Crisforoni, Ser Feliz - Reflexões Sobre A Felicidade e Seus Imperativos
Crisforoni, Ser Feliz - Reflexões Sobre A Felicidade e Seus Imperativos
Crisforoni, Ser Feliz - Reflexões Sobre A Felicidade e Seus Imperativos
RESUMO
Este artigo tem por objetivo compreender os dilemas do ser humano na contemporaneidade,
na busca da felicidade em face de seu desejo incessante de experimentar e apreender a vida
em sua totalidade. Tarefa espinhosa que transcende às demandas humanas de preencher o seu
vazio existencial. Além de investigar as proposições teóricas- eudaimônicas e existencialistas
de felicidade embasadas em Sócrates, Platão, Aristóteles, Epicuro, Sponville, Freud e outros;
analisa-se a; e a confronta como produto da produção alienável, da imposição social e da
compulsão pelo consumismo. Existe a vida feliz? A felicidade é um bem supremo? É possível
o viver feliz sem as imposições e as pressões externas? São algumas das questões que
pretendemos refletir com o presente estudo.
ABSTRACT
This article has as its goals to understand the dilemmas human being’s dilemmas in the
contemporary world, finding out for happiness in the face of his incessant desire to experience
and apprehend life in its totality. It is a thorny task that transcends the human demands to fill
its existential emptiness. In addition to investigate the theoretical-eudaimonic and
existentialist propositions of happiness based on Socrates, Platao, Aristotle, Epicurus,
Sponville, Freud and others; Is analyzed; And confronts it as the product of alienable
production, social imposition and compulsion for consumerism. Is there a happy life? Is
happiness a supreme good? Is it possible to live happily without external impositions and
pressures? These are some questions that we intend to reflect with this study.
1 Introdução
A concepção do ser humano, de forma natural, inicia-se com a disputa entre milhões
de espermatozoides a procura de um óvulo escondido. O tempo, a agilidade, força e sorte
neste momento, são os fatores essenciais para o sucesso do futuro espermatozoide vencedor.
Após as múltiplas dificuldades enfrentadas durante esse percurso, o espermatozoide mais
1
Licenciado em pedagoga – UBRA e Artes Visuais- UNB, pós graduado em Gestão Escolar – UNIR, pós
graduado em Filosofia UCAM. [email protected].
2
Licenciado em Pedagoga -UBRA, pós graduada em Gestão Escolar –UNIR, pós Graduada em Filosofia-
UCAM e acadêmica do curso de Educação Física UNIR. [email protected].
forte, mais esperto, mais ágil, que consegue penetrar num óvulo, fechará as portas para os
outros. A batalha pela sobrevivência inicia-se, e o óvulo fecundado, dividir-se-á
multiplicando-se simultaneamente; caminhando em direção ao objetivo final que é a
implantação no útero materno. Este novo “ser”, apenas celular, começará a “parasitar” a sua
mãe, para se desenvolver e suprir suas necessidades de sobrevivência.
Para alcançar seu pseudo paraíso, “atitudes instintivas” estão inscritas numa célula
(zigoto); como correr contra o tempo, derrotar milhares, brigar pela vida e competir para ser o
melhor. Mesmo no útero protegido, após de ter conseguido todas as vitórias, tem como
recompensa o direito de até nove meses parasitar sua progenitora, mas após este ciclo, será
expulso da zona de conforto para conhecer uma nova realidade; - é, pois, o momento de
confrontar-se com a “dureza” da realidade.
Expulso do útero materno, o pequeno ser não conseguirá sobreviver sozinho,
diferentemente de muitos animais, dependerá por alguns anos de outro humano. Porém,
sentem suas necessidades, mas não sabe falar, locomover e não conhece sua realidade; mas
mesmo assim, seu instinto lhe diz que precisa de algo, que tem necessidades, e luta para
conseguir isso com as armas que tem. Doravante, o existir promove novas experiências
constantes, desde a sua concepção até sua morte. É a força da hereditariedade, somada à
interação, aos contatos sociais e às experiências vivenciadas quem dará o tom da realização
pessoal. Em pauta, o projeto individual de felicidade.
