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SOCIOLOGIA E SOCIEDADE: ALGUMAS PERSPECTIVAS E SUSPEITAS


EPISTEMOLÓGICAS

SOCIOLOGIA E SOCIEDADE: ALGUMAS PERSPECTIVAS E SUSPEITAS


EPISTEMOLÓGICAS
Joana Brito de Lima Silva1

RESUMO

O artigo propõe um debate a respeito das apropriações das teorias clássicas da Sociologia
pelas perspectivas contemporâneas, com o intuito de mostrar como se reconstroem
constantemente os métodos e os objetos das pesquisas sociológicas. Assim, serão investigados
certos referenciais da epistemologia moderna presentes nas teorias clássicas e sua influência
sobre a atualidade. Trata-se de colocar sob suspeita os pressupostos epistemológicos de
algumas teorias sociológicas, a saber: considerar a sociedade como uma realidade externa e
objetivada, transformando os dados e os resultados obtidos nas pesquisas como verdadeiros e
definitivos, e questionar a enganosa separação entre sujeito e objeto de pesquisa. Tal suspeita
significa, também, repensar a própria noção de “sociedade” através de alguns autores
contemporâneos com perspectivas teóricas diferentes (Luhmann, Latour, Taylor e Bourdieu).
Enfim, busca-se indicar, sem pretensões de encerrar o debate sobre o tema, que a diversidade
teórica e a renovação constante podem ser peculiaridades virtuosas da Sociologia.

PALAVRAS-CHAVE: Sociologia; Epistemologia; Sociedade.

1. INTRODUÇÃO

A Sociologia fundada pelos clássicos proclamava-se a verdadeira ciência da


sociedade, capaz de explicar os fatos sociais sem recorrer à Filosofia ou à Psicologia 2. Apesar
de defenderem a autonomia científica, as teorias sociológicas, herdeiras do Positivismo,
sofreram influências da epistemologia moderna, ao considerarem o conhecimento como dado
objetivo, obtido através das representações subjetivas sobre o mundo exterior. O legado
moderno ainda hoje repercute na Sociologia ao levantar questões sobre como pesquisar os
indivíduos e a sociedade: como analisar o social sem reduzir ou elevar o papel dos
indivíduos? É possível desconsiderar a diversidade individual para pensar os aspectos da vida
social? Como lidar com a subjetividade do pesquisador e o distanciamento em relação aos
fenômenos estudados? Responder a tais questões é colocar sob suspeita a epistemologia
moderna, que distingue sujeito e objeto, e as próprias noções de sociedade e de indivíduo
empregadas pelos sociólogos3.
Nas primeiras metodologias sociológicas a sociedade e os indivíduos são tratados
como se fossem realidades externas e objetivadas, transformando os dados e os resultados
obtidos nas pesquisas como objetivos e verdadeiros.

CSOnline – Revista Eletrônica de Ciências Sociais, ano 7, ed. 15, jan./abr. 2013.
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No entanto, não se trata de exigir correspondência com a realidade.


Gostaria de enfatizar que não estou
dos clássicos uma postura diferente, já que sugerindo que haja uma realidade não-
alcançada pela ciência. Meu ponto é, ao
eles estavam inseridos no contexto de contrário, que não se pode fazer sentido
algum da noção de realidade como ela
ruptura com as demais ciências e filosofias tem ordinariamente funcionado na
para a fundação da Sociologia. Ao filosofia da ciência (KUHN, 2006, p. 145
– grifos nossos).
contrário de uma cobrança indevida e
anacrônica, o que interessa, aqui, é mostrar Relacionando a postura de Thomas
algumas mudanças pelas quais passaram as Kuhn aos propósitos dos primeiros
teorias sociológicasnas diversas tentativas sociólogos percebe-se que suas
de legitimar seus fundamentos investigações representam a busca pela
epistemológicos e compreender a vida verdade através de novos instrumentos,
social. pois não se trata mais de utilizar a Filosofia
e a metafísica para atingir os resultados,
2. A SOCIOLOGIA E A
mas propor outro direcionamento
CONSTRUÇÃO DA VERDADE
metodológico. A tentativa de ruptura das
As investigações científicas sofrem, Ciências Sociais com a Filosofia ocorre
constantemente, transformações com o Positivismo, método elaborado por
metodológicas e teóricas; Auguste Comte, responsável pela fundação
consequentemente, os parâmetros adotados da ciência da sociedade. Considerada uma
em cada perspectiva também mudam para “Física Social”, a investigação sociológica
se adequar aos objetivos que se pretende assimilava o padrão das Ciências Exatas e
alcançar. Segundo Thomas Kuhn, a ciência Naturais, defendendo a objetividade do
precisa sofrer revoluções paradigmáticas conhecimento e a obtenção de teorias que
capazes de impulsionar a busca por atingissem o status de leis científicas. Ao
conhecimento, apesar de não haver uma fundamentar o Positivismo nas obras
verdade fundamental a ser desvelada: Curso de filosofia positiva e Discurso
sobre o espírito positivo, Comte (1978)
O desenvolvimento científico é, como a formula uma lei da evolução do
evolução darwiniana, um processo
empurrado por trás em vez de puxado em pensamento social que expressaria a
direção a algum objetivo fixo do qual ele
se aproxima cada vez mais. [...] se a trajetória histórica do conhecimento: o
noção de verdade tem um papel a
desempenhar no desenvolvimento primeiro estágio evolutivo é Teológico,
científico, e argumentarei em outro lugar superado pela fase Metafísica e atingindo o
que tem, então a verdade não pode ser
nada muito parecido a uma ápice com a Filosofia Positiva
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(Sociologia), pretensamente a ciência investigações científicas são considerados


