OLIMPIO, Leonel. A Terra e A Mudança
OLIMPIO, Leonel. A Terra e A Mudança
OLIMPIO, Leonel. A Terra e A Mudança
Leonel Olimpio
A terra e a mudança:
ensaio sobre os conflitos das obras contra as Secas no semiárido
RAIZIMAGINÁRIA edições, 2023
A TERRA E A MUDANÇA
ensaio sobre os conflitos das Obras raizimaginaria.org
contra as Secas no semiárido
ISBN: 978-65-997596-2-8
Autor: Leonel Olimpio
Projeto gráfico e diagramação: Leonel Olimpio
A TERRA E A MUDANÇA A TERRA E A MUDANÇA
ensaio sobre os conflitos das Obras ensaio sobre os conflitos das Obras
contra as Secas no semiárido contra as Secas no semiárido
RAIZ IMAGINÁRIA
SUMÁRIO
O mundo é cheio de sons.
Nós é que não os ouvimos como
música.
Ryuichi Sakamoto
INTRODUÇÃO..................................................................4
1. UMA TERRA..................................................................8
2. A TÉCNICA E O DESIGN CONTRA AS SECAS..............32
3. ENTRE O SEMIÁRIDO E O DESERTO............................48
4. AS RUÍNAS DO SEMIÁRIDO........................................62
REFERÊNCIAS.................................................................72
LISTA DE IMAGENS.........................................................76
no Brasil, mas sim um problema. O discurso sobre ele pas-
INTRODUÇÃO sar a ser “como resolvê-lo?”, servindo para diversos tipos
A história do semiárido no Brasil é vasta e a sua do- de implementação de políticas públicas na região. Em su-
cumentação se iniciou há mais de séculos. Contudo, um ma: o presente ensaio tem o intuito de apresentar uma in-
dos seus momentos de conceituação se dá especificamente vestigação através de imagens, planos, projetos e discursos
na segunda metade do século XIX, onde se inicia diversos das chamadas “Obras contra as Secas” em uma tentativa de
projetos para transformar o seu espaço. Tais projetos quase leitura e investigação da cultura visual em que se formou e
sempre vinham com o nome de serem “contra as Secas”. A produziu espacialmente no semiárido brasileiro. Tenta-se
partir daí o semiárido se torna um tema ligado intrinseca- compreender uma forma de categorização de um espaço e
mente à estiagem e escassez de água. Porém, esse processo entender os aspectos e camadas que se desdobraram da
não foi algo simples e não deixou de ser permeado por vá- concepção de uma imagem, uma técnica, um design e uma
rias tensões. política para o semiárido.
O nosso intuito não é de investigar o “semiárido em A pesquisa de arquivos foi feita na biblioteca do
si”, mas os projetos e imagens em relação de conflito com DNOCS – Departamento Nacional de Obras contra as Se-
as chamadas “Obras contra as secas”, e compreender como cas, no setor de Obras Raras da BECE – Biblioteca Estadual
que tal processo moldou e construiu uma cultura visual, do Ceará e na Hemeroteca Digital Brasileira, onde contém
um modo de espacialização e foi de fato um projeto dese- acervo de periódicos e publicações seriadas feita pela Fun-
nhado para sustentar uma ideia que até hoje vive seus des- dação da Biblioteca Nacional. Outra questão importante
dobramentos, a de que o semiárido não poderia existir para assinalar é que apesar de compreendermos esse texto
como ele é, e que portanto, ele deveria ser devidamente como um ensaio, optamos por colocar ao final as referên-
transformado. Pretendemos, assim, investigar os efetivos cias consultadas para essa escrita, também notas de rodapé
desdobramentos conceituais, políticos e práticos dessa re- e citações durante o texto para auxiliar na visão das refe-
lação. rências, podendo auxiliar e facilitar pessoas interessadas
Desde o momento em que tentaram lê-lo enquanto no assunto.
