Abralic - O Insólito Na Literatura
Abralic - O Insólito Na Literatura
Abralic - O Insólito Na Literatura
O insólito
na literatura
ABRALIC
ORGANIZAÇÃO
Andrei dos Santos Cunha
Bruno Costa Zitto
Luciana Wrege Rassier
O insólito na literatura
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE LITERATURA COMPARADA
Gestão 2020-2021
Presidente
Gerson Roberto Neumann — UFRGS
Vice-Presidente
Andrei dos Santos Cunha — UFRGS
Primeira Secretária
Cinara Ferreira — UFRGS
Segundo Secretário
Carlos Leonardo Bonturim Antunes — UFRGS
Primeiro Tesoureiro
Adauto Locatelli Taufer — UFRGS
Segunda Tesoureira
Rejane Pivetta de Oliveira — UFRGS
Conselho Deliberativo
Membros efetivos
Betina Rodrigues da Cunha — UFU
João Cezar de Castro Rocha — UERJ
Maria Elizabeth Mello — UFF
Maria de Fátima do Nascimento — UFPA
Rachel Esteves de Lima — UFBA
Regina Zilberman — UFRGS
Rogério da Silva Lima — UnB
Socorro Pacífico Barbosa — UFPB
Membros suplentes
Cassia Maria Bezerra do Nascimento — UFAM
Helano Jader Ribeiro — UFPB
ABRALIC DIÁLOGOS TRANSDISCIPLINARES
O insólito na literatura
ORGANIZAÇÃO
Andrei dos Santos Cunha
Bruno Costa Zitto
Luciana Wrege Rassier
Todos os direitos Projeto gráfico
desta edição reservados. & diagramação
Copyright © 2023 da organização: Mário Vinícius
Andrei dos Santos Cunha, Bruno Costa
Zitto e Luciana Wrege Rassier. Capa
Copyright © 2023 dos capítulos: Mário Vinícius
suas autoras e autores.
Revisão
Coordenação editorial Andrei dos Santos Cunha
Roberto Schmitt-Prym Bruno Costa Zitto
Gabrielle Miguelez da Silva
Conselho editorial Juan Carlos Acosta
Betina Rodrigues da Cunha — UFU Laura Stein Alexandre
João Cezar de Castro Rocha — UERJ Laura Venzon Francisco Grandó
Maria Elizabeth Mello — UFF Leonardo Pinto dos Reis
Maria de Fátima do Nascimento — UFPA Luciana Wrege Rassier
Rachel Esteves de Lima — UFBA Nathália da Silveira Martins
Regina Zilberman — UFRGS
Rogério da Silva Lima — UnB Como citar este livro (ABNT)
Socorro Pacífico Barbosa — UFPB Cunha, Andrei dos Santos; Zitto, Bruno
Cassia Maria B. do Nascimento — UFAM Costa; Rassier, Luciana Wrege (orgs.).
Helano Jader Ribeiro — UFPB O insólito na literatura. Porto Alegre:
Bestiário / Class, 2023.
Apresentação
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Introdução
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(...)
(...)
(...)
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(...)
A mulher grávida
Estou de sete meses. Vou ver meu filho saindo da minha barriga
para a cova?
A primeira voz
A mulher grávida
Como deixar meti filho aqui dentro mais meses até que passe a peste?
Ah conservar meu filho mais tempo ou sempre dentro da barriga
para proteger ele do mundo e da morte! (JURANDIR, 1963, p. 202,203)
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2. A constatação pode parecer óbvia, pois, por se tratar de uma obra ficcional,
não há a necessidade de se retratar fielmente a realidade. Mas, se tratando
da obra dalcidiana, é importante mencionar visto que o autor trata, no ro-
mance anterior, por exemplo, Belém do Grão-Pará, de figuras políticas que
de fato atuaram na capital paraense. Porém, para o romance em estudo, op-
tou por uma figura completamente ficcional.
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Considerações Finais
Referências
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Isto posto, nosso foco aqui é observar na obra Édipo, escrita por
Guarnieri e Peixoto, elementos textuais que podem ser lidos como
um enfrentamento ao governo autoritário que se instalou no Brasil
a partir de 1964 e que podem ter direcionado a decisão da TV Globo
em negar a sua produção.
Assim, nas reconfigurações da escrita, a história agora não se pas-
sa mais em Tebas, mas no interior do Brasil, em uma região domi-
nada por uma aristocracia rural que, simultaneamente, pode impor
sua vontade – muitas vezes à força –, oprimindo as populações, mas
que também é vista com respeito quase divino por essa mesma po-
pulação sofredora. Enquanto estrutura narrativa, este novo Édipo
traz uma bem arranjada construção de camadas de significado que,
relembrando aqui Ítalo Calvino (1993), deixam ecoar o passado que
está sempre soando em uma obra clássica. Com dos dois planos nar-
rativos, sendo o primeiro o do presente, em que se realiza uma festa
na fazenda de um poderoso fazendeiro, focando o momento em que
dois cantadores, cansados, são forçados (pelo dinheiro e pelo poder
do fazendeiro) a continuarem a animar a festa, e o fazem abrindo es-
paço para o segundo plano da narrativa, ao cantarem uma história
do passado, de um outro momento – não marcado, perdido na me-
mória: a história de Édipo reambientada no sertão.
Como roteiro televisivo, encontramos aqui uma grande quantida-
de de imagens secundárias que vão criando, para o telespectador, a
ambientação, em especial do segundo plano. O primeiro plano pos-
sui uma ambientação interna e concentrada nas figuras dos canta-
dores e do fazendeiro, com os demais participantes da festa como
plano de fundo. Já no segundo, as ambientações são abertas, centra-
das em pessoas que vivem na região. O fazendeiro do primeiro plano
passa a ser a personagem Édipo no segundo. Sinteticamente, nesta
reconstrução de Édipo há a permanência da tradição desta persona-
gem: vem de longe, fugindo da previsão sobre seu futuro, e, quan-
do chega nesta região se depara com uma situação de conflito: a fa-
zenda da viúva Jocasta e de seu irmão Creo está para ser tomada e
acaba sendo salva por Édipo. Efetivamente, Édipo toma para si a fa-
zenda e casa-se com Jocasta, o que legitima a posse da terra. Laio, fi-
nado esposo de Jocasta, que enquanto buscava encontrar uma forma
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A doença em Édipo
VELHO – Não dá mais para aguentá, meu santo. Livre nós dessas
tristeza. Além da seca, do gado que definha, da gente que foge, é
a danada da epidemia que tá fazendo estrago de tudo... E o patrão
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ainda por cima manda queimá as casas onde tem a peste... É fo-
gueira de sol e fogueira de fogo... Dê uma palavra, meu Santo! Que
as rezas de nada estão valendo... (GUARNIERI, 1997, p. 136)
PAI – Sei lá, pra longe desse inferno, parece até que o demo fez mora-
da nessas terras... é seca, é peste, é sol... Vamo embora daqui, mulher.
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seu Laio... O patrão tá nervoso, quer falar com ele... Acho que tem
novidade...
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Considerações finais
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Referências
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uma fronte tão insólita e tão horrivelmente elevada que tinha a apa-
rência de um boné ou coroa de carne acrescentada à cabeça natural.
Sua boca, enrugada, encovava-se numa expressão de afabilidade
horrível e seus olhos, bem como os olhos de todos quantos se acha-
vam em torno à mesa, tinham aquele humor vítreo da embriaguez.
Esse cavalheiro trajava, da cabeça aos pés, uma mortalha de veludo
de seda negra, ricamente bordada [...]. Estava com a cabeça cheia
de plumas negras mortuárias, que ele fazia ondular para lá e para
cá, com um ar afetado e presunçoso. E na mão direita segurava um
enorme fêmur humano, com o qual parecia ter acabado de bater em
algum dos presentes para que cantasse. (POE, 1997, p. 218)
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de licor tão impetuoso, tão violento, tão irresistível, que a sala ficou
inundada [...] as mesas carregadas viraram de pernas para o ar” (POE,
1997, p. 223). Em seguida, fogem para o navio levando com eles a Ar-
quiduquesa Ana-Peste.
