A Atuação Das Equipes de Saúde Da Família Com As Pessoas Com Transtornos Mentais
A Atuação Das Equipes de Saúde Da Família Com As Pessoas Com Transtornos Mentais
A Atuação Das Equipes de Saúde Da Família Com As Pessoas Com Transtornos Mentais
Belo Horizonte
2019
Carlos de Sousa Filho
Belo Horizonte
2019
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
___________________________________________________________________________
Prof. Dr. João Leite Ferreira Neto (Orientador)
___________________________________________________________________________
Profa. Dra. Nara Pratta (Banca examinadora PUC Minas)
___________________________________________________________________________
Profa. Dra. Celina Maria Modena (Banca examinadora Fiocruz)
Em meu percurso desde a graduação trilhei alguns caminhos, mestrado e trabalho, nos
quais ambos se complementaram e nestes pude contar com muitas pessoas. Essas pessoas me
auxiliaram em meu crescimento profissional, acadêmico, científico e laboral. Desta maneira
gostaria de agradecê-las, pois contribuíram sobremaneira com esta pesquisa.
A Deus por me dar condição de galgar esta possibilidade de minha existência que é a
extensão de um sonho, que era a graduação em Psicologia e se expandiu. De existir esse bolsa
assistencial que me ajudou a custear essa pós-graduação. Em ter me dado paz para conciliar o
trabalho e o curso. E ter provido resiliência para ser capaz de continuar minha pesquisa e
cuidar de minha família, mesmo após o falecimento de minha irmã no ano passado decorrida
minha qualificação.
A Bernadete de Lourdes Carvalho e Sousa (mãe) e a Carlos de Sousa (pai), os quais
me acompanharam e me apoiaram em todos os momentos, me dando condições oras
financeiras, oras afetivas e assim formaram uma constante sustentação em minha vida.
Ao Prof. Dr. João Leite Ferreira Neto que me aceitou como seu orientando e me guiou
por este processo de aprendizado com grande maestria. Suas orientações possibilitaram o meu
desenvolvimento e construção enquanto pesquisador, apresentando novos caminhos e
instigando um processo crítico sobre o conhecimento acadêmico. Com seu conhecimento em
minha área de interesse da pesquisa pode mostrar diferentes literaturas, formas de pesquisar e
desenvolver um conhecimento. Ainda demonstrou grande prontidão recomendando textos e
respondendo os e-mails inclusive nos feriados. Apenas gostaria de ter mais oportunidade de
aprender ainda mais com o esse pesquisador, visto que forma apenas 2 anos de contato. Desta
maneira, agradeço imensamente o seu apoio na minha trajetória profissional, bem como na
realização deste sonho de ser mestre.
A Profa. Dra. Nara Pratta por ter me oferecido oportunidades e influenciado em meu
interesse em Saúde Mental na Graduação. E sua grande disponibilidade para me ajudar com
literaturas, orientações profissionais e oportunizar a exposição de minha experiência
acadêmica e profissional na Graduação de Psicologia. A ter aceitado participar de minha
banca e ao carinho demonstrado.
A Profa. Dra. Celina Maria Modena por ter aceitado participar de minha banca de
Mestrado e contribuído com muitas considerações acerca do que pode-se acrescentar em
minha pesquisa. Por ter feito sugestões que podem culminar em novos estudos e ao seu
carinho em cada ponderação.
Aos participantes que aceitaram contribuir com as entrevistas e assentiram com o
acompanhamento das reuniões. Por sua colaboração, que possibilitou o desenvolvimento
desta pesquisa.
Ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu de Psicologia da PUC Minas e a
coordenadora do programa Profa. Dra. Luciana Kind do Nascimento, que viabilizaram o
desenvolvimento deste curso em Poços de Caldas. Ao cuidado com os alunos, atendendo às
nossas necessidades e tentando nos incluir da melhor forma possível. E a concessão da bolsa
que possibilitou minha entrada e crescimento no decorrer da vivência do Mestrado.
Ao Cristiano de Jesus Andrade que me acompanhou na expectativa de iniciar o
Mestrado, trazendo tranquilidade, esperança e ajudando a ponderar as tensões durante o
percurso da pós-graduação. A sua parceria e amizade na discussão sobre o trabalho e na vida
de modo geral.
A Stela Maris Baldon que me apoio na entrada para o mestrado flexibilizando meu
horário de trabalho para que fosse possível assistir as aulas. Ao estímulo quando me colocava
para realizar palestras pela cidade, bem como na viabilização do contato com outros gestores
que permitiram e facilitaram o acesso ao participantes desta pesquisa.
A Profa. Dra. Roberta Carvalho Romagnoli que em sua visita em Poços de Caldas em
setembro de 2016 disse que poderia tentar participar do processo de mestrado com o tema que
desejava. Às suas aulas que buscavam incluir os alunos de Poços de Caldas nas discussões e a
sua didática que fomentou o nosso interesse nas disciplinas, bem como seu carinho para com
os alunos.
[...] no meio do mundo sereno da doença mental, o homem moderno não se
comunica mais com o louco; há, de um lado, o homem de razão que delega para a
loucura o médico, não autorizando, assim, relacionamento senão através da
universalidade abstrata da doença; há, de outro lado, o homem de loucura que não se
comunica com o outro senão pelo intermediário de uma razão igualmente abstrata,
que é ordem, coação física e moral, pressão anônima do grupo, exigência de
conformidade. (Foucault, 2006, p.154).
RESUMO
A partir das políticas do Sistema Único de Saúde, que têm como princípios a universalidade, a
integralidade, a equidade e a descentralização dos serviços, as Unidades de Saúde da Família
(USF) têm o papel de oferecer atenção em nível básico à população, sendo a elas incluídas as
pessoas com transtornos mentais. Devido a essa incumbência de oferecer cuidado a indivíduos
diagnosticados com transtornos mentais em sua atuação cotidiana, este estudo buscou
conhecer a atuação das equipes de saúde da família junto aos utentes com transtornos mentais
severos e persistentes, tendo como base o apoio matricial. A pesquisa pode ser caracterizada
como de campo, de caráter qualitativo e descritivo. Para tanto, foram entrevistados quatro
profissionais de uma USF urbana e quatro de uma USF rural, utilizando amostragem por
contraste e realizando uma triangulação metodológica com seis reuniões acompanhadas nas
duas unidades. As entrevistas foram gravadas, as reuniões registradas em diário de campo e
ambas posteriormente transcritas. Para a análise de dados foi utilizada a análise de conteúdo
com os dados das entrevistas. Da atuação das EqSF identificaram-se: alguns elementos do
trabalho com pessoas com transtornos mentais, como o medo e uma tentativa de dar sentido
aos utentes; o manejo com a clientela, que é demonstrado por intermédio das demandas, da
dificuldade em lidar com a família, dos procedimentos e do modo como alguns dos
participantes compreendem a complexidade da Atenção Básica; e a percepção dos
entrevistados sobre as reuniões de matriciamento, das quais emergiram dados sobre a
graduação, pós-graduação, capacitações e a educação permanente de modo geral. Foram
contrastados os dados de ambas as unidades, dos quais emergiram diferenças de ambos os
contextos, como acessos dificultados aos serviços da rede para a população rural, bem como
para as equipes por meio da falta de apoio matricial. Nesse sentido, estabeleceram-se
associações entre as informações das entrevistas e as reuniões, o que sinalizou uma
necessidade da realização de maior enfoque na educação permanente. Em suma, esta pesquisa
foi ao encontro dos objetivos, viabilizando conhecer a atuação dos participantes, assim como
de perceber a necessidade de novos estudos que ampliem o conhecimento sobre o trabalho das
equipes de saúde da família com pessoas diagnosticadas com transtornos mentais.
Based on the polities of the Unified Health System, whose principles are universality,
completeness, equality and decentralization of services, the Family Health Units (FHU) have
the role of providing basic attention to the population, including people with mental disorders.
Due to this task of providing care to individuals diagnosed with mental disorders in their daily
activities, this study sought to know the performance of family health teams with users with
severe and persistent mental disorders, based on matrix support. The research can be
characterized as field, qualitative and descriptive. For that, four professionals from one urban
FHU and four from a rural FHU were interviewed using contrast sampling and performing a
methodological triangulation with six meetings followed in the two units. The interviews
were recorded, the meetings were registered in field diary and both transcribed later. For data
analysis it was used the content analysis with the data by the interview. From the performance
of the EqSF, we identified: some elements of working with people with mental disorders,
such as fear and an attempt to make sense to users; the management with the clientele, which
is demonstrated through the demands, the difficulty in dealing with the family, the procedures
and the way in which some of the participants understand the complexity of the Primary Care;
and the interviewees' perceptions about the matricity meetings, from which data on
graduation, post-graduation, training and permanent education emerged in general. The data
from both units were associated, from which differences emerged in both contexts, such as
difficult access to the net services for the rural population, as well as to the teams through the
lack of matrix support. In this sense, the information from interviews and meetings were
associated, which signaled a need for greater focus on permanent education. In short, this
research met the objectives, making it possible to know the performance of the participants, as
well as to perceive the need for new studies that increase the knowledge about the work of the
family health teams with people diagnosed with mental disorders.
Quadro 1- Descrição dos participantes entrevistados das USF Urbana e USF Rural 55
Quadro 2 - A formação dos participantes 80
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 16
3 METODOLOGIA................................................................................................................ 47
4 RESULTADOS .................................................................................................................... 55
5 DISCUSSÃO ........................................................................................................................ 91
1 INTRODUÇÃO
A temática da saúde mental na Atenção Básica tem sido objeto de algumas pesquisas,
em vista das políticas de saúde mental instauradas pela Reforma Psiquiátrica, que reconhecem
o tratamento do cidadão com transtorno mental severo e persistente em sua própria
comunidade, como um movimento de desospitalização. (Amaral, Torrenté, Torrenté, &
Moreira, 2018; Büchele, Laurindo, Borges, & Coelho, 2006; Correia, Bastos, & Colvero,
2011; Cury & Galera, 2006; Lucchese, Oliveira, Conciani, & Marcon, 2009; Nunes, Jucá, &
Valentin, 2007; Pegoraro, Cassimiro, & Leão, 2014; Reis, Brito, Moreira, & Aguiar, 2013).
Da mesma maneira, essa visão se articula com os fundamentos da atenção em saúde previstos
pela Constituição Federal de 1988 que, segundo Nepomuceno e Brandão (2011), preconizam
a universalidade, a integralidade e a equidade e, com a política para a saúde mental, propõem
uma assistência em saúde mais complexa e sistemática.
Sob tal cenário esta pesquisa buscou conhecer a atuação das Equipes de Saúde da
Família com as pessoas diagnosticadas com transtornos mentais severos e persistentes e sua
relação com o matriciamento realizado pelo Núcleo de Apoio à Saúde da Família e do Centro
de Atenção Psicossocial. Para tanto, identificaram-se os sentidos produzidos sobre essa
clientela, foram descritas as ações em relação a esses usuários das unidades de saúde e
conheceu-se o desenvolvimento da educação permanente em saúde mental a partir do
matriciamento.
Esta dissertação explora como os profissionais de saúde da Atenção Básica lidam com
pacientes com transtornos mentais severos e persistentes. Para compreender esse fenômeno no
primeiro nível de assistência em saúde, buscou-se uma aproximação do cenário de construção
do trabalho realizado pelos profissionais das equipes de saúde da família (EqSF). Este
trabalho foi compreendido em relação com a atuação das equipes, sua relação com a clientela
e sua formação e capacitação, sendo visadas também as interações promovidas entre as
equipes na Unidade da Saúde da Família (USF) e no matriciamento junto ao Núcleo de Apoio
à Saúde da Família (NASF) e ao Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). O matriciamento
em saúde mental, no qual alguns casos de pessoas com transtornos mentais puderam ser
discutidos, na tentativa de lançar luz sobre a vivência do sofrimento psíquico,
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psiquiátrico, o qual definia os limites entre o normal e o patológico, assim como limitava os
espaços de participação desses sujeitos, por enfocar na doença. Entretanto com os avanços de
movimentos sociais voltados para a saúde foram se estruturando serviços e equipes
interdisciplinares para a saúde em amplas complexidades, tanto para a saúde de modo geral,
como para a saúde mental.
A partir da consolidação desses mecanismos de saúde foram se organizando uma rede,
ou seja, um entrelaçamento para prover cuidado. Como rede para a clientela de saúde mental
definiu-se, segundo a Portaria Nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011, a Rede de Assistência
Psicossocial – RAPS (Brasil, 2011). Nessa rede constam todos os níveis de complexidade,
sendo evidenciadas as USF e os NASF dos quais espera-se por meio dessa rede uma atuação
de apoio matricial. Apoio por meio do qual os profissionais do NASF venham a oferecer
suporte às USF, entre ações conjuntas no tratamento à população e reuniões para discussão de
casos, em um movimento de educação permanente por intermédio desses estudos de casos.
Nesse sentido, neste estudo, é observado como as ações de parte da RAPS e o
funcionamento do apoio matricial se estruturaram. Aliás, é identificado a partir do que se
parte nas intervenções em saúde mental e como esse conjunto de ideias fundamenta as ações
em saúde. A Atenção Básica como possibilidade de cuidado no próprio território e
descentralização da hospitalização se apresenta então por meio da articulação dessa rede em
favor do usuário do serviço que, mesmo encaminhado para outro serviço, não deixa de ser
referenciado pela USF de seu território. Assim o encaminhamento funciona como uma
atenção à necessidade do usuário e não como uma desresponsabilização da equipe pelo sujeito
e pela sua família, requerendo um trabalho conjunto.
Com base em tais dados, que se referem à capacitação de profissionais na área da
saúde para com a problemática da saúde mental, uma vez que também irrompe na Atenção
Básica, bem como a atuação profissional com as pessoas com transtorno mental severo e
persistente, a qual esta pesquisa buscou investigar: Como o trabalho das EqSF com as pessoas
com transtornos mentais severos e persistentes por intermédio do apoio matricial do NASF e
CAPS se apresenta no município de Poços de Caldas? A pesquisa destina-se a investigar o
fenômeno em uma cidade de médio porte, fornecendo informações sobre como essas políticas
estão se organizando em municípios com uma menor população.
Para tanto foi investigado o trabalho de duas EqSF com as pessoas com transtornos
mentais, tendo como base o seu manejo em relação ao atendimento direto aos usuários, os
contornos dados pelos profissionais sobre as especificidades das demandas, às intercorrências,
às percepções que embasam suas atuações e à educação permanente em saúde que afetam
19
Este estudo surge enquanto fenômeno experiencial durante um estágio, o qual foi
realizado em um CAPS II por meio de uma disciplina denominada Estratégias de Atuação do
Psicólogo em Saúde, do 9º Período de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais – Campus Poços de Caldas, ministrada pela professora doutora Nara Pratta.
20
Além de ser um indicativo das atividades em saúde, esta pesquisa viabiliza uma
compreensão de quais são os ideários que sustentam a atuação da equipe de saúde em relação
a uma parcela do público alvo de cuidado, com transtorno mental severo e persistente e o que
poderá ser posteriormente revisto por meio de capacitações e discussões. Essas concepções
podem ser trabalhadas com as equipes de saúde e agregar à atuação de outros profissionais,
tanto da área da saúde de modo geral, quanto os da saúde mental.
Vale ressaltar que as percepções dos participantes são decorrentes de interações que
eles desenvolvem ao longo de sua existência e apresentam uma concepção de um lugar social
que esses indivíduos vivem, assim como são perpassadas por sua educação permanente
composta por formação técnica e discussões entre equipe. Diante disso, a pesquisa possibilita
uma apropriação dessas ideias para desmistificar uma compreensão depreciativa que ainda se
têm sobre o sujeito com transtorno mental, bem como serve de questionamento sobre o que os
profissionais concebem a respeito desse sujeito e de revisão de pressupostos sociais.
Portanto, além desta pesquisa ser uma proposta de compreensão de um fenômeno
social que se mostra a profissionais da saúde, ela também viabiliza expandir a concepção
desses para a sociedade e fomentar discussões sobre a temática. Assim, este trabalho aventou
descrever a atuação das EqSF com as pessoas que têm transtornos mentais severos e
persistentes, como uma forma de avançar ainda mais nas pesquisas sob tais pontos.
Assim, tal pesquisa objetivou conhecer o trabalho das EqSF com usuários com
transtornos mentais severos e persistentes, a partir da relação de apoio do NASF e do CAPS.
Já os objetivos específicos foram: identificar os sentidos atribuídos pelas equipes de saúde às
pessoas com transtornos mentais severos e persistentes, usuárias de unidades da Atenção
Básica; descrever as ações desenvolvidas pelos profissionais de saúde para o tratamento de
indivíduos com transtornos mentais severos e persistentes em consonância com o apoio
matricial; e conhecer o papel da educação permanente em saúde mental dos participantes das
USF para atuação com usuários que têm transtornos mentais severos e persistentes.
No segundo capítulo, são discutidas as Reformas Psiquiátrica e Sanitária e suas
repercussões para a assistência em saúde para a clientela de saúde mental por intermédio de
dispositivos substitutivos dos hospitais psiquiátricos. Além disso, é abordada a Atenção
Básica representada pelas Unidades de Saúde da Família que são portas de entrada para os
serviços de saúde e sua articulação com o Núcleo de Apoio à Saúde da Família, sendo que
esse último apoia inclusive as ações em saúde mental das equipes de saúde da família.