definitiva e de explicação totalizante, tendo verdadeiros e definitivos. Quanto a isso,
por objetivo conhecer completamente a torna-se pertinente apresentar a crítica
realidade social. Kuhn às pretensões científicas: “As
Segundo Comte (1978), a nova operações e medições que um cientista
forma de investigação científica deveria se empreende em um laboratório não são ‘o
inspirar nos procedimentos das Ciências dado’ da experiência, mas ‘o coletado com
Naturais: observação, experimento e dificuldade’. Não são o que o cientista vê
comparação. Nota-se que a aspiração [...]; são índices concretos para os
positivista é conhecer os fenômenos sociais conteúdos das percepções mais
enquanto realidades exteriores aos elementares” (KUHN, 1982, p. 161). Nesse
pesquisadores, podendo estabelecer leis sentido, a metodologia positivista parte do
inscritas no funcionamento da sociedade e pressuposto de que seria possível obter os
até controlar os resultados, no sentido de dados diretamente da realidade. O engano
uma utilização prática do conhecimento: consiste em considerá-los verdadeiros
Comte defende aplicações das teorias que reflexos da realidade, enquanto seriam
favoreçam a industrialização e o progresso apenas resultados de procedimentos
econômico (capitalista) conciliado à ordem específicos, passíveis de revisões e
social. alterações de acordo com as perspectivas
A abordagem positivista pretende adotadas.
alcançar uma correspondência entre Com a passagem ao século XX se
verdade e realidade, conforme a reflexão intensificam as investidas para
de Thomas Kuhn citada acima. O consolidação científica da Sociologia e o
Positivismo defende que o conhecimento Positivismo é gradativamente superado por
obtido corresponde efetivamente à outras perspectivas. Atribui-se a Durkheim
realidade verdadeira não alcançada por e a Weber, considerados sociólogos
outras ciências, mas encontrada pela clássicos fundadores4, o reconhecimento e
Ciência Positiva, como se fosse um dado a legitimação das pesquisas sociológicas
exterior aos cientistas. A abordagem fundamentadas sobre métodos específicos
positivista, de certa forma, influenciou o das Ciências Sociais, sem a necessidade de
desdobramento de alguns enganos utilizar parâmetros inadequados ao seu
escondidos nas origens da Sociologia, na objeto de análise.
medida em que os resultados das
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Durkheim considerava a sociedade dificuldades metodológicas,


uma “realidade sui generis” (DURKHEIM, principalmente em relação à existência de
1978, p. 157), exterior e independente, um observador externo
capaz de exercer uma coerção sobre os (sujeito/pesquisador) e à atuação limitada
indivíduos; por isso, os fatos sociais dos indivíduos coagidos pela sociedade
deveriam ser estudados como coisas: (objeto pesquisado).
“Estamos, pois, diante de uma ordem de Contrapondo-se, indiretamente, a
fatos que apresenta caracteres muito Durkheim, Weber procura solucionar tais
especiais: consistem em maneiras de agir, problemas suscitados pela investigação
pensar e de sentir exteriores ao indivíduo, sociológica, pois amplia a atuação do
dotadas de um poder de coerção em virtude pesquisador, considerando a subjetividade
do qual se lhe impõem” (DURKHEIM, um elemento metodológico indispensável.
1978, p. 48). Para Durkheim, a Sociologia Weber inclui na Sociologia os pressupostos
se distanciaria da Filosofia, da Psicologia e valorativos que atribuem sentidos ao
da Biologia, abrindo seus próprios conhecimento alcançado. O sociólogo não
caminhos: pode se considerar um observador externo,
pois deve compreender os motivos e os
Assim, a Sociologia parece ser chamada valores implícitos nas ações individuais,
a abrir um novo caminho para a ciência
do homem. [...] desde o momento em que além de assumir suas premissas subjetivas
se reconheceu que, acima do indivíduo,
existe a sociedade, e que esta não é um que determinam os rumos da pesquisa. O
ser nominal e de razão, mas um sistema
de forças atuantes, uma nova maneira de
resultado esperado é a objetividade do
explicar o homem tornou-se possível conhecimento, sua validação mediante
(DURKHEIM, 1978, p. 182).
critérios de demonstrabilidade.
A sociologia de Durkheim segue
rígidas regras metodológicas que Não existe qualquer análise científica
puramente ‘objetiva’ da vida cultural, ou
conduzem o trabalho científico e delimitam [...] dos ‘fenômenos sociais’, que seja
independente de determinadas
o objeto de estudo: a sociedade formada perspectivas especiais e parciais, graças
às quais estas manifestações possam ser,
pelos fatos sociais. Mas sua rigidez explícita ou implicitamente, consciente
também provoca o surgimento de ou inconscientemente, selecionadas,
analisadas e organizadas na exposição,
problemas epistemológicos, no sentido de enquanto objeto de pesquisa (WEBER,
1979, p. 87 – grifos do próprio autor).
que se estabelece uma distância
(inexistente) entre o sociólogo e a
sociedade. Surgem, então, muitas
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Weber torna mais precisa a sociológicas são reflexos dos seus