Todo ser humano deseja ser feliz. É sua herança genética. Posto que, todos os atos
humanos têm como fim último, à felicidade; a sua maneira, acertando e errando aqui e acolá,
tentará encontrar os meios para atingir este propósito em comportamentos louváveis e nobres,
como também reprováveis e autodestrutivos.
Apresentada tal necessidade, passamos a discorrer sobre a felicidade e seus diversos
entendimentos e implicações; sem esquecer suas fontes, e o agir humano mais adequável a sua
conquista.
(...) as rotas para a vida feliz proliferam na mesma medida em que surgem
conceituações e especialistas, dos mais variados campos de conhecimento,
com proposições sobre os melhores meios, técnicas, ferramentas e modos de
ser que garantam a otimização da experiência da felicidade. (FREIRE
FILHO (2010a, apud VOLOTÃO, 2015).
Na Antiga Grécia, no período mitológico a felicidade era tida como graça divina.
Eudaimonia4 resultante da vontade e do querer dos deuses. Era como um presente, uma
doação dos deuses para os homens como uma força para conduzir seus espíritos na direção do
contentamento. Como desígnio divino, o júbilo poderia ser retirado dos humanos quando eles,
os deuses assim o quisessem. Contíguas às cosmogêneses, ou cosmogonias gregas, vemos a
ideia de sorte, de graça distribuída; mas, a felicidade ali esta sempre colocada como algo
instável e sujeito às vontades inconstantes e interesseiras dos deuses do panteão grego.
Predominando a crença nos seres e divindades; a felicidade provém do conforto
espiritual, ela brota da força e da sensibilização que o mito exerce nas estruturas mais
profundas do psiquismo humano. É por meio dos ritos sagrados que se dá sentido à vida. A
3
Dicionário Michaellis. Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/busca?id=wOXv. Acesso em 27/01/12
4
Eudaimonia. Sendo a junção entre eu (bom) e daimon (deus, espírito ou demônio), eudaimonia indica uma vida
bem-sucedida, afortunada. Relacionada à ideia de sorte, a eudaimonia compreende no daimon uma força superior
que conduz o indivíduo a determinada direção (MCMAHON, 2006). MCMAHON, Darrin M. Felicidade: uma
história. São Paulo: Globo, 2006. Disponível em: https://www.google.com.br/# Acesso em 29/01/17.
política (bem comum), sai de cena dando espaço para a vida privada. Paz de espírito, vida
interior, felicidade como valor individualizado era as máximas deste pensamento.
De um modo geral, os pensadores da chamada filosofia helenística, notadamente
Epicuro [341-271 a.C.], o (filósofo do prazer); e Zenão de Cício [335-264. C.] (o filósofo do
dever), por exemplo, exortava as pessoas a fugirem dos perigos da vida política. (COTRIM;
FERNANDES, 2013, p.230).
Pirro de Élida, (365-275 a.C.) para quem as coisas se dão a conhecer somente por
aparências, recomendava ao homem que pretendesse viver feliz e em paz que suspendesse o
juízo; isto é, que desfrutasse somente daquilo que os sentidos captam.
Já Diógenes de Sínope, (413-327 a.C.) também chamado de o “Sócrates louco”
questionava os valores e as convenções sociais; levando ao extremo a máxima socrática de
autoconhecimento e desprezo pelos bens materiais. A frugalidade de uma vida simples,
somada a princípios e valores morais, seriam para ele a base da felicidade. (Ibidem p. 331
grifos do autor).
Vamos nos deter e aprofundar as explicações de Epicuro, já que a nosso ver elas
propõem um caminho deleitoso para a felicidade. Dizia ele que a felicidade está no prazer e
na satisfação dos desejos. O filósofo acreditava que o homem busca o prazer para fugir da
dor, para ser feliz; porém, a dor maior do ser humano é o seu caminhar para a morte; que lhe
provoca um vazio existencial que parece o buraco negro que devora a satisfação de todos os
desejos usufruídos. Ele ainda explica que, o homem deve ter sabedoria para distinguir
diversos tipos de desejos, a saber: a) naturais necessários (comer, dormir); b) naturais
desnecessários (ter luxo ou supérfluos); não naturais e desnecessários (riqueza, fama e poder).
(Ibidem p. 24; 25).
