cortado. Meus pensamentos
estavam ficando vagos e lentos. O mundo parecia estar ficando mais escuro.
A mão do Orsted se aproximou até ser tudo o que pude ver.
Droga. Droga.
Dane-se…
Eu deveria ter escolhido um nome, pelo menos.

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— Hrm?!
De repente, Orsted saltou para longe de mim.
— Mm…?
Olhando para cima, descobri que outra pessoa tinha ficado entre nós. Era uma mulher alta de
calças escuras e uma jaqueta elegante. Em sua mão, segurava uma espada de uma mão com uma
lâmina prateada. Mas ela estava de costas para mim, então eu não podia ver seu rosto.
Ah, espera. Reconheço esse cabelo…
Estava ondulado, descia até a cintura dela – e era um tom vibrante e ardente de carmesim.
— Desculpe o atraso, Rudeus.
Eris Greyrat estava na minha frente.

Vários dias antes desses eventos, duas mulheres apareceram nos portões da Cidade Mágica
de Sharia. Uma delas era uma mulher-fera de cabelos grisalhos e músculos impressionantes. A
outra era uma humana com uma magnífica juba de cabelo carmesim. A mulher-fera era uma cabeça
mais alta que sua companheira, mas ambas usavam casacos idênticos e carregavam espadas na
cintura.
Eris Greyrat e Ghislaine Dedoldia finalmente chegaram ao seu destino, após uma longa
jornada partindo do Santuário da Espada.
A viagem não foi fácil, para dizer o mínimo. Eris estava com tanta pressa para ver Rudeus
depois de tanto tempo que escolheu um atalho através de uma floresta, onde elas rapidamente se
perderam e foram parar em um ninho de monstros, que levou um tempo para matar. Quando
finalmente conseguiram sair da floresta e chegaram à cidade mais próxima, um grupo de bandidos
locais imprudentemente provocou Eris, levando a uma grande briga, que as tornou inimigas de um
monte de gente, o que levou a outra grande briga, que levou a problemas na fronteira, os quais as
duas resolveram com violência mais uma vez. Honestamente, em grande parte foi culpa de Eris,
mas elas acabariam levando algum tempo para chegar em Sharia, de qualquer forma.
Ainda assim, tanto Ghislaine quanto Eris já foram aventureiras. No decorrer da jornada,
eventualmente pegaram o jeito das coisas e, após entrarem no Reino de Ranoa, o trajeto para a
cidade foi relativamente tranquilo.
Quando chegaram em Sharia, também agiram de forma eficiente. Ajudou bastante o fato de
que muitas pessoas na Guilda de Aventureiros local soubessem exatamente onde era a residência
de Rudeus Greyrat. Pelo que parecia, todos nesta cidade conheciam o nome de Rudeus. Um
cidadão prestativo até as explicou que poderiam encontrar sua casa ao procurar por uma criatura
incomum e escamosa oriunda de Begaritt em seu quintal – ou por seu companheiro, um Ente de
aparência peculiar supostamente cultivado no Continente Demônio.
Na verdade, o lugar provou ser fácil de encontrar.
A residência de Rudeus não se comparava à enorme mansão em que Eris viveu quando criança,
é claro, mas era grande o suficiente para facilmente se passar como algum tipo de pousada. O
quintal também era espaçoso e parecia servir muito bem como um campo de treinamento.
Enquanto discutia suas impressões com Ghislaine, Eris, ao contrário do que normalmente
faria, estava hesitante em passar pelo portão. Em vez disso, ficou bem defronte a ele com os braços
cruzados.
Por um tempo, o silêncio reinou. Ghislaine não disse nada, assim como sua companheira. Com
o queixo erguido, Eris simplesmente olhava para o prédio em sua frente. Pelo que parecia, estava
convicta de que Rudeus de alguma forma sentiria sua presença e emergiria de dentro a qualquer
momento.
Os pensamentos que surgiam em sua mente eram relacionados aos diversos rumores que
ouviu sobre Rudeus ao decorrer de sua jornada.
Era dito que Rudeus “Atoleiro” Greyrat matou um dragão e derrotou um Rei Demônio. Como o
mago mais poderoso da Universidade de Magia de Ranoa, causava medo e admiração; mas apesar
de sua arrogância e ousadia, era amigo dos fracos, e havia muitas histórias cômicas sobre seu
estranho comportamento. Em outras palavras, ele era uma figura relativamente popular.
Aqueles que o viram em ação tinham dificuldades para descrever a extensão de seus poderes.
Ouvir os louvores a ele sempre fazia Eris sorrir, quase como se a estivessem elogiando. Porém,
entre os muitos rumores que tinha ouvido até agora, foram algumas anedotas “cômicas” que
realmente chamaram sua atenção.
Por exemplo: O cara é louco por sua esposa. Eles sempre fazem compras juntos no caminho de
volta da Universidade.
Ou: Eu o vi agarrar a bunda da esposa no mercado. Ela ficou toda corada!
Ou: Ele se casou com uma mulher que parece ser uma criança, juro.
Ou: Ele já tem duas esposas, e quem sabe quantas mais vão entrar no harém. Com certeza não
é um cara muito religioso.
Em outras palavras, eram os rumores envolvendo suas esposas. Toda vez que se lembrava
dessas histórias, Eris franzia a testa profundamente.
Logo após cruzar a fronteira com Ranoa, descobriu seus nomes: Sylphiette Greyrat e Roxy M.
Greyrat. Eris não tinha noção do que deveria dizer quando realmente as conhecesse. Tudo o que
sabia sobre as esposas de Rudeus era baseado na carta que ele a enviou. Embora tenha ouvido
rumores sobre elas em sua jornada e passado muito tempo pensando nelas… mas no fim, Eris
simplesmente não sabia como obter os resultados que desejava.
Por consequência, ficou parada como uma estátua em frente ao portão.
Felizmente, o impasse acabou sendo quebrado por uma jovem e atenciosa empregada.
Quando Eris apareceu no portão, Aisha se perguntou: É a Eris? Deve ser, né? E começou a
preparar as coisas. Ela queria estar pronta para mostrar a hospitalidade perfeita a Eris no momento
em que batesse na porta.
No entanto, depois de quase uma hora de espera, ela finalmente decidiu tomar a iniciativa.
Aisha sentiu que tinha uma grande dívida com Eris. Embora não a respeitasse tão
profundamente quanto seu irmão, era um fato que havia desempenhado um papel vital em salvá-
la de seu cativeiro em Shirone. Lilia sempre lhe ensinou a pagar suas dívidas em dobro. Então,
quando ouviu sobre a possibilidade de Rudeus tomá-la como sua terceira esposa, decidiu ajudar
silenciosamente a fazer isso acontecer – presumindo que ela realmente amasse o seu irmão, é
claro.
Graças à ajuda da pequena empregada, Eris finalmente conseguiu entrar na casa. Uma vez lá
dentro, foi calorosamente recebida por Aisha e Lilia. Enquanto Aisha corria para a Universidade a
fim de chamar Sylphie e Roxy, Lilia a informava sobre a situação atual de forma mais detalhada.
Eris ficou surpresa quando a apresentaram Lucie. Embora seu sorriso fosse um pouco
estranho, seus sentimentos não eram particularmente negativos. Afinal, sempre poderia ter seu
próprio bebê – e o seu poderia ser um menino.
Dado o quão incerta estava no início, essa foi uma atitude surpreendentemente confiante. A
saudação amigável de Aisha e Lilia ajudou muito a acalmar seus nervos. Mesmo quando Sylphie,
Roxy e Norn chegaram, a conversa permaneceu calma e pacífica. As duas esposas de Rudeus talvez
ficaram um pouco chocadas ao se depararem com o corpo esbelto de Eris, mas estavam longe de
serem hostis em relação a ela.
Claro que o fato de Aisha e Lilia terem deixado o clima mais tranquilo também ajudou, mas o
mais importante foi que Sylphie e Roxy já haviam discutido sobre o assunto ao longo de várias
conversas particulares.
Como esperado, a expressão de Norn sugeria que não estava muito feliz com a situação.
Porém, como o problema estava essencialmente resolvido, não demonstrou abertamente
nenhuma oposição. Norn sabia que Sylphie, Roxy e Rudeus estavam dispostos a aceitar Eris, e ela
estava tentando levar a vontade deles em consideração. Além disso, em poucos minutos ficou
óbvio que Eris estava apaixonada por Rudeus e o respeitava profundamente. Era um pouco
embaraçoso apenas ouvi-la, mas todo mundo gosta de escutar elogios de outra pessoa
direcionados a alguém que tem apreço.
No entanto, esse clima de paz não durou muito. Eris finalmente perguntou onde Rudeus
estava, e as coisas tomaram um rumo turbulento. Quando soube que ele tinha ido lutar contra
Orsted, Eris ficou extremamente zangada com suas esposas. No que lhe dizia respeito, era
responsabilidade delas acompanhá-lo em batalha.
— Por que o deixaram ir sozinho? Estão tentando matá-lo?
— Nós tentamos ir junto, mas ele nos disse para ficarmos para trás! Disse que só
atrapalharíamos! — Sylphie protestou em lágrimas.
Surpresa com essa reação, Eris parou para pensar por um momento – tempo o suficiente para
se lembrar que havia treinado por anos a fio para poder lutar ao lado de Rudeus de igual para
igual. Ocorreu-lhe que essas mulheres estiveram lá para ele durante o período que estava ausente.
De acordo com sua carta, elas o ajudaram muitas vezes ao longo dos anos. Eris acabou sentindo
ciúmes e uma leve sensação de superioridade.
Ela não seria um fardo; poderia ajudar Rudeus em sua luta contra Orsted.
Com essas palavras firmes e confiantes, convenceu Roxy, Sylphie e Ghislaine a acompanhá-la
no resgate de Rudeus.
Desta forma, Eris chegou em cima da hora.
O grupo correu para a área da emboscada, mas acabou indo um pouco longe demais.
Assustados com a grande explosão atrás deles, foram em direção aos sons do combate; Eris correu
pela floresta, procurando desesperadamente por Rudeus.
Finalmente, o encontrou à beira da morte e saltou em sua frente para defendê-lo.
Por conseguinte, ficou cara a cara com Orsted.

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Eris fixou os olhos em Orsted e ergueu a arma bem acima da cabeça. Esta não era uma espada
comum. Seu nome era Espada do Dragão Fênix, e era uma das Sete Lâminas do Deus da Espada.
— Ghislaine! Me dê cobertura!
Orsted, em contraste, não assumiu nenhuma postura. Simplesmente olhou para Eris com uma
expressão desconfiada no rosto. Não, não era só ela que tinha sua atenção. Também observava
Rudeus, que estava caído, e as duas mulheres que correram para prestá-lo socorro.
Eris, por sua vez, começou a analisar cuidadosamente Orsted.
Ele estava nu da cintura para cima, parecia letárgico e sangrava de uma centena de ferimentos,
inclusive de sua cabeça. A ponta de seus cabelos estava chamuscada, e havia um grande hematoma
perto de seu ombro. Ele sofreu danos significativos. No entanto, também havia uma espada longa
e curva em sua mão direita.
Eris nunca tinha visto a lâmina de Orsted antes. Embora não fosse uma especialista em avaliar
armas, podia dizer que havia algo de muito especial nela. Sua espada era um tesouro do Estilo
Deus da Espada, mas nem mesmo seu poder se comparava ao que estava escondido naquela coisa.
Na última vez que se enfrentaram, Orsted não havia usado nada do tipo. Não foi necessário, é
claro. Ele havia os esmagado com as próprias mãos. Rudeus não apenas feriu o Deus Dragão
significativamente, como também forçou o homem a desembainhar sua espada. Esse fato liberou
adrenalina por todo o corpo de Eris.
Agora é a minha vez de mostrar do que sou capaz…, mas não posso ser impaciente. Tenho que
ganhar algum tempo primeiro…
Com esforço, Eris conseguiu suprimir sua excitação. Ela não conseguiria derrotar Orsted.
Percebeu isso instintivamente no momento em que ficou cara a cara com ele, e aceitou essa
realidade com bastante facilidade.
Quando criança, a diferença de poder era tão grande que nem conseguia medi-la com
precisão. Era como olhar para uma torre centenas de vezes mais alta que você: tudo o que
realmente consegue dizer é que aquela coisa é muito alta. Eris acreditava que poderia escalar até
o topo daquela torre.
Porém, as coisas eram diferentes agora. Ela havia crescido e podia ver a verdadeira altura de
Orsted. Eris estava muito mais alta do que antes. No entanto, Orsted ainda era mais alto. Muito
mais alto. Olhar para ele era quase estonteante.
Não era uma altura que ela poderia ter esperanças de escalar.
— Eris Boreas Greyrat… Rudeus é tão precioso para você? E Luke?
— Luke?
— O homem que estava destinado a se tornar seu marido.
— Isso é novidade para mim.
Eris desconsiderou as palavras de Orsted com bastante facilidade. Não sabia quem era esse
Luke, mas o único homem que era “precioso” em sua vida, era Rudeus. Ela não desejava mais
ninguém, e nunca iria.
— Não me surpreende.
Orsted ainda não havia assumido uma postura de combate. Ele só estava assistindo enquanto
as outras curavam os ferimentos de Rudeus. Pelo que parecia, havia baixado a guarda
completamente. Porém, Eris sabia que era exatamente isso que o homem queria que pensasse. Ele
se deixou vulnerável, esperando que ela atacasse.
—…
Eris se recordou de seu último encontro com o Deus da Espada.

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Após mostrar seu quarto para Eris, o Deus da Espada Gall Falion colocou três espadas em sua
frente e fez uma pergunta simples.
— Qual será?
Eris pegou as espadas em sua mão e as examinou uma por vez. Por um lado, queria dizer que
a espada que ganhou no Continente Demônio muito tempo atrás era tudo que precisava. Porém, à
medida que crescia, a arma começou a parecer pequena demais. Ela honestamente queria algo
mais longo. Além disso, suspeitava que sua lâmina não seria capaz de ferir Orsted.
Um Santo da Espada poderia ter objetado que apoiar-se no poder de sua arma refletia a falta
de orgulho em suas próprias habilidades. Porém, Eris sabia que orgulho não servia de porra
nenhuma em uma luta até a morte.
— Esta.
A espada que Eris escolheu era a mais simples das três. Sua lâmina era fina e apenas
ligeiramente curvada. Não havia nada de ameaçador ou intimidador nela; na verdade, sua
superfície limpa e polida era uma visão muito agradável.
— É a Espada do Dragão Fênix.
A arma que escolheu foi um presente para o primeiro Deus da Espada do lendário artesão
conhecido como Imperador Dragão. Era uma espada feita para os Deuses da Espada, projetada
para maximizar o potencial de seu Estilo ofensivo.
— Boa escolha, criança.
— Importaria de me dizer o motivo?
— Esta é uma Espada Mágica. À primeira vista, não parece ter nenhuma habilidade especial,
mas há pequenos canais de mana correndo por toda a lâmina. Eles basicamente neutralizam a
Aura de Batalha do seu oponente. A Aura do Deus Dragão é insanamente forte, então a espada não
vai anulá-la completamente…, mas vai enfraquecê-la um pouco.
Em outras palavras, pode ser possível perfurar suas defesas com isso.
— Nunca gostei dela, mas aposto que você vai usá-la bem.
Aliás, a razão pela qual Gall só mostrou a Eris três das Sete Lâminas do Deus da Espada foi
porque as outras quatro já tinham dono. Ele carregava uma, assim como os dois Imperadores da
Espada e a Rei da Espada Ghislaine. As outras duas, sem dúvida, acabariam nas mãos dos dois
jovens e promissores Santos da Espada deste Estilo, uma vez que tivessem progredido um pouco
mais em seu treinamento.
— Agora, vamos ao que interessa. Primeira regra para lutar contra Orsted…
O Deus da Espada fez uma pausa para dar ênfase, olhando Eris nos olhos.
— Nunca ataque primeiro.
Eris não perguntou o porquê. Ela mesma já sabia muito bem a resposta.
— O Estilo do Deus da Água dele é de nível divino. Ele vai te matar em um único contragolpe.
Uma lembrança amarga passou pela mente de Eris; na qual saiu voando com um único soco.
— Faça-o vir até você. Esse é o primeiro passo.

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Os praticantes do Estilo Deus da Espada sempre buscam acertar o primeiro golpe. Para
derrotá-los, é necessário só esperar e contra-atacar. De acordo com o Deus da Espada, essa
estratégia simples era a essência da técnica inigualável de Orsted.
Então, Eris não se moveu. Não podia arriscar atacar primeiro um mestre praticante do Estilo
Deus da Água. O Estilo do Deus da Espada era inerentemente agressivo, e o Estilo do Deus da Água
defensivo. Isso a colocou em grande desvantagem. Os contra-ataques do Estilo Deus da Água não
falham. A menos que o estudante do Estilo do Deus da Espada fosse superior até certo ponto, o
Estilo Deus da Água sairia vitorioso.
Eris tinha aprendido essa lição muito bem, graças ao seu treinamento com a Rei da Água
Isolde. E, portanto, não cometeria o erro de atacar primeiro.
Naturalmente, ficar parada não era fácil para a notoriamente agressiva “Cão Louco”. Porém,
ela faria isso de qualquer maneira.
— Hmm…? Não vai atacar?
Enquanto Eris estava ali, apenas mantendo sua postura, Orsted estreitou os olhos em
perplexidade. O Estilo Deus da Espada sempre busca acertar o primeiro golpe. Era a base de todas
as suas técnicas. No entanto, ela não estava fazendo absolutamente nada.
— Tudo o que preciso fazer é esperar. — Eris respondeu calmamente. — Quando Rudeus se
recuperar, podemos atacá-lo juntos.
— Bem, isto é uma surpresa. Eris Boreas Greyrat falando em lutar ao lado de aliados? Outra
mudança, ao que parece. Achei possível que pudesse se tornar diferente, se aprendesse a esfriar
a cabeça e treinasse com o mestre certo… Acho que eu não estava enganado.
— Não sou mais uma Boreas. É apenas Eris Greyrat.
— Uma mulher diferente da Eris que conheço, então…
Movendo-se de forma lenta e deliberada, Orsted finalmente assumiu uma postura.
Com a mão esquerda ainda pendendo frouxamente, levantou o braço direito para mirar a
ponta de sua lâmina em direção a Eris.
— Muito bem. Sendo assim, irei até você.
Embora nenhum dos dois tenha feito nenhum movimento até então, agora a batalha estava
entrando em seu segundo estágio.

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Mais uma vez, Eris se recordou de sua conversa com o Deus da Espada.
Com a mão nua, Orsted pode usar sua Espada de Luz como uma lâmina. Porém, depois de todo
o seu treinamento com Nina, acho que sabe como lidar com esse movimento. Basta cortar seu punho
antes que atinja a velocidade máxima.
Dito isto, não há como dizer se ele usará a mão esquerda ou direita. Se erguer as duas, você
terá que adivinhar. Ele também pode atacar por cima ou por baixo. Então, escolha direita ou
esquerda, cima ou baixo – esse é o passo dois.
Essas foram as palavras exatas de Gall Falion.
Eris não pôde evitar de fazer uma pequena careta. Orsted já havia sacado sua espada. Com
sua própria mão, ele estaria usando a verdadeira Espada de Luz, não uma imitação dela. A questão
era se Eris seria capaz de contra-atacar.
Ela chegou à conclusão de que era possível. Orsted não era invencível. Ele estava respirando
com alguma dificuldade e estava coberto de feridas. Mesmo agora, sangue escorria do braço que
segurava a espada.
Além disso… ele estava estendendo apenas o braço direito, e sua espada estava baixa, assim
como ela esperava. Apesar de seus ferimentos, Orsted ainda estava segurando sua arma com uma
única mão.
Ele realmente acha que não sou nada demais…
A Eris de sempre teria ficado furiosa, mas desta vez não se deixou abalar e permaneceu calma.
A seu ver, parecia até estranho, considerando os anos conturbados que passou exigindo medo e
respeito do mundo, mas hoje, estava agradecida por ser subestimada.
— Estilo do Deus da Espada – Espada de Luz.
A mão de Orsted cortou o ar em uma velocidade assustadora. Porém, simultaneamente…
— Estilo do Deus da Espada – Lâmina Reflexiva.
Eris também balançou sua espada para baixo.
Era um movimento que havia praticado milhares e milhares de vezes, bem como a melhor
maneira de neutralizar a Espada de Luz. Com sua espada na velocidade máxima, mira-se no punho
mais lento de seu oponente e o corta antes que consiga completar seu golpe.
A espada de Orsted saiu voando – junto com a sua mão direita.
Peguei ele!
Por um momento, Eris pensou que a luta havia acabado. Porém, antes que pudesse continuar,
Orsted respondeu de forma surpreendente. Estendendo a mão para cima, pegou o membro
decepado, pressionou-o contra o punho e o realocou instantaneamente. Em seguida, aproveitou
do movimento que havia realizado para executar um chute giratório.
Eris conseguiu desviar este ataque bizarro dando meio passo para trás, mas só porque o Deus
da Espada a advertiu que havia uma possibilidade de que ele tentasse algo do tipo.
— …!

