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O documento descreve a evolução dos neobrasileiros após o descobrimento do Brasil. Eles desenvolveram novas identidades étnicas e passaram a depender menos da subsistência, mantendo laços comerciais para obter bens importados. Sua língua e tecnologia eram principalmente indígenas no início, mas foram incorporando elementos europeus ao longo dos séculos. Eles se organizaram em novas comunidades capazes de crescer sob liderança administrativa e econômica.

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O documento descreve a evolução dos neobrasileiros após o descobrimento do Brasil. Eles desenvolveram novas identidades étnicas e passaram a depender menos da subsistência, mantendo laços comerciais para obter bens importados. Sua língua e tecnologia eram principalmente indígenas no início, mas foram incorporando elementos europeus ao longo dos séculos. Eles se organizaram em novas comunidades capazes de crescer sob liderança administrativa e econômica.

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OS NEOBRASILEIROS

Graças à auto‐identificação própria e nova que iam assumindo e, também,


ao acesso a múltiplas inovações socioculturais e tecnológicas, as
comunidades neobrasileiras nascentes se capa citaram a dar dois passos
evolutivos. Primeiro, o de abranger maior número de membros do que as
aldeias indígenas, liberando parcelas crescentes deles das tarefas de
subsistência para o exercício das funções especializadas. Segundo,
incorporar todos eles numa só identidade étnica, estruturada como um
sistema socioeconômico integrado na economia mundial.
Apesar de terem um alto grau de auto‐suficiência, dependiam de certos
artigos importados, sobretudo de instrumentos de metal, sal, pólvora e
outros mais, que não podiam produzir. Já não viviam, portanto, como
indígenas encerrados sobre si mesmos e voltados fundamentalmente ao
provimento da subsistência. Ao contrário, mantinham vínculos mercantis
externos para prover‐se dos referidos bens em troca do seu principal artigo
de exportação, que fora, inicialmente, o pau‐de‐tinta, depois, o índio
apresado como escravo e, afmal, a produção de alguma mercadoria de
exportação. Produzir essa mercadoria passou a ser sua razão de viver.
Por longo tempo, contudo, a população básica desses núcleos coloniais
neobrasileiros exibiria uma aparência muito mais indígena que negra e
européia, pelo modo como moravam, pelo que comiam, por sua visão do
mundo e pelo idioma que falavam. Tal indianidade era, sem dúvida, mais
aparente que real, porque o apelo às formas indígenas de adaptação à
natureza, a sobrevivência das antigas tradições, o próprio uso da língua
indígena, estavam postos, agora, a serviço de uma entidade nova, muito
mais capaz de crescer e expandir‐se. Conforme assinalamos, enquanto o
aumento da população indígena só conduzia à partição das tribos em
microetnias tendentes a diferenciar‐se, independentizar‐se

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e dispersar‐se, as novas comunidades constituíam unidades operativas
capazes de crescer conjugadamente na forma de uma macroetnia.
O idioma tupi foi a língua materna de uso corrente desses neobrasileiros
até meados do século XVIII. De fato, o tupi, inicialmente, se expandiu mais
que o português como a língua da civilização (sobre a formação e a difusão
da língua geral ver Cortesão 1958 e Holanda 1945). Com efeito, a língua
geral, o nheengatu, que surge no século XVI do esforço de falar o tupi com
boca de português, se difunde rapidamente como a fala principal tanto dos
núcleos neobrasileiros como dos núcleos missionários.
Cumpre, primeiro, a função de língua de comunicação dos europeus com
os Tupinambá de toda a costa brasileira, logo após o descobrimento.
Depois, a de língua materna dos mamelucos da Bahia, Pernambuco,
Maranhão e São Paulo. Mais tarde, se ex‐pande juntamente com a
população, como língua corrente tanto das reduções e vilas que os
missionários e os colonos fundaram no vale amazônico, como dos núcleos
gaúchos que se fixaram no extremo sul, frente aos povoadores espanhóis. É
de notar que, sendo a língua geral uma variante muito pouco diferenciada
do guarani falado naqueles séculos, tanto em território paraguaio onde se
converte em língua materna como no que viria a ser a Argentina e o
Uruguai de hoje, estamos, como se vê, , frente a uma enorme área lingüística
tupi‐guarani. Seguramente, a mais ampla das áreas lingüísticas americanas.
Assim era já antes da chegada do europeu, uma vez que tribos do tronco
tupi ocupavam quase todo o litoral atlântico do Brasil atual e subiam, terra
adentro, pelo sistema fluvial do Prata, ocupando vastas regiões do vale do
Amazonas. Esta área lingüística corresponde, grosso modo, aos territórios
atuais do Brasil, do Paraguai e do Uruguai. Essa é a que os neobrasileiros
fizeram sua, falando tupi para se comunicar com as tribos

