Dissertacao IndustriaCulturalEstetica
Dissertacao IndustriaCulturalEstetica
Dissertacao IndustriaCulturalEstetica
BELÉM
2011
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
INSTITUTO DE LETRAS E COMUNICAÇÃO
MESTRADO EM LETRAS — ESTUDOS LITERÁRIOS
Orientador:
Prof. Dr. José Guilherme dos Santos Fernandes
BELÉM
2011
A todas as pessoas que, de forma direta ou indireta,
contribuíram para a existência deste estudo.
AGRADECIMENTOS
Aos amigos, em especial, Camila Travassos, Rosa Pinheiro e Jones Santos, sem os quais
muitas páginas não teriam sido produzidas.
Às sras. Andréa Sanjad e Elaynia Ono, que, com enorme sensibilidade, me apoiaram na dupla
jornada destes últimos dois anos.
À minha família, pelo carinho e cuidado essenciais, oferecendo o suporte necessário à dura
rotina.
Eles também têm televisão no quarto e assistem a outros programas que não são os
transmitidos para nós. Sei, por perguntas que faço inocentemente, que eles também dormem
em frente ao vídeo. Televisão é muito interessante, descontando o sono e o esquecimento.
Não consigo me lembrar das coisas que vejo
(Rubem Fonseca)
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO........................................................................................... 09
4.1. “O COBRADOR”....................................................................................... 57
5. CONCLUSÕES........................................................................................... 108
6. REFERÊNCIAS.......................................................................................... 115
RESUMO
9
de massa, que gera efeitos irreversíveis à construção do novo modus vivendi. Esse foi o
fio condutor, a busca instigante, por assim dizer, desta pesquisa: verificar nas narrativas,
mais especialmente na conduta dos personagens da coletânea dos contos ―O Cobrador‖,
―Pierrô da Caverna‖ e ―Onze de Maio‖, da obra O Cobrador, a crise de valores
ocidentais, as relações sociais conturbadas e a massificadora atuação desses meios, com
especial ênfase à televisão, um aparelho que foi mais amplamente difundido no período
pós Segunda Grande Guerra.
10
Todo esse processo gerou esvaziamento e descrença quanto à validade dos
parâmetros morais em voga desde o princípio da chamada modernidade1, alimentado
fortemente pelos iluministas, e intensificação de outros advindos desse processo de
aprofundamento do capitalismo, conhecido como capitalismo tardio, como o
individualismo e o ceticismo, transformando o homem em um ser descrente e frustrado
ante as possíveis e concretas mudanças acenadas pela industrialização que eram
esperadas diante das promessas iniciais. Ainda nesse processo ligado ao
aprofundamento do capitalismo, há a sofisticação e refinamento das tecnologias, cada
vez mais especializadas, que, consequentemente, otimizam o tempo das atividades
humanas por intermédio do trabalho mecânico: o homem adentra um processo de
desumanização, tornando-se gradativamente um ser acomodado e altamente dependente
de suas próprias criações.
1
Há de se ressaltar, aqui, que o conceito de modernidade adotado para esta reflexão está ligado aos
elementos e alterações, da mais variada natureza (sociopolítica, econômica, intelectual etc.), que
coadunaram para a instauração do que se reconhece atualmente por mundo moderno. Segundo Anthony
Giddens, sociólogo basilar para as discussões que envolvem esse assunto, a modernidade pode ser
compreendida como ―estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do
século XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência‖ (GIDDENS,
1990, p. 11), caracterizando o chamado processo de globalização em ampla escala. Está, portanto,
profundamente vinculada ao processo de transformações nas chamadas sociedades tradicionais, as quais
ganharam nova organização social, e porque não dizer cultural. Para Giddens, a modernidade pode ser
associada ao mundo industrializado, mesmo reconhecendo que esta não é a única instituição que sustenta
a organização social pós-feudal. As consequências desse processo envolvem desde a desmistificação do
conhecimento e da organização social em busca da libertação dos homens, conduzindo à radicalização da
constituição do homem como objeto de estudo. Giddens, entretanto, não reconhece em suas publicações a
existência de uma nova fase para além da Modernidade, o que não invalida utilizar as concepções deste
estudioso na presente pesquisa, mesmo sendo esta canalizada para as ideias circunscritas aos debates
sobre a Pós-Modernidade. É fato conhecido a ausência de consenso ou paradigmas acabados para a
definição de Modernidade e Pós-Modernidade que sejam absolutamente fiáveis – os estudiosos discordam
de maneira contundente nesse campo.
2
Por Modernismo entende-se o conjunto de produções artísticas inerentes ao contexto da modernidade,
conforme assinala Hall (2006, p. 32): ―(...) exatamente no mesmo período [primeira metade do século
XX], o quadro mais perturbado e perturbador do sujeito e da identidade estava começando a emergir dos
movimentos estéticos e intelectuais associado com o surgimento do Modernismo‖. Stuart Hall cita como
exemplos de produções de escritores que evidenciam a figura do indivíduo isolado as do poeta
Baudelaire, as do crítico e ensaísta Walter Benjamin e as criações do escritor Kafka, além daquela ―legião
de figuras alienada da literatura e da crítica social do século XX que visava representar a experiência
singular da modernidade‖ (HALL, 2006, p. 33). Nesse caso, estamos falando mais especificamente das
manifestações do Surrealismo e Futurismo, que, de forma bem simplificada, respectivamente, trazem à
roda discussões sobre a desumanização evidente no mundo moderno; ou que a modernidade não tinha se
consolidado de maneira adequada, gerando frustrações.
11
a qual já traz à tona imagens e discussões que remetem ao processo de desumanização
e/ou coisificação do homem e de massificação da sociedade. Ao longo de todo o século
XX é possível verificar apontamentos nas produções de escritores desse período de que
esse processo já estava em fase de consolidação. Desde a geração de literatos
relacionada ao contexto da Semana de Arte Moderna, em 1922, como Mário de
Andrade, em seus poemas de repúdio ao homem que estava se calcando na sociedade
assentada pelo consumo, e Oswald de Andrade; passando pelos neo-realistas das
décadas de 1930 a 1945, como Dalcídio Jurandir e Raquel de Queiroz; até a chamada
Geração de 1945, com o estilo intimista e psicologista de escritores como João
Guimarães Rosa, Clarice Lispector e João Cabral de Melo Neto, é visível o contínuo
foco no processo de degeneração pela qual o ser humano vem passando, em íntima
relação com a intensificação do capitalismo. Entretanto, é a partir da década de 1950
que esse quadro vai se tornar cada vez mais explícito, por assim dizer, com claras
mostras da crise existencialista que se instaura diante do contexto supracitado.
3
Ainda um conceito em construção, a fase que chamamos de Pós-Moderna é caracterizada por Fredric
Jameson como resultado de um processo anterior, já iniciado pela modernidade, sendo caracterizado por
este autor como um resultado do capitalismo avançado. Para efeito de elucidação, reproduzimos as
palavras do teórico, situando a nova estética: ―Culturalmente, no entanto, as precondições se encontram
(com exceção da grande variedade de ‗experimentos‘ modernistas aberrantes que são depois
reestruturados como predecessores) nas grandes transformações sociais e psicológicas dos anos 60, que
varreram do mapa tantas tradições no nível das mentalités. Desse modo, a preparação econômica do pós-
modernismo, ou do capitalismo tardio, começou nos anos 50, depois que a falta de bens de consumo e de
peças de reposição da época da guerra tinha sido solucionada e novos produtos e novas tecnologias
(inclusive, é claro, a da mídia) puderam ser introduzidos‖ (JAMESON, 2000, p. 23).
12
da presença exacerbada da violência e a acomodação/apatia dos sujeitos diante da ―nova
ordem social‖ imposta pelo sistema e por quem dele faz parte.
13
aparelho televisivo está no conto ―Onze de Maio‖, cujo narrador personagem é, junto
aos companheiros do asilo homônimo do título da narrativa, forçado a ser um eterno
expectador da programação veiculada pelos ―irmãos‖ que gerem a instituição: ―Estou
deitado no cubículo. Não há meio de desligar a maldita televisão. O aparelho é ligado e
desligado por controle remoto, do mesmo lugar de onde a imagem é transmitida‖
(FONSECA, 2006, p. 333).
14
claramente as influências dos meios de comunicação de massa nos processos sociais.
Também se buscou observar as relações, por meio dos elementos da narrativa, nos
contos que compõem a obra em foco, contribuindo para o estudo que tem sido
desenvolvido a respeito deste escritor como um representante das tendências
contemporâneas. Assim, foram analisadas as narrativas que compõem a coletânea de
contos selecionada para a abordagem, ―O Cobrador‖, ―Pierrô da Caverna‖ e ―Onze de
Maio‖, em virtude da proximidade maior à temática da Indústria Cultural como
elemento indutor de comportamentos.
Hoje sabemos que a integridade da obra não permite adotar nenhuma dessas
visões dissociadas; e que só a podemos entender fundindo texto e contexto
numa interpretação dialeticamente íntegra, em que tanto o velho ponto de
vista que explicava pelos fatores externos, quanto o outro, norteado pela
convicção de que a estrutura é virtualmente independente, se combinam
como momentos necessários do processo interpretativo. Sabemos, ainda, que
o externo (no caso, o social) importa, não como causa, nem como significado,
mas como elemento que desempenha um certo papel na constituição da
estrutura, tornando-se, portanto, interno (CANDIDO, 2000, p. 13-14).
15
Esse método foi de fundamental importância para este estudo, que se propôs
a vincular o tecido social que integra o universo construído por Rubem Fonseca –
particularmente evidenciado nos contos selecionados da coletânea O Cobrador –,
destacando a influência da sociedade de massa nesse processo de construção, dando
especial atenção ao universo de violência e barbárie que é gerado a partir desse
contexto.
16
uma indiscutível coerência desde sua primeira edição até as mais recentes.
Reconhecemos que muitos trabalhos de cunho acadêmico têm sido produzidos em torno
da questão fonsequiana, entretanto, estes materiais não serão o foco da pesquisa aqui
abordado4.
4
Não estamos aqui propondo um mapeamento das produções acadêmicas efetivadas a partir das
narrativas fonsequianas. Queremos, sim, verificar, por meio das opiniões críticas, como a obra deste
escritor tem sido caracterizada, quais facetas dela são ressaltadas, os pontos comuns e divergentes nesses
textos etc. Por essa razão, optou-se pelos textos da crítica jornalística que tem sido veiculada desde a
primeira publicação de Fonseca.
17
suscitadas por Márcio Seligmann-Silva, Julia Kristeva, Ângela Maria Dias, Marcelo
Rodrigues de Moraes, entre outros.
18
Capítulo 1. Apresentando autor e obra: estudos e críticas acerca da produção de
Rubem Fonseca
Alguns dados de sua vida particular podem ser aqui mencionados, a título de
curiosidade, mesmo que corroboremos as ideias de Lucien Goldmann (1979, p. 77) a
esse respeito, entendendo que
19
narrativas, que ilustram com rigor as cenas do universo marginal peculiar às delegacias.
A exemplo do que declara Stegagno-Picchio (2004, p. 640):
20
ambientes que propiciem ao contato com a marginalidade e o crime; mais importa a
sensibilidade do escritor para esboçar um quadro muito mais amplo do que um
comissário de polícia poderá predizer. Como foi publicado em matéria do jornal
―Estado de Minas‖, em 1970, mais nos interessa a experiência humana colocada nas
obras de Fonseca:
21
em 1992, O buraco na parede, em 1996, e Pequenas criaturas, em 2002) e na América
Latina (o conjunto de sua obra conferiu-lhe o Prêmio Camões e o Prêmio de Literatura
Latino-americana e do Caribe Juan Rulfo). Suas obras também têm a marca da boa
recepção pelo público, com constantes reedições ao longo do processo de publicação,
sendo também muito aclamado pelo público do exterior, como comprova texto
publicado por Carlos Eduardo Lins da Silva, na ―Folha de S. Paulo‖, em 1998, em
matéria intitulada ―‗NY Times‘ destaca romance de Fonseca‖: ―O escritor brasileiro
Rubem Fonseca está há duas semanas na lista das indicações do editor do suplemento
de livros do diário ‗The New York Times‘, o jornal mais influente dos EUA‖ (SILVA,
1998) ou, ainda, a matéria de José Castello, publicada no ―Jornal do Brasil‖, em 1988,
segundo o qual as obra de Rubem são foco de atenção para o público estrangeiro: ―Esta
combinação, mais do que nunca, torna Rubem Fonseca um autor extremamente atraente
para o mercado internacional (...) Rubem Fonseca hoje já está traduzido em nove
línguas‖ (CASTELLO, 1988).
Para quem tem boa formação crítica e não vê a vida através de lentes róseas,
recomenda-se com entusiasmo ―A Coleira do Cão‖, segunda coletânea de
contos de Rubem Fonseca. Contista de arte própria, êle não conta história
pelo prazer lúdico de contar história: está integrado no quadro de uma
novelística recente, sobretudo americana, que utiliza as palavras como
formão ou escalpêlo, e pende para o humor ou a sátira. O resultado é sempre
a crítica, amena ou ácida, de indivíduos ou grupos sociais em plena aventura
existencial (PÓLVORA, 1966).
22
literário e inventivo, Os prisioneiros, A coleira do cão e Lúcia McCartney‖. O
brilhantismo de Rubem para a construção de narrativas mais condensadas foi foco de
muitas das críticas publicadas em jornais e revistas a respeito das obras que vinham à
tona na época. Não raro, verificamos textos de críticos evidenciando que o escritor
significava um achado para o gênero narrativo, especialmente para a construção de
contos, com pleno domínio dos recursos estéticos e estilísticos que corroboram o efeito
desejado quando se pensa em uma narrativa bem construída. É o que se pode verificar
no excerto a seguir, extraído do jornal ―Última Hora‖, em 1969, dois anos após a estreia
de Fonseca no métier literário:
Nesse ―espírito moderno‖ de que fala Otsuka, pode-se dizer que há ideias
recorrentes na produção literária de Rubem Fonseca, ligadas ao contexto da pós-
modernidade: são as representações ligadas à chamada sociedade de massa, as quais ora
se apresentam ao leitor de modo explícito, por meio de personagens e tramas que
evidenciam os mecanismos de produções artísticas dominados pelo mercado
consumidor, ora de modo velado, com implícitas críticas exercidas aos meios de
23
comunicação de massa e ao próprio consumidor, que pode ser figurado por qualquer
homem da modernidade.