Sem perder tempo, Orsted desferiu um golpe cortante com a mão nua, mas Eris bloqueou-o
com a espada.
Nenhum desses ataques apressados tinha sido uma Espada de Luz. Como resultado, a
investida de Eris não feriu Orsted. Sua lâmina atingiu o alvo com um tinido, redirecionando com
sucesso a mão dele, mas não deixou um arranhão sequer em sua pele.
Logo em seguida, a espada de Orsted bateu com a lâmina no chão atrás dele.
Pelo que parecia, a mão direita do homem estava novinha em folha. Os ferimentos que Rudeus
lhe infligiu também foram curados. Em um piscar de olhos, se restaurou completamente com uma
variedade incrivelmente poderosa de magia de cura.
Que monstro, Eris pensou calmamente.
Seu último ataque pode não ter sido uma Espada de Luz, mas a velocidade e poder foram
consideráveis. No entanto, foi ricocheteado pelo homem. A Espada de Luz era seu único meio de
cortar a Aura do Dragão Sagrado, mesmo com a Espada do Dragão Fênix.
— Vejo a astúcia do Deus da Espada em suas táticas. Você deve ter sido uma aluna altamente
favorecida, Eris Greyrat.
Eris havia reposicionado sua espada para cima da cabeça. Sua mente estava clara, e suas
emoções firmes.
Porém, em vez de balançar sua lâmina, Orsted decidiu atacar de um modo diferente.
— Gall Falion contou histórias de suas façanhas enquanto você estava deitada na cama dele?
Considerando tudo que o Deus da Espada fez por ela, Eris o respeitava profundamente. Ao
longo dos últimos anos, Gall Fallion se dedicou inteiramente a treiná-la e confiou-a seu sonho. O
relacionamento deles tinha sido puramente platônico. Se resumia a uma relação de mestre e
discípula. Ele a treinou porque seus interesses estavam alinhados.
Normalmente, Eris teria ficado furiosa com o comentário grosseiro de Orsted… Sobretudo
porque ele falou de modo que as outras três mulheres e Rudeus pudessem ouvir. Porém, seu
mestre havia dado um aviso claro: se as coisas começarem a correr bem, Orsted pode tentar te fazer
perder a calma. Você não vai cair nessa, entendeu?
O Deus da Espada havia antecipado a tentativa de provocação de Orsted. Consequentemente,
não teve nenhum efeito sobre Eris. Ela não tinha motivos para ficar com raiva. Orsted estava
provando que Gall Falion o conhecia como a palma da mão.
— Hmph.
— Entendo. Você realmente ficou mais forte…
Enquanto Eris reprimia sua provocação com um bufo, Orsted murmurou estas palavras em um
tom quase melancólico, e lentamente levantou ambas as mãos.
Ao ver isso, Eris se lembrou do último conselho que o Deus da Espada lhe deu.
Por qualquer motivo que seja, Orsted não pode ir com tudo. Ele é um mestre na magia e
esgrima, mas tentará finalizar o combate só com sua Aura e artes marciais… Começa com chutes e
socos, depois usa magia apenas se for realmente necessário. Porém, quando está enfrentando algo
novo, por alguma razão, tende a recuar e estudar as técnicas que está vendo pela primeira vez. Isso
tem que ser seu ponto fraco.
No momento, Orsted não estava atacando para matar. Ele parecia estar brincando lentamente
com ela, como um gato batendo cruelmente em um rato exausto.
Eris rangeu os dentes audivelmente, largou a Espada do Dragão Fênix e, com a mão esquerda,
pegou a lâmina que recebeu na vila Migurd.
Sua mão direita segurava a Espada do Dragão Fênix acima de sua cabeça, enquanto a esquerda
segurava a espada sem nome, ainda embainhada atrás de sua cintura.
Era uma postura estranha. Ainda mais porque o Estilo do Deus da Espada não tinha o conceito
de empunhadura dupla. Usar duas espadas ao mesmo tempo era uma técnica do Estilo Deus do
Norte.
Mais importante – enquanto Eris segurava a espada, que era uma arma mágica mortal, acima
de sua cabeça, não era capaz de usar a Espada de Luz com uma única mão. E como havia técnicas
de saque rápido de espada, sua empunhadura invertida nunca seria a melhor escolha.
Sua postura, em outras palavras, era irracional. Não fazia nenhum sentido. Não era o tipo de
erro que uma Rei da Espada, e uma mestra do Estilo do Deus da Espada, sob nenhuma
circunstância, cometeria…
— Hum…?
Por isso mesmo, Orsted parou de se mover.
Com as mãos ainda no ar, ele a estudou minuciosamente. Seus olhos estavam focados apenas
em Eris – com exceção de Rudeus, que estava sendo curado atrás dela.
Ela tinha toda a sua atenção no momento, mas não podia ficar na defensiva. A menos que
tomasse alguma atitude, Orsted daria um passo à frente para atacar.
Felizmente, Eris havia improvisado um certo movimento para uma situação como esta. Era
baseado em uma técnica que aprendeu com o Imperador do Norte Auber… embora só tenha visto
uma vez. Ela treinou para que pudesse executar esse movimento com uma única mão, em
velocidade máxima, no mesmo instante em que desembainhava sua espada. Era uma técnica
imperfeita, mesmo assim, altamente letal.
Quando estiver contra a parede, um estudante do Estilo Deus do Norte jogará sua espada.
A mão esquerda de Eris se moveu grosseiramente, mas com confiança.
Seus dedos agarraram o punho da espada, puxando-o para trás, e no mesmo movimento,
enquanto seu braço se lançava para frente, arremessou a arma em Orsted. A espada sem nome
que a acompanhou por tantas provações e tribulações cortou o ar com precisão, com a ponta
assestada para seu inimigo.
O impulso do arremesso levou a mão esquerda de Eris para cima – para a espada que ainda
segurava no alto. Assim, pegou a Espada do Dragão Fênix o mais rápido que pôde e, sem um
momento de hesitação, balançou-a para baixo com ambas as mãos, executando uma Espada de
Luz impecável.
— …!
Seu temível ataque passou direto pela espada de Orsted, cortando o topo da cabeça do
homem ao longo da mais curta trajetória, na maior velocidade possível.
Houve um tinido agudo.
— Tch…
Segurando sua espada e continuando o golpe até o final, Eris estalou a língua em irritação.
Orsted havia agarrado sua lâmina entre as mãos. E a espada sem nome que atingiu o corpo dele,
foi desviada pela Aura do Dragão Sagrado, e voou para trás dela.
— Você superou minhas expectativas, mas acho que agora é o fim.
— Não!
Com a lâmina ainda travada nas mãos de Orsted, Eris gritou sua resposta enquanto se virava
para onde a espada sem nome havia caído.
Rudeus estava ali. As outras terminaram de curá-lo.
— Estamos apenas começando!
Levou um instante para Eris processar o que seus olhos estavam vendo. Era Rudeus, claro, e
ele estava de pé. Porém, havia círculos escuros sob seus olhos, e seu cabelo castanho claro ficou
branco. Suas pernas tremiam fracamente, seu rosto estava mortalmente pálido e seus lábios roxos.
Roxy e Sylphie o apoiavam em ambos os lados.
—…
— Começando… com o quê, exatamente?
Rudeus não estava em condições de lutar, para dizer o mínimo. Sua mana havia se exaurido,
seu vigor se foi e até mesmo sua força de vontade fraquejava. Ele estava acabado tanto fisicamente
quanto emocionalmente.
— Você verá em breve.
A visão dele foi o suficiente para fortalecer a determinação de Eris.
Ela inalou profundamente e exalou três vezes. Quando o ar preencheu seus pulmões, agarrou
sua espada com mais firmeza, consciente de cada gota de suor em suas palmas. Rangendo os
dentes de trás com força por um instante, lambeu os lábios.
Por fim, retesou os músculos do estômago e rugiu o mais alto que pôde.
— Vocês três, tirem Rudeus daqui! Agora!
A voz de Eris trovejou pelo ar.
— Vou segurar Orsted, mesmo que eu morra!
Ela quis dizer isso literalmente.
Sylphie sentiu a força de sua determinação. Ela sentiu a mesma coisa de seus companheiros
na jornada desesperada para Ranoa com a princesa Ariel. Eris estava preparada para morrer.
— E-Espere! Eu também vou lutar!
As pernas de Sylphie estavam tremendo, mas gritou as palavras mesmo assim.
Orsted era aterrorizante além da conta. Este era o primeiro encontro deles, mas ela sabia que
ficar contra o homem significaria a morte. Ainda assim, a escolha não foi difícil. Não com a vida de
Rudeus em jogo. No fundo, estava cheia de arrependimento por ter deixado o homem que amava
partir sozinho para lutar contra um monstro como este. As palavras “Você está tentando matá-
lo?” Ainda soava em seus ouvidos.
Essa nunca tinha sido sua intenção. Ela viu Rudeus recuperar sua energia e foco habituais,
apesar de seus medos, e assumiu que tudo daria certo. Afinal, ele era um mago incrivelmente
poderoso, e sempre dava um jeito de voltar para casa. Além disso, a Armadura Mágica parecia
onipotente. Ela se convenceu de que nada, nem ninguém, poderia derrotar aquela coisa.
Foi apenas sua confiança em Rudeus que a fez decidir ficar para trás.
Eris olhou silenciosamente nos olhos de Sylphie por um momento, e então assentiu.
— Tudo bem. Cuide da retaguarda! Ghislaine, tire Rudeus e Roxy daqui!
— Eris! Meu trabalho é protegê-la!
Agora foi a vez da Rei da Espada do Povo Fera protestar.
Ghislaine tinha visto Eris lutar durante toda a vida. Assistiu seu treino focado e obstinado. E,
por essa razão, ficou recuada e assistiu o desenrolar da batalha, sem interferir ou objetar. Ela viu
isso como uma maneira de retribuir o falecido avô de Eris, Sauros, a quem devia tanto.
— Quê?! Não vai me ouvir?! Estou te dizendo para proteger as pessoas que são importantes
para mim!
— Não vou fazer isso! Eu nunca poderia encarar o Lorde Sauros ou Philip se deixasse você
morrer aqui!
Mas agora, a garota planejava seguir um caminho que terminaria em morte certa, e Ghislaine
não podia permitir isso. Sua recusa foi mais reflexiva do que racional. Ela não era muito boa em
pensar e evitava pôr o cérebro para trabalhar, quando possível.
— Parem com isso! Todos nós precisamos fugir!
Dada a gravidez, Roxy sabia que não seria muito útil em combate. Ela veio para cá sabendo
que só seria um fardo caso chegasse a essa situação. Seu plano era arrastar Rudeus até os cavalos
que esperavam do lado de fora da floresta e fugir o mais rápido possível. Havia uma chance de
que um movimento muito extenuante pudesse causar um aborto espontâneo, mas ajudar Rudeus
a escapar era prioridade. Sinceramente, ela não tinha pensado muito no que fazer depois disso.
Por ora, acreditava que tinham que correr e se reagrupar em um lugar seguro.
Eris e Ghislaine discutiam; Sylphie e Roxy se preparavam para agir. E enquanto via tudo isso
com o canto dos olhos, Orsted soltou um suspiro longo e alto.
Todos, exceto Rudeus, ficaram em guarda. Quatro pares de olhos olharam ferozmente para
Orsted. Indiferente a isso, o Deus Dragão aumentou o tom de voz para um berro.
— Rudeus Greyrat!
Rudeus estremeceu visivelmente ao som de seu nome.
— Enquanto servir ao Deus-Homem, não permitirei que escape. Mesmo que isso signifique
matar todos aqui, e todos os outros esperando por você na cidade, vou te caçar e tirar sua vida!
Rudeus estava trêmulo agora, de maneira ainda mais clara do que antes. Com seus joelhos
tremendo incontrolavelmente, olhou para o chão em sua frente.
— Embora eu não confie nas palavras do Deus-Homem… dado o que ele te disse, também
sequestrarei seus filhos quando você estiver morto!
Com essas palavras, a tremedeira parou.
Os olhos de Rudeus acenderam em chamas novamente. Socando as pernas trêmulas com a
mão esquerda, entendeu a mão direita para pegar seu cajado de Roxy, esquecendo que havia
perdido aquela mesma mão há pouco tempo. Desequilibrado, poderia ter caído no chão se Roxy
não o tivesse segurado rapidamente. Porém, mesmo quando se apoiou contra ela, seus olhos
estavam olhando ferozmente para Orsted. Havia sede de sangue em seu olhar.
— No entanto, sua imitação da Armadura do Deus Lutador, a mana abundante concedida a
você pelo Fator Laplace, e sua imunidade à minha maldição ainda podem ser úteis!
— …?
Com essas palavras, a raiva nos olhos de Rudeus vacilou um pouco. E enquanto olhava com
uma expressão dúbia e cautelosa, o Deus Dragão continuou a falar.
— Traia o Deus-Homem e junte-se a mim!
Duas pessoas reagiram instantaneamente a essas palavras.
— Você só pode estar brincando!
— Rudy, não dê ouvidos a ele!
Eris e Sylphie estavam convencidas de que Orsted estava mentindo. Elas não acreditariam no
homem, a não ser que tivessem uma razão clara para isso. Ghislaine e Roxy ficaram em silêncio,
mas também sentiram que Orsted estava tramando alguma coisa – que alguma armadilha estava
escondida em suas palavras.
— Se aceitar minha oferta, vou ignorar esta emboscada irracional e restaurar seu braço ferido
à condição original.
—…
Mas Rudeus foi uma exceção.
Ele havia notado algo no tom de voz de Orsted. Percebeu que a garganta do homem estava
tremendo levemente, e esse fato o intrigava.
— Eu sou o Deus-Dragão. Uma vez que esteja sob minha proteção, o Deus-Homem não achará
tão fácil te tocar!
Dúvida e tentação se misturaram nos olhos de Rudeus.
— Não se preocupe, ele não pode ouvir o que estamos falando neste exato momento!
—…
— Se sua lealdade ao Deus-Homem não for real, eu acharia essa oferta muito atraente!
—…
— Escolha agora, Rudeus Greyrat! Ficará do lado do Deus-Homem e perderá tudo em minhas
mãos? Ou se juntará a mim e lutará contra ele?! Você é imune à minha maldição! Esta é uma escolha
que é capaz de fazer!
O olhar de Rudeus encontrou o de Orsted.
Primeiro, exalou lentamente. E então, estudou o rosto do Deus Dragão, como se procurasse
uma resposta nele. Rudeus estava tentando ver o que estava escondido por trás da expressão
pétrea do homem. Porém, obviamente seus olhos não revelavam nada disso.
O silêncio se estendeu por vários segundos.
— Rudy?
Por fim, Rudeus cambaleou para longe dos braços de Roxy e começou a andar lentamente
para frente. A cada passo, corria o risco de cair de cara. Tropeçou para o lado e se apoiou no ombro
de Ghislaine. Quando perdeu o equilíbrio, se agarrou em Sylphie, que correu para pegá-lo.
Eventualmente, passou por Eris. E então, caiu de joelhos aos pés de Orsted.
Ele não fez nenhum movimento para se levantar. Em vez disso, olhou para o homem em sua
frente e falou.
— Realmente há… uma maneira de proteger a minha família do Deus-Homem…?
— Sim! Ele possui grande conhecimento do futuro, mas não é onisciente, muito menos
onipotente!
— Tem… absoluta… certeza disso…?
— Não, não tenho certeza absoluta. Eu não fingiria conhecer toda a amplitude de seus
poderes.
Orsted não fez nenhuma promessa definitiva. Nem mesmo ofereceu palavras tranquilizadoras.
No entanto, Rudeus olhou para ele com os olhos de um homem em busca de salvação. Havia
lágrimas nos cantos de seus olhos, embora fosse difícil dizer o que havia as inspirado.
De um jeito ou de outro, havia tomado sua decisão.
— Eu vou te servir. Então, me ajude, por favor.
E foi assim que, deste dia em diante, Rudeus Greyrat se tornou aliado do Deus Dragão.
Acordei cedo e acompanhei Norn para uma corrida seguida de um pouco de treino com
espada; voltei a tempo de abraçar Sylphie enquanto ela cuidava de Lucie; disse bom dia para Lilia
e Aisha na sala de estar; penteei e trancei o cabelo de Roxy que lutava para acordar; encontrei
Zenith no jardim observando silenciosamente nosso animal de estimação, Ente, e avisei que o café
da manhã estava pronto; então fiz uma grande refeição com toda a família.
Em outras palavras, estava de volta à minha velha e pacífica rotina.
Claro, não era como se nada tivesse acontecido. Eu realmente tentei matar o Deus Dragão
Orsted, e fui totalmente derrotado…, mas, de alguma forma, consegui sair vivo.
Olhei para as minhas mãos; elas eram uma prova desse fato. Quando as fechei, pude sentir
meus dedos pressionando contra minha palma – tanto a direita, quanto a esquerda.
Naquele dia, depois que me curvei a Orsted e jurei minha lealdade, ele cumpriu sua promessa
de usar magia de cura em mim. Meu braço direito decepado foi regenerado em instantes, junto
com um bônus: a mão esquerda que a hidra tirou de mim há algum tempo.
Orsted não parou por aí e lançou outro feitiço em mim, me entregou um bracelete que estava
usando em seu braço e partiu com estas exatas palavras: “Entrarei em contato assim que recuperar
sua mana”.
Mesmo agora, estava usando a pulseira em questão no meu braço esquerdo. No entanto, não
sabia sobre sua função. Talvez acelerasse minha regeneração de mana, ou de alguma forma
impedisse o Deus-Homem de me espionar.
A última opção parecia plausível. Dez dias se passaram desde a batalha, mas o Deus-Homem
ainda não apareceu em meus sonhos. Orsted também disse algo sobre me proteger da influência
dele.
Então, até onde sabia, era simplesmente algo que ele dava a qualquer um sob seu comando,
como algum tipo de distintivo oficial do Deus Dragão.
De qualquer forma… Orsted me derrotou, e agora eu era seu subordinado. Traí o Deus-Homem
e uni forças com seu inimigo. Provavelmente usaria essa pulseira pelo resto da minha vida, mas
não me arrependi da escolha que fiz.
Para ser honesto, foi bom ter traído aquele bastardo sem rosto. No momento, estava mais
aliviado do que ansioso.
Não tinha como voltar atrás agora. Mesmo que Orsted tivesse mentido para mim, não poderia
traí-lo. A sorte foi lançada. Sempre há a possibilidade de eu apenas estar fazendo exatamente o
que o Deus-Homem quer…, mas era tarde demais para me preocupar com isso.
Porém, sendo sincero, tinha um pressentimento de que Orsted provaria ser mais confiável do
que o Deus-Homem. De certa forma, algo sobre ele me lembrou Ruijerd. Ele não tinha o orgulho
inabalável de Ruijerd, ou sua afeição por crianças. No entanto, ao contrário do Deus-Homem, que
apenas observava os eventos passivamente à distância, ele parecia ser do tipo que tentava resolver
seus problemas com as próprias mãos.
De um jeito ou de outro, um grande peso foi retirado dos meus ombros. Nos últimos dias,
estava respirando muito mais facilmente do que em meses. A estrada à frente com certeza seria
esburacada, mas não se compararia a montanha íngreme que atravessei.
Aliás, falei com Roxy e Sylphie depois que Orsted foi embora. Sylphie estava soluçando sem
parar, e Roxy me repreendeu severamente. Ambas insistiram que teriam me parado se eu tivesse
sido mais honesto sobre o quão perigoso Orsted era, e expressaram seus medos sobre minha nova
aliança. No entanto, justifiquei que era a única opção que tinha a curto prazo, e elas aceitaram de
má vontade esse argumento.
Depois disso, voltamos direto para casa, onde disse à minha família que estava bem e fui para
a cama logo em seguida. Por estar fisicamente exausto e sem um pingo de mana, acabei dormindo
por um dia inteiro.
Quando finalmente acordei, visitei todos os meus amigos e aliados para que soubessem que
havia perdido para Orsted e me unido a ele. Dentre os que me encontrei, Perugius parecia o mais
aliviado. O que era compreensível, afinal, mesmo com uma fortaleza flutuante, ninguém gostaria
de fazer daquele cara um inimigo.
A propósito, todos pareciam meio chocados quando me viram. Eventualmente descobri que
era porque meu cabelo tinha ficado branco. De acordo com Perugius, este era um efeito colateral
comum de usar uma enorme quantidade de mana em um curto período de tempo. Nunca entendi
o porquê do cabelo de Sylphie ter mudado de cor após o Incidente de Deslocamento, mas imagino
que esta seja a resposta. No entanto, já estava vendo um pouco de marrom nas raízes de meu
cabelo. Ao contrário de Sylphie, minha mudança provavelmente seria temporária. Não que
realmente me importasse de qualquer forma, já que estávamos com um visual combinando no
momento…
Era impossível dizer como o Deus-Homem responderia à minha traição, então, de início, fiquei
conturbado. Porém, até agora, nada fora do comum havia acontecido, e estava me sentindo bem.
Meu corpo estava se recuperando, e eu podia sentir meu suprimento de mana gradualmente se
reabastecendo.
Falando nisso, parecia que Orsted sabia o segredo por trás do meu reservatório de mana
incomumente grande. Mencionou algo chamado Fator Laplace, ou algo assim…
Bem, ele me contaria mais se fosse importante. Só teria que ser paciente por enquanto.
Deixando tudo isso de lado… tinha uma coisa na minha rotina diária que havia mudado
consideravelmente.

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— Mais, por favor!