Em The Mask of the Red Death – A fantasy, publicado em 1842 no
Graham’s Magazine, o enredo articula a fuga do Príncipe Próspero e
seus convidados da cidade de Londres para uma abadia, durante o
surto de peste. Lá, isolados de todos, passam a festejar para esque-
cer e fugir da peste. Mas para a versão publicada pelo Broadway Jour-
nal, em 1845, Poe retira a expressão “A fantasy” e o título torna-se The
masque of the Red Death. Sova (2001, p. 110) afirma que a modificação
no título é uma escolha estética, porque a expressão A fantasy, con-
tida no título original, evidencia a figura misteriosa que aparece no
final da trama e, ao retirar tal expressão, o destaca foi posto na más-
cara, remetendo o leitor ao baile de máscaras, evento comum na Itá-
lia renascentista, promovido pelo protagonista do conto.
Sobre essa linha tênue, entre a imagem da figura misteriosa e o
baile de máscaras, encontra-se apoiada a narrativa do isolamento do
Príncipe Próspero e seus convidados em uma abadia. O cenário caó-
tico instaurado pela peste, bem como a literatura que o retrata apon-
tam a prática do isolamento em locais afastados das cidades conta-
minadas como uma das formas de se evitar o contágio. Ao reunir e
isolar um grupo de pessoas em uma abadia, Poe faz uma escolha es-
tética que se assemelha a de Boccaccio em Decameron (1979, p. 19),
uma vez que “contra a peste não havia remédio melhor nem tão bom
como fugir [...]”. A diferença entre a atitude das personagens de Boc-
caccio e a da personagem de Poe é que as daquele decidem se isolar
em palácio nas montanhas por terem sido abandonadas por seus fa-
miliares, enquanto a deste foge para salvar a própria vida e: “Que o
mundo exterior se arranjasse por si” (POE, 1997, p. 282).
A contradição de caráter do Príncipe Próspero, personagem de Poe,
vem à tona logo no início da trama: “Mas o Príncipe Próspero era fe-
liz, destemido e sagaz” (POE, 1997, p. 282). Os atributos de felicidade,
coragem e sagacidade não se harmonizam com o cenário de tristeza
e horror e tão pouco com a atitude de fugir para salvar-se. E alternân-
cia de focalização interna com externas promove a hesitação em tor-
no da sanidade do protagonista, porque: “Muita gente o julgava lou-
co. Mas seus cortesãos, achavam que não. Era preciso ouvi-lo, vê-lo
e tocá-lo, para se estar certo de que ele não o era” (POE, 1997, p. 284).
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Ao ser caracterizada como alguém que, salvo por seu nariz alei-
jado, se apresenta fisicamente atraente e que seduz Heitor, a perso-
nagem revela a desarmonia do gosto muito além do valor estético
atribuído: o bebê faz com que se coloquem em choque axiológico o
modelo de carnaval e beleza da época, e o desejo irracional percebi-
do na convulsão carnavalesca sem limites e sem razão.
O ato de se travestir de outra realidade no carnaval carioca do fi-
nal do século XIX e do início do século XX traduzia, segundo Cunha
(2001), uma metáfora das próprias chagas sociais daquela socieda-
de, em que a abolição era incompleta, e os problemas, crescentes.
Traz a autora:
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Referências
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Lilit era uma serpente; foi a primeira esposa de Adão e lhe deu glit-
tering sons and radiants daughters (filhos resplandecentes e filhas
radiantes). Depois, Deus criou Eva; Lilit, para vingar-se da mulher
humana de Adão, instou-a a provar o fruto proibido e a conceber
Caim, irmão e assassino de Abel. (BORGES; GUERRERO, 1981, p. 118)
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Eden Bower:
uma interpretação à luz da episteme borgiana de leitura
It was Lilith the wife of Adam: In the ear of the Snake said Lilith : –
(Eden bower’s in flower.) (Eden bower’s in flower.)
Not a drop of her blood was human, ‘To thee I come when the rest is over;
But she was made like a soft sweet A snake was I when thou wast my
[woman. [lover.
Lilith stood on the skirts of Eden; ‘I was the fairest snake in Eden:
(And O the bower of the hour!) (And O the bower and the hour!)
She was the first that thence was By the earth’s will, new form and
[driven; [feature
With her was hell and with Eve Made me a wife for the earth’s new
[was heaven. [creature.
(ROSSETTI, 1913, p. 18-21)
A própria palavra Eden indica paraíso, que por sua vez significa
“jardim fechado”. Eden Bower então é um espaço fechado dentro de
um espaço fechado. O primeiro espaço fechado seria o corpo femi-
nino, guardado por vestes e véus. Em seu interior, ainda mais res-
guardado, o sexo da mulher.
A palavra bower aparece uma vez em cada uma das estrofes, me-
nos na última, que é o único quinteto (todas as outras são quartetos),
onde aparece duas vezes. Desde a primeira estrofe, ela é ligada a Li-
lith. A palavra Eden aparece apenas nas estrofes ímpares, e uma vez
fora dos dois refrões utilizados no poema, totalizando assim 25 apari-
ções. A palavra hour, indicando a passagem do tempo que se tornou
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‘Lo, God’s grace, by the grace of Lilith! ‘Lo! two babes for Eve and for Adam!
(And O the bower and the hour!) (And O the bower and the hour!)
To Eve’s womb, from our sweet Lo! sweet Snake, the travail and
[to-morrow, [treasure, –
God shall greatly multiply sorrow. Two men-children born for their
[pleasure!
‘Fold me fast, O God-snake of Eden!
(Eden bower’s in flower.) ‘The first is Cain and the second Abel:
What more prize than love to (Eden bower’s in flower.)
[impel thee? The soul of one shall be made
Grip and lip my limbs as I tell [thy brother,
[thee! And thy tongue shall lap the
[blood of the other.”
(And O the bower and the hour!)
(ROSSETTI, 1913, p. 18-21)
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que seria o casal Adão e Eva vivendo no Paraíso. Esse Outro dialético
que Lilith representa em Rossetti poderia ser uma espécie de mons-
tro que incorpora o exterior, o além, ou seja, a representação daque-
les que estão excluídos, distanciados, que são distintos, mas que são
originados no interior.
O monstro feminino representado por Lilith é uma afirmação da
alteridade, da construção de uma diferença constituída no interior da
sociedade em relação à mulher e suas representações. Se sua compo-
sição é monstruosa, não se pode negar a origem de seu mito, ou seja,
o monstruoso não se constitui fora, na verdade ele nasce no bojo da
sociedade, e só vai assombrar essa mesma sociedade pois represen-
ta suas contradições e espelha seus conflitos íntimos, se originando
em cada cultura e criando uma espécie de oposição às próprias leis
pré-estabelecidas pelo construto social.
Considerações finais
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Referências
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Literatura e necropolítica:
desigualdade e exclusão no Brasil de ontem e hoje
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na modernidade, uma política que não aponta para a vida, mas para
a utilização de formas de vigilância e controle que conduzem ao ex-
termínio do ser.
Vislumbramos, assim, o estudo de obras literárias de Jorge Amado
sob o prisma da estética da necropolítica: Capitães da areia(1937); Te-
reza Batista cansada de guerra(1972); Tocaia Grande: a face oculta (1984),
que apresentam uma experiência bastante enriquecedora, do ponto
de vista histórico, social e cultural.
No romance Capitães da Areia, Jorge Amado nos apresenta um
mundo desigual, onde convivem os brancos/ricos e os negros/pobres.
Trata-se de um panorama epidêmico, no qual os brancos dispõem da
vacina para enfrentar um surto de varíola enquanto os negros con-
tam apenas com as forças dos orixás do candomblé. A estratégia dis-
cursiva do autor se dá por meio de uma reverberação semântica que
dá conta de um enredo que vai capturando o leitor, aos poucos, tal
como uma doença contagiosa que vai se espalhando pela sociedade.
Dessa forma, vê-se a primeira alusão ao que vai se configurar em epi-
demia, aos poucos, na narrativa: “Por vezes morria um de moléstia
que ninguém sabia tratar” (AMADO, 2005, p. 92).