Essa agressividade de que fala Luciana Coronel, de acordo com sua análise,
está diretamente vinculada ao contexto político vivenciado no Brasil, fase mais
repressiva e sangrenta deste momento, a qual coincide com (ou talvez induza) a
aceleração da formação da cultura de massa no país. Segundo Walnice Nogueira Galvão
(2002, p. 08), ―(...) o instrumento de campo cultural ao mercado foi o projeto
modernizador do capital inaugurado pela ditadura que, dadas as agruras de um regime
autoritário, não se percebia com clareza no momento em que se impunha‖.
Dessa forma, as obras que foram escritas por Rubem Fonseca no auge da
ditadura militar no Brasil são dotadas de brutalidade e apresentam como temas, por
exemplo, a banalização da violência, o caos regido pela lógica da sociedade de consumo
e a apatia do homem diante de turbulentos e conflitantes cenários sociais, temáticas que
estarão registradas na quase totalidade de sua produção, mesmo após o período
ditatorial. Sabe-se que muitas obras de Rubem Fonseca foram produzidas entre os anos
de 1964 e 1985, período no qual vigorou no Brasil a ditadura militar. Esse fato histórico
tornou-se foco de discussão entre vários autores contemporâneos a esta época. De
acordo com Edu Otsuka (2001, p. 16), o período em que mais se produziu literatura
comprometida com as causas sociais, resultante da ditadura, foi o imediatamente
posterior ao decreto do Ato Institucional n.º 5 (AI-5), em 1968, fase da ditadura em que
a censura e a opressão foram mais acentuadas. É especialmente nessa época que ―a
literatura visava à denúncia da realidade, com o intuito deliberado de expor a verdade
oculta sob o discurso oficial e sob a repressão e a censura, voltando-se também para as
24
críticas dos descaminhos da ditadura militar e da modernização tal como se vinha
fazendo‖ (FRANCO, 1998 apud OTSUKA, 2001, p. 16).
5
Em páginas seguintes será discutido de maneira mais amiúde o uso do termo pós-modernidade e a sua
agregação à contemporaneidade. Por ora, é interessante ressaltar que a tônica das narrativas fonsequianas,
bem como uma série de obras literárias escritas a partir do contexto manifestado no pós Segunda Grande
Guerra, está intimamente vinculada à sensação nítida de desestabilidade de estruturas e parâmetros diante
das cada vez mais velozes alterações vistas nas sociedades ocidentais – o comportamento de cada
indivíduo é penetrado por essa conjuntura e as pessoas revelam-se destituídas de posicionamentos
universais sobre a maneira mais salutar de vivenciar as experiências promovidas pelas novidades.
25
de estilos, do domínio do absurdo, do insólito e do grotesco, e a utilização da paródia,
da ironia e do humor negro‖, os quais ―serão o embrião de uma estética própria que
estará presente praticamente em toda a sua ficção posterior. Referimo-nos ao Realismo
brutal (Bosi, s. d.) (...)‖ (PETROV, 1993).
As marcas contundentes de Fonseca, destacadas por Petrov no artigo
mencionado, mas também continuamente evidenciadas na quase totalidade de
produções críticas a respeito deste escritor, perpassam, em especial, pela linguagem
adotada, que abre mão de todo e qualquer adorno, é ―despojada e objetiva‖, num esforço
de provocar o efeito do real ―pelo primado de duas componentes do plano linguístico e
estrutural: a variedade de sociolectos, suporte dos diálogos, que contextualizam e
presentificam os antagonismos, e a montagem cinematográfica, recorrendo a elipses, a
exigir uma leitura atenta e reconstruidora dos eventos‖ (PETROV, 1993).
(...) Antônio Candido percebe que, sob o encanto pela novidade, poderia
estar também submissa, ainda que não deliberada, às exigências do mercado
26
consumidor. A vontade de inovar poderia traduzir o esforço autêntico de
produzir novas formas, ou, ao contrário, poderia apenas reproduzir o
movimento geral da sociedade capitalista, com o qual as constantes
mudanças de técnicas e estilos guardam incômoda – e suspeita –
semelhança.
Saí, como sempre sem saber para onde ir, tinha que ser uma rua deserta, nesta
cidade que tem mais gente do que moscas. Na avenida Brasil, ali não podia
ser, muito movimento. Cheguei numa rua mal iluminada, cheia de árvores
escuras, o lugar ideal. Homem ou mulher? Realmente não fazia grande
diferença, mas não aparecia ninguém em condições, comecei a ficar tenso,
27
isso sempre acontecia, eu até gostava, o alívio era maior. Então vi a mulher,
podia ser ela, ainda que mulher fosse menos emocionante, por ser mais fácil.
Essa cena descreve a busca incessante que um homem de classe média alta
faz por vítimas, para animar um pouco sua frívola rotina, descrita nos parágrafos iniciais
do conto. Fica patente com a leitura do trecho acima, ilustrativo do estilo de Rubem,
que há nas narrativas fonsequianas evidente indiferença do ser humano por seus pares
(como elucidado no trecho ―Homem ou mulher? Realmente não fazia grande
diferença‖), além do trato da violência como algo familiar, mesmo cotidiano na vida das
pessoas, indicando comportamentos psicopatas tão caros aos valores gerados pelo vazio
que o universo do consumismo acarreta.
Pelo exposto, já se vislumbra que, apesar de a escrita de Rubem Fonseca ser
cronologicamente bem próxima de escritores como Clarice e Guimarães, seu foco é
outro. Mesmo porque o pano de fundo retratado em suas obras é eminentemente urbano,
havendo um viés de caráter sociológico em suas narrativas, diferentemente de Clarice
Lispector e Guimarães Rosa, que atuam mais no sentido de uma abordagem psicológica
de seus personagens (as narrativas são recheadas de monólogos interiores, revelando
dilemas existencialistas); Guimarães, além dessa distinção, também atua no cenário
rural, com outros valores e insatisfações. Bosi (2007, p. 436-437) congrega alguns
traços de Fonseca, elucidando que suas obras atuam na mesma corrente de escritores
que trabalham
Com esses tipos sociais, Fonseca constrói seus textos com alcances
universalistas. Muitos de seus personagens nem sequer recebem nome e seus
comportamentos estereotipados enquadram-se e fazem eco na vida de qualquer homem
imerso no dilema da contemporaneidade: são desejos e vontades que afloram
brutalmente em função das opressões por que passam esses indivíduos. De acordo com
Moisés (1996, p. 587): ―basta, para confirmá-lo, que abram os jornais: a
comédia/tragédia da vida guarda uma gratuidade ácida, os imprevistos sucedem a cada
28
passo‖. Num espaço tomado por concreto e asfalto, o homem age de acordo com o que
lhe impele a vida guiada por valores materialistas. Espaços e seres vazios de essência,
de moral e de limites são mostrados pelo escritor de forma contundente, revelando ao
leitor a real dinâmica que direciona a vida ocidental na atual conjuntura do capitalismo.
Daí o ―tom realista, de um realismo feroz, cruel, que não cede ante os gestos mais
violentos ou as palavras de baixo calão‖ de que fala Massaud Moisés (1996, p. 587) ao
referir-se ao escritor. É exatamente isso o que defende Rubem Fonseca em entrevista ao
jornal Folha de S. Paulo, em 2004, ao ser questionado sobre sua suposta fixação pela
violência, pelo escatológico e pelo grotesco. O escritor, que sempre rejeitou a prática de
expor suas ideias em espaços que não suas próprias obras, defende:
Mas o fato, a meu ver incontestável, é que vivemos cada vez mais rodeados
de dejetos e deformidades de todo tipo. Não falo metaforicamente, embora a
metáfora também se aplique ao caso. Basta abrir um jornal ou fazer um
passeio noturno para topar em cada canto com a matéria excrementícia.
Nossa imaginação, principalmente de quem vive nas grandes cidades, está
sobrecarregada de massacres. Veja agora esta guerra suja no Rio. Penso
também na exibição dos corpos de Vigário Geral ou dos 111 mortos do
Carandiru e associo essas imagens, por absurdo que possa parecer, à
exposição dos cadáveres do museu alemão, ou a outra, que vi há mais tempo,
num museu de Londres: um porco apodrecendo dentro de uma caixa de
vidro, a decomposição incorporada ao cotidiano como realidade e espetáculo
(DIAS, M. S., 2004).
29
O excerto acima é, ao mesmo tempo, o clímax e desfecho da narrativa e
demarca, de forma satisfatória, a linha trilhada por Rubem Fonseca ao longo de sua
carreira de literato: a resolução dos conflitos por meio de impulsos violentos, nada
racionais, desconsiderando qualquer valor ético ou moral e os princípios da
racionalidade. Zira, protagonista do conto, frustrada por ter perdido o posto de madrinha
da bateria de uma escola de samba, procura vingar-se agindo fria e impensadamente.
Literalmente, possui ―sede de vingança‖ e este intento consegue alcançar, tanto que o
conto se encerra quando a rival Daiana torna-se vítima dos instintos da protagonista.
Segundo Tomás Eloy Martínez, na introdução de 64 contos de Rubem Fonseca (2006,
p. 11):
Zira, a madrinha que no final será destituída, cifra seu orgulho na fantasia
que vem preparando desde abril, desde que os últimos ecos do carnaval se
apagaram no morro. Cidinho, o primeiro passista da Escola, não está mais
apaixonado por Zira. Ele agora prefere carne fresca e bundas menos
volumosas, conforme as pautas ditadas pelas revistas femininas. A tragédia
de Zira consiste em sua maturidade, na enormidade de sua bunda, nos
códigos implacáveis do morro, que só Fonseca e o povo da Escola
entendem.
30
estigmatizando a trajetória dos personagens é tamanha, que poderíamos avaliar que o
drama teria iguais proporções, mesmo que a estória se passasse em metrópoles de outros
pontos geográficos, mas que guardassem em si o germe do consumismo compulsório e
as amarras sociais típicas do modo urbano e industrializado de organização da vida.
Desse modo, ―a literatura de Rubem Fonseca mergulha totalmente no perímetro da
grande cidade e não é possível analisá-la sem ter presente a dimensão, o peso e a
respiração do espaço urbano e da sua capacidade de segregação miasmática‖
(BAPTISTA, 1980, p. 7-16).
O espaço, desse modo, não funciona como um elemento estanque na
narrativa de Rubem Fonseca, não figura como mero cenário onde se desenrola a trama.
Ele é chave para a percepção do modo como os personagens estão condicionados a
determinado modus vivendi: não se pode esperar nada muito diferente das pessoas que
estão submersas em um contexto objectualizado, completamente tomado pela lógica do
mercado e do consumo. As descrições, ora minuciosas ora confusas desses ambientes,
bem demonstram a atenção que Rubem Fonseca concede ao espaço como um elemento
de alta complexidade para a definição de suas narrativas. Conforme Elizabeth Lowe
assinala:
31
mais o senso de humanidade que possuem, deixam de se reconhecer como tal, e passam
a valorizar os elementos mais dispensáveis à existência. Em 1969, em artigo publicado
no Jornal do Commercio, Marcos Santarrita já trazia à tona essas reflexões a respeito do
escritor:
Num estilo sêco, incisivo, às vezes puro diálogo, às vezes pura prosa (com
ocasionais recursos ao verso livre), Rubem Fonseca, aproveitando todas as
novas descobertas da literatura, e acrescentando inúmeras outras próprias,
não se deixa jamais embalar pelo dôce som do beletrismo, não se esquece
nunca do que a literatura, antes de tudo, tem de ser: ficção (...) os temas de
Rubem não são tantos assim. Com efeito, em quase tôdas as suas histórias,
nas de violência quanto nas de ternura, no sofrimento e na alegria, o que está
por trás da narrativa é uma profunda sensação de solidão, ou uma vontade
irreversível de lutar, ou a dor, ou a desilusão, ou o desespero do ser humano
frente às fôrças sociais, ou seu esmagamento na cidade grande – para usar um
clichê, a falta de comunicação entre os homens (...) Rubem Fonseca
compreende muito bem que literatura é testemunho, um testemunho que só
adquire validez e perenidade quando transformado em obra de arte, é certo –
mas ainda assim, primeiro e antes de tudo, testemunho. E por assim saber, e
por assim escrever, é que se situa hoje como um dos maiores – senão o maior
– de nossos contistas. Não foi à-toa que Francisco de Assis Barbosa citou
seus livros como ―a mais notável obra desde Guimarães Rosa‖
(SANTARRITA, 1969).
Para Moisés (1996, p. 587), há uma ―tensão explosiva, ainda que por vezes
silenciosa‖ nas obras de Rubem Fonseca, que constrói uma ficção em que ―não há
fantástico nenhum; o enredo, apesar de estranho, ancora no cotidiano, divisado sem
complacências‖. Massaud Moisés fez esta análise pautando-se no conto ―Passeio
Noturno‖, no entanto, entende-se que essas características sejam condizentes a quase
todas as obras do escritor.
O efeito de que Moisés fala, entre inúmeras outras críticas que elencam a
ficção de Rubem Fonseca como uma das manifestações literárias com temáticas
consideradas das mais cruéis dos últimos tempos no Brasil, como tem sido demonstrado
ao longo deste capítulo, é garantido, entre outros recursos, pela linguagem adotada nas
narrativas – elemento que, inclusive, tem gerado polêmica entre a crítica produzida a
respeito do escritor6. No geral, a linguagem de Fonseca é caracterizada como ―concisa,
cortante, numa rapidez de perder o fôlego‖ (MOISÉS, 1996, p. 587).
Mas, tanto quanto o espaço, a linguagem também não pode ser avaliada
como um elemento desviado do tom assumido pelas narrativas; ela é um trunfo nas
6
Uma das razões pelas quais a publicação e circulação da obra Feliz Ano Novo foi censurada em 1976,
com o governo alegando que se tratava de linguagem pornográfica – segundo parecer do Ministro da
Justiça à época, Armando Falcão, a obra seria vetada por ―exteriorizar matéria contrária à moral e aos
bons costumes‖.
