COUTO, M. A. C. 'Pensar Por Conceitos Geográficos'. In. 'CASTELAR, S. M. V. 'Educação Geográfica - Teorias e Práticas Docentes'. 2006.

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Bibliografia PENSAR POR CONCEITOS GEOGRÁFICOS

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VYGOSTSKY, L. S. Formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984. discursiva e o tipo de atividade mental produzidas pelos conceitos, conteú-
dos e métodos do ensino de geografia. Essa temática, da qual este texto é um
ensaio, apresenta alguns aspectos, dos quais destacamos a análise da estru-
lura lógica e epistemológica da geografia - os seus conceitos básicos - e os

* Professor Assistente do Departamento de Geografia da Faculdade de Formação de Professores da UERJ. Dou-


i....nu Io cm Geografia Humana pelo Departamento de Geografia da FFI.CH-USP.

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aspectos lógicos e psicológicos da atividade mental dos indivíduos - no caso estimulação na formação de conceitos proposta por Vygotsky (1989). Ambos
da formação de conceitos. As articulações existentes e possíveis entre esses objetivos enquadram-se na perspectiva do desenvolvimento psíquico e intelec-
dois aspectos podem se transformar em instrumentos pedagógicos a serviço tual dos alunos, proporcionado e/ou incentivado pelos processos de generali-
do enfrentamento dos problemas concernentes ao ensino de Geografia. zação, abstração e conceituação.
Não vamos tratar, aqui, dos problemas do ensino de Geografia, mas apre- Os conceitos-chave escolhidos partiram de nossa leitura do livro A natu-
sentar uma abordagem afirmativa sobre o significado e a importância dos con- reza do espaço, de Milton Santos (2004), e do texto "Categorias, conceitos e
ceitos geográficos. princípios lógicos para (o ensino e o método de) uma geografia dialeticamente
Para a exposição do tema, nos valemos do conteúdo de uma Oficina Pe- pensada", de Ruy Moreira (2002). Para a organização da oficina e a montagem
dagógica que organizamos com o objetivo de explorar os dois aspectos dos materiais, nos valemos, sobretudo, das sugestões oriundas do método da
(epistemológico e psicológico) do problema, anteriormente indicados. dupla estimulação (materiais e palavras) proposta por Vygotsky (1989, 1989a)
O conteúdo deste texto divide-se em três momentos. Partimos da exposi em seu estudo da formação de conceitos.
cão do conteúdo da oficina, concluída com uma reflexão sobre a Geografia e Após a apresentação do grupo e da sondagem de interesses (por que esta-
seus conceitos básicos. Em seguida, expomos os fundamentos teóricos da vam ali?), escrevemos, no quadro negro, o problema proposto: qual a impor-
metodologia da formação dos conceitos e, por fim, trazemos as ideias gerais tância social da Geografia? Ao final das atividades, do exame dos três materi-
de Vygotsky a respeito do significado dos conceitos. ais, cada grupo teria de formular uma resposta para o problema proposto.
Antes da entrega e da explicação dos três materiais que os conduziram a
Conceitos da leitura geográfica do mundo problematização do tema, indagamos o sentido da palavra geografia, o que se
entendia por geografia. As cinco alunas presentes responderam:
A atividade abaixo descrita, e que serve de base para os problemas teóri-
cos em seguida apresentados, foi realizada em outubro de 2004 no Colégio "Da importância de conhecer a geografia, acho que é assim, pode a pessoa
Estadual Trasilbo Filgueiras1 - no iv Seminário de Educação: século xxi - De- começar a conhecer os bairros, as cidades, as ruas, conhecer o que está em
safios na Formação do Professor -, com alunas do ensino médio do curso volta de você, os nomes." (Liliane)
Normal de formação de professores para atuação no ensino fundamental de l"
a 4 a séries. O Colégio se localiza no bairro Jardim Catarina, do município ck- "A localização, do que é geograficamente, dos estados, acho que é assim,
São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, situado a leste da pegando tudo, região, os mapas, o Brasil." (Bianca)
Baía de Guanabara.
Na montagem da oficina (objetivos, materiais, conteúdos), partimos di- "Para as crianças aprender mais sobre regiões." (Terezinha)
alguns pressupostos. Muitos programas escolares de 1a à 4a séries - e também
os livros didáticos -, dedicados aos estudos sociais ou à própria Geografia, "A geografia tem um significado - geo e grafia -, só que no momento eu me
não ultrapassam o caráter de um amontoado confuso e fragmentário de con esqueci; geografia pra mim, claro, a pessoa tem que conhecer, quer dizer, o
teúdos (objetos) geográficos, em que não estão explicitados coerentemenlr. que está em volta, tem que ter conhecimento do que está em volta da pessoa;
de nosso ponto de vista, sua serventia, seus propósitos, a importância social só que tem vários tipos de geografia, então, tem a geografia física... então,
de seus conteúdos, suas categorias gerais. Porém, avaliamos que a experiêm. u devido o meu pouco conhecimento, eu não sei explicar tanto o que é geogra-
das alunas com a Geografia já tivesse colocado-as em contato com os conca fia." (Veralina)
tos escolhidos. Assim, pressupúnhamos a existência da zona de desenvolvi
mento proximal (Vygotsky, 1989, 1989a), situação do pensamento em que 01 "Localização." (Roseli)
conceitos de espaço, território e paisagem estão, ainda que em estado embrio
nário (como brotos ou flores), dispostos a transformar-se em frutos do descn Essa sondagem inicial já permite identificar algumas palavras-chave que
volvimento intelectual daquelas futuras professoras. informam um certo imaginário escolar e social da Geografia e de sua fun-
Do ponto de vista da formação dos alunos, o objetivo da oficina foi, enlai >. io social. Em nossa atividade, essas palavras-chave (bairro, cidade, locali-
o de debater a importância social da Geografia e dos seus conceitos-chavc de , mapa, região, entorno, geografia física) foram retomadas, no final e
reflexão da realidade (o espaço, o território e a paisagem). Além disso, do medida em que fomos explicitando a função social da Geografia e suas
ponto de vista de nossa investigação, buscamos testar a metodologia da dupl.i uk-gorias básicas, que era o objetivo estabelecido. Em nossa avaliação, é