metodologia sociológica, afirmando que os contextos empíricos, sendo consideradas
sentidos (visões de mundo) não podem ser interpretações que sempre se renovam.
simplesmente colhidos como dados Segundo Giddens, na “teoria social, algo
empíricos imediatos, mas devem resultar como um novo capítulo se abriu quando,
das elaborações do pesquisador em suas aproximadamente nos últimos vinte ou
interações sociais. Seguindo uma trinta anos, a divisão entre positivismo e
sociologia compreensiva dos valores e hermenêutica começou a ser questionada”
interesses em jogo nas ações sociais, (GIDDENS, 1998, p. 20). A afirmação do
Weber se distancia dos resíduos autor indica o momento de transição
positivistas inscritos na Sociologia: sofrido pela Sociologia ao ser reorientada
por perspectivas e abordagens diferentes,
O domínio do trabalho científico não tem conforme conclui: “Não há, hoje, um
por base conexões ‘objetivas’ entre as
‘coisas’ mas as conexões conceituais ‘consenso ortodoxo’ que substitua o que
entre os problemas. Só quando se estuda
um novo problema com auxílio de um foi utilizado de forma dominante até
método novo e se descobrem verdades
que abrem novas e importantes aproximadamente os anos 1970. Tampouco
perspectivas é que nasce uma nova há uma desordem completa” (GIDDENS,
‘ciência’ (WEBER, 1979, p. 83-84 –
grifos do próprio autor). 1998, p. 20-21). Considerando a vocação
da Sociologia para a diversidade teórica e a
Após a consolidação das teorias
renovação constante das teorias
clássicas, a Sociologia se estabelece como
sociológicas, pode-se evocar, novamente, a
o conhecimento objetivo da realidade
tese de Thomas Kuhn, segundo a qual o
social, ou ainda, como resultado da visão
conhecimento é movido por revoluções
de mundo subjetiva adotada pelo
que impulsionam as mudanças científicas.
pesquisador para atingir resultados
Há, portanto, períodos de transição e
verdadeiros e definir conceitos e teorias a
reconstrução após as rupturas com os
respeito da sociedade. No entanto, os
fundamentos estabelecidos anteriormente5.
conceitos e os métodosclássicos sofrem os
efeitos do tempo, forçando os teóricos a
3. REPENSANDO A SOCIEDADE:
acompanharem o curso histórico-social. LUHMANN E LATOUR
Apesar da importância dos
fundadores da Sociologia para pensar as Se a busca pela verdade define toda

questões da atualidade, as teorias forma de conhecimento científico, a

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construção do objeto investigado conduz à os indivíduos e rompe com a noção de um


criação dos conceitos que servem de observador externo dos fenômenos sociais;
referenciais para as pesquisas. Na para tanto, o autor estrutura uma teoria dos
Sociologia, o alvo das pesquisas e o sistemas:
conceito fundamental é o de sociedade.
Visto que Durkheim e Weber partem do A sociedade é o sistema social mais
amplo de reprodução da comunicação
mesmo objeto de pesquisa (fenômenos através da comunicação. É um sistema
autopoiético. Ela é um sistema fechado,
sociais) percebe-se que os autores auto-referencial, já que não existe
nenhuma comunicação entre a sociedade
desenvolvem diferentes conclusões, de e seu ambiente, por exemplo, entre a
modo que o social pensado por cada um sociedade e pessoas que vivem
individualmente. Toda comunicação é
deles termina por se diferenciar. Tal uma operação interna à sociedade, é
produção de sociedade e se expõe como
constatação mostra que não há um objeto acontecimento empírico, não somente à
continuação, mas também à observação
previamente colocado aos pesquisadores e através de outras comunicações
(LUHMANN, 1997, p. 58).
sim uma construção dos objetos e dos
conceitos. Embora os clássicos defendam
Luhmann considera a sociedade
suas teorias com segurança e certeza de
como um sistema composto de outros
que atingiram a verdade, os autores
sistemas, que podem ser diferenciados por
contemporâneos, por outro lado, já
meio da comunicação. De fato, o aspecto
assumem suas teorias como perspectivas e
comunicativo é fundamental para o
possibilidades abertas a questionamentos e
funcionamento dos sistemas, pois se trata
incertezas, sem o desejo de alcançar uma
de uma operação social envolvendo
verdade única e definitiva.
informação, mensagem e compreensão. A
Nikklas Luhmann contribui para
linguagem, portanto, não é um sistema
reforçar a ideia de que as teorias
nem uma estrutura (no sentido empregado
sociológicas se renovam de acordo com as
pelos linguistas-estruturalistas), mas um
mudanças sociais e através dos diferentes
tipo de instrumento que proporciona o
referenciais adotados pelos pesquisadores.
“acoplamento estrutural” (LUHMANN,
O objetivo de Luhmann se assemelha às
1997, p. 84), ou seja, a linguagem permite
aspirações dos clássicos, uma vez que
o acoplamento entre consciência e
procura definir, novamente, o conceito de
comunicação, articulando as operações que
sociedade. No entanto, Luhmann não
ocorrem dentro do sistema.
defende a predominância do social
enquanto entidade exterior atuando sobre
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Nessa perspectiva, pode-se ver como a condições em mudança, deve poder


