30-Rodrigues Silvano
30-Rodrigues Silvano
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Abstract
This paper presents an action research study on Portuguese teaching that confirms
the relation of a positive implication between the grammatical and writing competences
of students in the secondary level. Furthermore, this study also validates an integrated
method of development of linguistic competence that relates different skills. All in all, it
is our objective to answer to the following questions: (i) Does the development of the
linguistic competence intentionally planned qualify the students’ textual production? (ii)
How can we plan the integration of activities to develop the linguistic competence with
the processual writing in the context of the classroom?
1. Fundamentação
O estudo aqui apresentado5 teve como ponto de partida a constatação das
1 Agradecemos ao Professor Doutor Rui Vieira de Castro, à Professora Doutora Fátima Oliveira, ao Doutor
António Leal e à Dr.ª Idalina Ferreira a leitura crítica que nos permitiu aperfeiçoar o estudo. Qualquer erro é,
no entanto, da nossa responsabilidade.
2 O estudo insere-se no âmbito de um projecto designado Investigação e Ensino da Língua Portuguesa (IELP)
cujo principal objectivo é desenvolver estudos de investigação-acção no domínio do Ensino do Português.
Este projecto, que teve início no ano lectivo de 2007/2008, constitui a medida 7 do Plano Estratégico para o
Ensino do Português, da Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular / Ministério da
Educação, sendo possível o seu conhecimento através do endereço http://moodle.dgidc.min-edu.pt.
3 Trabalho financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia – Programa POCI 2010.
4 Unidade de I&D financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, Programa FEDER/POCTI –
U0022/2003.
5 O estudo em referência foi realizado na Escola Secundária de Vilela, concelho de Paredes, no ano lectivo de
2007/2008, envolvendo a participação de três turmas do 10.º ano de escolaridade (10.º A, 10.º B e 10.º E).
Este estudo foi conceptualizado e implementado por um grupo de trabalho constituído por: António Leal,
Idalina Ferreira, Purificação Silvano, Sónia Valente Rodrigues, Susana Nunes e Teresa Vasconcelos.
Importa esclarecer que este estudo foi realizado no decurso regular das aulas de Português das três turmas
2. Objectivos
Foram definidos os seguintes objectivos: observar a correlação entre o
desenvolvimento da competência linguística do aluno e o seu nível de desempenho na
produção textual e avaliar o nível de eficácia de uma sequência didáctica intencionalmente
orientada para a implicação entre o desenvolvimento da competência linguística e a
qualificação da produção escrita dos alunos, articulando os pressupostos da Pedagogia dos
Discursos (Fonseca & Fonseca, 1990; Fonseca, 1988-89) e do Laboratório Gramatical
(Duarte, 1992), tal como proposto em Silvano & Rodrigues (2008).
mencionadas, respeitando a planificação anual da disciplina elaborada por todos os professores de Português
do 10.º ano da escola e aprovada em reunião de departamento.
6 Neste texto, usamos a expressão “competência linguística” para designar o conhecimento sobre a estrutura e
o funcionamento da língua e do discurso.
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O DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA LINGUÍSTICA
3. Metodologia
Da descrição, necessariamente sucinta, dos princípios orientadores do plano de
intervenção faz parte a fundamentação do tipo de texto seleccionado e a metodologia
subjacente à intervenção didáctica gizada.
7 No Programa de Língua Portuguesa – 10.º, 11.º e 12.º anos, os «artigos de apreciação crítica (exposições,
espectáculos, televisão, livros, filmes)» surgem no módulo relacionado com Textos dos media como
conteúdo obrigatório no domínio da leitura. Em 4.2. anotam-se elementos linguísticos predominantes nestes
textos/discursos.
8 Para as competências essenciais no Ensino Básico, ver Sim-Sim, Duarte & Ferraz (1997), Ministério da
Educação (2001) e Roldão (2008).
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XXIV ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE LINGUÍSTICA
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O DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA LINGUÍSTICA
4. Resultados
Os resultados foram obtidos através da análise comparativa das produções escritas
que os alunos realizaram em dois momentos: em momento anterior ao plano de
intervenção (pré-teste) e em momento posterior (pós-teste). Antes da sua apresentação e
discussão, torna-se necessário mostrar a metodologia utilizada para operacionalizar a
análise comparativa referida.