uma natureza inóspita, incapaz de existir por si, e que pre- Nesse sentido, o presente ensaio tem, na sua base,
cisaria, portanto, ser solucionado, o semiárido não seria uma função de se perguntar pelas condições em que tais
apenas um tipo de clima, que teria uma região delimitada discursos se apresentaram de modo conflituoso e buscar
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compreender tais relações através da construção de um fio- NOTA SOBRE AS FOTOGRAFIAS
condutor específico a partir da compreensão de como se
produziu tal cultura visual e espacial do semiárido. Isso fez A principal questão digna de nota é a citação da autoria das
com que a imaginação sobre esse espaço criasse uma forma fotografias que utilizamos. Não encontramos nenhuma re-
própria que tende a uma certa homogenização, mas que ferência sequer às pessoas que as fizeram. A maioria delas
não achamos que de modo algum deva se resumir apenas a eram fotos separadas em uma caixa da biblioteca do
uma única forma. Assim, foi importante compreender que DNOCS onde nos foi permitido o acesso e digitalizamos
a criação dessa forma não foi, de nenhuma maneira, algo por conta própria. Perguntamos às bibliotecárias sobre
simples. Enxergamos que poderíamos demonstrar minima- fontes e referências, mas apesar do esforço não achamos
mente que o espaço do semiárido não é tão opaco quanto nenhuma documentação precisa. Outras imagens eram en-
ousaram demonstrá-lo. Às vezes não precisamos enxergar contradas em livros-fotografias mas, por incrível que pare-
as coisas mesmas na sua essência mas sim compreender os ça, eram livros sem qualquer referência de crédito às
seus desvios. pessoas envolvidas, apenas alguns tinham o ano de sua
De que maneira foi possível criar uma imagem para produção e a localidade. Tentamos buscar a sua autoria no
um clima e para uma terra? Essa pergunta invariavelmente próprio DNOCS e também cruzando referências nossas
percorre a compreensão se nessa terra aconteciam coisas, mas não conseguimos achar nenhum nome. De qualquer
se era um vazio ou apenas algo desconhecido, se ela conse- forma fica aqui registrado que todas as fotos aqui apresen-
guia pulsar vida ou morte. Toda fala parecia carregar sem- tadas, exceto duas de autoria minha, estão disponíveis nes-
pre certa hesitação, sem saber se estava vivo ou morto, ses locais que informamos. As plantas e projetos eram mais
pareciam falar como se tudo ali estivesse suspenso, mas fáceis pois nesses eram sempre descrito onde, quando e
talvez suspenso não no ar, mas embaixo da terra. Uma ter- quais cidades estavam ligados, como os projetos de açuda-
ra ignota. Ignota, desconhecida do olhar do outro, do olhar gem e por onde as estradas de ferro passavam.
de si, não teria nem a possibilidade de enxergar a si mesma.
O semiárido só se enxergava quando lhe davam um espe-
lho. Uma pena, porque nem sempre o espelho reflete aquilo
que está à sua frente.
"Não sei o que o viajante mais admira, se a obra da na- "Sangrou durante três dias sobre a parede, em uma ex-
tureza ou se a do homem". tensão de 330 metros".
Fotografia da Barragem central do Açude Cedro em Fotografia da Barragem central do Açude Cedro em
Quixadá-CE, 1884. Quixadá-CE, 1884.
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A TERRA E A MUDANÇA RAIZ IMAGINÁRIA
se é o seu outro nome: o sertão. quando lembramos que “bosque” na língua espanhola,
Outro engenheiro que muitos o conhecem como es- também influenciada diretamente pelo latim, é floresta.
critor é uma dessas figuras maiores, construtor de uma Podendo ser lido no dicionário da Real Academia Espanho-
imagem do semiárido: Euclides da Cunha, engenheiro for- la como “1. Local povoado de árvores e matas. 2. Abundân-
mado no Rio de Janeiro. Apesar de não narrar diretamente cia desordenada de algo, confusão, confusão intrincada”.