— Desculpe, Eris. Acabou a sopa.
— Sério? Não tinha muito!
Havia um rosto novo em nossa mesa de jantar: uma mulher alta, ruiva e com apetite.
Naturalmente, a partir destas descrições, quero dizer Eris Greyrat. Ela nos seguiu de volta à Sharia,
ocupou nosso quarto de hóspedes por iniciativa própria e começou a morar conosco.
Aliás, Ghislaine estava hospedada em uma pousada próxima. Eu não tinha certeza do porquê.
Talvez ver Zenith em seu estado atual tenha sido um choque grande demais para ela, ou talvez
estivesse tentando nos dar algum espaço. Seja o que for, apenas Eris se mudou.
Eris sumia de vez em quando, mas, em geral, passava a maior parte do tempo vagando pela
casa. Assistia Sylphie cozinhar, Roxy se preparar para suas aulas, ou Aisha e Lilia realizar trabalhos
domésticos; às vezes, até olhava para Zenith e Lucie sem motivo aparente. Quando não estava fora
de casa, observar os membros da família parecia ser seu hobby.
Não deixei de notar que ela geralmente tinha uma expressão sutil e perturbada quando
observava, em particular, Sylphie e Roxy.
Eris mudou muito desde a última vez que a vi. Não sei como explicar, mas… tinha
uma presença imponente agora. Era alta para uma mulher e se portava com confiança.
Seu estilo também combinava com ela. Usava o mesmo tipo de jaqueta de couro que Ghislaine,
calças pretas e um top branco sobre uma camiseta escura – era uma roupa com a qual poderia
lutar, e que ainda ressaltava o quão em forma estava. No entanto, isso não quer dizer que tinha
apenas músculos. Seu corpo, sem dúvida, era magro e flexível.
Para ser honesto, quando começava a olhá-la, era um verdadeiro desafio parar.
Seus seios grandes, cintura fina e bunda curvilínea já eram um problema. Porém, nos últimos
cinco anos, seu rosto outrora infantil também adquiriu uma beleza nítida e marcante. Em todos os
aspectos, havia se tornado uma mulher, e não era mais a garota que eu conhecia.
Talvez fosse por isso que estava achando tão difícil iniciar uma conversa com ela. Após o fim
da batalha teria sido mais fácil, mas perdi essa oportunidade enquanto andava pela cidade
contando a todos sobre a situação.
Contudo, o maior problema era que meu coração disparava toda vez que olhava para Eris por
muito tempo.
Dizia a mim mesmo uma dúzia de vezes que precisava falar com ela. Porém, por algum motivo,
simplesmente não conseguia encontrar o momento certo. Sempre que começava a dizer qualquer
coisa, aquele olhar intenso se fixava em mim, meu coração batia mais rápido e eu acabava
desviando os olhos. Depois disso, precisava de um tempo para me acalmar.
Que fenômeno misterioso. Será que era terror o que estava sentido?
Tá, vou parar de brincar. Eu sabia o que estava acontecendo.
Tinha me apaixonado por Eris – pela segunda vez, eu acho.
Ela me conquistou bem rápido, hein? Mas em minha defesa, ela correu para me salvar quando
pensei que não havia mais esperança, segurou o próprio Deus Dragão Orsted e arriscou sua vida
para proteger a minha. Além de parecer foda enquanto fazia tudo isso. Em suma, não tinha como
me culpar.
Agora, eu era basicamente uma colegial apaixonada. Não era mais Rudeus – era Wooed-eus1.
Considerando a forma como me sentia em relação a Eris, o próximo passo estava claro. Sylphie
e Roxy já me deram sua aprovação. Não havia motivo que me impedisse de simplesmente pedi-la
em casamento.
Mas… talvez não fosse tão fácil assim.
Só entendi o motivo quando voltei para casa e Aisha me explicou. Eris passou os últimos anos
sob um rígido regime de treinamento no Santuário da Espada apenas para que pudesse lutar
contra Orsted ao meu lado. Nossa batalha contra ele na Mandíbula Superior do Wyrm Vermelho a
marcou profundamente, e quando me viu praticando o feitiço Atrapalhar Magia, assumiu que eu
estava planejando derrotá-lo algum dia no futuro.
Pessoalmente, achava que Eris e eu éramos muito parecidos naquela época. Mas ela decidiu
que não era forte o suficiente para ficar ao meu lado de igual para igual e foi treinar com os
melhores da arte da espada.
Da perspectiva dela, eu basicamente a traí. Ela saiu em uma longa “viagem de negócios ao
exterior” e depois voltou para encontrar seu namorado infiel e babaca com outras duas mulheres.
Houve muitos mal-entendidos envolvidos, é claro, e expliquei tudo o que aconteceu em minha
carta. Nunca se sabe ao certo com Eris, mas presumi que ela entendia a situação. Ainda assim, não
significava que estava pronta para aceitar. Considerando sua personalidade, meio que esperava
que me atacasse com uma faca de cozinha qualquer dia desses. De qualquer maneira, dadas as
circunstâncias, parecia um pouco errado só… pedi-la para se casar comigo.
Além disso, ela estava se comportando de maneira um pouco estranha no geral. Para ser
honesto, não conseguia descobrir o que estava pensando. Sem querer julgar, mas a Eris que
conhecia era uma pirralha teimosa e desobediente, que costumava agir antes de pensar nas
consequências. Meio que esperava algo assim: “Eu te amo, Rudeus! Isso significa que você pode se
casar comigo! Venha para o meu quarto – vamos fazer amor a noite toda! Ficou bem claro a todos?
Rudeus é meu! Tire essas outras mulheres daqui!”
Porém, para a minha surpresa, não disse nada do tipo. Na verdade, não estava… exigindo
nada. Nunca a vi tão quieta e submissa.
Eu tinha uma teoria que explicava o motivo.
Duas semanas atrás, Eris arriscou sua vida para me proteger de Orsted. Porém, naquele
momento, ainda estava iludida com algumas fantasias irreais sobre mim. Até aquele dia,
provavelmente achava que eu havia passado os últimos cinco anos treinando rigorosamente como
ela. Claro, isso não estava nem perto de ser verdade. Fiz algum esforço para ficar mais forte, mas
nada comparado ao seu empenho. Orsted me derrotou impiedosamente, e Eris chegou bem a
tempo de me ver rastejando pateticamente pelo chão. E como se não fosse o bastante, também
me casei com outras duas mulheres, e havia alguns rumores nada lisonjeiros sobre mim circulando
pela cidade. Não seria surpreendente se sentisse um pouco desiludida. Talvez não estivesse
dizendo nada porque planejava partir em breve.
Quanto mais pensava nessa possibilidade, mais nervoso ficava em começar uma conversa.
Sendo sincero, estava com medo de ser rejeitado. E se ela me olhasse firmemente nos olhos e
dissesse: “Não dou a mínima para você!” ou algo do tipo? Só de pensar nisso já ficava deprimido.
De certa forma, era o que eu provavelmente merecia, mas ainda seria como um soco no estômago.
Mas se ela quisesse dizer isso, não teria dito antes?
Sim, mas…. Hmm. Não sei… Argggh…
De um jeito ou de outro, obviamente precisávamos conversar. Eu tinha que criar coragem e
perguntá-la quais eram seus planos. Foi o que fiquei repetindo para mim mesmo…, mas
simplesmente não pude encontrar o momento certo. Não consegui dizer nada, e Eris também
estava calada. E assim, os dias foram se passando sem nenhum progresso em nossa relação.
Se possível, queria esclarecer as coisas entre nós antes que Orsted entrasse em contato
comigo. Mas não sabia como fazer isso. Estava começando a parecer que nós dois iríamos só…
continuar vivendo separados na mesma casa sem nunca nos entendermos.
Como eu estava preocupado com esses pensamentos, Roxy veio até mim e fez uma pergunta
inesperada.
— Então, quando planeja organizar a festa do seu casamento com Eris?
— A… festa de casamento?
— Sim. Quero dizer, você fez uma comigo, então presumo que fará o mesmo com ela. Vou tirar
o dia de folga para ajudar, então esperava que pudesse me falar a data…
Fiquei sem palavras.
Depois de uma pausa estranha, Roxy me olhou nos olhos e franziu a testa.
— Não me diga que ainda nem falou com Eris? Discutimos sobre isso muito antes de ela
aparecer, se lembra?
A expressão no meu rosto provavelmente era… uma que demonstrava desconforto, para dizer
o mínimo.
Roxy estava certa, é claro. Eu já tinha resolvido o assunto com a minha família; todos estavam
prontos para aceitar Eris. Aisha estava disposta desde o início, mas até Norn estava tratando-a
como parte da família agora. Na verdade, vi ela e Eris conversando alegremente sobre Ruijerd
algumas vezes. Elas pareciam estar se dando bem, muito mais do que o esperado.
Ninguém era contra este casamento. O único impeditivo era a minha covardia.
— Rudy, você não pode adiar isso para sempre — disse Roxy apontando o dedo para o nada
em sua melhor pose de “irmã mais velha responsável”. — E não deveria deixar Eris esperando por
mais tempo.
— Deixar esperando…?
— Claro. Ela está esperando que diga “Pule em meus braços!” ou algo do tipo.
Só para enfatizar seu argumento, Roxy abriu os braços para mim. Foi muito fofo.
— Hmm. Realmente acha que Eris quer ouvir isso de mim? Tem certeza de não é apenas uma
de suas fantasias?
— Quê…?! Pare com isso, não me provoque! Você precisa levar isso a sério, Rudy!
Roxy cruzou os braços e estufou as bochechas irritada.
Eu a provoquei por reflexo, mas precisava pensar um pouco nisso. Eris realmente estava
esperando que eu desse o primeiro passo? Isso não parecia ser de seu feitio…
Se bem que Roxy nunca esteve errada antes. Ela era o tipo de deus cujos conselhos eram
sempre confiáveis. Agora que estava me incentivando, não tinha nenhuma razão justificável para
hesitar. Era hora de mostrar um pouco de coragem. Eu me aproximarei de Eris, a direi como me
sinto e verei o que ela tem a dizer sobre isso. Se risse na minha cara, teria que fazer com que
Sylphie e Roxy me animassem.
No entanto, prioridades em primeiro lugar. Abrindo meus braços, declarei:
— Pule em meus braços, Roxy! — no tom mais entusiasmado que consegui.
— Você nem está ouvindo, está…
A voz de Roxy sumiu no final da frase. Ela me olhou no rosto, e então checou com cuidado os
arredores, confirmando que não havia ninguém por perto. Logo em seguida, abaixou as mãos até
a cintura e deu um pulinho adorável em meus braços. Podia sentir sua barriga ligeiramente
conspícua pressionando contra meu estômago.
— Calma aí, princesa. Cuidado com o bebê.
— Não se preocupe — Roxy murmurou baixinho em meu ouvido. — Eles precisam se exercitar
de vez em quando se quiserem ficar em forma.
Era realmente assim que funcionava? Bem, se a especialista disse, quem sou eu para duvidar?
Decidindo que esta era uma boa oportunidade para passar algum tempo íntimo com minha
esposa, me sentei em uma cadeira e pus Roxy no meu colo. Porém, ao fazer isso… tive a estranha
sensação de que estava sendo observado.
— Hum…?
Havia alguém à espreita na porta, meia escondida, abaixada como uma empregada
bisbilhoteira. Alguém com olhos que brilhavam como os de um tigre furioso.
Era Eris.
— Gya!
— Q-Qual o problema, Rudy?!
Enquanto eu gritava e apertava Roxy com força em meus braços, Eris desviou os olhos dos
meus e desapareceu nas sombras do corredor. Ela não disse uma palavra, mas ainda conseguia me
aterrorizar horrores.
O-Ok, talvez eu fale com ela amanhã…