Consoante ao objetivo desta pesquisa são apresentados alguns sentidos atribuídos por
indivíduos com transtornos mentais, por sua família, pela sociedade, bem como pelas EqSF
22
[...] Uma síndrome caracterizada por perturbação clinicamente significativa na cognição, na regulação
emocional ou no comportamento de um indivíduo que reflete uma disfunção nos processos
psicológicos, biológicos ou de desenvolvimento subjacentes ao funcionamento mental. Transtornos
mentais estão frequentemente associados a sofrimento ou incapacidade significativos que afetam
atividades sociais, profissionais ou outras atividades importantes. Uma resposta esperada ou aprovada
culturalmente a um estressor ou perda comum, como a morte de um ente querido, não constitui
transtorno mental. Desvios sociais de comportamento (p. ex., de natureza política, religiosa ou sexual) e
conflitos que são basicamente referentes ao indivíduo e à sociedade não são transtornos mentais a
menos que o desvio ou conflito seja o resultado de uma disfunção no indivíduo, conforme descrito.
(DSM 5, 2014, p. 20).
promoção de mudanças em relação a esse ideário, assim como a criação de novas propostas,
as quais serão tratadas a seguir.
Segundo Batista (2014), a Reforma Psiquiátrica tem seu início no horizonte mundial
devido à irrupção de críticas ao saber da psiquiatria, sob a tese de que era a psiquiatria quem
estaria criando o seu próprio objeto e não tratando de quem realmente teria uma doença, como
ela dizia fazer, e também ao modelo assistencial permeado por maus tratos, atendimento
precário e superlotação.
Na Itália, de acordo com Batista (2014), Franco Basaglia, um psiquiatra, se opunha à
existência dos manicômios e questionava a psiquiatria, por compreendê-los como
discriminatórios e excludentes. Historicamente, o louco era retirado de seu contexto social e
realocado em instituições médicas, como uma forma de gerir o que ele representava em
termos de periculosidade à sociedade, por isso a doença mental era tomada como objeto da
medicina. Basaglia se antepunha a essas práticas. Em 1960 buscou a humanização, nas
práticas no Hospital Psiquiátrico de Gorízia, tendo em vista que eram utilizadas no paciente
“[...] amarras, camisas de força, máscaras, grades (inclusive nas camas), uso indiscriminado
dos eletrochoques; os passeios eram somente permitidos no jardim e contidos” (Junqueira &
Carniel, 2012, p. 15). Além disso, fazia parte da agenda da reforma italiana “um projeto de
desinstitucionalização, desmontagem e desconstrução de saberes/práticas/discursos” que
objetificavam a pessoa em sofrimento mental e tomavam-na apenas por sua faceta da doença
(Amarante, 1995, p. 53). No ano de 1971, Basaglia chegou a Trieste e realizou uma
desmontagem dos serviços manicomiais, viabilizando a construção de outras alternativas de
atuação com as pessoas com transtornos mentais. Foram criados, na cidade de Triste, sete
Centros de Saúde Mental, locais para antigos usuários de hospitais psiquiátricos residirem,
assim como cooperativas de trabalho para esse contingente.
No Brasil, ao final do ano de 1970, teve início o processo de redemocratização do
Brasil, o que começou a montar um quadro favorável à Reforma Psiquiátrica no país (Barroso
& Silva, 2011). Reforma essa que surgiu em resposta a maus tratos, ineficiência do
tratamento, precariedade do trabalho, gastos onerosos com a assistência e privatização da
assistência psiquiátrica. Segundo Amarante (1995), a Reforma Psiquiátrica teve início por
volta dos anos 1978 a 1980 com a crise na Divisão Nacional de Saúde Mental (Dinsam),
26
2.2 A Atenção Básica representada pela figura da USF: interseções entre USF, NASF e a
atenção a saúde mental
Como um componente da RAPS, que segundo o Brasil (2010a) atua a partir das
diretrizes da Atenção Básica e oferece suporte a Estratégia de Saúde da Família, foi criado o
Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) em 2008 pela Portaria GM nº 154. Sua criação
destina-se ao apoio da estratégia e ampliação da Atenção Básica, aprimorando-a por meio dos
pressupostos do SUS. Dessa forma, o NASF realiza um apoio matricial, com intervenções
junto às equipes de saúde da família (EqSF) e usuários, não havendo um contato direto e
diário com usuários, mas com tarefas que se dirigem a apoiar essas equipes. Nesse ínterim,
aparece também uma clientela de saúde mental e para “[...] o melhor manejo da saúde mental
na APS” (Atenção Primária à Saúde) “, propõe-se um trabalho compartilhado de suporte às
equipes de SF por meio do desenvolvimento do apoio matricial em saúde mental pelos
profissionais dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF).” (Brasil, 2010a, p. 36).
Assim, o NASF tem como função por intermédio do apoio matricial ampliar as condições das
EqSF em tratar do sofrimento mental e localizá-las com os fundamentos da rede assistencial
em saúde, viabilizando assim a prevenção, a promoção, o cuidado e a reabilitação às pessoas
com transtornos mentais no horizonte da Atenção Básica.
O NASF teria o papel de, por intermédio do apoio matricial, realizar a educação
permanente junto às unidades de saúde in loco. Diferentemente de outros dispositivos, o
29
NASF não tem como exclusividade oferecer educação permanente apenas sobre a saúde
mental, mas também das demais temáticas mais recorrentes para a EqSF. A partir da
compreensão do território, da clientela e das demandas é que essa educação precisará ocorrer
como uma maior instrumentalização, bem como uma construção de conhecimentos conjuntos,
tendo em vista os saberes locais das especificidades da unidade e dos conhecimentos prévios.
Dessa forma, o NASF como dispositivo em saúde, oferece apoio às equipes a partir de
discussões, suscitando novas questões e problematizando sentidos que terão implicações na
atuação com a clientela. Além disso, ainda sistematiza ações com a EqSF e contribui com o
aprendizado das equipes frequentemente formando um movimento de educação permanente
de ambas as equipes.
Como elemento do apoio matricial vale demarcar a educação permanente que traz a
concepção de educação cotidiana para o SUS, sob a perspectiva de responsabilidade com a
atenção a comunidade (Brasil, 2014). Os profissionais que lidam com o público
cotidianamente vão decidir acerca do acolhimento, escutar os usuários, oferecer cuidado e
tratar da demanda conforme sua complexidade. A educação permanente parte, então do dia a
dia como palco das criações, aceitação de mudanças e de construções de ações colaborativas,
no que tange a assegurar que a clientela seja ouvida, visto a pluralidade da população (Brasil,
2010a; Silva & Duarte, 2015). A Política Nacional de Educação Permanente em Saúde
(PNEPS) refere-se à mudança de serviços na aprendizagem e no desempenho da assistência
em saúde (Brasil, 2014). A partir dessa política, são consideradas as alterações relacionais, em
termos de processos, nas ações e primordialmente nos indivíduos partícipes desse processo.
Já a educação continuada pode ser vista de modo distinto sendo que conforme
Collares, Moysés e Geraldi (1999) haveria uma cisão entre a geração e o manuseio do
conhecimento, como uma separação da prática experiencial, desvalorizando o conhecimento
de quem o produz cotidianamente em sua prática diária em prol de um agente externo que
passaria o seu saber. Essa concepção desconsideraria o saber já existente e partiria de uma
substituição deste por outro mais atual, como se as experiências de trabalho não construíssem
nenhum conhecimento. Os autores ainda questionam a educação continuada, afirmando que
esta seria descontinua, não havendo escuta e uma investigação anterior considerando o que os
participantes demandam. A educação continuada, de modo oposto à educação permanente, é
tida como uma tecnicidade, na qual saberes são reproduzidos, sem uma dimensão de
transformação e reformulação as quais são viabilizadas pelo processo de aprendizagem em
serviço (Brasil, 2014). Ou seja, não haveria uma dimensão dialógica de elaboração conjunta
do processo de conhecimento, tal como na educação permanente.
30
com transtornos mentais (Brasil, 2000). Segundo Büchele, Laurindo, Borges, & Coelho
(2006) uma alternativa para a saúde mental reorganizar a atenção psiquiátrica a partir da
Atenção Básica em saúde, de modo a fortalecer a rede de atenção no que tange a clientela
com transtornos mentais e os níveis de complexidade que estes demandarem. Ainda se torna
possível mediante o enfoque da ESF que funciona nas unidades, promover de acordo com a
inclusão social de seus usuários, tendo em vista que a atuação acontece no próprio território
no qual eles residem. E, mesmo havendo encaminhamentos, os indivíduos continuam sendo
da equipe, pelo tempo que esses residirem no mesmo bairro do serviço de saúde (Correia et
al., 2011; Dantas & Passos, 2018).
Segundo o Brasil (2000), existem diretrizes para implantação dessa estratégia a
concepção de áreas prioritárias, que indica que todos precisam ter acesso igualitário, é
realizado um levantamento da quantidade de habitantes que podem ser atendidos no território
geográfico da ESF. Inclusive, mensura-se a quantidade de agentes comunitários de saúde
(ACS) em relação ao número da Equipe de Saúde da Família e mapeiam-se as áreas e
microáreas para o acompanhamento. Além disso, o programa tem como fundamento
“estabelecimento de vínculos e a criação de laços de compromisso” com a família em seu
território “e de corresponsabilidade entre os profissionais de saúde e a população” (Brasil,
1997, p.7).
A implantação desse programa que ganhou outros contornos e passou a ser
denominado: Estratégia Saúde da Família (ESF) tem como princípio segundo o Brasil (2012)
reorganizar a Atenção Básica a partir do SUS. Para tanto, suas ações são realizadas por uma
equipe multidisciplinar que é integrada por:
e o individual e esse seria reconhecido a partir dessas interações e com isso também estaria
sujeito a mudanças e transformações. E é, portanto, sob esta ótica que as EqSF atuam, se
inserindo nos territórios, nos quais também emergem as demandas em saúde e
consequentemente surgem as problemáticas que deverão ser abordadas pelo matriciamento,
como uma proposta de compreender a dinâmica desse território e elaborar junto às equipes
modos de lidar com a demanda.
Assim, o matriciamento aconteceria então por intermédio do NASF (apoiador
componente da Atenção Básica) e de outros serviços de maior complexidade, assim como de
outros profissionais da saúde que podem se aproximar da realidade apresentada pela EqSF e
acompanharem os usuários pós-alta, como o CAPS. Segundo Chiaverini (2011), o
matriciamento ou apoio matricial seria uma forma de gerar saúde, na qual duas equipes ou
mais a partir de discussões desenvolvem possibilidades de intervenções de cunho pedagógico
e terapêutico. O apoio matricial também pode ser compreendido como “um suporte técnico
especializado que é ofertado a uma equipe interdisciplinar em saúde a fim de ampliar seu
campo de atuação e qualificar suas ações” (Figueiredo & Campos, 2009, p. 130). O
matriciamento se configuraria então, como um suporte de uma equipe multiprofissional
especializada em uma problemática que buscaria construir o conhecimento sobre uma
demanda e vislumbrar novas formas de atuação. E no caso, tal suporte seria destinado às
EqSF que são referências compostas por múltiplos profissionais, com atribuições ligadas ao
cuidado sanitário, longitudinal, bem como de intervenções especializadas feitas
simultaneamente (Chiaverini, 2011). Portanto, são para o desempenho deste trabalho que
equipes como as do NASF e CAPS realizaram o apoio matricial.
Segundo Ferreira Neto (2011) o Programa de Saúde Mental iniciou-se no ano de 1984
em Minas Gerais como uma possibilidade de atender a clientela de saúde mental, o que foi
uma experiência inovadora e referência para ao pais, visto que antes as pessoas com
transtornos mentais tinham mais ofertas de tratamento apenas em serviços de maior
complexidade e não na Atenção Básica. Tomando o município de Belo Horizonte como
campo de análise, o autor discorre sobre diferentes momentos que a saúde mental
experimentou na cidade. Com a implantação do Programa de Saúde Mental, na região de Belo
Horizonte, buscou-se elaborar uma representação sobre o termo biopsicossocial e também
definir o trabalho em equipe. Nesse escopo, suas ações eram: “[...] atendimento a demandas
específicas (doença mental); apoio aos demais programas dos centros de saúde”; “[...] apoio
técnico ao nível primário; articulação com os recursos das comunidades (escolas, creches,
hospitais, associações de bairro); atendimento à criança, e avaliação periódica do Programa.”
34
(Ferreira Neto, 2011, p. 111). Dessa forma foi se delineando um trabalho de saúde mental
aliado à Atenção Básica, o que pôde ser visto posteriormente nas equipes de saúde mental
atuando de forma conjunta como um apoio matricial às equipes de saúde da família.
A partir dessas reconfigurações, nota-se que a equipe da ESF é responsável por
atender a população em nível básico e prestar serviço à, por exemplo, pessoas com transtorno
mental que podem utilizar dessa instituição como porta de entrada para outros serviços, ou
como recurso de tratamento pós-alta de alguma instituição de saúde mental, bem como de
atendimento contínuo em casos que requeiram menor complexidade. Considerando todo o
percurso histórico da loucura e o modo como era vista até ocupar o lugar de transtorno
mental, torna-se explicita a existência de vários sentidos, tanto por quem tem, quanto para as
pessoas que compõem o seu entorno e a própria equipe de saúde que se organiza formando
uma rede de cuidado.
2.3 Concepções sobre as pessoas com transtorno mental severo e persistente: sujeito,
família e sociedade
por inveja do ente, ou de sua família, bem como o ente não ser adepto de uma religião e não
ter fé em um ser superior. Para além disso, foi atribuído sentido de agressividade na ausência
da medicação.
Já no que tange ao sentido das pessoas com transtornos mentais, Pereira (2003)
informa que estariam ligadas concepções de falha pessoal, o que lhe retira a humanidade e
pode fazer referência a um fator hereditário, ou até sobrenatural. Além disso, Câmara e
Pereira (2010) afirmam que o transtorno mental estaria associado ao sofrimento ao longo da
história do indivíduo, como também a conflitos familiares. Nessa primeira perspectiva o
transtorno seria proveniente de mazelas da existência humana, como perdas familiares,
problemas de saúde, relações amorosas conturbadas; tais condições seriam promotoras de
solidão, afastamento, poucas habilidades comportamentais e com isso, de uma demanda em
relação à disponibilidade do outro. De outra forma, a condição psicopatológica se referiria a
conflitos familiares, nos quais ambos não saberiam como lidar com a diferença do outro, o
que para o sujeito seria desagregador, sendo sinalizado inclusive uma necessidade afetiva por
parte do indivíduo com transtorno mental em relação ao familiar.
Na sociedade, conforme Maciel et al. (2011), são correntes os sentidos do indivíduo
com transtorno mental tido como louco, estranho, alguém perigoso, sem bom-senso,
repercutindo na difusão do medo sobre ele e na produção de ações contra esse medo, que
promovem a exclusão social. Medo também presente nos familiares que não sabem como
lidar com seu membro familiar, o que sugere a necessidade de hospitalização, para que tais
sujeitos estejam sob os cuidados de profissionais competentes, ao contrário da família.
Cândido et al. (2012) apresentam significados sociais, tais como, se a pessoa estivesse fora da
realidade, representassem uma anormalidade que dista de considerações éticas socialmente
constituídas e até de doentes mentais, o que parte de uma estigmatização, que tem
proporcionado um distanciamento visto no decorrer da história. Diante desse ideário,
atividades que envolvam a família e a comunidade são de suma relevância para a
compreensão da pessoa com transtorno mental como um cidadão que pode viver em
sociedade.
De outra forma, são atribuídos outros sentidos às pessoas com transtorno mental por
profissionais da saúde. Como exemplo tem-se a pesquisa de Leão e Barros (2008) acerca da
representação sobre as práticas de inclusão social de pessoas com transtorno mental para
profissionais que atuavam em um CAPS da cidade de São Carlos. Um dos participantes
afirma que a crise de um indivíduo com transtorno mental estaria ligada à necessidade dele ser
ouvido e que não havia sido sanada, outros relataram que a ausência de cura, somada à
36
2.4 A Saúde da Família e suas atuações com as pessoas com transtorno mental
Em outra pesquisa realizada por Lucchese et al. (2009) sobre a saúde mental no
Programa de Saúde da Família, foram coletados dados de algumas USF’s havendo a
discriminação de informações entre Profissionais de Nível Superior (médicos generalistas e
enfermeiros) e Profissionais de Nível Médio (técnicos em enfermagem e agentes comunitários
de saúde). Na instituição, fora sinalizada toda a problemática que as pessoas com transtorno
metal evocam, uma dificuldade da equipe em atuar com essa população no nível básico de
atenção em saúde e alguns sentidos atribuídos a essa clientela. Os participantes reconhecem a
grande demanda em saúde mental e caracterizam-na como uma população que requer mais
paciência e tempo do corpo técnico. Simultaneamente, não são formuladas ações de forma
planejada, e a ausência de atenção na própria comunidade é justificada pelos déficits na
formação para tal. Salienta-se inclusive que a percepção de cuidado dos profissionais de nível
médio e superior está mais ligada à medicalização e ao reconhecimento das pessoas com
transtorno mental como uma questão de maior complexidade, para a qual a assistência em
saúde apenas seria adequada quando fosse especializada e não passível à Atenção Básica.