Esta primeira referência à epidemia de varíola é “moléstia”, a qual
mostra-se generalizante e indefinida, como toda doença nova que vai
se instalando numa comunidade. A primeira reação está no fato do
saveirista e amigo dos meninos capitães os levar para uma festa no
terreiro do Gantois em homenagem a Omolu, que vai promover uma
vingança pelas mortes dos negros vítimas da tal doença.
No capítulo “Alastrim”, há uma apresentação do cenário da epide-
mia na cidade de Salvador, configurada em Cidade Alta dos brancos
ricos e Cidade Baixa dos negros pobres. Neste momento, há uma ex-
tensa citação do orixá Omolu, que é associado às doenças em geral,
mas sobretudo às de pele. Como detentor do poder entre doença e
cura, Omolu é o responsável pela disseminação, mas também pela
cura, procedimento característico da personalidade dos deuses afri-
canos, como Xangô, promotor da guerra e da paz. Quanto à denomi-
nação atribuída à doença, o que se vê é uma reverberação semântica
motivada pela distribuição do contágio e pela infestação pela cidade
conforme a localização espacial e social, e de acordo com a intensi-
dade da epidemia. Então, vê-se um mosaico composto por alastrim /
bexiga negra / bexiga branca / varíola / sarampo. Essa multiplicidade
de significantes é característica do texto literário que promove várias
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Uma linha espacial que indica que os pobres que não tinham acesso
às ferramentas médicas da cidade do progresso, eram obrigados,
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Referências
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O diabo é que quando ao Goes é dada uma alegria, por menor que
seja, já entorna um tonel e cai em esbórnia inconfessável; e se
triste, o Goes, entre matar-se ou não, feito os poetas românticos,
ou anti-românticos, some de vista e, comentam, afunda em nova
carraspana, choroso e pediente [...] pelos clandestinos da Gamboa.
(BUENO, 2004, p. 121).
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Mas a verdade nua e crua, impossível leitor, era que não havia onde
alguém andasse a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro que
não viesse a topar, ao vômito com o que se destacava de peor e de
mais malcheiroso. Cidade de ratos e de animais peçonhentos, do
bicho barbeiro e de carrapatos medonhos, sem falar das colônias
de percevejos que habitavam as casas e, creio, as entranhas do
populacho... (BUENO, 2004, p. 137-138).
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Agora vou lhes contar uma história antiga e que começa com era
uma vez. No distante condado de Ergnacht recolheu-se, certo dia,
ao mosteiro da Piedade Ordem dos Capuchinhos Menores, um
velho homem com terrível aspecto de cão. A lepra esculpira nele,
demorada e singularmente, assustadora forma canina que, por
vezes, confundia-se com a de um chimpanzé – o nariz comido
pela doença se reduzira a dois buracos; a boca a rasgar-se aponto
de lhe revelar os sujos dentes de trás onde, vez, em quando, luzia,
terrível, um filete de ouro. Some-se a essa visagem a barba que ele
deixara crescer, profusa e rala – como se fossem pêlos de um animal
Irascível. Macaco, ou cão? Difícil estabelecer onde começava um e
terminava outro. (BUENO, 2007, p. 27).
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Esse ser divino que era “Deus” e que, em tese, deveria se compa-
decer dos homens e de seus próprios filhos, tem suas ações compa-
radas às de um Hitler:
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Devo dizer que daqueles abraços ridículos, que não ocorriam com
muita frequência, eu ansiava por me livrar; mas minha energia
parecia se esvair. As palavras por ela murmuradas soavam em
meu ouvido como uma cantiga de ninar, e entorpeciam a minha
resistência, levando-me a um estado de transe, do qual eu só me
recuperava quando ela baixava os braços. (LE FANU, 2010, p. 67)
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Candido propõe que “o externo (no caso o social) importa, não como
causa, nem como significado, mas como elemento que desempenha
um certo papel na constituição da estrutura” (CANDIDO, 2019, p. 14,
grifo do autor). O desenvolvimento social da mulher na sociedade en-
tre os anos 1872 e 2010 mudou gravemente, assim esse elemento de-
sempenha um papel na constituição da estrutura desses arquétipos
femininos, sejam elas vampiras ou não.
A reflexão do sócio-histórico sobre as personagens é um processo
natural, assim o papel social da mulher nos momentos de criação das
personagens irá ser refletido dentro das obras. Ademais, essas per-
sonagens podem estar representando tais figuras propositalmente,
“em que medida a arte é expressão da sociedade; a medida é social,
isto é, interessada nos problemas sociais” (CANDIDO, 2019, p. 29 gri-
fo do autor). A ressignificação dos arquétipos tradicionais femininos
é uma luta constante para a mulher moderna. A ressignificação do
arquétipo da vampira feminina é a ressignificação dos papéis da mu-
lher como um ser limitado e dual, dividido entre Presa e Predadora.
Com a existência de um arquétipo moderno da vampira, como o de
Marceline, temos a possibilidade da ressignificação de diversos outros
papéis femininos que foram concretizados em tempos que já não re-
fletem nossa realidade social, como o de Carmilla. Consequentemen-
te as outras personagens também são modificadas, como a Princesa
Jujuba, que já ressignifica o arquétipo da princesa e de uma parcei-
ra em um relacionamento homossexual feminino, diferente de Lau-
ra, que pertencia ao arquétipo da donzela inocente que não faz mais
sentido na contemporaneidade.
Considerações finais
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anos. Com isso, a vampira deixa seu lugar de ameaça e aviso para jo-
vens desavisadas e funciona como modelo para uma geração, apre-
sentando uma mulher independente e autossuficiente.
Além disso, seus relacionamentos evoluem com o tempo, tornan-
do-se o oposto do relacionamento imposto e invasivo da vampira e do
vampiro tradicionais. Marceline e Jujuba terminam um namoro e se
afastam, não há uma imposição da presença da vampira na vida da
outra. Apenas após muitas aventuras e amadurecimento das duas per-
sonagens que o namoro é retomado, de comum acordo e respeitan-
do a individualidade de cada uma. Tornando o arco narrativo do ca-
sal um mote de tolerância e autoconhecimento, além de um reforço
sobre relacionamentos saudáveis e a importância do consentimento.
Referências
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Sim, a boa prosa é uma janela. Mas a boa prosa é uma janela de
vitral, e o pigmento no vidro se torna a voz do autor. Portanto, eis
aqui minhas janelas, coloridas junto comigo. É impossível dizer
se são verdadeiramente as melhores janelas que já criei, mas eu
adorei criar cada uma delas. (KIERNAN, 2020, p. 18)
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“Twila?” Ele soa perdido e distante. “Nossa, Twila. Você…” Mas não
faz sentido perguntar, e ele procura o pulso dela e aperta o polegar
no tecido cicatricial inchado e na interseção azul-esverdeada de
veias e artérias.
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Ela era bastante alta, com aparência e porte de deusa; seus cabelos,
de um louro suave, separavam-se no alto da cabeça e corriam-lhe
sobre as têmporas como dois rios de ouro [...] sua testa, de uma
brancura azulada e transparente, estendia-se larga e serena sobre
os arcos de dois cílios quase marrons [...] Que olhos! Com um
clarão decidiam o destino de um homem; tinham uma vida, uma
limpidez [...] e fileiras de grandes pérolas claras, de um tom quase
semelhante a seu pescoço, desciam-lhe sobre o colo [...] usava um
vestido de veludo nacarado e de suas largas mangas forradas de ar-
minho saíam mãos aristocráticas de infinita delicadeza, com dedos
longos e arredondados e de tão ideal transparência que deixavam
passar a luz como aqueles da Aurora. (GAUTIER, 2009, p. 271–272).
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Considerações finais
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Referências
CALMET, Augustin. Traité sur les apparitions des esprits et sur les vam-
pires ou les revenants de Hongrie, de Moravie, etc.: tome I. Paris: Chez
de Bure, 1751. Disponível em: <https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/
bpt6k68179p.image>. Acesso em: jul. 2021.
CALMET, Augustin. Traité sur les apparitions des esprits et sur les vampi-
res ou les revenants de Hongrie, de Moravie, etc.: tome II. Paris: Chez
de Bure, 1751. Disponível em: <https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/
bpt6k68180w.image>. Acesso em: jul. 2021.