32
mãos do escritor que deseja conferir harmonia e unidade em suas linhas. E,
indubitavelmente, as narrativas de Rubem Fonseca são plenamente unas nesse aspecto:
conseguem apresentar coerência interna entre todos os elementos ficcionais, que
corroboram para que o leitor tenha o efeito desejado pelo escritor ao cabo da narrativa.
Muitos críticos têm se debruçado sobre o assunto da linguagem fonsequiana,
especialmente pela polêmica gerada por ela – algumas pessoas ainda veem com maus
olhos o ficcionista que não hasteia a bandeira da linguagem canônica. Entretanto, é
importante considerar que Rubem Fonseca, já fruto de um longo processo de libertação
da literatura em relação às amarras estabelecidas como parâmetros clássicos para a arte,
vale-se da linguagem como uma ferramenta que coaduna, junto às tramas e elementos
das narrativas, para a quebra de uma norma estabelecida. Atua, desse modo, como uma
ferramenta anti os tabus alimentados no mundo ocidental, capitalizado e industrializado.
Assim, consideremos que:
33
imobilizado – montei! puta que pariu! montei! – alegria, alegria, vento
quente de ódio da corja que ria de me ver apanhando na cara – canalha de
chupadores putos escrotos covardes – golpeio a cara de Rubão bem em cima
do nariz, um, dois, três – agora na boca – de novo no nariz – pau, cacete,
porrada (FONSECA, 2006, p. 107).
34
e ao vazio manifestado pela descrença no progresso e nesse modo de organização social.
Assim, para Afrânio Coutinho (1979, p. 28):
7
A crueldade aqui é compreendida em seu sentido mais próximo à etimologia do termo, que, segundo o
dicionário eletrônico Houaiss, advém da expressão ―latina crudélis,e ',que se compraz no sangue, que
derrama sangue, cruel, desumano, bárbaro, inexorável'; ver cru(d)-; f.hist. sXIV crueles, sXIV cruevil‖. A
ideia da expressão e do conceito (que caracteriza uma estética) está intimamente associada à imagem do
―cru‖, da ―carne crua‖, por assim dizer, retratando, dessa forma, por meio do doloroso aquilo que é
incompreensível e perturbador na realidade – ver ou provocar sofrimento em outrem. Em uma reflexão
mais filosófica, a crueldade pode ser entendida como uma resposta instintiva pertinente à natureza do ser
humano, a qual, ao mesmo tempo em que mostra a deterioração da vida, revela também a sobrevivência e
35
como um panorama que revela o inóspito, o desumano, a castração das vontades, enfim,
a explícita violência, seja em âmbito físico ou emocional. E o faz por intermédio do
discurso – a crueldade se manifesta nesses textos pela via da linguagem. Conforme
enfatiza Antonio Hohlfeldt, no jornal Correio do Povo, reconhecendo que esse grupo de
escritores, que ele restringe a Rubem Fonseca e Dalton Trevisan, há, de fato, uma nova
estética em produção na literatura brasileira:
Hoje, neste turbulento início do século XXI, a invasão do real pelo dilúvio de
imagens eletrônicas e cibernéticas da última revolução capitalista exaspera a
ancestral pergunta ibero-americana sobre quem somos nós (...) Cercados por
imagens e simulacros, confundidos pela volatilidade tecnomidiática,
reduzidos a ―um espaço público profundamente conturbado pelos aparelhos
tecno-tele-midiáticos, (...) e pela nova estrutura do acontecimento e da
espectralidade que produzem‖ (Derrida, 1994, p. 109) – jamais soubemos tão
pouco a diferença entre o real e a ficção.
poder do outro que a pratica – sendo, portanto, uma afirmação da vida e uma negação ao próprio
sofrimento que a vida provoca.
36
expressão artística, a crise de instituições e o questionamento das tradições, marcas
preponderantes na conjuntura pós-moderna. O elemento abjeto nunca esteve tão em
evidência quanto na contemporaneidade – nunca foi tão minuciosamente trabalhado em
obras literárias, como observa Ângela Maria Dias (2004, p. 17):
8
Remete às colocações de Michael Foucault, no texto ―A vida dos homens infames‖, ao afirmar que, em
suas leituras, vinha se interessando pela expressão literária que era talhada ―em algumas frases em volta
de personagens decerto miseráveis, ou os excessos, a mescla de sombria obstinação e perfídia daquelas
vidas de que pressentimos, sob a pedra polida das palavras, o descalabro e a sanha‖ (FOUCAULT, 1992,
p. 91-92).
37
fonsequiana estão continuamente despontando a ideia de abjeto como um recurso
proeminente e muito frutífero em suas criações.
38
É nesse sentido que Kristeva (apud MORAES, 2008) assinala que ambos
esses conceitos atuam no campo do sem-limites, mas a diferença fundamental entre eles
é a de que o sublime está mais para o aspecto etéreo e o abjeto focaliza o corpo – para
ela, o cadáver é a imagem mais próspera para a representação do abjeto. Não tenhamos
dúvidas de que nas narrativas de Rubem Fonseca há constantes imagens que direcionam
à ideia do baixo corporal, à escatologia (no sentido mais arraigado aos excrementos e à
coprologia) e aos tabus. Não raro, o vemos ser definido e comentado como o criador de
uma ficção dominada pela marginalização indiferente às classes sociais estabelecidas –
de malandros habitantes dos morros cariocas a burgueses donos de apartamentos à beira
mar, vemos se alastrarem as cenas de deformidade social. É como bem pontua Oscar
D‘Ambrosio, em matéria publicada no Jornal da Tarde, em 25/03/1989, comentando a
reedição da obra O cobrador:
39
(2008), utilizando as teorias de Kristeva e Seligmann-Silva: ―A pele, os seus orifícios,
dejetos e fluidos são os suportes privilegiados dessa arte abjeta; o corpo é um campo
semiótico, dividido em zonas – a base sobre a qual se desenvolveu e se assenta o
discurso simbólico da linguagem‖. Esse recurso é amplamente desenvolvido por
Fonseca. Em O cobrador não são raras as imagens de abjeção. O abjeto não é utilizado
apenas para chocar o leitor; ele violenta os limites, isto é, os tabus, naquilo que, segundo
Kristeva (1982), seria uma espécie de reencenação da proto-cisão9, em uma sociedade
marcada pela dissolução das regras e dos tabus. O jornal Folha de S. Paulo publicou
uma matéria de Arthur Nestrovski, em 1995, a respeito dessa tendência que as obras de
Fonseca têm em trabalhar com a categoria do abjeto, expondo exatamente essa ordem
de pensamento: o infame, o grotesco, o abjeto na obra fonsequiana perturba, muito mais
que o leitor no momento de fruição da leitura, a ―ordem das coisas‖, conforme é
possível observar no excerto abaixo:
9
Para definir o termo proto-cisão, recorremos a artigo publicado por Márcio Seligmann-Silva (2003, p.
35): ―proto-cisão significa aqui a construção do ‗eu‘ pela ‗passagem pela experiência da dor‘ – e da sua
negação. A ‗arte da dor‘ justamente desfaz a negação/recalque da experiência dolorosa, bem como, em
termos da ‗história da civilização‘, quebra os tabus que haviam sido construídos em torno do corpo e de
suas excreções‖.
40
Capítulo 2. Reflexões sobre a sociedade de consumo no contexto do capitalismo
tardio: a indústria cultural e a televisão como elementos propiciadores da
dominação das massas
41
narrativas fonsequianas, que, sem meias palavras, revelam um universo ficcional no
qual a violência torna-se tão banal e cotidiana que gera novas leis comportamentais.
10
Como aludido anteriormente, a opinião dos estudiosos dos fenômenos sociais não pode ser vista como
um corpo uniforme e harmônico. Mesmo contemporâneos a Jameson criticavam a existência de uma nova
fase assentada nas bases do aprofundamento do capitalismo, hoje sendo reconhecido como pertinente à
42
Culturalmente, no entanto, as precondições se encontram (com exceção da
grande variedade de ―experimentos‖ modernistas aberrantes que são depois
reestruturados como predecessores) nas grandes transformações sociais e
psicológicas dos anos 60, que varreram do mapa tantas tradições no nível
das mentalités. Desse modo, a preparação econômica do pós-modernismo,
ou do capitalismo tardio, começou nos anos 50, depois que a falta de bens de
consumo e de peças de reposição da época da guerra tinha sido solucionada
e novos produtos e novas tecnologias (inclusive, é claro, a da mídia)
puderam ser introduzidos.
Fica evidente nesse trecho extraído da obra de Fredric Jameson que, a partir
de meados da década de 50, o sistema capitalista passou por profundas alterações. Vive-
se, desde então, a intensificação da lógica regida pelos ideais da publicidade e do
marketing e o ser humano deixa de ser visto apenas como uma força de trabalho
necessária para a manutenção desse sistema, passando a figurar como um consumidor
em potencial, que deve estar sempre disposto e em condições de alimentar o círculo
vicioso do consumismo, fato condizente com o discurso de David Harvey (2003, p. 259-
260):
E o estudioso continua:
terceira fase (multinacional). Em páginas anteriores, utilizamos os termos de Anthony Giddens para
definir o conceito de modernidade, sendo imperativo destacar que ele representa exatamente um dos
estudiosos que rejeita a ideia de que há uma nova fase sucedendo a modernidade. Segundo Giddens
(1990), a pós-modernidade não seria nada mais que uma extensão da modernidade, ou um
aprofundamento de seus traços mais preponderantes, tornando-se cada vez mais universalizados. A maior
característica dela, conforme este sociólogo britânico, e que permanece ainda nesse momento de
aprofundamento, é seu dinamismo – as rápidas transformações que operam constantemente na sociedade
e nos mecanismos adotados pelos homens, trazendo também consequências agravantes para a organização
social.
43
(...) passamos para uma nova era a partir do início dos anos 60, quando a
produção da cultura ―tornou-se integrada à produção de mercadorias em
geral: a frenética urgência de produzir novas ondas de bens com aparência
cada vez mais nova (de roupas a aviões), em taxas de transferência cada vez
maiores, agora atribui uma função estrutural cada vez mais essencial à
inovação e à experimentação estéticas‖. As lutas antes travadas
exclusivamente na arena da produção se espalharam, em conseqüência disso,
tornam a produção cultural uma arena de implacável conflito social. Essa
mudança envolve uma transformação definida nos hábitos e atitudes de
consumo, bem como um novo papel para as definições e intervenções
estéticas (HARVEY, 2003, p. 65).
44
de referencial para a conjuntura caracterizada como ―moderna‖. Entre os elementos
vivamente elencados por Lyon, a televisão e a cultura de consumo erigem como fortes
aspectos responsáveis, por assim dizer, pelas alterações verificadas no contexto da
segunda metade do século XX. Para Lyon,
45
uma publicação de Guy Debord, que trata do processo de alienação como um resultado
da organização social regida sob a égide do capitalismo. Segundo este escritor francês, o
espetáculo assume, em uma releitura das ideias mais recorrentes de Marx, o papel de
mecanismo de dominação efetivado pela burguesia em relação às classes trabalhadoras,
e a repercussão disso em termos mais amplificados na sociedade contemporânea.
Segundo Debord (2003):
Nesse sentido, é lícito afirmar que um fato decisivo para que esta conjuntura
fosse consolidada foi o advento dos veículos de comunicação, a dizer o rádio e a
televisão, que passaram a ser maciçamente consumidos, atuando como poderosos
mecanismos de reforço de uma conduta em que cada indivíduo baseia seus gestos pelos
dos outros. Essa concepção remete ao pensamento de outro sociólogo de grande
expressividade quando o assunto são as sociedades modernas e a influência da mídia
para as novas ideologias produzidas, John Thompson, o qual afirma, na obra A mídia e
a modernidade: uma teoria social da mídia, que ―se quisermos entender a natureza da
modernidade – isto é, as características institucionais das sociedades modernas e as
condições de vida criadas por elas – devemos dar o lugar central ao desenvolvimento
dos meios de comunicação e seu impacto‖ (THOMPSON, 2004, p. 12).
Entretanto, para entendermos esse fenômeno que se instaura como força-
motriz da lógica das sociedades ocidentais regidas pelo capitalismo tardio, é necessário
remontar a movimentos anteriores à produção dessa linha de pensamento que discute a
possibilidade ou não de um novo contexto sócio-histórico em consolidação. Esses
sociólogos de linha neo-marxista desenvolvem discussões que trazem à tona o fato de os
tempos terem sofrido relevantes alterações durante a chamada Guerra Fria, estendendo-
se até os dias hodiernos, em virtude especialmente da imponência desses meios
midiáticos.
O pensamento de base marxista sobre a comunicação, e não só nessa área,
foi fortemente influenciado, em grande parte do século XX, pela chamada Teoria
Crítica, ou Escola de Frankfurt, como referência à sua origem europeia e a seus
46
fundadores. Essa corrente de estudos se opõe de muitas maneiras às pesquisas realizadas
no âmbito da escola norte-americana de comunicação. Um primeiro aspecto dessa
oposição é na proposição dos teóricos críticos em, de acordo com o método marxista de
análise científica da sociedade, entender os fenômenos sociais de sua época como um
todo, sem setorizar as análises, como fizeram os funcionalistas e os demais
pesquisadores da escola americana.