sociedade se ocupa de sua própria convencer (LUHMANN, 1997, p. 58).
ideologia de autodescrição. [...] Por que
surgem diferentes esquemas de compre-
ensão sobre si mesma, ao entender-se Se Luhmann enfrenta o desafio de
como sociedade/comunidade, indiví-
duo/coletividade, para depois prescindir redefinir a noção de sociedade, elaborando
de tudo isso? [...] A tarefa da sociologia
consiste precisamente em poder
uma teoria dos sistemas sob forte
responder como se chegou até aqui. Na influência das transformações pelas quais
realidade, nunca podemos ser
observadores externos da sociedade seu objeto passava, Bruno Latour também
(LUHMANN, 2009, p. 100 – grifos
nossos). defende uma reestruturação sociológica ao
propor uma perspectiva diferente para
Ao declarar que a sociedade é um
compreender a sociedade, atualizando e
sistema autopoiético, Luhmann indica um
revendo as discussões que dominaram a
caminho para solucionar o dilema de como
Sociologia. Segundo Latour, há duas
explicar um objeto de estudo que não pode
tendências sociológicas dominantes: 1) a
ser isolado e observado à distância pelo
sociologia do social; e 2) a sociologia das
pesquisador. De acordo com o autor, “a
associações (LATOUR, 2008, p. 24). A
sociedade é claramente um objeto que se
primeira tendência é representada
autodescreve. Teorias da sociedade são
principalmente por Durkheim e considera
teorias na sociedade sobre a sociedade”
os fenômenos sociais como objetos
(LUHMANN, 1997, p. 77). Desse modo,
externos ao sociólogo. A segunda
percebe-se a mudança de perspectiva
tendência, sociologia das associações,
ocorrida nas teorias sociológicas em
investiga as interações que tornam possível
relação aos pressupostos epistemológicos –
a sociedade, ou seja, as relações
não se busca mais uma verdade objetiva,
construídas entre os indivíduos e as
independente, mas a construção de
instituições, envolvendo as crenças, os
conceitos capazes de alcançar uma
valores, as disputas, etc6.
explicação bem fundamentada, ou, nas
As tendências classificadas por
palavras de Luhmann:
[Latour] servem para delimitar seus
parâmetros e referenciais, visandouma
No lugar da exposição competente surge
a rede recursiva das observações e reordenação sociológica. Sua perspectiva
descrições; e, no lugar da verdade
objetiva, que pode ser conhecida e propõe levantar questionamentos e
autoritariamente preconizada, surge a
sequência temporal das respectivas
controvérsias sobre as teorias sociológicas,
comunicações e um procedimento de distanciando-se da sociologia do social e
seleção evolutiva daquilo que, sob

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fortalecendo a noção de associações – encontradas. As controvérsias indicadas


apesar de não optar explicitamente por por Latour (2008) são as fontes de
alguma tendência de modo definitivo, já incertezas que conduzem a própria
que seu objetivo consiste em apontar as reestruturação da Sociologia à pergunta
incertezas e conviver com as controvérsias. final: é possível reconstruir o social? O
Ao defender o uso da Teoria do Ator- autor mostra que as interpretações
7
Rede como uma nova possibilidade capaz sociológicas precisam superar os enganos
de escapar das reduções construídas pelas da sociologia do social, refletindo sobre
tendências anteriores, Latour afirma que como se formam as associações entre os
não se trata de aderir, cegamente, à TAR, indivíduos, considerando-os agentes/atores
mas de propor um caminho a ser seguido com capacidade reflexiva, e não como
com “passos de formiga”: sujeitos manipuláveis ou simplesmente
alienados, criaturas à espera do
Temo decir que viajar con la TAR
esclarecimento crítico-científico. Assim,
resultará algo terriblemente lento. Los
movimientos se verán constantemente “la mejor definición de la sociología es
interrumpidos, interferidos,
trastornados, y dislocados [...]. Los que se trata de la disciplina em la que los
sociólogos de lo social parecen planear
como ángeles, transportando poder y participantes explícitamente se ocupan de
conexiones casi de modo inmaterial,
mientras que el especialista en la TAR reensamblar lo colectivo” (LATOUR,
tiene que esforzarse como una hormiga,
2008, p. 345), ou seja, toda investigação
cargando con su pesado equipo para
generar hasta la más diminuta conexión sociológica é uma forma de construir ou
(LATOUR, 2008, p. 45).
reconstruir a sociedade.
Com esta declaração, Latour O desafio colocado para a
esclarece o seu posicionamento sobre as Sociologia, desde seu nascimento até a
teorias sociológicas: a sociedade só pode atualidade, consiste em desenvolver
ser compreendida através dos seus rastros perspectivas científicas eficientes para se
e vestígios deixados pelos fenômenos firmar como uma ciência legítima e
sociais. Além disso, os pesquisadores não academicamente reconhecida, sem,
devem partir de pressupostos (ou contudo, repetir os mesmos enganos dos
preconceitos) consolidados para suas clássicos fundadores (positivismo e
investigações; ao contrário, seguir com os epistemologia moderna). Repensar
“passos de formiga” significa não saber algumas teorias sociológicas clássicas,
previamente os caminhos que serão conforme propõe este artigo, implica em
percorridos e enfrentar as controvérsias investigar como alguns autores
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contemporâneos se apropriam dos de Taylor e Bourdieu mostram como é