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No dia seguinte, perambulei pela casa em busca de Eris, esperando finalmente ter a conversa
que vinha adiando há muito tempo.
Não demorou muito para encontrá-la. Ela estava no quintal, treinando movimentos de espada.
Por alguma razão, Norn também estava praticando ao lado dela. A menina não deveria estar na
escola? Hmm. De vez em quando, Eris fazia uma pausa para dizer algo como “não, não. Faça isso
deste jeito”. Parecia que estava tentando ajudar minha irmãzinha com sua postura.
— Já te falei, não está certo! Por que não está conseguindo?
— Isso não me ajuda muito. O que exatamente estou fazendo de errado?
— O que exatamente? Uh…
Eris nunca foi muito boa em colocar essas coisas em palavras, então eu estava um pouco
cético que Norn iria aprender algo com essa lição. Algumas pessoas com muito talento natural nem
entendem por completo como fazem as coisas instintivamente.
Mas para a minha surpresa…
— Bem, você não está usando tanto a sua mão esquerda quanto deveria. Se balançar sua
espada usando apenas o braço direito, a lâmina não vai acertar o alvo.
Hã? Espere, estou ouvindo coisas?
— Tente se concentrar nos movimentos da sua mão esquerda… finja que está usando só esse
braço. Isso deve tornar seus balanços de espada mais suaves.
Espere, realmente é a Eris falando? Talvez esteja apenas gesticulando e Ghislaine dublando?
— Oh, certo. Acho que agora entendi!
— Ótimo, ótimo. Assim espero.
Sorrindo uma para a outra, as duas voltaram para o treino de espada. E a postura de Norn
parecia um pouco melhor do que antes…
Bem, acho que ela é uma Rei da Espada agora.
Ghislaine me disse uma vez que não dá para alcançar esse nível apenas com instinto ou
talento. Eris deve ter aprendido a pensar logicamente sobre sua técnica enquanto se aprimorava.
De qualquer forma… Os balanços de espada de Eris eram bem rápidos. Eu não conseguia nem
ver um borrão além da base de sua lâmina.
Seus movimentos também eram muito… lindos. Sua lâmina era erguida aos poucos, e cortava
silenciosamente o ar quando abaixada. Só quando parava, bem no fim de seu balanço, que dava
para ouvir um suave assobio.
Era uma visão fascinante. Vê-la em ação me fez querer suspirar de admiração. Cara, aquele
olhar totalmente concentrado em seu rosto… as gotas de suor em sua testa… seu corpo esguio e
bem definido… seus músculos se contraindo com o esforço…
Oh! Oh, meu deus. Como pude ter esquecido isso?
Cada vez que Eris balançava sua espada para baixo, uma certa parte flexível de sua anatomia
estremecia ligeiramente. Não estavam realizando movimentos bruscos. Para ser exato, estavam
oscilando de maneira bastante sutil. Provavelmente porque seus golpes de espada eram tão
eficientes que a parte superior do corpo nem estava se mexendo muito. Aquela camiseta que
estava vestindo parecia fornecer algum apoio, mas, examinando mais de perto, tive a sensação de
que não estava usando nenhuma “armadura peitoral” por baixo. A cada balanço, meus olhos
ficavam um pouco mais vidrados nesse esplêndido fenômeno. Eu não conseguia escapar de seu
campo gravitacional!
— Hum…?
De repente, os seios de Eris pararam de se mexer… ou seja, ela parou de balançar a espada.
Olhei para cima e descobri que estava olhando na minha direção. Suas pernas estavam
abertas na largura dos ombros, seu queixo ereto, e uma expressão séria estampada no rosto. Tudo
o que precisava fazer era cruzar os braços que sua pose intimidadora de antigamente ressurgia.
Assim que esse pensamento me ocorreu, notei o que ela estava segurando: aquela espada
super afiada que usou contra Orsted.
Decidi fazer uma retirada tática imediata.
Ninguém gostaria de iniciar uma discussão importante com uma pessoa carregando uma arma
mortal, certo? Não seria educado!
Duas horas depois, quando percebi que seu regime de treinamento deveria ter acabado, fui
procurar Eris mais uma vez.
Ela não estava mais no jardim. Porém, quando verifiquei a entrada do nosso banheiro, vi
apenas as roupas de Norn dobradas no vestiário. Naturalmente, não dei uma de bisbilhoteiro.
No entanto, depois de procurar pela casa inteira, não consegui encontrar Eris em lugar
nenhum. Talvez ela tivesse trocado de roupa na hora e saído em alguma missão? Esperar seu
retorno sempre era uma opção, é claro…, mas não havia motivo para falarmos sobre isso dentro
de casa. Se ela saiu, eu deveria tentar alcançá-la.
Com esse pensamento em mente, fui ao banheiro para me aliviar antes de partir.
Contudo, quando estava prestes a encostar na maçaneta, a porta foi aberta rapidamente por
dentro.
— Ah!
— Buh!
De repente, me encontrei a poucos centímetros de uma Eris muito assustada. À queima-roupa,
suas características faciais marcantes eram ainda mais bonitas. Suas ondas de cabelo vermelho
vivo, levemente úmido, fluíam sobre seus ombros e desciam em direção ao busto. Sua camiseta
encharcada de suor grudava em seu corpo, oferecendo uma excelente visão de seu decote. Aquele
vale profundo e escuro atraiu meu olhar com toda a força de um buraco negro. Como todos os
vales, era ladeado por um par de colinas. E que colinas! Sua camisa suada revelava por completo
seus belos contornos, até os pontinhos afiados em seus cumes.
Parecia que meus olhos tinham morrido e ido para o céu dos globos oculares.
— E-Está olhando o quê?
O olhar de Eris tornou-se incerto. Foi muito fofo. Por reflexo, estendi a mão e toquei os grandes
montes diante de mim, explorando suas suaves encostas e picos um pouco mais duros.
Ooh. Que anjo macio…
Uma fração de segundos depois, o ombro de Eris fez um movimento e eu fiquei inconsciente.
Quando acordei, a parte de trás da minha cabeça estava apoiada em algo ligeiramente firme.
Era mais duro do que meu travesseiro habitual, mas tinha um calor agradável, e parecia meio…
flexível. Além disso, alguém parecia estar me acariciando na cabeça.
Por fim, percebi que esta era uma situação de “travesseiro de colo”. Infelizmente, ainda estava
meio grogue neste momento.
— Hm… nom, nom… não consigo comer mais nada…
Fingindo estar completamente adormecido, me virei para enterrar meu rosto no espaço
triangular onde as pernas do meu travesseiro humano encontravam seu corpo. Então, respirei
fundo e comecei a apalpar sua bunda.
— Hyaaa!
Hmm? Esta não é a bunda de Sylphie. A dela é bem menor… quase do tamanho da palma da
mão.
Também não parece ser da Roxy. A dela tem um cheiro agradável e reconfortante, mas este
está um pouco suado… e por algum motivo, estava me deixando com um péssimo pressentimento….
Mas não é ruim. Me faz sentir um pouco nostálgico…
Neste exato momento, acordei por completo. Abri lentamente os olhos e virei-me a fim de
olhar para a mulher em que estava deitado. Do outro lado de duas montanhas bem torneadas, um
par de olhos intensos olhavam para mim. Eris se abaixou e agarrou firmemente minha cabeça com
a mão.
Oh, Deus, este é o meu fim! Ela vai quebrar meu pescoço! Adeus, Sylphie! Adeus, Roxy!
Desculpem-me por deixá-las tão cedo…
Porém, para minha surpresa, Eris não me matou. Em vez disso, começou a acariciar meu cabelo
com movimentos fortes, mas suaves. Me encolhendo o máximo possível, a estudei
cuidadosamente. Ela estava fazendo beicinho, seu rosto estava vermelho e não me olhava nos
olhos. Mas não parecia estar muito brava.
— Uhm… Senhorita Eris?
— É apenas Eris.
— Certo… me desculpe, Eris.
Assim que me desculpei, seu aperto em minha cabeça ficou evidentemente mais forte. Adeus,
minha amada família… nos encontraremos de novo algum dia…
— Está tudo bem — Eris disse depois de um momento. — Também sinto muito.
— Ah… Tudo bem então.
— Eu li sua carta e tudo mais. Não foi fácil para você depois que parti, não é?
Minha cabeça ainda estava sob o aperto firme de Eris, mesmo assim consegui assentir
balançando-a. Eu não era maduro o suficiente para acrescentar “nada disso foi culpa sua”. Nós
dois tínhamos nos entendido mal naquela época; eu estava magoado, e agora ela estava passando
por algo semelhante.
— Ei, Rudeus…
— O que foi?
—…
Eris ficou em silêncio por um longo momento. Ela parecia insegura sobre como completar sua
frase. Sabíamos que havia muito que precisava ser dito, mas não conseguíamos encontrar as
palavras certas. Os cinco anos que passamos separados foram muito longos – para nós dois.
— Você, uhm… ama aquelas duas, não é?
— Sim, eu as amo.
Com minha clara e rápida resposta, o aperto de Eris na minha cabeça ficou um pouco mais
firme.
— Você gosta mais delas do que de mim, certo?
— Sim.
O rosto de Eris se contorceu em tristeza.
Merda. Queria não ter dito isso. Não posso compará-las entre si. Eu amava muito Sylphie e
Roxy, mas também me apaixonei por Eris. Não havia nenhum sentido em negar isso neste
momento.
— Você me odeia?
— Claro que não! É que… faz muito tempo desde que nos vimos… Às vezes me sinto um pouco
estranho perto de você, só isso…
— Sabe, ainda gosto muito de você, Rudeus. E quero que me ame, também.
O rosto de Eris ficou tão vermelho quanto seu cabelo.
Eu estava ouvindo coisas, ou ela acabou de confessar seu amor por mim? Sim. Certamente
não havia outra maneira de interpretar isso…
A questão era como responder. Eu sabia qual era minha resposta final…, mas antes que
pudesse dá-la, precisava ter certeza de que ela realmente entendia no que estava se metendo.
— Você sabe que já tenho duas esposas, certo?
—…
Carrancuda, Eris se levantou abruptamente. Rudemente expulso de seu colo, cai de cara no
chão de madeira.
Parecia que estávamos na sala de estar. Não havia mais ninguém por perto. Sylphie e Norn
estavam ambas em casa, mas talvez estivessem tentando nos dar algum espaço no momento.
Enquanto rastejava sobre minhas mãos e joelhos, Eris olhou para mim de cima. Seus braços
estavam cruzados, suas pernas abertas na largura dos ombros e seu queixo ereto. Era exatamente
a mesma pose que usou na primeira vez que nos conhecemos.
— Vamos para fora, Rudeus! Quero um duelo!
— Hã?! — gritei, me levantando enquanto limpava a poeira das minhas roupas. — Um duelo?!
— Isso mesmo! Se você ganhar, vou embora de vez! Mas se eu ganhar… — Eris fez uma pausa
para apontar um dedo direto para o meu rosto. — Se eu ganhar, então você terá que me amar
também!
As coisas tinham tomado um rumo estranho. Como resposta, só consegui assentir balançando
a cabeça.
De alguma forma, me encontrei enfrentando Eris do outro lado dos muros da cidade.
Não havia multidão para testemunhar nosso duelo, mas Ghislaine estava por perto. Eris a
arrastou para isso em nosso caminho para fora de Sharia. Considerando que ela trouxe um árbitro,
provavelmente não estava planejando me matar, certo?
—…
Eris não estava dizendo nada. Apenas me observava com a mão na empunhadura da espada.
Ao olhar mais atentamente, percebi que ela estava tremendo um pouco…, mas, conhecendo-a, era
apenas de excitação.
O que devo fazer?
Levar a luta a sério?
Para ser honesto, estava bem em perder. Na verdade, era preferível.
Eu tinha me apaixonado por Eris. Claro, tinha acabado de dizer a ela que gostava mais de
Sylphie e Roxy, mas isso foi mais uma resposta reflexiva do que qualquer outra coisa. Não
conseguiria realmente classificar meus sentimentos por elas. Sylphie, Roxy e Eris eram todas
mulheres maravilhosas e adoráveis à sua maneira. Pode parecer muita indecisão da minha parte,
mas era esse o tipo de vagabundo inútil que eu era — um que tinha desejo sexual hiperativo e uma
total incapacidade de permanecer leal a uma única pessoa.
Honestamente, uma parte de mim já estava babando com a ideia de pular na cama com essa
nova e sensual versão da Eris. Se ela queria que eu a amasse, ficaria mais do que feliz em obedecer.
Não era como se fosse “traição” neste momento, certo? Quero dizer, eu a amava, e não há nada de
errado com isso! O que poderia ser mais natural do que querer ficar com uma mulher tão atraente?
E se esses idiotas da Igreja Millis acharem ruim, que venham até mim! Vou me casar com quantas
pessoas quiser!
De qualquer forma, a ideia era muito boa, mas a questão era como Eris reagiria se eu
perdesse este duelo. E se ela tomasse isso como algum tipo de insulto humilhante? E se decidisse
que eu era apenas um covarde? Eris se tornou uma mestra espadachim para que pudesse me
proteger de Orsted. Talvez fosse preciso demonstrá-la minha força e provar que também fiquei
mais forte.
Se bem que, na realidade, eu não tinha treinado tão duro quanto ela, mas esse não era o
ponto.
Eris provavelmente queria que eu levasse isso à sério e lutasse sem me segurar. De qualquer
maneira, se eu perdesse, não teria problema; se ganhasse, sempre poderia pedi-la em casamento.
Talvez pudesse falar: “Certo, você é minha agora. Venha, vamos para casa” ou algo do tipo.
É… gostei da ideia.
Claro, as partes quebradas da minha Armadura Mágica ainda estavam naquela floresta, e Eris
era uma Rei da Espada que lutou contra o próprio Orsted no corpo a corpo. Eu não tinha nenhuma
perspectiva de vitória, a menos que começássemos a um quilômetro de distância um do outro…
Não que isso importasse, de qualquer forma. Se eu perdesse, também não seria ruim.
— Rudeus.
Porém, assim que cheguei a esta conclusão, Ghislaine gritou meu nome.
— Sim?
Fazia tempo que não a via, mas ela não havia mudado muito, só aparentava estar um pouco
mais velha. Nos cumprimentamos e tivemos algumas conversas desde sua chegada à cidade, mas
ela não entrou em muitos detalhes em relação à Eris. O que não era uma surpresa, afinal nunca
fomos muito próximos.
— A senhorita Eris não mudou quase nada. Você precisa mostrar a ela seus verdadeiros
sentimentos.
Sua voz era calma, mas firme, assim como me lembrava. E a implicação de suas palavras me
fez hesitar.
Lutar contra Eris realmente era a escolha certa?
Ao olhar para ela, percebi que tinha assumido sua postura usual de braços cruzados
enquanto esperava eu terminar de me preparar. Porém, em contraste àquela pose tão familiar, Eris
parecia estar muito diferente. Ela ficou mais alta, seu corpo se desenvolveu, tornando-se
semelhante à de um predador elegante, mas mortal.
Cinco anos se passaram. Sem dúvidas eu mudei desde aquela época, mas Ghislaine parecia
pensar que Eris continuava a mesma.
Certo. Como lidei com Eris quando a conheci? Como respondi às suas birras? Como devo
responder a esta?
— Preparados? Comecem!
Ghislaine gritou sinalizando o início do duelo, mas eu não levantei o cajado. Eris também
ficou parada com os braços cruzados.
Após um tempo, desembainhou a espada de sua cintura e começou a andar lentamente em
minha direção, balançando frouxamente a lâmina ao seu lado. Era a mesma linda e prateada arma
que usou contra Orsted. Aparentemente, era uma das famosas Sete Lâminas do Deus da Espada,
que o próprio Gall Falion havia dado a ela.
Eris parou a alguns passos de distância e fixou seu olhar intenso em mim.
—…
—…
Em seguida, ergueu a espada em minha direção.
— Não vai lutar?
— Se eu ganhar, você vai partir, não é? Prefiro perder, então.
Eris franziu a testa e não disse nada.
— Me escute, por favor… Perdi a chance de dizer isso antes, mas… eu te amo, Eris.
Sua reação à minha resposta fez com que se parecesse com um gato arrepiado.
Ah, droga. A irritei de novo? Eu deveria ter levado isso a sério e lutado com ela?
Antes que pudesse chegar a uma resposta, Eris balançou bruscamente sua lâmina para baixo.
— …!
Fechei meus olhos por reflexo e, após fazer isso, senti um pouco de dor no topo da minha
cabeça. Eris tinha acabado de me bater com o punho da espada. Quando abri meus olhos
novamente, seu rosto estava a apenas alguns centímetros do meu.
— Não consigo cozinhar como a Sylphie.
— Sim, eu sei.
— Não sou inteligente como a Roxy.
— Eu sei.
— E não sou tão fofa quanto elas.
— Você é linda e foda, então isso não importa nem um pouco.
— Mas você prefere, hum… mulheres pequenas e fofinhas, não?
— Ei, isso não é verdade. Estou completamente apaixonado por você.
Eris embainhou a espada. Nervosa, lentamente esticou os braços em volta da minha cintura,
pressionando seus seios contra mim. E então, de repente, começou a me apertar com muita força.
Seu leve cheiro de suor não havia mudado em nada.
Como resposta, envolvi meus braços ao redor de seu corpo. Seus músculos estavam mais
desenvolvidos do que antes, mas também não eram exatamente hipertrofiados. Abraçá-la era bom.
Senti como se fosse a coisa certa a se fazer.
— A vitória é minha, então?
— Sim.
— Sabe, Rudeus… se realmente não me quiser… posso desistir de você.
A voz de Eris tremia enquanto falava essas palavras. De alguma forma, tive a sensação de
que ela poderia ter perdido o propósito caso eu tivesse decidido lutar.
— Não precisa se preocupar com isso.
— Então… vou poder fazer parte da sua família?
— Sim. Contanto que não tenha problemas em me dividir com Sylphie e Roxy às vezes…
Fiz uma pausa para respirar. Essas palavras podem ter soado falsas vindo de mim, mas
precisava dizê-las de qualquer maneira.
— Quero que se case comigo, Eris.
Seus olhos se arregalaram, seus cílios tremeram e sua boca se abriu um pouco. Porém, se
conteve, controlou sua expressão e jogou a cabeça para o lado.
— H-Hmph! Já que você me quer tanto assim… acho que vou aceitar!
E com isso, Eris Greyrat se tornou minha esposa.
***
Na mesa de jantar naquela mesma noite, anunciei oficialmente que Eris havia concordado em
se casar comigo. Ao contrário de quando foi com Roxy, preparei as bases com antecedência, então
não houve explosões de raiva para lidar. Na verdade, ninguém sequer reclamou. Esperava um ou
dois comentários sarcásticos de Norn, se não uma oposição aberta, mas ela aceitou a notícia em
silêncio. Talvez ela tivesse perdido toda esperança de me devolver ao caminho correto.
De sua parte, Roxy e Sylphie deram seus parabéns.
— Bem-vinda à família, Eris!
— Não se preocupe, podemos elaborar as regras básicas um pouco mais tarde.
Parecendo mais desconfortável do que eu jamais tinha visto, Eris conseguiu gaguejar as
palavras “Muito obrigada por me receberem” em resposta. De alguma forma, essa não parecia a
frase certa para usar nesta situação, mas tanto faz.
Era raro Eris ficar tão nervosa com qualquer coisa, mas eu poderia dizer que ela realmente
queria ganhar a aprovação delas. Isso parecia um bom sinal. Eu realmente esperava que as três
aprendessem a se dar bem e evitassem brigas feias, mas não tinha o direito de expressar esse
pensamento em voz alta.
Depois do jantar, as três decidiram tomar banho juntas. Sylphie e Roxy dariam uma palestra
para Eris sobre a maneira correta de usar nossas instalações, e depois teriam um pequeno tempo
a sós na banheira. Estava morrendo de vontade de acompanhá-las e ajudá-las a se lavarem com
minhas próprias mãos, mas desta vez consegui me conter para não pedir.
Minhas três esposas saíram da sala, deixando eu, Lilia, Zenith, minhas irmãzinhas… e Ghislaine
Dedoldia.
—…
No momento em que Eris saiu da sala, Zenith começou a me socar silenciosamente na cabeça.
Lilia murmurou: — Senhorita, acho que você já deixou clara sua opinião —, mas não havia sinal de
que o ataque pararia mesmo depois de algum tempo.
Zenith era uma devota da Igreja Millis. Ela tolerou eu ter uma segunda esposa, mas
parecia extremamente descontente por uma terceira ter sido acrescentada.
— Ai! Ai! Isso dói, mãe! Desculpe, ok? Não vou fazer isso de novo!
Uma vez que expressei meu remorso, Zenith puxou os punhos para trás e voltou para sua
cadeira. Minhas irmãzinhas, que por acaso estavam sentadas bem ao lado dela, agora me olhavam
com reprovação.
— Não foi isso que você disse quando trouxe Roxy para casa, querido irmão? — disse Aisha. —
Sua palavra claramente não vale muito. Suspiro… Já espero você arrastando outra garota de volta
com você em breve. Ah, vai ter tanta roupa para lavar…
Não havia muito que eu pudesse dizer sobre isso. Essa decisão claramente me fez perder
alguns pontos de afeição com minhas irmãs.
Ah bem. Acho que posso viver com isso.
Aisha tinha algumas queixas legítimas, mas sua voz estava totalmente monótona. Ela
provavelmente estava apenas me dando uma bronca, na maior parte.
— Rudeus…
Neste ponto, no entanto, minha outra irmã falou. E a voz parecia muito séria. O que quer que
ela fosse dizer, precisava levar a sério.
— Sim, Norn? O que posso fazer por você?
— Uhm… como membro da Igreja Millis, realmente não posso aprovar seu comportamento.
— Compreensível.
— Dito isso, posso dizer o quanto a senhorita Eris ama você, então não vou me opor desta vez.
Você pode não gostar muito dela ainda, mas espero que a dê muito carinho de qualquer maneira.
Isso é tudo que eu tinha a dizer.
— Entendo. Prometo fazer o meu melhor nesse sentido.
Norn parecia gostar até que bastante de Eris, na verdade. Pelo que ouvi, foi ela quem pediu
aquelas aulas de espada. Senti que Norn ficou muito mais extrovertida em geral nos últimos anos.
Talvez isso tivesse algo a ver com o trabalho dela no conselho estudantil? De qualquer forma, era
definitivamente uma coisa boa.
— Mestre Rudeus.
Aparentemente, Lilia queria dizer sua parte agora. Sua voz estava um pouco mais baixa que o
normal.
— Sim, Lilia?
— Agora que você adicionou a senhorita Eris à família, esta casa vai ficar um pouco apertada.
Estou disposta a alugar um quarto próximo e morar lá com a senhorita Zenith, para…
— Não. Isso não vai acontecer — interrompi rapidamente. — Olha, quero cuidar de vocês duas.
Er, bem… na verdade é você quem ainda está cuidando de mim, mas você sabe o que quero dizer.
— Não posso dizer que concordo com essa avaliação, mestre Rudeus, mas vou respeitar seus
desejos neste assunto.
Se eu fosse e expulsasse minhas próprias mães da minha casa porque tinha muitas esposas,
meu pai provavelmente se transformaria em algum tipo de espírito vingativo. Um bom garoto cuida
de seus pais quando eles são mais velhos. Na verdade, tínhamos ficado sem quartos de hóspedes
agora que Eris se juntou à família, mas isso não era um grande problema. Poderíamos pensar em
alguma coisa se precisássemos.
— Rudeus…
Finalmente, foi a vez de Ghislaine se dirigir a mim.
— Sim, senhorita Ghislaine?
— Apenas Ghislaine, garoto.
Estudei a temível espadachim por um momento. Ela devia ter cerca de quarenta agora, mas
seu corpo ainda era musculoso. Ficou claro que não estava negligenciando seu treinamento.
— Posso deixar a pequena senhorita em suas mãos agora, certo?
— Sim. Cuidarei bem dela, eu juro.
— Ah vai? — Ghislaine fez uma pausa, depois sorriu um pouco. — Você cresceu um pouco, eu
vejo. Tem o mesmo olhar que Paul tinha nos olhos quando decidiu se casar com Zenith.
Isso era para ser um elogio? Hmm. Bem, teria que entender isso como um. Então puxei meu
pai esses dias, hein? Que bom ouvir isso. Talvez eu tenha crescido um pouco em maturidade…
Espere um segundo. Ghislaine só conhecia o Paul de antigamente, certo? Quando ele era um
total canalha?
Eu… realmente poderia tomar isso como um elogio?
— O que está planejando fazer a partir de agora, Ghislaine? Algum plano de se estabelecer na
cidade?
— Não. Agora que confiei a senhorita Eris a você, meu trabalho aqui está feito. Acho que vou
voltar para Asura.
— Asura? Planejando ajudar na reconstrução da região de Fittoa ou algo assim?
Os olhos de Ghislaine brilharam de emoção. — Não exatamente. Encontrarei aqueles que
executaram o Senhor Sauros e depois vou matá-los.
Parecia que a temperatura na sala havia caído significativamente. Não esperava uma resposta
tão… sinistra, mas podia entender seus sentimentos. Até então, Ghislaine estava focada apenas em
cuidar de Eris. Agora que a “pequena senhorita” foi deixada em segurança comigo, seu trabalho
estava completo. A única coisa que restava a fazer era se vingar daqueles que derrubaram o homem
a quem ela serviu tão lealmente.
— Isso significa que você ainda não sabe quem eles são, certo? Parece que sua morte foi parte
de uma complicada teia de intrigas, então suponho que muitas pessoas participaram disso.
— Vou cortar todos os antigos inimigos da família Boreas, um por um. Simples assim.
Isso me pareceu um pouco simples demais. Essa é a clássica Ghislaine.
Hmm… como eu poderia impedi-la, no entanto? Nesse ritmo, iria atacar a capital do reino
sozinha e acabaria sendo morta.
Infelizmente, senti como se nada do que eu dissesse fosse fazê-la mudar de ideia. Era de
Ghislaine que estávamos falando, afinal. Nesse caso, talvez a melhor coisa que pudesse fazer fosse
ajudá-la a encontrar uma maneira melhor de fazer isso…
De repente me peguei lembrando de algo daquele diário. Quando Ariel lançou um golpe de
estado em Asura, foi a Deus da Água e um Imperador do Norte que a derrotou.
— Ghislaine, há algo que você deveria saber. Ouvi de uma fonte bastante confiável que o Reino
de Asura atualmente tem tanto a Deus da Água quanto um Imperador do Norte trabalhando para
eles.
— Ah. Aqueles dois.
— Você já os conhece?
— Sim, eu os conheço bem. O mesmo vale para a senhorita Eris, por falar nisso. E o que tem
isso?
— Bem, você pode acabar tendo que enfrentá-los. Sei o quão forte você é, mas não acho que
sairia disso viva.
— É verdade. Eu não poderia lidar com os dois sozinha. — Com um pequeno aceno de cabeça,
Ghislaine me olhou nos olhos e ficou em silêncio. Ela estava esperando para ouvir o que mais eu
tinha a dizer sobre isso.
— Por coincidência, conheço uma pessoa que foi pega na mesma confusão que custou a vida
de Lorde Sauros. É possível que ela estivesse trabalhando contra a família Boreas na época, então
você pode considerá-la uma inimiga, mas se unir forças com ela, acho que terá a chance de matar
as pessoas que quer mortas — e uma justificativa legítima para isso.
— Quem é?
— Ariel Anemoi Asura.
As orelhas de Ghislaine se contraíram. Aquilo enviou um pequeno choque de nostalgia através
do meu sistema. Quando eu a ensinava, ela sempre fazia isso quando via um problema que não
conseguia resolver.
De qualquer forma… se ela não reconhecesse o nome, muito melhor.
— Ela é a segunda princesa do Reino de Asura.
— É?
Parei por um momento para me perguntar se isso era realmente uma boa ideia. Ariel
provavelmente iniciaria uma tentativa de golpe imprudente em Asura num futuro próximo. Eu
estava apenas enviando Ghislaine para a morte?
Não. O futuro pode mudar totalmente.
Por um lado, li aquele diário, então poderia oferecer a Ariel pelo menos um pequeno conselho.
Poderíamos transformar essa tentativa de golpe imprudente em uma que teria sucesso. Era muito
possível que o Deus-Homem estivesse puxando as cordas por trás desses eventos. E como agora
eu era subordinado de Orsted, meu envolvimento poderia mudar um pouco as coisas.
Supondo que eu acabasse encontrando alguma maneira de Ariel sair triunfante, seria melhor
para todos nós ter uma espadachim como Ghislaine ao seu lado. Eu tinha toda a intenção de ajudar
pessoalmente, mas primeiro precisava consultar Orsted.
— Acho que você deveria pelo menos ter uma conversa com ela e ver o que acha.
— Tudo bem. Se você diz, eu vou.
Ghislaine aceitou meu conselho prontamente. Por enquanto, pelo menos, parecia que eu a
tinha convencido a não fazer nada muito precipitado.
— Uau…
Olhei por cima da mesa e encontrei Norn e Aisha olhando para mim com os olhos arregalados.
— Posso ajudá-las, pessoal?
— Ah, não é nada… Uhm, você realmente era o tutor de uma Rei da Espada, hein?
— O que, você achou que eu tinha inventado isso?
— Quero dizer, não realmente… só não esperava que a senhorita Ghislaine levasse seu
conselho tão a sério.
Intrigada, Ghislaine e eu trocamos olhares. Houve algo tão estranho em nossa conversa?
— Hum, Rudeus? — Norn interveio. — Conheço um estudante mais velho da Universidade que
quer ser um aventureiro e eles estavam me contando outro dia sobre como essa “Rei da Espada
realmente assustadora” havia chegado à cidade. Até as pessoas mais duronas da cidade ficaram
um pouco intimidadas por ela, sabe? É meio impressionante vê-la falando com você de igual para
igual.
Ghislaine sorriu com isso. — Rudeus é muito mais assustador do que eu jamais serei, garota.
Quero dizer, ele ganhou o respeito do Deus Dragão.
— Uau…
Norn parecia genuinamente impressionada com isso. Talvez eu tenha recuperado alguns
daqueles pontos de afeição. Ou talvez fossem apenas pontos de respeito? Eu não conseguia ver a
opinião dela sobre minha vida amorosa melhorando muito…
De qualquer forma, o elogio de Ghislaine me trouxe de volta um pouco de dignidade, no
mínimo. Sorte a minha!
Naquela noite, depois que Ghislaine voltou para sua pousada, Eris se juntou a Sylphie e Roxy
para algum tipo de reunião privada.
Estava extremamente curioso sobre o que estavam discutindo, mas presumivelmente não fui
convidado por um motivo. Consegui conter a vontade de ouvir. De relance, o clima parecia bastante
amigável e Eris estava ouvindo as outras duas atentamente, então provavelmente não havia nada
para se preocupar. Afinal, aquela garota tinha percorrido um longo caminho desde seus anos mais
selvagens de infância.
Acabei ensinando Norn um pouco no meu estudo. E uma vez que ela se deitou para dormir,
adicionei uma passagem ao meu diário. Este foi definitivamente um dia digno de comemoração.
Quando meus pensamentos se voltaram para nosso futuro como família e meu novo papel
sob o comando de Orsted, me senti um pouco ansioso, mas passamos por uma grande e turbulenta
tempestade juntos. Isso era algo digno de comemoração.
Quando saí do meu escritório, a casa estava completamente silenciosa. A reunião deve ter
terminado há algum tempo. Talvez as três estivessem dormindo no mesmo quarto esta noite? Ou
esperando por mim no meu quarto, aliás…
Ok, não é provável.
De qualquer forma, quando o lugar estava tão silencioso, podia ser meio perturbador.
Pensando bem sobre isso, a visita do meu eu do futuro ocorreu em uma noite tranquila como esta.
Eu estava prestes a ter outra surpresa dramática? Talvez algum carinha assustador com seu corpo
inteiro escondido por uma confusão borrada de pixels fosse aparecer das sombras para mim.
Vamos lá, agora você está apenas sendo ridículo…
Tinha chegado ao meu quarto agora. Não havia luz vindo de dentro, então parecia que eu
estaria sozinho esta noite…
Assim que estava pegando a maçaneta, a porta se abriu por dentro e fui arrastado
violentamente para dentro do quarto.
— Gaaaa!
Reflexivamente joguei a mão no meu agressor e comecei a canalizar mana através dele, mas
meu pulso foi agarrado e pressionado contra a porta, me prendendo no lugar.
Por uma fração de segundo, pensei que estava acabado. Então notei quem eu estava
enfrentando.
— Ah. É só você, Eris.
Minha mais nova esposa, tendo colocado uma camisola casual, aparentemente decidiu me
emboscar.
— U-uhm, Rudeus…
Por alguma razão, seus olhos estavam extremamente vermelhos. Além disso, seu rosto estava
corado e ela respirava com dificuldade. Ela parecia absolutamente furiosa. Eu já tinha feito algo
para irritá-la? Precisava escolher minhas palavras com muito cuidado.
— N-nós somos marido e mulher agora, certo? Oficialmente?
— Bem, sim. Oh, você quer ter uma cerimônia formal, talvez? Poderíamos chamar um monte
de gente e…
— Ah, não, eu nem me lembro mais como dançar… Olha, não é disso que estou falando. Eu
quero fazer aquilo.
Hmm. Fazer o quê, exatamente?
Contudo, antes que eu pudesse dar muito ao assunto, Eris jogou o braço em volta dos meus
ombros e me puxou para um beijo violento. Seus dentes bateram contra os meus com força o
suficiente para enviar uma pontada de dor pela minha mandíbula. Tentei recuar, mas a porta atrás
de mim tornou isso impossível. Eris continuou esfregando sua testa contra a minha com
entusiasmo.
— Puah…
Quando finalmente consegui respirar, Eris moveu seu braço até minha cintura e começou
basicamente a me arrastar pelo chão. Em segundos, ela me trouxe para cima da cama.
Espera. O que diabos está acontecendo aqui? Caralho. Você está indo muito rápido, senhorita!
— Ah, Eris? Acho que devemos desacelerar um pouco. Você sabe, nós temos que conversar
sobre as coisas com Sylphie e Roxy primeiro…
— Eu já fiz isso. Sylphie disse que esta noite pode ser a minha vez.
— E quanto a Roxy? Ela pode querer que esperemos enquanto ela está grávida…
— Ela estava bem com isso, na verdade.
Em algum momento durante essa conversa, Eris me jogou na cama. Ela estava me segurando
com tanta força que não conseguiria me libertar nem mesmo se tentasse.
— Ei… eu quero que o primeiro filho seja um menino, ok?
A mulher ainda respirava com dificuldade pelo nariz. Ela não estava com raiva, estava
com tesão. Tinha que admitir, não esperava esse nível de entusiasmo dela. Quero dizer, eu
definitivamente não estava reclamando, era encantador ver o quanto ela me queria. E meu corpo
também não estava exatamente se opondo aos avanços dela, se é que você entende o que quero
dizer.
Mas, uh… não era para ser eu quem bancaria o dominador?
— Eu te amo, Rudeus. Você não iria me recusar, certo?
— Bem, c-claro que não. Mas tente se acalmar um pouco. Por que não tomamos algum tempo
para criar um clima primeiro? Podemos tomar algumas bebidas, colocar em dia os últimos cinco
anos e começar quando as coisas estiverem agradáveis e românticas…
— Argh! Que se dane isso! Você sabe quanto tempo estive esperando para fazer isso de novo?!
Mesmo enquanto falava essas palavras, Eris estava subindo na cama e se posicionando em
cima de mim. Suas pernas poderosas prenderam as minhas no lugar e suas mãos pressionaram as
minhas contra a cama; ela se inclinou, empurrou o nariz contra a parte superior do meu peito e
começou a cheirar ruidosamente.
O que ela é, um cachorro? Espero não estar muito fedorento esta noite…
— Haah… haah… Rudeus… estamos casados agora, certo? Isso significa que você é meu, certo?
— Huh?! Quero dizer, não exatamente… Estava esperando que você pudesse me dividir com as
outras duas, na verdade. Vamos todos nos dar bem…
— Mas é minha vez esta noite. Então você é meu agora.
Parecia que havia apenas uma resposta com a qual ela ficaria satisfeita.
— Bem, sim.
O aperto de Eris em meus pulsos ficou visivelmente mais forte.
Ai. Ai! Você está quebrando meus pulsos, garota! Nesse ritmo, vou ter que pedir outro favor a
Orsted!
— I-isso significa… que posso fazer o que eu quiser, certo?!
Hmm. O que ela estava planejando fazer, exatamente? O que seria de mim?
Bem, claramente ia envolver sexo. Eu era contra isso? Não. Então minha resposta tinha que
ser…
— C-claro, eu acho.
Assim que eu disse essas palavras, Eris se transformou em uma fera.
***
Na manhã seguinte, acordei com o som de pardais cantando.
A primeira coisa que fiz foi procurar Eris, mas não demorou muito. Aquele rosto marcante
estava bem ali ao meu lado. A mulher era linda dormindo.
— Ufa…
Com um pequeno suspiro de alívio, pensei nos acontecimentos da noite anterior. Eris e eu nos
divertimos muito… especialmente Eris.
Acho que é seguro dizer que minha técnica era superior à dela. Comecei na liderança, pelo
menos. Não queria deixá-la tirar o melhor de mim, então dei tudo que eu tinha.
Infelizmente, as coisas mudaram no meio do jogo. A mulher apenas tinha muito mais
resistência do que eu. E muito semelhante à nossa primeira vez, ela simplesmente continuou…
Bem, para encurtar a história, não consegui a vitória. Eris acabou se divertindo por um bom
tempo enquanto eu estava ali deitado e sem resistência.
Nunca tinha sido tão completamente dominado em minha vida. Estamos falando de um
daqueles cenários: “desculpe querida, mas eu pertenço ao mestre agora”. Perdi minha inocência
para sempre…
Mas apesar de minha derrota, olhar para Eris dormindo ao meu lado com aquela expressão
satisfeita em seu rosto estava me enchendo de sentimentos calorosos e ternos. Ela tinha sido como
um lobo furioso na noite passada, mas agora parecia quase angelical. Colocou um verdadeiro
sorriso no meu rosto.
Talvez fosse assim que Sylphie se sentia quando me observava dormindo.
— Hmm… Isso com certeza parece diferente, no entanto…
Aliás, minha cabeça estava descansando no braço de Eris. Até agora, eu nunca
tinha recebido essa manobra, então parecia estranhamente revigorante. Meu travesseiro era um
pouco fino, mas também muito sólido — por alguma razão, me fez sentir como se estivesse
totalmente seguro.
Parando para pensar… cinco anos se passaram desde que nos vimos pela última vez. Eris
cresceu muito nesse tempo, mas eu ainda não tinha certeza do quão musculosa ela tinha ficado. O
quarto estava escuro demais para eu dar uma boa olhada na noite passada, embora tudo que
pudesse ver fosse muito atraente.
Contorcendo-me um pouco, estendi a mão para tocar a barriga de Eris.
— Oooh, que esplêndido…
Na superfície, não havia muito em termos de gomos abdominais claramente definidos. Na
verdade, ela tinha uma quantidade decente de gordura sobre ela, mas logo abaixo disso, havia
uma camada de músculos notavelmente densos. Quando empurrei meus dedos contra sua pele,
um pacote compacto de seis se revelou.
Meu abdômen também não estava ruim, mas isso… isso estava realmente em outro nível.
Como era possível ter um corpo assim sem ficar todo volumoso? Era um milagre sua cintura ainda
ser tão fina. Ela deve ter treinado todos os seus oblíquos e músculos do quadril
em perfeito equilíbrio entre si.
Mas sério, o que havia nos músculos de uma mulher que os tornavam tão incrivelmente sexys?
Não queria nunca mais tirar minhas mãos dessas coisas.
No entanto… eles não eram meu único alvo no momento.
Lentamente movi minha mão para cima, na direção dos dois grandes montes claramente
visíveis sob o cobertor.
Ontem à noite, eu passei muito tempo com minhas mãos presas em um aperto, então não tive
muitas chances de tocá-los… mas nós estamos casados agora, certo? Eu basicamente tenho
permissão, não é?
— Uau…
Caramba, que base sólida!
Eris tinha peitorais, e eles eram tão firmes e compactos quanto seu abdômen. Coisas
realmente esplêndidas. E em cima desses pratos bonitos e sólidos… tínhamos nossa sobremesa.
Penso que a vida tem tudo a ver com encontrar um equilíbrio entre as coisas duras e as suaves.
Desta forma, é hora de ficar um pouco mais livre, leve e solto na safadeza!
Uau. Ok. Essas coisas são como… melões.
Sylphie e Roxy não tinham nada parecido com esses bebês. Gostava muito dos delas, mas o
tipo maior definitivamente tinha seu próprio charme especial. E a partir de agora, poderei sentir
isso sempre que quiser? Eu realmente devia algumas palavras de gratidão a Deus. Obrigado, Roxy!
Obrigado, Sylphie!
Minha grande busca estava no fim. Eu havia escalado as Montanhas Eris e um novo dia havia
raiado para toda a humanidade!
— Hohohoh.
De repente, um velho familiar de cabelos brancos apareceu em minha mente.
Ora ora, se não é o Velho Sábio Eremita! Quanto tempo sem te ver, amigo! Dê uma olhada
nessas frutas frescas e gloriosas! Verdadeiramente, a terra nos abençoou com sua abundância!
— Hohohoh! Parece que não tenho mais nada para te ensinar, jovem… Que seu caminho te
leve à iluminação!
O quê?! Não! Volte, Velho Sábio Eremita! Volte! Eu ainda tenho grande necessidade de sua
sabedoria!
—…
— Gah.
Meu solitário show foi interrompido bruscamente quando fiz contato visual com Eris. Ela
acordou em algum momento e estava me observando. Essa era a parte em que eu levava um soco?
Quero dizer, eu meio que merecia, depois de apalpá-la assim…
Antes que pudesse dizer qualquer coisa, a mão de Eris virou e agarrou meu pulso. Parecia que
ela estava, de fato, um pouco chateada.
— Vamos conversar sobre isso, querida! Mais conversas, menos socos! Que tal uma boa
conversa de travesseiro? Lembra daquela vez em que começamos a fazer abdominais juntos,
quando éramos crianças? E eu não pude deixar de tocar seu abdômen? Ah, que canalha eu fui…
—…
Eris não soltou minha mão. Em vez disso, ela se virou para se sentar em cima de mim,
enrolando seus membros ao redor dos meus.
Isso não era raiva queimando em seus olhos. Era luxúria. Acordar e me encontrar apalpando
seu peito deve tê-la excitado de novo.
Quero dizer, é compreensível, certo? Eu sei que ficaria excitado se acordasse e encontrasse
alguém brincando com meu corpo. Acho que assumi que geralmente as mulheres poderiam ver
essa situação muito menos favoravelmente do que um homem… mas talvez Eris fosse uma exceção.
Bem, tudo bem então. Venha até mim! Desta vez, vou te ensinar uma lição que você nunca vai
esquecer!
— E-espere! Gentilmente, delicadamente! Você poderia desacelerar um pouco, querida?
Passamos a noite toda… Eek!
Enquanto eu gritava como uma colegial tímida, Eris começou a me violentar pela segunda vez.
***
Quando finalmente me levantei de vez naquela tarde, estava sozinho no quarto e Eris não
estava em lugar nenhum. Seu lado da cama já estava frio. Entretanto, desta vez não me senti
ansioso ou abandonado, apenas… drenado. E satisfeito.
Dei um tapa na minha cintura trêmula, me levantei e caminhei até a janela. O sol estava
particularmente amarelo hoje; meu rosto provavelmente estava um pouco amarelo também.
Avistei Eris no quintal. Estava fazendo seus balanços de treino habituais com um grande
sorriso feliz no rosto. Depois de todo aquele exercício que ela nos fez passar, fiquei surpreso que
ainda tivesse energia. Aquela mulher realmente tinha a estamina de um cavalo.
Quero dizer… com certeza não estava reclamando, veja bem. Sylphie e Roxy não tinham tanto
poder de permanência quanto eu, então elas tendiam a se desgastar primeiro. Esta foi a primeira
vez que eu realmente fui espremido assim. Se o estilo de Sylphie era um pouco submisso e Roxy
era mais técnica, então Eris era do tipo totalmente agressivo. Mais ou menos como Tokugawa,
Toyotomi e Oda[1], respectivamente.
Isso fez de mim o poder secreto por trás do trono? De fato. Foi só graças a mim sendo
derrotado por Orsted que Eris se tornou uma poderosa Rei da Espada!
Estou brincando. Se eu ficasse muito cheio de mim mesmo, poderia acabar decapitado um dia
desses. Não gostaria de fazer minha querida Hideyoshi buscar vingança em meu nome.
De qualquer forma… eu realmente queria ter uma pequena conversa de travesseiro da
próxima vez. Sinceramente, estava ansioso para passar uma boa e preguiçosa hora na cama com
Eris esta manhã. Queria ouvir mais sobre como ela passou os últimos cinco anos de sua vida e as
pessoas que ela conheceu ao longo do caminho.
Por enquanto, fui ao banho para me limpar. Feito isso, fui até o porão e fiz uma oração ao meu
altar. Parecia que era hora de adicionar uma terceira relíquia a este pequeno santuário. A deusa
da sabedoria e a deusa do amor tinham acabado de se juntar a uma deusa da guerra… talvez uma
espada de madeira fosse apropriada?
Ponderei sobre o assunto e voltei para a sala de estar, onde Aisha estava ocupada limpando
o chão. Ela apareceu logo ao me ver.
— Bom dia, querido irmão! Você recebeu uma carta. Não diz de quem é, mas há algum tipo de
símbolo no envelope. Você o reconhece?
Quando peguei a carta de Aisha, congelei na hora.
Eu estava muito familiarizado com o brasão naquele envelope. Era o emblema do Deus
Dragão.
[1]
Oda Nobunaga, Toyotomi Hideyoshi e Ieyasu Tokugawa são considerados os três
unificadores do Japão Feudal.
Caro Rudeus Greyrat,
Espero que esta carta o encontre recuperado e com sua mana regenerada.
Quero discutir nossos próximos passos. Estarei esperando por você em sua cabana nos
arredores de Sharia.
Devido a certas circunstâncias, seria preferível que viesse sozinho.
— Orsted.