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dessa maneira que teremos alguns trunfos para organizar ou reorganizar aque- uma aldeia Paiakan, onde as habitações eram retangulares, mas distribuídas em
las palavras como conceitos-chave da explicação da realidade, bem como a forma circular, cujo centro possuía uma habitação. A outra fotografia era de uma
coerência da organização dos conteúdos. Arriscaria a concluir que uma ideia única habitação Yanomami, grande, circular, onde moram muitas pessoas.2
permeia as respostas dadas: a de que a geografia é o estudo do meio, do O material 2 consistiu-se de um pequeno texto sobre a fragmentação po-
entorno, do que está em volta, que se apresenta na forma de bairro, cidade, lítica do mundo, tomando como exemplo o conflito entre judeus e palestinos e
região, estados; mas também a ideia de que o estudo do meio é o estudo da a partilha territorial entre Israel e a Palestina. Retirado de um livro didático,3
localização das coisas. com pequena adaptação aos nossos propósitos, excluímos as palavras territó-
De posse do problema proposto e das ideias iniciais relacionadas a ele, rio e região do texto.
apresentamos os objetivos e os materiais utilizados: O material 3 consistiu-se de dois pequenos textos, fixados numa única
Tolha, um embaixo do outro. O texto l, um pequeno trecho do artigo do geógrafo
Objetivo: debater a importância social da geografia com base na aná- americano Cari O. Sauer, aborda a importância e a vocação geográfica para a
lise de diferentes documentos (materiais l, 2 e 3). observação daquilo que há na superfície terrestre. Em uma parte do texto, o
Metodologia: a partir do problema proposto (qual a importância soci- autor afirma que o "estímulo mental devido à observação do que compõe a
al da geografia), cada grupo fará análise/descrição do conteúdo dos cena pode derivar de uma característica primitiva de sobrevivência quando tal
três materiais, seguindo as orientações a seguir. Após o término da atenção significava evitar o perigo, a privação, ou perder-se" (Cari Sauer,
descrição e da problematização do conteúdo desses materiais, serão 2001:140). O texto 2 foi retirado do livro A natureza do espaço, trecho no qual
mostradas três palavras-chaves (conceitos). Todos os grupos traba- Milton Santos apresenta o seu conceito de paisagem. Fizemos uma pequena
lharão com os três materiais selecionados e, além da identificação de adaptação, retirando a palavra paisagem. Por exemplo, uma parte do texto
cada palavra com o respectivo material, buscarão distinguir a questão afirma: "conjunto de formas que, num dado momento, exprimem as heranças
comum a todas elas. que representam as sucessivas relações localizadas entre o homem e a nature-
/.a. A rigor, é apenas a porção da superfície terrestre que é possível observar".
Material 1: Observe e descreva as situações l e 2 e responda Assim, embora trate da paisagem, essa palavra não aparece no trecho que
como vivem as pessoas. ulilizamos. Por meio do material 3, buscamos também aproximar as reflexões
propostas pela oficina com a realidade onde as alunas vivem, estudam e atuam.
Material 2: Qual é a razão dos conflitos (guerras) tratado no texto? No material l não havia texto escrito, e nos textos dos materiais 2 e 3
retiramos as palavras território e paisagem (originalmente presentes). Nosso
Material 3: Após a leitura dos textos l e 2, escolha algum(ns) i ihjetivo era testar os conceitos de espaço, território e paisagem, na compreen-
item(ns) que possa(m) ser observado(s) e, assim, servir à explica- são do que as alunas iam, em primeiro lugar, descrever e perceber nos mate-
ção da realidade em que se situa a sua escola. riais analisados. Por isso, somente ao final da análise, problematização e des-
crição de cada material foram apresentados os conceitos-chave. Depois de
Cada grupo deve fazer suas anotações em folha separada, para ser concluída a análise, apresentamos, em um pedaço de papel os dizeres "Espaço
entregue no final da atividade. Vencidas as etapas anteriores, cada gru- (organização do espaço, espaço organizado)" e pedimos para relacionar com o
po formulará uma conclusão final sobre o problema proposto. material mais adequado. Em seguida, apresentamos a palavra território e inda-
gamos se gostariam de trocar o material anteriormente escolhido ou se a nova
palavra seria mais adequada a outro material. Fizemos o mesmo com a última
palavra apresentada: paisagem. Quando apresentamos o primeiro conceito-
O material l consistiu-se de duas situações: na parte superior fixamos um;i chuve, as alunas não duvidaram de sua relação com o material l, como espe-
planta de um apartamento de classe média com 3 suítes, dependências de servi rávamos. Depois da apresentação dos outros dois, elas, inicialmente, busca-
ço, sala de jantar, living, home theater/dormitório, lavabo. Como a maioria das ram testá-los com os demais materiais, estabelecendo algumas coerências e
plantas que aparecem em anúncio de jornal, o conjunto do apartamento, bom oulras diferenças. Isso porque, embora cada material expressasse mais
como os seus cómodos, apresenta quase a mesma forma geométrica - de qu;i diretamente o conteúdo de apenas um conceito, eles também se relacionavam
drados ou retângulos. Na situação 2, fixada logo abaixo, na mesma folha, apiv nos demais. Ao final, as alunas estabeleceram a relação entre os conceitos de
sentamos duas fotografias, provavelmente retiradas de helicópteros ou de avião paço, território e paisagem com os materiais l, 2 e 3, respectivamente.