conceitos já consolidados da Sociologia, ao possível pensar sociologicamente sem a
mesmo tempo em que renovam seu quadro epistemologia moderna. Ambos defendem
explicativo. Assim, as teorias de Nikklas a impossibilidade de ruptura entre as
Luhmann e Bruno Latour contribuem para teorias sociológicas e outras formas de
a renovação sociológica, mas também conhecimento (Filosofia e Psicologia, por
levantam novas questões: seria suficiente exemplo), como desejavam os pioneiros
analisar a sociedade a partir dos sistemas e das Ciências Sociais; ao contrário, os
não das ações individuais, como defende diálogos entre diferentes perspectivas
Luhmann? Ou, conforme indica Latour, a teóricas abrem novos horizontes a serem
noção de que as redes sociais são alcançados pela Sociologia
8
construídas pelos atores resolveria o contemporânea .
dilema que opõe indivíduo e sociedade? Charles Taylor (2000), no capítulo
IX da obra Argumentos Filosóficos, propõe
4. CONSTRUÇÃO SOCIAL DOS a seguinte indagação: o que significa
INDIVÍDUOS: TAYLOR E
BOURDIEU seguir uma regra? E, se agir conforme uma
regra pressupõe consciência e
Conforme já indicado, Luhmann e conhecimento, como é possível pensar um
Latour buscam reestruturar a Sociologia, tipo de ação pré-reflexiva? Taylor defende
criando métodos e conceitos para repensar a existência de uma compreensão
o conceito de sociedade, ainda que surjam corporificada capaz de superar os
questões sobre o modo de atuação dos pressupostos epistemológicos da definição
indivíduos. Pode-se afirmar, assim, que o de sujeito livre, racional, autônomo. O
processo de reconstrução sociológica é autor questiona os atos subjetivos
constante, na medida em que se desenvolve regulados pela razão ao afirmar que os
uma pluralidade teórica e metodológica. sentidos das ações se apresentam de modo
Para concluir a discussão proposta sobre a inarticulado para os agentes, ou seja, a
renovação constante das teorias compreensão de uma regra pode ocorrer
sociológicas serão apresentadas as sem reflexão consciente.
contribuições de Charles Taylor e Pierre A perspectiva intelectualista
Bourdieu. Partindo do pressuposto de que monológica dominante defende a
não há exterioridade e distanciamento do subjetividade fundada sobre a concepção
pesquisador ante a sociedade, as análises moderna de sujeito responsável, consciente
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de suas ações (intencionalidade da (TAYLOR, 2000, p. 185). Taylor recorre


consciência) e emancipado pela razão. Mas ao conceito de habitus, construído por
Taylor afirma que “o sujeito não só não Pierre Bourdieu, para elaborar a ideia de
tem como não pode ter consciência de toda compreensão corporificada. O habitus é
uma gama de questões que, não obstante, precisamente a forma pela qual a regra e as
têm influência direta sobre a correta compreensões se incorporam às ações, no
aplicação de uma regra” (TAYLOR, 2000, sentido de disposição corporal, de “valores
p. 181). Segundo Taylor, a tradição feitos carnes” (TAYLOR, 2000, p. 194). A
epistemológica desencadeou uma compreensão corporificada considera que
reificação do eu desprendido, como se os as regras “expressas só podem funcionar
indivíduos fossem entidades autônomas e em nossa vida ao lado de um sentido
independentes em relação aos aspectos inarticulado codificado no corpo. É esse
sociais: habitus que ‘ativa’ as regras” (TAYLOR,
2000, p. 195). As ações, mesmo
Entre as práticas que ajudaram a criar sustentadas pelas regras, não são
esse sentido moderno estão as que
disciplina nosso pensamento para o totalmente conhecidas e controladas pelos
desprendimento da ação corporificada e
da inserção social. Conclama-se cada um atores, podendo gerar incertezas em
de nós a tornar-se uma mente pensante,
responsável, autoconfiante em seus relação a suas consequênciasnão-
julgamentos (isso é, pelo menos, a regra). intencionais.
Mas esse ideal, embora admirável em
alguns aspectos, tendeu a nos deixar Na medida em que mobilizam
cegos a importantes facetas da condição
humana. Há em nossa tradição sentidos nem sempre explícitos ou
intelectual a tendência a lê-lo menos
como ideal do que como algo já partilhados por todos os agentes
estabelecido na constituição humana
(TAYLOR, 2000, p. 185).
envolvidos, as práticas sociais ultrapassam
os parâmetros modernos de subjetividade.
A tradição epistemológica Os aspectos imprevisíveis ou mesmo
moderna, conforme foi discutido, incoerentes das ações (obedecer,
influenciou a Sociologia ao pressupor um cegamente, a uma regra, por exemplo)
sujeito monológico, pautado sobre a seriam desconsiderados pela epistemologia
capacidade de emitir representações sobre moderna, pois só podem ser conhecidos a
o mundo exterior e definir as finalidades de partir da compreensão dos sentidos
suas ações. Segundo Taylor, “É essa visão inarticulados das práticas:
descarnada do sujeito que mergulhou
profundamente na ciência social”
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Situar nossa compreensão nas práticas é sociais no comportamento individual,