É interessante a solução dada pelo filósofo quando simplifica que a nossa
infelicidade é gerada pela carência do prazer; mas, que também não se consegue experimentar
todos eles; cabendo aos humanos fazer a distinção entre prazer e dor. Por outro lado, é
intrigante também compreender que o ser humano deve fazer escolhas coerentes “dentro dos
prazeres”; pois do resultado dependerá sua felicidade. Desta forma o prazer pode trazer a
felicidade imediata, mas consequentemente no futuro dores e sofrimento. Mas, será que o ser
humano consegue fazer escolhas coerentes ser feliz, ser feliz na simplicidade num mundo de
infinitas possibilidades?
Sabe-se que o avanço técnico científico; com todas as suas inovações tecnológicas e,
promessas auspiciosas de um mundo melhor, ou de um “homem feliz”, não teria cumprido
tais expectativas. Circunstâncias que na prática, mostraram-se interesseiras, obscuras, e
dominadoras criando a exploração e escravização do gênero humano, em todos os seus
sentidos.
A racionalização e a mecanização, doravante instituídas, seriam as antíteses da
felicidade. Valores funestos, intuídos precocemente e criticados com propriedade pelo
Romantismo (século XVIII); que exaltando a importância das paixões e dos sentimentos,
alertava para o perigo da perda da expressão plena humana; os sentimentos.
A criação da Psicanálise por Sigmund Freud (1856-1939), na passagem do século 19
para o século 20; será o marco mais importante para compreensão da mente e do ser humano.
Foi a partir do seu entendimento que se formularam algumas concepções do inconsciente
como parte integrante da nossa personalidade; (dominador preponderante da vida psíquica).
As interpretações freudianas decretarão o fim da hegemonia da razão nos assuntos humanos.
Sua compreensão distintiva entre consciência e psiquismo, criará um farto conjunto teórico
que aborda desde a sexualidade com sua dinâmica até as estruturas do aparelho psíquico
humano, (Id; Superego e Ego).
Como impedientes, à realização, existe um antagonismo entre as exigências da
pulsão e os anseios da civilização. Sobre os propósitos da existência humana plena (feliz), ele
nos adverte, “a questão do propósito da vida humana já foi levantada várias vezes; nunca,
porém, recebeu resposta satisfatória e talvez não a admita”. (FREUD, 2011, p. 9). Para a
Algo durável e prolongado; portanto, deverá ser tomado como contentamento; nunca
como felicidade. O propósito da vida dá-se pelo programa do princípio do prazer intermitente.
Como bem nos lembra; talvez, o equívoco das pessoas, esteja na compreensão de que a
felicidade seja uma condição duradoura. “Esforçam-se para obter felicidade; querem ser
felizes e assim permanecer”. (Ibidem, p. 9).
Referindo-se ao mal-estar causado pelas interdições civilizacionais, INADA, (2011,
p. 10) esclarece que, “para Freud, o mundo externo, que pode nos destruir através das forças
da natureza, e o corpo, o qual está condenado à decadência, constituem as duas outras fontes
de sofrimento, além daquela referente aos relacionamentos humanos. Enquanto os
relacionamentos humanos estão regulados de acordo com a vontade dos homens, o mundo
externo e o corpo são considerados fontes de sofrimento inevitáveis. Segundo Freud, “Nunca
dominaremos “completamente a natureza”. Nosso “organismo; ele mesmo parte dela, será
sempre uma forma que perecerá limitada em sua adaptação e operação”.
Prosseguindo, relacionaremos felicidade na atualidade e consumo. Pura, oniomania5?
Alegria inquestionável, ou indizível prazer pela vida?
5
Onomania. No texto, refere-se ao consumo ou hábito exagerado de comprar.
https://www.google.com.br/search?sclient=psyab&biw=1094&bih=487&q=onde+est%C3%A1+a+frase+a+exist
encia+precede+a+essencia&oq=onde+est%C3%A1+a+frase+a+existencia+precede+a+&gs_l=hp.1.0.33i22i29i3
0k1.4699152.4714271.19.4717198.58.49.1.0.0.0.513.13821.1j0j21j20j2j1.45.0....0...1.1.64.psyab..14.36.10859...
0j0i67k1j0i131k1j0i22i30k1j33i160k1.jnsMC_3yRLg&pbx=1&cad=cbv&bvch=u&sei=c2WRWKrDHsaewgSi-
b7gDg# Acesso em 29/01/17.
