Amor de Salvação
Amor de Salvação
Amor de Salvação
. IX 50.
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BIBLIOTHECA MORÉ
AMOR DE SALVAÇÃO
2.a EDIÇÃO
PORTO
LIVRARIA MORÉ -EDITORA
PRAÇA DE D. PEDRO
1874 .
-
AMOR DE SALVAÇÃO
AMOR DE SALVAÇÃO
POR
CAMILLO CASTELLO-BRANCO
2.ª EDIÇÃO
J. Corne
PORTO
LIVRARIA MORÉ
PRAÇA DE D. PEDRO
1874.
20,55
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Meu amigo
futil.
No Minho, em 1864.
O AUTHOR.
AMOR DE SALVAÇÃO
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AMOR DE SALVAÇÃO 13
P
tadas ás palestras litterarias - quasi sempre controver-
sias ácerca da primazia de Lamartine ou Victor Hugo -
pertencia á grande tribu dos trossistas, gente arruadora
e desatinada, para quem as saudosas tradições do fami-
gerado José Lobo não tinham ainda esquecido . Esta duali-
dade em Affonso de Teive era uma distincção , que o tor-
nava menos agradavel aos litteratos circumspectos , e me-
nos estimavel tambem aos camaradas das assuadas e
motins nocturnos . Affonso era poeta n'um genero galho-
feiro, quando queria; e dedilhava o alaude das elegias ,
se lhe dava para lastimar-se, ou carpir saudades imagi-
narias de mulheres , suas amadas, fugidas d'este lama-
cento globo para os plainos balsamicos do céo . E' o que
me parecera a mim . Tinha dias de escrever jaculatorias
em verso , que dariam fama a um eremita da Thebaida;
n'outros dias , satyrisava a religião, os dogmas , e a pro-
pria divindade com os apódos e dialectica d'um desbra-
gado discipulo de Voltaire . E o mais para assombro é
que elle parecia sentir no coração o ascetismo de hoje, e
a impiedade de amanhã: agora, iria de poz o pallio da
extrema-uncção murmurando as preces do povo , que não
se peja de orar em publico e alta voz ; e logo bem pode-
ria succeder que, encontrando o mesmo prestito, não le-
vasse a mão á fronte para tirar o gôrro . A um homem
assim dotado de tão contradictorios espiritos , facil seria
agourar-lhe grandissimos dissabores no trajecto da exis-
tencia: para os semelhantes d'aquelle funesto modêlo , as
estradas communs da humanidade não conduzem a para-
gem nenhuma certa; nem o coração nem o espirito acei-
16 AMOR DE SALVAÇÃO
22 AMOR DE SALVAÇÃO
filhos , que fazem bulha como trinta e dous . Creio que es-
tou no pateo d'um mestre-escóla á sahida d'aula . Dous
d'estes ferozes meninos tiram-me da mão o guarda- sol ,
abrem-n'o e fecham-n'o repetidas vezes, arremettendo
contra os irmãos , que se defendem espancando a murros
as varas da umbrella que gemem e entortam . Affonso
gosta de vêr aquillo, e eu finjo tambem que não desgos-
to, nem que receio de ser esfarrapado por aquelles inno-
centes.
Passamos ao seguinte repartimento da casa: era a sala
de visitas, mobilada de alfaias antigas , cadeiras encoura-
das com chapas reluzentes , grandes bancas de pau san-
to, com gavetas atauxiadas de frisos metallicos e de mar-
fim .
-A decoração diz com as minhas barbas! -reflectiu
o risonho Affonso. Aqui é tudo portuguez - accrescentou,
mandando inutilmente calar a gritaria dos meninos que,
a meu vêr, legitimavam a raiva infanticida do Herodes-
Até a linguagem é portugueza de lei: olha que estou fal-
lando vernaculamente, meu amigo . Ha quatorze annos
que tu me convidavas urbanamente a não insultar os Lu-
cenas e os Sousas com as minhas francezias . Vem vêr a
minha livraria; se não queres primeiramente vêr minha
mulher.
-Tenho muita honra e satisfação em ser apresenta-
do a tua senhora- atalhei eu.
-Joaquim! -disse Affonso ao filho mais velho -Vai
30 AMOR DE SALVAÇÃO
Fernão de Teive.»