Depois de ler esta breve carta, pedi a Aisha que me preparasse o café da manhã
imediatamente.
Comi uma boa e sólida refeição, depois voltei ao meu quarto para me vestir. Tentei escolher
minhas roupas mais bonitas, checando com Aisha várias vezes para ter certeza de que estava bem.
E então, com Aqua Heartia em uma mão e meu diário do futuro na outra, saí de casa.
Zenith estava no quintal brincando com nosso animal de estimação Ente, então gritei: “Volto
logo, mãe”, ao sair. Ela acenou vagamente com a mão para mim em resposta; quase parecia um
gesto de até logo. Ao lado dela, Ente também balançava seus galhos.
Eu não disse uma palavra para Sylphie ou os outros. Eu sabia que eles iriam querer vir junto.
Mas a carta me dizia para ir sozinho, então era exatamente isso que eu ia fazer. Não é como se
estivesse indo para a batalha desta vez, de qualquer maneira.
Eu não poderia dizer que confiava completamente em Orsted. Ainda não, de qualquer maneira.
Mas sua carta mostrou alguma preocupação com meu bem-estar, e seu tom não era hostil. Além
disso, Nanahoshi parecia pensar que ele era um cara decente, já que ela se opôs ao meu plano de
lutar com ele em um nível emocional. No mínimo, ele parecia mais confiável do que o Deus-
Homem. Isso era definitivamente o que eu queria acreditar.
— Ainda estou meio nervoso, no entanto — murmurei para mim mesmo enquanto caminhava
por uma rua tranquila em Sharia. Toda vez que passava por uma poça de água na estrada, não
podia deixar de parar para examinar meu reflexo e me certificar de que estava bem. Decidi
trabalhar para Orsted, em outras palavras, ele era meu novo chefe. E quando seu chefe o chama
para uma reunião, você quer estar no seu melhor.
— Me pergunto se eu deveria ter colocado um pouco de colônia ou algo assim…
Eu tinha tomado banho esta manhã, mas depois da noite que passei com Eris, era bem
provável que houvesse alguns cheiros infelizes em meu corpo. O que exatamente o chefe pensaria
se eu entrasse em seu escritório fedendo a sexo? Não acho que me demitiria na hora, mas isso
poderia deixar uma má impressão. Era a última coisa que queria agora.
Orsted… era a única pessoa que tinha a chance de encontrar e derrotar o Deus-Homem. E
supostamente, ele faria isso acontecer algum dia, com a ajuda de meus descendentes. É uma merda
ser o Deus-Homem. Mas foi ele quem traiu minha confiança primeiro, então tanto faz. Não estava
disposto a simpatizar com um cara que mataria Roxy e Sylphie para se proteger.
Eu era o cachorro de estimação de Orsted agora. Abanar meu rabo para ele e mostrar minhas
presas para seus inimigos. Essa é a única maneira que eu poderia proteger minha família.
— Beleza…
Reconfirmada minha determinação, dirigi-me para os arredores da cidade com passos mais
rápidos e confiantes, evitando cuidadosamente a água barrenta salpicada pelas carruagens que
passavam.
Cheguei à minha cabana fora dos muros da cidade para achar algo diferente de alguma forma.
É difícil explicar em palavras, mas havia… algo estranho no ar ao redor. Se isso fosse um mangá, a
cabana definitivamente teria uma aura ameaçadora rabiscada em torno dela. De relance, ficou
óbvio que Orsted já estava esperando por mim lá dentro.
Respirei fundo algumas vezes, então bati bruscamente na porta.
— Sou Rudeus Greyrat, senhor! Estou aqui conforme solicitado!
— Ah. Isso não demorou muito.
Mesmo sabendo que estava lá, tremi um pouco ao som de sua voz. Definitivamente havia uma
parte de mim que ainda estava com medo dele. — Tenho sua permissão para entrar?
— Por que está me pedindo permissão? Você não é o dono desta cabana?
— Sim, senhor! Entrando, senhor!
Quando abri a porta e entrei na cabine, encontrei Orsted sentado em uma das cadeiras, me
encarando com raiva.
Bem… talvez ele não estivesse me encarando. Seu rosto era apenas assustador por natureza.
Fechei a porta atrás de mim e caminhei o mais rápido que pude. Parei bem ao lado da cadeira
em frente a Orsted e fiquei em posição de sentido. Ele olhou para mim com uma expressão
ligeiramente desconfiada no rosto.
— Hmm. Eu meio que esperava que você viesse aqui com todos os seus amigos unidos… mas
vejo que há apenas dois de vocês.
— Sim, senhor! Eu vim sozi… Peraí, dois de nós?
Fiquei um pouco desconcertado com isso. A menos que os olhos de Orsted estivessem ficando
tão ruins que ele estivesse enxergando em dobro, o comentário não parecia fazer muito sentido.
— Eris Greyrat! — gritou Orsted. — Você pode entrar também!
Um instante depois, a porta da cabine se abriu ruidosamente. Eris estava do lado de fora. Sua
espada já estava pendurada em sua mão, e havia morte em seus olhos.
— Orsted! — ela gritou, balançando sua lâmina até apontar para ele. — Se encostar um dedo
em Rudeus, vou te cortar na hora!
A força e a fúria de sua voz teriam feito um homem inferior fazer xixi nas calças, mas Orsted
estava totalmente inabalável. — Não tenho intenção de machucá-lo.
— Bem, eu não confio em você!
— Suponho que não.
Sem mais, Eris caminhou até um canto da cabine e cruzou os braços ameaçadoramente.
Ainda um pouco atordoado por esta entrada dramática, olhei de Orsted para Eris e de volta
para ele. Deveria estar dando minhas desculpas agora? Explicando que não a trouxe comigo?
Insistindo que não o via como um inimigo? O problema era que não podia dar desculpas para a
espada que ela estava segurando. O que deveria fazer aqui?
Enquanto eu hesitava, Orsted falou. — Qual é o problema, Rudeus Greyrat? Sente-se. Nós
precisamos conversar.
— Er, certo. Perdão. — Sentei-me, claro. Mas minha mente ainda estava em Eris e sua arma
desembainhada. — Uhm, sobre Eris…
— Sua reação deixou claro o suficiente. Ela o seguiu até aqui sem seu conhecimento, imagino.
— Bem, sim. Acho que sim… Se importaria se eu tivesse uma palavrinha com ela antes de
começarmos?
— À vontade.
Pelo menos parecia que ele não estava muito chateado. Virando-me na cadeira, rapidamente
chamei Eris com minha mão.
— O que é isso, Rudeus?
— Eris, por que você me seguiu?
— Te vi todo bem vestido. Só queria saber para onde estava indo.
Todo bem vestido? Bem, hum. Eu tinha escolhido minhas melhores roupas e mexi no meu
cabelo por um tempo. Talvez ela tenha pensado que eu estava saindo em um encontro secreto ou
algo assim…
— Entende que estou trabalhando para Orsted agora, não?
— Sim. Mas é Orsted, Rudeus… Ele está obviamente planejando algo, certo? Estou preocupada
que ele possa estar enganando você de alguma forma.
— Isso é possível, mas é muito cedo para dizer com certeza. Por enquanto, você acha que pode
manter a calma e apenas nos deixar conversar?
“…”
— Nós podemos lutar contra ele juntos se eu descobrir que ele está me enganando. Estou
contando com você, Eris.
— Oh. Aí sim! Entendi.
Aparentemente satisfeita com isso, Eris embainhou sua espada e se sentou ao meu lado. Era
bom que sua mente funcionasse de maneira tão simples.
— Sinto muito por isso.
— Tudo bem.
— Parece que Eris tem muita dificuldade em confiar em você, Senhor Orsted… Mas suponho
que seja apenas a maldição em ação.
Os olhos de Orsted pareceram brilhar com isso. — Quem te contou sobre minha maldição em
primeiro lugar?
— O Deus-Homem. Ele contou que você sofre de várias delas, na verdade.
Respondi honestamente e sem hesitação. Me preparei para contar a Orsted tudo sobre minhas
conversas com seu inimigo.
— Entendo…
Orsted levou a mão ao queixo e virou o olhar para cima por um momento. O teto da minha
cabine não era muito para se olhar, então provavelmente estava apenas pensando nas coisas.
— Prioridades antes. Deixe-me cumprir a promessa que fiz a você.
— Huh?
— Por que você parece tão surpreso? Não sou como seu mestre anterior. Mantenho minha
palavra.
Isso é bom de ouvir, mas eu só estou me perguntando sobre o que ele está falando… ele me
prometeu alguma coisa em algum momento?
— Falo de meu método para proteger sua família do Deus-Homem.
Oh. Ohhh! Mas é claro. Como pude esquecer de algo assim?
Acho que não tinha pensado em todo aquele acordo como uma promessa, exatamente.
Parecia mais um contrato. Você sabe, do tipo que você usa para vender sua alma ao diabo. Mas,
novamente, as cláusulas de um contrato são basicamente apenas um monte de promessas, não é?
Certo.
— Tem certeza? Na verdade, ainda não fiz nada em seu nome.
— Sim, mas imagino que não conseguirá se concentrar em nenhuma tarefa se estiver
constantemente preocupado com a segurança de sua família.
— Bem, sim. É uma verdade irrefutável.
Huh. Ele estava realmente sendo meio atencioso aqui, não estava? Não esperava um
tratamento tão amigável logo de cara, para ser honesto. Esperava que me mandasse severamente.
O homem tinha um rosto assustador, mas parecia um chefe surpreendentemente bom. Não
conseguia entender o porquê de Eris ainda estar olhando tão ferozmente para ele.
— De qualquer forma, que método específico você tem em mente para protegê-los?
— Não é nada muito complexo. Basta invocar uma fera guardiã com um destino forte e a
ordenar que os mantenha seguros.
— Entendo. Infelizmente, ainda não sei como usar magia de Invocação.
— Muito bem. Desenharei o círculo mágico. Apenas canalize a mana através dele.
— Oh. Isso funciona, então. Desculpe o incômodo.
Hmm. Uma fera guardiã com um destino forte, hein? Em outras palavras, teríamos um cão de
guarda protegido pelas leis da causalidade…
— Isso será realmente suficiente para mantê-los seguros, no entanto?
— O Deus-Homem não tem influência sobre nada além dos humanos. Além disso, não pode
manipular muitos indivíduos a qualquer momento; enquanto estivermos agindo, ele deve estar
ocupado tentando nos impedir. Dada a personalidade dele, isso deve ser mais do que suficiente
para proteger seus entes queridos.
Ótimo, agora estávamos psicanalisando o cara.
Essa parte sobre ele não ser capaz de influenciar muitas pessoas ao mesmo tempo foi
interessante, no entanto. Isso implicava que ele poderia controlar pelo menos alguns
simultaneamente. Ele estava se intrometendo na vida de outras pessoas enquanto brincava
comigo?
— No entanto, não deve baixar a guarda. O Deus-Homem é tortuoso e imprevisível. Não deixe
tudo para a fera guardiã, certifique-se de estar lá para eles também.
Para ser honesto, essas palavras soaram meio erradas saindo da boca de Orsted. Ele
simplesmente não parecia o tipo de cara que lembraria você de passar tempo com sua família. Não
se pode julgar um livro pela capa e tudo, mas sério…
De qualquer forma, já que ele estava disposto a preparar essa invocação para mim, eu
aceitaria com prazer.
Agora era hora de começar a trabalhar. Havia todo tipo de coisa que eu queria perguntar a
Orsted, é claro, mas também precisava cumprir minha parte nessa barganha. Não faria mal
perguntar proativamente quais eram minhas ordens.
— Tudo bem então. O que você gostaria que eu fizesse por você a partir de agora?
— Não tem outras perguntas a fazer?
Hum. Não esperava que ele reagisse assim… — Claro que sim. Muitas, aliás.
— Por que não as está fazendo, neste caso?
— Bem, não queria incomodar muito, acho.
Orsted soltou um suspiro e balançou a cabeça. — Você é meu aliado agora. Em outras
palavras…
— Sou seu subordinado, Senhor Orsted. Acho que devemos manter a cadeia de comando
agradável e clara.
O homem tinha me espancado completamente. E agora pensava em maneiras de proteger
minha família. Mesmo eu não era sem vergonha o suficiente para fingir que éramos iguais neste
relacionamento.
— Muito bem, se é assim que prefere… Mas independentemente disso, nós dois estaremos
trabalhando juntos para derrotar o Deus-Homem. É importante que você aprenda tudo o que
precisa saber.
— Certo, mas e se eu fosse o espião do Deus-Homem ou algo assim? Por tudo que você sabe,
eu poderia começar a fornecer informações a ele todas as noites.
— Eu confio em você, Rudeus Greyrat — disse Orsted, olhando-me firmemente nos olhos. —
Você arriscou sua vida pelo bem de sua família, e isso lhe rendeu meu respeito.
Uau, vai acabar me fazendo corar!
Quero dizer… acho que eu estava bem desesperado naquela época, claro. E se isso era bom o
suficiente para fazê-lo confiar em mim, certamente não estava reclamando. Poderia muito bem
aceitar sua oferta.
O que eu deveria perguntar a ele?
Várias coisas vieram à minha mente. Por que ele estava tão obcecado com o Deus-Homem? O
que era o tal Fator Laplace que ele havia mencionado? O que ele sabia sobre o Incidente do
Deslocamento? E ele poderia explicar um pouco mais claramente sobre esse tal “destino”?
Eram as grandes perguntas do momento.
— Tudo bem então. Vou citar questão por questão, sendo assim.
Parecia melhor começar com sua rixa contra o Deus-Homem… ou a natureza de seu
relacionamento, na verdade. Hmm. Então, provavelmente precisava ouvir mais sobre o próprio
Orsted antes que eu pudesse chegar a isso.
— Poderia me contar mais sobre você, Senhor Orsted?
— Gostaria de ouvir a minha história?
— Isso. Se não se importar.
— O que o Deus-Homem lhe disse sobre mim? Parece que ele mencionou minhas maldições,
ao menos.
— Uhhhm…
Fazia cinco anos desde aquele encontro em particular, então foi um desafio lembrar
exatamente o que ele disse. Concentrei-me atentamente, tentando tirar as palavras da minha
memória.
— Contou-me que você possui quatro diferentes tipos de maldição, especificamente.
— Siga em frente…
— A primeira maldição faz com que tudo que vive neste mundo o odeie ou o tema. A segunda
impede que o Deus-Homem o veja. A terceira impede que dê tudo de si. E ele não sabia qual é a
quarta.
— Entendo — disse Orsted com um pequeno aceno de cabeça. — Comecemos com a primeira
maldição, então. Desde o dia em que nasci, de fato fui odiado por tudo que vive neste mundo.
— Eu particularmente não o odeio, no entanto…
— Algumas exceções assim existem. Como Nanahoshi e você.
— Certo então.
Então há exceções. O fato de Nanahoshi e eu termos vindo de um mundo diferente
provavelmente era relevante nisso. Devo aproveitar esta oportunidade para revelar a verdade
sobre mim mesmo? Com Eris ao meu lado, estava um pouco relutante em fazê-lo. Mas manter
segredos de Orsted não me parecia uma ideia sábia neste momento.
— Eu não estava tentando esconder isso de você nem nada, mas… eu era originalmente do
mesmo mundo de onde Nanahoshi veio. Talvez tenha algo a ver com isso?
— Então… Rudeus Greyrat não é seu verdadeiro nome?
— É uma longa história, mas não sou exatamente como Nanahoshi. Meio que, uhm… acordei
aqui no corpo de um bebê chamado Rudeus Greyrat, eu acho… não sei como explicar, na verdade.
— Ah. Então você reencarnou.
Pisquei de surpresa. Não esperava que essa palavra saísse da boca de Orsted tão suavemente.
Agora que pensava sobre isso, porém… senti como se tivesse visto algumas notas no diário sobre
a Tribo dos Dragões possuindo algum meio de reencarnação. Algo sobre como eles poderiam voltar
em um novo corpo algumas décadas depois de morrerem. Talvez fosse um conceito bastante
comum para eles.
— Muito provavelmente, a razão pela qual você não me teme está ligada à sua reencarnação.
— Há outros que não o temem?
— Além de um punhado de exceções, apenas aqueles descendentes da antiga Tribo dos
Dragões.
Então Perugius, por exemplo… embora ele parecesse aterrorizado com Orsted, na verdade.
Talvez isso não tivesse nada a ver com a maldição. Às vezes você tem razões perfeitamente boas
para ter medo de alguém.
— Quanto à segunda maldição, que me mantém longe da vista do Deus-Homem… isso não é
maldição, na verdade.
— O que é, então?
Orsted parou por um momento para pensar, depois me olhou nos olhos mais uma vez. — Uma
espécie de arte secreta, criada pelo primeiro Deus Dragão como uma ferramenta para usar contra
o Deus-Homem. Isso me permite ver o fluxo do destino e garante que certas… leis deste mundo
não se apliquem a mim.
— Hmm…
— O Deus-Homem possui grande conhecimento do futuro, e seus olhos enxergam longe. Mas
eles estão cegos para aqueles fora da jurisdição do mundo.
Interessante. Não tinha ideia do que “fora da jurisdição do mundo” significava, mas ser
totalmente invisível para o Deus-Homem soava como algo realmente atraente.
— Você poderia explicar essa parte sobre ver o fluxo do destino?
— Hm. Vejamos…
Em silêncio, Orsted assumiu sua pose contemplativa novamente. Tinha que esperar que isso
não significasse que ele estava pensando em uma mentira para o momento.
— Quando olho para alguém, posso ver os grandes contornos da história de sua vida.
Bem, isso é meio vago… — Isso significa que você também tem o poder de prever?”
— Não… eu não vejo o futuro. Eu vejo a história como ela é ordenada pelo destino.
Hmm? Agora ele parecia um filósofo ou algo assim. Não entendi bem a diferença entre esse
poder e a previsão real. No momento, parecia mais fácil pensar nisso como uma versão de nível
inferior da habilidade do Deus-Homem.
— Você poderia usar essa arte secreta em mim também?
— Isso seria imprudente.
— Por que diz isso?
Eu não tinha certeza de ver o destino das pessoas, mas seria muito bom me esconder do Deus-
Homem. Eu queria saber o motivo real por trás de sua recusa.
— A arte tem o efeito colateral de diminuir drasticamente sua taxa de regeneração de mana.
— Quão drasticamente?
— Você regenerou seu suprimento de mana completamente em dez dias, sim? Sob a influência
da arte, isso levaria cerca de mil vezes mais.
Mil vezes mais? Isso seria, algo como… trinta anos mais ou menos?
— Como resultado disso, não posso usar magia livremente. E essa é a razão pela qual eu
raramente luto com todas as minhas forças.
Aha. Basicamente, sua mana se regenerava tão lentamente que ele não podia usá-la com
muita frequência. Eu não sabia o quão grande era seu suprimento de mana, mas supondo que
levasse anos para reabastecer, ele teria que ter muito cuidado com a conservação de energia.
— Embora eu não possa usar a arte secreta em você, o bracelete que lhe dei fornece um efeito
semelhante.
Olhei para o bracelete no meu pulso esquerdo. Aparentemente era uma espécie de dispositivo
de interferência ao Deus-Homem. — Então isso não tem nenhum efeito colateral? Talvez se o
produzíssemos em massa…
— Eu já teria feito isso, se fosse possível. E removido minha maldição também.
Certo. Uma pergunta meio imbecil.
— Usei uma quantia considerável de mana na minha batalha contra você — Orsted continuou.
— Serei incapaz de lutar com todas as minhas forças por um tempo.
— Huh? Espere, realmente? Mas você me derrotou instantaneamente.
— Fui forçado a resistir a golpes diretos de sua magia muitas vezes e, finalmente, a desenhar
a Lâmina Divina — disse Orsted, seu tom de voz distintamente amargo. — Me custou muito esforço.
Hum. Do meu ponto de vista, ele me jogou no chão sem suar a camisa… mas aparentemente
eu lutei melhor do que imaginava. Um esforço sólido, se assim posso dizer. Hoh hoh hoh.
— De qualquer forma, meu suprimento de mana está bem baixo no momento. Assim, precisarei
que tome uma atitude em meu lugar.
— Certo… farei o que puder.
Então eu estava trabalhando no custo do dano que fiz, basicamente. Isso parecia bastante
justo.
— Sobre outro assunto, Senhor Orsted… poderia contar-me a razão de sua luta contra o Deus-
Homem?
— Ah… sim, há isso…
Orsted olhou de lado, olhando para o nada, seu tom um tanto relutante. Eu tinha notado
muitas dessas pausas pensativas nesta conversa. Afinal, o homem estava mentindo para mim? Eu
não queria pensar assim, especialmente depois de ouvir que ele confiava em mim… mas,
novamente, seria estranho se ele confiasse em mim completamente neste momento. Havia uma
boa chance de que ele estivesse me alimentando com algumas falsidades simples por enquanto e
reservando seu julgamento final até que eu provasse ser confiável.
— O Deus-Homem… causou a morte de meu pai.
— Oh?
Vingança, hein? Definitivamente um motivo clássico. A mesma coisa que motivou meu futuro
eu a tentar matar o Deus-Homem. Seria fácil para mim zombar de tais desejos no momento, já que
ninguém que eu amava realmente havia sido tirado de mim ainda. Mas aquele diário deixou bem
claro que eu acabei vivendo por vingança naquela linha do tempo.
— Além disso, sua destruição era o maior desejo da antiga Tribo dos Dragões. Todos os Deuses
Dragões existiram apenas para perseguir esse objetivo.
Certo, então havia algum senso cultural de dever envolvido também… Espere, todos os Deuses
Dragões?
— Uhm, quantos Deuses Dragões existiram?
— Eu sou o centésimo, parece. E todos os noventa e nove que vieram antes de mim dedicaram
suas vidas para derrubar o Deus-Homem.
— Uau. Entendo.
— No entanto, apenas um Deus Dragão de grande força e sangue puro realmente tem uma
chance de ter sucesso nesta tarefa. — Os olhos afiados e brilhantes de Orsted fixaram-se nos meus;
depois de um momento, ele continuou com uma voz calma e firme. — Foi por essa razão que meu
pai, o primeiro dos Deuses Dragões, me reencarnou no futuro.