A felicidade nos falta; a felicidade está perdida. Por quê? Temos de partir do
desejo. Não apenas porque "o desejo é a própria essência do homem", como
escrevia Spinoza, mas também porque a felicidade é o desejável absoluto,
como mostra Aristóteles, e enfim porque ser feliz é - pelo menos numa
primeira aproximação - ter o que desejamos. (SPONVILLE, 2001, p. 12).
6
Bamboocha. É uma expressão que significa comer a vida com uma colher grande; (aproveitá-la). O termo
refere-se à campanha publicitária encomendada pela Coca-Cola para o refrigerante Fanta, em 2006
e pretendia falar a língua dos adolescentes. Disponível em:https://coisadepretto.wordpress.com/2009/06/25/beba-
fanta-fique-bamboocha-pior-propaganda-do-brasil/; https://www.google.com.br/?gws_rd=ssl#. Acesso em
30/01/17
racional deve comandar, controlar e conduzir as outras almas. Para controlá-las o melhor
caminho seria a dialética e ginástica. Resumindo, as paixões e os desejos poderiam ser
controlados pela mente e pelo corpo; cansa-se o corpo ou satura-se a mente com
questionamentos e conhecimento. Eis na sua concepção, uma perspectiva tanto para o tédio do
vazio existencial como para a obtenção da felicidade legítima.
Acrescentemos a isso, uma compreensão de que a felicidade está no aqui e agora; e,
o futuro é algo incerto, - consequentemente faltoso. Talvez, Sócrates tenha razão em insistir
numa condição de felicidade humana pautada na compreensão de sua natureza. “Conhece-te a
ti mesmo” é assim a porta que se abre para a vida mais autêntica e consequentemente mais
feliz. Com o autoconhecimento adquire-se o controle necessário para impedir os desejos e as
paixões compulsivas; prevenindo a infelicidade de viver em companhia do tedio, após a
experiência da felicidade provisória. De repente, seja por isso que a relação mais
procrastinada, falaciosa e categórica seja a do autoconhecimento; pois é uma luta travada do
eu, consigo mesmo. Mas é neste exercício constante de autognose que, reside a felicidade
mais autêntica; menos, dada aos equívocos ou desapontamentos.
7 Considerações Finais
Diante das fórmulas mágicas que vendem a ideia de uma felicidade “embalada para
viagem”, venal e associada ao consumo, fica a impressão de que as pessoas somente serão
felizes se atenderem a tais expectativas. Buscamos entender, o quanto a felicidade se mostra
como uma necessidade humana; e, que por sua grandeza e significação, deve fugir das
obrigações das crescentes imposições sociais.
A ideia aqui auferida reconhece a existência legítima de um “estado de felicidade”
transitório, que jamais se coloca como uma conquista definitiva. Trata-se de momentos
singulares favorecidos por um estado de conforto e bem-estar emocional, com certa duração.
Se valida também, a convicção de que, cada pessoa precisa refletir e encontrar sua
composição ideal de felicidade, através do autoconhecimento; o que significa buscar em si
mesmo as respostas.
Com relação aos determinismos, às complexidades e aos dilemas das “escolhas
felizes”, cumpre esclarecer que, a infelicidade do homem pode não estar relacionada somente
a suas escolhas; mas, à própria limitação da vida humana. Depreende-se, que não há sabedoria
em viver intensamente tudo aquilo que se deseja, pois, a própria vida se encarrega em
promover as experiências e as consequências negativas das escolhas.
O ser humano vive na descrença do limite ilusório das vitórias alcançadas; onde
constantemente, empreende novas buscas, e oportunidades para ser feliz. Sua fuga do
sofrimento, da realidade, (ou da morte), promove sempre momentos de crise existencial e a
sensação de que ainda não viveu o bastante para ser feliz.
Ser feliz é uma incomparável possibilidade existencial. Em cada momento da vida,
em cada circunstância vitoriosa ou de vicissitude, reside tanto uma oportunidade para
crescimento e contentamento; ou, de reflexão do lugar da subjetividade no processo evolutivo;
posto que, na existência autêntica está o verdadeiro sentido da felicidade humana.
REFERÊNCIAS