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Dessa forma, a nossa primeira expectativa foi satisfatoriamente atingida, coes sociais, ao consumo, aos modos de vida, aos Estados. Por isso elas são,
na medida em que a análise dos materiais serviu à identificação das categorias simultaneamente, técnicas e políticas, pois transmitem uma ordem imposta, a
básicas da Geografia, ao mesmo tempo em que as palavras espaço, território e serviço dos atores hegemónicos. Todas essas características fazem do con-
paisagem serviram para organização da leitura e interpretação das situações teúdo técnico do espaço um regulador da história. O espaço - bem como o
ilustradas nos textos selecionados.
território - conforma-se como arranjo espacial e como frações: a rede, o lugar,
Mas ainda restava responder à questão proposta, em nossa orientação de a região, a área, a zona, a cidade, o campo, o bairro, o Estado-nação, o conti-
identificar o tema principal, comum aos três materiais, que, então, constituiria nente, o mundo. Escalas da ação humana e da organização do espaço são
o objeto das preocupações da Geografia, ou seja, sua função social. A respos- frações limites dos domínios territoriais. Mas a existência do mundo se dá nos
ta, mais uma vez, correspondeu às nossas respectivas, pois logo as alunas lugares. O lugar é a materialidade das coisas e a objetividade da sociedade.
identificaram que todos os textos versavam sobre os problemas da vida, da Lugar são espaço e território, não apenas como uma de suas frações ou de
sociedade, sua forma de viver, de organizar-se, seus conflitos, seus modos de seus recortes, mas como sua existência concreta, como realidade e efetividade
ver e pensar mundo.
histórica, real, cotidiana, próxima.
Os comandos para a análise de cada material orientaram-se pela pers- Para Moreira (2002), a relação homem-meio é o eixo epistemológico fun-
pectiva da concepção da geografia como um discurso sobre a vida humana damental que, na Geografia, estrutura-se ou assume a forma do espaço, do
no planeta, mas foi o conteúdo dos materiais analisados que permitiu refletir território e da paisagem. A esses responsáveis pela constituição e conceituação
sobre a forma como a Geografia aborda a sociedade em que vivemos, por do espaço e, consequentemente, do território e da paisagem, o autor acrescen-
meio da organização de seu espaço, do estabelecimento de territórios e da ta os princípios da lógica geográfica: a localização, a distribuição, a conexão, a
leitura das paisagens.
distância, a delimitação e a escala. Assim, tudo começa pela criação do espaço
Concluímos a atividade retomando aquelas palavras-chave por meio quais pelos princípios lógicos: localização que se converte em distribuição, conexão
as alunas entendiam a geografia, na busca organizá-las de acordo com uma que se converte em distância, delimitação que se converte em recorte espacial
proposta teórico-metodológica.
e em escala. Território é o recortamento do espaço em âmbitos de domínio, e
Para Milton Santos (2004), o meio geográfico é um meio de vida, um paisagem é o plano visual da percepção dos recortamentos territoriais do espa-
híbrido de materialidade e relações sociais, uma realidade objetiva. Mas tal ço. Nessa interpretação, o espaço se desdobra nos seus princípios lógicos, o
meio, compreendido como espaço geográfico, é produto da história, pois é a território se desdobra nas categorias de região, lugar, rede, e a paisagem se
cristalização "da experiência passada, do indivíduo e da sociedade, corporificadas desdobra nas categorias da configuração e do arranjo.
em formas sociais [espaço] e, também, em configurações espaciais [território| As situações ilustradas nos materiais l, 2 e 3 podem ser representadas
e paisagens" (o prático-inerte de Sartre) (Santos, 2004:317). Daí derivam suas (conceituadas) ou interpretadas pelos conceitos de espaço, território e paisa-
categorias básicas: o espaço (o mesmo que espaço geográfico e espaço banal gem. Ao fazer os alunos trabalharem com esses materiais, a partir do problema
ou meio geográfico e meio técnico-científico-informacional ), o território e a proposto, buscávamos descrever o fenómeno, a fim de destacar suas marcas
paisagem. Espaço é materialidade e relações sociais, território é domínio sobre fundamentais, que seriam, então, transformadas ou sintetizadas por uma pala-
a materialidade e, ao mesmo tempo, resultante do domínio nas relações so- vra-chave: o conceito. Daí a importância dos conceitos geográficos, seu con-
ciais, e paisagem é o que apresenta ou mostra as diferenças morfológicas entre teúdo, suas relações e suas diferenças.
os espaços, territórios, lugares. Além de meio de vida, de um híbrido de
materialidade e relações sociais, de produto e condicionante da história, o es- Da formação aos significados do conceito
paço se converte em um dado da regulação da história. Técnica é produção,
ação social (relações sociais e normas de conduta), discurso e, também, terri- A organização pedagógica da oficina orientou-se pelas sugestões
tório. O conteúdo cada vez mais técnico5 (racional) dos objetos e das ações e, metodológicas de um estudo experimental da formação de conceitos, empre-
consequentemente, do território, é exigente de um discurso que os organize c endido por Vygotsky (1989, 1989a) e seus colaboradores.
de normas de conduta e de ações que efetivem seus fins: atividades codifica- Vygotsky (1989) parte da crítica aos métodos tradicionais de estudo dos
das, motivações, constrangimentos, ordem, regras de ação e de comporta- conceitos que separam a palavra do material da percepção, isto é, desvinculam
mento. Essas normas, oriundas do endurecimento organizacional resultante da o processo de construção do conceito da realidade concreta. Um novo método
técnica, se impõem aos processos produtivos, à circulação de produtos, servi- origina-se da ideia de que o material sensorial e a palavra são partes indispensá-
ços e informações, ao processo contábil, à planificação e a previsão, às rela- veis à formação de conceitos. É o que o autor chama de método de dupla