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Poesia e pandemia:
retratos do invisível nos poemas de Osman Matos
Introdução
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Isso quer dizer que esses três poderes dominam a sociedade, por
isso, as necessidades dos cidadãos comuns, que não integram essa
estrutura, são esquecidas e suas vidas, invisíveis.
No mesmo ano, Osman Matos (autor dos romances Rio do braço e
A viagem e dos livros de poemas Bolhas de sabão, Poesia em gestação,
Pó, emas e outros poemas e Nanosmania) publicou Poesia em plena pan-
demia, livro composto por 45 poemas, escritos durante a quarente-
na obrigatória da Covid-19. Os poemas versam sobre a batalha entre
o homem e o vírus, isolamento social, comportamentos humanos
(ódio, racismo, orgulho, amor, egoísmo, solidariedade), esperança,
futuro, meio ambiente, desigualdade, capitalismo e política. O poe-
ta transforma experiência e leitura do mundo em linguagem poética
para representar o Outro e a pandemia em seus diferentes aspectos.
A conexão entre o texto de Boaventura Santos, A cruel pedagogia do
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Invisíveis
os sem-esgoto,
sem-internet,
sem-água
e sem-sabão para lavar as mãos...
O sem-comida,
sem-teto
sem-trabalho, incompletos,
sem-renda
e sem-otimismo...
Caíram as máscaras
do capitalismo?
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#Fique em casa
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CEP
“Enquanto na Europa
a idade avançada
é o fator de risco
por mais mortes
pelo vírus da Covid,
no Brasil é o CEP:
morre-se mais
pelo lugar que se reside.”
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Na África:
Guiné, Burkina Faso, Guiné Bissau,
Togo, Madagascar, Serra Leo,
Sudão do Sul, Libéria, Moçambique,
Malawi, Níger, Eritreia,
República Democrática do Congo
República Centro-Africana e Burundi
Na Oceania:
Ilhas Salomão e Quiribati.
No Oriente Médio:
Iêmen e Afeganistão.
Na América Central:
Haiti.
[...]
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Referências
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A negligência do (des)conforto
“Fantástico” em sua origem crítica Ocampiana
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6. “pone al sujeto en una situación que se escapa del control racional generado
por la posibilidad de explicarlo mediante la lógica constituida sobre la base
del consenso social.”
7. “se ve constantemente confrontado a situaciones que cuestionan referentes
axiológicos y que deconstruyen el mundo conocido (heimlich).”
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ordem exista de fato, e, por isso, Biancotto afirma que “o lugar co-
mum que identifica a literatura de Silvina Ocampo como fantástica
resulta em um pretexto tranquilizador que, de algum modo, doma
sua raridade”. (BIANCOTTO, 2015, p. 75, tradução nossa) 9.
Isso, em nossa opinião, pode elidir sua potência em fazer afirma-
ções teóricas e políticas, sua crítica às implicações do pensamen-
to moderno tanto para a literatura quanto para a esfera social. Vale
lembrar, para essa discussão, segundo pontua Biancotto (2015), que
o que motiva a compilação da Antologia é, justamente, um ardor sec-
tário movido pelo descontentamento de seus três idealizadores com
o romance de sua época, que, segundo afirma Bioy Casares no prólo-
go a essa mesma antologia, padecia de uma grave debilidade na tra-
ma, esquecidos que os autores estavam de seu propósito primordial:
“contar cuentos” (CASARES apud BIANCOTTO, 2015), ou, trocando
em miúdos, exercitar a diferença.
Muitos dos contos se definem menos pelo sobrenatural, pelo anor-
mal, do que por uma forma de escrita que propõe a desordem do
mundo aparentemente ordenado. Esse intuito é revolucionário e se
confirma nos contos, que se apresentam como verdadeiramente con-
temporâneos nesse sentido e que, por isso, carecem de categorias que
deixem de lado dicotomias como natural/sobrenatural, acontecido/
não acontecido, estranho/familiar, entendidas como mundos autô-
nomos e alijados um do outro, para pensar em termos mais dinâmi-
cos, espiralados, num jogo no qual tais categorias se retroalimentam
e simultaneamente se constituem umas às outras.
Como questionamento que encaminha a uma conclusão, propo-
mos pensar essas problemáticas nos termos de Mello (2021) quando
pensa a obra costalimeana: se existe um controle sobre a mímesis,
que legitima os procedimentos e os pensamentos socialmente acei-
tos de acordo com as vontades de uma classe hegemônica, se a dife-
rença não é aceita – uma vez que a sociedade tende a rechaçá-la, seja
em nome de uma meta moral, uma meta histórica ou uma meta re-
ligiosa, por acreditar ser ela perigosa ao pretenso ordenamento do
mundo –, se justamente por esse apego à verdade ordenadora o ter-
mo ficção carrega consigo o estigma da “mentira” ou de passatempo
9. “El lugar común que identifica a la literatura de Silvina Ocampo como fan-
tástica resulta un pretexto tranquilizador que de algún modo domestica su
rareza.”
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Referências
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ECO, Umberto. Seis passeios pelos bosques da ficção. São Paulo: Cia das
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ter a noiva estuprada por soldados. Sua noiva, de nome Johana, é des-
crita como uma bela mulher que vive, sobretudo, para garantir o con-
forto de sua mãe, Catharina, que é doente mental. Anos depois de o
seu noivo ter partido rumo à vingança e ter sido preso, ele retorna à
casa de Johana, mudado, permitindo que um ex companheiro de cela
estupre a mãe de Johana, enquanto a sua antiga noiva começa a tre-
mer e tem, logo em seguida, um suposto ataque epilético. Johana, por
fim, acaba sendo internada pelo soldado que a estuprara anos antes
(e que havia se tornado o seu amante) numa clínica junto à mãe. O
que podemos notar a partir das duas personagens tavarianas, Catha-
rina e Johana, é que a demência, mesmo no caso de Catharina, des-
crita como louca desde o início da obra, aparece atrelada à violência
física e simbólica que vitima as mulheres. Acompanhemos um dos
acessos de loucura de Catharina, antes da guerra descrita no livro:
Na infância Johana soletrava as letras alto para a mãe ouvir. A
mãe de Johana era uma mulher louca. Interrompia de modo gran-
de a vida normal, e as pausas eram alucinações. A mãe de Johana ti-
nha uma vez feito a si própria uma ferida no sexo, com uma lâmi-
na. Desde esse dia a família percebeu que não era possível ela existir
num dia intacto, sozinha. Tinham medo dela. (TAVARES, 2007, p. 15).
Ferir o sexo, a genitália, “com uma lâmina” foi o indício que a fa-
mília de Catharina julgou mais sintomático de sua loucura e é quase
impossível não associar tal atitude à repressão sexual feminina. Mais
adiante, nos é dito que uma das manias de Catharina consistia em in-
terferir no funcionamento de máquinas com uma agulha, objeto fá-
lico que, irremediavelmente, induz-nos a pensar em uma espécie de
mania compensatória praticada pela mãe de Johana.
Mas Catharina gostava de máquinas, gostava de interferir nelas.
Queria intrometer-se nessa vida fria, mas com algo de perverso: a
ponta da agulha era colocada em água a ferve e depois Catharina le-
vava-a até perto de um rádio ou de uma outra máquina e tentava es-
petá-la num orifício qualquer. A diferença de temperaturas excitava-
-a. (TAVARES, 2007, p. 16).
Seria a loucura da mãe de Johana, portanto, um modo de defen-
der-se (mutilando a genitália e, por conseguinte, as chances de ser
violada) e de impor-se com firmeza ainda que de maneira deforma-
da (com a agulha) diante da opressão masculina potencializada pela
guerra? Seria a loucura, neste caso, uma espécie de compensação
ao poderio masculino? Algo também digno de nota é que Johana, a
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– Vais casar com uma esquizofrénica? que bom! – era a própria que
falava assim para Theodor.
Theodor não parava de lhe tentar mostrar que ela não tinha razão.