Eu precisava recuar um pouco e rever tudo isso.


Primeiro de tudo, Orsted era um membro da antiga raça Povo Dragão, trazida para esta era do
passado distante por um método especial de reencarnação.
Havia duas outras coisas incomuns sobre ele: ele foi amaldiçoado e estava sob a influência de
uma “arte secreta”. A maldição fez todos no mundo o desprezarem. A arte secreta fez com que sua
mana se regenerasse muito lentamente, mas o escondeu dos olhos do Deus-Homem e também o
deixou ver o futuro em traços amplos e gerais.
Por que ele veio aqui do passado, maldição e tudo?
Começou quando o Deus-Homem assassinou o primeiro Deus Dragão. Todos os muitos Deuses
Dragão seguintes viveram apenas para buscar vingança; destruir o Deus-Homem era um objetivo
compartilhado por todo o Povo Dragão. Como filho do primeiro Deus Dragão, Orsted viajou para o
futuro a fim de realizar esse sonho.
— É isso mesmo?
— Sim. Você certamente entendeu tudo isso rapidamente.
— A propósito, há quanto tempo você reencarnou?
— Ah… foi há cerca de dois mil anos, eu acredito.
Dois mil anos? Ele vive neste corpo há tanto tempo? Nossa.
De qualquer forma… sua história era coerente o suficiente, mas algo sobre isso parecia um
pouco estranho de alguma forma. De onde exatamente vinha esse sentimento? Talvez a parte sobre
ele não regenerar mana? Perugius tinha um feitiço de invocação que poderia drenar mana de seus
oponentes, e eu tinha que presumir que Orsted também poderia usar isso. Isso não resolveria o
problema por si só?
Hmm. Não, deve haver alguma razão para não funcionar. Talvez você não pudesse armazenar
essa mana permanentemente dentro de si mesmo.
Bem, e quanto ao intenso ódio do Orsted pelo Deus-Homem? O fato de o Deus-Homem ter
matado seu pai era uma explicação sólida no papel, mas, de alguma forma, sua animosidade
parecia muito intensa para que essa fosse sua única causa. Não tive a sensação de que Orsted
estava tão obcecado com a memória do pai, na verdade.
— Tenho a sensação de que você tem um forte ódio pessoal pelo Deus-Homem, Orsted. Há
alguma razão para isso que você ainda não mencionou?
— Quem não desprezaria aquele pedaço de imundície?
— Faz sentido.
Ao longo de dois mil anos, o Deus-Homem provavelmente havia feito todos os tipos de coisas
horríveis a Orsted. Mesmo que ele não pudesse falar com Orsted diretamente, ainda poderia enviar
mensagens para ele por meio dos outros. Hmm… talvez a condição atual de Orsted tenha algo a
ver com o conflito entre seu pai e o Deus-Homem, também?
Enfim! Havia algumas coisas que eu ainda não entendia completamente, mas provavelmente
sabia o que precisava sobre o passado do Orsted neste momento. Seja o que for, ele
definitivamente tinha algo que o motivava a lutar contra o Deus-Homem. Isso fez dele o inimigo
do meu inimigo.
Havia muitas outras perguntas que eu precisava fazer também. Por exemplo…
— Durante nossa batalha anterior, você mencionou que eu possuo algo chamado Fator de
Laplace. Você poderia explicar o que é isso?
— O quanto você sabe sobre Laplace?
— Bem, eu sei que ele causou uma grande guerra quatrocentos anos atrás, na qual a
humanidade quase foi derrotada. As pessoas dizem que ele tinha uma imensa quantidade de mana,
mas era incapaz de usar a Aura de Batalha. Hum… embora ele fosse muito poderoso, Lorde Perugius
finalmente o selou com a ajuda de dois companheiros… Ah, e ele traiu os Superd.
Eu tinha ouvido um monte de outros rumores sobre o homem, mas aqueles pareciam ser os
pontos mais importantes.
— Isso é tudo?
— Ah, é mesmo. Ouvi dizer que ele supostamente será ressuscitado em breve.
— Você sabia que essa ‘ressurreição’ será realizada por meio da técnica de reencarnação do
Povo Dragão?
— Huuum… não, acho que isso é novidade para mim… Espera. O Deus-Homem pode ter
mencionado isso, na verdade.
Minha memória estava um pouco confusa nesse ponto. De qualquer forma, a
palavra reencarnação, com certeza, surgiu muito nesta conversa…
— Hmph. Depois vou querer ouvir tudo o que aquela criatura discutiu com você… ou tentou
fazer você acreditar.
— Claro.
— Por enquanto, no entanto, vamos discutir Laplace.
Eu podia sentir Eris irradiando irritação do assento ao meu lado com a mera menção desse
nome. Eu entendia. Nós dois éramos bons amigos de Ruijerd, e Laplace era seu inimigo mortal. Isso
fazia de Laplace nosso inimigo também.
Ainda assim, eu precisava ter certeza de manter a calma aqui, não importa o que Orsted
dissesse a seguir. Ficar brava era o trabalho da Eris, e acalmá-la era o meu.
— O Deus Demônio Laplace, como você deve conhecê-lo, é de fato a concha lamentável de um
homem outrora conhecido como o Rei Dragão Demoníaco —, Orsted continuou em um tom prático.
— O… Rei Dragão Demoníaco?
— De fato. Ele era do antigo Povo Dragão.
Espera, o quê? Ele não era o Deus Demônio? Isso significa que ele tem que ser um demônio,
certo?
— O Rei Dragão Demoníaco Laplace estava entre a primeira geração dos Cinco Generais
Dragão.
Ok, eu já tinha ouvido falar desses caras antes. Eles já estiveram sob o comando do Deus
Dragão, mas acabaram traindo ele… e supostamente, sua batalha terminou sem ninguém ficasse
de pé.
— Laplace escapou da destruição do mundo dos dragões e vagou por este na busca de uma
missão singular. Naquela época, ele era conhecido como o segundo Deus Dragão.
Então o cara era um Rei Dragão, um Deus Dragão e um Deus Demônio? Eram títulos demais.
Estava começando a ter dor de cabeça.
— Ele trabalhou febrilmente para desenvolver alguns meios de destruir o Deus-Homem.
Chamando-se de Deus Dragão, reuniu seguidores talentosos para ele, ensinando-lhes todas as
artes que conhecia; e ao longo de muitos anos, desenvolveu suas técnicas ainda mais. Tudo para
que eu, o mais forte do Povo Dragão, pudesse herdar seu legado quando renascesse no futuro
distante.
Uau! O mais forte? E tão modesto também!
— Mas, na Segunda Guerra Humano-Demônio, Laplace enfrentou o Deus Lutador, um apóstolo
do Deus-Homem. E naquela batalha, sua alma foi dividida em duas.
Esta era outra história que eu tinha ouvido em algum momento. No final daquela guerra, o
Cavaleiro Dourado Aldebaran supostamente enfrentou o Grande Imperador do Mundo Demoníaco.
Kishirika mais tarde me disse que era realmente uma batalha entre o Deus Dragão e o Deus
Lutador… então, se Laplace era o Deus Dragão naquela época, aquele cara, Aldebaran, deve ter
sido o Deus Lutador.
Hmm. Isso não significaria que Laplace estava lutando ao lado dos Demônios?
— Assim dividido, Laplace perdeu suas memórias. Metade dele se tornou o Deus Demônio, que
odiava a humanidade além de toda a razão. E o outro se tornou o Deus da Técnica, que buscou a
força para destruir deuses.
Oh, agora o Deus Demônio finalmente apareceu. Junto com o Deus da Técnica. Eu parecia me
lembrar que ele era o maior dos Sete Grandes Poderes…
— Hã? Espere, então o Deus da Técnica também é Laplace?
— Sim.
Uh, isso pareceu uma grande revelação. Estava tudo bem se Orsted me contasse tudo isso?
Gah! Isso era muita informação de uma só vez. Nem consegui processar tudo. Orsted era o filho do
primeiro Deus Dragão, mas Laplace era o segundo Deus Dragão?
Vamos ver se consigo entender isso…
Primeiro de tudo, o Deus Dragão original enviou Orsted ao futuro para matar o Deus-Homem.
Laplace era um dos Cinco Generais Dragões neste momento, mas ele permaneceu leal ao Deus
Dragão ou se juntou a ele depois de perceber que o Deus Homem não era bom. Ele sobreviveu à
morte do Deus Dragão e à destruição de seu mundo, e fugiu para este.
Uma vez que ele estava aqui, Laplace começou a vagar pelo mundo, ensinando as gerações de
Deuses Dragão seus segredos e aperfeiçoando suas técnicas para que ele pudesse acabar com o
Deus-Homem algum dia no futuro. Então o Deus-Homem colocou o Deus Lutador contra ele e pôs
um fim nisso. Mas Laplace teve sorte… ou talvez usou alguma técnica de última hora para se salvar.
Embora estivesse dividido ao meio e perdesse a memória, ele conseguiu viver como dois indivíduos
separados…
Essa era a ideia geral, certo? Provavelmente? Eu não estava muito confiante de que tinha
acertado todos os detalhes.
— Hmph!
Olhei para Eris, que estava de cara feia e irritada. Eu reconheci como seu padrão de: Eu não
entendi uma única palavra disso! Foi um alívio saber que eu não era a pessoa mais confusa da sala.
Orsted ainda não havia terminado de falar.
— O Deus Demônio Laplace, despojado de sua essência dracônica, reteve duas coisas: a crença
de que seu propósito era matar todos os humanos e seu enorme conhecimento das artes mágicas.
E assim, ele uniu os Demônios para erradicar a humanidade.
— O Deus da Técnica Laplace, despojado de seus poderes mágicos, em vez disso, manteve seu
vasto tesouro de habilidades — e uma vaga, mas poderosa, compulsão de transmitir seu
conhecimento aos outros. Consequentemente, ele criou os Sete Grandes Poderes e se dedicou ao
refinamento de suas técnicas.
O Deus da Técnica criou os Sete Grandes Poderes… sim, acho que já ouvi falar disso antes. Fez
algum sentido, já que ele era o número um da lista.
Espere um segundo, no entanto. A Segunda Guerra Humano-Demônio não foi… há cinco mil
anos ou algo assim?
— Como sabe de tudo isso, Senhor Orsted? Quando você reencarnou há dois mil anos, a
Segunda Guerra Humano-Demônio havia terminado há muito tempo. Laplace já havia perdido as
memórias, certo? Quem poderia ter lhe contado sua história?
— Descobri os escritos pessoais de Laplace em uma antiga ruína do Povo Dragão.
— Ah. Entendi…
Laplace deve ter mantido bons registros antes de perder a memória. Pena que nenhum de
seus eus atuais se deparou com eles…
— Agora, então, devemos voltar ao assunto de seu suprimento abundante de mana?
— Como queira.
— O primeiro Deus Dragão criou algo conhecido como a Arte da Reencarnação. É um meio de
enviar sua alma para o futuro e assumir o corpo de outro ser, como uma forma de renascimento.
“…”
A maneira como ele formulou isso pareceu… um pouco perturbadora.
— No entanto, o corpo e a alma são normalmente quase indivisíveis. Uma alma estrangeira
seria rejeitada pelo corpo instantaneamente, fazendo com que a Arte falhasse. Foi por essa razão
que o primeiro Deus Dragão injetou elementos de si mesmo em vários indivíduos. Os filhos
daquelas pessoas herdaram esses aspectos dele, e foram ligeiramente alterados por eles. Seu
plano era produzir um recipiente ideal para sua alma, mesmo que levasse centenas ou milhares
de anos de mudanças lentas e constantes.
“…”
— A própria reencarnação ocorre quando um corpo perfeitamente adequado à sua alma é
concebido. Você então toma o lugar da alma que de outra forma teria nascido e emerge um recém-
nascido. Vários do Povo Dragão chegaram a esta era por meio desta mesma técnica. Perugius está
entre eles, embora não se lembre de nada de sua última vida, pois a deixou enquanto ainda era
criança.
Então, a reencarnação… envolvia roubar o corpo de um bebê, basicamente. Sobrepondo sua
alma.
Encarei as mãos. Eu mesmo fui reencarnado. Isso significava que eu tinha roubado esta vida
do verdadeiro Rudeus Greyrat?
— Está me escutando?
— Hã? Ah. Sim. Claro.
Quando olhei para cima, descobri que Orsted estava estudando meu rosto de perto.
— Voltemos à história de Laplace. O Deus Demônio perdeu sua sanidade no momento de sua
fragmentação, mas parece que ele se lembrou dos detalhes da Arte da Reencarnação, ou talvez
tenha encontrado algum registro disso. Depois que Perugius o derrotou, mas antes que seu corpo
fosse selado, ele liberou muitos aspectos de si mesmo no mundo — e enviou sua alma para o
futuro.
“…”
— Nos dias de hoje, os indivíduos que carregam esses Aspectos e compartilham certos traços
com ele estão aparecendo em número crescente. Alguns possuem grandes suprimentos de mana
e uma grande proficiência em magia; outros nascem com cabelos verdes, ou mesmo possuindo
Olhos Demoníacos.
Conheci alguém que preencheu muitos desses critérios. Cabelo verde, muita mana e um
talento para magia… isso era tudo, exceto o Olho Demoníaco.
— Isso significa que Sylphie tem um Aspecto?
— Sim, Sylphiette é uma daqueles a que me referia. Embora seu cabelo pareça ter ficado
branco agora, por algum motivo…
— Mas ela não é realmente a reencarnação de Laplace, certo?
— Claro que não. Ele não poderia renascer como uma mulher.
Foi um alívio ouvir isso. Mas agora que pensei nisso… havia um candidato mais provável do
que Sylphie para considerar.
— Você acha que eu também tenho um Aspecto, certo?
— Quase certamente. Um corpo capaz de conter tanta mana não poderia ter surgido de outra
forma.
— Sabe, eu sempre pensei que aumentava minha capacidade de mana treinando muito
quando criança.
— Isso é verdade, claro. Seu corpo simplesmente tinha o potencial de conter grandes
quantidades de mana. Se você não tivesse praticado magia desde cedo, provavelmente teria
acabado com apenas um pouco mais do que uma pessoa comum, muito parecido com Sylphiette.
Sua enorme capacidade de mana é o resultado de seu próprio trabalho árduo, e você tem todo o
direito de se orgulhar disso.
Isso foi um elogio? Talvez eu devesse estufar meu peito um pouco…
— Hum, só para ser claro. Eu também não sou a reencarnação de Laplace, sou?
— Não. Levará décadas até que ele renasça, eu espero.
Bem, é bom ao menos perguntar. E fiquei aliviado por finalmente ter uma resposta clara sobre
por que eu tinha tanta magia para usar.
Eu me senti um pouco culpado pelo fato de estar basicamente tomando emprestado os
poderes de Laplace, considerando minha amizade com Ruijerd… mas ei, é tudo sobre como você o
usa, certo?
Para ser honesto, havia outra coisa que estava me incomodando mais.
—…
Orsted me observou em silêncio por um tempo, depois soltou um pequeno suspiro.
— Não há necessidade de se sentir culpado. Eu sei que você é um reencarnado, mas
nenhum Rudeus Greyrat existe em minhas memórias.
— Você poderia elaborar um pouco?
— Aqueles que herdam um Aspecto de Laplace geralmente possuem um grande potencial
mágico mesmo quando crianças. E seu corpo é capaz de conter uma quantidade particularmente
grande de mana. Não seria nenhuma surpresa se uma alma recém-nascida frágil não tolerasse tal
hospedeiro.
— Desculpe, o que isso significa, exatamente?
— A criança provavelmente teria nascido morta, se você não tivesse assumido seu corpo.
Ah.
Bem… tudo bem então. Desde que eu não tenha assassinado o verdadeiro Rudeus. Não queria
pensar que tinha roubado uma vida com tanta felicidade, sabe? Mas se a alternativa à minha
chegada fosse Paul e Zenith chorando por seu primeiro filho, então foi melhor. Era hora de deixar
essa linha de pensamento deprimente para trás. Eu era filho de Paul e Zenith — o único Rudeus
Greyrat.
Com esse assunto resolvido, decidi passar para a minha próxima pergunta ardente.
— Hum, ouvi dizer que o Incidente de Deslocamento aconteceu como resultado da invocação
de Nanahoshi. Você acha que poderia explicar com mais detalhes?
— Há muito sobre esses eventos que ainda não entendo. Isso nunca aconteceu antes.
— Bem, eu sou um reencarnado, e eu estava perto do epicentro do desastre quando aconteceu.
Sinto que há alguma chance de eu ter causado isso, de alguma forma…
— O quê…?
De repente, Eris estendeu a mão para debaixo da mesa e agarrou minha coxa. Quando olhei,
a encontrei olhando para mim e balançando sutilmente a cabeça. Em uma tentativa de tranquilizá-
la, cheguei atrás dela com minha mão… e comecei a acariciar sua bunda. Seu traseiro, ao mesmo
tempo macio e musculoso, oferecia um toque requintado. Ai, ai, merda, minha coxa! Não belisque!
Não belisqueeee!
— Não posso negar a possibilidade, admito. Você, Nanahoshi e o Incidente de Deslocamento
são todos… novos acréscimos à história.
Deus, eu pensei que ela ia arrancar um centímetro de músculo da minha perna…
Olhei para o rosto da Eris. Ela estava olhando para mim com uma expressão que dizia: Esta é
uma conversa séria, lembra?! Em letras grandes e nítidas. Foi bom ver que ela aprendeu um pouco
a ler a sala.
De qualquer forma, parecia que Orsted também não sabia muito sobre o Incidente de
Deslocamento. Nanahoshi tinha surgido com algumas teorias estranhas por conta própria, mas…
não havia necessidade de entrar nisso agora. Na verdade, senti como se tivesse feito perguntas
suficientes para um dia. Minha cabeça estava prestes a explodir com novas informações. Se eu
mantivesse essa conversa por muito mais tempo, não tinha certeza se seria capaz de entender
qualquer coisa que Orsted me dissesse. Melhor continuar de onde parei em outra hora.
— Não sei se será útil, mas tenho algumas informações do futuro que gostaria de mostrar a
você.
— Você tem?
— Hum… sim, eu acho. Olha isso aqui.
Entreguei o diário do futuro a Orsted. Ele o abriu e rapidamente folheou as primeiras páginas;
mas depois de alguns momentos, ergueu os olhos com a testa franzida.
— Levará algum tempo para eu ler tudo isso. A caligrafia é bastante pobre.
— Bem, não tem problema…
Minha caligrafia era tão ruim assim? Nanahoshi disse exatamente a mesma coisa. De qualquer
forma, não era justo esperar uma ótima caligrafia de um diário. Mas eu teria que levar as coisas
bem devagar da próxima vez que escrevesse uma carta para alguém.
— Ah, é mesmo. Antes de entrarmos nisso, posso perguntar outra coisa?
— O que é?
Parei por um momento. Era uma boa ideia trazer isso à tona? Orsted me tratou muito melhor
do que eu esperava até agora… mas senti que estava prestes a abusar da sorte.
— Sabe, uh, senhor…
— Não há necessidade dessas formalidades.
— Bem, Orsted… Senhor… Serei seu subordinado de agora em diante. Correto?
— Sim. Contanto que você aceite esse papel.
— Certo. Então, hum… isso é muito estranho, realmente, mas… — Olhei para Eris e continuei.
— Podemos discutir os termos do meu emprego?
— Seu… emprego?
— Sim. Eu tenho uma família agora, como você sabe… e se possível, bem… eu gostaria de ter
algum tempo de folga. Para passar com eles. De vez em quando, pelo menos.
Não me entenda mal. Eu estava pronto e disposto a trabalhar duro por esse homem. Dito isso…
às vezes você precisa de uma pausa para se lembrar para o que está trabalhando, certo? Eu queria
tempo para ver Lucie, ensinar minhas irmãs mais novas, apreciar a comida da Lilia, aproveitar o
sol com Zenith, dar amassos na cama com Sylphie, Roxy e Eris. Isso era pedir demais?
— Isso pode depender do seu desempenho, Rudeus Greyrat.
— Ah. Certo. Claro.
Besteira. Talvez fosse.
Desculpe, Lucie! Papai vai trabalhar longe de casa! Voltarei assim que salvarmos o mundo do
Deus-Homem, está bem? Adeus por enquanto! Certifique-se de comer todos os seus vegetais!
— No entanto, não sou como Atofe. Nunca foi minha intenção afastá-lo da família que você
arriscou tudo para proteger. E não tenho nenhum plano de te arrastar comigo por anos a fio…
atualmente, pelo menos.
— Espera, sério? É um alívio ouvir isso.
Ufa. Pelo som das coisas, vou ter alguns dias de folga, afinal. Estar separado das pessoas que
eu amo teria sido… desafiador, para dizer o mínimo. Mantê-las seguras era minha principal
prioridade, mas também queria estar perto delas.
— Há mais alguma coisa que você queira de mim?
Os olhos do Orsted estavam fixos em mim em algo que parecia muito com uma encarada. Eu
poderia realmente dizer sim a essa pergunta? E se ele ficar com raiva de mim?
Não, não. Eu precisava ganhar coragem. Esta era minha única janela de oportunidade. Nós não
tínhamos um contrato ou qualquer coisa, por isso, era crucial resolver essas coisas com
antecedência.
— Hum, tudo bem se eu perguntar mais?
— Farei o meu melhor para atender às suas necessidades.
Ooh, isso soou promissor. Hmm. Pedir um salário seria ir longe demais?
Quero dizer, não era tão irracional. Se você quer que alguém faça um trabalho com
responsabilidade, você paga por isso. Ao pegar seu dinheiro, eles aceitam a responsabilidade pelo
trabalho. Qualquer um que trabalhe de graça o fará de forma irresponsável… ou algo assim que eu
li em algum mangá uma vez.
Naturalmente, eu queria ser um subordinado responsável do Orsted. E certamente tirar algum
dinheiro dele seria a maneira perfeita de demonstrar isso.
— Hum, então… já que vou ficar muito tempo fora de casa, minha família vai perder uma de
suas rendas. Eu não levava muito para casa para começar, e… bem, na verdade, tive algumas
despesas, uh, me preparando para a nossa batalha no outro dia. Ainda temos algumas economias
por enquanto, mas posso vê-las acabando qualquer dia desses. Se eu não estiver trabalhando,
provavelmente teremos que reduzir um pouco o cardápio do jantar. E temos um monte de crianças
em crescimento…
— Você quer dinheiro, então?
— Bem, claro, se você quiser ser franco sobre isso! Heheh.
Enquanto eu ria maldosamente por puro constrangimento, Orsted enfiou a mão no casaco e
tirou algo que ele então jogou casualmente na mesa à minha frente. Era uma adaga… não, uma
espada curta… em uma bainha lindamente ornamentada.
— Esta é uma das 48 espadas mágicas criadas a partir dos ossos do Rei Dragão Kajakut pelo
famoso Demônio ferreiro Julian Harisco. Seu nome é Eminência, e pode ser vendida por 100.000
moedas de ouro Asurano ou mais. Isso deve durar por um tempo.
— U-Uau!
Ele acabou de dizer cem mil? Uma moeda de ouro Asurano vale o que… algo como cem mil
ienes, certo? Então isso seria… dez bilhões de ienes?! Um cara poderia viver com isso tudo de
dinheiro pelo resto de sua vida! Inferno, você provavelmente poderia construir um castelo!
— Você precisa de mais?
— N-Não, claro que não.
Caralho. O que esse cara espera que eu faça em troca de algo tão valioso? Oh, certo… ele quer
que eu lute contra o Deus-Homem. Acho que isso me tornou um mercenário. Mas, por alguma razão,
receber tanto para fazer o trabalho fez parecer um pouco mais assustador.
Havia uma espécie de questão prática aqui, no entanto. Como eu ia transformar essa coisa em
dinheiro? Quem diabos iria realmente gastar tanto dinheiro em uma única espada? Parecia o tipo
de coisa que a família real Asurana poderia fazer. Talvez eu devesse tirar um pouco da riqueza dos
irmãos da Ariel?
— É só que, b-bem… Acho que pode ser difícil encontrar alguém que possa pagar um preço
justo por essa espada por aqui…
— Hm… Entendi. Tem razão. Talvez isso seja preferível, então.
Desta vez, Orsted pegou uma pequena bolsa de couro. Quando ele a deixou cair
descuidadamente na mesa, ela estalou como pedregulhos em uma lata. Peguei e olhei para dentro.
Estava cheio de pedras transparentes em todos os tipos de cores vivas.
— Essas são… joias?
— São pedras mágicas. Escolhi um número de pequenas com cores particularmente vívidas.
Venda-as a qualquer Guilda dos Magos e você sairá com uma quantia considerável.
Eram todas pedras mágicas coloridas? Essas coisas não eram muito raras? Ao contrário
daquela espada lendária, estas não eram tão valiosas, mas eu provavelmente poderia financiar
uma boa década de vida decadente com isso.
Eu estava começando a me sentir um pouco nervoso sobre aceitar tudo isso. Não pude deixar
de lançar um olhar incerto em direção a Orsted.
— Você precisa de mais? — ele perguntou calmamente.
O quê?! Você ainda tem mais dinheiro?
Não, não. Qualquer outra coisa seria… assustadora neste momento.
— Não. Isso deve estar bom por enquanto, obrigado…
Eu cuidadosamente escondi a espada curta e as pedras mágicas. Parecia
meio desconfortável apenas tê-las em minhas roupas… quase como se eu estivesse carregando
explosivos ou algo assim. Talvez eu pudesse pedir a Eris para pegar a espada, pelo menos…
— Muito bem então, – disse Orsted com um aceno de cabeça. — vou começar a ler este diário.
O que você pretende fazer nesse meio tempo?
— Eu poderia esperar você terminar.
— Acredito que vou levar um dia inteiro para terminar isso.
— Hmm, certo. Bem, eu não sei. Ainda é muito cedo… talvez devêssemos continuar nossa
conversa por enquanto?
— Parece que você considera esse diário importante, então eu prefiro lê-lo primeiro.
Era difícil dizer o quão importante era realmente neste momento. Mas achei que valia a pena
tê-lo dando uma olhada nisso, pelo menos. Orsted tinha a capacidade de ver o futuro, mas apenas
de uma maneira vaga. Ao comparar seu conhecimento com os detalhes naquele diário, havia uma
chance de ele descobrir algo valioso.
— Tudo bem então. Acho que vou voltar para casa por enquanto e voltar amanhã.
— Muito bem.
— Aliás, você planeja passar a noite aqui?
— Sim, eu vou.
— Certo. Sem problemas.
Com um aceno respeitoso para Orsted, saí da cabine e me virei para a cidade de Sharia.