Rosa e Labate (2003), em pesquisa desenvolvida com enfermeiros de um PSF,
apresentam alguns sentidos explicitados por seus entrevistados. Eles acreditavam que a pessoa
diagnosticada com transtorno mental poderia ser reinserida em seu âmbito familiar, havendo a
anuência da família para tal. Além disso, percebem uma dificuldade em lidar tanto com o
indivíduo com transtorno mental, quanto com seus familiares, o que atribui a falta de
conhecimentos que lhes provenha suporte. A partir de tal dificuldade desconsideram que a
própria população com transtornos mentais faça parte da clientela atendida pela USF, pois
partem da concepção de que esses teriam como referência serviços especializados. De
maneira complementar, os enfermeiros do estudo de Leão e Barros (2008) demonstram em
seus sentidos atribuídos às pessoas com transtorno mental uma desconsideração das
possibilidades de ser desses indivíduos, por se aterem a sua instabilidade, não sendo pensadas
e acreditadas ações de inserção social da pessoa com transtorno.
37
35 Unidades Básica de Saúde, com Estratégia de Saúde da Família, sendo 27 na área urbana e
6 na área rural, com 33 Equipes de Saúde da Família cadastradas, 10 equipes de Saúde Bucal e 03
Equipes de Núcleo Apoio a Saúde da Família/NASF; 02 Unidades Básica de Saúde (UBS)
convencionais; 01 Equipe de Consultório na Rua; 01 Programa Materno Infantil; Saúde bucal: 01
Consultório Odontológico na Policlínica Central, 01 Consultório Odontológico no Centro Vila Unidas,
01 Consultório Odontológico no Centro de Referência DST/AIDS,03 Consultórios Odontológicos na
Zona Rural, 03 Consultórios Odontológicos na Regional Sul, 11 Consultórios Odontológicos nas UBS:
São José, Esperança I, Esperança II, Parque Pinheiros, Itamaraty, Country Club, Santa Rosália,
Kennedy I, Kennedy II, Quisisana e Santa Augusta; 03 consultórios odontológicos na Regional Leste.
(Poços de Caldas, 2018a, p.10)
42
Vale ressaltar que uma das equipes é destinada à atuação nas seis USFs rurais e as
demais atuam no perímetro urbano e são matriciadas pelo NASF, o qual realiza o
matriciamento com frequência mensal em cada unidade. Já os serviços especializados para
atenção em saúde mental são um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS II) e um Centro de
Atenção Psicossocial de Álcool e outras drogas (CAPS AD) que são localizados em região
central, bem como leitos para a Atenção Integral em Saúde Mental em um hospital geral
denominado Hospital Santa Lúcia (Poços de Caldas, 2013).
Salienta-se que a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo e da
Floresta foi desenvolvida para assegurar os direitos da população rural, tendo em vista as suas
especificidades territoriais (Brasil, 2013). Tal política ainda reforça a universalidade do SUS,
por intermédio de atividades de integralidade em saúde em defesa desses direitos já apontados
pela Constituição Federal, porém são reafirmados pela política especificamente para a
população rural. Conforme Brasil (2013, p. 9) “a realidade rural brasileira é resultado de sua
história econômica, política e cultural fundada na concentração de terra, de riqueza, uso dos
recursos naturais, escravidão, extermínio de povos indígenas, marginalização de famílias e
mulheres camponesas(...)”. O contexto rural é composto por uma pluralidade de raças, povos,
construções culturais, religiões, modos de produção e tecnologias e diferenças
socioeconômicas. A falta de recursos para a manutenção da subsistência está atrelada a alguns
43
saúde fixos ou móveis e, na ausência desses, essa população precisa se deslocar para a região
urbana, como é observado em pesquisas (Dimenstein et al, 2016; Silva et al., 2016; Torquato
et al., 2016).
A USF da zona urbana está localizada na região leste da cidade e é responsável por
quatro bairros. A população total atendida são 2701 pessoas, contabilizando 912 famílias,
desses 27 são pessoas com transtornos mentais, 15 usuárias de drogas, 27 alcoolistas. Em
relação à situação socioeconômica, vale mencionar que 242 das famílias adstritas são
beneficiárias do Programa Bolsa Família. Há uma grande quantidade de adolescentes, com
baixo número de equipamentos sociais de cultura e lazer. Dentre os bairros encontram-se:
Itamaraty III - onde está sediada a unidade -, Itamaraty V, Chácara Poços de Caldas, e Morada
dos Pássaros.
No bairro Chácara Poços de Caldas, encontra-se a Escola Municipal de ensino
fundamental Dona Vicentina Massa. O Centro de Esportes e Artes Unificado (CEU), com
atividades de cultura, esporte e lazer e o CRAS localizam-se no bairro Itamaraty V. No
Itamaraty III, está sendo construído um Centro de Educação Infantil e tanto nesse bairro
quanto no Itamaraty V a população tem condições financeiras mais fragilizadas, considerando
que são os bairros mais novos da cidade, nos quais há condomínios também novos de
programas governamentais de moradias.
E são os condomínios que comportam a maior parte da população, nos quais residem
aproximadamente cerca de quatro filhos por família e seria onde haveria maior problemática
de consumo de substâncias psicoativas. Já em relação à população em geral, exceto os
condomínios desses dois bairros, pode-se considerar que seria um contingente de pessoas
mais jovens, com até dois filhos por casal jovem. A Morada dos Pássaros conta com muitas
chácaras e não aparece tanto a problemática do uso de drogas. Quanto à empregabilidade
haveria poucas possibilidades de trabalho no território, sendo que boa parte da população se
destinaria para a região central para trabalhar. Das possibilidades de trabalho na região
existem apenas uma fábrica de papel e outra de plástico.
A zona rural é dividida em seis microáreas, sendo essas fazendas: Córrego Dantas,
Lambari, Aparecida, Aleixo, Boa Vista e Souza Lima. Foi destacado pelo enfermeiro que a
Fazenda Souza Lima é o território com condições socioeconômicas mais frágeis, porém a
mesma fazenda e a Boa Vista são as fazendas com maior geração de empregos. Como
atividade trabalhista que provê o sustento em todas as fazendas, destaca-se o cultivo de café,
sendo em proporção menor a pecuária a qual é mais expressiva nas fazendas Souza Lima, Boa
Vista e Aleixo. A fazenda com melhores condições de subsistência é a Córrego D’Antas que é
45
marcada pela presença de uma população formada no processo imigratório italiano, que são
pequenos produtores rurais com atividades ligadas ao café. No mesmo espaço territorial,
encontra-se a empresa Frigonossa, que trabalha com o abate e comercialização de carnes e
emprega os moradores dessa fazenda. No mesmo local, existem casas de aluguel e pessoas
que se aposentaram e vieram da zona urbana para a rural e, vale ressaltar, que é a microárea
mais próxima da zona urbana se comparada às demais é a que mais apresenta pessoas
trabalhando na zona urbana.
Conforme o Plano de Ação em Saúde da Zona Rural de 2018, a população da zona
rural é distribuída de acordo com as famílias atendidas pela unidade, sendo: 129 na Córrego
D’Antas, 131 na Lambari, 102 na Aparecida, 40 na Aleixo, 9 na Boa Vista e 153 na Souza
Lima. Seu representativo em relação às pessoas é: 388 para Córrego D’Antas, 422 para
Lambari, 313 para Aparecida, 136 na Aleixo, 338 na Boa Vista e 476 na fazenda Souza Lima
(Poços de Caldas, 2018b).
Como demanda das famílias atendidas, é sinalizada a solicitação de um médico na
unidade da Fazenda Aparecida e Aleixo ao menos uma vez por semana, o que não é
considerado viável, visto que são as que têm o menor número de utentes, bem como a
quantidade de atendimentos não justifica a alocação de um médico. Assim, quando os
moradores das fazendas Aparecida e Aleixo apresentam uma demanda em saúde, estes
precisam se deslocar para uma das outras USF rurais que contam com a presença de um
médico. Quando ocorrem encaminhamentos, esses são enviados por terceiros ou motoristas
para que o paciente possa fazer um atendimento com especialistas ou exame, exceto os casos
em que o usuário tenha transporte próprio e possa fazer o agendamento na zona urbana. Os
automóveis estão disponíveis para o deslocamento da equipe duas vezes semanais para as
unidades, mas não para as fazendas Aleixo e Aparecida, que tem os veículos disponíveis
apenas uma vez durante a semana.
É notória também a dificuldade de comunicação telefônica, pois as unidades não
contam com telefone funcionando, menos a Fazenda Boa Vista. Nas demais fazendas, em
casos de agendamentos e de urgência, a equipe precisa utilizar seus próprios celulares e
referem que ao tentarem contatar o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) suas
ligações são atendidas em outra cidade. E quando foram disponibilizados celulares
corporativos para a EqSF, a operadora “Oi” não captava sinal nas zonas rurais, assim, eles
foram devolvidos para a Secretaria Municipal de Saúde, perpetuando uma condição de
precariedade do serviço.
46
3 METODOLOGIA
Como tal estudo teve o objetivo de conhecer o trabalho das equipes de saúde que
trabalharam com pessoas diagnosticadas com transtorno mental, tendo como base o apoio
matricial do NASF e CAPS, assim como, as interações com essas equipes foram realizados
acompanhamentos e observações para um maior contato com a problemática. A partir dessa
aproximação com o campo de estudo, a pesquisa foi delineada, assumindo um enfoque
qualitativo, por tratar de discutir uma problemática a partir da concepção dos indivíduos
envolvidos (Sampieri, Collado, & Lucio, 2013). Dessa forma pretendeu-se identificar e
interpretar esse saber presente nas experiências dos participantes narradas para o pesquisador,
sob a perspectiva de poucos participantes. O estudo também é de cunho descritivo, pois
buscaram-se descrever fenômenos, da maneira como ocorreram e apareceram.
Trata-se de uma pesquisa de campo, pois segundo Marconi e Lakatos (2004), almejou-
se encontrar resposta a uma questão e procurou, por meio da observação de fatos e
fenômenos, apreender o modo como esses se mostraram. Diante disso, foram realizadas
seções de observação participante e entrevistas semiestruturadas, concebidas como encontros
entre pessoas, para que o pesquisador obtivesse dados sobre o assunto preterido por
intermédio de um diálogo com atenção aos objetivos da pesquisa.
Enquanto pesquisa qualitativa, sua análise considerará algumas etapas como,
compilação, decomposição, recomposição, interpretação e conclusão (Yin, 2016). A
compilação objetiva construir uma base de informações e diz respeito a uma sistematização
dos dados. Na decomposição os dados são divididos em fragmentos, ou informações mais
concisas, as quais podem receber uma classificação. Nessa etapa são usadas codificações ou
conjuntos de dados para ordenar os fragmentos e vale salientar que a decomposição pode ser
repetida várias vezes no processo de análise. Já na recomposição as informações são
reorganizadas e podem ser representadas graficamente, ou por lista e elencar hierarquias. Para
evitar o viés do pesquisador, ele precisa estabelecer comparações frequentemente, considerar
as situações negativas (incongruências) e realizar o pensamento rival (questionamento crítico
vislumbrando outras possibilidades). Na etapa de interpretação, já devem ter sido formados
arranjos como um modo de recomposição dos dados, interpretação que também possa ser feita
por terceiros de outra forma. Essa quarta etapa será a possibilidade de atribuir significado aos
achados. São atributos da interpretação: a completude que contempla um processo; a justeza
questionando se terceiros encontrariam o mesmo dado; a precisão empírica sob a crítica
acerca da representatividade e coerência da interpretação; o valor agregado, considerando o
48
3.1 Participantes
Groulx (2014), é viabilizar uma comparação, bem como apresentar uma totalidade diversa.
Em conseguinte, não se vislumbra uma quantidade numérica altamente representativa dos
participantes, mas de ter alguns representantes de diferentes grupos. Desse modo, são os
elementos que distinguem esses grupos e reiteram a relevância da “descrição proposta para
cada grupo.” (Poupart et al., 2014, p. 200).
3.2 Instrumentos
justificada pelos profissionais devido à pequena demanda em relação à zona urbana, segundo
o enfermeiro da USF Rural, que ainda relata que já aconteceu um trabalho realizado pela
fisioterapeuta na unidade, mas devido a frequência ser uma vez por mês, não havendo uma
constância maior, essa atividade foi suspensa, pois não supria a necessidade dos usuários.
O acompanhamento dessas reuniões gerou observações, que foram registradas em
diário de campo. O diário de campo foi escolhido enquanto instrumento de registro para
ampliar a compreensão sobre a percepção desses profissionais, como um meio para se ter
acesso a mais elementos da educação permanente dos participantes, de sua formação, por
intermédio da observação e do registro. Nesse aspecto, o diário de campo possibilitou o “[...]
registro dos movimentos, das leituras, dos tempos, espaços e das observações que ocorrem
[...]”, foi então, uma forma de demarcar o contexto no qual os fenômenos se desvelaram ao
olhar do pesquisador/observador, o que viabilizou reflexões durante o estudo. (Oliveira, 2014,
p. 71). Além disso, esse instrumento, segundo Lima, Mioto e Prá (2007), é caracterizado por
ser descritivo e reflexivo, pois inclui a possibilidade de se revisitar os fenômenos via memória
transcrita. Assim, por meio do diário, o pesquisador narrou a experiência desses profissionais
e a partir desse momento o diário de campo foi um “[...] retrato de todo o processo do
desenvolvimento [...]” da pesquisa. (Lima et al., 2007, p. 101).
Esse recurso então também viabilizou a construção de interpretações das informações
obtidas, assim como reflexões acerca dos dados colhidos, procedimentos que estariam em
segundo plano no manuseio do diário de campo (Lima et al., 2007). Segundo Afonso, Silva,
Pontes e Keller (2015), na reflexão buscaram-se apresentar conteúdos sobre o que foi
encontrado em campo, as temáticas evocadas na experiência, os padrões que permearam as
relações, reflexões sobre a aplicabilidade do método e os problemas que o estudo demonstrou.
O diário ainda ampliou a percepção sobre a pesquisa por intermédio da sistematização e o
estabelecimento de comparações entre modos de expressão da experiência que se divergem,
lançando luz e desmistificando os fenômenos observados. Nesse aspecto o delineamento na
análise, as relações entre pesquisador e pesquisado, bem como a interpretação dos relatos
presentes no diário são de suma relevância em estudos que utilizam a observação participante.
Em virtude dos objetivos delineados, aventou-se conhecer a formação dos
participantes para o desenvolvimento de suas concepções sobre a clientela de saúde mental,
incluindo sua formação original e a formação continuada. Para tanto, realizaram-se as
entrevistas e a observação participante como uma triangulação metodológica para obter uma
maior quantidade de dados sob mais de um ponto de vista. Segundo Flick (2009) a
triangulação acontece quando apenas uma abordagem metodológica é insuficiente, sendo
51
assim, mais de uma pode se articular para expandir o desenho da pesquisa. Além disso, o
autor exemplifica o uso de entrevistas e observação participante como uma forma de
triangulação. Desse modo, esse exercício de triangulação metodológica visou ampliar a
compreensão sobre o fenômeno estudado, em contextos diversos, nas entrevistas individuais
com os participantes e nas reuniões em equipe e de matriciamento, oferecendo vários olhares,
assim como, dados para comparação.
puderam ser observadas, além disso, o carro do CAPS II utilizado para o matriciamento foi
apreendido pela falta de pagamento de multas, outro fator que culminou na falta de
matriciamento desde outubro, havendo perspectiva de retorno apenas no ano de 2019, o qual
já apresenta cronograma.
Quanto à coleta de dados, haviam sido planejadas quatro entrevistas com um médico,
um enfermeiro e dois ACS de cada unidade, da zona urbana e da rural, que foram todas
desenvolvidas conforme esquematizado. As observações em reuniões foram planejadas da
seguinte forma: seriam realizadas observações em duas reuniões de equipe da USF Urbana, e
em duas reuniões tanto do NASF, quanto do CAPS II na mesma unidade; seriam
acompanhadas duas reuniões de equipe da USF Rural e duas com o CAPS II nessa unidade.
Entretanto, devido às intercorrências anteriormente mencionadas, apenas foram possíveis as
observações de: duas reuniões da EqSF Urbana, duas com o NASF e uma com o CAPS II na
referida instituição de saúde; já na USF Rural apenas foi observada uma reunião com a
mesma equipe desse serviço de saúde.
Os entraves que inviabilizaram o desenvolvimento de algumas das propostas foram as
mudanças constantes do cronograma das reuniões de matriciamento e de equipe, a dificuldade
de mobilidade para a zona rural e a falta de automóvel para o deslocamento da equipe do
CAPS II para uma reunião de matriciamento. Em relação às reuniões de matriciamento e de
equipe na região rural, os fatores que se antepuseram foram as mudanças constantes de
cronograma para a realização de campanhas, a ausência de combustível para o deslocamento e
a superlotação no automóvel da equipe, somado à ausência de transporte público o que
dificultou a presença do pesquisador na unidade. Já no que diz respeito à equipe urbana,
apenas não foi possível observar uma reunião de matriciamento com o CAPS II, pelo mesmo
motivo da região rural, em virtude dos profissionais do CAPS não disporem de veículo há
alguns meses, devido ao não pagamento de multas. Entretanto, assim como, houve mudanças
constantes de cronograma na zona rural, além da gestora da USF Urbana também reagendar
um dos matriciamentos com o CAPS e dessa forma esse serviço apenas iria realizar o apoio
matricial a partir do ano de 2019.
