Batalha Jenipapo Berinjela
Batalha Jenipapo Berinjela
Batalha Jenipapo Berinjela
DOI - http://dx.doi.org/10.1590/2236-463320130611
Almanack. Guarulhos, n.06, p.158-162, 2º semestre de 2013 resenhas 158
zadas pelos autores para a adaptação de conteúdos mais frequentemente
trabalhados pela historiografia, neste caso, a Independência.
Em Dois de Julho, Maurício Pestana – jornalista e cartunista – desen-
volve sua obra em trinta e quatro páginas, o que sugere certa compactação
do conteúdo quando comparada com as mais de duzentas páginas de Foi-
ces e Facões, produzidas pelo roteirista – e também historiador – Bernardo
Aurélio e pelo desenhista Caio Oliveira. A solução narrativa apresentada
por Pestana consiste na utilização de uma personagem narradora, a garota
Hamalli, como interlocutora entre os eventos passados e o leitor. Dessa
maneira, existem duas linhas temporais distintas na obra: o presente, onde
a presença e voz de Hamalli norteiam e expõem os acontecimentos que
culminam no ‘Dois de Julho’ baiano, sobreposto ao passado mudo das ilus-
trações, que servem como acessório ao discurso da narradora. Em outras
palavras, um passado condensado por um discurso sintético do presente.
Não se trata de um recurso original, podendo ser identificado em
outros títulos, como, por exemplo, na obra de Silvestre e Rossato, acima
mencionada. O problema desse expediente é afastar o leitor da visão do
passado como um processo dinâmico, múltiplo em suas possibilidades e em
constante (re)construção. De fato, acaba por apresentar o objeto histórico
em quadros fixos e estáticos, cuja única função é ilustrar e confirmar o que
a personagem do presente, portanto, extemporânea ao passado histórico,
tem a dizer sobre ele.
Logo, na obra de Pestana, o passado é absolutamente imóvel, de-
terminado e obedece a um devir inevitável, encapsulado nesses quadros
estáticos, sem maior espaço para apresentar mais e diversas nuances de
si mesmo. A própria característica sequencial dos quadrinhos se torna
pouco efetiva, pois a única continuidade de ação é a da fala narradora, que
ambientada fora das ilustrações do passado histórico, deixam estas últimas
como uma espécie de fotografias colocadas em série, mas sem maiores
progressões de ação quadro a quadro. Configura-se, assim, um objeto his-
tórico mudo, apresentado em flashes fixos, paralisados, recortados de seu
contexto e mais aprisionados pelos enquadramentos do que se utilizando
deles para se desenvolver.
De maneira oposta, Aurélio e Oliveira aproveitam as duas centenas
de páginas para deixar a trama – o passado – , se construir por si, sem
a intervenção e tutela de uma linha temporal do presente. Não há uma
diretriz extemporânea para determinar o desenvolvimento da ação, sendo
sintomático como essa liberdade concedida ao passado, que se constrói
através de um roteiro mais denso, resulta em maior sofisticação tanto no
enredo quanto no conteúdo histórico exposto.
Foices e Facões, além de dar voz aos personagens – alguns históricos
outros ficcionais –, apresenta tramas que se desenvolvem concomitan-
temente, em diferentes núcleos, de forma semelhante a uma novela. Isso
permite, por exemplo, uma maior aproximação da ‘Batalha do Jenipapo’
com a mais conhecida progressão de eventos do centro-sul, cujo ápice é
tradicionalmente visto como sendo o grito de D. Pedro. Os dois eventos são
alinhados no início da história, dando uma ideia de complementaridade
entre eles. Ao contrário, a rigidez narrativa de Dois de Julho lida de maneira
mais conflituosa com os eventos mais próximos à Corte. Não há represen-
tação gráfica do grito, cujas menções diretas são reduzidas a passagens
textuais. “Um campo de batalha. Mortos, feridos e muita desolação. Bem
diferente da cena de um imperador gritando ‘Independência ou morte’...O
Deixe-me lhe contar uma coisa Dr. Cândido: este navio acaba de chegar da
Inglaterra. Portugal quer a volta do pacto colonial...Meu pai, que era português,
me contou com satisfação dos acontecimentos de 1808, quando abriram os portos
para as nações amigas depois que a corte portuguesa chegou aqui. Já imaginou os
prejuízos desse retrocesso. (p.41)