47
célebre texto de Benjamin intitulado A obra de arte na época de sua reprodutibilidade
técnica (COSTA LIMA, 1982, p. 207). Walter Benjamin desnudou a arte da aura em
que esteve sacralizada ao longo de muitos séculos, evidenciando que, a partir do século
XX, é muito mais apropriado pensar em arte como produto de um discurso, uma teoria
do discurso. Esse é um grande diferencial, a propósito, entre as discussões de Benjamin
e Adorno, por exemplo, pois, sem ter conotações tão apocalípticas quanto as de Adorno,
Benjamin especula as novas possibilidades que a obra de arte adquire com o novo
contexto que permitiu a reprodução de obras artísticas, por meio de técnicas cada vez
mais sofisticadas. É nesse viés que, segundo Benjamin, cabe falar em obras como
veículos de propaganda ideológica de decisões políticas, a exemplo do que manifesta o
excerto:
Também como lógica de dominação das massas por parte das grandes
estruturas de poder (Estado burguês e meios de comunicação como instrumento),
Adorno e Horkheimer, em sua obra mais famosa, Dialética do Esclarecimento, de 1947,
propõem o conceito de ―indústria cultural‖, segundo o qual a adequação dos produtos
culturais, classificados esteticamente ou de acordo com os interesses dos consumidores
desses produtos, é perfeitamente adequada à lógica de todo o sistema produtivo,
mantendo ao fundo a identidade do domínio que a indústria cultural exerce sobre os
indivíduos (WOLF, 1985, p. 85).
48
Embora a ideia de sociedade presente nos estudos da Escola de Frankfurt
seja quase diametralmente oposta às correntes de estudo norte-americanas, a visão do
indivíduo-massa como componente dos processos sociais e, mais especificamente,
como elemento do processo comunicativo, aqui inserido dentro da lógica da indústria
cultural, é bem semelhante: vigora a ideia da impotência do indivíduo diante do poderio
estabelecido pelos meios de comunicação.
Sobre isso, Wolf (1985, p. 86) diz que ―na era da indústria cultural, o indivíduo
deixa de decidir autonomamente; o conflito entre impulsos e consciência soluciona-se
com a adesão acrítica aos valores impostos‖.
Para Sousa (1995, p. 20), o receptor talvez possa ser visto aqui como outra
expressão do dualismo teórico entre sujeito e objeto, empiricamente constituído como
―expressão de receptor/objeto/mercadoria‖, chegando ao máximo de sua reificação
(isolamento e indiferença com as relações socioafetivas). O autor chega a essa
conclusão considerando que a racionalidade do capitalismo do início do século deslocou
da indústria para o mercado o eixo explicativo de manutenção do sistema, e era nesse
eixo que os herdeiros do marxismo identificavam a interação entre comunicação, cultura
e poder, e onde o receptor era impingido a assumir um papel de passividade diante das
estruturas de dominação capitalistas, sem, contudo, perceber que esse papel lhe era
imposto por causa da ação da indústria cultural.
Adorno propôs importantes discussões nesse sentido, enfatizando os efeitos
nefastos produzidos pela organização da indústria cultural, a qual passou a ter
autoridade sobre o novo modelo de ideologia, legitimando, assim, os interesses da
classe dominante. De acordo com Adorno, a razão humana perdeu espaço para a razão
instrumental, conforme demonstra o trecho a seguir:
49
suas técnicas, tanto mais fácil fazer crer que o mundo de fora é o simples
prolongamento daquele que se acaba de ver no cinema (...). A vida,
tendencialmente, não deve mais poder se distinguir do filme (ADORNO;
HORKHEIMER, 1982, p. 154-165).
50
desestruturação dos valores outrora preservados pela sociedade. A partir disso, os
objetivos a serem perseguidos passam a ser regidos pelas ilusórias ideologias
alimentadas pelos aparelhos de televisão e rádio, que, por serem quase sempre
financiados pelas empresas de publicidade, tornam o consumo um elemento
indispensável à vida.
Evidentemente, uma pesquisa neste viés não é tão simples de ser efetivada,
já que, com ela, corre-se o risco de tornar o texto literário um mero instrumento de
análise de uma sociedade, perdendo-se assim o valor estético da obra. Sendo assim, é
preciso perceber que
(...) a linguagem é uma produção por certo conectada, mas dotada de regras
de funcionamento próprio, que são da competência do lingüista. Sobre estas
regras gerais se acrescentam regras outras, já não de ordem lingüística, que
dizem respeito ao funcionamento dos discursos e dos gêneros. Não levará ao
reducionismo sociologizante ou, caso só a primeira ordem seja ressaltada, do
reducionismo formalizante (COSTA LIMA, 2002a, p. 664).
51
―visionário‖ do seu tempo, que é capaz de interpretar, de forma concisa e coerente, todo
o modo de funcionamento da sociedade na qual está imerso.
52
Capítulo 3. Análise dos contos “Pierrô da Caverna”, “Onze de Maio” e “O
Cobrador”: a indústria cultural e as narrativas fonsequianas
53
à tona o caso incestuoso entre o narrador-personagem e sua musa-irmã, com toda a
ambivalência que as duas possibilidades podem abarcar, além de ter uma clara crítica ao
comportamento romântico do século XIX, amplamente ironizado neste conto; ―O Jogo
do Morto‖ é a narrativa que evidencia o cenário típico dos casos de grupos de
extermínio, a banalização da violência é o fio condutor da narrativa, quando percebemos
que é apostada a quantidade de cadáveres que serão frutos da ação desses grupos e os
resultados da seriedade da aposta; ―Encontro no Amazonas‖ é a trajetória de um sujeito
que, para consolidar sua missão (um crime encomendado), percorre as mais remotas
localidades amazônicas em busca de uma vítima de quem se desconhece a identidade;
―A Caminho de Assunção‖, uma narrativa ambientada em um cenário de luta armada,
desenvolve o trauma gerado por grandes catástrofes provocadas pelo planejamento
humano, com alusões à Guerra do Paraguai; ―Mandrake‖, conto com clima de narrativa
policial, evolui a partir de um assassinato de procedência duvidosa, cujo desvendamento
fica sob o encargo do investigador, corruptível e tão questionável quanto os demais
personagens da trama; ―Livro de Ocorrências‖ é a narrativa curta que sintetiza a rotina
das delegacias de polícia, onde os crimes hediondos, de tão comuns, são vistos com
indiferença pelos que dela fazem parte; ―Onze de Maio‖ revela a manipulação sofrida
por idosos reclusos em um asilo homônimo, alienados de sua realidade; ―Almoço na
Serra no Domingo de Carnaval‖, penúltimo conto da coletânea, é a estória de um sujeito
que parte para uma ação de vingança, incontrolável, porém sutil, contra a família que
supostamente lhe toma as posses; e, finalmente, ―O Cobrador‖, último conto, que fecha
a coletânea, apresenta a narrativa de um sujeito em estado de fúria, o qual reage
vingativamente contra todos os elementos agressores, a fim de aniquilar os fatores que
lhe provocam angústia, recaindo, ao final da trama, em uma ação organizada de
morticínio em massa.
Esse breve panorama das histórias que compõem o livro em análise já denota
apontamentos para a pretensão maior do presente estudo: verificar, por meios dos
contos selecionados, como as obras de Rubem Fonseca atuam como instrumentos de
análise e compreensão de um homem imerso no que chamamos de pós-modernidade,
especialmente, sendo atingido de maneira direta e irrevogável pelas manifestações da
indústria cultural. A impressão primeira que os contos provocam é que as narrativas
todas revelam uma visão macabra da brutalidade moderna, resvalando na discussão a
respeito do abjeto na obra fonsequiana, que, a propósito, está completamente tomada
54
por categorias dessa natureza: a violência deflagrada, a escatologia, o erotismo
escabroso, cruel e também violento – tudo isso funcionando como um mecanismo do
autor a evidenciar que há, na vida cotidiana e contemporânea, uma sensação de
incomunicabilidade intransponível e nítida hipocrisia como sustentáculo das relações
sociais.
Esperava-se que fosse uma extensão de Feliz Ano Novo, e não apenas por
conta da reaparição, com maior destaque, do investigador-cabeça Mandrake,
mas sobretudo porque o brutalizado Brasil dos anos 1970 parecia exigir cada
vez mais a vigília de uma ficção incômoda, brutal, moralmente transgressiva
e socialmente subversiva. Rubem Fonseca deu conta do recado.
Não há país mais real do que aquele que emerge de O Cobrador,
como escreveu na Veja a jornalista Marília Pacheco Fiorillo: ―um país
desagradavelmente palpável, com suas metrópoles doentes de pânico e
solidão, secretando a todo instante obsessões tão excêntricas quanto
inofensivas‖, um país de incontroláveis surtos de violência, aterrorizado por
bandidos e esquadrões da morte, tarados e justiceiros, burgueses
obscenamente ricos e pobres indecorosamente desvalidos, políticos corruptos
e velhinhos infelizes e amedrontados, uma falsa ilha de paz e prosperidade
idiotizada pela pasmaceira televisiva (AUGUSTO, 2010).
55
(...) não se aproxima do ideal de Rubem Fonseca: encontrar, pela linguagem, o poder de
combate à violência social e desumana enfrentada diariamente nas ruas‖
(D‘AMBROSIO, 1989).
56
3.1. “O Cobrador”
57
situação por ela ilustrada é mantida continuamente, está arraigada ao sistema social
urbano que compõe a trama de Fonseca. Um pouco mais adiante, no ―episódio‖
posterior à cena do consultório dentário, o Cobrador descreve a rua como se estivesse
narrando exatamente no momento em que percorria as calçadas cariocas, típica das
grandes metrópoles:
A rua cheia de gente. Digo, dentro da minha cabeça, e às vezes para fora, está
todo mundo me devendo! Estão me devendo comida, buceta, cobertor,
sapato, casa, automóvel, relógio, dentes, estão me devendo. Um cego pede
esmolas sacudindo uma cuia de alumínio com moedas. Dou um pontapé na
cuia dele, o barulhinho das moedas me irrita. Rua Marechal Floriano, casa de
armas, farmácia, banco, china, retratista, Light, vacina, médico, Ducal, gente
aos montes. De manhã não se consegue andar na direção da Central, a
multidão vem rolando como uma enorme lagarta ocupando toda a calçada
(FONSECA, 2006, p. 275).
58
depreciação ao que o sistema regido pela lógica do consumo impõe como ―solução‖
para garantir uma vida digna. Na voz do Cobrador, vemos as marcas de agressão a
indivíduos que figuram como um grupo maior (mesmo que não numericamente), o dos
dominantes, daqueles que têm acesso aos bens de consumo, às projeções de felicidade
―plastificada‖, prometidas por empresas de marketing. Mas, no decorrer da narrativa,
com o fatídico envolvimento do marginalizado Cobrador com a burguesa Ana, a própria
―verdade‖ vociferada pelo narrador em toda a trama confunde-se – não há mocinhos
nem vilões, todos são coautores e vítimas do caos instaurado.
59
um casal burguês, bem trajado, que saía de uma festa pomposa. A mulher e o homem
são mortos de diferentes maneiras: ela morre depois de levar um tiro da Magnum; ele,
depois de ter a cabeça decepada por um facão. Nesse episódio fica visível que o
Cobrador não é um criminoso comum, não executa suas vítimas em função de dinheiro,
sua pretensão centra-se em uma vingança de caráter social. Nesse ínterim, percebe-se
que não apenas vandalismos e homicídios fazem parte dos crimes cometidos pelo
Cobrador, que, após matar o casal, invade um apartamento e estupra a moradora.
60
vítimas, mas sim com o padrão social por elas ocupado. Na cena em que adquire uma
Magnum, verifica-se esta frigidez do cobrador quando comete o homicídio do
contrabandista que lhe vendera a arma, podendo ser visto no trecho:
Percebe-se, neste trecho, o patente descaso que o homicida tem por suas
vítimas. Não lhe interessa subtrair daqueles que supõe serem os responsáveis por suas
frustrações aquilo que julga não ter, e que acredita ser essencial, sua pretensão tende
muito mais a aniquilar o elemento que lhe provoca ojeriza. O trecho em destaque logo
demonstra que há no Cobrador a pulsão por anular completamente as marcas daquilo
que a ele representa a ausência e a castração diante do código social estabelecido.
Poderia ter exterminado o homem da Magnum com o primeiro tiro, como supôs, mas,
segundo sua conduta de ―justiceiro‖, aquele que tinha a mão ―branca, lisinha‖ deveria
padecer a fúria acumulada do que possui a mão ―cheia de cicatrizes‖ (FONSECA,
2006).
Nessa descrição do enredo do conto já fica patente a associação de Rubem
Fonseca à chamada estética da crueldade, segundo a qual não há gratuidade na
veiculação deliberada de cenas e atmosferas de violência e de crueldade, as quais atuam,
na realidade, como elementos eminentemente estéticos de composição da obra. A
atenção pormenorizada dada aos aspectos que, no contexto dessa vertente, são
denominados como abjetos ocorre de maneira a consolidar um efeito planejado pelo
artista no receptor da obra e se configura como um recurso utilizado em largas
proporções em narrativas contemporâneas.
Ângela Maria Dias (2004, p. 18), ao discutir as representações
contemporâneas da crueldade, explicita que o princípio da crueldade como diretriz de
organização formal pode ser compreendido como um fenômeno que ―está entendido
como violência sádica, agressividade mais ou menos sutil, embutida nas imagens
perversas do consumo, da cobiça e da promiscuidade pornográfica que nos rodeiam‖.
Pari passu, a estudiosa também evoca que essas representações funcionam como
mecanismos que elucidam a ―insuficiência do real‖ (DIAS, A. M., 2004, p. 19), sendo
61
uma das vias necessárias para que a realidade se torne ―inevitável e impossível de ser
atenuada ou afastada‖ (p. 18). O trecho abaixo tem claras mostras do trabalho de
Fonseca com a categoria do abjeto:
Estão me devendo xarope, meia, cinema, filé mignon e buceta, anda logo.
Dei-lhe um murro na cabeça. Ela caiu na cama, uma marca vermelha na cara.
Não tiro. Arranquei a camisola, a calcinha. Ela estava sem sutiã. Abri-lhe as
pernas. Coloquei os meus joelhos sobre as suas coxas. Ela tinha uma
pentelheira basta e negra. Ficou quieta, com olhos fechados. Entrar naquela
floresta escura não foi fácil, a buceta era apertada e seca. Curvei-me, abri a
vagina e cuspi lá dentro, grossas cusparadas. Mesmo assim não foi fácil,
sentia o meu pau esfolando. Deu um gemido quando enfiei o cacete com toda
força até o fim. Enquanto enfiava e tirava o pau eu lambia os peitos dela, a
orelha, o pescoço, passava o dedo de leve no seu cu, alisava sua bunda. Meu
pau começou a ficar lubrificado pelos sucos da sua vagina, agora morna e
viscosa.