Após a transcrição das entrevistas dos participantes sobre a temática da atuação acerca
das pessoas com transtorno mental, foi realizada uma análise de dados conforme as técnicas
da Análise de Conteúdo. Inicialmente foi feita uma pré-análise que, segundo Franco (2005),
53
refere-se à própria organização como um primeiro contato com o material, tendo o objetivo de
sistematizar alguns pontos fundamentais para o desenvolvimento de um plano de análise.
Na pré-análise foi feita a leitura flutuante do material, formulação de hipóteses,
referência aos índices e elaboração de indicadores (Franco, 2005). A leitura flutuante foi o
primeiro contato com as narrativas transcritas para conhecer as mensagens e todos os sentidos
elencados nelas. Em seguida, foram escolhidos trechos que eram mais expressivos dentre a
imensidão das narrativas e que foram ao encontro do problema levantado pela pesquisa. Após
essa etapa, aconteceu a formulação de hipóteses, que disseram respeito às afirmações prévias,
que buscaram identificar a partir dos procedimentos de análise. São ideias elaboradas por
meio de um arcabouço teórico que sustenta o estudo e apareceu nos resultados. Entretanto, tal
ideário foi colocado em suspenso até ser confrontado com os dados empíricos coletados.
Como último passo da pré-análise, realizou-se a referência aos índices e a elaboração de
indicadores. O índice referiu-se ao tema presente na mensagem e o indicador à frequência que
esse tema apareceu. Concluída a seleção dos índices, passou-se à elaboração de indicadores
que puderam ser validados quando relacionados a trechos de textos das entrevistas.
Na pré-análise foi realizada uma primeira leitura das entrevistas, sendo selecionados
relatos que se referissem mais à problemática pesquisada. Em seguida, empreendeu-se o
trabalho de elaboração de hipóteses que foram de encontro às afirmações previamente
desenvolvidas a partir da bibliografia da área, que foi contrastado com as informações
identificadas pela pesquisa. E as mensagens extraídas desses trechos tiveram sua pertinência
comparada na frequência em que apareceram nas entrevistas, sendo elaborados indicadores.
Quanto à pré-análise do diário de campo das reuniões, ela também passou por uma
leitura flutuante, por meio da qual foram encontrados os trechos com maior expressividade
em relação ao tema do estudo, que se articularam com a pré-análise das entrevistas (Franco,
2005). Da mesma maneira, foi realizada uma construção de hipóteses baseada na literatura,
corroborando-a em certos pontos, bem como apontando outras possibilidades. Por fim, foram
desenvolvidos indicadores.
A próxima fase da análise de conteúdo, de acordo com Franco (2005), foi a construção
de categorias para a análise. Essa categorização consistiu em um processo de classificação de
dados que compôs uma unidade a partir de uma distinção dos sentidos mais expressivos e um
posterior reagrupamento mediante alguns pressupostos. Essas categorias não foram
elaboradas a priori, surgiram das narrativas, demandando um retorno contínuo ao material.
A construção de categorias das entrevistas para a análise foi pautada na classificação
das informações dessas entrevistas formando uma unidade de sentido, sendo diferenciados os
54
3.5 Devolutiva
4 RESULTADOS
Quadro 1- Descrição dos participantes entrevistados das USF Urbana e USF Rural
Durante as cinco reuniões observadas na USF Urbana, sendo duas com NASF, uma
com o CAPS II e uma da equipe, apenas os matriciamentos realizados pelo NASF e pelo
CAPS II continham conteúdos alusivos às pessoas com transtornos mentais severos e
persistentes. Nessas reuniões, surgiram discussões que envolviam tanto transtornos mentais,
como uso nocivo e dependência de substâncias psicoativas, sendo realizadas propostas de
atendimento e educação permanente. Na única reunião com a equipe da USF Rural também
foram identificados informações sobre pessoas com transtornos mentais severos e
persistentes.
Na primeira reunião, foi proposta pelo psicólogo da NASF a implantação de uma horta
comunitária nas dependências da unidade, o que foi avaliado como uma possibilidade de
manter uma rotina para alguns usuários do território, como por exemplo, pessoas
diagnosticadas com esquizofrenia. A possibilidade do desenvolvimento de uma horta
comunitária viabiliza um outro olhar para a clientela, uma vez que aproxima esses pacientes
da comunidade geral, visto que toda a comunidade teria acesso à horta e os usuários teriam
um contato maior com a comunidade como um meio de socialização. A horta inclusive se
tornaria um aporte a condições socioeconômicas mais frágeis dos usuários, como uma forma
de alimento, bem como desempenharia um importante papel terapêutico. Na pesquisa de Dias
(2011), há um relato da existência de uma horta como meio de geração de renda e
possibilidade de favorecer a uma condição ativa do sujeito na sociedade através da produção
pelo trabalho. Cardoso (2002) levantou a demanda de organizar uma horta comunitária, que
resgatava a história dos usuários, em virtude de muitos terem a zona rural como seu âmbito
laboral, agregando uma função terapêutica e o oferecimento de acesso a uma alimentação
mais nutritiva para a sobrevivência dos usuários.
Na mesma reunião, a nutricionista do NASF arguiu a equipe sobre qual temática
gostariam de abordar para uma educação permanente e a equipe permaneceu em silêncio, não
havendo sugestões. A fisioterapeuta sugeriu tratar de acidente vascular cerebral (AVC),
ansiedade e depressão. As equipes ainda discutiram seis casos envolvendo AVC, síndrome do
pânico, uso de substâncias psicoativas associadas a transtorno mental e usuários que
apresentavam alucinações e delírios. Os casos eram trazidos para discussão inicialmente pela
57
técnica em enfermagem e era solicitado aos ACS, responsáveis pelo território de cada família
abordada, que expusessem o contexto e a atual realidade dos pacientes. Em todos os casos, os
transtornos mentais apareceram, inclusive no do usuário que sofrera AVC, que era cuidado
por uma pessoa com síndrome do pânico. Dos seis uma adolescente com transtorno alimentar
já era atendida pelo psicólogo na unidade o que foi reiterado pela técnica em enfermagem,
outra adolescente grávida era usuária de substâncias psicoativas e tanto a ACS responsável
quanto a técnica em enfermagem desconfiavam de comorbidade psiquiátrica, outras duas
mulheres adultas tinham transtorno de ansiedade e depressão respectivamente. Em relação à
adolescente usuária de drogas, a fisioterapeuta propôs uma discussão de caso com a rede (com
o Conselho Tutelar e CRAS). O psicólogo programou visitas domiciliares com os agentes
comunitários para as duas mulheres adultas e as ACS discutiram com a equipe do NASF a
importância de intervenções de caráter informativo, tendo como base a família do usuário que
tivera AVC. Tais intervenções teriam o objetivo de orientar, a partir do vínculo com os ACS,
a família dos usuários. As ACS e a técnica em enfermagem apontaram dificuldade em realizar
ações em saúde, visto o interesse político que ora entra em contraste com as diretrizes dos
serviços em saúde. Mediante essa problemática, o psicólogo sugeriu a criação de um relatório
da história do atendimento, com a finalidade de assegurar a ação realizada e resguardar o
profissional. Nessa reunião foi perceptível a ausência de um condutor fixo no matriciamento,
sendo um processo multiprofissional, no qual diferentes profissionais se colocavam e se
articulavam nas discussões. Tal como no estudo de Cirilo Neto e Dimenstein (2017), o apoio
matricial esteve limitado a uma percepção assistencial, na proposta de atendimentos na
própria unidade, em sua maioria discussões sobre os casos de maior complexidade e as visitas
domiciliares em condições bem específicas. Nesse aspecto o matriciamento tem deixado em
plano secundário seu caráter de educação permanente, sua perspectiva educativa, uma vez que
é a que menos aparece. Houve apenas como uma possibilidade oferecida pela nutricionista,
cuja participação foi eximida pelos profissionais da unidade.
Na segunda reunião de matriciamento, estava ausente o psicólogo do NASF e, quando
a fisioterapeuta perguntou à equipe se havia algum caso para discutir, eles disseram que não.
Entretanto, uma ACS da unidade comentou sobre uma usuária que teria dificuldade em aderir
ao tratamento e que sempre que queria algo fazia uma confusão. A técnica em enfermagem,
juntamente com uma ACS tratavam-na como alguém que teria ganhos secundários
beneficiando-se de sua condição. Por fim a enfermeira reiterou que ela teria transtorno
bipolar, o que não foi sistematicamente explorado.
58
contatou a unidade relatando que ela surta (se corta), e também parou de fazer atividades
físicas. Concluem na reunião que L. tem prazer quando se corta; mas, apesar da vergonha, a
genitora procura constantemente a USF. O psicólogo disse que deu entrevista para o Plantão
47 (Programa Televisivo Local), onde discutiu sobre automutilação e sugeriu visita domiciliar
de psicólogo do NASF para casos como esse. A enfermeira e a técnica discutem sobre
atendimento à genitora e visita do psicólogo e da técnica com quem a genitora tem vínculo. A
técnica reitera que seriam cortes superficiais, mas que genitora não deixa filha (L.) falar
diretamente com a técnica. O psicólogo propõe que discutam ações em conjunto com o NASF
sobre o Setembro Amarelo, que o NASF também poderia criar um grupo preventivo com as
pessoas que vão buscar receitas e que podem também tratar das questões sobre suicídio. Neste
momento uma das agentes compara sua história com a dos adolescentes afirmando que
começou a trabalhar desde seus sete anos e nunca apresentou um quadro de sofrimento
psíquico, tal como as adolescentes que tentam suicídio e se mutilam. Outra agente acredita
que seja uma questão de falta de comunicação. É exposto pelo psicólogo que o suicídio é
multicausal, pode envolver a perda de um emprego, separações conjugais e para tais
eventualidades ser uma forma de aliviar o sofrimento. Para tanto o profissional expõe a
necessidade de um trabalho preventivo de ações na unidade com enfoque informativo. O
profissional ainda apresenta dados do Ministério da Saúde sobre o suicídio, os índices no
Brasil e no Mundo. Ainda apresenta sua experiência pessoal como escoteiro, na qual percebia
uma dificuldade na comunicação entre pais e filhos, o que se relaciona com a dificuldade de
diálogo entre familiares vista em sua prática profissional, fator que considerada como risco
para o autoextermínio. Na perspectiva do psicólogo, o autoextermínio seria uma solução para
o desprazer. A agente acrescenta que é de extrema importância o diálogo familiar, e o
psicólogo concluí a reunião dizendo que o adolescente precisa ser escutado e não rotulado.
No matriciamento do CAPS II realizado na USF Urbana, foram apresentados casos de
pessoas com transtornos mentais tanto pela equipe da unidade, quanto pelos profissionais do
CAPS. Em relação à participação da equipe que desenvolve o matriciamento, é notável a
participação do psicólogo como articulador das discussões, perguntando e expondo sobre a
relação familiar com o serviço (Dantas & Passos, 2018). Entretanto, a médica praticamente
não participou da reunião, não discutindo nenhum caso, apenas relatando sobre a sua
percepção a respeito da juventude. Vale ressaltar que houve o predomínio da discussão de
casos clínicos e que em sua maioria apareceu a temática da depressão e do suicídio dentre os
usuários de saúde mental da unidade (Santos, Uchôa-Figueiredo, & Lima, 2017). No que
tange a educação permanente, foi desenvolvida uma discussão sobre o suicídio no qual
60
tentaram identificar com quais fatores a tentativa estaria envolvida, como lidar com a
possibilidade de autoextermínio, se por meio da educação, sendo proposta a criação de um
grupo, e ações no mês de setembro, em virtude de ser nesse mês realizada uma campanha de
prevenção ao suicídio. Houve um pequeno diálogo, com uma pequena problematização,
inclusive com comparação de experiências pessoais e por fim o psicólogo apontou alguns
dados do Ministério da Saúde acerca do suicídio (Brasil, 2017b). Em suma houve um pequeno
movimento de educação permanente, porém não se considerou primordialmente informações
científicas que poderiam ser contrastadas com a história de vida da clientela. Além disso, vale
fazer menção que a enfermeira da USF não estava presente na reunião, sendo que ela poderia
contribuir para o diálogo e a construção de saberes.
Na reunião da EqSF rural, os profissionais empreendem uma discussão sobre a
problemática de álcool e drogas e demais questões de saúde mental e seus encaminhamentos.
Inicialmente é abordada pelo enfermeiro a Fazenda Barreiro, tendo como grande problemática
o uso de álcool e outras drogas, ele solicitou uma palestra sobre a temática na Escola Lúcia
Sacomam Junqueira ao pesquisador, que também é psicólogo do Centro de Atenção
Psicossocial Álcool e outras drogas (CAPS Ad). Já na Fazenda Corrego D’antas, há uma
família com dois filhos acamados, o marido com um câncer na laringe e a filha com
transtorno mental. Acordou-se, em discussão do enfermeiro com a agente comunitária, que
essa daria banho na filha e a levaria na Unidade de Atendimento Integrado (UAI) para tirar
seus documentos. Como a família não gosta de tomar banho, o enfermeiro sugeriu à técnica e
à agente que ensinassem a filha a gostar de tomar banho. Uma técnica salienta que D. da
Fazenda Souza Lima sofre abusos e a direção de sua escola solicita encaminhamento para
ginecologista. Os profissionais das unidades acreditam que ela seria ameaçada e abusada por
pessoas de modo aleatório, por ficar transitando na via de trânsito e entrar em qualquer carro
sem discriminar o risco e sem ter conhecimento de quem lhe oferece carona. Acreditam que
ela não teria crítica o bastante para evitar situações de risco, como um abuso. Além disso, uma
das agentes acredita que ela tenha deficiência intelectual, pois foi recomendado que
frequentasse a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), mas seus pais se
recusaram a levá-la. A técnica refere que a adolescente foi acompanhada pelo Centro de
Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) por dois anos, porém da perspectiva
da profissional esse serviço não resolveu nada. A agente questiona se é abuso ou não, por ela
procurar situações de risco, já o enfermeiro pensa em se resguardarem solicitando avaliação
psiquiátrica e ginecológica. O médico apresenta a possibilidade de oferecerem
anticoncepcional; porém, segundo o enfermeiro, o genitor não aceita que a filha use
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A referida categoria vai ao encontro a um dos objetivos que trata dos sentidos
atribuídos à clientela com transtornos mentais e esses são ressaltados como alguns elementos
presentes no contato das equipes de saúde com os usuários. Assim ela visa demonstrar
algumas significações que foram construídas durante a formação dos profissionais e na sua
experiência prática. São abordadas nas subcategorias algumas percepções que tratavam
especificamente da pessoa com transtorno mental severo e persistente. Em tais subcategorias
são demonstradas as perspectivas de profissionais de ambas as equipes, são elas: O medo do
contato com usuários da Saúde Mental e uma tentativa de dar sentido ao outro. Nas duas serão
vistas alguns modos de entender o indivíduo, a partir de experiências prévias e de construções
sociais, que foram tecidas na construção subjetiva de cada um dos participantes.
Um dos elementos presentes na percepção sobre a clientela referida por dois dos oito
entrevistados foi o medo em lidar com a clientela de saúde mental. Nos depoimentos, há
elementos de experiências traumáticas em atendimentos com pessoas com transtornos
mentais, assim como um receio da equipe em sua atuação. Medo esse, que é associado à
possibilidade de que o usuário, em momento de crise, reaja com agressividade com o
profissional durante uma abordagem técnica, como pode ser observado a seguir:
(...) Na minha percepção, “né” (sic), como médica, como pessoa, a gente tende a ter o medo da pessoa.
Ah, é esquizofrênico, ou tem até outros tipos de transtorno. Mas não sei qual a minha percepção
(pausa). Tipo a gente tem que, pensando na área da Atenção Básica, a gente sempre acolhe a pessoa e
tenta fazer o melhor, “né” (sic), tentar encaminhar para as áreas específicas. Mas são doenças que
sempre causam medo nas outras pessoas, até quando a gente está atendendo paciente. Se tem um
paciente em surto as outras pessoas ficam incomodadas, mas para mim é tudo a mesma coisa. A gente
começa, a gente tem medo de ser agredida, que já aconteceu algumas vezes. (...) Sim. Eu e os meus
colegas (já foram agredidos). (M1)
Ah, sim, é na minha área não tem muito paciente assim com transtornos mentais,
“né” (sic), é. Mas eu fico até apreensiva sim, quando chegar abordar sabe. (ACS1)
O medo presente no discurso das participantes está relacionado a construção desses
indivíduos em relação às suas experiências e transmissão social. Nesse sentido, o medo pode
estar muito ligado à percepção social e comunitária tanto presente na vida anterior ao trabalho
na unidade, quanto da própria experiência profissional. Assim, há uma dificuldade para pensar
para além deste medo, uma vez que, uma ação de agressividade venha a se apresentar por
63
parte de um usuário, como no relato da médica. É certo que a médica apresenta seu sentido
que adveio de sua formação, em um estágio, e essa concepção ainda se mantém, sendo
reproduzida até então. A profissional ainda faz e parte de uma generalização de que os
usuários com transtorno mental severo e persistente ainda causassem medo em toda a
população, como algo comum e que é transmitido intergeracionalmente. Não há um
questionamento em relação a esse contato no estágio, nem se identificou um outro encontro
com a problemática que reiterasse ou questionasse esse ideário. Já a agente comunitária
apresenta o medo que pode ser compreendido tanto como um medo em relação à
possibilidade de ser agredida, como a médica, ou um medo diante do desconhecido, para o
qual ela se sente despreparada sobre como oferecer o cuidado em saúde. Portanto, o medo da
médica demonstra estar muito ligado à sensação de risco à sua integridade física, quanto o
sentimento da agente estaria mais ligado ao modo como esta acredita estar instrumentalizada e
capaz de atuar com um utente de saúde mental, o que não elimina a possibilidade de haver um
pensamento de que poderia ocorrer uma agressão física.