4.1. Corpus
Considerando a totalidade de alunos participantes, o conjunto de produções
textuais que constituem objecto de análise relativamente ao estudo implementado é de
quarenta e nove, correspondente a três turmas de décimo ano de escolaridade, sendo que
cada aluno produziu dois textos em momentos distintos: num primeiro momento antes
do plano de intervenção (pré-teste) e num segundo momento depois do plano de
intervenção (pós-teste).
O corpus aqui considerado é, portanto, de quarenta e nove textos produzidos como
pré-teste e de quarenta e nove textos produzidos como pós-teste.
Cada um dos textos constitutivos do corpus foi produzido em noventa minutos, no
decurso da aula de Português. Não houve intervenção do professor na produção escrita
do aluno.
10 Sobre o conceito de apreciação como modalidade ver Charaudeau (1992) e Charaudeau & Maingueneau
(2002).
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XXIV ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE LINGUÍSTICA
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O DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA LINGUÍSTICA
Quadro 1: Configuração discursiva dos textos de acordo com a frequência das unidades
discursivas
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XXIV ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE LINGUÍSTICA
Pré-teste Pós-teste
Unidade de discurso 1 Obra e/ou autor 75,5 % 59,2 %
Resumo e/ou reconto 91,8 % 83,7 %
Unidade de discurso 2 57,1 % 81,6 %
Unidade de discurso 3 42,9 % 49 %
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O DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA LINGUÍSTICA
(1) O livro que mais me marcou foi “Meu pé de laranja lima” de José Vazconselos.
[Pré-teste Doc. 3]
(2) O livro que até hoje mais me cativou foi o “Ensaio sobre a Cegueira”, De José
Saramago. [Pré-teste Doc. 16]
(3) O livro que mais me fascinou até agora a “Metamorfose”, de Franz Kafka.
[Pós-teste Doc. 46]
O quadro 3 apresenta a distribuição das percentagens pelas restantes construções.
11 A percentagem relativa é calculada tendo em conta apenas o número de textos dos alunos que incluem a
unidade discursiva em análise, enquanto no cálculo da percentagem absoluta se considera a totalidade dos
textos (49).
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XXIV ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE LINGUÍSTICA
Estruturas e elementos linguísticos usados para destacar o livro e para atribuir valor ao livro
e/ou a um dos seus aspectos constitutivos
Pré-teste Pós-teste
Construções com orações subordinadas adjectivas relativas restritivas 27 49
Construções com orações subordinadas adjectivas relativas explicativas 0 6
Construções com orações subordinadas substantivas relativas 7 4
Construções com predicativo do sujeito 40 82
Construções com predicativo do complemento directo 3 5
Verbos de valoração positiva 35 51
Adjectivos de valoração positiva 35 73
Quadro 4: Frequência de elementos e estruturas linguísticas na unidade discursiva 2
(4) Os elementos que me fizeram gostar deste livro são os elementos que eu gosto
num bom livro. [Pós-teste Doc. 8]
(5) Tolkien conseguiu, no tempo de vida de um comum mortal, imaginar e criar
autênticas epopeias que se cruzam numa narrativa imortal e inesquecível. [Pós-teste
Doc. 27]
(6) Além disso, a linguagem utilizada também é comica o que dá vivacidade ao
texto e capta a nossa atenção. [Pós-teste Doc. 12]
(7) Este livro de Mia Couto é muito interessante, gostei muito de o ler. [Pós-teste
Doc. 40]
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O DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA LINGUÍSTICA
0 0 0 5 12,5% 10,2%
explicativas
3. Orações substantivas relativas 7 25% 14,3% 4 10% 8,2%
4. Predicativo do sujeito 23 82,1% 46,9% 35 87,5% 71,4%
5. Predicativo do complemento directo 2 7,1% 4% 5 12,5% 10,2%
6. Verbos que denotam destaque 25 89,3% 51% 27 67,5% 55,1%
7. Adjectivos de valoração positiva 19 67,8% 38,8% 30 75% 61,2%
8. Orações causais 12 42,8% 24,5% 22 55% 44,9%
9. Orações explicativas 3 10,7% 6,1% 7 17,5% 14,3%
10. Expressões de causalidade 4 14,3% 8,2% 8 20% 16,3%
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XXIV ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE LINGUÍSTICA
Quant. Quant.