vê-la como implícita em nossa atividade
e, por conseguinte, como algo que Bourdieu defende o conhecimento
ultrapassa em muito aquilo de que
conseguimos moldar representações. Nós adquirido pelo corpo, uma compreensão
de fato moldamos representações:
formulamos explicitamente o que é nosso prática envolvendo disposições e
mundo, quais nossas metas, o que regularidades introduzidas nos indivíduos
estamos fazendo. Todavia boa parte de
nossa ação inteligente no mundo, na medida em que são socializados:
sensível como costuma ser à nossa
situação e às nossas mentes, é levada a
efeito sem ser formulada. Ela advém de
uma compreensão que é em larga medida Tendo adquirido por esse motivo um
inarticulada (TAYLOR, 2000, p. 186). sistema de disposições ajustado a tais
regularidades, o corpo se acha inclinado
e apto a antecipá-las praticamente em
A compreensão corporificada condutas que mobilizam um
conhecimento pelo corpo capaz de
permite reunir, sem contraposições, garantir uma compreensão prática do
mundo bastante diferente do ato
indivíduos e sociedade, pois as práticas intencional de decifração consciente que
em geral transparece na ideia de
individuais são inseparáveis dos contextos compreensão (BOURDIEU, 2007, p. 166
– grifos do próprio autor).
sociais, conforme conclui Taylor: “grande
parte da ação humana só ocorre na medida
Bourdieu afirma que a noção de
em que o agente se compreende como
habitus contribui para pensar a relação
parte integrante de um ‘nós’ e como tal se
indivíduo-sociedade sem aderir a um único
constitui a si mesmo” (TAYLOR, 2000, p.
aspecto da interação, ou seja, sem opor os
188). Em suma, Taylor defende a ruptura
aspectos subjetivos aos elementos sociais
com os referenciais modernos para ampliar
externos. Na verdade, está em jogo a
a noção de subjetividade, incluindo os
própria noção de exterioridade, pois o
aspectos não articulados das ações e os
social não é uma força coercitiva que se
fatores sociais que envolvem as práticas
diferencia e se sobrepõe aos indivíduos,
individuais.
como queria Durkheim, mas um complexo
Pierre Bourdieu (2007), conforme
no qual se torna impossível separar os
já mencionado, complementa a ideia de
elementos subjetivos dos coletivos.
compreensão corporificada e inarticulada
A noção de habitus se diferencia
através do conceito de habitus, ao
das análises reducionistas, que, ou
investigar as disposições pré-reflexivas dos
consideram apenas as ações individuais
agentes. Se Taylor desenvolve o conceito
plenamente dotadas de subjetividade e do
de compreensão corporificada para mostrar
cálculo racional do agente, ou defendem a
o processo de incorporação das regras
coerção externa do social sobre os
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indivíduos. Mas as ações e as percepções Assim, a superação dos dilemas