Esse medo presente em metade dos participantes da USF urbana sinaliza que, mesmo
havendo o apoio matricial, certos preconceitos não foram superados por parte dessa equipe.
Assim a educação permanente se faz necessária como um modo de mostrar outras facetas aos
profissionais pelas quais possam ver e se aproximar da clientela, quebrando preconceitos de
experiências anteriores. Esse medo diz de uma construção que não passou por uma elaboração
e requer maior investimento tanto de informação e de experiências que possam ser
apresentadas por outros profissionais por intermédio do matriciamento, mas
fundamentalmente de uma abertura subjetiva dos profissionais para vislumbrar e ir de
encontro a novas possibilidades de práticas em sua atuação.
Nos relatos é perceptível o medo associado ao indivíduo com transtorno mental severo
e persistente, como algo que advém de uma construção subjetiva tanto cultural como
particular. Enquanto construção social, o medo seria perpassado pela concepção de que o
sujeito representaria algum perigo na relação com o outro (Amaral, et al. 2018; Maciel et al.
2011; Pegoraro et al., 2014). O que é expresso no relato da médica “Mas são doenças que
sempre causam medo nas outras pessoas” como uma percepção socialmente constituída e
essa profissional reproduz e reforça esse discurso que associa o indivíduo com transtorno
mental à periculosidade. No fragmento “Se tem um paciente em surto as outras pessoas ficam
incomodadas” a médica apresenta uma concepção sobre um estranhamento que nota em sua
atuação diante do surto, do inesperado e reitera o sentido que atribui à clientela com uma
percepção social, com base em uma impressão e pouca problematização. Já a agente
64
comunitária informa “Ah, sim, é na minha área não tem muito paciente assim com
transtornos mentais, “né” (sic)” e, de maneira oposta à médica, a agente demonstra falar de
um lugar de pouco contato de experiência, o que também pode estar ligado a uma percepção
social. E assim, “Mas eu fico até apreensiva sim, quando chegar abordar sabe” por tal
concepção, bem como provavelmente pela falta de informação, é perceptível um temor em
entrar em contato e atuar com essa população. Para a médica esse sentimento está em seu
fazer conforme a experiência de ter sofrido episódios de agressão em decorrência de um surto
psicótico, fato histórico para ela e que perpassou sua formação. Fato explicitado na fala “A
gente começa, a gente tem medo de ser agredida, que já aconteceu algumas vezes”, que tem
um peso emocional, pois aconteceu mais de uma vez e foi consonante à agressividade
concebida pela a sociedade, proveniente de uma percepção de que a pessoa com transtorno
mental seria alguém agressiva, violenta. Mesmo com sua compreensão sobre o surto enquanto
um momento de crise, sua experiência lhe traz reservas no cuidado com a clientela de saúde
mental. No entanto a questão se tornou uma estigmatização, pois foi significada pela médica
como uma generalização.
De outra forma, existem concepções do sujeito com transtorno como um indivíduo que
destoa em relação ao que lhe é esperado no convívio social, sendo visto como estranho.
Entretanto, esse medo também tem ligação com a relação estabelecida prioritariamente, a
partir de uma medicalização predominante na atuação das EqSF, como prescrições de
medicamentos e orientações em relação a eles, apenas pautada em uma compreensão
orgânica, como se tal fenômeno tivesse apenas que ser medicalizado e essa fosse a primeira
opção para o sujeito (Machado & Pereira, 2013; Pegoraro et al., 2014). Aliás, assim como
para tais profissionais a medicação aparece como principal conduta e esta é considerada da
mesma forma pela população conforme a pesquisa de Bispo Junior e Moreira (2018), como
sendo a primeira possibilidade que o serviço teria a oferecer.
Outro elemento na aproximação com o usuário identificado foi uma tentativa de dar
sentido ao outro, de lidar com o diferente, como isso ressoa na relação e demarca uma
estranheza da parte do profissional. A equipe, ao tentar sinalizar a diferença das pessoas com
transtornos mentais severos e persistentes da clientela geral, descreveu tais indivíduos como
não sendo normais nem estranhos o que pode ser observado nos relatos abaixo:
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É uma das pacientes que eu ultimamente achei que estava muito surtada, mas ela não faz tratamento no
CAPS, não faz tratamento em lugar nenhum, porque ela não quer aderir aos tratamentos. Ela fala que
a vida dela é cuidar do filho, então ela não toma nenhum medicamento. Ela é somente cuidar do filho,
ela não gosta de vir, ela fala que ela não vai. E aí ela de uns dias pra cá, ela ficou muito estranha,
muito estranha. Ela já é estranha, ficou mais estranha ainda. E aí que a gente percebeu que agora não
dá para ficar do jeito que está. Que antes ela era estranha, mas era uma estranha que passava meio
que despercebida. (...) Assim, elas destacam mais, “né” (sic). Elas destacam mais, sim. A gente vê que
tem um problema, “né” (sic). (ACS2)
O físico já fala, eles geralmente têm uma aparência diferente, são mais agitados, é a vida social não é
tão fácil, “né” (sic). (...)Muito parado, tem uns que ficam até com a boca aberta, é falam coisas
repetitivas, geralmente, nos meus casos são assim. (ACS3)
Como indivíduos, aí como eu vou te responder é, assim eles não ficam muito, como se diz na sociedade,
“né” (sic) mais ou menos isso. Eles têm dificuldade infelizmente, porque não é todo mundo que aceita,
tem muita gente que recrimina eles, então é uma situação bem complicada. (ACS4)
estranho, que chama a atenção, destaca-se sob uma perspectiva negativa; de forma
semelhante, a terceira percebe a partir de estereotipias e a quarta como pessoas apartadas do
convívio social. Vale ressaltar que a terceira (ACS3) ainda concebe a pessoa com transtorno
mental como alguém agitada demais, ou que fica parada em demasia, com boca aberta e
falando coisas repetitivas. Tais comportamentos estariam ligados aos transtornos, mas
também podem estar relacionados aos efeitos colaterais de medicações psiquiátricas.
Entretanto, essa tentativa de dar sentido é o que conduz as aproximações, ou até
distanciamentos, avaliações e a atuação em relação ao usuário e possibilitam o entendimento
de como os usuários são vistos a partir de suas capacidades. Muitos desses sentidos embasam
a compreensão sobre a participação social do utente, o que interfere nas propostas de
ampliação desta rede.
O sentido de controle apresentado pelos enfermeiros pode ser observado em “São
pessoas que controladas, muitas delas conseguem dependendo do grau de capacidade lógico
tem, conseguem ter uma vida normal(...)” e “(...) é muito difícil tentar achar um equilíbrio a
enfermidade, manter o controle da enfermidade e a pessoa ter uma vida normal. Nestes o
controle aparece como algo necessário, para haver uma suposta normalidade, normalidade que
requer uma medicação, um procedimento que provenha condições a esse sujeito de ter “uma
vida normal”. Normal que não é sistematizado e pode estar ligado apenas ao controle de
sintomas e fortalecer uma compreensão de que o usuário deve ser tutelado em sua vida, como
se fosse limitado para além de seu momento de crise (Machado & Pereira, 2013). Uma
concepção que desconsidera o sujeito como agente de mudanças e para além de uma condição
psicopatológica.
Além disso, o indivíduo com transtorno mental é reconhecido também pela alcunha de
“estranho” como no relato: “Que antes ela era estranha, mas era uma estranha que passava
meio que despercebida”, essa fala carrega um estereótipo negativo, podendo ser essa
estranheza reconhecida a partir de um juízo moral, como os ACSs do estudo de Moura e Silva
(2015) que associaram a pessoa com transtorno mental a indivíduos que não são bons. Nesse
aspecto, o contato com o “estranho” também pode ser algo que teria aumentado essa
percepção, de que a usuária estaria mais “estranha”, uma vez que há maior proximidade com
sua problemática. Todavia o ser estranho não explica a condição e a maneira que uma pessoa
se apresenta diante da outra, apenas reforça um distanciamento em relação ao outro.
A percepção de que não seriam normais “eles agem de forma diferente do que outro
que não, digamos assim que é normal”, ou seja, há algo que é esperado pela agente e no modo
como esta percebe o usuário não atribui sentido de que seria normal. Essa tentativa de dar
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sentido também é proveniente de uma construção social, para a qual a loucura, ou transtorno
mental estariam ligados à anormalidade, característica que aparta o sujeito de uma identidade
coletiva (Cândido et al., 2012). Essa é uma construção social, que interfere na participação
social dos usuários, como é visto em um dos trechos de duas agentes “são mais agitados, é a
vida social não é tão fácil, “né”” e “não é todo mundo que aceita, tem muita gente que
recrimina eles”.
Além disso, a expressão ser “estranho” e “destacar mais” em si mesmas não lançam
luz sobre a problemática, porém são modos de se referir à outra pessoa que provoca
estranhamento no contato entre duas subjetividades. Essa percepção ainda diz sobre uma
construção a partir das interações que os participantes tiveram com esses indivíduos e de suas
formações em relação à saúde mental. Aliás, esse significado de ser estranho relaciona-se a
uma percepção social, que por sua vez pode estar relacionada ao medo de quem se mostra
diferente nas relações cotidianas (Maciel et al., 2011). Assim, tal sentido aponta a necessidade
de maior investimento na educação permanente em saúde mental, que poderá ser melhor
empregada na identificação e no cuidado da clientela. Essa estranheza por estar ligada ao que
uma das agentes relatou, de que os utentes com transtorno mental severo e persistentes “são
mais agitados” o que se apresenta a ela como diferença e marca o indivíduo. Marca que deixa
de ser um estado, para um modo de ser que afeta o outro, ainda acrescenta que também são
“(...)Muito parados, tem uns que ficam até com a boca aberta, é falam coisas repetitivas”
sentidos esses que podem estar relacionados ao excesso de medicação para conter o que
atribuem como estranheza, que, por exemplo, seria a agitação intensa.
Por aqui a gente tem, esquizofrenia conta “né”(sic). (...) Relacionado a drogas a gente tem um caso,
talvez e tenha uma dificuldade de falar sobre esse assunto, mas a gente tem um paciente do Souza Lima
[Fazenda] (...). Nós temos, pacientes com alto grau, eu não sei se isso não se enquadra, paciente
alcoólatra, a gente tem casos no Córrego Dantas [Fazenda], pacientes alcoólatras e mesmo um
inclusive é esposo de uma funcionária nossa e que tem depressão(...) (E2)
69
Depressão, transtorno afetivo. Mas assim, depressão, ansiedade são os que são mais
rotineiros aqui. Acho que em todos os lugares, não sei. (M1)
Quantidade certinha eu não sei. Assim, eu tenho uma quantidade boa que frequenta o CAPS, uma
quantidade boa. Em quantidade uns 10. A maioria depressão, essa que começou agora a gente ainda
não conseguiu saber direitinho o que é, só que assim, ela não fala coisa com coisa e cada hora “tá”
(sic) de um jeito, não sabe ainda se ela é esquizofrênica, não sabe ainda. Mas eu acho que a maioria é
depressão, a maioria tem depressão. (ACS2)
comunitária sequencialmente: “um inclusive é esposo de uma funcionária nossa e que tem
depressão”; “Mas assim, depressão, ansiedade são os que são mais rotineiros aqui.”; “Mas
eu acho que a maioria é depressão, a maioria tem depressão.”. Tal incidência encontrada por
este estudo esteve presente tanto na USF Urbana quanto na USF Rural, fenômeno que
também aparece em outras pesquisas, nas quais a depressão foi referida entre a população
atendida (Fortes, Villano, & Lopes, 2008; Gonçalves & Kapczinski, 2008). Entretanto vale
notar que nos relatos do médico e da agente comunitária há componentes conflitivos sobre as
suas percepções. O médico expressa “Mas assim, depressão, ansiedade”. Nesse pequeno
fragmento, depressão e ansiedade são tratadas não como transtornos e nem são explorados,
essa fala traz a ideia de que se tratam de sintomas isolados e não apresenta relação com
quadro nosológico. No fragmento do discurso da agente “Mas eu acho que a maioria é
depressão” há o uso da expressão “eu acho” que denota imprecisão, o que pode ser
reconhecido pela falta de conhecimento sobre a problemática, ou inclusive discussão na
unidade sobre essa condição psiquiátrica. Assim, esses discursos apresentam pouca
problematização da morbidade dos usuários e sugerem uma generalização imprecisa a partir
de um estado previamente visto no contato com o utente.
Vale salientar que, mesmo com essa problemática, não houve uma discussão nas
entrevistas sobre tais temas, apenas casos que os tangenciavam. Nesse sentido, o
aparecimento da depressão pode ser associado com a pesquisa de Pereira e Andrade (2017)
que trata da busca dos participantes por conhecimentos sobre transtornos mentais, nesta
destaca-se que era maior a depressão, já os transtornos psicóticos foram os de menor
interesse, e neste estudo se tratam dos mais prevalentes. Dessa forma, percebe-se a
necessidade de discutir mais a respeito de tais demandas, uma vez que essa é uma das maiores
problemáticas em saúde mental para as equipes. Ou seja, percebe-se pouco interesse das
equipes das unidades em buscar conhecimento e discussões sobre esses transtornos mentais
severos e persistentes, assim como, há uma falta de investimento em se tratar dessas questões
nos matriciamentos. Ao mesmo tempo, os usuários são concebidos como tendo transtornos
sem uma maior sistematização e para tal seria necessária uma construção conjunta sobre as
temáticas de saúde mental junto ao apoio matricial. Segundo Pereira e Andrade (2017) pode
até haver um interesse sobre as temáticas, mas é necessário existir um investimento pessoal e
institucional para um maior cuidado no manejo em relação ao usuário. Interesse e
investimento dos profissionais e da instituição que pouco aparece nas entrevistas e que por
sua vez pode repercutir no manejo com a população.
71
A gente sempre faz uma primeira consulta, “né” (sic). (...) Uma anamnese completa pra gente, a gente
não diagnostica na primeira vez, a gente vai fazendo todo um acompanhamento de uns 3 a 6 meses, pra
poder ter alguma noção do diagnóstico que não pode fazer de primeiro. (M1)
Então, assim, em primeiro momento é tentar diagnosticar o mais rápido possível e tentar. Eu já começo
tratando, entendeu. Alguns casos, o severo a gente não consegue porque a demanda que a gente tem é
muito grande. (...) Em um primeiro momento a gente tenta tratar, já começa a medicação e orienta a
família. (M2)
que pode ser conhecido a partir de mais tempo de contato durante um acompanhamento por
um maior período até uma percepção acerca de uma hipótese diagnóstica. O ato de ouvir e
coletar a história de vida está presente na maioria das entrevistas, em outras pesquisas também
aparece como parte das atividades da EqSF: consultas, encaminhamentos, orientações e
entrega de medicações, apesar destas duas últimas não terem sido mencionadas por nenhum
dos participantes (Baralhas & Pereira, 2010; Koga, Furageto & Santos, 2006; Souza et al.,
2007).
Nos relatos dos demais participantes, é prevalente a utilização de um procedimento
comum tanto no discurso dos enfermeiros como no das agentes comunitárias de saúde, que foi
a visita domiciliar. A visita domiciliar seria uma das maneiras de atuação mais prevalentes no
fazer cotidiano, mas pode acontecer com diferentes propostas e objetivos como se pode
observar:
Olha a gente (...) conversa com a família tenta apoiar a família, (...) conversa com o
paciente, tenta adquirir aquele vínculo com ele. Então a nossa atuação é direta nas visitas
domiciliares(...) (E2)
Visito sempre mais eles que os outro pessoal. (...) Então, como eles chegam eles têm
sempre, mesmo que não tem mais vaga com a médica, a gente encaixa eles, para passar na
nossa médica (ACS2)
Orientação, “né” (sic). A gente orienta, a gente. É orientação e fica encima também, não deixa acabar
os medicamentos, se não aí, se tiver que voltar no médico 6 meses por exemplo, ás vezes eles dão uma
receita que vale por 6 meses, durante esses 6 meses a gente não deixa eles ficarem sem remédio, “tá”
(sic) sempre atento pra pegar receita e acompanhando sempre. A gente não desiste nunca, “né” (sic).