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estimulação, pois dois conjuntos de estímulos são apresentados ao sujeito: desenvolvimento real da criança" e, depois, relacioná-los. Isso significa que é
"um como objetos da sua atividade, e outro como signos que podem servir necessário, por um lado, analisar as formas do pensamento (análise morfológica)
para organizar essa atividade" (p. 49). presentes nas diferentes fases da formação de conceitos identificadas no estu-
Nos experimentos de Vygotsky, o material sensorial utilizado consistiu-se do experimental, por outro, analisar a origem do uso e as funções dos concei-
de blocos de madeira, de cores, formas, alturas e larguras diferentes, com tos na vida prática e na sua correspondente atividade intelectual (análise fun-
uma palavra fixada na parte que ficava para baixo.6 Em nossa atividade, os cional e genética).
materiais sensoriais envolvidos (materiais l, 2 e 3) exigiram a percepção de O exercício proposto para o material 3 teve essa perspectiva, ou seja, a de
atributos de determinados fenómenos, que, articulados ao uso de signos (pala- confrontar o conceito de paisagem (mas também os demais) e de explicitar o
vras, conceitos), permitiram a solução do problema proposto. Assim, pode- seu papel na interpretação da realidade onde as alunas vivem e atuam; mas
mos concordar com Meirieu (1998) quando afirma que a aprendizagem efici- também serviu para articular o geral (o conceito abstraio de paisagem) ao
ente realiza-se quando o sujeito dispõe de materiais e instrumentos (domínio da particular (as paisagens do bairro de Jardim Catarina). A análise do material 3 e
língua, conceitos, informações etc.) e realiza operações mentais (deduzir, ana- a atividade proposta proporcionaram uma grande polémica a respeito da divi-
lisar, sintetizar etc.). são do bairro em Jardim Catarina Velho e Jardim Catarina Novo: as razões, os
Vygotsky alerta para o fato de que, para iniciar o processo de formação de limites e as marcas visíveis que distinguiam uma parte do bairro da outra.
conceitos, é necessário confrontar o estudante com algum problema possível O conceito está a serviço da comunicação, do entendimento e da solução
de ser resolvido com a aquisição de novos conceitos;7 daí a necessidade de de problemas. Entretanto, descrever um fenómeno, estabelecer relação entre
introduzir novas palavras (conceitos) na atividade desenvolvida. Desse modo, palavra e objeto e resolver problemas, embora indispensáveis, não são sufici-
para constituir-se em proposta pedagógica, o processo de construção de con entes para sua formação, pois conceituar envolve criatividade e muitas atividades
ceitos deve ter início de um desafio - uma situação-probema (uma pergunl;i intelectuais - que veremos em seguida - que levam o pensamento a se eman-
problematizadora, um questionamento, uma tarefa a ser resolvida etc.) - e cipar da percepção.
contar com atividades em que o aluno utilize seu aparato de percepção e pala- Como "um conceito é mais do que a soma de certas conexões associativas
vras (conceitos). lormadas pela memória" (idem:71), a existência de um problema ou a
É necessário confrontar o sujeito com uma tarefa ou um problema que memorização de palavras associadas aos objetos não é suficiente para sua
permaneça o mesmo durante todo o experimento. Entretanto, os meios (novos lormação. Para que o processo se inicie, é necessário criar oportunidades a
objetos e palavras) que permitem a solução do problema devem ser introdu/i 1'im de que se desenvolva, ou seja, é indispensável que o problema só possa ser
dos de forma gradual. Em nossa atividade pressupúnhamos que as alunas j;i lesolvido com a aquisição de novos conceitos. Dessa maneira, não basta que
conheciam os conceitos selecionados; mesmo assim, eles foram introduzido'. se lenha um problema ou objetivo ou um conjunto de fatos memorizados, mas
de forma gradual, após a descrição dos três materiais e um de cada vez. é preciso conhecer os caminhos e os meios pelos quais a formação do concei-
Coerente com essa perspectiva, o método precisa pôr em evidência M;IU lo é realizada. Por isso, segundo esse autor, não se ensina conceitos diretamente,
apenas o produto - o conteúdo do fenómeno e sua conceituação -, mas o pi > > l.i prontos, embora a aprendizagem exerça importante papel em sua aquisição,
cesso, isso é, as etapas e as operações mentais envolvidas em sua compreensão na medida em que estabelece e desenvolve os elementos de sua construção.
o que, por sua vez, permite identificar e compreender as "relações intrínso tu Tão importante quanto a compreensão do problema é delinear caminhos
entre as tarefas externas e a dinâmica do desenvolvimento" (Vygotsky, 1989:50} possíveis para sua solução e maneiras de resolvê-lo. Dessa forma não basta
Assim, afirma o autor, deve-se "considerar a formação de conceitos como uni. linver um problema para que o processo de construção de conceitos tenha
função do crescimento social e cultural global do adolescente, que afeta mu início, pois a sua existência (do problema) não contém, em si, os caminhos da
apenas o conteúdo, mas também o método de seu raciocínio" (idem: 50). Con» si ia própria solução. Isso se assemelha ao mesmo erro, na relação pedagógica,
nosso objetivo também era testar essa metodologia, buscamos registrar todas de "confundir a emergência de um problema com a aprendizagem de sua solu-
etapas do trabalho, solicitando às alunas que fizessem anotações, ao mesmi ção ou acreditar que a primeira implica automaticamente a segunda" (Meirieu,
tempo em que gravávamos toda a conversa do grupo. |W8:98). Daí a importância da organização dos materiais pedagógicos e de
Tal método de formação de conceitos experimentalmente induzido n. .n.i adequação aos diferentes níveis intelectuais dos alunos; o que significa
condiz, exatamente, com o que ocorre na vida real. Nesse sentido, Vygoisk' liimhcm considerar - no método de investigação ou na metodologia pedagó-
(1989:60) afirma que é necessário confrontar "as formas de pensamento |... gica - o processo (as etapas da construção de conceitos) e não apenas o
descobertas experimentalmente com as formas de pensamento observados l nódulo (o significado final do conceito).