o semiárido cearense, esse não deixa de ser citado12 e com- Sertão seria - talvez possamos pensar assim - uma
parado na sua escrita, o que torna ainda mais notório como junção do deserto com um tipo de floresta, afastado do li-
o seu discurso é um dos mais impactantes criadores ima- toral, uma paisagem do interior dos países. Tanto que tal
géticos sobre a região em todo o país. Em seu conhecido Os palavra era usada além do Nordeste no Brasil, ou seja, antes
Sertões, Euclides desenha um semiárido permeado pela no Brasil, sem contar as cidades litorâneas, tudo era sertão
sua complexidade da terra. Aliás, o livro, que é dividido em (para falarmos nos termos de Guimarães Rosa). Mas é as-
três capítulos, tem – não nos parece à toa – logo em seu sim, então, que a denominação nos chega nos últimos cem
primeiro capítulo o seguinte título: A terra. anos, se tornando a região do interior dos estados do Nor-
Em quase sessenta páginas Euclides faz um relato deste ligadas à caatinga e consequentemente à seca.
com detalhes técnicos típicos do vocabulário da engenha- “Ceará” também é palavra de difícil definição eti-
ria da época sobre a terra do chamado Sertão. Mas aliás, o mológica. Para alguns, vem da palavra tupi Siri-Ará (si-
que é sertão? A nomeação de sertão se torna ainda mais ri=andar para trás + Ará=branco). Capistrano de Abreu
complexa quando adentramos o seu território no Ceará, defendia que era da junção de palavras indígenas dzú+erá,
outro nome também de etimologia turva. Sertão, para al- que seria água+verde, e quando faladas juntas seriam pro-
guns linguistas, seria uma derivação de – por mais direto nunciadas de modo semelhante a “Ceará”. Mas ainda há a
ou irônico que possa parecer – desertão (um aumentativo hipótese do escritor Antônio Bezerra que “Ceará” seria ori-
de deserto), que seria escrito como desertãnu. Para outros, ginada do deserto africano Saara, por causa das dunas
viria de sertânu que significaria no antigo latim, “bosque”. brancas das praias cearenses. Talvez não poderíamos ter
O que também toca mais outros imaginários do termo uma relação mais conflituosa e ao mesmo tempo intrínseca
do que essa. Sertão cearense: a mistura da duna com as
11) Medeiros, R. G. Mundo quase-árido In: Revista Ilha, 2019, pág.24.
12) Euclides chega a citar ainda especificamente a cidade de Quixadá, águas verdes, a mistura do andar dos animais com as cores
sertão central do semiárido cearense. CUNHA, E. 2019 [1902], pág.69. da terra. Sertão cearense: a meia volta do caminhar pela
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terra, a incapacidade de conseguir caminhar para frente, a
mistura da terra com o pé. Quem sabe fossem delas que os
engenheiros do Instituto Politécnico achavam estar falan-
do sobre.
Semiárido então era a terra que não podia existir
sobre suas próprias condições. Uma discrepância imensa
ao imaginário de nação republicano criado em volta das
transformações de um novo país que se vislumbrava, aque-
le espaço não fazia parte do que os ideário nacional enxer-
gava como um Brasil. O que tinha o semiárido para oferecer
a um novo tipo de país que se desenhava? Era preciso
transformá-lo intensamente, moldá-lo, configurá-lo. Não
era precisamente o antagonismo da “cultura tropical” mas
também vivia sempre como um “quase”15 daquilo que ele
mesmo poderia ser e do que queriam que ele fosse. Nem
terra nulius nem terra completa, uma terra ignota que era
uma quase-terra. Semiárido como semi-deserto, semi-
mundo. É quase uma civilização, mas também quase bar-
bárie, quase natureza mas também quase uma cultura. Co-
mo seria possível viver sempre sendo o incompleto, sempre
o que falta?
Toda essa concepção da terra do semiárido só foi
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possível porque em algum momento foi ensinado uma ma-
neira de se ler um espaço, de enxergá-lo, moldá-lo e trans-
formá-lo. Resumindo: criou-se uma técnica.