(ACS4)
quando ocorrerem mudanças, oferecer atendimentos. A visita, ainda segundo a ACS4, teria o
papel de levar orientações sobre cuidados em saúde, de observar o uso da medicação e se esta
estaria acabando, com a finalidade de evitar uma crise. Portanto, as visitas domiciliares
podem acontecer para as famílias ou para os usuários com objetivos de construção de vínculo
com a família/usuário para identificação de demandas, acompanhamento de evolução,
oferecimento de orientação, bem como de atendimentos.
Tal prática de visita domiciliar é correntemente utilizada por diversas pesquisas na
atuação das EqSF (Baralhas & Pereira, 2010; Koga, Furageto & Santos, 2006; Souza et al.,
2007). Ela ocorreria com o objetivo de conhecer, orientar, informar e acompanhar tanto o
utente de saúde mental, como a sua família. Entretanto a visita como proximidade e
oferecimento de assistência à família apenas aparece na entrevista do enfermeiro da USF
Rural, “conversa com o paciente, tenta adquirir aquele vínculo com ele”. E como em seu
relato esse é um procedimento fundamental na unidade rural, por meio do qual estabelecem
contato com os usuários que residem até a alguns quilômetros de distância da unidade USF.
Nesse sentido, o vínculo seria um modo de oferecer o serviço de saúde, de sistematizar um
cuidado e de corresponsabilizar o indivíduo por seu autocuidado.
Já a ACS2 aponta que “Visito sempre mais eles que os outro pessoal.”, o que pode
estar relacionado à crença de que tais usuários teriam menor adesão à unidade, até mesmo
pela falta de vinculação com a EqSF, ou a falta de ação dos próprios profissionais na
construção desse vínculo (Cardoso & Galera, 2009). E por acreditar na dificuldade na adesão
ao tratamento que é predominantemente medicamentoso nas unidades, há uma preocupação
como referido pela ACS4 “(...) fica encima também, não deixa acabar os medicamentos, se
não aí, se tiver que voltar no médico 6 meses por exemplo”. Da mesma maneira a orientação
“A gente orienta” também é uma fala que vem juntamente com um discurso de medicalização
e assim pode ser tida como uma orientação sobre como tomar a medicação e de indicação
para o atendimento médico. Além disso, as visitas são uma possibilidade de acompanhar a
evolução do indivíduo e, havendo alterações nessa evolução, também podem ser propostas
consultas médicas, como afirma a ACS2 “(...) mesmo que não tem mais vaga com a médica, a
gente encaixa eles, para passar na nossa médica”. Em suma, as visitas podem acontecer com
amplos objetivos e direcionadas tanto à família, quanto ao indivíduo e produzir diferentes
manejos de acordo com a demanda.
74
(...) o que eu mais vejo assim, de dificuldade é, eu acho que é a família ainda tem algumas dificuldades
assim, auxiliar no medicamento, em evitar que os surtos aconteçam. Então esse é o nosso maior
desafio, “né” (sic). Muitas e muitas vezes, a gente já organizou medicamento para paciente vir até aqui
tomar, por conta da família não oferecer este medicamento. (E1)
Até, ás vezes, é a família que nunca diagnosticou este tipo de pessoa, então ela deixa a pessoa vir
sozinha e a gente tem dificuldade para colher a história, dificuldade para saber os tipos de
medicamentos. (M1)
Muitas vezes o lado familiar é o que pega mais, vem casos assim, igual eu trabalhei em hospital
psiquiátrico o paciente estava estável saia, voltava porque a família não queria dar remédio, não
entendia que o paciente tinha uma doença achava que era fingimento e tudo mais. Então o mais difícil
para nós de PSF é porque a gente tem que abordar toda a família, no consultório ás vezes o psiquiatra,
o especialista no CAPS vê o paciente, medica e pronto. (M2)
Nessa subcategoria a dificuldade da maior parte dos profissionais de nível superior das
EqSF em relação à família foi percebida em três entrevistas, nas quais expressam uma falta de
compreensão do grupo familiar sobre a condição psicopatológica do indivíduo, o que
associam à falta de auxílio na rede de cuidado do sujeito junto à unidade. Essa dificuldade é
atribuída à família, sem a tentativa de explicação sobre as aproximações realizadas com ela. O
que contrasta com a fala anterior do enfermeiro que tenta “(...) conversa com a família tenta
apoiar a família, (...)” e da ACS4 que informa “A gente orienta,” que buscam se aproximar
das famílias, por meio de orientação e visita domiciliar, algo que não se repete com aqueles
três participantes. Diante disso, poderia se perguntar: Essa dificuldade é algo apenas
percebida por esses profissionais ou seria um problema para a equipe? Alguns membros da
equipe veem a participação da família no tratamento de pessoas com transtornos mentais
severos e persistentes como uma dificuldade, e outros ainda acreditam em uma possibilidade
de mudança?
Por consequência, a dificuldade em relação à família não é um elemento que aparece
como necessidade de discussão nas reuniões de matriciamento, mesmo sendo essa a única
75
dificuldade apontada por três dos oito entrevistados. Tal tema poderia ser mais abrangido em
discussão com as equipes que oferecem apoio matricial, para a criação de estratégias para
maior vinculação e aproximação das famílias. Dessa maneira, é notória a ausência da família
enquanto partícipe do tratamento, visto que é ela que se encontra mais próxima da pessoa com
transtorno mental e muitas vezes este demanda um cuidado mais sistemático, que ultrapassa o
realizado em instituições de saúde. Assim, uma das barreiras que a equipe ainda precisa
enfrentar é sair do modelo clínico e pontual de atendimento, para uma compreensão mais
contextual do sujeito, a partir de sua família, sendo que este é um dos elementos que circunda
o usuário. Nesse sentido, esse contato poderia transcender essa relação pontual, uma vez que é
tocada por outros elementos, como contexto do sujeito, por seu território. Segundo Ferreira
Neto (2011) há uma necessidade em considerar a família e a integração com sua comunidade
e um modo de fazer sob uma perspectiva clínica que compreenda e interaja com os elementos
da cidade e que dão contorno à subjetividade do utente. Como o autor há uma influência da
clínica privada para a atuação nos contextos públicos, servindo de paradigma para o
entendimento de uma clientela que difere do âmbito privado, tanto em condições financeiras,
como sociais. A relevância de aproximar a família da comunidade tem como objetivo
potencializar o andamento do tratamento. No entanto pode haver uma crença de despreparo
tanto de atuações anteriores como de aporte teórico para o desenvolvimento de trabalhos com
o grupo familiar, como os participantes de outro estudo (Ferreira Neto, 2011).
O cuidado com a família estaria ligado ao modo como ela lida com o usuário, o que
pode ser entendido também como a inclusão dela no processo de atenção ao usuário
(Dimenstein et al., 2016; Onocko Campos, 2001). Assim, a família se vê contemplada na
atenção em saúde, o que vem a fortalecer o vínculo com a unidade, bem como estimular e
viabilizar um cuidado conjunto da família e a EqSF em prol do utente.
A falta de auxílio do grupo familiar pode estar relacionada ao desconhecimento da
condição do ente com transtorno mental desconsiderando até a psicopatologia (Dias, 2011). O
desconhecimento está mais presente no relato da médica da USF urbana, no qual informa que
“(...) é a família que nunca diagnosticou este tipo de pessoa, então ela deixa a pessoa vir
sozinha e a gente tem dificuldade para colher a história, dificuldade para saber os tipos de
medicamentos”. Nesse trecho, a médica percebe a necessidade da família saber do diagnóstico
para acompanhar o utente nas consultas médicas e assim participar do tratamento, pois podem
faltar muitas informações para a compreensão da história de vida do indivíduo e um
conhecimento mais contextual das relações que se estabelecem. De forma semelhante, o
médico apresenta a dificuldade em relação à família, por meio de uma relação com uma
76
situação vivenciada em um hospital psiquiátrico “(...) a família não queria dar remédio, não
entendia que o paciente tinha uma doença achava que era fingimento e tudo mais”. Além do
desconhecimento da família apontado pela médica, o médico sinaliza que haveria uma
concepção estigmatizadora dos transtornos mentais, no qual a família acreditaria “que era
fingimento”, compreensão que se antepõe ao tratamento e diz respeito a uma ausência de
validação sobre o que não tem substrato orgânico. No entanto, esboça a ausência de
informação para a família quanto à patologia, ao tratamento e o seu papel inserido neste
último, como mais um recurso de acesso do ente que demanda cuidados em saúde mental.
Além disso, a dificuldade observada pela enfermeira, que “(...) e a família ainda tem algumas
dificuldades assim, auxiliar no medicamento, em evitar que os surtos aconteçam. Então esse é
o nosso maior desafio (...)”, também aparece em outra pesquisa com esta categoria em ESF,
na qual a família não contribuiria com o cuidado na organização da medicação (Rosa &
Labate, 2003). E quando nota-se na perspectiva da enfermeira que a família não contribui na
entrega da medicação para o usuário, a equipe assume o papel de dispensar a medicação para
o sujeito, o que sugere dificuldade na vinculação, ou compreensão do diagnóstico, ou até
cuidado com o ente.
A informação sobre o transtorno e manejo pode então, ser compartilhada e trabalhada
junto à própria EqSF a partir da construção do vínculo com as famílias para um trabalho em
conjunto, para responsabilização e construção de novas ações (Machado & Pereira, 2013;
Moura & Silva, 2015). Já o discurso do médico da USF Rural como se observa “Então o
mais difícil para nós de PSF é porque a gente tem que abordar toda a família, no consultório
ás vezes o psiquiatra, o especialista no CAPS vê o paciente, medica e pronto” apresenta uma
dificuldade de compreensão da dimensão da política pública de atendimento ao grupo
familiar, visto que essa não é dissociada de seu contexto familiar. Isto está localizado em suas
comparações com os atendimentos hospitalares e em clínica privada, o que destoa da proposta
de atenção à família e reduz uma compreensão pautada no contexto em um atendimento
clínico pontual. E a concepção de que no CAPS a atuação do especialista se reduz apenas à
medicação, vista em “(...) o especialista no CAPS vê o paciente, medica e pronto” também
seria restritiva de tal maneira que obscurece as demais propostas deste serviço, tais como
visitas domiciliares, grupos com familiares, dentre outros realizados nesse dispositivo de
saúde mental (Conselho Federal de Psicologia, 2013; Figueiredo, 2005).
77
Então, assim, não tem condição de ficar com um paciente, atendendo. Lógico que a gente tenta o
máximo possível a melhor consulta. No severo, grave a gente sempre busca apoio de, do psiquiatra, do
psicólogo, do apoio de assistente social, terapeuta ocupacional é muito importante, “né” (sic). (M2)
equipes do CAPS II e NASF observadas não contavam com a figura de um psiquiatra. Vale
ressaltar que diferente da USF urbana, na qual havia a presença de um psicólogo que atuava
mensalmente na unidade, além do apoio matricial contar com dois psicólogos (um do CAPS e
outro do NASF), na USF rural a figura do psicólogo não aparecia nem no matriciamento. Já
de modo semelhante os médicos diagnosticam, prescrevem e costumam referenciar para o
psiquiatria de ambas as unidades observadas.
Tal categoria se associa a um dos objetivos que diz respeito à compreensão sobre a
educação permanente em saúde mental das EqSF para seu trabalho com indivíduos com
80
Família
ACS2 - - Em Saúde da
Família; e em
Saúde Mental
ACS3 - - Em Saúde da
Família
ACS4 - - Em Saúde da
Família
Fonte: Dados da pesquisa
feito uma capacitação específica sobre saúde mental. As agentes comunitárias da região rural
informam que não tiveram capacitações específicas sobre saúde mental, apenas sobre saúde
da família.
A enfermeira relata que não teve disciplinas nem viu conteúdos sobre saúde mental na
graduação, sendo dissonante ao estudo de Villela, Maftum e Paes (2013), no qual todos os
cursos de graduação em enfermagem tinham a disciplina ou módulo de saúde mental ou
enfermagem psiquiátrica. Essa ausência ou pouco enfoque na problemática está presente em
cursos que têm apenas um módulo que aborda saúde mental ou as poucas horas dedicadas à
disciplina, o que não oferece instrumentalização teórica para as vivências com o campo, sejam
em estágios nos quais transtornos mentais apareçam ou na atuação profissional cotidiana
(Rodrigues, Santos & Spriccigo, 2012; Villela, Maftum & Paes, 2013). Consonante à
pesquisa de Rodrigo, Santos e Spriccigo (2012), no curso do segundo enfermeiro, havia uma
disciplina que abordava a temática com atividades teóricas e práticas, o que viabiliza uma
compreensão do sujeito em sofrimento psíquico e o desenvolvimento de ações de cuidado em
saúde a partir do conhecimento de modelos psicossociais. E mesmo com a estimulação sobre
a saúde mental, o participante nota que foi desestimulado por seu professor devido ao retorno
financeiro que a atuação nessa área poderia lhe trazer, o que explica um pouco o porquê dele
não buscar uma formação para essa área.
Como foi relatado pela médica em sua experiência de psiquiatria na graduação,
diferente do médico da zona rural que não informou sobre a disciplina em sua graduação, esta
apresentou ter tido a disciplina no terceiro ano do curso de medicina. Não se identificou
quanto conteúdo programático foi ministrado em sua formação, entretanto pode-se considerar
um pequeno investimento em sua graduação. Segundo Pereira e Andrade (2017) a falta de
investimento de conteúdo sobre saúde mental/psiquiatria é muito comum em cursos de
medicina, muitas vezes sem os estágios em campo e a devida supervisão, havendo um
enfoque no paradigma biomédico e hospitalocêntrico, bem como pouca explanação sobre o
paradigma psicossocial de atendimento comunitário. Assim, como a pesquisa dos autores e
relato da participante, há a necessidade de maior atenção à saúde mental na Medicina, para
uma Medicina que considere mais a pessoa e as condições psicossociais da problemática em
saúde.
A pós-graduação foi uma das possibilidades da educação permanente mais procurada
pelos profissionais de nível superior, sendo que: a enfermeira já tem quatro pós-graduações
lato sensu e uma stricto sensu; o enfermeiro tem uma pós-graduação lato sensu, o médico
concluiu três pós-graduações lato sensu; já a médica ainda não iniciou nenhuma pós-
83
graduação. Vale ressaltar que apenas dois desses têm especialização para atuar na Atenção
Básica e nenhum deles tem em saúde mental. Stahlschmidt (2012) salienta que a elaboração e
a consolidação de paradigmas em saúde dependem muito de movimentos de educação
permanente, como de pós-graduações e de capacitações. Sob essa mesma concepção inserem-
se as mudanças nas políticas de saúde mental e o oferecimento de serviços por meio de
cuidados em saúde. Nessa perspectiva a realização de especializações é algo que precisa ser
fomentado pelos gestores, uma vez que há pouco investimento nesse sentido e essa é uma das
possibilidades de educação permanente em saúde.
As capacitações são tidas como uma educação permanente, realizadas tanto pela
enfermeira da unidade, quanto pelo NASF, sendo que a desenvolvida pela gestora não
enfocaria exclusivamente em saúde mental, tendo foco prioritário em hipertensão, diabetes,
dentre outras condições de saúde. No entanto, são propostas capacitações em temáticas
alusivas à saúde mental, das quais a enfermeira e as ACS relataram ter participado, e segundo
Pegoraro et al. (2014) servem de subsídio para o cuidado com as pessoas com transtornos
mentais. Contribuição em relação ao conhecimento que viabiliza o contato com a clientela,
seu manejo, a construção e reelaboração de sentidos, ou seja, uma ampliação no repertório
técnico para atuação do profissional diante a demanda que se altera historicamente a partir de
suas mudanças socioeconômicas e culturais. Portanto ainda é notória a falta de estudos e
capacitações voltadas para a problemática frente à dificuldade em lidar com as pessoas com
transtornos mentais severos e persistentes, bem como sua necessidade (Rosa & Labate, 2003).
Olha o que eu vejo hoje, são os matriciamentos que a gente tem é, que a gente discute isso auxilia
muito, com médico, com os enfermeiros, psicólogos e outros profissionais do CAPS. Então eles ajudam
bastante a nortear, então eu acredito que isso seja um investimento né, de parar para pensar e discutir
sobre isso. (E1)
Então eu acho que é mais no sentido de tentar trocar conhecimento com a gente, de passar algumas
coisas que talvez no dia a dia deles eles tem mais facilidade de lidar com determinadas situações do
que a gente. Então eu acho que é uma questão mesmo de troca de experiências e de troca de
conhecimentos e informação. (E2)
84
Fundamental né, fundamental. Até a gente tem vários, como é que chama (pausa) que a gente fez
aquele dia. Matriciamento a gente faz, era trimestral. Então, assim a gente sente discute os casos e
tudo. É a gente tem um vínculo muito bom, liberdade de ligar qualquer coisa que precisar, a gente,
fazer um encaixe e tudo. (M2)
O apoio deles é muito importante, muito interessante, porque através deles a gente
chega num consenso, tenta resolver aquele problema. (...) Um é (pausa), completa o outro.