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Apesar da crítica à classe médica e de ser dito que Mylia, por ve-
zes, enxergava a alma das pessoas, a loucura não é romantizada na
obra como índice de “autotranscedência” (SONTAG, 1984, p. 24). O
que podemos notar é que a protagonista se refugia num mundo pa-
ralelo no qual, supostamente, enxerga a interioridade daqueles que
o cercam, quando a realidade objetiva é agressiva demais. Observe-
mos um trecho em que, claramente, Mylia é reprimida pela mãe em
relação ao modo como toca nas pessoas
O que a mãe não lhe dizia, mas outros sim, era que ela agarrava nas
coisas como se tivesse excitada, como se agarrasse um homem. Ha-
via, pois, um pudor familiar evidente naquela frase quase técnica:
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mente dividida” (DUARTE JÚNIOR, 1987, p. 48), bem como o que diz
João Francisco Duarte Junior sobre os chamados esquizofrênicos.
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Não o irritava ser considerado competente, mas sim que essa com-
petência fosse confundida com uma certa bondade, sentimento que
desprezava em absoluto. E essa confusão – entre bondade e compe-
tência – começava a corroer a barreira que Lenz havia construído
entre a sua profissão e a sua vida particular na qual a dissolução de
valores morais era nítida. O prazer que sentia em humilhar pros-
titutas, mulheres fracas ou adolescentes, pedintes que lhe batiam
à porta ou a própria mulher, não podia ser mais antagônico com a
aura que alguns familiares de doentes por si operados e salvos lhe
colocavam em volta. (TAVARES, 2008, p. 36).
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que manda: é dessa maneira que o louco avança pelas ruas. [...] O
louco, apesar do seu descontrolo na relação com o mundo, merecia
mais respeito do que todos os outros, pois pelo menos nele conse-
guiam vislumbrar uma espécie de orgulho individual que, se não
o permitia comandar os outros homens, pelo menos permitia-lhe
não lhes obedecer. (TAVARES, 2008, p. 148- 149).
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Nunca havia reparado nele antes. Na verdade não tem nada que o di-
ferencie dos demais. As mesmas roupas coloridas, os mesmos cabelos
enormes, o mesmo ar sujo e drogado. Nunca os vira de perto como
hoje. Da janela do apartamento eles pareciam formar uma única
massa ao mesmo tempo colorida e incolor. (ABREU, 2015, p. 50).
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1. Este título é inspirado na obra de Carl Sagan, O mundo assombrado pelos demô-
nios (1995).
2. Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Pres-
biteriana Mackenzie (UPM), bolsista CNPq.
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3. Sul é composto por um microconto, um conto, uma peça de teatro e dois po-
emas, no entanto, a obra venceu o Prêmio Jabuti 2017 na categoria Contos e
Crônicas e, considerando que o objeto de pesquisa deste trabalho é o conto
“2035”, consideramo-lo como um livro de contos.
4. FREUD, Sigmund. O inquietante. In: Obras completas, volume 14: História de
uma neurose infantil (“O homem dos lobos”), Além do princípio do prazer e
outros textos (1917-1920). Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia
das Letras, 2010.
5. FREUD, Sigmund. O infamiliar [das unheimliche]. Trad.: Ernani Chaves e Pe-
dro Heliodoro Tavares. [Seguido de O homem da Areia, de E.T.A Hoffmann.
Trad.: Romero Freitas.] Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019.
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seja, com temas que foram repelidos, expulsos pela sociedade por
causar horror e asco. Assim, ao reconhecer que a nossa cultura
é delineada por temas abjetos, Stigger percebe neles um polo de
repulsão e atração: aquilo que é expulso é também, inconsciente-
mente, desejado. (FERRAZ, 2020, p. 228)
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[...] e a menina avistou o parque. [...] ele era colorido, vivo, lumi-
noso. Assim que entraram na rua contígua, Constância pôde ver
que o parque era realmente enorme. Não se podia abarcá-lo em
sua totalidade num único golpe de vista. Num de seus extremos
[...] havia muita luz e movimento. Tudo ali brilhava. Um carrossel,
uma pequena montanha-russa, uma roda-gigante, um autocho-
que, um tiro ao alvo e outros brinquedos antigos estavam ligados,
mas vazios. Ao lado, diante de uma série de casinhas coloridas,
com cartazes afixados, dezenas de mesas e cadeiras de metal se
espalhavam pelo parque, também vazias. As árvores haviam sido
podadas, a grama estava baixa, e a rua, varrida. [...] Grupos de ofi-
ciais acordavam homens e mulheres que dormiam nos bancos,
fazendo-os levantar. No centro do parque, meia dúzia de prédios
construídos especialmente para as comemorações chamavam a atenção
pela beleza, pela monumentalidade e pela transparência. Eles eram
completamente envidraçados. Através deles, se viam as árvores.
Eram árvores imensas, de tipos variados, com as copas aparadas e
cheias de flores; (STIGGER, 2016, p. 22-23, grifos nossos)
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Um dos oficiais avisou que logo adiante era o parque. Constância es-
ticou o pescoço para a frente, mas não conseguiu vê-lo. Chicoteou,
então, com força as costas do civil. Chicoteou com tanta vontade
que ele chegou a cair de joelhos no chão. Ela estalou novamente o
chicote e, impaciente, disse-lhe para levantar porque ela queria ver
o parque. O civil tentou apressar o passo, mas caiu novamente de
joelhos. Quando conseguia levantar, patinava no mesmo lugar. O
peso do riquixá, que parecia ter aumentado ao longo do percurso,
não lhe permitia fixar as botas no asfalto. Quanto mais a menina lhe
açoitava as costas, mais ele derrapava. Depois de várias tentativas de
se erguer e continuar caminhando, ele respirou fundo, concentrou-
-se no que fazia e conseguiu firmar os pés no chão, recomeçando a
andar, lentamente. (STIGGER, 2016, p. 22, grifos nossos)
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na altura dos ombros, com uma franjinha que lhe chegava perto dos
olhos” (STIGGER, 2016, p. 25). Tais características descrevem perfei-
tamente a própria escritora quando criança, na foto que compõe a
capa do livro da Editora 34. Nesse sentido, Constância é também Ve-
ronica. Jéssica de Souza Barbosa chama atenção também para o fato
de que o nome Constância “dialoga com o refrão do hino rio-gran-
dense: ‘Mostremos valor, constância, nesta ímpia e injusta guerra’”
(2020, p. 10).
Por fim, apresentamos ainda uma hipótese de interpretação acer-
ca das significações dos componentes que constroem a cena final de
“2035”. Segundo Luvizotto, à época da Revolução Farroupilha, o esta-
do gaúcho era uma “província isolada, onde as comunicações eram
bastante precárias, não havia uma só ponte, e a principal forma de
transporte restringia-se ao cavalo ou às carroças” (2009, p. 60). Não
parece fortuito, então, que o desmembramento de Constância ocor-
ra com o uso de cavalos. Além disso, a autora descreve uma almo-
fada azul de estrelas brancas, sobre a qual recai o tronco da menina
após o despedaçamento. Considerando as motivações e o contexto
da Guerra dos Farrapos, a qual o conto faz referência, em relação à
reivindicação de uma autonomia do estado/província oposta a uma
ideia de nação unificada, e levando em conta que a bandeira do es-
tado do Rio Grande do Sul já possui as cores verde e amarelo, além
da vermelha, pode-se interpretar a almofada como representação do
Brasil, de uma ideia de nação que, não aceitando a superioridade da
“Província de São Pedro”, jamais a terá por completo ou a domina-
rá inteiramente. É, literalmente, “[...] a ruptura como mediadora de
significados” (ARAGÃO, 2012, p. 92).
Apesar do final aterrador de Constância, Stigger não apresenta
consequências, não há o depois: “Como o destaca Bentley, a violên-
cia resulta abstraída, equilibrando-se numa dialética absurda entre
o acontecimento e a nulidade do efeito” (DIAS, 2011, p. 157) dentro
da narrativa. Desse modo, a escritora “[...] força o reconhecimento
do real através do que se mostra pelo fio da estranheza” (ARAGÃO,
2012, p. 93), ou, como definido pela própria autora, sua obra provo-
ca um “questionamento da realidade pela ficção ao mesmo tempo
que [...] questiona a ficção pela irrupção do real nos limites do tex-
to” (STIGGER, 2015, p. 9).
“[...] construída por meio de um tecido de palavras e imagens dila-
cerantes, brutais e assombrosas, que chocam o leitor ao escancarar-lhe
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Referências
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Introdução
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a quem nomeia Mrs. Dalloway, e quem lhe prepara uma festa em ho-
menagem à conquista de um importante prêmio literário.