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Vygotsky destaca o papel da palavra na formação do conceito: o significado da palavra gato se desenvolve na medida em que vão sendo
incorporadas outras determinações da existência desse animal, como as de ser
Todas as funções psíquicas superiores são processos mediados, e os signos mamífero, felino, ser vivo etc.
constituem o meio básico para dominá-las e dirigi-las. O signo mediador é Por tudo isso, o uso das palavras combinado com o material sensorial
incorporado à sua estrutura como uma parte indispensável, na verdade a constitui o cerne de seu método de estudo. O conteúdo da oficina que descre-
parte central do processo como um todo. Na formação de conceitos, esse vemos constituiu nossa busca em transformar esses elementos do método de
signo é a palavra, que em princípio tem o papel de meio na formação de um investigação em proposta pedagógica.
conceito e, posteriormente, torna-se o seu símbolo. (1989:48) A partir dos estudos de Rimat, Vygotsky (1989:46) considera que "a ver-
dadeira formação de conceitos excede a capacidade dos pré-adolescentes [até
A palavra, desde o início, constitui-se em um tipo primário de conceito, na 11/12 anos] e só tem início no final da puberdade", pois há uma combinação
medida em que reproduz uma generalização da realidade, atitude fundamental à específica - uma determinada estrutura - de funções intelectuais necessárias à
formação de conceitos. No entanto, quando se utiliza uma palavra, o desenvol- formação dos conceitos, muito embora a presença e o uso particular de muitas
vimento dela no pensamento da criança ainda percorrerá longo percurso: no habilidades do pensamento, indispensáveis ao complexo processo de constru-
início a palavra se refere aos objetos da experiência concreta e depois, sem ção de conceitos ocorra muito antes. Essa estrutura (combinação específica
perder esse lastro de concretude, ela permite ao pensamento emancipar-se do das funções intelectuais) é, segundo o autor, "dirigida pelo uso das palavras
concreto e da percepção; na verdade a palavra torna-se uma síntese mais am- como o meio para centrar ativamente a atenção, abstrair determinados traços,
pla e complexa do concreto com o abstraio, transformando-se, assim, num sintetizá-los e simbolizá-los por meio de um signo" (idem:70).
símbolo do conceito.
A mudança de função da palavra - de meio de formação a símbolo do O conceito a serviço do desenvolvimento
conceito - resulta do desenvolvimento e da evolução do seu significado: das funções mentais superiores
a verdadeira comunicação humana pressupõe uma atitude generalizante, que Para Vygotsky, a linguagem constitui-se no sistema simbólico básico dos
constitui um estágio avançado do desenvolvimento do significado da palavra. seres humanos e, por isso,8 é mediadora (portadora, formadora, intermediária
As formas mais elevadas da comunicação humana somente são possíveis etc.) da construção dos chamados processos mentais superiores, tipicamente
porque o pensamento do homem reflete uma realidade conceitualizada. humanos: a percepção, a consciência reflexiva, o pensamento abstraio, o con-
(Vygotsky, 1989: 5)
trole deliberado e intencional do comportamento, a alenção volunlária (que
depende do pensamento, não apenas das sensações) e a memória lógica (ao
A palavra gato pode ser apreendida pela criança com base na sua expe- contrário da mecânica), ativa e orientada pelo significado (Oliveira, 1993).9
riência concreta, por meio de gato com quem brincou. Logo em seguida (ou No início da escolarização,10 essas funções intelectuais (percepção, memó-
quase ao mesmo tempo), a palavra gato passa a ser usada para se referir a ria, imaginação, atenção etc.) ainda se encontram indiferenciadas no pensamento
todos os gatos que possa ver, por ventura, na televisão, no zoológico, em da criança. Diferenciando-os e reconhecendo-os como processos do pensa-
outras circunstâncias, e não apenas àquele que viu, tocou e brincou. Dessa mento de um determinado lipo (por exemplo a memória, a imaginação), o apren-
forma, o pensamento partiu de uma experiência particular e generalizou o uso dizado escolar induz ao seu controle na medida em que desenvolve a consciência
da palavra para identificar outros gatos. Assim, a palavra já é um tipo primário de sua existência. Por isso, Vygotsky afirma que "todas as funções superiores
de generalização, na medida em que reproduz no pensamento esse movimento têm em comum a consciência, a abstração e o controle" (1989:84).
do particular para o geral e do geral para o particular. Os processos menlais superiores permitem ao ser humano ir além da
Vygotsky identifica esse processo de generalização com o reflexo percepção do aqui (espaço) e do agora (tempo), pois lhes proporcionam pen-
conceitualizado da realidade. O mesmo gato poderá ser identificado por outras sar em lugares em que nunca esteve (e, portanto, nunca viu, tocou, cheirou,
palavras (conceitos), como felino, animal, mamífero, ser vivo, natureza etc., ouviu, degustou) e em tempos passados e fuluros. Essa relação enlre o que
porque, à medida que avança o desenvolvimento do significado da palavra, sente e percebe e o amplo processo de abslração, que caracteriza o ser huma-
também aumenta o seu grau de generalização, fazendo com que a relação do no, têm o mesmo sentido da relação entre o concreto e o abstraio, o particular
sujeito com o objeto (em nosso exemplo, da criança com o gato) seja cada vê/ e o geral, o que é percebido e o que é invisível. Assim, o ser humano é carac-
mais mediado por um conjunto de palavras, por um sistema simbólico. Assim, terizado como síntese da objetividade com a subjetividade, sendo a ação huma-