(ACS1)
(...) na reunião que a gente faz eles vem procuram saber tudo certinho o que está
acontecendo, para ficar atualizado sobre situação, a gente passa pra eles como está o
paciente e para pelo menos estar sendo informado, “né” (sic). (ACS4)
A enfermeira e uma das agentes da região urbana percebem a importância do
matriciamento, o que é perceptível na fala da enfermeira e da agente comunitária,
respectivamente “os matriciamentos que a gente tem é, que a gente discute isso auxilia muito,
com médico, com os enfermeiros, psicólogos e outros profissionais do CAPS” e “O apoio
deles é muito importante, muito interessante, porque através deles a gente chega num
consenso, tenta resolver aquele problema”. Nesse aspecto, o matriciamento se apresentou
como a realização de discussões, na tentativa de proposições e elucidações sobre os casos das
famílias abrangidas. O que também pode ser visto como a promoção de ações em conjunto,
como a afirmação da agente comunitária “Um é (pausa), completa o outro”. Ou seja, um
complementaria o outro, no sentido de apresentar uma nova perspectiva, fazer novas
propostas de tratamento e até realizar encaminhamentos. A médica não tinha o conhecimento
sobre como era o apoio matricial, justamente porque até a data de sua entrevista não havia
participado de nenhuma reunião de matriciamento, nem de equipe das que foram observadas
pelo pesquisador.
Semelhante à equipe urbana na EqSF Rural não houve, consenso entre o
matriciamento de modo geral, porém em sua maioria os profissionais relatam que há uma
contribuição do CAPS II em relação à compreensão e ao encaminhamentos dos casos. Na
zona rural, M2 nota a importância do apoio matricial como possibilidade de discussão de
casos e maior compreensão sobre esses, como se observa “(...) a gente sente discute os casos
e tudo”. Aliás, a aproximação com as especialidades segundo o médico facilita o atendimento
do usuário, por meio de encaixes, tal como pode se identificar no trecho “É a gente tem um
vínculo muito bom, liberdade de ligar qualquer coisa que precisar, a gente fazer um encaixe
e tudo”, percepção que se assenta sob a lógica dos encaminhamentos. Para o enfermeiro o
matriciamento seria uma troca de conhecimentos e um aprendizado mútuo entre as equipes,
perceptível na afirmação “Então eu acho que é mais no sentido de tentar trocar conhecimento
85
com a gente, de passar algumas coisas que talvez no dia a dia deles eles têm mais facilidade
de lidar com determinadas situações do que a gente” E essa troca de conhecimentos da
experiências, por meio de discussões e informações, pode estar associada ao desenvolvimento
de uma educação permanente na unidade. Uma das agentes comunitárias (ACS4) compreende
o matriciamento como uma maneira de manter os profissionais do CAPS a par da situação
atual dos utentes, o que é visto neste fragmento “para ficar atualizado sobre situação, a gente
passa pra eles como está o paciente e para pelo menos estar sendo informado”. Nesse trecho,
é perceptível a noção de matriciamento como um movimento de “passar o caso”, em outras
palavras, de informar a condição atual para conhecimento, porém o simples ato de apresentar
a condição atual do sujeito sem problematização não vislumbra possibilidades de mudança e a
discussão em si se perde nesta proposta. Entretanto, a maioria dos participantes atribui
significações positivas ao modo como o matriciamento é desenvolvido e a sua proposta,
apontando a discussão de casos como seu maior pilar.
Distintamente duas agentes comunitárias questionam o modo como acontecem tanto o
matriciamento e como percebem a efetividade do trabalho no apoio matricial. Elas
demonstram um desencontro do que se espera com o que acontece em seus discursos.
O CAPS vem, ajuda sim. Nem sempre é pontual, sempre deixa a gente esperando. A última vez eles
deixou todo mundo esperando feito tonta, mas ajuda. Agora o NASF (pausa), pra gente não tem muita
utilidade não. Agora que começou o psicólogo, “né” (sic). Mas é, pra ser bem sincera não tem muita
utilidade não. (ACS2)
(...)Eu acredito assim, que quando a gente tem os matriciamentos, a gente discute os casos, a gente
passa o que está acontecendo, eu acredito que eles poderiam estar visitando estes pacientes pra ver
uma realidade física, estrutural, como que é a família, como que é a casa. (...)A, eu assim, eu não acho
muito bacana não, na verdade quem resolve é a gente mesmo, a gente que acaba resolvendo, eu acho
que eles não resolvem muita coisa não. (...) Aí, papel, papel, papel, estar indo lá estar passando numa
consulta psiquiátrica, estar sendo medicado e pronto. (ACS3)
Quando a ACS2 foi questionada se o NASF contribui para outras questões de saúde, a
profissional acrescentou:
(silêncio). Pode falar isso (pausa), não (risos). Ah, o nosso NASF é muito fraco, muito fraco. Assim,
tanto é que eu vou te falar, a gente tinha um grupo aqui, o grupo “bombava” (sic) de atividade física,
assim de mais de 30 pessoas. Aí a professora vinha um dia, faltava outro, vinha um dia, faltava outro.
Acabou o grupo. O pessoal vinha, chegava na aula não tinha professora, foi desanimando,
desanimando. Parou de vir. O nosso NASF é muito fraco. Agora que tá mudando o pessoal, quem sabe
melhora. Por exemplo o psicólogo é novato, novato para nós, “né” (sic), e a fisioterapeuta é novata.
(ACS2)
86
A agente da USF urbana (ACS2) não considera efetivo o matriciamento realizado pelo
NASF por suas ações descontínuas com a clientela como, por exemplo, em um grupo que a
professora faltava com frequência, como pode ser visto “(...) a gente tinha um grupo aqui, o
grupo “bombava” (sic) de atividade física, assim de mais de 30 pessoas. Aí a professora
vinha um dia, faltava outro, vinha um dia, faltava outro. Acabou o grupo.”. Esse exemplo
apresentado pela ACS2 diz respeito à atuação do NASF diretamente com a clientela, que é
uma das formas de realizar o apoio à ESF. Dessa maneira, é tecida uma crítica a uma das
formas de apoio para a EqSF e considerado o fim de um projeto pela descontinuidade de um
trabalho, considerando que isso prejudica o contato do usuário com a unidade. A ACS2 ainda
questiona os atrasos dos profissionais do CAPS II, mas percebe sua contribuição também “O
CAPS vem, ajuda sim. Nem sempre é pontual, sempre deixa a gente esperando.”. A equipe do
CAPS já seria vista de modo diferente, sendo que a maior proximidade que a EqSF teria com
ele seria por intermédio do apoio matricial e nesse apoio a discussão de casos seria visto como
o objetivo do matriciamento do CAPS. E frente a essa proposta ainda percebe um contributo,
mesmo com seus atrasos. Até então todos da USF rural apontaram perspectivas da relevância
do apoio matricial, apenas outra agente (ACS3) considera que quem resolve a problemática
mesmo é a unidade, como aponta “(...) na verdade quem resolve é a gente mesmo, a gente que
acaba resolvendo, eu acho que eles não resolvem muita coisa não.”. Na afirmação da ACS3,
pode-se notar que não há uma percepção de que a partir da discussão haveria uma elucidação
ou ampliação de visão sobre o caso. A agente demonstra uma expectativa de efetividade no
trabalho cotidiano a partir de visitas e conhecimento sobre o contexto dos usuários por parte
do CAPS, algo explicitado no trecho “(...) eu acredito que eles poderiam estar visitando estes
pacientes pra ver uma realidade física, estrutural, como que é a família, como que é a casa”.
Há uma expectativa de algo que ultrapasse as discussões e perceber uma atuação mais em
conjunto com a EqSF. Assim, as duas agentes apresentam questionamentos entre o que espera
e o que efetivamente acontece no matriciamento.
Nessa perspectiva o apoio matricial pode ser um mecanismo de ação conjunta em
relação à clientela e viabiliza a atuação com a problemática de saúde mental, como salienta a
ACS1 “Um é (pausa), completa o outro” (Amaral et al., 2018; Dantas & Passos, 2018).
Então, na percepção do médico, dos enfermeiros e de duas agentes comunitárias (ACS1 e
ACS4), a atuação do CAPS e do NASF no que tange ao apoio matricial estaria sendo efetiva e
desenvolver-se-ia conforme a sua compreensão primordial que seriam as discussões de casos.
Já a ACS2 acredita que a proposta do NASF deixa a desejar por sua descontinuidade no
desempenho de suas propostas e o do CAPS por sua falta de pontualidade. De modo
87
(...)Algumas vezes, até algumas informações bacanas, sabe no começo quando a gente começou foi bem
legal, que o psiquiatra vinha, ele falava a respeito das doenças, dos quadros de doenças, das formas de
lidar. Agora eu acho que não, sumiu esse interesse. Vem pergunta do paciente, você fala o paciente está
estável, está tomando a medicaçãozinha, beleza, ponto. (ACS3)
obnubilação acerca do que se tem como parâmetro para o matriciamento e como ele vem
acontecendo na visão dos entrevistados, não sendo algo claro para os participantes.
Com base nos resultados, a atuação dos profissionais vista a partir da educação
permanente elencou algumas temáticas tais como: a formação em pós-graduação, graduação e
capacitações, assim como, as reuniões de matriciamento. Dos que têm graduação todos
tiveram experiência prática com pessoas com transtornos mentais nesse período de sua
formação, porém nem todos tiveram conteúdos teóricos sobre o assunto. Em relação à pós-
graduação vale evidenciar que nenhum dos participantes de nível superior tem especialização
em saúde mental. Quanto às capacitações apenas dois dos entrevistados relataram ter
capacitações sobre saúde mental. No que diz respeito às reuniões de matriciamento, a grande
maioria dos profissionais das equipes apontou a relevância do apoio matricial, ressaltando a
construção conjunta de conhecimento e a proximidade de outros serviços com a Atenção
Básica. No entanto também houve questionamentos em relação ao trabalho descontínuo, aos
atrasos, às expectativas acerca do que é desenvolvido pelas equipes matriciais, bem como uma
demanda por maior enfoque na educação permanente e não apenas nas explanações sobre os
casos.
90
91
5 DISCUSSÃO
em nenhum momento uma demanda em relação a conteúdos de saúde mental nas reuniões. A
USF urbana ainda se destaca por não solicitar informações acerca de transtornos mentais
quando arguida pela equipe do NASF em uma das reuniões. Soma-se a essa questão a
ausência de membros da USF urbana em reuniões de equipe como a falta da enfermeira
(coordenadora da USF) em uma dessas e a falta da médica nas primeiras reuniões observadas,
o que pode ser relacionado ao seu desconhecimento acerca do funcionamento de
encaminhamentos para a rede. Nesse sentido a participação de toda a equipe é de extrema
relevância para a pactuação de ações, informações sobre o fluxo, alinhamentos de
procedimentos, bem como uma problematização sobre as temáticas de saúde mental.
Nas reuniões ainda ficou claro o desinteresse sobre a saúde mental nas duas unidades
escolhidas, como fruto de um investimento (Pereira & Andrade, 2017). Na USF urbana, em
nenhuma das reuniões de equipe, foram abordadas informações que fizessem alusão aos
transtornos mentais, bem como na última reunião de matriciamento realizada com a presença
do NASF. Já na reunião desenvolvida pelo CAPS foram discutidos casos sobre saúde mental
e abordada uma condição de adoecimento, porém sem muita problematização. Já quando
perguntado sobre o que gostariam que a equipe do NASF abordasse não apontaram nenhum
tema de interesse, sendo um sugerido por uma profissional do NASF. Sob tais condições há
de se considerar pouco interesse da EqSF urbana em tratar sobre saúde mental, pois em
nenhum momento esses profissionais sugeriram ou perguntaram nas reuniões mais sobre as
condições psicopatológicas. Em relação à EqSF rural esta demonstrou maior preocupação
com a problemática de saúde mental, a partir das discussões de caso em equipe. Entretanto,
assim como na maioria das reuniões da USF urbana, na rural não houve abordagens sobre a
educação permanente, exceto na discussão sobre o suicídio empreendida pelos profissionais
do CAPS II. Dessa forma, nota-se o pouco interesse das equipes em se colocar, perguntar e
construir conhecimentos em relação aos atravessamentos da saúde mental. Semelhantemente
às equipes matriciais praticamente não se dispuseram a tratar da educação permanente em
saúde mental.
Os territórios das unidades apresentaram diferenças, uma vez que os território são os
âmbitos a partir dos quais os cidadãos se constituem e constroem um saber coletivo e por
meio destes se posicionam socialmente, politicamente, em relação ao labor, dentre outras
formas (Ferreira Neto, 2011). Nesse sentido, a população rural tem acesso a poucos serviços
neste território, mas se organiza para ter uma participação social, como por exemplo a partir
do Conselho Municipal do Desenvolvimentos Rural Sustentável (CONDRAS) que está ligado
ao desenvolvimento sustentável das produções agrícolas no município. Aliás, esta população
93
a essas condições de subsistências bem restritas, alguns acabam optando por se mudar para a
zona urbana, em busca de melhores possibilidades de vida.
O trabalhador rural tem sua saúde mental sujeita a “fatores sociais, raciais, de gênero,
econômicos, tecnológicos, organizacionais, ao perfil de produção e consumo, além de fatores
de risco de natureza física, química, biológica, mecânica e ergonômica presentes nos
processos de trabalho rural” (Cirilo Neto & Dimenstein, 2017). Da mesma forma a população
urbana é influenciada por tais condições, o que muda é o contexto, o território, o fato de
estarem imersos espaços distintos e com diferentes possibilidades, culturas e acesso à
mobilidade e aos serviços, o que afeta o âmbito laboral, social e de lazer, e compõem o
quadro patológico de cada população. E tal contexto é pano de fundo para a formação das
demandas mais frequentes, como as mais informadas nas entrevistas. Todavia, nas reuniões de
ambas as unidades observadas, a esquizofrenia e a depressão são os transtornos que mais
aparecem, assim como os transtornos mentais devido ao uso de substâncias psicoativas, algo
também presente nas entrevistas. Tal como os autores afirmam, o uso de substâncias
psicoativas pode estar relacionado ao tráfico e à progressão de violência no contexto rural.
A pesquisa de Uchoa et al. (2011) aponta que diferentemente de outros contextos
rurais, tais como da USF de pequenos municípios do Rio Grande do Norte, que contava até
com cuidado odontológico, as USF rurais pesquisadas tinham suas peculiaridades. A equipe
rural deveria atender a todas as seis fazendas durante a semana e não contava com apoio
odontológico, para tal os usuários deveriam ser referenciados para serviços urbanos,
deparando-se com a mesma problemática de ausência de mobilidade para a zona urbana. Ou
seja, além das condições materiais parcas, havia deficiências de pessoal para atendimentos, tal
como a fisioterapia, visto que a fisioterapeuta havia sido dispensada pela pequena carga
horária que esta poderia oferecer no mês para o atendimento à clientela.
Segundo Cirilo Neto e Dimenstein (2017) é marcante no contexto rural a ausência de
meios de comunicação, como telefone, modem de internet, rede de celular, algo muito
perceptível nas unidades rurais que em sua maioria não contavam com telefone e não tinham
sinal de celular, o que dificultava o acesso do pesquisador à equipe. Aliás, esta falha na
comunicação, é mais uma dificuldade colocada para o acesso do usuário à assistência
prestada. Nesse sentido, a USF urbana também apresentava essa problemática, sendo que seu
único telefone fixo não funcionava, incluindo o aparelho celular disponibilizado pela
Secretaria Municipal de Saúde, o único dispositivo de comunicação utilizado que funcionava
e que foi passado para o pesquisador foi o telefone celular da enfermeira da unidade. No
entanto, mesmo com essa similaridade na dificuldade de comunicação, todas as operadoras
95
funcionavam na região urbana e o acesso tanto à equipe, quanto aos outros serviços da rede é
muito mais facilitado, visto as condições de mobilidade da zona urbana, como: ônibus com
frequência de 30 em 30 minutos, mototáxi, UBER, táxi, dentre outros. Vale ressaltar que
ações como palestras educativas desenvolvidas pelos participantes da pesquisa dos autores
não aparecerem na atuação tanto dos profissionais rurais, quanto dos urbanos.
Destarte, o constante encaminhamento do usuário pelo agente comunitário ao médico,
bem como a conduta médica observada sugere um estímulo à prescrição, ou direcionamento a
um nível mais especializado, mais sinalizado no discurso da enfermeira da zona urbana e do
médico da zona rural (Aciole & Oliveira, 2017). Conduta que não é muito visível no relato da
médica da zona urbana por seu pouco conhecimento sobre o fluxo da rede, que solicita
informação à enfermeira da unidade. Essa realidade se assemelha ao que foi percebido na
pesquisa de Cirilo Neto e Dimenstein (2017) sobre a prevalência no caráter prescritivo e de
encaminhamentos para médicos da unidade ou para um nível de maior complexidade. Em
relação a esses encaminhamentos, é notável o direcionamento das pessoas com transtornos
mentais severos e persistentes para as especialidades, como apontado pelo médico: esses
indivíduos deveriam ser encaminhados para maior complexidade, essa fala é reiterada no
discurso da médica que aponta a Atenção Básica como mais fácil.