construídas pelo habitus “permitem tanto epistemológicos modernos permite o
operar atos de conhecimento prático, [...], desenvolvimento de diversas perspectivas
como também engendrar, [...], estratégias sociológicas. Taylor e Bourdieu mostram
adaptadas e incessantemente renovadas, não haver oposição indivíduo-sociedade,
situadas, porém nos limites das constrições pois seria impossível um distanciamento
estruturais de que são produtos e que as objetivo entre ambas as partes, visto que a
definem” (BOURDIEU, 2007, p. 169). A própria existência individual está
análise de Bourdieu unifica a tradicional plenamente enredada ao mundo social. No
oposição entre indivíduo e sociedade: “O entanto, os autores trazem à tona mais um
agente envolvido na prática conhece o elemento problemático para as pesquisas
mundo [...] num sentido bastante razoável, sociológicas, também colocado sob
sem distância objetivante, [...]. Ele se sente suspeita: a subjetividade dos indivíduos
em casa no mundo porque o mundo pode ser alcançada pela Sociologia, já que
também está nele sob a forma do habitus, os autores defendem a importância dos
necessidade tornada virtude” atos não-intencionais e subjetivos para
(BOURDIEU, 2007, 174). Bourdieu compreender as ações sociais?
pretende, então, situar-se além do
objetivismo e do subjetivismo: CONSIDERAÇÕES FINAIS:
DIVERSIDADE E RENOVAÇÃO DA
SOCIOLOGIA
Não é possível ater-se à visão
objetivista, conducente ao fisicalismo, e
para a qual existe um mundo social em Finalizando a discussão sobre os
si, que se pode tratar como uma coisa,
estando o erudito em condições de tratar dilemas epistemológicos e as diferentes
os pontos de vista dos agentes,
forçosamente parciais e partidários, perspectivas sociológicas surgem mais
como meras ilusões. Tampouco se pode questionamentos do que certezas. As
ficar satisfeito com a visão subjetivista,
ou marginalista, para a qual o mundo teorias sociais se empenham na
social não passa do produto da agregação
de todas as representações e de todas as investigação da sociedade, ao mesmo
vontades. A ciência social não pode se
reduzir a uma objetivação incapaz de dar tempo em que precisam serenovar
lugar ao esforço dos agentes para
construir sua representação subjetiva constantemente. A diversidade de
deles mesmos e do mundo, [...]; ela não abordagens metodológicas e teóricas
pode se resumir a um registro das
sociologias espontâneas [...]. mostra que a objetividade do conhecimento
(BOURDIEU, 2007, p. 230 – grifos
nossos). é inalcançável para a Sociologia. Trata-se
de um pressuposto indispensável para o
CSOnline – Revista Eletrônica de Ciências Sociais, ano 7, ed. 15, jan./abr. 2013.
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SOCIOLOGIA E SOCIEDADE: ALGUMAS PERSPECTIVAS E SUSPEITAS
EPISTEMOLÓGICAS

êxito da análise sociológica, visto que a cristalizados. Cabe, afinal, aos sociólogos
teoria é uma atribuição de sentido para contemporâneos a tarefa de assumir a
interpretar a vida social, sendo esta uma herança dos clássicos e superar os
construção interminável, sem regras impasses deixados por esse legado.
prévias e fixas, impossível de ser
apreendida na sua completude. ABSTRACT
Analisar a sociedade, em suas
The article proposes a debate about how
infinitas partes, significa, enfim, considerá- current theories appropriate the discussions
started with the classics of Sociology and
la não como uma realidade pronta para ser
how they constantly reconstruct the
apreendida pelo pesquisador, mas como methods and objects of sociological study.
Thus, will beinvestigate the references of
uma dinâmica de ações e atores
modern epistemology present in classical
entrelaçados em seus próprios sentidos, theories and their influence on the present.
It is necessary to put under suspicion the
sendo a subjetividade dos indivíduos um
Sociology epistemological assumptions:
aspecto importante a ser considerado. Após consider society as an external reality and
objectified, transforming the data and the
as tentativas aqui apresentadas de
results obtained in the research as truthful
superação da epistemologia moderna and definite, and the misleading separation
between subject and object. This suspicion
torna-se mais claro que não há uma
also means rethinking the very notion of
distinção efetiva entre o pesquisador "society" through contemporary authors
with different perspectives (Luhmann,
(sujeito) e seus “objetos” pesquisados,
Latour, Taylor and Bourdieu). Finally, we
tampouco há uma separação entre as seek to demonstrate, without prescriptive
claims, that the theoretical diversity and
dimensões individuais e sociais da
constant peculiarities can be virtuous for
existência humana. Renovar a Sociologia Sociology development.
significaria abandonar a separação sujeito-
KEYWORDS: Sociology, Epistemology,
objeto, pois não há um mundo exterior a Society.
ser apreendido no decorrer das pesquisas,
assim como não há uma realidade em si, REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
um objeto de estudo único a ser conhecido
exteriormente pelo pesquisador. Nada mais BERGSON, Henri. A Evolução Criadora.
Tradução de Bento Prado Neto. São Paulo:
adequado à Sociologia senão acompanhar
Martins Fontes, 2005.
as mudanças empíricas (históricas, sociais
BOURDIEU, Pierre. Meditações
etc.) construindo perspectivas capazes de
Pascalianas. Tradução de Sérgio Miceli.
compreender e analisar os fenômenos sem Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.
enquadrá-los previamente em conceitos
CSOnline – Revista Eletrônica de Ciências Sociais, ano 7, ed. 15, jan./abr. 2013.
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mail: [email protected]
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Tradução de Gabriel Zadunaisky. Buenos nós com uma voz que é considerada relevante”
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EPISTEMOLÓGICAS