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Sob a luz quente da tarde, fiz meu caminho ao longo da estrada de volta para casa, ficando
apenas alguns passos atrás de Eris. Graças a todas as coisas complicadas que discuti hoje, minha
cabeça estava mais pesada do que o normal. A única coisa que meu cérebro cansado era capaz de
se concentrar era no par de nádegas bem torneadas na minha frente.
A bunda da Eris era incrível. Eu nunca tinha visto uma síntese tão perfeita de músculo e
gordura. De alguma forma, era compacta e rechonchuda. A garota tinha curvas, certamente. Isso
era provavelmente o que as pessoas queriam dizer quando falavam sobre “apelo sexual”.
Aliás, as calças da Eris eram bem apertadas ao redor de sua bunda, o que enfatizava sua forma
de uma maneira agradável. Elas deixaram bem claro o quanto de volume ela tinha lá. Como
exatamente você chamaria essas coisas, afinal? Meia-calça? Legging? Não era um estilo que você
via muito por aqui… Hmm. Elas eram feitas de algum tipo de couro? Não, pareciam muito flexíveis
para isso… talvez fosse tecido em vez disso?
Senti que tocá-las seria a maneira mais rápida de verificar. Sim, pareceu uma excelente ideia.
Eu poderia perder a consciência por um tempo, mas esse era um pequeno preço a pagar por
resolver um mistério tão profundo.
Tudo bem, Eris… Você pode evitar minha nova técnica, a Apalpada de Luz?
— Rudeus…
Eris de repente se virou e eu apressadamente olhei para cima, a fim de encontrar seu olhar.
— Você ainda é o Rudeus, certo?
Como sempre, havia uma irritação enigmática em seu rosto. Pelo tom dela, no entanto, eu
sabia que ela devia estar falando sobre todo aquele negócio de reencarnação que discutimos
anteriormente.
— Sim. Parece que eu tenho aquela coisa do Fator de Laplace misturado dentro de mim em
algum lugar, mas ainda sou a mesma pessoa que era ontem.
— Então, nada está realmente diferente agora, certo?
— Sim. Aprendi algumas coisas novas sobre mim, só isso. Não mudei nem um pouco.
Mantive minhas respostas simples e diretas, sem desculpas ou justificativas. Para ser honesto,
não tinha certeza se Eris estava acompanhando minha conversa com Orsted. O homem parecia
sentir que a reencarnação era um fenômeno perfeitamente comum e cotidiano. Já li ficção
científica suficiente na minha vida anterior para dar sentido às suas explicações. Mas sem esse
tipo de conhecimento prévio, poderia ter sido quase incompreensível.
Então, de novo… Eris tinha cerca de vinte anos agora. Ela tinha ultrapassado a idade em que
se podia viver sem pensar por si mesmo. Havia uma parte de mim que queria que ela ficasse sem
noção para sempre, mas isso era apenas um sonho estúpido e egoísta.
— Hmm… Eris assentiu com minhas palavras, embora fosse difícil dizer se ela realmente as
entendia. — Você quer que eu mantenha isso em segredo de Sylphie e Roxy?
— Se não se importar, sim. Prefiro dizer a elas eu mesmo, quando for a hora certa.
Em resposta, Eris deu três passos rápidos à frente, então parou abruptamente.
O sol poente estava atrás dela agora, desenhando sua silhueta contra o céu noturno; seu
cabelo brilhava como rubis enquanto a luz passava por ele. Mesmo na sombra, seus traços faciais
marcantes e olhar intenso eram hipnotizantes.
Droga. Ela é realmente linda.
— Tudo bem — disse ela. — Você tem que segurar minha mão, então.
Eris estendeu a mão e eu a peguei sem falar nada. Era tão adorável de se olhar quanto o resto
dela. Era calejada e um pouco dura no lado. Muito diferente das mãos da Sylphie ou da Roxy.
Quente e forte, aquela mão se enrolou em torno da minha. Eu a apertei firmemente de volta
e comecei a andar.
Esta era a primeira vez em eras que eu andei lado a lado com Eris. Por alguma razão, foi o
suficiente para me fazer muito feliz.
E quando meus pensamentos se voltaram para o novo capítulo da minha vida que começaria
amanhã, meu coração latejou ligeiramente — de emoção.

— NGHAH?!
Os olhos de Eris se abriram violentamente. Ela acordou com um ganido um tanto indigno.
— Hmm…?
Ela se sentou na cama e coçou o cabelo desgrenhado, olhando sonolenta ao redor ainda
confusa. Estava em uma cama desconhecida num quarto desconhecido. A janela e o armário eram
novos para ela também.
No entanto, ela reconheceu as duas espadas encostadas na cama — e as roupas espalhadas
descuidadamente pelo chão. Ficou claro que ela veio dormir aqui por iniciativa própria na noite
passada.
— Ah, certo…
Uma vez que tinha processado tudo isso, suas memórias da noite anterior voltaram para ela
com bastante facilidade.
Ela se lembrou de salvar a vida de Rudeus e lutar contra Orsted para protegê-lo.
Em seus anos no Santuário da Espada, sonhou em lutar contra Orsted em muitas ocasiões.
Nos dias em que ela se esforçava ao máximo em seu treinamento e adormecia no momento em
que sua cabeça batia no travesseiro, quase sempre acontecia. Os sonhos mudaram um pouco à
medida que ela crescia e ficava mais forte, mas sempre envolvia ela lutando contra o Deus Dragão
ao lado de Rudeus, e ela sempre acordava antes que o duelo fosse concluído.
Ontem, no entanto, sua batalha tinha chegado ao fim. Algo que nunca havia acontecido antes.
E o resultado não foi nada como ela havia imaginado. Parecia estranho demais para ser real. Ela
assumiu que deveria ter sido outro sonho.
Mas a julgar por onde ela se encontrou nesta manhã…
— Acho que aquilo realmente aconteceu — Eris murmurou pensativa.
No dia seguinte à batalha com Orsted, ela acordou na casa da família Greyrat.
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Eris Greyrat estava começando a se sentir desconfortável.


Por muitos anos, seu sonho era lutar contra Orsted ao lado de Rudeus. Foi toda a razão pela
qual ela viajou para o Santuário da Espada. Agora havia cumprido esse objetivo; as coisas não
tinham saído exatamente como tinha imaginado, mas ela se manteve firme contra o Deus Dragão.
Claro, ela havia pensado um pouco no que viria depois disso. Seu plano era viver feliz para
sempre com Rudeus. Nunca foi muito clara sobre como isso se daria exatamente, mas ainda era
sua intenção fazer isso acontecer.
No entanto, apesar de como ela se sentia sobre o assunto, nos dias depois de chegar a esta
casa, se viu incapaz de manter uma conversa com Rudeus.
Eris murmurou enquanto lavava o rosto. — Eu não entendo.
Este banheiro tinha um grande espelho sobre a pia, oferecendo-a uma boa visão de si mesma.
Ela estudou seu rosto por um momento: cabelo ruivo despenteado, olhos arregalados e uma boca
que parecia carrancuda toda vez que a fechava. Ela conseguiu lavar a baba seca de sua bochecha,
mas não ajudou muito.
A palavra fofa definitivamente não se aplicava a ela. Quando considerou o significado desse
termo, dois rostos imediatamente apareceram em sua mente. As feições de Sylphie e Roxy eram
diferentes, mas ambas poderiam ser descritas como adoráveis. Elas não tinham os olhos afiados e
arrebitados de Eris ou sua juba de cabelo bagunçado, e não pareciam zangadas quando fechavam
a boca. Suas figuras eram muito diferentes das dela também. Seus corpos não eram tão…
femininos, mas Rudeus parecia preferir as coisas assim.
Claro, Eris não poderia magicamente mudar sua aparência da noite para o dia, então desistiu
de competir com elas neste aspecto. Contudo havia outros aspectos problemáticos a serem
considerados também. Sylphie era o tipo de mulher que cuidava bem de sua família e de sua casa.
Não só podia cuidar das tarefas ou cozinhar uma refeição decente — ela também era gentil e
atenciosa com todos. Não importa o quão estupidamente Eris pudesse se comportar, Sylphie nunca
iria rir dela pelas costas. E acima de tudo, era óbvio que ela amava muito Rudeus. Qualquer um
que pudesse reconhecer o quão incrível Rudeus era, ganharia alguns pontos com Eris.
Quanto a Roxy, bem… ela era alguém que até Rudeus respeitava profundamente. Tinha um
lado um pouco desajeitado, mas parecia uma pessoa calma e inteligente, com uma visão sábia da
vida. E, além disso, tinha um bom emprego na universidade, o que a tornava a que tinha o maior
salário na casa. Rudeus havia contado a Eris como ela era maravilhosa em suas viagens juntos. No
que dizia respeito a Eris, qualquer um que Rudeus respeitasse era alguém digno de respeito
também.
Assim, em comparação, onde isso deixava a própria Eris?
Ela não era muito boa em trabalhos domésticos ou cozinhar. Quando se tratava de ganhar
dinheiro, trabalhar como aventureira era a única coisa que ela sabia fazer… e era difícil dizer o
quão bem ela conseguiria isso sem Rudeus cuidando de todos os detalhes complicados.
Para deixar claro: Eris tinha toda a intenção de ficar com Rudeus a partir de agora. Algumas
coisas não funcionaram bem como ela esperava, mas esses eram todos apenas pequenos detalhes
em sua mente. Claro, havia uma parte dela que o queria só para ela, e tinha alguns sentimentos
contraditórios sobre se tornar a esposa número três, mas ela aceitou tudo isso algum tempo atrás.
Rudeus passou por um período muito difícil por causa dela, além disso, ela viu muitos homens
com várias esposas em Asura. Não havia nada de estranho nisso para ela.
Dito isso, agora que realmente conheceu suas outras esposas, ela estava começando a se
sentir meio inadequada.
Eris não era mais uma criança. Sabia que a vida não era simples ou fácil. Ela ainda não tinha
uma grande noção de quão complicada poderia ser, mas estava bem ciente de que não poderia
passar por isso apenas com suas habilidades com a espada.
Antigamente, ela nunca se preocupou com todas essas outras coisas. Em sua mente, Rudeus
poderia cuidar de tudo, e isso significava que ela não precisava se preocupar, mas depois de ver
Sylphie e Roxy em ação, não se sentia mais assim. A razão pela qual fugiu para o Santuário da
Espada em primeiro lugar foi para se tornar igual a Rudeus. Ela queria se tornar mais forte a fim
de não ser mais um fardo para ele.
E ela com certeza havia alcançado esse objetivo, mas agora que estava de volta, Rudeus já
tinha duas mulheres o apoiando. Ambas tinham todos os tipos de habilidades valiosas para a vida
diária que usavam ativamente para ajudá-lo de centenas de maneiras diferentes.
Talvez ela não tivesse as qualificações para ser sua esposa, afinal. Talvez fosse por isso que
ele continuava lançando olhares estranhos para seu rosto, em vez de trazer à tona sua proposta
de casamento.
Era um pensamento angustiante que não conseguia se livrar.
Em circunstâncias normais, Eris poderia ter deixado todas as suas preocupações de lado e
atacado Rudeus de frente, mas essas não eram circunstâncias normais, e seus sentimentos de
dúvida ficaram tão fortes que ela não conseguia começar a conversa.
— Tudo bem!
No entanto, Eris naturalmente não era capaz de pensar muito. E não era a jovem mimada que
tinha sido uma vez, incapaz de agir por conta própria. Ela era uma mestre espadachim que estudou
no próprio Santuário da Espada, ganhando o prestigioso posto de Rei da Espada.
Durante o caminho de sua ascensão, Eris aprendeu exatamente o que fazer quando sentia
dúvida. Quando lhe faltavam as qualificações necessárias, era apenas uma questão de obtê-las.