Como já não tinha medo de mim, ou porque tinha medo de mim,
gozou primeiro do que eu. Com o resto da porra que saía do meu pau fiz um
círculo em volta do umbigo dela. Vê se não abre mais a porta pro bombeiro,
eu disse, antes de ir embora. (FONSECA, 2006, p. 281).
62
o ser humano sentisse não fosse o suficiente encerrar o que está sentindo), os tabus que
são constantemente postos em cheque fazem com que o leitor dessa narrativa, e da
quase totalidade das obras de Rubem Fonseca, sinta-se agredido – o real é
continuamente intensificado diante do leitor. Tudo isso é marca de uma das maiores
características das obras fonsequianas (e porque não dizer de muitas narrativas
contemporâneas): rompem com o convencional. Em toda a narrativa há elementos que
estão o tempo inteiro maculando a norma; a crueldade traz à discussão os tabus
estabelecidos socialmente; as ações do Cobrador aparecem como uma subversão doentia
à ordem – é um retrato da realidade do capitalismo que erige o lucro e o consumo
compulsivos como emblemas. Não à toa a fúria do personagem desta trama é canalizada
a um grupo social específico de personagens: os burgueses ou os bem sucedidos nesse
sistema desigual. Há, nesse caso, um confronto de ordem cultural, social e econômica
entre grupos.
Esta realidade traz à tona as concepções de David Lyon (1998, p. 86), o qual
incide na caracterização do chamado contexto pós-moderno:
63
A fúria devoradora deste obsceno maquinismo tecnoburocrático – auto-
reproduzido e incessantemente aperfeiçoado pelo desenvolvimento capitalista
– encarnam a mais insidiosa forma contemporânea da crueldade. Ao produzir
um nexo de equivalências e vínculos entre homens e coisas, naturaliza a
vontade de domínio como desejo do mais forte e dissemina a espoliação, em
todas as versões mais sutis e sedutoras, como ―modus operandi‖ da
socialização (DIAS, A. M., 2004, p. 17).
64
estética do excesso: a imagem e contraposição dos dentes brancos e do sorriso vermelho
aparecem como marca registrada da busca por status impelida pelos veículos midiáticos,
no caso a TV, impregnando o narrador de ambições que não podem ser consolidadas. A
cena é bastante representativa: por meio da brutalidade e da contraposição, o narrador
parece buscar incessantemente macular o modelo televisivo.
Essa situação remete ao que comenta Ângela Maria Dias, ao dissertar a
respeito da estética da crueldade em obras contemporâneas:
A partir desse jogo de sedução exercido pela mídia, o cobrador cria em seu
imaginário o ideal de que tudo aquilo que lhe é oferecido em propagandas e marketings
deve ser conquistado e é fator obrigatório para a felicidade e sobrevivência, conforme
exposto no capítulo II desta pesquisa, nas teorias de Horkheimer e Adorno, por
exemplo:
65
mesma. O público fica alienado da sua concepção, realização e vivência.
Emoção enlatada é emoção esvaziada de força transformadora do ser e de sua
existência social. É emoção sem força oferecida enquanto tal e apenas por si;
sem peso pessoal, social ou político (ECO, 1976, p. 40 apud ROCHA, 1995, p.
65).
66
Os tipos não parecem ser recursos utilizados apenas em virtude do gênero
adotado – no caso, o conto –, eles representam também as marcas sociais que Fonseca
insere em suas obras, tão caros às metrópoles ―doentes do pânico e solidão, secretando a
todo instante obsessões tão excêntricas quanto inofensivas‖, conforme as palavras de
Marília Pacheco Fiorillo, em matéria publicada na revista ―Veja‖, em 1979 (FIORILLO,
1979). Nas obras de Rubem Fonseca, esses tipos são essenciais para a compreensão do
universo social figurado, sendo que ―seus personagens, grosso modo, se dividem em
caçados e caçadores. Os primeiros, assassinos, prostitutas, traficantes, são agentes e ao
mesmo tempo vítimas de uma estrutura social repressora em que o homem é o lobo do
homem. Os segundos, marginais também, só que protegidos pela lei, caracterizam-se
pela frieza e desumanidade de suas ações. Em ambos, a presença marcante da opressão,
do medo, do pânico‖, tal como dissertou Dad Abi Chahine Squarisi, em matéria
veiculada no ano de publicação de O Cobrador, e acrescenta, dizendo que ―Os heróis de
seus contos não têm nome nem face. Misturados à multidão, protegidos por uma polícia
impotente ou corrupta, explodem em violência, cobrando de todos o ônus de sua
marginalização‖ (SQUARISI, 1979). Os tipos, portanto, apresentam uma
funcionalidade crucial para a construção do universo ficcional que Rubem Fonseca
retrata, tanto nesta obra quanto nas demais produções.
A caracterização das personagens, sempre na voz do narrador, revela os
traços mais caricaturais das pessoas pertencentes a classes abastadas ou que possuam
melhor condição de vida em relação ao narrador. Do dentista, a primeira vítima, o
narrador destaca seu ―jaleco branco‖, como se apontasse nisso a autoridade que o
especialista possui diante das práticas sociais. De acordo com a visão do criminoso, o
dentista ―Era um homem grande, mãos grandes, e pulso forte de tanto arrancar os dentes
dos fodidos‖, contrapondo-o ao seu aspecto físico: ―E meu físico franzino encoraja as
pessoas‖ (FONSECA, 2006, p. 272-273). Outras personagens atacadas pela fúria do
cobrador também são adjetivadas conforme sua posição social ou por meio dos bens que
possuem, tal como o ―sujeito de Mercedes‖, alvo do segundo crime cometido, do qual o
narrador enfatiza que se tratava de ―um sujeito que tinha ido jogar tênis num daqueles
clubes bacanas que tem por aí‖, continuando a caracterizá-lo conforme a vestimenta:
―Ele estava vestido de branco‖ (FONSECA, 2006, p. 273). Do ―cara da Magnum‖, a
terceira vítima, é descrito um detalhe que chama a atenção do narrador e que passa a ser
por ele analisado como mais um fator de segregação: ―A mão dele era branca, lisinha,
mas a minha estava cheia de cicatrizes, meu corpo todo tem cicatrizes, até meu pau está
67
cheio de cicatrizes‖ (FONSECA, 2006, p. 274). A quarta atrocidade cometida pelo
narrador-personagem foi o assassinato de um homem e uma mulher, que interessaram
ao cobrador por estarem em ―um carro vermelho‖ e serem ―jovens e elegantes‖
(FONSECA, 2006, p. 277). Executado o casal, a próxima vítima feita foi uma ―moça de
camisola, um vidro de esmalte de unhas na mão, bonita, uns vinte e cinco anos‖ (2006,
p. 279), violentada em seu apartamento. O sexto e último alvo do instinto individual do
cobrador foi um executivo, de ―ar petulante e ao mesmo tempo ordinário do ambicioso
ascendente egresso do interior, deslumbrado de coluna social, comprista, eleitor da
Arena, católico, cursilhista, patriota, mordomista e bocalivrista‖, com ―os filhos
estudando na PUC, a mulher transando decoração de interiores e sócia de butique‖
(2006, p. 282).
Em todos os casos acima apresentados, há pelo menos um aspecto que
desencadeie no narrador a ideia de disputa social e um evidente ódio em relação às
diferenças que ele mesmo acentua. Essas pessoas que atravessam o caminho do
cobrador são grandes, brancas, bonitas, jovens, arrogantes e, por isso, para ele, merecem
ser executadas, porque estão sempre aptas a se satisfazer com um sistema que, para a
sua manutenção, assola os que ele define como ―os fodidos‖, isto é, aqueles que não têm
acesso aos prazeres e facilidades do mundo do consumo. Esta ideia também foi debatida
por Florestan Fernandes (1960), o qual afirma que, com o capitalismo,
Acabar com ela? Eu nunca havia esganado ninguém com as próprias mãos.
Não tem muito estilo, nem drama, esganar-se alguém, parece briga de rua.
Mesmo assim eu tinha vontade de esganar alguém, mas não uma infeliz
68
daquelas. Para um zé-ninguém, só tiro na nuca? / Tenho pensado nisso
ultimamente. Ela tinha tirado a roupa: peitos murchos e chatos, os bicos passas
gigantes que alguém tinha pisado; coxas flácidas com nódulos de celulite,
gelatina estragada com pedaços de fruta podre. / Estou toda arrepiada, ela
disse. / Deitei sobre ela. Me agarrou pelo pescoço, sua boca e língua na minha
boca, uma vagina viscosa, quente e olorosa. / Fodemos. / Ela agora está
dormindo. / Sou justo (FONSECA, 2006, p. 276, grifo nosso).
69
A violência do cobrador não é distribuída de modo casual, ele não agride
unicamente pelo prazer de ter a sensação provocada por sua crueldade, usufruindo
também do prazer que a iniciativa de vingança lhe concede. A vingança, nessa narrativa,
funciona como um modo de interação e, talvez, aniquilamento dos fatores que geram
segregação e angústia no narrador-personagem, remetendo às discussões de Adorno e
Horkheimer:
70
nomes, constituindo neologismos, o eu lírico desta poesia mexe com as possibilidades
que o significado do riso pode tomar: ora instigando ao ato do riso compulsivamente,
ora desestimulando a ele. Segundo acepção do dicionário Houaiss, a palavra pode ser
compreendida em duas possibilidades:
71
com a situação do Cobrador – marginalizado, estigmatizado por traços que o tornam um
sujeito indesejável aos olhos da sociedade regida pelo capital.
Na narrativa de O cobrador, há também outras personagens que participam
ativamente das vivências do protagonista e narrador: Dona Clotilde, dona da pensão
onde se hospeda o cobrador, e a moça por quem se envolve sentimentalmente, Ana.
Dona Clotilde também não deixa de ser um tipo social, sendo uma senhora solitária,
clemente a Deus e doente, mas sua patologia não é física, como ressalta o narrador,
afirmando que ela é acometida por mal psicológico, apenas considera-se frágil e doente.
Entre o cobrador e esta personagem há uma relação pautada pela hipocrisia, pois ele
sustenta uma imagem de castidade e honestidade que não lhe são características, sendo
sempre prestativo e é em seus monólogos que revela o desprezo que, de fato, sente pela
dona do sobrado, como demonstra o trecho: ―Dona Clotilde não tem nada, podia
levantar e ir comprar as coisas no supermercado. A doença dela está na cabeça. E depois
de três anos deitada, só se levanta para fazer pipi e cocô, ela não deve mesmo ter forças.
/ Qualquer dia dou-lhe um tiro na nuca‖ (FONSECA, 2006, p. 281).
A caracterização de Dona Clotilde é comum ao indivíduo da pós-
modernidade, que se apresenta descrente do progresso, concepção cara à Modernidade,
solitário, sem perspectivas em relação ao futuro, sendo reduzido ao nada, como alega
David Lyon (1998, p. 108):
Ana, por sua vez, é uma jovem rica, bonita e que logo desperta a atenção do
cobrador, o qual se sente atraído por seu corpo escultural e seu aspecto de moça ―bem
cuidada‖. Logo que a vê, o cobrador a define como a moça ―branca‖, e demarca mais
uma vez as diferenças sociais existentes entre ele, constituinte do grupo dos
desfavorecidos socialmente, e ―eles‖, os que possuem riqueza, como descreve no
excerto:
Duas mulheres estão conversando na areia; uma tem o corpo queimado de sol,
um lenço na cabeça; a outra é clara, deve ir pouco à praia; as duas tem o corpo
72
muito bonito (...) Elas percebem meu interesse e começam logo a se mexer (...)
Na praia somos todos iguais, nós, os fodidos, e eles. Até que somos melhores,
pois não temos aquela barriga grande e a bunda mole dos parasitas. Eu quero
aquela mulher branca! Ela inclusive está interessada em mim (FONSECA,
2006, p. 280).
73
de consumo, mas iremos ―nós‖, doravante, descobrir nossa identidade e
integração no mercado apenas? O pós-moderno uma excursão? O fim do
mundo? Ou alguma outra coisa? (LYON, 1998, p. 109).
Meu ódio agora é diferente. Tenho uma missão. Sempre tive uma missão e não
sabia. Agora sei. Ana me ajudou a ver. Sei que se todo fodido fizesse como eu
o mundo seria melhor e mais justo. Ana me ensinou a usar explosivos e acho
que já estou preparado para essa mudança de escala. Matar um por um é coisa
mística e disso eu me libertei (FONSECA, 2006, p. 285).
75
que o dinheiro possa oferecer. Mas esta interpretação rapidamente é desfeita quando se
atenta para vários fatores contraditórios na sociedade em evidência nesta narrativa: Ana
é rica e, mesmo assim, padece as agruras das incoerências do consumismo; os demais,
personagens secundários que são vítimas do algoz cobrador, nem sempre pertencem a
classes abastadas, ou isso nem sempre fica claro no texto, como o muambeiro e a
―dona‖ estuprada que residia em um apartamento pouco descrito pelo narrador.
76
No conto, o cenário é o Rio de Janeiro, que figura como um ambiente
propício aos comportamentos apresentados pelo narrador-personagem, já que ela é o
palco onde se cultivam as bases do mundo consumista. É também por meio desses
lugares que se passa a conhecer os personagens da trama, pois os meios que frequentam
revelam o status ao qual pertencem. Para Lyon (1998, p. 90), ―(...) as cidades são
também o local onde estão amostra imagens sociais, onde os anúncios e a promoção são
mais intensos, e onde os fatos conspícuos de consumo são mais significativos‖, e
prossegue:
77
o foco de sua atenção, mesmo que cheguem a fazer parte do cenário; nas narrações deste
escritor, há uma notável proliferação da violência instintiva e gratuita, que se dissemina
indiscriminadamente, para isso basta que o indivíduo seja membro constituinte da
sociedade consumista e que esteja atuando junto a ela. Note-se que dois personagens
secundários chegaram a ser poupados da ira do cobrador justamente por não
pertencerem a este grupo dos consumidores em potencial, conforme anteriormente
explicitado, e os demais, em decorrência de apresentarem qualquer envolvimento com o
consumismo, já eram encarados como interessantes alvos, independentemente da
localidade, reiterando que Ana Palindrômica morava em um prédio luxuoso, mas não
foi feita vítima do anti-herói da trama.