ss 89
na, criadora da realidade social, o critério de verificação das relações entre o A principal função dos complexos é estabelecer elos e relações. O pensamen-
ser e o pensar. Do ponto de vista gnosiológico," isso significa pensar a to por complexos dá início à unificação das impressões desordenadas; ao
objetividade confrontada com a subjetividade na forma da concretude, isto é, organizar elementos discretos da experiência em grupos, cria uma base para
síntese sujeito-objeto presente no alo de conhecer. generalizações posteriores. (Vygotsky, 1989:66)
Como já verificamos, a linguagem (em especial a palavra) desempenha
importante papel na conslrução dos conceitos, no papel que ambos (a palavra Esse processo de generalização iniciado pelo pensamento por complexos
e o conceito) exercem de comunicação e de generalização (nome de família de se desenvolve para o pensamento conceituai. Os complexos agrupam objetos
grupo de objetos). Além disso, o conceito estimula, exige e expressa o desen- de acordo com um ou mais atributos, mas para a formação de conceitos é
volvimento das funções intelecluais superiores. necessário destacar determinadas características do restante e conferir a elas
As habilidades intelectuais, que permitem a formação de conceitos (e, uma função especial, pois segundo Vygotsky "é necessário abstrair, isolar ele-
conseqiientemente, o desenvolvimento daquelas funções mentais superiores), mentos, e examinar os elementos abstratos separadamente da totalidade da
são apresentadas pelo autor na medida em que expõe a trajetória da formação experiência concreta de que fazem parte" (1989:66).
de conceitos. Essa Irajelória, identificada nos estudos experimentais, passa Embora a totalidade concreta de características já constitua determinada
por três fases (que se subdividem em vários estágios): agregação desorganiza- síntese, o autor afirma que algumas características - de todas descritas (pela
da,12 pensamento por complexos e pensamento conceituai. descrição, decomposição, análise) de um fenómeno - devem ser destacadas
De acordo com o autor, a formação de uma imagem vaga e sincrética de (por abstração) e tornadas fundamentais em sua conceituação/compreensão.
objetos em uma agregação desorganizada13 - agrupados sem qualquer funda- Por exemplo, no caso do material l da Oficina Pedagógica, como vimos
mento claro - resulta de "uma tendência a compensar, por uma superabundân- nteriormente, de todas as características descritas quanto à forma geométrica
cia de conexões subjetivas, a insuficiência das relações objetivas bem apreen- das habitações, as suas divisões internas, a convivência mais individual ou mais
didas, e a confundir esses elos subjelivos com elos reais entre as coisas" partilhada, o ambiente mais sofisticado ou mais natural, a divisão social dos
(idem:51-2). O agrupamento de objetos é realizado por interferência de im- cómodos do apartamento etc., tínhamos de fazer emergir e fixar a ideia de or-
pressões ocasionais que, às vezes, coincidem com as características reais dos ganização (da casa, do apartamento) para "ver" nela a própria lógica de organiza-
objetos. Assim, a imagem sincrética que leva à formação de 'amontoados' ção da sociedade. Esse processo exigiu a eliminação (provisória 4) daquelas mar-
baseia-se em conexões vagas e subjetivas, confundidas com as conexões ver- cas da organização do espaço particulares às sociedades indígenas e capitalistas,
dadeiras entre os objetos. para que se destacassem as características mais regulares, gerais e universais.
Em um complexo, a criança deixa de confundir as relações enlre as coisas Podemos dizer, então, que esse movimento constitui a passagem de uma totali-
com as relações enlre suas próprias impressões, sendo, portanto, mais coe- dade concreta e particular para outra totalidade (síntese) mais abstraia e geral.
rente e objelivo. Os objetos são agrupados em 'famílias' e, de acordo com o No pensamento por complexo, os alributos fundamentais não são separa-
autor, "as ligações enlre os seus componentes são concrelas e facluais, e não dos (por abstração) do conjunto das características de um fenómeno e, assim,
abslralas e lógicas" (idem:53). Complexo é um agrupamento de fenómenos ou ele não permite combinar a análise (divisão, descrição) com a síntese (união,
objetos concretos interligados por vínculos facluais. A criança percebe alguma mislura), pois na "verdadeira formação de conceitos, é igualmente importante
característica concreta de um fenómeno que a impressiona, sem que esse unir e separar: a síntese deve combinar-se com a análise (idem:66): unir as
alribulo, deslacado e tornado mais importante que os demais, guie o processo diferentes formas de sociedade pelas suas características mais comuns e separá-
de agrupamento dos oulros objetos ou fenómenos. Assim, em cada circuns- las pelas suas particularidades, pela forma histórico-concreta de realização, de
lância (falo ou siluação) um novo atribulo é destacado, sem ser abstraído do organização do seu espaço.
conjunto das características do fenómeno. O autor completa:
Embora os complexos estabeleçam elos e relações entre objetos e/ou fe-
nómenos, suas conexões são variadas e instáveis: [...] um traço abstraído não se perde facilmente entre outros traços. A totali-
dade concreta de traços foi destruída pela sua abstração, criando-se a possi-
Enquanto um conceito agrupa os objetos de acordo com um atributo, as bilidade de unificar os traços em uma base diferente, [...l Um conceito só
ligações que unem os elementos de um complexo ao todo, e entre si, podem aparece quando os traços abstraídos são sintetizados novamente, e a síntese
ser tão diversos quanto os contatos e as relações que de fato existem entre os abstraia daí resultante torna-se o principal instrumento do pensamento.
elementos. (Vygotsky, 1989:53) (Vygotsky, 1989:68)