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intempestivo. Entre o semiárido e o deserto vivem mais ilu- nas contra alguém ou algo, mas a luta para que ele possa
sões do que conseguimos enxergar. não fazer dos outros (espaços, sujeitos, pessoas) um deser-
to de si? Dito de outro modo: se foi criada toda uma políti-
**** ca, uma arquitetura, um aparato e uma imaginação contra a
seca - e consequentemente contra o que eles colocaram co-
Há diversas passagens em Os Sertões em que Eucli- mo a natureza da terra do semiárido -, contra o que o semi-
des escreve e cita o “deserto”, seja em analogia, menção de árido luta?
passagem ou descrição dele. Quando chega a dizer que o A natureza do semiárido lutaria contra uma dor
homem seria um “agente geológico notável” e que este te- “surda” mas que insiste em gritar à face, explica o autor que
ria assumido em sua História o “papel de um terrível faze- “É que a morfologia da Terra viola as leis gerais dos climas.
dor de desertos”31, Euclides constrói uma linha de relação Todas as vezes que o facies geográfico não as combate de
do sertão com o deserto. Fazendo dessa linha um ponto de todo, a natureza reage. Em luta surda, cujos fogem ao pró-
onde a imaginação sobre a região caminhará durante o sé- prio raio dos ciclos históricos”33. Semiárido: “barbaramente
culo XX, que apesar do autor narrar com várias nuances e estéreis; maravilhosamente exuberantes” porque “na pleni-
certa complexidade, a imagem do deserto está ali pronta tude das secas são positivamente o deserto”34.
para vir a acontecer a qualquer momento, porque indepen- Sabendo da complexidade do próprio semiárido, ou
dentemente do que se fale, “o que há a combater e a debe- melhor, do sertão, Euclides nota que em seus períodos
lar nos sertões do Norte – é o deserto”32. chuvosos a paisagem se transforma, figura de outra forma,
Se os projetos e discursos sobre o semiárido pare- “Ao sobrevir das chuvas, a terra, como vimos, transfigura-
cem tê-lo realçado mais ainda como um deserto, uma terra se em mutações fantásticas, contrastando com a desolação
que não parece vazia mas que tem uma relação turva com o anterior. Os vales secos fazem-se rios”35. Paisagem que mu-
tempo, uma terra sem mudança, a terra em que até quando da a si mesma, transfigura o próprio mundo e ressurge de
acontece algo parece que nada aconteceu. Como podería- outra forma. “E o sertão é um paraíso… Ressurge ao mesmo
mos pensar que a insurgência do semiárido seja não ape- tempo a fauna resistente das caatingas”36, e com o encontro
33) Ibid, pág.62.
34) Ibid, pág.60.
31) Cunha, E. Os Sertões. São Paulo, 2019 [1902], pág.62. 35) Ibid, pág.60.
32) Ibid, pág.69. 36) Ibid, pág.58.
41) Henni, S. Against the regime of “Emptiness” In: Deserts are not img.24
empty, 2022,pág.13 img.25
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segue vivendo como se tentassem enclausurá-lo por todas
AS RUÍNAS DO SEMIÁRIDO suas expressões. A sua imagem claustrofóbica, o Nordeste,
A política das Obras contra as Secas, como política carrega em si as linhas demarcatórias que ele deveria viver,
de Estado, se mostrou ser um grande aparato material e habitar o presente mas apenas sob o signo do passado, ou
imaterial. Às vezes criticada com o nome de “indústria da melhor, da figura do “quase”, do incompleto, de uma me-
seca”, ela já existe há mais de cem anos e continua a cons- mória que parece que está conosco mas um segundo de-
truir e desdobrar-se no imaginário da região que ela age. pois já desaparece: ela quase se tornou memória.