Verifica-se, desse modo, que no atual contexto são outras as bases para a
definição de espaço e que, portanto, torna-se impraticável falar em uma sociedade
dividida em castas, quando todos passam a acreditar que podem chegar a um nível
social mais elevado e que têm condições de adquirir prestígio, caso as prerrogativas do
consumo sejam atendidas. É por esse motivo que o Cobrador persegue uma vingança
social, cobrando supostos direitos que lhe são negados, na crença de que teria sido
78
respeitado se estivesse sob sua posse tudo aquilo que o consumismo quer vender para se
autossustentar.
No episódio em que elimina o casal jovem que saía de uma festa, o cobrador
executa o homem de uma forma particular, como a concretização de um sonho de
comportamento, visto no cinema, narrado com pormenores em momentos anteriores ao
espetáculo que ele mesmo quer protagonizar. De acordo com ele:
Com o facão vou cortar a cabeça de alguém num golpe. Vi no cinema, num
desses países asiáticos, ainda no tempo dos ingleses, um ritual que consistia
em cortar a cabeça de um animal, creio que um búfalo, num golpe único. Os
oficiais ingleses presidiam a cerimônia com um ar de enfado, mas os
decaptadores eram verdadeiros artistas. Um golpe seco e a cabeça do animal
rolava, o sangue esguichando (FONSECA, 2006, p. 275). (Grifo nosso).
79
Amarrei as mãos dele atrás das costas com uma corda que eu levava. Depois
amarrei os pés. / Ajoelha, eu disse. / Ele ajoelhou. / (...) Curva a cabeça,
mandei. / Ele curvou. Levantei o facão, seguro nas duas mãos, via as estrelas
no céu, a noite imensa, o firmamento infinito e desci o facão, estrela de aço,
com toda a minha força, bem no meio do pescoço dele. / A cabeça não caiu
e ele tentou levantar-se, se debatendo como se fosse uma galinha tonta nas
mãos de uma cozinheira incompetente. Dei-lhe outro golpe e mais outro e
outro e a cabeça não rolava. Ele tinha desmaiado ou morrido com a porra da
cabeça presa no pescoço. Botei o corpo sobre o pára-lama do carro. O
pescoço ficou numa posição boa. Concentrei-me como um atleta que vai dar
um salto mortal. Dessa vez, enquanto o facão fazia seu curto percurso
mutilante zunindo fendendo o ar, eu sabia que ia conseguir o que queria.
Brock! a cabeça saiu rolando pela areia. Ergui alto o alfange e recitei: Salve
o Cobrador! Dei um grito alto que não era nenhuma palavra, era um uivo
comprido e forte, para que todos os bichos tremessem e saíssem da frente.
Onde eu passo o asfalto derrete (FONSECA, 2006, p. 278-279).
80
Os jornais também são fontes de informação para o narrador, que, após
matar o muambeiro, procura notícias sobre o acontecido, mas apenas encontra
publicado o assassinato do ―bacana do Mercedes‖, o que evidencia que os meios de
comunicação privilegiam acontecimentos que atingem diretamente as pessoas melhores
posicionadas socialmente. O narrador, com a leitura de jornais, também buscar ―saber o
que eles estão comendo, bebendo e fazendo‖. ―Eles‖ são as pessoas que tanto
atormentam o anti-herói deste conto.
81
estado de coisas, parece não haver como regulamentar a ciência – ou, no
tocante a isso, qualquer outra coisa – em nome da justiça ou do bem.
82
o seu caminho (como no caso em que atirou várias vezes no vendedor da Magnum
apenas para ouvir o barulho da arma com o silenciador), o que aponta para o vazio de
moral e de valores inerentes ao contexto hoje testemunhado.
83
3.2. “Pierrô da Caverna”
Mesmo que Tacca esteja tratando de um gênero mais amplo e denso do que
o conto, o qual apresenta ação singular e concentrada, a abordagem deste teórico é
válida para entendermos, conforme demarcado por ele, que a visão do narrador é
determinante para a perspectiva de qualquer narrativa. Em virtude de todo o aparato que
deve vigorar para que o conto funcione satisfatoriamente como ―uma célula dramática‖,
conforme defende Massaud Moisés (1997), costuma ser uma trama preponderantemente
narrada em 3ª pessoa, uma vez que essencialmente implica ideia de ―objetividade‖.
84
exemplo, apenas ―O Jogo do Morto‖ apresenta narração em 3ª pessoa. A trama
fonsequiana nas demais narrativas deste livro, e em outras de sua safra, no entanto, não
se descaracteriza, não perde o tom objetivo de que o conto prescinde para ser
considerado como tal. Apesar de aparentemente relatarem experiências particulares de
alguns indivíduos – responsáveis pelo direcionamento dos fatos nas narrativas –, as
histórias contadas não deslancham para um indesejável (já que estamos falando em
conto) introspectivismo. Mesmo que o leitor se depare com as mais recônditas
declarações dos personagens que narram a história – esse é o caso de ―Pierrô da
Caverna‖ –, a narrativa está sempre muito bem alicerçada nos fatos per se. É como
declarou Tomás Eloy Martínez, em artigo publicado no The New York Times
(MARTÍNEZ, 2009):
Fonseca instala o medo no interior mesmo da linguagem, cada uma das suas
palavras é como uma nota musical separada da sinfonia do Mal. Poucos
conseguiram, como ele, criar um personagem com somente dois ou três
traços, urdir tramas cujas costuras jamais enxergamos (...) Todos eles [os
personagens] criam a beleza mediante a profanação da beleza, todos são
filhos de um mundo sem Deus. Os personagens de Fonseca sempre sabem
por que razão fazem o que fazem. Somente o leitor fica de fora, pasmado,
não porque o texto deixe algo sem explicar ou porque a clareza tenha se
perdido pelo caminho, mas porque a violência cruza todos os limites e fica
longe do seu alcance. É uma violência tão excessiva que abarca tudo, mas
não se vê.
85
No caso de ―Pierrô da Caverna‖, o narrador-personagem é um escritor
pedófilo que gravava seus pensamentos em um aparelho. Apesar de ser um caso
particular, pois se trata de alguém que precisava manter viva na memória suas ideias,
esse aspecto da linguagem fragmentada é contínuo no conjunto das obras de Fonseca, já
que ela constitui-se como um traço inerente à forma de vida da pós-modernidade, que
exige velocidade em todas as formas de interações sociais, conforme é possível verificar
no trecho: ―Não sabendo como as palavras se posicionam no papel perco a noção da sua
velocidade e coesão, da sua compatibilidade. Mas isso não interferirá com a história.
Havia alguém me vigiando atrás da porta. Regina respondeu‖ (FONSECA, 2006, p. 10).
86
difusão de ideias, que se entrechocam e desagregam-se continuamente, num vai-e-vem
que percorre toda a narrativa. Ao lado da vividez digna da linguagem falada (com tons
populares), o escritor também, talvez conferido por sua experiência intelectual, dispõe
expressões e citações de grande erudição. São comuns citações a outros escritores, a
frases célebres, a cineastas, além de um forte eco de outras narrativas nas próprias
palavras do narrador. Algumas críticas publicadas referentes a O Cobrador evidenciam
exatamente esse caráter intertextual do conto em questão – há claros enunciados do
narrador que trazem à memória Quincas Borba, de Machado de Assis, tal como
esclarece Boris Schnaiderman, em artigo publicado em O Estado de S. Paulo:
Tudo isso está mesclado com uma história do dia-a-dia, mas, também aí, o
literário penetra soberano. A menininha de doze anos que ele, um cinqüentão,
acaba possuindo, chama-se Sofia como a heroína de Quincas Borba. Pode
ser apenas coincidência, é claro. Mas lá vem o trecho: ―Eu sou diferente a
cada semana, a cada dia, sou contraditório, bruto e delicado, cruel e generoso,
compreensivo e impiedoso. Essa confissão eu jamais faria por escrito, muitos
ecos e rimas ginasianas‖. E no romance de Machado, lemos: ―Então a
entrevista da rua da Harmonia, Sofia, Carlos Maria, esse chocalho de rimas
sonoras e delinqüentes é tudo calúnia?‖ Será coincidência, ainda, esta
semelhança entre as ―rimas ginasianas‖ e as ―rimas delinqüentes?‖. Em meio
do monólogo aloucado do cinqüentão repontam outros ecos machadianos.
―Após contemplarmos certas coisas, ou uma determinada coisa, há que mudar
de vida‖. De onde saiu este ―há que mudar‖? Parece que ele insiste em usar,
ao lado de formas bem coloquiais, outras que só o acervo de elementos
literários de sua memória poderia sugerir. Logo nos lembramos das violetas
que, ―para terem um cheiro superior, hão mister de estrume de porco‖ do
capítulo XCII de Dom Casmurro. Aliás, no próprio Machado, repercutem
aqui, segundo parece, alguns textos mais antigos e o literário solene da época
(SCHNAIDERMAN. 1980).
87
Nas palavras do escritor, que tentava elaborar um roteiro interessante para
sua futura criação, já se nota o desinteresse dele diante da atividade: ―Em frente à
máquina de escrever eu buscava forças para vencer o meu tédio. Que tal um texto
apotegmático e aposiopésico: na natureza nada se perde, nada se cria‖ (FONSECA,
2006, p. 16). O escritor revela um esvaziamento pelo qual a arte vem passando, criticada
por meio das palavras ―apotegmático‖ (relativo a ―apotegma‖, que significa ―dito ou
palavra memorável, lapidar, proferida por personagem célebre; máxima, aforismo‖,
conforme o dicionário eletrônico Houaiss) e ―aposiopésico‖ (relativo à aposiopese,
―interrupção intencional de um enunciado com um silêncio brusco, seguido ou não de
um anacoluto, querendo significar que se resolveu calar o que se ia dizer [A aposiopese
geralmente é representada graficamente pelas reticências.]‖), representando que as
produções ou enveredam pelo caminho do pastiche ou da ausência de manifestações
pessoais – traduzindo-se em uma mesma situação: a crise na produção artística, nos
demais campos do conhecimento e nas relações sociais e interpessoais, característicos à
fase pós-moderna, conforme pontuado no segundo capítulo e durante a análise de ―O
Cobrador‖. Isso é enfatizado pela frase ―na natureza nada se perde, nada se cria‖, uma
paródia à célebre sentença da Lei de Lavoisier 11, evidenciando uma total descrença nas
potencialidades humanas, muito diferente do culto da modernidade na ideia de
progresso, que traz à tona as palavras de Jameson (2000, p. 27):
11
A frase parodiada é ―Na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma‖, imortalizada pelo
francês Antoine Laurent de Lavoisier (1743 - 1794), reconhecido como o criador da química moderna.
88
desarraigado de valores e extremamente confuso. Por exemplo, há três mulheres
apresentadas ao leitor: Maria Augusta (com quem o narrador dividia um apartamento e
a quem só procurava para ter seus livros que haviam ficado sob a custódia dela, junto
com todos os demais bens), Regina (com quem o narrador tem um caso e sabemos se
tratar de uma mulher casada) e Eunice (a mãe de Sofia, com quem ele tem relações
sexuais, e por quem nutre desprezo). Dessas relações, ele destaca a distância que sente
em relação às pessoas com quem tem alguma proximidade, expresso no trecho a seguir,
como forma de declarar sua impossibilidade de relacionar-se: ―Os amigos devem servir
para estas horas, mas eu não tinha amigos‖ (FONSECA, 2006, p. 28).
De Maria Augusta revela que se afasta cada vez mais, demonstrando que,
caso não tivessem os livros como ponto de contato, não mais se lembraria da existência
da ex-esposa: ―E assim, vez por outra, eu vou à casa dela apanhar um livro. Nossos
contatos cada vez ficam mais desagradáveis. Da última vez ela não escondeu a irritação
que a dominou ao me ver (...) Olhamo-nos, hostis e impiedosos, à maneira daqueles que
deixaram de se amar‖ (FONSECA, 2006, p. 11-12). Com Regina, troca juras de amor ao
telefone, mas deixa explícito em suas declarações que não sente grande interesse por
ela: ―Regina chegava com o seu dinâmico corpo aceso e perfumado e suas histórias
burguesas idiotas‖ (FONSECA, 2006, p. 14). Para Eunice, resta apenas o desejo carnal,
que, após cessada a curiosidade de vivenciar novas experiências, fenece, deixando
apenas a indiferença: ―Encontrei-me com a mãe de Sofia, no elevador, uma mulher
magra, dessas que almoçam um iogurte com um creme cracker e se pesam duas vezes
por dia em uma balança dentro do banheiro (...) Os burgueses epicuristas entediados
fingem estar num mundo bom e poético em que todos vão para cama com todos‖
(FONSECA, 2006, p. 16-17).
Em ―Pierrô da Caverna‖ há a mesma imagem social que reside em ―O
Cobrador‖, e na quase totalidade da produção de Rubem Fonseca, a evidente descrença
no ser humano e em qualquer parâmetro que possa ser perseguido. As personagens
revelam-se sempre imiscuídas em um contexto no qual não há prevalência de nenhuma
teoria ou padrão comportamental, e é absolutamente ―natural‖ chocar-se com as regras
sociais estabelecidas, mantendo, no entanto, as aparências de que tudo é feito em
conformidade com o suposto ―padrão‖. Eis um quadro altamente pertinente às teorias
aduzidas à pós-modernaidade, como defende Steven Connor: ―(...) a sociedade pós-
moderna compreende uma multiplicidade de jogos de linguagens diferentes, cada qual
com seus próprios princípios intransferíveis de auto-legitimação (...) A má notícia é que,
89
nesse estado de coisas, parece não haver como regulamentar a ciência – ou, no tocante a
isso, qualquer outra coisa – em nome da justiça ou do bem‖ (CONNOR, 1993, p. 33).