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Portanto, para conceituar um fenómeno é necessário centrar a atenção Na passagem da imagem sincrética para o pensamento por complexos,
em suas características (analisar, descrever sua totalidade concreta) a fim
esse movimento envolve, também, a passagem, no pensamento da criança, da
de destacar seus traços fundamentais, abstraindo-os do conjunto, em se- percepção de relações concretas e factuais, de conexões vagas e subjetivas,15
guida, misturar (sintetizar) esses atributos mais importantes e simbolizá-lo
entre objetos e fatos à compreensão de suas relações lógicas e abstratas.
com uma palavra. Todas essas operações mentais (atenção voluntária, aná- Por outro lado, para Vygotsky a "formação dos conceitos é seguida por
lise, síntese, abstração, significação) são dirigidas pelo uso das palavras,
sua transferência para outros objetos: o sujeito é induzido a utilizar os novos
pois para este autor ela "é parte integrante dos processos de desenvolvi- termos ao falar sobre outros objetos que não os blocos experimentais, e a
mento e f...] conserva a sua função diretiva na formação dos conceitos definir o seu significado de uma forma generalizada" (idem:49). Dessa forma,
verdadeiros f...]" (idem:70).
generalizar é transferir e descontextualizar, utilizar o conceito em outras cir-
O conceito, assim compreendido, impulsiona o desenvolvimento das fun-
cunstâncias, em outras situações, em outros desafios.
ções mentais superiores, pois o processo de sua construção pelo sujeito exige Assim, conceituar é "estabelecer elos e relações, é unificar impressões
o uso de muitas habilidades intelectuais: a generalização, a comparação e a
desordenadas: ao organizar elementos discretos da experiência em grupos,
diferenciação, o agrupamento e a classificação, a particularização, a transfe-
cria uma base para generalizações posteriores" (idem:66). Além da unificação
rência, a abstração, a análise e a síntese, a relação, a unificação de impressões,
de impressões, para formar conceitos é necessário, como vimos, dividir o
a união e a separação. Embora Vygotsky não faça sugestão, é necessário trans- objeto e descrevê-lo a fim de, em seguida, isolar e sintetizar, por abstração,
formar essas etapas do processo de formação de conceitos - e seu correspon-
dente uso de habilidades intelectuais - em proposições didáticas, em caminhos suas características fundamentais.
A generalização, isto é, o processo de estabelecimento de significados às
pedagógicos que nos conduzam dos objetivos aos fins da aprendizagem.
coisas do mundo passa por diferentes estágios. Para Vygotsky:
Davydov (1982) explicita a singularidade do processo de generalização,
em sua unidade com os processos de abstração e com os processos formativos Em qualquer idade, um conceito expresso por uma palavra representa um ato
de conceitos. A abstração, a generalização e o conceito são formas fundamen-
de generalização. Mas os significados das palavras evoluem. Quando uma
tais do pensamento, pois caracteriza atividades mentais que proporcionam maior
nova palavra é aprendida pela criança, o seu desenvolvimento mal começou:
desenvolvimento psíquico/psicológico do ser humano. Segundo esse autor, a
a palavra é primeiramente uma generalização do tipo mais primitivo; à medi-
generalização é a descoberta da interconexão, da inter-relação do geral e do da que o intelecto da criança se desenvolve, é substituída por generalizações
particular (1982:353). A generalização é uma abstração que encarna a riqueza
de um tipo cada vez mais elevado - processo este que acaba por levar à
do peculiar, singular, particular, é conexão do geral com o particular e vice-
formação dos verdadeiros conceitos. O desenvolvimento dos conceitos, ou
versa. Mas ela ainda revela a essência das coisas, pois traz à tona as regulari- dos significados das palavras, pressupõe o desenvolvimento de muitas fun-
dades presentes no seu desenvolvimento. A regularidade é a conexão necessá-
ções intelectuais: atenção deliberada, memória lógica, abstração, capacidade
ria de fenómenos singulares dentro de um determinado todo. O conceito é
para comparar e diferenciar. (1989:71-2)
justamente essa conexão do geral e do particular, da essência e do fenómeno.
Generalizar é o primeiro aspecto do conceito e apresenta, pelo menos, O conceito se desenvolve e se constrói na medida em que se desenvolvem
dois sentidos. Por um lado, generalizar é partir do particular em direção ao
os significados das palavras e em que expressam generalizações cada vez mais
geral, por meio da abstração (captura pelo pensamento) de algumas caracte-
amplas (rosa, flor, planta, ser vivo, natureza). Por esse motivo que a palavra -
rísticas ou atributos de um objeto ou fenómeno vivido ou estudado em uma
como portadora dos conceitos - possui uma história no processo de desenvol-
determinada circunstância. Esse movimento do pensamento já envolve a com-
paração, na medida em que os atributos abstraídos são aqueles mais gerais, vimento mental das crianças.
Para Vygotsky, quando "se examina o processo da formação de conceitos
isto é, estão presentes em todos os objetos, fenómenos ou processos que
em toda a sua complexidade, este surge como um movimento do pensamento
estão sendo conceituados. Por isso, a generalização é também agrupamento e
dentro da pirâmide de conceitos, constantemente oscilando entre duas direções,
classificação de objetos ou fenómenos. Conseqiientemente, generalizar é igual-
do particular para o geral e do geral para o particular" (idem:70).
mente partir de uma situação geral em direção às circunstâncias particulares, Assim, o conceito está a serviço da comunicação, do entendimento e da
uma vez que utilizo aquele conceito (generalização) em outras circunstâncias -
solução de problemas, uma vez que também serve ao controle (consciência)
que não aquelas em que ele foi formado - para compreender ou explicar algum
objeto ou fenómeno. das operações mentais superiores. Com isso ele permite libertar da escravidão
do particular, dar visibilidade ao invisível e redimir os fenómenos, salvando-os

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da dispersão. O conceito "é um ato real e complexo de pensamento [...] só Notas
podendo ser realizado quando o próprio desenvolvimento mental da criança já
tiver atingido o nível necessário" (idem:71), pois conceituar é: Agradecemos a oportunidade oferecida pela Coordenadora Cannem Lúcia Augusto de Souza e à equipe
pedagógica, bem como às alunas (futuras professoras) que participaram da Oficina.
• Significar: dar significado às coisas, relacionando-as de forma signifi-
As fotografias foram retiradas do livro didático Geografia: leitura cartográfica, território brasileiro -
cativa; o que pressupõe unificar/sintetizar impressões desordenadas c ocupação, formação, população, de Sônia Castellar e Valter Maestro, n. 6, p. 31.
revelar as regularidades presentes no desenvolvimento das coisas. Trilhas da geografia: espaço geográfico mundial e globalização, de Eustáquio de Sene e João Carlos
• Generalizar: reproduzir uma atitude generalizante, estabelecendo as Moreira, 8" série, p. 163.
relações entre o geral e o particular (e vice-versa) e entre a essência O meio técnico-científico-informacional é o meio geográfico desse período do capitalismo, é a cara geográfica
e o fenómeno (e vice-versa); transferir o conceito criado em uma da globalização.
situação e conjuntura, a fim de utilizá-lo na compreensão de outras situa- Criados para "exercer uma precisa função predeterminada, um objetivo claramente estabelecido de antemão,
ções particulares. mediante uma intencionalidade científica e tecnicamente produzida, que é o fundamento de sua eficácia" (Santos,

• Classificar: agrupar objetos de acordo com determinados atributos - 2004:217).