Apropriação
Virginia Woolf (1882-1941) escreveu em Um teto todo seu que “os livros
continuam uns aos outros, apesar de nosso hábito de julgá-los sepa-
radamente” (WOOLF, 2014, p. 116). The Hours é, de acordo com Julie
Sanders, apropriação da ficção e dos ensaios de Woolf. Sanders (2016,
p. 116) explica que apropriação é um tipo de adaptação que consis-
te em trabalhar com mais de uma obra e acredita que pode tornar a
leitura do texto mais fácil a um novo público, tornando-o mais atual.
Adaptação sinaliza, geralmente, relação informativa com o texto-fon-
te, seja por meio do título ou de outras referências, enquanto apropria-
ção efetua, frequentemente, “a more decisive journey away from the
informing text into a wholly new cultural product and domain, often
through the actions of interpolation and critique as much as throu-
gh the movement from one genre to others” 2 (SANDERS, 2016, p. 35).
Mrs. Dalloway – que, no prelo, recebera o título de “The Hours”
– foi concebido como um protesto: “Neste livro, quase tenho ideias
demais. Quero mostrar vida e morte, sanidade e loucura; quero cri-
ticar o sistema social e mostrá-lo funcionando da maneira mais in-
tensa” (BELL, 1988, p. 383). Também The Hours protesta em favor da-
queles que estão à margem da sociedade, como gays (Sanders, 2016,
p. 150) e mulheres: “Cunningham’s personal sexual politics, as well
as his obvious feminist sympathies, inform this particular appropria-
tion” 3 (Ibidem, p. 147-8).
Em seu manifesto antibélico Três Guinéus, Woolf sugere a criação
de uma “Outsiders’ Society” que compreenderia e asseguraria direi-
tos iguais a todos. Naomi Black classifica este livro como a melhor e
mais clara representação do feminismo de sua autora. “It is about war
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and Mrs. Brown (1924) reflete acerca de novas concepções para a cria-
ção artística em prosa. Conforme Sanders observa, os “ecos” literários
não são restritos ao romance Mrs. Dalloway, porém estendem-se “to
other works in Woolf’s oeuvre as Cunningham produces loving pas-
tiches of her writing style” 5 (SANDERS, 2016, p. 147).
Outrossim, a interrelação com a obra ocorre no nível da forma e
da trama: The Hours imita “conscientemente” a técnica do fluxo de
consciência. (SANDERS, 2016, p. 147). Leila Perrone-Moisés chama
a atenção para a “admirável a habilidade de Cunningham em amar-
rar essas histórias, sem nunca perder de vista a obra de Virginia Wo-
olf” (PERRONE-MOISÉS, 2016, p. 144). E Tory Young defende a rea-
tualização do pensamento crítico da escritora inglesa:
[H]as done more than simply rewrite Woolf ’s novel. He has updated
it (“Mrs. Dalloway”), inserted Woolf, as author and character within
it (“Mrs. Woolf ”), and in the third narrative component embodied
her theories of characterization in modern fiction (“Mrs. Brown”). 7
(YOUNG, 2003, p. 33).
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Doença
Susan Sontag definiu doença como “o lado sombrio da vida, uma es-
pécie de cidadania mais onerosa” (SONTAG, 1984, p. 7). Mrs. Dalloway
é ambientado no pós-guerra e Septimus Smith, acometido por PTSD,
retrata o saldo de quatro anos de batalha. Na história da guerra mo-
derna, jamais combatentes foram tão abalados psiquicamente quan-
to entre os anos de 1914 e 1918: “os soldados se tornaram silenciosos,
ou antes surdos, ou ainda cegos; alguns afetados por tremores contí-
nuos de todo o corpo, outros incapazes de manter a sua posição ver-
tical ou sentada, tendo perdido toda faculdade de andar” (AUDOIN-
-ROUZEAU, 2013, p. 508).
Wendy Holden explica que, à época da Primeira Guerra Mundial,
embora um aviso histórico denunciasse o que estava por vir, houve
pouca preocupação genuína. “It was widely felt that there was no need
to worry about such an unpalatable issue during peacetime, especially
when the proportion of early psychological casualties had been so
small compared to that of the wounded or physically sick”8 (HOLDEN,
2001, p. 10). Os primeiros casos de homens sofrendo de algum tipo de
colapso mental começaram a chegar à Grã-Bretanha logo no segundo
mês de guerra. “The symptoms were wildly diverse, from total paraly-
sis and blindness to loss of speech, vivid nightmares, hallucinations
and memory loss. Some patients declined eventually into schizophre-
nia, chronic depression and even suicide” 9 (HOLDEN, 2001, p. 7).
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10. “[P]orém insanos e enviados a asilos para lunáticos sem nenhuma perspecti-
va real de recuperação.” (tradução nossa)
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Considerações finais
11. “O alto comando alemão considerou o shell shock como violação da disciplina
militar e uma indicação de fraca força de vontade.” (tradução nossa)
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Sua arte conteve sempre boa dose de crítica social. Ao conceber Mrs.
Dalloway, primeiro dos mais experimentais de seus romances, ide-
alizou-o inicialmente como um protesto: retratou a sociedade an-
drocêntrica da primeira metade do século XX, abordou doenças – a
exemplo dos transtornos mentais – e condenou os incipientes trata-
mentos psiquiátricos.
Cunningham, cujo primeiro contato com a obra de Woolf se deu
quando ainda era estudante da High School, homenageou-a aproprian-
do-se do enredo e da técnica de Mrs. Dalloway, bem como de outros
textos: ensaio, biografia, diário e correspondência.
Enquanto a narrativa de um livro transcorre sob a reorganização
de uma sociedade após a Grande Guerra, a trama do outro se anco-
ra no adeus: a epidemia da aids, devastadora como uma guerra, cei-
fou milhares de vidas. Richard Brown, que cresceu na companhia do
pai, um veterano da Segunda Guerra Mundial, é poeta que tem como
musa inspiradora a mãe – adorada e desprezada – que o abandonou na
infância. Debilitado pela aids e sob cuidados de uma amiga, a quem
nomeou afetuosamente de Mrs. Dalloway, suicida-se motivado pela
morosidade do tratamento e pela hostilidade social.
The Hours transporta Virginia Woolf para a contemporaneidade e
ratifica a afirmação de Ítalo Calvino (1993) de que um clássico é “um
livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer”.
Cunningham homenageia o legado woolfiano ao atualizar muitas
de suas questões: construção da identidade feminina em detrimento
de papéis sociais, rejeição à heterossexualidade compulsória, união
homoafetiva e ocupações para mulheres na academia e no merca-
do de trabalho. Também atualiza os estigmas e a incipiência médica
relacionados à doença como metáfora de uma época, cujos precon-
ceitos se espalham em velocidade superior às tentativas de elucidar
a enfermidade e encontrar a cura.
Referências
DIÁLOGOS TRANSDISCIPLINARES
229
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WOOLF, Virginia. Mrs. Dalloway. Trad. Mário Quintana. Rio de Janei-
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Introdução
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Considerações finais
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Referências
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Mariana Oliveira 1
Introduction
Recorded both in religion and literature in all shapes, colors and siz-
es, the figure of the monster is a staple of our social imaginary. A
complex cultural phenomenon, however, the monster, as a social
construct, as a literary device, is never fully captured by one culture,
one period, or even one purpose. Ranging from dragons to vampires
to aliens, the monstrous figures in all cultures, appearing and reap-
pearing across history, as what Cohen (1996, p. 4) calls “an embodi-
ment of a certain cultural moment”. They are, after all, cultural prod-
ucts and, in that sense, they reflect the particular set of beliefs and
anxieties not only of the cultures that created them, but of the many
that reinvented them throughout history. As such, an investigation of
what constitutes the monster in a given context is an effective meth-
od of cultural analysis of the society it emerged (or reemerged) from.