Essa relação entre literatura, por meio das personagens ficcionais fonsequianas, e
realidade é bem próxima das reflexões de Antonio Candido a respeito desse elemento
das narrativas: ―Este mundo fictício ou mimético que freqüentemente reflete momentos
selecionados e transfigurados da realidade empírica exterior à obra, torna-se, portanto,
representativo para algo além dêle, principalmente além da realidade empírica, mas
imanente à obra‖ (CANDIDO, 2005, p. 7).
Só resta, portanto, ao narrador do conto o individualismo exacerbado, uma
das características elencadas como constituintes da chamada pós-modernidade, o que
nos remete às palavras de David Lyon, ao afirmar que ―O individualismo, embora nos
emancipe de determinadas ordens sociais, continua confinando-nos à ‗solidão dos
nossos próprios corações‘ (Tocqueville) e remove a dimensão heróica da vida, o
propósito pelo qual valeria a pena morrer‖ (LYON, 1998, p. 55).
A situação de solidão e individualismo do escritor é deflagrada no excerto a
seguir, ao expor que se sentia sem estímulos para criação de narrativas, sem estímulos
para absolutamente nada:
90
de relação entre o ser vivo e o ser fictício, manifestada através da personagem, que é a
concretização dêste‖. Mesmo referindo-se ao gênero romance, Candido retrata um
situação universal para a ficção, isto é, a questão da verossimilhança nas narrativas:
―(...) a personagem deve dar a impressão de que vive, de que é como um ser vivo; para
tanto, deve lembrar um ser vivo, manter certas relações com a realidade do mundo,
participando de um universo de ação e de sensibilidade que possa equiparar ao que
conhecemos na vida‖ (Candid, 2005, p. 64-65).
A cada novo personagem que intercepta o caminho do escritor, uma nova
descrição do quadro de penúria em que avalia os seres humanos. Eis aí um aspecto
altamente próprio das narrativas de Rubem Fonseca, exímio na arte de emoldurar tipos
humanos, feições bestiais de uma realidade inóspita, de onde não seria provável se
retirar nada melhor. Nas palavras de Malcolm Silverman:
91
muito, era comum, à noite, eles se embriagarem assistindo à televisão, sem perceberem
que a filha os observava, com um pouco de pena e muito desprezo‖ (FONSECA, 2006,
p. 22). Mais adiante, quando descreve o momento em que foi à casa da menina para
levar Milcíades embriagado, comentou: ―Eunice não queria que eu fosse embora, fez
questão que eu me sentasse um pouco, na sala de poltronas de plástico. Num canto uma
televisão colorida; não havia quadros nas paredes‖ (FONSECA, 2006, p. 25).
Desse modo, pode-se dizer que o conto evidencia várias esferas de alteração
da interação social, características da dominante cultural em voga, que é o pós-
moderismo, gerando isolamento em todos os âmbitos. A TV não é um adereço citado
pelo narrador em suas confissões e desatrelado de todo o caos manifestado nessa trama.
A situação funciona de modo equivalente ao que Thompson (2004, p. 77) discute:
92
O grande tema de Rubem Fonseca é o cotidiano, homens e mulheres que não
têm possibilidade de transcendência, bloqueados pela frustração e pelo
desencanto. A televisão, o telefone, a cidade grande e seu mundo, sua sofrida
classe média, as pessoas empilhadas, a violência e agressão da urbe, o
universo urbano, enfim, são capturados pela palavra duma determinada classe
social (JOZEF, 1985).
12
Nas palavras de Boris Schnaiderman (1980): ―Sua vida corriqueira era o oposto da ‗alegoria sobre a
ambição, a soberba e a impiedade‘ que seu ‗prestígio de escritor‘ impelia a incluir numa novela. Apesar
da ‗correspondência entre o registro oral e o verbal‘ que percebe, o uso do gravador é para ele uma
libertação. Mas uma libertação com uso imoderado do literário que acumulara na memória. Surge então
uma sarabanda de alusões a textos, a tal ponto que ele chega a usar uma frase em grego. Tem-se aí uma
inversão curiosa: a oralidade é que permite uma explosão mais livre do literário verdadeiro, freado no
cotidiano pelas convenções mesquinhas da ‗vida literária‘‖.
93
as pessoas, surge Sofia, ainda uma menina, que encanta o narrador muito em virtude de
sua suposta inocência; ele a descreve enaltecendo exatamente os aspectos de sua
fragilidade, seja na ―pulseirinha‖ de ouro do tornozelo da moça ou na cor da pele que
tinha ―a brancura de lírio das heroínas dos romances antigos, um lírio branco profundo,
camadas de branco superpostas, um abismo de alvura sem fundo‖ (FONSECA, 2006, p.
15). Mas, dubiamente, atrai-se (ou é seduzido?) pela castidade da moça. Como só temos
acesso ao que é contado pela voz do escritor pedófilo, não há possibilidade de especular
a origem efetiva do enlace, nem seria cabível fazê-lo. Compete-nos compreender que a
presença de Sofia gera um turbilhão na rotina do escritor e descortina seu lado
―patológico‖, se é que assim se pode dizer.
A existência de Sofia gera para o ―pierrô‖ uma série de questionamentos e
justificativas internas para fazer valer suas pulsões e desejos. Busca exemplos em fatos
reais, na história, na literatura, no cinema (as referências aos casos de sujeitos que
defloraram crianças e foram linchados; a Louis Malle, a Vladimir Vladimirovich
Nabokov, a Søren Aabye Kierkgaard e Fiódor Dostoiévski, que, de forma direta ou
indireta, estão envolvidos em casos de pedofilia; a Storr e Kinsey, que desenvolveram
teorias ligadas ao assunto, favoráveis aos pedófilos), a fim de tornar a situação mais
aceitável. Mas ficam patentes em seu discurso alguns momentos em que se pune pela
condição de Sofia, a qual também quebra a expectativa do leitor, mostrando-se altiva e
decidida, como nos trechos ―Era ela que me vigiava por trás da porta pois raramente ia
ao colégio; não sei como isso era possível, talvez ela mentisse‖ (FONSECA, 2006, p.
14).
O escritor mostra-se, então, extremamente confuso – vive intensamente a
dualidade do ser humano, entre as convenções sociais (―Ordem e progresso‖ é repetido
reiteradas vezes no monólogo) e as suas necessidades mais primitivas. Traz consigo a
marca da categoria do Monstro13, dentro da estética da crueldade, pois, mesmo que não
fique claro na narrativa se cometeu algum tipo de agressão física à personagem Sofia,
induz a garota a vivenciar uma experiência que quebra o padrão de normalidade
estabelecido para seu meio. A agressão não é elucidada de maneira clara, até porque é à
13
De acordo com Moraes (2008), ―a noção de monstro, elaborada por Noël Carroll (1999), passa por uma
alteridade rejeitada, aquilo que é ameaçador à nossa integridade; trata-se de um outro que pode abalar o
conhecimento que eu tenho de mim mesmo através de uma configuração corporal asquerosa e
ameaçadora. A função estética ligada à presença da monstruosidade é nos dizer quem somos (pela relação
de oposição), que recebe uma complexidade no que tange ao contato com a figura repugnante: é o
despertar do horror, o despertar da figura horrífica que deve ser mantida distante, já que o ataque
ameaçador e perturbador destrói a nossa auto‖.
94
voz do agressor que temos acesso, o qual também não deixa de ser agredido. De acordo
com Marcelo Rodrigues de Moraes, ―a idéia de que o ser humano possa ter dentro de si
um interior que lhe é estranho – ou mesmo monstruoso – abre novas perspectivas sobre
a questão identitária, pois acrescenta, como vimos, elementos contraditórios‖
(MORAES, 2008). Por mais que não haja a figura esteticamente (aparentemente)
monstruosa, há o traço psicológico/moral que evidencia a tendência ao ato de crueldade,
ao direito sobre o outro, a existências infames, havendo, na narrativa, o instante que
pode perturbar ou desequilibrar a tradição e os tabus, fazendo emergir o desequilíbrio.
Um desequilíbrio, diga-se, compartilhado por todos os personagens que percorrem a
trama, todos envolvidos dos pés à cabeça no degradante universo que enfada o narrador
e que compõe sua essência.
95
no lixo. Eu nunca seria capaz de escrever sobre acontecimentos reais da minha vida, não
só porque ela, como aliás a de quase todos os escritores, nada tem de extraordinário ou
interessante, mas também porque eu me sinto mal só de pensar que alguém possa
conhecer a minha intimidade‖ (FONSECA, 2006, p. 19). Esses personagens confusos,
dominados por incertezas, são condizentes à ideia do sujeito fragmentado de que fala
Stuart Hall na obra ―A identidade cultural na pós-modernidade‖. De acordo com Hall
(2006, p. 12):
96
3.3. “Onze de Maio”
14
Publicada em 1949, esta obra trabalha com a ideia da existência de um partido totalitarista, que
manipula as pessoas, castrando o direito à individualidade e livre expressão. Há também a reprodução
desta obra para a linguagem cinematográfica, por meio da direção de Michael Radford, que remontou a
narrativa do personagem Winston Smith, o qual tenta burlar o sistema para vivenciar uma história de
amor com Julia, pois as emoções são censuradas nessa sociedade. O plano para não serem descobertos
pelo "Big Brother", evidentemente, fracassa, uma vez que o partido estabelece controle absoluto de seus
súditos, e é a partir daí que a trama vai demonstrar os mecanismos mais contundentes de manipulação e
controle da ideologia e crenças de seus membros. Em sua versão cinematográfica, ―1984‖ representa o
controle estabelecido por um partido, cujo líder é o "Grande Irmão", corporificado ininterruptamente na
vida de cada indivíduo por meio de telões, que nunca podem ser desligados, e que emitem informações
unilaterais apenas correspondentes aos interesses do partido, com a finalidade única de alienar a
população.
97
possuem condições de alimentação e higiene precárias (beirando ao subumano) e
passam os dias finais de suas vidas condicionados a assistir televisores que nunca são
desligados, sobre os quais não possuem domínio. Como destacou Carvalho (1989), em
matéria divulgada no jornal Folha de S. Paulo, intitulada ―‗O Cobrador‘ revela texto
estereofônico de Rubem Fonseca‖, nesse conto:
98
indispensáveis para a vivência dessas pessoas: ―O cubículo tem cama, armário, penico e
televisão. A TV fica ligada o dia inteiro. Deve haver, também, alguma razão para isso.
Os programas são transmitidos em circuito fechado de algum lugar do Lar. Velhas
novelas, transmitidas sem interrupção‖ (FONSECA, 2006, p. 130). A situação à qual os
velhos do Onze de Maio estão submetidos é uma imagem do extremo controle exercido
sobre as massas, mas funciona como uma metáfora ao domínio que esses veículos de
manipulação podem exercer. Conforme Thompson (2004, p. 86-88):
O discurso oficial, empregado pelos Irmãos e pelo Diretor, impõe aos idosos
que devem adotar em sua rotina este hábito, segundo eles, salutar e ―divertido‖. Quando
José inquiri um dos Irmãos a respeito da procedência do ―lar‖ quando os reclusos
falecem, onde são depositados os corpos, se as famílias (quando existem) são
contactadas, o Irmão esquiva-se do foco da conversa, estimulando José a entreter-se e
esquecer-se dessas ―coisas‖; eles não devem pensar na vida como se fossem elementos
ativos, mas sim, devem se posicionar como indivíduos alheios à própria realidade que
lhes cerca. Veja-se o trecho que manifesta essa passagem:
99
O Instituto, é claro. As despesas correm por conta do Instituto, não se
preocupe com essas coisas. Vamos, vamos, veja a televisão, divirta-se, não
fique aí imaginando coisas tristes, preocupando-se à toa.
Entrou comigo no meu quarto e ficou em pé assistindo a dez minutos da
novela.
Antes de sair ficou me observando, da entrada do cubículo. Fingi prestar
atenção ao vídeo até ele ir embora (FONSECA, 2006, p. 138-139).
100
É interessante notar a relação que este conto apresenta com a manipulação
exercida por esses mecanismos midiáticos, impressa até mesmo no título da narrativa.
De acordo com a enciclopédia livre ―Wikipédia‖, o dia 11 de maio é consagrado por
uma série de eventos, mas chama a atenção para o ano de 1928, quando é inaugurada a
WGY, primeiro serviço analógico de televisão do mundo, que comporta várias
emissoras dos EUA. Coincidência ou não, esse é o aspecto que mais é destacado por
José, ao narrar os artifícios adotados pelos Irmãos do asilo para dominar os internos.
Sem dúvida alguma, fica evidente ao leitor que a TV funciona como mecanismo de
alienação – os idosos são dopados por meio de remédios, mas também são inebriados
pela programação televisiva, como revela o trecho: ―Os cubículos não têm porta. Os
velhos são surdos e as televisões são colocadas em volume muito alto. Como é um
programa único, o som é envolvente, brota de todos os cantos, mas isso não impede que
os internos durmam logo que entram no seu cubículo e olham a tela por alguns minutos‖
(FONSECA, 2006, p. 139), ou ainda na cena que José descreve ao ver um dos internos
em um acesso de loucura, diante da esquizofrênica ação incessante do vídeo:
Como os cubículos não têm porta, vejo, imediatamente, iluminado pela fraca
lâmpada de luz amarelada do teto e pelo reflexo azul da TV, deitado na cama,
um homem magro, de cabelos brancos longos e ralos. Quando me vê, ele se
levanta da cama, o corpo tremendo, e inicia uma grotesca dança: bate com os
pés no chão, sacode os braços e relincha como se fosse um cavalo
(FONSECA, 2006, p. 147).
101
de prestar algum grau de atenção, de trocar o canal ou de desligá-la quando
tiver nenhum interesse na sua programação.
102
seu cubículo ele está fazendo ginástica. Não sei onde ele arranja os remédios e a comida
extra. Ele é engraçado‖ (FONSECA, 2006, p. 136).