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IX
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«<Surprehendi minha mãe , sentada á sombra da car-
valheira da porta, relendo as minhas ultimas cartas , es-
criptas com a ternura da alma alumiada pela alva dum
melhor dia. Ao contacto do peito da virtuosa , senti exu-
berancia de saude , de alegria , e de uncção religiosa. En-
tão me considerei estreado em nova existencia.
«Esperava eu que se abrisse a Universidade para ir
a Coimbra repetir o segundo anno , cujas disciplinas nem
sequer as tinha visto no index dos compendios . Minha
mãe dissuadia-me de voltar a Coimbra, dando como des-
necessaria a formatura a quem não havia de ganhar a vi-
da por ella . Eu , porém , desejava instruir-me; dava-me
como necessario recolher idéas que ao depois me aligei-
rassem no estudo os annos de toda a vida, que eu desi-
gnára passar na casa , onde meu pae tinha vivido a sua,
com todas as ditas da paz. Minha boa mãe transigiu . A
dôce creatura, accusando- se sempre de motora da minha
desgraça, obrigára-se a expiar pela abnegação e condes-
cendencia . E de mais, ella temia que, alguma hora, me
reapparecesse a visão de Lessa.
«Que presentimento!
« Dias antes da minha destinada partida, fui ás Tai-
pas despedir-me de meu tio Fernão , que estava em Cal-
das . Ao entardecer sahi com minha prima Mafalda a pas-
sear na carvalheira . Já era escuro, quando nos fizemos
na volta de casa. Ao atravessarmos a alamêda dos ba-
nhos , acercou-se de nós um vulto de mulher rebuçado
n'uma capa alvacenta. Mafalda apertou-me ,o braço con-
vulsivamente . O vulto parou em frente de nós, e disse
AMOR DE SALVAÇÃO 403
I
XI
mente immoral. E' caso novo e feio esse ! E tu, que fi-
zeste tu?
-Nada.
-Dos tres é quem andaste melhor . Parabens ! E
elle, o marido , que fez depois? que respondeu á Pantha-
silea?
-Respondeu que lhe ia dar cabo da casta, e tirou
uma luzente podôa de dous gumes do bolso interior da
judia.
-Uma podôa ! Outra novidade ! E arremetteu com
ella?
-Quando elle sacou do ferro, passei para a frente de
Theodora.
-Desarmado?
-Desarmado : as pistolas estavam no meu quarto.
Mas a Panthasilea virgiliana, como tu apropriadamente a
denominas , repelliu-me com um braço , e mostrou na ex-
tremidade do outro uma pistola abocada ao peito do ma-
rido .
-Novidade terceira! -acudi eu , quasi suspeitoso da
logração do conto - Tu não estás inventando, Affonso?
-E' inepta a pergunta; mas perdoavel . Não invento,
meu amigo. Conto verdades que me entristecem . Recor-
dar-me agora do gesto consternado do marido d'ella ,
punge-me devéras . Tremia-lhe o ferro na mão ameaça-
dora, e já o rosto se lhe estava banhando em lagrimas .
Desceu o braço quebrantado por agonia mais lacerante
que a ira, e fitou em mim os olhos chammejantes . De mim,
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13
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<< mãe ella era. Eu fui lêr á beira da sua sepultura a tua
« carta. Li-a em voz alta, cortada de gemidos . Depois orei
<<muito, e levantei-me de ao pé d'ella tão desopprimida e
< satisfeita que tomei por instincto do ceo a minha alegria.
<<Póde ser que esta carta vá éncontrar-te no gozo do alli-
<vio que eu senti então .
«Bom seria, meu primo , que tu mandasses cuidar um
«pouco nos negocios da tua casa. Meu pae faz o que pó-
« de, e dirige o teu procurador; mas receia de não zelar
«< os teus interesses como queria por falta de saude, e pela
< distancia em que vivemos de Ruivães .