(GIDDENS, 1998, p. 15). Consensualmente, quando se lhe tira o véu...” (NIETZSCHE, 2004, p.
considera-se que Karl Marx, Émile Durkheim e 14-15). Esta remissão ao filósofo deve-se ao caráter
Max Weber são os autores responsáveis pela extemporâneo de sua obra e pela sua defesa do
consolidação das Ciências Sociais como um campo método da suspeita, revelando que o conhecimento
específico, autônomo e independente das demais é uma perspectiva gerada por interesses subjetivos e
formas de conhecimento; além dos três teóricos interpretações conceituais sem validade objetiva.
6
consagrados, Auguste Comte também integra a Ao recusar a busca pelo conhecimento verdadeiro
linhagem dos “pais fundadores” da Sociologia. sobre a realidade, Latour mostra que algumas
3
Os fundamentos filosóficos modernos, perspectivas teóricas atuais são herdeiras do
consolidados com as obras de René Descartes estruturalismo e, de certa forma, da sociologia
(1979) no século XVII, e desenvolvidos até crítica de Pierre Bourdieu (LATOUR, 2008, p.
culminar com a revolução copernicana 220); tais tendências desconsiderariam a
empreendida por Immanuel Kant (2001) no século importância dos atores para pensar a sociedade.
XVIII, podem ser resumidos da seguinte forma: os Latour teme que a sociologia crítica se torne uma
objetos são conhecidos através das representações “teoria conspirativa” (LATOUR, 2008, p. 217)
construídas pelo sujeito (entendimento) a partir dos empregada pelos investigadores que reduzem os
dados empíricos (sensibilidade). O problema da indivíduos a meros objetos de estudo. Além disso,
postura moderna, especificamente para o método Latour questiona o uso das pesquisas enquanto
sociológico, é pressupor a exterioridade dos instrumentos de intervenção social “militante”, ou
objetos, no caso, a sociedade, em relação ao seja, que possuem pretensões prescritivas
pesquisador, além do pressuposto de que o sujeito (conscientizar as pessoas sobre os problemas
cognoscente é responsável por validar e garantir a investigados pelos pesquisadores, por exemplo) e
objetividade do conhecimento devido à sua desprezam a atuação reflexiva e independente dos
capacidade racional. indivíduos.
4 7
Convém mencionar a importância de Karl Marx e A abreviação usada, TAR, corresponde à sigla em
Friedrich Engels para a formação das Ciências inglês, ANT, para Actor-Network-Teory. Bruno
Sociais, pois são autores que contribuíram para Latour (2008) aproveita a coincidência entre a sigla
diferentes áreas das Ciências Humanas. No entanto, ANT e a sua tradução literal (em inglês, a palavra
o método e as teorias de Marx e Engels não serão “ant” significa “formiga”) para comparar o trabalho
abordadas aqui. Por ora, basta indicar a relevância sociológico a passos de formigas, que apenas
do Materialismo Histórico-Dialético para farejam o caminho, enxergando precariamente.
8
compreender as relações sociais: ao combaterem o Torna-se relevante mencionar, novamente, a
Idealismo Alemão, Marx e Engels defendem a influência da Filosofia sobre as Ciências Sociais, no
interação dialética envolvendo indivíduo e que diz respeito à superação da epistemologia
sociedade, na medida em que “as circunstâncias moderna. A necessidade iminente de reconstruir o
fazem os homens tanto quanto os homens fazem as conhecimento filosófico no Século XX, após a
circunstâncias” (MARX; ENGELS, 1983, p. 204). crítica nietzschiana, proporcionou a formação de
Assim, Marx e Engels fundam um novo método novos fundamentos teóricos: a Fenomenologia de
através de uma abordagem epistemológica própria e Husserl (2006), o método da Intuição de Bergson
se diferenciam das metodologias desenvolvidas (2005), as ontologias fenomenológicas de
pelos demais clássicos da Sociologia. Heidegger (2002), Merleau-Ponty (1984) e Sartre
5
Exemplo dessa capacidade renovadora do (1973). São importantes contribuições para as
conhecimento encontra-se na transvaloração teorias sociológicas contemporâneas, por se
filosófica defendida por Friedrich Nietzsche. Tão tratarem de abordagens que buscam reformular os
revolucionária quanto devastadora, a crítica pensamentos filosóficos e científicos sem
nietzschiana desconstruiu os fundamentos sobre os reproduzir os pressupostos da metafísica e da
quais a Filosofia se apoiava: “O mundo tornou-se epistemologia modernas. A reconstrução da
novamente ‘infinito’ para nós: na medida em que Filosofia surge, então, como um tipo de resposta a
não podemos rejeitar a possibilidade de que ele todas as suspeitas denunciadas por Nietzsche em
encerre infinitas interpretações” (NIETZSCHE, relação às tentativas de atingir o conhecimento
2004, p. 278 – grifos do próprio autor). A filosofia verdadeiro.
nietzschiana desmascara a pretensão de atingir o
conhecimento verdadeiro e objetivo, tal como
desejam os filósofos e os cientistas: “essa vontade
de verdade, de ‘verdade a todo custo’, esse desvario
adolescente no amor à verdade – nos aborrece: [...]
Já não cremos que a verdade continue verdade,

CSOnline – Revista Eletrônica de Ciências Sociais, ano 7, ed. 15, jan./abr. 2013.

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