De algum modo, os três personagens, antes do levante que finaliza a
narrativa, já se movimentavam em direção oposta ao que era lei no ―lar‖. A insatisfação
de José o aproximou de outros pares que também estavam descontentes com a rotina
que enfrentavam. Entretanto, que não se engane o leitor: como na quase totalidade das
narrativas de Rubem Fonseca, esses personagens são vítimas, mas funcionam também
como agentes de manutenção da realidade da qual tanto se angustiam de pertencer. O
desfecho irônico de ―Onze de Maio‖ deixa manifesta a impossibilidade de lutar contra o
sistema – as ambições mais mesquinhas estão contidas também naqueles que anseiam
por mudanças. A angústia que conduz José, Pharoux e Cortines ao levante praticado ao
final da história não é suficiente para lhes fazer dar continuidade ao projeto de
negociações para garantir melhores condições de vida. Na realidade, o projeto sequer foi
iniciado. Com uma navalha que Pharoux escondia, eles renderam o Diretor do Instituto
e o fizeram de refém, superando as expectativas geradas ao longo da narrativa (com a
fragilidade física como um dos aspectos continuamente ressaltados). Rendidos o Diretor
e a mulher que estava com ele no cômodo (inteiramente nua, o que estimulou os
instintos sexuais do narrador), os manifestantes logo se interessaram por saciar suas
necessidades mais primitivas – em Pharoux foram imediatamente despertados os
―instintos destrutivos reprimidos‖ (FONSECA, 2006, p. 153), motivando-o atingir
fisicamente o Diretor com a navalha. Pharoux e Cortines também buscaram saciar seus
desejos pelas comidas que lhe foram privadas durante todo o período em que estiveram
internados no Onze de Maio, como expressam as linhas finais do conto:
Agora comem ovos com presunto e bebem cerveja. A coisa que os velhos
mais gostam é comer. E Pharoux e Cortines estão felizes e satisfeitos como se
o objeto do nosso motim fosse comer ovos com presunto. Talvez, stricto
sensu, possa se dizer isso, que o objetivo final de toda revolução é mais
comida para todos. Mas estávamos naquele instante apenas pilhando a
geladeira do Diretor de um asilo de velhos, denominado de Lar pela
hipocrisia oficial.
Como apenas um pedaço de pão. Gostaria de passar a mão no corpo
da mulher, mas ela certamente sentiria repugnância e isso acabaria com o
meu prazer.
Começo a sentir um cansaço muito grande. Deito-me no sofá da sala...
Acho que posso dormir um pouco, as negociações talvez se arrastem... Tenho
que vigiar Pharoux para que ele não faça nenhuma tolice, ele é muito
violento... Acho que estamos iniciando uma revolução... mas é preciso que o
nosso gesto saia desta torre e faça os outros pensarem... Meu Deus! Como
estou cansado... Antes de dormir tenho que falar com Pharoux e Cortines.
103
Eles estão na cozinha, comendo ruidosamente... temos que traçar os nossos
planos... (FONSECA, 2006, p. 153-154).
Vencidos por suas ânsias mais primevas, os três idosos, que depois de muito
padecerem as opressões exercidas pelos Irmãos a mando do Diretor, não deram
continuidade ao projeto inicial de requerer melhorias para o ―lar‖, conseguindo apenas
saciar desejos que não lhes garantiriam nenhuma mudança de posição.
Na história, a caracterização do Diretor é marcada por aspectos que o
denotam como um burguês, com descrição física demarcando a condição abastada dele,
em oposição à condição miserável à qual estavam submetidos os internos, a exemplo
das passagens em que os idosos mencionavam a figura do dirigente do Onze de Maio:
―Não sei como ele cabe na sua cadeira (...) Sua bunda é muito grande. Fico alerta
esperando que ele se vire de costas para eu poder olhar a sua bunda grande e mole.
Minha bunda é seca e solta, como a de um gato velho‖ (FONSECA, 2006, p. 134) ou no
trecho ―O Diretor é um homem gordo e jovem. Com exceção dos internos, todos são
jovens no Lar Onze de Maio‖ (FONSECA, 2006, p. 133). Há entre os internos e os
Irmãos/Diretor claras distinções físicas e sociais estabelecidas para a organização
daquele espaço, seja na velhice (ou fragilidade física/impossibilidade de se oporem ao
sistema), seja no discurso (os Irmãos e o Diretor apregoavam uma ideologia favorável à
ordem, à harmonia, ao respeito ao próximo, entretanto, na prática, coibiam a interação
entre os idosos, com a finalidade de inibir possíveis levantes e reclamações, e
proporcionavam a eles as piores condições possíveis de vida). Além do mais, era sabido
pelos internos, por meio das averiguações de José, que os gestores tinham acesso a bens,
alimentação e regalias que jamais seriam concedidas aos idosos.
Todos os internos do Onze de Maio apresentavam características que os
marcavam como franzinos, com saúde debilitada. O próprio narrador, com todo o
percurso intelectual que trava a fim de desvendar as reais intenções e práticas dos
dirigentes do instituto, elencava em si mesmo aspectos de sua debilidade (ele, por
algumas vezes, cita o termo ―ecminésia‖, um termo usual na medicina que designa ―a
incapacidade da memória de reter um certo período, ficando porém, intacta, ou até mais
viva, para outros períodos‖). De alguns, José apenas destaca o aspecto físico da
languidez, da ausência de dentes15, de outros sobressalta a carência afetiva, a solidão, a
15
Mais uma vez, há nos contos de O Cobrador menção aos dentes como aspectos que conferem a posição
social ocupada pelos indivíduos, o que nos remete ao texto de Oscar D‘Ambrosio: ―Em ‗O Cobrador‘, o
protagonista inicia sua vingança contra a sociedade no consultório de um dentista. Em ‗Onze de Maio‘,
104
demência. No fim das contas, estão todos segregados em um espaço destinado aos
inválidos aos olhos da sociedade – por várias vezes questiona o fato de ter sido
aposentado ou de seus colegas o terem sido, se ainda poderiam e queriam executar suas
atividades – e que precisam aprender a viver sem incomodar.
Este conto, embora não apresente a violência de modo tão explícito quanto
―O Cobrador‖, manifesta-a como aspecto imanente, posicionando o grotesco em
literatura com um panorama que revela o inóspito, o desumano, a castração das
vontades, seja em âmbito físico ou emocional, dos moradores do ―lar‖. Já, com isso, se
nota a presença do abjeto nessa narrativa: a constante iminência de perigo, a dor e
humilhante situação dos personagens são os aspectos que direcionam a trajetória da
história e as investigações de José. Com esses elementos que evidenciam a punição da
carne é possível estabelecer relação com o conceito de abjeto, por exemplo, que,
segundo Marcelo Rodrigues de Moraes (2008), ―é uma manifestação de uma ausência
de limite mas, diferentemente dele, representa esse não-limite, por assim dizer, para
baixo‖. Ainda nesse artigo, conforme discutido anteriormente, Moraes apresenta os
conceitos de sublime e de abjeto em narrativas que trabalham com o horror, e pontua de
maneira concisa a diferença de ambos os conceitos: ―os dois conceitos – sublime e
abjeto – lidam com o inominável e sem-limites, ou seja, categorias intersticiais; mas o
sublime remete ao sublime espiritual enquanto o abjeto está relacionado ao corpo‖. É
por meio dos elementos repulsivos, da dor dos que são ultrajados, que o autor trabalha
temas mais amplos, como a castração da liberdade, a alienação, a privação de vontades,
como pontuam os excertos:
Todos os internos morrem à noite. Lins tinha uma fratura na perna (nosso
equilíbrio é precário e nossos ossos são fracos), e se arrastava da cama, que é
baixinha, para o penico, ou então defecava e urinava na cama mesmo. Passei
uma tarde na porta do seu cubículo e lá de dentro saía um nauseante cheiro de
merda e gangrena. Lins estava deitado na cama vendo a televisão. Na manhã
do dia seguinte o cubículo estava vazio e cheirando a desinfetante
(FONSECA, 2006, p. 139).
um dos aposentados no asilo orgulha-se dos seus dentes, embora postiços (...) Se os dentes brancos
podem ser símbolos de pureza, é exatamente isso que os personagens de Rubem Fonseca não possuem‖.
(D‘AMBROSIO, 1989).
105
É lícito afirmar, portanto, que há, com a presença do abjeto – justamente por
romper com a ordem estabelecida como padrão e salutar – ―a função de violentar os
limites-tabus numa espécie de reencenação da proto-cisão, dentro de uma sociedade
marcada pela dissolução das regras e dos tabus‖ (MORAES, 2008). A evidência da
oposição entre a fragilidade física e emocional dos internos e os mandos e desmandos
dos Irmãos e do Diretor não é gratuita – ela funciona como um elemento que compõe a
urdidura dessa narrativa e é o motivador para José tomar providências, superar as
limitações que os distinguem dos dominadores, mesmo que os planos tenham sido
frustrados ao fim do conto, conforme o excerto:
Minha pele continua um tecido seco despregado dos ossos, meu pênis uma
tripa árida e vazia, meus esfíncteres não funcionam, minha memória só
recorda o que ela quer, não tenho dentes, nem cabelos, nem fôlego, nem
força. É assim o meu corpo, mas eu não sou mais o chorão envergonhado,
amedrontado e triste, cujo maior desejo na vida era comer um bombom de
chocolate. Aquele ser velho me foi imposto por uma sociedade corrupta e
feroz, por um sistema iníquo que força milhões de seres humanos a uma vida
parasitária, marginal e miserável. Recuso esse suplício monstruoso. Esperarei
a morte de maneira mais digna (FONSECA, 2006, p. 149-150).
Mesmo que o final desta narrativa tenha sido mais otimista quando
comparado ao fim do romance 1984, conforme pontuou Carvalho (1989) em sua crítica
a O Cobrador, citado no início desta seção, o universo fonsequiano é inconteste, e os
106
personagens, que não revelam a menor tendência ao maniqueísmo, mostram-se
vitimados de si mesmos, de sua natureza humana, de um sistema macro e que deglute
qualquer pulsão à edificação de ações conjuntas em busca de um bem maior. Vigora, no
fim, um individualismo voraz, legado da sociedade capitalista, dos frutos do fenômeno
avassalador do crescimento do espaço urbano, que dita as regras do jogo, as quais são
absorvidas por todos os indivíduos e acabam se tornando inelutáveis. Forma-se, assim, o
círculo vicioso que alimenta o sistema estabelecido: o complexo sistema de opressão
social se sustenta e perpetua, encontrando eco entre os membros que sofrem em função
dos devaneios de alguns, mas que perpetram a mesma ideologia, ao seu modo e com sua
linguagem, logo que visualizem oportunidade. À luz do que considera Baptista (1980),
ao fazer uma análise do espaço para a obra fonsequiana, ―(...) A grande metrópole
consumista não consegue funcionar sem um altíssimo grau de desperdício: marginais e
lixo vão sendo empurrados para os lados da cidade e, com os ratos, os marginais
disputam os sobejos do consumo‖.
Os idosos são marginalizados na narrativa, colocados à margem do sistema
estabelecido, anseiam condições dignas, e no final apenas se deleitam com as mesmas
regalias que reclamavam possuir, como disse Dad Abi Chahine Squarisi (1979), ―Todos
são sós, colocados frente a frente com homens brutos, dominados pelo inferno da
violência, opressão e medo. Medo dos vizinhos, dos loucos, da polícia, dos poderosos.
Medo que os assombra e lhes afoga qualquer sentimento de solidariedade‖.
107
CONCLUSÕES
108
Desta forma, os tipos sociais criados por Rubem neste conto levam o leitor a
avaliar a condição humana diante das atuais leis que governam suas vidas, personagens
que acabam coincidindo com o universo existente, evidentemente, de forma exagerada e
até mesmo caricatural. Nesse conto, é possível perceber que as personagens não são
individualizadas, o que revela uma tendência universalista desse escritor, que aponta
situações comuns ao homem pós-moderno, ―Rubem Fonseca capta lesões de vários
graus que as cidades grandes – frias, hostis, agressivas – não cessam de produzir no
tecido moral de seus habitantes, lesões que vão da subvida do marginal de bairros
deteriorados à subvida de empresários, políticos, executivos, empresários‖ (SQUARISI,
1979).
109
envolvido em uma situação natural, embora se surpreendesse o tempo inteiro com os
acontecimentos e com suas sensações.
110
absurda do homem que vê as suas ambições mutiladas por um sistema hipócrita e
asfixiante‖ (PETROV, 1993).
111
no homem pós-moderno. Em ―Onze de Maio‖, o ambiente do ―lar‖ manifesta
exatamente a ideia de castração da liberdade e de instituição totalitária.
112
Toda a obra O Cobrador e toda a produção de Rubem Fonseca têm sido
plenamente coerentes ao trilhar esse caminho: evidenciam a solidão do homem pós-
moderno; a inaptidão para lidar consigo mesmo e com seus pares; a inadequação aos
parâmetros da sociedade de consumo, que promete mundos mas não oferece condições
de aquisição da felicidade vendida; o resultado de toda essa lógica conturbada das
grandes metrópoles, com violência exacerbada, medo, isolamento, hipocrisia etc. Em
meio ao turbilhão próprio da urbe, não há espaço para vilões e mocinhos, todos estão
posicionados no mesmo patamar, todos são analisados e julgados de igual forma – cada
um ao seu modo, todos são atingidos pelo caos e estão sob suspeita até que provem o
contrário. E nas narrativas fonsequianas ninguém consegue álibi, comprovando a sua
isenção no jogo dessa sociedade de consumo, digna da pós-modernidade. Como disse o
próprio Rubem, em uma entrevista ao Jornal Folha de S. Paulo, em 2004:
113
presente Dissertação apresentou a pretensão de reconhecer, na mensagem transmitida
pelo enredo, a preponderância das leis do consumo nos procedimentos dos indivíduos
submetidos a essa condição, seja na violência de alguns, seja na superficialidade de
outros, na solidão profunda, na manifestação de caráter monstruoso dos indivíduos.
A avaliação da linha que tem sido perseguida pelo escritor, desde sua estreia,
efetuada na primeira parte deste trabalho, atua no sentido de contribuir para aumentar o
acervo do que tem sido escrito a respeito deste importante literato. Sem dúvida alguma,
a narrativa contemporânea tem em Rubem Fonseca um de seus maiores pilares, e as
produções acerca de suas narrativas despontam para um campo inequívoco: a violência
e a alienação tão caras ao contexto da pós-modernidade.
114
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