« Adeus , meu querido irmão . Cuida em ser feliz, e
« lembra-te com amizade da tua Mafalda . »
«Respondi logo a esta carta, participando a minba
prima que ia sahir para Pariz , no proposito de assentar
alli a minha residencia . Expressões affectuosas escassa-
mente lhe disse as vulgares , as necessarias á formalidade
de relações entre primos que se estimam . É que eu via
em mim o aviltado homem que estava sendo, e de Ma-
falda mesmo tinha eu um certo pejo , vaidade ainda , a vai-
dade do homem que se julga desapreciado aos olhos de
uma mulher, que o vê rejeitado d'outra , embora villissi-
ma, embora repulsada da sociedade de mulheres aptas
para honestamente avaliarem o merecimento do homem
desprezado . Eu não queria nem podia, coberto de infa-
mia por Palmyra, ir acolher-me ao amor de Mafalda. E
depois, e sobre tudo, meu amigo, bem que eu quizesse,
não poderia amal- a então como a teria amado quinze dias
antes, insuspeitoso da lealdade de Palmyra. Sabem os
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XXI
<
« ziam que era o marido envergonhado . O D. José de
« Noronha, desde o banho da cisterna, nunca mais se
<<< endireitou do espinhaço , e vai a tisico irremissivel-
<<< mente . Não ha memoria d'uma catastrophe assim nos
<<<fastos dos Lovelaces patifes d'este nosso quintal do tio
« Lopes. O D. Antonio de Mascarenhas assevera-me que
<<< Palmyra nunca mais teve uma palavra de consolação
«para o derreado amante . O teu criado matou estes
<< amores com tamanha ignominia , que já não ha nin-
«guem que queira amar mulher em casa onde haja cis-
<«<terna ... Irei dizendo o que souber da Laiz minho-
«< ta .. • >>>
Affonso leu glacialmente a carta, e não respondeu ao
noticiador.
-Que sentimento fez em ti essa nova?-perguntei
eu.
Affonso encolheu os hombros , e disse:
O sentimento da piedade . Não podia ser amor,
porque não ha infamia d'alma que desça até ahi . Odio
tambem não , que o odio quer vingança, e eu dava-me já
por vingado da mulher a resvalar, no plano inclinado ,
não sei até que ordem de abysmos . Era piedade o que eu
sentia, e tanta que, se me viessem dizer que Palmyra,
dentro de um anno, perdera a formosura, que vendia, e
os bens, que herdára, e se desgraçára até á extremidade
de pedir o pão de cada dia , eu faria do meu pão dous
quinhões, e um mandar-lh'o-ia, sem insulto nem palavra
recordadora do passado.
236 AMOR DE SALVAÇÃO
mos! a fidalga ainda lhe não deu o abraço que o snr. Fer-
não de Teive deixou ao filho de sua santa irmã.
«Abraçou-me Mafalda . E eu apertei-a ao seio com ar-
rebatamento, e senti a sua face nos meus labios .
<
«<- Agora, fallo eu -disse o clerigo --O instituto das
irmãs da caridade é um santo instituto, nenhuma duvida
The ponho, pelo que tenho ouvido contar dos heroismos
de caridade, que as servas de S. Vicente de Paulo pra-
ticam. Assim é; mas a conquista do céo consegue- se com
a virtude , e a virtude é uma em toda a parte, e em todas
as situações . As irmãs da caridade são bemquistas do
' Senhor; mas muitas almas elege o Senhor, sem as sub-
metter á prova dos sacrificios e abnegação do santo in-
stituto do servo de Deus . A snr . D. Eulalia, que Deus
tem , era uma virtuosa , e piamente creio que santa senho-
ra. Pois a sua vida de esposa e mãe não lhe tolheu que
alcançasse o paraiso com muitas obras boas que fez, sem
as andar derramando pelo mundo . A mãe da snr. D. Ma-
falda foi outra senhora casada e muito amante de seu es-
poso; pois , se a virtude é a prophecia infallivel da bem-
aventurança, as duas virtuosas senhoras lá estão com
Deus . E agora lhes direi eu o que as santas pedem ao
Senhor, vendo assim os seus filhos a ouvirem o pobre pa-
dre pregar sem encommenda do sermão . Eu lhes digo
que ellas estão pedindo a Deus que os case , que os encha
de bençãos , e de filhos . Vamos! eu tambem levantó as
minhas mãos fazendo os mesmos rogos ao Senhor ! Meu
Deus ! permitti que a minha voz se ajunte á das santas
que vos pedem a felicidade d'estes dous filhos ! Permitti
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FIM .
LIVRARIA MORÉ - EDITORA
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