Before it lends itself to historical analysis, however, the figure of
the monster serves different, more foundational purposes. More than
a cultural index to be read centuries later, each monstrous iteration
makes a synchronous but lasting impact on the society it stems from,
shaping their point of view and their very reality, from its position
deep within the psyche of the people. Much like the dual response
of fascination and fear it evokes, its dubious social role encompass-
es two conflicting and complementary results: the maintenance of
socio-cultural norms and their simultaneous disruption. By incor-
porating in and exaggerating through their monstrous bodies those
physical traits – the marks of sexual or racial difference, for exam-
ple, or some morphological deformity – and behavior that do not fit
the standard but exclusionary conceptualization of the human, the
monster clearly illustrates what is socially acceptable and what is con-
demned. On the other hand, it is precisely in their embodiment of
DIÁLOGOS TRANSDISCIPLINARES
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Monsters, then, are deeply disturbing; neither good nor evil, inside
nor outside, not self or other. On the contrary, they are always
liminal, refusing to stay in place, transgressive and transformative.
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They disrupt both internal and external order, and overturn the
distinctions that set out the limits of the human subject. (SHIL-
DRICK, 2002, p. 4).
The monster then not only warns but reveals: through its seem-
ingly incongruous constitution and behavior, it exposes the short-
comings of socio-cultural norms. More than that, it shows us where
to go from there. Drawing from Derrida’s conception of a ‘monstrous
arrivant’ and Donna Harraway’s ‘cyborg’ as the herald of a new ethi-
cal position that incorporates alterity and embraces the flexibiliza-
tion of ontological categories, Shildrick postulates the conception of
the monster
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Two of the main sources to Malory’s Morte DArthur were the French
vulgate and post-vulgate cycles, from which he drew many of the ep-
isodes found in the twenty-one books that comprise his opus. Nev-
ertheless, as Dorsey Armstrong defends in Gender and Chivalry in the
Chivalric Community in Malory’s Morte d’Arthur (2003), significant al-
terations were made, especially where gender dynamics are con-
cerned. That significance becomes clear when we contrast Morgan’s
depiction in the Lancelot Proper with Malory’s. Unlike her introduc-
tion in the vulgate romance, the first mention of her in Morte DAr-
thur is fairly innocuous: “And the third sister Morgan le Fay was put
to school in a nunnery, and there she learned so much that she be-
came a great clerk of necromancy. And after she was wedded to King
Uriens of the land of Gore, that was Sir Ewain le Blanchemain’s father”
(MALORY, 1999, p. 4). As a highborn lady, she is said to have received
an appropriate education and then to have been given away in mar-
riage to secure political alliances, as was the custom. Whereas in the
vulgate she is immediately associated with danger and subversion,
then, in Malory she initially demonstrates the normative conduct and
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248
Then she called unto her a maiden of her counsel, and said, Go
fetch me my lord’s sword, for I saw never better time to slay him
than now. […] Anon the damosel brought Morgan the sword with
quaking hands, and she lightly took the sword, and pulled it out,
and went boldly unto the bed’s side and awaited how and where
she might slay him best. (MALORY, 1999, p. 122).
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Book VI. Moreover, her actions are not always that of a heartless vil-
lain, despite what her reputation as “as false a sorceress and witch
as then was living” and “an enemy to all true lovers” would suggest
(MALORY, 1999, p. 336), as evidenced by her reaction to the death of
Accolon after her failed assassination plot: “But when Queen Mor-
gan wist that Accolon was dead, she was so sorrowful that near her
heart to-brast” (MALORY, 1999, p. 123). The most significant of her
demonstrations of tender affection and positive emotion, however,
is given at the end, when Arthur is dying, and she is to escort him to
the idyllic island of Avalon:
[…] there received him three queens with great mourning; and so
they sat them down, and in one of their laps King Arthur laid his
head. And then that queen said: Ah, dear brother, why have ye
tarried so long from me? alas, this wound on your head hath caught
over-much cold. (MALORY, 1999, p. 924).
While in the vulgate she is also among those that escort him, there
are no overt displays of affection or sympathy, no conversation be-
tween the reunited siblings, just the perfunctory statement of her
presence in the occasion. It is not as sudden and unexpected as in
Morte DArthur either, since an amiable interaction between the two
had already taken place in the third romance in the cycle, when she
revealed to him the nature of Lancelot and Guenevere’s relationship.
Compounded with her pleasant appearance and her previous expres-
sions of love, this final act of nurture towards a man she supposedly
“most hateth” (MALORY, 1999, p. 118) lend a previously unseen am-
biguity to her character, especially considering the lack of any justifi-
cation for such hatred or later change of opinion. It remains unclear
whether she is meant to be perceived as a threat or a relatable char-
acter, such that it can be argued that this depiction of her is not as
effective a warning against non-normative behavior as the vulgate’s.
That same ambiguity, however, is the defining trait of Shildrick’s mon-
strous arrivant, “those undecidable and fluid forms of embodiment
that mark out the monstrous” (SHILDRICK, 2002, p. 132). By disre-
garding the established separation between female and male behav-
ior and attacking male figures of authority, Malory’s Morgan not only
questions the validity of a binary conception of gender based on bio-
logical determinism but also challenges the patriarchic structure un-
derlying it, embodied by her own brother.
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Conclusion
Both the monstrous and the character of Morgan le Fay are ev-
er-changing complex literary and cultural phenomena, carrying dif-
ferent implications depending on the context in which they appear.
They are also intricately connected through their claim to the figure
of the witch: the inscription of the monstrous into the female body,
realized in Morgan’s character. As such, both the normative function
of Cohen’s monster of prohibition and the transformative disruption
of Shildrick’s monstrous arrivant can be observed in her development
from the French vulgate cycle to Malory’s Morte DArthur, the promi-
nence of each varying from one text to the other.
In the vulgate, Morgan is essentially the monster of prohibition.
Embodying the medieval conception of women as naturally prone
to evil and sin through her monstrous body and sexual voracity, she
acts in accordance with the expected behavior of women if left un-
checked by male authority, without ever going beyond the established
social and literary boundaries of her sex, both warning against devi-
ance and justifying the imposition of gendered norms of behavior.
In the Morte DArthur, on the other hand, she is the monstrous ar-
rivant. Crossing over the established boundaries that separate female
and male behavior in her attack of male figures of authority and the
very institution that authorizes them, she demonstrates the inher-
ent fragility of such gender categories and embodies the fluidity de-
fended by Shildrick as the key to a new relational economy founded
on alterity and inclusion.
From this brief analysis, then, it becomes clear that the monstrous
in Morgan’s character not only lends itself to transhistorical and trans-
national analysis but offers an effective reading key through which
gender dynamics can be read in medieval literature and culture. As
such, a further investigation of the intricacies of her development
could prove fruitful both for monster theory and Arthurian studies.
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References
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Uma produção, canto, dança, anedota, conto, que possa ser localiza-
do no tempo, será um documento literário, um índice de atividade
intelectual. Para que seja folclórica é preciso uma certa indecisão
cronológica, um espaço que dificulte a fixação no tempo [...] Natu-
ral é que uma produção que se popularizou seja folclórica quando
se torne anônima, antiga, resistindo ao esquecimento e sempre
citada [...] O folclórico decorre da memória coletiva, indistinta e
contínua (CASCUDO, 2006, p. 22–23).
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Quadro 1
Resultado da primeira filtragem
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Quadro 2
Resultado da segunda filtragem
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Quadro 3
Resultado da filtragem final
O Boitatá
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exibe a sua cabeça como prêmio de caça e prova do feito que julgou
extraordinário:
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O corpo-seco
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Mais que uma alma penada, é uma alma penada que nem do corpo
se livrou. Pior do que a morte, ele é a falência de toda esperança.
O Corpo-seco pode ser encontrado em qualquer lugar, geralmente
pela noite. Não persegue ninguém, ele só passa, vem do nada e vai
para lugar nenhum. (CORSO, 2004, p. 71).
era um homem, bem podia estar nu, porque não se via semelhança
de tecido sobre ele, mas o torso ressecado e escuro como carne de
sol, os braços e as pernas meros ossos cobertos de pele tostada
e seca [...] começou a caminhar trôpego, vacilante [...] os olhos
eram como olhos de peixe, completos, sem faltar nada a não ser a
expressão (TAVARES, 2014, p. 35).
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A Cuca
No corpus analisado ela surge n’A Bandeira e em Ouro, Fogo & Me-
gabytes, como demonstrado a seguir.