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que ali viviam e a que eles sucederiam ecologicamente no mesmo espaço.
A substituição da língua geral pela portuguesa como língua materna dos
brasileiros só se completaria no curso do século XVIII. Mas desde antes
vinha se efetuando, de maneira mais rápida e radical onde a economia era
mais dinâmica e, em conseqüência, era maior a concentração de escravos
negros e de povoadores portugueses; e, mais lentamente, nas áreas
economicamente marginais, como a Amazônia e o extremo sul. No rio
Negro, até o século xx, se falava a língua geral, apesar de que os Tupi jamais
tivessem chegado ao norte do Amazonas. Introduzido como língua
civilizadora pelos jesuítas, o nheengatu permaneceu, depois da expulsão
deles, como a fala comum da população brasileira local e subsistiu como
língua predominante até 1940 (Censo Nacional 1940).
No Sul, a presença de uma vasta área guaranítica na bacia do Prata se
comprova, de um lado, pela toponímia predominantemente guarani das
zonas de antiga ocupação do Uruguai e da Argentina, e, de outro lado, pela
presença atual do guarani como a língua vernácula do Paraguai.
O mesmo processo de sucessão ocorre com a tecnologia produtiva.
Inicialmente quase só indígena, ela vai sendo substituída, com o passar dos
séculos, por técnicas européias, tanto mais rapidamente quanto mais
completamente se integra cada zona na economia mercantil e se moderniza.
Ainda assim, ao longo dos séculos, a tecnologia do Brasil rústico foi e
continua sendo basicamente indígena, no que diz respeito à subsistência ‐
baseada no cultivo e no preparo da mandioca, do milho, da abóbora e das
batatas, e de muitas outras plantas ‐ bem como às técnicas indígenas de
caça e de pesca.
Essa base tecnológica indígena, desde o primeiro momento, vem sendo
enriquecida por contribuições européias que, pouco a pouco, aumentaram a
sua produtividade. Tal era o caso dos

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instrumentos de ferro ‐ machados, facas, facões, foices, enxadas, anzóis ‐;
das armas de fogo para a caça e para a guerra; de aparelhos mecânicos,
como a prensa, que às vezes substituiu o tipiti indígena trançado de palha;
do monjolo, grande morteiro de água com que se pila o milho; das moendas
de espremer cana; da roda hidráulica, do carro de boi, da roda do oleiro, do
tear composto, do descaroçador de algodão e, ainda, dos tachos e panelas
de metal, que substituíam o torrador de cerâmica para o tratamento da
farinha de mandioca; e, por fim, dos animais do mésticos ‐ galinhas, porcos,
bois, cavalos ‐, utilizados para a alimentação, caça, transporte e tração.
As casas dos novos núcleos se reduzem enormemente de dimensão em
relação às malocas indígenas porque, em lugar de acolherem famílias
extensas, abrigando centenas de pessoas, agora acolhem famílias menores
ou a escravaria. Melhora, porém, a técnica de edificação com o emprego da
taipa e do adobe cru na construção das casas mais humildes, e de tijolos,
pedras, cal e telhas para as senhoriais. Simultaneamente, as residências da
gente mais rica se engalanam com um mobiliário mais elaborado,
deslocando as redes de dormir para dar lugar a catres; as cestas trançadas,
substituídas por canastras de couro ou arcas de madeira; a que, mais tarde,
se somariam mesas, bancos, armários e oratórios. A tudo isso se
acrescentam, logo, as técnicas de preparo e de uso do sal e do sabão, da
aguardente, das lâmpadas de azeite, dos couros curtidos, de novos
remédios, de sandálias e de chapéus.
Os principais elementos aglutinadores dos novos núcleos são um comando
administrativo e político, representado localmente pelas autoridades
seculares e eclesiásticas, e uma gerência socioeconômica a cargo do
empresariado de produtores e comerciantes. A unidade de comando dessa
estrutura do poder permitiu às comunidades nascentes crescerem e se
diferenciarem, cada vez mais, num componente rural e outro urbano. O
primeiro

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assentado principalmente nas fazendas, sob o mando de seus
proprietários, mas trabalhadas por escravos negros ocupados na produção
mercantil e por gente nascida na terra; estes últimos devotados a funções
administrativas e de defesa e à produção de alimentos. O segundo era
constituído pela parcela urbanizada da população, regida por capitães e
prelados e ativado por trabalhadores braçais, artesãos, comerciantes,
funcionários e sacerdotes. Sua função era administrar o empreendimento
colonial, conformá‐lo como possessão portuguesa, plasmá‐lo dentro dos
cânones da cultura lusitana e totalmente fiel à Igreja católica apostólica e
romana.
No conjunto dessa população colonial, destaca‐se prontamente uma
camada superior, desligada das tarefas produtivas, formada por três setores
letrados, participantes de certos conteúdos eruditos da cultura lusitana.
Tais eram: uma burocracia colonial comandada por Lisboa, que exercia as
funções de governo civil e militar; outra religiosa, que cumpria o papel de
aparato de indoutrinação e catequese dos índios e de controle ideológico da
população, sob a regência de Roma; e, finalmente, uma terceira, que
viabilizava a economia de exportação, representada por agentes de casas
financeiras e de armadores, atenta aos interesses e às ordens dos portos
europeus importadores de artigos tropicais. Esses três setores, mais seus
corpos de pessoal auxiliar, instalados nos portos, constituíram o comando
da estrutura global. Compunha um componente urbano de montante tão
ponderável quanto o das sociedades européias da época; formadas, elas
também, por populações majoritariamente rurais. Era, de fato, uma
subestrutura da rede metropolitana européia, menos independente que
seus demais componentes, porque estava intermediada por Lisboa.

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