Há uma atribuição supervalorizada das especialidades em relação ao sujeito, ao passo
que essa é a uma estratégia priorizada pelas equipes que demonstram acreditar que o melhor
desenvolvimento de cuidado para pessoas com esses transtornos seria na Média
complexidade, ou a partir da medicalização delas. Esse discurso também desconsidera a
capacidade de resolutividade da unidade de saúde de lidar com condições mentais mais
graves. Tal percepção dificulta ou até inviabiliza o tratamento do usuário com transtorno
mental severo e persistente que retorna de dispositivos de média complexidade (como, por
exemplo, o CAPS) para o nível básico, em USF. Uma vez que é de grande relevância a
continuidade do cuidado desse sujeito nas USF, como meio de maior participação comunitária
e acesso a outros serviços da RAPS. A mesma concepção inclusive deixa de lado a
possibilidade de atenção em saúde na Atenção Básica, a qual pode se valer de outras
possibilidades para o atendimento da clientela. Sob esse panorama não está clara a
compreensão de que, mesmo com o encaminhamento da Atenção Básica para maior
complexidade, os usuários encaminhados continuam tendo como referência a USF. Aliás, o
médico demonstra que essa clientela seria para a Média Complexidade, o que sinaliza a
possibilidade de perda de referência, sendo uma problemática visto que a unidade está
inserida no território e por sua vez mais próxima do usuário, fazendo um elo com a
96
participação na comunidade. Para além disso, a unidade é referência para a família do utente
com transtorno mental e assim é essa aproximação inicial das pessoas com a assistência em
saúde. Portanto, deve evitar posicionamento de desresponsabilização, relegando toda a
atenção a outro serviço.
Tal como a ótica de medicalização apresentada na prática dos médicos, as próprias
famílias consideram a medicação como o único método de tratamento e cuidado,
suficientemente capaz de tratar das diversas condições de saúde (Cirilo Neto & Dimenstein,
2017; Silva, Dimenstein & Leite, 2013). Entretanto essa percepção que é reproduzida e
reiterada pelo modelo biomédico é um dos fatores que se contrapõe ao modelo psicossocial e
um empecilho na conciliação da atuação em conjunto com a família do indivíduo com
transtorno mental. Ou seja, como se espera uma compreensão da família sobre a condição do
usuário e participação do tratamento juntamente com o usuário, mantém sob uma perspectiva
curativa e lança mão primeiro da medicação? Resta a atenção à ressocialização, à
desinstitucionalização e ao enfrentamento a uma concepção estereotipada do sujeito.
Distintamente se apresenta o procedimento levantado por parte dos profissionais,
principalmente pelo enfermeiro da USF rural que ressalta a possibilidade da visita domiciliar
como meio de aproximação com o usuário, assim como, com a família deste (Baralhas &
Pereira, 2010; Koga, Furageto & Santos, 2006). A visita é apresentada como uma via de
acesso às famílias e de construção da noção da unidade como referência. E assim, o
desenvolvimento desse contato deve acontecer visando todas as possibilidades que o sujeito
possa ter de cuidado com sua saúde em seu território, pois se nessa visita já se sinaliza a
medicação e não se exploram outros serviços/procedimentos prováveis, a medicação ou
internação poderá ser a única proposta de tratamento que as famílias terão como válida.
Validade pautada no conhecido, no vivenciado que é transmitido pela comunidade, sobre algo
de que muitas vezes não se tem conhecimento, da psicopatologia, de seu curso, do manejo e
das capacidades de autocuidado do indivíduo que tem o transtorno.
As constantes tentativas dos gestores em naturalizar a condição de transtorno mental
para a equipe, muito presente no discurso da enfermeira da EqSF urbana, são em virtude da
loucura ser fortemente associada à agressividade, o que perpetua o medo e consequentemente
a ausência de atendimento, assim como a aproximação dos agentes no território (Cirilo Neto e
Dimenstein, 2017). Esse distanciamento e essa necessidade de naturalização estariam
relacionados com a falta do desenvolvimento de habilidades para a abordagem dos utentes
diagnosticados com transtornos mentais e usuários de substâncias psicoativas (Machado &
Pereira, 2013). Falta essa observável na ausência de estudos de conteúdos teóricos na
97
formação de membros da equipe para a atuação junto à clientela com transtornos mentais
sejam na graduação da enfermeira da USF urbana, como em capacitações em saúde mental
para os demais profissionais. Há então, uma falta de investimento em aprendizado a respeito
da saúde mental, o que reduz a atuação na proposta exclusivamente de tratamento
medicamentoso e na crença da atenção a essa clientela ser apenas na Média à Alta
complexidade. Consequentemente a ausência de informações sobre saúde mental repercute
nos sentidos atribuídos à clientela, que restringem a percepção com ela e em poucos recursos
a serem ofertados no nível básico.
Entre as críticas realizadas pelas agentes comunitárias às equipes que desenvolvem o
matriciamento, vale destacar a descontinuidade em uma das propostas de atuação com grupos
de idosos. Esse grupo teria sido construído junto à unidade, mas a educadora física teria
faltado constantemente, o que conforme a agente comunitária teria desmotivado os integrantes
do grupo que até então estaria coeso e com isso se desfez. De maneira semelhante, essa
descontinuidade foi observada na reunião do NASF, na qual foi proposta a realização de uma
festa junina, mas na reunião subsequente o tema não foi tratado e a EqSF ficou sem saber
como se realizaria e se ainda aconteceria essa confraternização para organizar os usuários.
Ações em parceria demandam uma coesão tanto dos utentes, como de uma pactuação entre as
duas equipes e de um fluxo constante de informações, o que não aconteceu pela ausência de
feedbacks por parte da equipe do NASF. Assim a EqSF ficou sem saber o que informar aos
usuários, pois não sabia onde se realizaria a festividade. Portanto essa relação entre USF e
NASF demonstrou fragilidade nas propostas, visto que demandava a interação entre mais de
um serviço, principalmente na comunicação como se observou nessa experiência (Campos &
Domitti, 2007; Melo, Miranda, Silva & Limeira, 2018). Dessa maneira, a descontinuidade de
um serviço representa a ausência de profissionais que atuem com o usuário e sua falta no
trabalho com a própria equipe da USF, o que pode ser percebido no questionamento feito pela
agente em relação a uma das atividades do NASF. Essa relação demanda uma maior
comunicação e colaboração para implementar, sustentar as propostas e manter a progressão do
tratamento proposto com a clientela e dessa maneira reduzir essa fragmentação sobre o que se
planeja, para ações mais sistemáticas e efetivas.
As reuniões de matriciamento do CAPS e do NASF enfocaram em discutir casos
clínicos e propor estratégias, sendo pouco percebido um incentivo ou ocorrência de discussões
sobre temáticas alusivas a saúde mental. Nesse sentido a educação permanente teve pouco
espaço tal como, na literatura (Batista et al., 2011; Bispo & Moreira, 2018, Costa, Lima &
Fiorini, 2015). Na reunião com o CAPS, foi observada apenas uma discussão sobre o suicídio
98
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir dos resultados obtidos pode-se considerar que esta pesquisa foi ao encontro
dos objetivos e viabilizou conhecer a atuação de equipes de saúde da família com as pessoas
com transtornos mentais severos e persistentes, considerando o apoio matricial dos
profissionais do NASF e do CAPS. Dessa atuação emergiram elementos presentes na relação
estabelecida das equipes com os usuários, a identificação sobre o manejo - incluindo
procedimentos - as psicopatologia, as dificuldades e sua percepção sobre a Atenção Básica
com RAPS, assim como a educação permanente, vista principalmente pelo apoio matricial.
Entretanto foi vislumbrado realizar o acompanhamento de quatro reuniões na USF
rural e seis na USF urbana para ter mais informações sobre a educação permanente por
intermédio do apoio matricial e do cuidado com a clientela de saúde mental, o que não foi
possível de ocorrer. Como foi apresentou-se anteriormente, houve a dificuldade de transporte
das equipes de matriciamento, mudanças constantes das reuniões por essas equipes, como
também pelas EqSF, principalmente pelas campanhas de vacinação, ou pela ausência da
apoiadora. Além disso, vale assinalar a dificuldade de mobilidade do pesquisador que contava
com a carona da equipe rural para participar das reuniões, devido à falta de transporte próprio
e de transporte coletivo nos horários e dias das reuniões. Houve também a dificuldade em se
comunicar com as EqSF, em virtude da falta de funcionalidade dos meios de comunicação das
equipes, sendo que a comunicação foi apenas mais facilitada pelas equipes do NASF e do
CAPS. Dessa forma, acompanhou-se apenas cinco reuniões na USF urbana, faltando apenas
uma com o CAPS e apenas uma da equipe da USF rural. Assim, os dados mais considerados
foram as entrevistas para a compreensão da percepção, do manejo e da educação permanente
em relação ao matriciamento, tendo em vista que essas viabilizaram maior acesso às
informações do trabalho da EqSF. Aliás, uma vez que foi acompanhada apenas uma reunião
das quatro pretendidas na USF rural, o trabalho dessa EqSF foi fundamentalmente
considerado por intermédio das entrevistas.
Os elementos da experiência com a clientela foram o medo de contato e ao mesmo
tempo uma tentativa de dar sentido à pessoa com transtorno mental que se relacionaram com a
literatura e apresentaram várias percepções distintas sobre a usuários inclusive sobre
profissionais da mesma equipe. Nessa categoria valeu-se apenas das entrevistas e da mesma
maneira demonstrou-se a necessidade de algumas temáticas serem abordadas pelo
matriciamento como uma educação permanente. Tais elementos apresentaram o modo como
os profissionais percebem as pessoas com transtornos mentais severos e persistentes e como
102
esses sentidos se constituíram por meio de sua formação profissional e experiências. E a partir
desses elementos, pôde-se entender como são desenvolvidos os manejos presentes na atuação
cotidiana dos profissionais.
O manejo que diz da atuação prática diária com os indivíduos com transtornos mentais
pôde ser identificado nas entrevistas. Encontraram-se procedimentos comuns, mas diferenças
entre as avaliações médicas, uma mais rápida com foco no diagnóstico e outra mais
sistematizada demandando maior período de tempo. Foi comum a utilização da visita, porém
ressaltado um endereçamento tanto para o usuário, quanto para a família e objetivos diferentes
nessa abordagem em domicílio. Ressaltaram-se as diversas demandas, que demonstram a
diversidade do território. Dessa diversidade emergiu uma dificuldade de alguns participantes
em lidar com a família do utente de saúde mental que pode ser compreendida como um
desafio para a formação do vínculo e algo a ser alvo de estratégias do apoio matricial. Uma
percepção que acompanha o manejo foi o modo como os dois médicos sinalizam ver a
atuação na Atenção Básica e sua repercussão para os indivíduos diagnosticados com
transtornos mentais severos e persistentes, sendo que para alguns a USF não era o seu lugar.
A educação permanente também foi vista, mas de uma perspectiva de necessidade para
as equipes. Essa categoria foi amplamente observada principalmente na USF urbana, pois
nesta o pesquisador pôde realizar uma observação participante nas reuniões de matriciamento
Nesse sentido esses dados foram articulados, questionando o desenvolvimento do apoio
matricial, bem como compreendendo o seu papel para a percepção da clientela e para o
manejo das EqSF. Assim, o acompanhamento das reuniões e as entrevistas demonstraram que
o processo de educação permanente tem pouquíssimo espaço no matriciamento, que prioriza a
discussão de casos e não dispõe de muitas possibilidades para tratar de saberes fundamentais
para a saúde mental. E haveria pouca compreensão sobre a que se destina o apoio matricial,
visto muitas vezes apenas como uma atuação direta com a clientela, ou discussão sobre essa.
Entendeu-se então, a educação permanente como o percurso de educação formal e informal
dos profissionais e como eles têm se dedicado e recebido aporte para o aprendizado na
educação permanente em saúde mental. Consoante a isso, vale ressaltar a falta de preocupação
em apresentar as temáticas sobre saúde mental nas reuniões de equipe principalmente na USF
urbana.
É notável uma dificuldade em relação a alguns membros das equipes acercar do
trabalho com as pessoas diagnosticadas com transtornos mentais severos e persistentes. Esse
desafio para as equipes associa-se com a dificuldade em lidar com a saúde mental, como no
sentimento de medo atribuído à relação com esses indivíduos e pouca proximidade com a
103
profissionais como enfermeiro e médico não ficam na mesma unidade todos os dias. Portanto,
essas diferenças por sua vez influenciam na atuação cotidiana das EqSF e moldam as suas
experiências.
Além disso, esta pesquisa possibilitou uma compreensão sobre o matriciamento e da
atuação das EqSF que pode contribuir para a revisão desse trabalho, tanto para as que foram
observadas, quanto para outras Unidades de Saúde da Família tanto do município, como em
outras cidades. Tais conteúdos abordados pelo estudo ainda compõe fonte de informações
para discussões de educação permanente em saúde que podem ser tratados e problematizados
com os profissionais da saúde. Nesse aspecto, outros equipamentos da RAPS podem ter
elucidados o papel da Atenção Básica e se organizarem tendo como base a atenção as
questões de saúde mental e o seu manejo.
Assim, pelas dificuldades em participar de todas as reuniões de matriciamento e de
equipe propostas inicialmente, foram consideradas principalmente as entrevistas. Nesse
sentido, fazem-se necessárias novas pesquisas que acompanhem por um maior tempo a
dinâmica e as construções de saberes nas reuniões de matriciamento. De maneira
semelhantemente é relevante o acompanhamento e a observação de práticas diárias das
equipes com os usuários com transtornos mentais severos e persistentes, bem como a
problematização do investimento em educação permanente em saúde mental para as Equipes
de Saúde da Família.
105
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Título do Projeto: Os sentidos produzidos por membros de equipes de saúde da família sobre as
pessoas com transtornos mentais severos e persistentes.
1) Introdução: Você está sendo convidado(a) a participar desta pesquisa em virtude de seu
envolvimento com a Atenção Básica. A sua participação é fundamental para o desenvolvimento da
pesquisa, porém, não é obrigatória, e a qualquer momento você poderá desistir de participar, retirando
o seu consentimento.
2) Objetivo: Compreender os sentidos produzidos por profissionais de equipes de saúde da família que
atuam em USFs sobre as pessoas com transtornos mentais severos e persistentes.
3) Procedimentos do Estudo: Você será solicitado(a) a responder a uma entrevista, que será gravada e
posteriormente transcrita para análise. As informações registradas destinar-se-ão à estudos sobre a
temática da pesquisa.
4) Riscos e desconfortos: O entrevistador mestrando em Psicologia têm conhecimentos do método
previsto e formação adequada para identificar constragimentos pessoais e institucionais. Contudo, caso
ocorram constrangimentos pessoais e institucionais para os participantes a serem envolvidos, poderão
ser sugeridas alterações, pelos pesquisadores ou pelos sujeitos. Os pesquisadores se comprometem a
reparar eventuais danos decorrentes da pesquisa. Sua participação é muito importante e voluntária e,
desta forma, não haverá pagamento por participar desse estudo. Em contrapartida, você também não
terá nenhum gasto.
5) Caráter Confidencial dos Registros: As informações recolhidas serão trabalhadas apenas pelo
pesquisador e esses dados serão mantidos confidenciais. Você não será identificado quando o material
de seu registro for utilizado, seja para propósitos de publicação científica ou educativa, ou
apresentação oral. Os registros gravados ficarão sob a responsabilidade do pesquisador e serão
utilizadas apenas para as finalidades da pesquisa, sendo destruídas após cinco anos.
6) Para obter informações adicionais: Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone e
o endereço do pesquisador responsável e o telefone do coordenador da pesquisa, podendo tirar
suas dúvidas sobre o projeto e sua participação, agora ou a qualquer momento.
116
Para todos os participantes, em caso de eventuais danos decorrentes da pesquisa, será observada, nos
termos da lei, a responsabilidade civil.
Pesquisador responsável: Mestrando em Psicologia: Carlos de Sousa Filho, Rua Padre Cletus Francis
Cox, nº 1661, Jardim Country Club, Poços de Caldas, telefone (35) 3319-4568 e 99811-8017.
Coordenador: Prof. Dr. João Leite Ferreira Neto, no telefone (31) 3319-4568 e 99976-8626
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, coordenado pela Prof.ª Cristiana Leite Carvalho, que poderá
ser contatado em caso de questões éticas, pelo telefone 3319-4517 ou e-mail
[email protected].
Poços de Caldas,
Dou meu consentimento de livre e espontânea vontade para participar deste estudo.
____________________________________________
Nome do participante (em letra de forma)
____________________________________________ ____________________
Assinatura do participante ou representante legal Data
Eu, Carlos de Sousa Filho, comprometo-me a cumprir todas as exigências e responsabilidades a mim
conferidas neste termo e agradeço pela sua colaboração e sua confiança.
____________________________________________ _____________________
Assinatura do pesquisador Data
117
TERMOS DE COMPROMISSO
Declaro, para os devidos fins, estar ciente da realização da pesquisa “Os sentidos produzidos
por membros de equipes de saúde da família sobre as pessoas com transtornos mentais
severos e persistentes”, sob a responsabilidade do pesquisador Carlos de Sousa Filho. A
pesquisa, que tem como propósito compreender os sentidos produzidos por profissionais da
equipe de saúde da família que atuam em uma USF sobre as pessoas com transtorno mental
severo e persistente. Declaro, ainda, que conheço e cumprirei os requisitos da Resolução CNS
466/12 e suas complementares e como esta instituição tem condições para o desenvolvimento
deste projeto, autorizo sua execução.
____________________________________________
(ASSINATURA E CARIMBO DO RESPONSÁVEL)