No último livro citado, acompanhamos o encontro de Anderson
com a Cuca em uma ruela suja do centro de São Paulo enquanto ele
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panfleta pela causa ambientalista junto com seus novos amigos da Or-
ganização. O garoto aproxima-se do que julga ser uma mendiga, mas:
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O lobisomem
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a fera, armas de fogo são inúteis, a menos que a bala seja de prata
ou esteja envolvida em cera de vela que já passou por várias missas.
O conto que abre a antologia Sete Monstros Brasileiros se intitula
“A Sétima Filha”, o que por si só já diz bastante sobre o que vamos
encontrar para quem conhece as histórias que o povo conta sobre a
personagem em pauta: provavelmente teremos aqui um lobisomem
mulher, uma subversão da personagem, representada na cultura po-
pular sempre como masculina. A intriga gira em torno de um casal,
Horácio e Maria Dôra, ele um advogado declaradamente cético, ela
uma dona de casa supersticiosa. A história em torno do lobisomem
começa quando o homem incita a esposa a repetir sobre suas origens
em uma roda de conversa:
– Minha mãe teve onze filhos. Quer dizer, ela e meu pai, claro. Eu
sou a sétima.
Ela fez uma longa pausa. Horácio tomava a sopa e a fitava com o
olhar divertido.
– Quando tem sete filhos, o mais velho, ou a mais velha, tem que
ser padrinho ou madrinha do sétimo. Por isso que Bastião é meu
padrinho, além de meu irmão mais velho. [...] Porque senão o
sétimo filho vira lobisomem. (TAVARES, 2014, p. 16).
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O Saci-pererê
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Considerações finais
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Referências
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Esse conto de que hoje publicamos parte foi filho daquela resolução.
– imitada da novela terrível de Balzac – La Peau de Chagrin – possa
a Luva Misteriosa agradar aos leitores brasileiros como La Peau de
Chagrin agradou aos franceses. (INTRODUÇÃO, 1836, p. 44)
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Quisera pintar-vos esse palácio; veríeis que tinha razão esse cam-
ponês para perder seu tempo diante dele; veríeis também que com
razão o viajante lhe fizera aquela pergunta. Mas isso nos levaria
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muito longe, e a história que vos vou contar é interessante, por isso
não percamos tempo. (LUVA, 1836, p. 44)
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Meu sono foi agitado, não via senão túmulos, ossadas suspensas
em cadeias e em patíbulos, que rangiam com as refegas do aqui-
lão, – sonhos espantosos que se sucediam sem interrupção, e que
eu tinha por seguimento das minhas fadigas da véspera e do dia
tempestuoso. (LIVRO, 1836, p. 11)
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com pequenas alterações, por quatro vezes: “– Tens medo minha ami-
ga? A lua está brilhando… oh, os mortos andam depressa. Tens medo
dos mortos minha amiga? – Oh! Meu Deus! Meu Deus! Deixa que os
mortos fiquem em paz” (LENORE, 1836, p. 34–35).
A madrugada vai se dissipando, Willem e seu cavalo parecem ain-
da mais afobados e apressados. Finalmente chegam à nova morada do
casal: o cemitério. Willem se transforma imediatamente em um “es-
queleto tendo na mão uma foice e uma ampulheta” (LENORE, 1836,
p. 35). Seu cavalo “vomita fogo, sopra chamas, e mergulha-se pela
terra dentro e desaparece” (LENORE, 1836, p. 35).
O noivo de Lenore é um esqueleto, os convidados de seu casamen-
to, fantasmas, sua nova morada, o túmulo. O texto termina com uma
moralidade: não se deve blasfemar contra Deus, nem quando toma-
dos do maior desespero.
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Referências
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Introdução
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2. A partir de 2015, a Irish Film Board passou a se chamar Screen Ireland. A mu-
dança partiu do interesse da organização em financiar também projetos para
televisão e streaming. Disponível no link: <https://www.screenireland.ie/>.
Acesso em: 06 set. 2021.
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5. O changeling é uma criança gerada por uma fada que assume o lugar de um
bebê humano sequestrado por fadas.
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Introdução
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O modo fantástico
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Candinho
Burro Policarpo
(Zurra).
Candinho
É Policarpo! “Ocê” “tá” certo meu amigo. “Ocê” “tá” certo. Que o
moço pode até tá namorando a Filó, “podi”. Agora “homi” “qui” é
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“homi” luta até o fim quando ama. É, agradecido meu amigo. “Ocê”
deu um “consei” danado de “bão”, viu?
Mafalda e o cegonho
Mafalda
“Ocê) disse “pra eu” que o bebê vem da cegonha. “Ma” eu nunca
vi cegonha aqui.
Eponina
Mafalda
Pode “inté” “cê”. “Ma” é que “cê” disse que todo “homi” tem o ce-
gonho debaixo das “carças”.
Eponina
Mafalda
Eu “vô” casar “cu” Romeu e vou “tê” “fio”. “Ieu” “vô” “tê” que “apren-
dê” na lida, esse negócio de cegonha e cegonho.
Eponina
Mafalda
Ah, tia, eu quero “vê” muito um retrato da cegonha, que é “pra eu”
“podê” “reconhece” o bicho quando eu “vê”.
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Eponina
Mafalda
“Mai” é grande por “dimai”, tia. Olha que bico “cumprido”! E essas
pernas também há de ser “cumprida”.
Eponina
Pequena não é.
Mafalda
Eponina
Ai que coisa! Eu “sô” uma moça “sorteira”. “Ieu” “num” sei... ocê
tá com muita curiosidade. Pronto, eu já mostrei o cegonho e a
cegonha... pronto!
Mafalda
Ai tia, é porque...
Eponina
Sem “mai, nem “menu”... Agora “tenhu” que “remenda” umas “ropa”
aí “qui” “tá” tudo estragada. Agora chega, “ocê” já sabe tudo.
Mafalda
“Discurpa”!
Eponina
Mafalda
Sim, senhora.
Eponina
o insólito na literatura
312
Mafalda
A visita da fada
Alice
Claudio
Um cachorro!
Alice
Claudio
É tão bonitinho.
DIÁLOGOS TRANSDISCIPLINARES
313
Alice
Claudio
Alice
Porque está encantado. Um dia vira gênio de novo. E fará tudo que
você pedir. O nome dele é Aladim.
Claudio
Alice
Claudio
Alice
Quinzinho
o insólito na literatura
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Mafalda
Cunegundes
Mafalda
Mãe!
Quincas
Quinzinho
Paixão! Tá viva?
Seu Josias
Gente, gente!
Cunegundes
Me dê a mão!
Zé dos Porcos
Cunegundes
Já que é pra “entrá”. “Vamo” entra nessa igreja pra essa porcaria
desse casamento! E vosmecê, saiba Zé dos Porcos, de uma vez por
todas. Que meu nome é Cu- negundes!
DIÁLOGOS TRANSDISCIPLINARES
315
deseja tomar um banho com o dinheiro que ele trouxe para com-
prar a fazenda. O rapaz lhe entrega o dinheiro para ela realizar seu
sonho. Quando a senhora está tomando seu banho, vem um vento
misterioso e leva toda a fortuna embora. Seria coincidência, obra do
acaso ou uma força sobrenatural que levou todo o dinheiro de Seu
Romeu? Ficamos com essa dúvida na cabeça, hesitamos, mas não te-
mos a resposta.
A literatura fantástica projeta enigmas, que não possuem explica-
ção, é o metaempírico nomeado por Filipe Furtado. É uma literatu-
ra que transgride a ordem, que se abre como uma luz refratada por
um cristal, nos mostrando as diversas cores que estão além do real
(GAMA-KHALIL, 2013).
Seu Osório
Dona Camélia
Seu Osório
Ah, Jerusa. Como é que eu vou viver sem você? Como eu já disse,
o amor é para sempre. (Olhando a aliança). Eu quero te encontrar.
Dona Camélia
Jerusa
Eu te amo, Osório.
Osório
o insólito na literatura
316
Considerações finais
DIÁLOGOS TRANSDISCIPLINARES
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Referências
o insólito na literatura
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9 786584 571754
O insólito na literatura