relativa absoluta relativa absoluta
global ao livro (UD3)
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O DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA LINGUÍSTICA
5. Conclusões
A leitura dos dados permite concluir que a sequência didáctica que integrava uma
componente de laboratório gramatical sobre elementos e estruturas linguísticas, dos
domínios das classes de palavras, léxico, semântica e sintaxe, em articulação com a
análise e produção de textos de apreciação crítica, permitiu uma melhoria significativa
das produções escritas dos alunos, uma vez que:
a) o segmento textual correspondente à apreciação de aspectos valorizados no
livro (unidade discursiva 2) ocorre em maior número no pós-teste;
b) os elementos e estruturas linguísticas trabalhados no plano de intervenção
como adequados à expressão de um comentário apreciativo ocorrem com maior
frequência no pós-teste, predominantemente na unidade discursiva 2.
Estes dados revelam que existe uma preocupação dos alunos em adequar a
produção textual à especificidade tipológica determinada pela instrução de escrita do
professor, sendo notória a distinção na configuração discursiva dos textos produzidos no
pré-teste e no pós-teste, nomeadamente no que se refere à presença significativa do
segmento de apreciação e na composição deste segmento que incorpora maior número
de expressões e estruturas de explicação. Revelam ainda uma utilização mais consciente
dos recursos (elementos e estruturas linguísticas) apropriados à expressão da apreciação
crítica.
No entanto, se atendermos à elaboração discursiva de um texto de apreciação
crítica no seu conjunto, então os resultados obtidos reflectem ainda fragilidades
relacionadas com a estrutura textual, designadamente com a sequência de abertura e de
fechamento do texto. Tal facto pode encontrar explicação na natureza complexa do
processo de escrita que, tal como refere Carvalho (2001), se caracteriza pela
«impossibilidade, que resulta do facto de os nossos mecanismos de processamento de
informação terem uma capacidade limitada, de todas as vertentes nele envolvidas serem
consciencializadas simultaneamente.» (Carvalho, 2001: 150). Na verdade, o pós-teste
mostra que os alunos se preocuparam em melhorar apenas uma das vertentes do texto de
apreciação crítica, justamente aquela que tinha sido anotada como mais deficitária no
pré-teste.
Não podemos, contudo, deixar de assumir a natureza exploratória deste estudo,
que se revela crucial para a concepção de desenhos metodológicos futuros que possam
contribuir de modo mais expressivo para a questão em torno da articulação entre a
reflexão sobre a língua e a competência de escrita dos alunos no Ensino Secundário.
Nesses desenhos há, em primeiro lugar, necessidade de considerar a integração de um
grupo de trabalho que não esteja exposto ao mesmo percurso didáctico para que seja
possível averiguar se a melhoria verificada se deve à actividade de laboratório
gramatical desenvolvida ou ao efeito de exposição a modelos de escrita de texto do
mesmo tipo. Outras possibilidades futuras se abrem ainda: por um lado, o alargamento
do plano de intervenção de modo a ser possível dinamizar oficinas para exploração de
actividades de aperfeiçoamento de texto a partir das produções realizadas no pós-teste
que passará a ocupar uma posição medial no processo de desenvolvimento da
competência de escrita e, por outro lado, a implementação do plano de intervenção
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XXIV ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE LINGUÍSTICA
noutros contextos didácticos que considerem outros tipos e/ou géneros discursivos e
outros anos de escolaridade. Em qualquer dos casos, a monitorização do processo
didáctico construído de acordo com a orientação metodológica testada poderá contribuir
de modo mais expressivo para a questão em torno da articulação entre a reflexão sobre a
língua e a competência de escrita dos alunos nos ensinos básico e secundário.
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