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Depois de se lavar e terminar seus treinos diários, Eris rapidamente enxugou o suor e então
foi direto para a cozinha onde Sylphie, Aisha e Lilia já estavam agitadas.
Apenas alguns dias se passaram desde a batalha com Orsted, que foi uma experiência
estressante e cansativa para todos, mas com três cozinheiras competentes na cozinha trabalhando
em um número bastante pequeno de pratos, as coisas pareciam estar indo bem o suficiente.
Mesmo assim, Eris gritou: — Deixem-me ajudar também! O que devo fazer primeiro?!
— Você apenas espera pacientemente até que a comida esteja pronta, Eris! — Aisha respondeu
instantaneamente.
A mensagem implícita aqui era “não há nada para você ajudar”. Aisha era uma garota alegre e
doce por natureza e não tinha nada além de carinho e respeito por sua nova irmã mais velha, mas
também sabia que Eris não sabia cozinhar nem se fosse para não morrer de fome. Além disso, elas
tinham a situação sob controle como estava.
Infelizmente, Eris também não era muito boa em ler nas entrelinhas.
— Não posso ficar sentada para sempre! Serei a esposa de Rudeus também!
Aisha de alguma forma resistiu ao desejo de suspirar de exasperação e olhou para Sylphie,
que estava sorrindo sem jeito. Sylphie era a responsável aqui, então a decisão final cabia a ela.
— Uhm… você sabe cozinhar, Eris? — Sylphie perguntou, sua voz gentil.
— Posso ajudar, pelo menos! — Eris respondeu, estufando o peito com confiança.
— Bem, tudo bem… Você poderia cortar esses vegetais para mim, então? Vamos usá-los em
um ensopado, mas eles são sempre um pouco difíceis de cortar.
Sylphie entregou a Eris uma faca de cozinha e a apontou na direção certa. Eris olhou para os
legumes recém-descascados que pareciam abóboras diante dela, transbordando de excitação.
— Eu só preciso cortar isso, certo?
— Sim, mas eles são bem duros. Acha que pode cuidar disso?
— Claro. Sou muito boa com uma espada.
— Uhm, mas isso é uma faca de cozinha…
Eris basicamente não tinha feito nada exceto praticar com a espada por anos, mas em seus
dias de aventureira, Ruijerd a ensinou como tirar a pele de um monstro morto, e ela também
preparou carne algumas vezes. Não era como se não tivesse nenhuma experiência com culinária,
em outras palavras.
Infelizmente, os preparativos para o café da manhã da família Greyrat não envolviam a
dissecação de monstros venenosos, mas Eris estava convencida de que poderia cortar alguns
vegetais com bastante facilidade.
— Huh?
No entanto, a abóbora provou ser muito mais dura do que Eris havia previsto e sua faca parou
no meio dela. Ela era muito boa em acertar alvos em movimento rápido, mas esta era a primeira
vez que enfrentava um objeto imóvel em uma tábua de corte. Talvez fosse algo que você precisasse
praticar.
No entanto, Eris era uma Rei da Espada agora; sabia como lidar com uma lâmina. E sabia como
cortar as coisas, mesmo que fossem um pouco duras.
— Uhm, Eris? Você quer cortar isso em mais de um…
— Hmph!
Assim que Sylphie estava prestes a ensinar-lhe o truque para isso, Eris exalou bruscamente,
levantou sua faca muito rápido para os olhos seguirem, e balançou violentamente de volta para
baixo.
Sylphie não viu nem um borrão. Ela acabou de ouvir o pedaço da lâmina atingindo o alvo e viu
a abóbora dividida ao meio… junto com a tábua de corte embaixo dela. A tábua de corte que
Rudeus comprara para ela quando se casaram e ela vinha usando desde então.
— Gostou disso? — disse Eris orgulhosamente.
As bochechas de Sylphie se contraíram levemente, mas ela conseguiu se controlar. Ela gostava
daquela tábua de corte, sim, mas era um objeto prático e acabaria se desgastando de qualquer
forma. Eles sempre poderiam comprar outra.
— Aaaah! Essa é a tábua de corte que Rudeus comprou para Sylphie como presente de
casamento! — Aisha gritou no lugar de Sylphie. Pegando as duas metades da tábua quebrada, ela
olhou para Eris com reprovação. — Eris, você é terrível!
— Uhm…
Lenta e ansiosamente, Eris olhou para Sylphie. As bochechas da mulher ainda estavam se
contorcendo, mas de alguma forma ela conseguiu manter um sorriso no rosto.
— Ah, e-está tudo bem. Não é como se ela tivesse feito isso de propósito, certo?
— D-desculpe por isso.
O pedido de desculpas de Eris foi genuíno. Se alguém tivesse cortado um presente que Rudeus
lhe deu ao meio, ela sabia que teria surtado com eles.
— Acho que vamos deixar outra pessoa lidar com o corte dos legumes hoje, no entanto.
Nos minutos seguintes, Sylphie fez um esforço para encontrar pequenas tarefas nas quais Eris
pudesse ajudar. Infelizmente, ela se mostrou muito mais desajeitada do que o esperado. Quando
tentou aquecer alguma coisa, quase causou um incêndio; quando lavava uma panela que tinham
acabado de usar, ela de alguma forma dobrava o cabo; e quando levava comida para a mesa,
acabava derrubando tudo no chão. Normalmente, ela poderia ter lidado bem com essas tarefas,
mas estava fazendo tudo com um pouco de vigor em excesso hoje.
Quando você está se esforçando muito, é fácil cometer erros que não cometeria normalmente.
Por fim, Eris acabou a tarefa de afiar as facas de cozinha que estavam ficando cegas. Enquanto
a maior parte do que ela praticou recentemente dizia respeito a como usar sua espada, ela
também aprendeu como mantê-la. Ruijerd havia a ensinado o básico e ela tinha uma extensa
prática no Santuário da Espada também. Havia boas razões para isso. Para os praticantes do Estilo
Deus da Espada, que procuravam derrubar seus oponentes em um único golpe, era crucial manter
sua espada afiada.
Uma faca de cozinha não era uma espada, obviamente, mas ainda era uma lâmina. Não havia
muita diferença em como você a mantinha. No final daquela manhã, todas as facas na cozinha da
família Greyrat pareciam afiadas o suficiente para cortar aço; essa conquista rendeu a Eris uma
boa quantidade de elogios de Sylphie e das outras.
Claro, ela estava plenamente consciente do fato de que este não era bem o tipo de trabalho
doméstico que ela esperava ajudar.
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Eris tinha estragado tudo na cozinha. Ainda assim, não estava disposta a desistir. Parecia que
cozinhar não era o seu forte, mas ela ainda podia encontrar uma maneira de ganhar seu sustento,
pelo menos. Com esse pensamento em mente, partiu para a Universidade de Magia de Ranoa, onde
Roxy trabalhava como professora. O plano era explicar a situação e ver se Roxy sabia algum
trabalho para o qual ela pudesse ser adequada.
— Uhh… Você quer saber se há alguma coisa em que possa ajudar?
Eris chegou assim que Roxy estava começando seu almoço — distraindo-a do mistério do
porquê do conteúdo de sua lancheira estar levemente carbonizado hoje.
— Sim! Todo mundo diz que é uma grande ajuda ter você trazendo para casa aquele bom
salário regular. Serei a esposa de Rudeus também, então realmente deveria ganhar algum dinheiro.
— Ah, entendi. Bem, eu certamente posso fazer meu melhor para ajudá-la a encontrar um
emprego, nesse caso.
— Obrigada, Roxy!
— Primeiro de tudo, você pode me dizer quais são suas habilidades?
A mente de Eris imediatamente saltou para as coisas que Rudeus a havia ensinado muitos
anos atrás. Este lugar era uma escola, então parecia ser o conhecimento mais relevante que
possuía.
— Eu sei ler, escrever e fazer aritmética! Ah, e também conheço um pouco de magia básica!
Claro, Eris não era especialmente boa em nenhuma dessas coisas, mas ainda deu sua resposta
com confiança.
Roxy ficou em silêncio e tentou pensar sobre isso.
Eris era uma Rei da Espada. Naturalmente, a melhor opção era encontrar um emprego para
ela em que esse título fosse relevante. Embora não estivesse claro se ela tinha a capacidade de
ensinar aos outros suas habilidades, encontrar para ela um cargo como instrutora de esgrima
parecia a opção ideal. Ela ainda não tinha as qualificações necessárias para se tornar um membro
formal do corpo docente, mas poderia ser contratada como instrutora assistente imediatamente.
Felizmente, a Universidade de Magia oferecia aulas de esgrima a seus alunos e a recomendação de
Roxy contaria para algo aqui.
O atual instrutor de esgrima da Universidade era do nível Avançado em seu estilo, o que o
tornava inferior a Eris. Havia uma chance de que aceitar um assistente tão poderoso fosse demais
para seu orgulho tolerar… mas enquanto considerava isso, Roxy se lembrou de ver o homem
falando animadamente sobre a chegada de duas Reis da Espada em Ranoa no outro dia. Ele até
mencionou algo sobre o quanto ele queria conhecê-las, e talvez até aprender uma coisa ou duas
sob sua instrução. Neste exato momento, o homem parecia estar lançando olhares ciumentos em
sua direção do outro lado da sala dos professores. Roxy teve a sensação de que ele poderia
endossar essa ideia com entusiasmo se ela o chamasse.
No entanto… Eris não mencionou sua esgrima em resposta à pergunta de Roxy sobre suas
habilidades. Por que será?
Roxy era uma mulher inteligente. Não demorou muito para ela chegar a uma resposta.
Eris era uma Rei da Espada, um nível acima até mesmo dos Cavaleiros da Espada. Somente os
verdadeiramente talentosos e poderosos ganharam esse título. Entre os magos que subiram para
o nível equivalente, havia muitos que só aceitavam alunos específicos que consideravam
promissores. Com toda a probabilidade, Eris também não estava disposta a ensinar suas
habilidades a qualquer um. Nesse caso, sugerir que ela aceite um emprego como instrutora
assistente de esgrima seria muito imprudente. Ela pode até tomar isso como um insulto.
Claro, tudo isso era apenas Roxy pensando demais nas coisas, mas mesmo assim, ela optou
por uma sugestão diferente.
— Tudo bem então. Que tal um emprego como segurança?
— Uma segurança? Isso soa meio chato.
— Bem, a maioria dos empregos é um pouco monótona, receio.
— Hmm… Sim, acho que até mesmo se aventurar era um pouco chato às vezes. Está bem então.
Em poucos minutos, a recomendação de Roxy garantiu a Eris um teste como guarda de
segurança da Universidade de Magia de Ranoa.
Uma vez que as formalidades foram cumpridas, Roxy levou Eris para a entrada principal da
Universidade de Magia. Como Eris ainda não tinha uma boa noção do layout do campus, guardar o
portão da frente era o único trabalho que ela podia fazer no momento. A ideia era que ela fizesse
um turno naquela tarde, após o qual seria oficialmente contratada pela Universidade.
— Tudo bem então. Tenho uma aula para dar, então preciso ir agora. Passarei para buscá-la à
noite.
Com essas palavras, Roxy deixou Eris nas mãos do guarda veterano no portão e voltou para o
prédio principal da escola.
O guarda examinou Eris por um momento, então coçou a parte de trás de sua cabeça incerto.
— Uh, vamos ver. Quero dizer, o serviço de portão é bem simples, honestamente. Você apenas
precisa parar qualquer um que pareça suspeito ou perigoso, pede a eles que provem sua
identidade e os expulsa quando necessário.
— Isso parece fácil!
— Sim, com certeza é. Não é como se tivéssemos tantas pessoas suspeitas vagando por aí,
sabe? Mas ei, deixe-me mostrar como é feito de qualquer maneira.
Com isso, o guarda se posicionou ao lado do portão e começou a ficar de olho em todos que
passavam por ele.
No entanto, a Universidade de Magia tinha uma grande variedade de instalações e lojas no
campus, então era bastante raro que estudantes ou professores saíssem do local na hora do
almoço. Isso significava que não havia muito tráfego de pedestres além de um punhado de pessoas
que pareciam ser homens da manutenção ou vendedores trazendo suprimentos. O guarda chamou
um cliente de aparência durona com uma grande cicatriz na bochecha, apenas para descobrir que
ele era guarda-costas de algum estudante nobre que morava nos dormitórios. Assim como ele
disse, o campus não parecia receber muitos visitantes de aparência suspeita.
— Então é isso. O tráfego de pedestres diminuirá ainda mais no início da tarde. Por que você
não tenta por um tempo?
— Entendi!
Em alto astral, Eris se posicionou ao lado do portão, onde assumiu sua pose assinatura: braços
cruzados, pernas abertas e queixo no ar.
Seu olhar era intenso. Muito intenso, na verdade. Ninguém parecia olhá-la nos olhos; aqueles
que passavam pelo portão o fizeram olhando para o chão, em um esforço para não encontrar seus
olhos. Não havia suspeitos à vista. Qualquer um que estivesse considerando algum
comportamento ilícito teria pensado duas vezes depois de um bom olhar de Eris.
No entanto, entre todos os acovardados e encolhidos, havia um homem que nem se mexeu.
Indiferente à presença de Eris, ele caminhou pelo campus como se fosse o dono do lugar. A
expressão em seu rosto era calma e confiante. Não havia nada de incomum em sua postura, mas,
dadas as pessoas trêmulas ao seu redor, ele se destacava como um polegar dolorido.
E assim, Eris tomou uma decisão rápida: há algo estranho com aquele cara!
— Pare bem aí!
O homem parou em seu caminho e olhou para Eris duvidosamente. — Posso ajudar?
Seu tom era educado o suficiente, mas o olhar em seu rosto dizia: “Sou um homem ocupado.
Podemos acabar com isso logo?”
Claro, essa atitude só deixou Eris mais desconfiada.
— Há algo suspeito em você!
— Passo por este portão há mais de vinte anos e esta é a primeira vez que ouço isso. Você
parece meio… suspeita para mim. Não reconheço seu rosto… Há quanto tempo você trabalha aqui?
— Comecei hoje!
— Entendi. Bem, suponho que não posso culpá-la, então…
O homem enfiou a mão no bolso para pegar seu crachá oficial de identificação da
universidade, mas naquele momento, uma rajada de vento forte e fora de época passou, e sua mão
pulou reflexivamente do bolso em direção à cabeça.
Eris reagiu instantaneamente a este movimento altamente suspeito. Dando um passo à frente
em um piscar de olhos, ela agarrou seu pulso com firmeza em sua mão.
— O que você está escondendo aí?
— Guh…!
Diante dos olhos de Eris, o vento… carregou o cabelo do homem. Todo ele. De uma vez só.
Tudo o que restou foi uma careca lindamente brilhante.
—…
Eris congelou. Ela reconheceu que o homem estava tentando esconder algo, mas não tinha
imaginado que era… isso.
Com a mão que Eris não estava agarrando, o homem enfiou a mão no bolso do peito mais uma
vez e tirou seu distintivo da Universidade.
— Meu nome é Georg. Sou o diretor da Universidade de Magia de Ranoa.
Enquanto falava, seu rosto estava vermelho de vergonha e fúria.

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Para ir direto ao ponto, Eris foi demitida no local.


Bem… não era tecnicamente uma demissão, já que ela ainda nem tinha sido contratada, mas
a Universidade se recusou formalmente a contratá-la como guarda de segurança.
— Suspiro…
Compreensivelmente, isso deixou Eris se sentindo um pouco deprimida. Ela não era boa em
tarefas domésticas e também não conseguia lidar com um emprego. A crescente sensação de sua
própria inutilidade havia sido dolorosamente reforçada pelos acontecimentos de hoje. Poderia ter
sido diferente se ela pelo menos conseguisse tropeçar em algo que ela decidiu, mas depois de dois
desastres seguidos, sua autoconfiança estava atingindo fundos do poço cada vez mais profundos.
No momento, Eris estava deitada em cima de um galpão no canto do quintal Greyrat e olhando
para o céu, como costumava fazer quando morava na cidade de Roa. Em sua mente, estava
repetindo uma conversa com Rudeus de muitos anos no passado.
— Qual é o sentido de fazer algo que eu nem sou boa?!
A resposta de Rudeus foi bastante simples.
— Quanto pior você é em alguma coisa, mais satisfatório é quando finalmente pega o jeito.
Em certo sentido, o trabalho doméstico e o emprego não eram diferentes da dança com a qual
ela lutava naquela época. Ela pegaria o jeito deles eventualmente, contanto que continuasse
tentando, apesar de seus fracassos.
Ao mesmo tempo, algo parecia um pouco estranho nesse plano. Provavelmente seria
satisfatório ter sucesso, mas mesmo assim… algo parecia errado.
Infelizmente, Eris não conseguia descobrir o porquê disso acontecer.
— Me deixe ir!
Nesse momento, o vento levou uma voz até ela. Foi uma que ela reconheceu.
Eris sentou-se no telhado do galpão e se virou na direção de onde a voz vinha. Ao que parecia,
havia uma discussão acontecendo perto da porta da frente da casa da família Greyrat.
— Quero saber o que está acontecendo…
Ela pulou de seu poleiro e deu a volta ao redor da casa, onde viu a irmã de Rudeus, Norn, com
um menino da idade dela.
O menino estava ricamente vestido. Seu uniforme tinha o mesmo desenho do de Norn, mas
dava para ver de relance que o dele era feito com tecidos finos e botões caros.
Não eram apenas suas roupas que se destacavam; ele tinha cabelos loiros longos e ondulados,
sobrancelhas bem cuidadas e uma pele que claramente recebia muito cuidado. Os dois guardas
em posição de sentido atrás dele deixaram óbvio que era um nobre.
No momento, ele estava segurando a mão de Norn — aparentemente para a impedir de entrar
na casa.
— Vamos, Norn — disse o menino, passando a mão livre pelo cabelo em um gesto
detestavelmente vistoso. — Se você simplesmente vier comigo, estará ajudando aquele seu
querido irmão e sua amada princesa Ariel.
— Do que você está falando?! A princesa Ariel e Rudeus nem estão por perto agora!
— Muito melhor! Se eles voltarem e descobrirem que tomamos medidas úteis em seu nome,
certamente nos elogiarão por nossa visão e iniciativa. Será um passo valioso para ganhar a
confiança deles.
— Eles só ficariam bravos comigo por agir sem permissão, na verdade.
Aparentemente, Norn não queria nada mais do que soltar sua mão, mas esse garoto era um
nobre e parecia ter alguma influência real; ela provavelmente não queria correr o risco de irritá-
lo.
— Oh, eles não ficarão chateados, eu garanto. Dê uma olhada nesses dois atrás de mim. Eles
são lutadores de elite que recrutamos de um dos melhores bandos de mercenários de todo o
Território do Norte. Seu irmão tem passado muito tempo fora de casa ultimamente, não é? Permita-
me protegê-la em seu lugar.
— Isso não é necessário. Temos Sylphie e Roxy para cuidar de nós.
— Nada além de mulheres, em outras palavras?
— Z-Zanoba e Cliff vêm o tempo todo!
— Mas eles não estão aqui agora, estão?
Diante da pressão implacável do menino, os protestos de Norn foram ficando mais breves e
menos firmes. Nesse ritmo, havia uma boa chance dele acabar impedindo seu caminho para dentro
da casa. Franzindo o cenho, Eris se aproximou.
— Ela não está interessada. Tire suas mãos dela.
O menino franziu a testa com essa interrupção repentina. — Perdão? E quem você deveria ser,
afinal? Não sabe quem eu sou?
— Não.
— Eu vou te dizer, então. Sou Richard Moanarius, herdeiro da honrosa casa de Moanar…
— Eu não poderia me importar menos. Você não me ouviu da primeira vez? Tire suas
mãos dela.
Quando Eris interrompeu sua tentativa de se apresentar, a expressão confiante do menino
Richard mudou para uma mal-humorada. — Você é uma mulher notavelmente rude e ignorante!
Olhe aqui, se eu quisesse, poderia demolir esta sua casinha em um intan… Hm?
Richard parou no meio da frase, percebendo que suas pernas estavam estranhamente frias
de repente. Quando ele olhou para baixo, ele encontrou sua calça caída em torno de seus
tornozelos, deixando sua cueca totalmente exposta. Com um pequeno guincho, o menino
rapidamente puxou as calças para cima — apenas para descobrir que seu cinto havia sido cortado
ao meio, forçando-o a segurá-las com as mãos.
Por um momento, ele não tinha ideia do que havia acontecido com ele. Então ouviu um
pequeno tilintar da espada na cintura de Eris… e ele olhou para cima para encontrá-la olhando
para ele com desdém frio em seus olhos.
— Da próxima vez, vou cortar esse braço em vez disso.
— Ei!
Richard era famoso por seu comportamento sem vergonha e às vezes era chamado de uma
falha como nobre, mas quaisquer que fossem suas falhas morais, possuía um senso de
autopreservação perfeitamente funcional. Ele sabia que Eris não estava fazendo uma ameaça
vazia. Imediatamente soltou a mão de Norn e deu um passo rápido para trás.
— B-bem. Bom! Estarei indo por enquanto, então.
Com essas palavras, Eris desembainhou sua espada novamente. De alguma forma, a espada
deixou sua bainha sem fazer nenhum som. Algo sobre isso parecia incrivelmente ameaçador.
— O-o quê?! Eu já disse que vou embora por hoje!
— Não volte amanhã também. Ou no dia seguinte.
As pernas de Richard começaram a tremer com a pura intensidade do olhar de Eris. Ele não
podia olhar nos olhos dela, é claro; mas podia senti-los o perfurando. Ainda assim, ele tinha seu
orgulho de nobre em jogo. Ele não podia deixar essa plebeia grosseira fazer dele um completo
idiota.
— Você se atreve a ameaçar…
No entanto, assim que abriu a boca para falar, um de seus guarda-costas o agarrou pelo ombro
e o puxou firmemente para trás.
— Desculpe, sua senhoria, mas é melhor sairmos daqui. Aposto um bom dinheiro que aquela
garota é a Rei da Espada Berserker de quem as pessoas estão falando. Ela não está blefando sobre
isso, entende? Não há conversa com uma mulher que treinou no Santuário da Espada.
Normalmente, esses homens seguiam seu jovem mestre mesmo em suas escapadas mais
idiotas, limpando de forma eficiente sua bagunça com um suspiro silencioso, mas foi precisamente
suas habilidades e competência que lhes permitiu perceber o quão perigosa Eris de fato era.
— Droga! Não me esquecerei disso!
Com essa tentativa inerte de um tiro de despedida, Richard começou a se virar, mas antes que
pudesse se mover uma polegada, Eris o chamou bruscamente.
— Não me esquecerei de você também. E se mexer com essa garota de novo, eu te mato. Isso
é uma promessa, ok? Vou me lembrar do seu rosto.
Essas palavras foram o golpe final. O conhecimento de que esta mulher aterrorizante iria ficar
de olho nele deixou o corpo de Richard tremendo de medo.
— Guh…
Aterrorizado em silêncio, o menino de repente pálido virou-se e se afastou rapidamente.
Eris continuou olhando para Richard e seus guarda-costas até que eles desaparecessem
completamente de vista. Só então ela finalmente relaxou.
— Hmph.
Claro, ela não quis dizer nada disso a sério. Eris podia ser um pouco violenta às vezes, mas
não saía por aí matando pirralhos detestáveis. Tinha sido apenas um blefe. Honestamente, ela não
pretendia lembrar o nome do menino, muito menos de seu rosto. Lembrar das coisas nunca foi seu
forte. Ainda assim, a força de sua hostilidade muito genuína foi o suficiente para dar peso às suas
palavras.
— Ufa…
Com um pequeno suspiro, Eris se virou e voltou para dentro da casa.
Norn apenas a observou ir, sem conseguir dizer “obrigado”, mas suas mãos estavam apertadas
contra o peito e admiração brilhava em seus olhos.

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Assustar aquele garoto tinha sido muito bom, sendo bem honesta, mas Eris já estava se
perguntando se havia estragado tudo de novo. Norn parecia infeliz com a situação, mas a discussão
deles parecia meio complicada. Talvez o pirralho fosse realmente importante de alguma forma.
Parecia que ela poderia ser repreendida de novo mais tarde.
Assim que ela entrou na casa, Sylphie e Roxy colocaram suas cabeças para fora da sala e
acenaram para ela. Elas claramente estavam assistindo aquela pequena cena se desenrolar à
distância.
Preparando-se para uma conversa, Eris foi se juntar a elas…
— Obrigada, Eris!
— Bem feito.
…e se viu piscando surpresa com suas palavras repentinas de gratidão.
— Huh?
— Nós vimos aquilo! Você ajudou Norn, certo?
— Aquele garoto não ouviu uma palavra do que tínhamos a dizer, mas parece que ele não vai
incomodá-la novamente.
Havia grandes sorrisos em ambos os rostos, mas Eris franziu a testa incerta.
— Você tem certeza que eu deveria ter feito aquilo? Ele tem conexões, certo?
— Hmm. Bem, seu pai está contribuindo para a causa da princesa Ariel e ele tem alguma
influência na Universidade…
Isso era exatamente o que Eris temia. Sylphie explicou que Richard era filho de um poderoso
nobre de Ranoa. Este nobre não era apenas um dos principais financiadores da princesa Ariel, ele
também fazia grandes doações para a Universidade regularmente e tinha uma influência
considerável com seus administradores. Para colocar as coisas sem rodeios, uma porcentagem
decente do pagamento de Sylphie e Roxy vinham do dinheiro que ele fornecia.
Claro, seu filho Richard não tinha nada a ver com nenhum desses assuntos. Mesmo se ele
corresse de volta para casa e choramingasse com seu pai por horas a fio, era improvável que
houvesse consequências para Sylphie ou Roxy, muito menos para a princesa Ariel. No entanto,
Richard havia se convencido de que as contribuições de seu pai lhe davam o direito de se pavonear
como se fosse o dono do lugar. Não importa quantas vezes Sylphie e Roxy o repreendessem, ele
simplesmente as ignorava.
— Estávamos prestes a sair e enxotá-lo quando você apareceu, Eris — acrescentou Roxy, seu
nariz queimando de entusiasmo. — Fiquei um pouco preocupada por um minuto, mas meu Deus!
Foi gratificante assistir!
Sylphie riu um pouco, mas então se virou com uma expressão séria no rosto.
— Ei, Eris?
— O-o que foi?
Sylphie estendeu a mão e pegou as mãos de Eris nas suas. E então, como Eris hesitou incerta,
começou a falar.
— Às vezes tenho a sensação de que você pensa que não é… boa o suficiente do jeito que é,
mas isso definitivamente não é verdade, ok? Tente ter alguma confiança.
Eris franziu a testa um pouco. Isso quase parecia uma rejeição de seus esforços para melhorar.
— De onde veio isso?
— Bem, você tem se preocupado muito ultimamente, não é? Acho que meio que entendo como
você se sente. Sempre que vejo Rudy trabalhando, sinto que tenho que aprender todo tipo de
coisas novas.
—…
Assustada pela perspicácia de Sylphie, Eris se viu sem palavras, mas Sylphie ainda não havia
terminado. — Sabe, Eris… nós somos muito boas em vigiar as costas de Rudy, se você entende o
que quero dizer. Estamos atentas às coisas nos bastidores. Você definitivamente nos ajudou hoje,
mas normalmente, estamos a par desses tipos de problemas.
Sylphie parou por um momento e seu aperto nas mãos de Eris aumentou visivelmente.
— Mas quando vi como Orsted, Rudy e você lutaram… bem, percebi uma coisa. Quando Rudy
está enfrentando algo realmente perigoso, não somos fortes o suficiente para ficar na frente dele
como você fez.
Ela estava olhando Eris diretamente em seus olhos agora. A força neles era absolutamente
intimidante, mas ela não vacilou ou desviou o olhar. Na verdade, ela olhou de volta com todo o
poder que podia reunir.
— Você treinou por anos para ser forte o suficiente para fazer isso. Acho que isso é algo que
você deve se orgulhar.
Com isso, Sylphie soltou as mãos de Eris e sorriu para ela.
— Isso é tudo que eu queria dizer, realmente. Além de… estou feliz por você estar aqui, Eris.

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Eris vagou pelo corredor meio atordoada. Que clichê. Depois de tanta preocupação, ela acabou
chegando à conclusão de que estava bem do jeito que estava.
Entretanto, quanto mais pensava sobre isso, mais isso soava certo. Rudeus era o mago e ela a
espadachim. Era o que ela tinha em mente desde o dia em que o deixou para treinar. Parecia
natural que ambos desempenhassem os papéis para os quais eram mais adequados.
Apesar disso, Rudeus não poderia lidar com todo o resto além de lançar feitiços. Ele cresceu
um pouco e aprendeu muitas coisas novas, mas isso não o tornava sobre-humano. Havia algumas
coisas com as quais ele não conseguia lidar sozinho. E era aí que Sylphie e Roxy poderiam intervir
para ajudar.
Claro, a própria linha de pensamento de Eris não era tão clara ou coerente… mas ela se sentiu
feliz e aliviada. Afinal, ela não tinha estragado tudo. Seus esforços não foram em vão. Apenas
sabendo que isso significava o mundo para ela.
— Oh.
Os movimentos sem rumo de Eris pela casa a trouxeram para um quartinho silencioso. E lá,
ela encontrou uma mulher sentada que estava olhando pela janela com uma expressão distraída.
Era Zenith Greyrat. Eris já tinha ouvido falar de sua situação; sabia que um longo cativeiro nas
profundezas de um labirinto havia deixado sua mente em pedaços.
No entanto, para surpresa de Eris, Zenith virou-se para ela, como se sentisse seu olhar. Os
olhos da mulher estavam claramente focados nela. Eris endireitou a coluna reflexivamente.
Independentemente de sua condição, esta era a mãe de Rudeus. Ela tinha que mostrar o melhor
de si aqui.
Com passos lentos e cautelosos, ela caminhou até Zenith.
Eris definitivamente precisava dizer alguma coisa, mas não tinha certeza do que deveria ser.
Ela hesitou por um longo momento, desejando cruzar os braços, mas se recusando a fazê-lo.
Ugh. Agora eu gostaria de ter prestado mais atenção naquelas estúpidas aulas de etiqueta…
Por um momento, ela flertou com a ideia de sair da sala e voltar depois de decidir o que dizer,
mas Zenith estava olhando para ela pacientemente, como se esperasse ela falar.
Curvando-se sob a pressão, Eris finalmente soltou a primeira coisa que lhe veio à mente.
— Eu sou… ainda sou bastante inexperiente, mas… farei meu milhor.
Milhor? Meu milhor?!
Eris franziu a testa irritada por seu próprio erro, mas então notou a mudança de expressão de
Zenith também.
Ela estava sorrindo.
Eris sempre odiou quando as pessoas sorriam para seus erros, contudo, este não parecia um
sorriso de zombaria. Se fosse alguma coisa, estaria mais para uma resposta. Zenith não disse uma
única palavra, mas por alguma razão, Eris pensou que podia ouvir sua voz.
— Tente dizer isso para Rudy ao invés de mim. Não faz sentido ser tão formal para comigo.
—…
Sem dizer mais nada, Eris baixou a cabeça para Zenith. E, ao fazê-lo, renovou a promessa para
si mesma: vou me casar com Rudeus, aconteça o que acontecer.

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