Há uma nota no final da página 49 do livro Pensamento e linguagem na qual está descrito o teste utilizado
aqueles de maior regularidade.
em seu método experimental. Embora a análise experimental busque verificar os estágios do processo genético da
• Abstrair: "examinar os elementos abstratos separadamente da totalida- formação de conceitos. Vygotsky (1989:60) alerta que ele "nunca reflete o desenvolvimento genético exatamente como
de da experiência concreta de que fazem parte" (idem:55). este ocorre na vida real".
• Interligar/Relacionar: o conceito estabelece relações lógicas e abstraias Caso a atividade seja de avaliação de conceitos já trabalhados, é importante que, para resolver o problema, o
entre objetos, fatos, fenómenos. aluno utilize o conceito apreendido em outra situação.
• Analisar/Sintetizar: na formação de conceitos, a análise (divisão, des- Ou "em consequência disso".
crição, decomposição) do objeto de estudo combina-se com a síntese Os processos mentais superiores se diferenciam dos "mecanismos mais elementares tais como ações reflexas
(a sucção do seio materno pelo bebé, por exemplo), reações automatizadas (o movimento da cabeça na direção de um som
(união/unidade, mistura, recomposição); o conceito articula análise forte repentino, por exemplo) ou processos de associação simples entre eventos (o ato de evitar o contato da mão com
(descrição dos atributos de um fenómeno) à síntese (unificação dos a chama de uma vela, por exemplo)" (Oliveira, 1993: 26).
traços em torno dos seus atributos mais gerais - abstração). Quando o autor se refere à escolarização e ao pensamento da criança, é necessário não perder de vista o
contexto em que ele - e seu grupo - realizaram suas pesquisas, com crianças, adolescentes e adultos da cidade e do
Além disso, o conceito se forma em uma pirâmide, em um sistema de campo, dentro e fora da escola, mas sobretudo vivendo períodos de grandes transformações sociais e económicas
i csultante da revolução socialista soviética ocorrida a partir de 1917, momento em que a escolarização se ampliava para
conceitos que parte do concreto e do vivido em direção aos processos mais .1 lotalidade da população c se desenvolvia o processo de coletivização das terras, combinado com novos objetivos
complexos de abstração. da produção urbano-industrial nas cidades.
Concepção de objeto e sujeito e sua relação no processo de construção de conhecimento.
Conclusão
Ou imagem sincrética.
Nos experimentos de Vygotsky, o material sensorial utilizado constitui-se de blocos de madeira, de cores,
Os conceitos são fundamentais à compreensão da realidade. Inerente ao lonnas, alturas e larguras diferentes, com uma palavra fixada na parte que ficava para baixo.
pensamento conceituai, os processos de generalização e abstração permitem Provisória porque um conceito que não explica a experiência concreta e particular das pessoas, não serve para
captar a essência das coisas, suas regularidades e conexões, suas particulari- iLida. E nesse momento que o fenómeno particular também pode enriquecer e ampliar o significado daquilo que é mais
universal. Na verdade, o movimento é constante, contraditório, dialético entre o particular e o geral e vice-versa.
dades e generalidades, sua existência e sua essência, seu desenvolvimento.
Vygotsky (1989) afirma que a superação do egocentrismo significa que a criança não confunde mais as relações
Verificamos o sentido de totalidade, de síntese e de compreensão que os
i-niie as suas próprias impressões com as relações reais entre as coisas.
conceitos geográficos produziram no pensamento das alunas da oficina, per-
mitindo-lhes "olhar" para aquelas situações analisadas e para própria geografia
com outros "olhos". O que nos confirmou, por um lado, a potencialidade do Bibliografia
método de dupla estimulação sugerida por Vygotsky e, por outro, a importân-
( 'ASTULLAR, S.; MAESTRO, Valter. Geografia: leitura cartográfica, território brasileiro - ocupação, formação, população.
cia da lógica e da epistemologia da geografia.
São Paulo: Quinteto Editorial, 2001, v. 6.
Epistemológica, lógica e psicológica: dimensões do pensar por conceitos l )\, V. V. Tipos de generalización en Ia ensenanza. Ciudad de La Habana: Editorial Pueblo y Educación, 1982.
geográficos a serviço do processo de ensino-aprendizagem escolar e do de- Mrmihu, Philippe. Aprender... sim, mas como? Artes Médicas: Porto Alegre, 1998.
senvolvimento intelectual dos nossos alunos.
MOREIRA, Ruy. Categorias, conceitos e princípios lógicos para (o ensino e o método de) uma geografia dialeticamente
pensada, 2002. Texto digitado.

95
OLIVEIRA, Marta Kohl de. Vygotvky. aprendizado e desenvolvimento, um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipionc, ATEORIADEAUSUBELNAAPRENDIZAGEM DO CONCEITO DEESPAÇO
1993. Série Pensamento e Ação no Magistério n. 21.
GEOGRÁFICO1
SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo, Hucitec, 2004.
SAUER, Cari O. A Educação de um Geógrafo. Geogmphia: Revista do Programa de Pós-Graduação em Geografia
Trad. Werther Holzer. Niterói: Universidade Federal Fluminense-EGG, ano o, n. 4, pp. 137-50. 2001.
SENE, E. de; MOREIRA. J. C.. Trilhas da Geografia: espaço geográfico mundial e globalização. São Paulo: Scipione. Jerusa Vilhena de Moraes*
2001, Ensino fundamental - 8a série.
VYGCXSKY. L. S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989a.

Na Geografia, a discussão sobre ensino e aprendizagem tem se mostrado


necessária. Entre os temas pertinentes a esse debate, destacam-se a representa-
ção que os alunos têm dos diferentes conceitos geográficos e a contextualização
das informações para que possam dar significados aos mesmos.2
Autores como Ausubel (1968) e Coll (1996) fundamentaram as questões
presentes no parágrafo anterior ao propor que o indivíduo aprende quando
transforma em entidades psicológicas subjetivas os conhecimentos e os con-
ceitos construídos ao longo da história da ciência, ou seja, quando o indivíduo
incorpora o conceito e quando estabelece representações para os conceitos
que estão sendo aprendidos.
Sobre esse assunto, Coll (1996:396) esclarece que "aprender um conteú-
do implica, do ponto de vista da psicologia cognitiva atual, atribuir-lhe um
significado, construir uma representação ou um modelo mental do mesmo".3
Assim, o tipo de conteúdo e os procedimentos utilizados em cada aula são
questões que devem ser levadas em consideração em todas os campos do
conhecimento, quando o objetivo final é a aprendizagem. Porém, que tipo de
conhecimento se pretende que o aluno tenha durante o período escolar e após
o término deste? Para a Geografia, o que significa atribuir significados aos
conceitos conforme a proposta de Coll?
Para iniciarmos essa reflexão, é necessário entendermos antes a própria
função da ciência e como está inserida dentro do espaço escolar.
Bachelard (1996), em A formação do espírito científico, expõe que a
formação do espírito científico passa necessariamente por três estágios:
• 1° estágio concreto: a formação do espírito científico capta as imagens
do fenómeno.
• 2° estágio concreto-abstrato: o espírito é capaz de chegar a uma
abstração simples, em que se abstrai a imagem da forma, mas apenas
a imagem do que se conhece, pois ela ainda está presa ao que a inteli-
gência apresenta como visível, ao que existe no mundo concreto.

; Mestre pelo Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras, usp.

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