Com a capacidade de moldar toda a memória de um povo, Mas se as ruínas são o destino ou a vilania do que o
como podemos ver que os açudes e outras grandes obras se tempo nos causa, ter medo da relação entre a terra e a mu-
tornaram até cartão postal do semiárido, figura tão mar- dança parece ser até algo crível, ou melhor, parece ser
cante de uma construção de memória. As Obras contra as aquilo que paira por baixo, por cima, por dentro ou por fora
Secas conseguiram mudar e configurar toda a imaginação dos discursos sobre o semiárido e os seus duplos. E se as
que habita onde quer que elas toquem. ruínas parecem ser uma daquelas imagens que toda cons-
Se um dia as Obras contra as Secas tornarem-se ru- trução um dia deverá encontrar como ela encontrará uma
ínas seria então a ruína do próprio semiárido ou à sua pró- terra sem a mudança? Se a ruína é caracteristicamente a
pria insurreição? Visto que, como tantos dos engenheiros e destruição ou irrupção do tempo sobre determinado objeto
técnicos falavam, a sua natureza parece viver sob um cons- (uma construção, por exemplo), como enxergarmos a ruína
tante estado de luta contra culturas e parece corroer até a si além do concreto imposto ao semiárido? Como podería-
mesma. Sob a égide do tempo, toda obra e construção entra mos pensar o que é a ruína em um espaço que já é, concebi-
em contato com ele. Enquanto o tempo nas cidades parece do, desde o começo como uma ruína em si? O semiárido
corroer prédios e outras construções, como habita o tempo não seria, segundo a técnica que o re-inventou, um espaço
em uma terra que a mudança parece agir diferente? As ruí- puramente vazio, mas um espaço que a condenação de si
nas do semiárido são, pela ótica da modernidade que a habita. Como já falamos anteriormente, vivendo sempre à
narra, a sua própria terra. beira de tudo, no quase das coisas, na fronteira de mundos.
Feito de uma “natureza-morta”42 o semiárido per- Euclides da Cunha narra que a seca desertifica não
só o clima do ambiente mas as próprias "vivendas", "deser-
42) Cunha, E. Os Sertões. São Paulo, 2019 [1902], pág.53. tas pela retirada dos vaqueiros que a seca espavoriu"; e as-
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sim tornadas "em ruínas, outras; agravando todas, no as- Na pretensão de controlar o tempo através de uma
pecto paupérrimo, o traço melancólico das paisagens…"43. arquitetura acabaram fazendo o tempo se perder na sua
A seca criando a sua própria ruína, não apenas uma arqui- própria medida, secas que aconteciam raramente na Ama-
tetura desertificada mas também a vida dos que habitavam zônia “fenômenos que deveriam ocorrer uma vez por sécu-
aquelas construções. O tempo, a aspereza, o "mundo qua- lo estão se repetindo a cada quatro anos ou cinco anos”45.
se-árido", isto é, o mundo prestes a se desfazer e refazer-se Jogado ao desejos do que queriam resolver algo que não era
em terra, em areia, em vestígio de um tempo que não deixa um problema, o seu espaço se tornou símbolo do conflito.
de gritar para todos que ali passam: aqui não é como ali. “E o sertão de todo se impropriou à vida”46. Conflito das
E se hoje somos, de certa forma, avisados nos jor- ideias, dos espaços, do tempo mas também da matéria que
nais de uma catástrofe em processo, ainda vendo outras re- insiste em existir de outra forma. Semiárido: um continu-
giões passando também por secas - estas tão associadas à um de interrupções, de incompreensões, do desconhecido.
“estética” do semiárido, fincadas à sua imagem e seme-
lhança -, como poderíamos esquecer a sensação da terra
árida sobre nós? Não a do seu desespero, sua desesperança
forjada através do concreto, mas a aridez que possibilita
respirar também. Tentou-se tanto transformar o semiárido
em outra coisa que a sua imagem inventada se espalha pelo
mundo. Seria uma ingenuidade perguntar que se há mais
de um século tentam impor uma técnica e uma luta contra
as secas como e por que estas se espalham para o mundo
além das terras semiáridas? São as secas do semiárido que
estão se espalhando ou estamos virando todos um “Mundo
Quase-Árido”44?
43) Ibid, pág.26. 45) Javier Tomasella apud Marques Filho, L. Capitalismo e colapso
44) Medeiros, R. G. Mundo Quase-Árido. Ilha, Florianópolis, 2019. ambiental, São Paulo, 2018, pág.172.
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