A Dinastia de Avis e A Construcao Da Mem

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A dinast ia de Avis e a const rução da


m em ória do reino port uguês:
um a análise das crônicas ofi ciais
M ir ia m Ca br a l Cose r

Doutora em História Social pelo Programa de Pós-Graduação em História


da Universidade Federal Fluminense – UFF, Professora de História Medie-
val da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRural – RJ
E-mail: [email protected]

Resumo. A Revolução de Avis em Abstract. The Revolution of Avis in


Portugal (1383-1385) dá início a uma Portugal (1383-1385) begins a new dy-
nova dinastia que desenvolve um de- nasty which develops a certain political
terminado discurso político, através da discourse through literature, public
literatura, das festas públicas, do teatro festivities, the theatre and, especially, the
e especialmente com a contratação engaging of official chronicles to write
de cronistas oficiais para escreverem the memory of the Portuguese kingdom.
a memória do reino português. Seus Its first chroniclers, Fernão Lopes and
primeiros cronistas, Fernão Lopes e Gomes Eanes Zurara, represent two
Gomes Eanes Zurara, representam dois different political moments in the first
momentos políticos diferentes na pri- phase of the new dynasty, the former
meira fase da nova dinastia, o primeiro identified with its legitimation and the
identificado com a sua legitimação e assertion of what was to be Portuguese,
a afirmação do que era ser português and the latter, with the armed expansion
e o segundo com a expansão armada in the north of Africa, as an expression
no norte da África, como expressão de of honor and glory of the kingdom.
honra e glória do reino. Mas, em que However, whatever the differences
pesem as diferenças, são representan- might be, they are representatives of
tes da dinastia que tinha como projeto the dynasty which had as a project the
a elevação do rei a soberano de fato elevation of the king to true sovereign of
do reino português, em torno do qual the Portuguese kingdom, around whom
produzia-se uma memória, por sua vez a memory was developed, which was, in
subsídio da formação da identidade its turn, a base for the formation of the
nacional portuguesa. Portuguese national identity.

Palavras-chave: Idade Média portu- Keywords: The Portuguese Middle


guesa. Discurso político. Ages. Political discourse.
COSER, Miriam Cabral

1. O PROJETO POLÍTICO DE AVIS

Em 1434, pela primeira vez em Portugal, há o registro de que a


coroa designou uma tença a um cronista encarregado de escrever a
história de seus reis. Uma carta régia de D. Duarte afirma que Fer-
não Lopes receberia anualmente 14 000 reais brancos para realizar
a tarefa (MONTEIRO, 1988). Antes disso, no reinado anterior, o de
D. João, primeiro rei da dinastia de Avis, foi elaborada a crônica dos
sete primeiros reis de Portugal, que hoje chamamos de Crônica de
1419, por ter sido produzida a partir dessa época. Tal crônica é prova-
velmente uma refundição da Crônica Geral de Espanha de 1344, de
autoria do conde D. Pedro, filho bastardo de D. Dinis, sob a dinastia
de Borgonha (CINTRA, 1951). A Crônica Geral de Espanha de 1344 é
considerada a primeira compilação histórica de origem portuguesa
(SERRÃO, 1963) e foi baseada na produção castelhana.
A preocupação com a produção de uma memória do reino
português antecede a dinastia de Avis, como mostra a iniciativa
do conde D. Pedro. Entretanto, a decisão de D. Duarte de financiar
um cronista oficial do reino transforma essa preocupação num
projeto cuidadosamente desenvolvido, dentro de um movimento
mais amplo de legitimação e glorificação da dinastia de Avis.
A nova dinastia assumia o trono de um reino que passara por
importantes transformações ao longo do século XIV: alterações na
exploração da terra com o aumento dos arrendamentos, crescimen-
to do comércio e do artesanato, maior mobilidade da mão-de-obra,
migrações para as cidades, inúmeras crises cerealíferas, constantes
desvalorizações do numerário, diminuição da população devido à
fome e à peste. As guerras nas regiões fronteiriças, especialmente
com Castela, assumiam um significado mais amplo dentro do con-
texto da Guerra dos Cem Anos e do Grande Cisma, num jogo de
troca de alianças, no qual a coroa portuguesa buscava o apoio dos
ingleses e seguia o papa instalado em Roma, mas nos momentos
de acordo com Castela submetia-se ao acordo com os franceses e

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ao papa de Avinhão. A mudança na correlação de forças internas,


os anseios dos homens bons das cidades, a insatisfação dos filhos
segundos da nobreza, o peso das guerras e das pilhagens geravam
conturbações sociais que se agravaram no reinado de D. Fernando,
o último rei da dinastia de Borgonha.
Somado a todo esse quadro de crise, D. Fernando fez um casa-
mento que provocou descontentamento de parte do reino, escolhendo
Leonor Teles – mulher de D. João Lourenço da Cunha, senhor de Pom-
beiro e vassalo do rei –, ao invés dos vantajosos acordos de casamento
com herdeiras dos reinos vizinhos. Não tiveram filhos homens e sua
única filha, Beatriz, foi entregue em acordo de casamento ao rei D. João
de Castela. Tal situação criava a possibilidade de que o rei de Castela
vir a tornar-se também rei de Portugal, fato que D. Fernando procurou
evitar mediante certas determinações no acordo de casamento. Uma
delas era a de que Leonor Teles seria a regente de Portugal até que
Beatriz tivesse herdeiro com idade de quatorze anos. Com a morte
de D. Fernando, a rainha torna-se de fato a regente, com o apoio do
Condestável, o conde João Fernandes Andeiro, que já exercia muita
influência no reinado de D. Fernando.
A oposição à rainha intensificou-se em Portugal, em especial
em Lisboa, onde iniciou-se o movimento que seria chamado de
Revolução de Avis, quando, em dezembro de 1383 o conde An-
deiro foi assassinado pelo grupo de D. João, o Mestre de Avis,
filho bastardo do rei D. Pedro e meio-irmão de D. Fernando. O
movimento iniciado em Lisboa contra a regente alastrou-se por
várias regiões do reino e o Mestre de Avis assumiu a regência do
reino. Neste meio tempo, o rei de Castela marchava para Portugal
para reclamar seus direitos sobre o trono, que culminaria no cerco
da cidade de Lisboa, no ano seguinte. A cidade resistiu à invasão
e em 1385 D. João, o Mestre de Avis, foi escolhido o novo rei de
Portugal nas Cortes de Coimbra. No mesmo ano, o rei de Castela
invadiu mais uma vez Portugal e foi vencido em Aljubarrota,
numa batalha que foi tida como milagre pelos portugueses.

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A dinastia de Avis é, portanto, parte dessas transformações que


se delineavam em Portugal desde a dinastia anterior, na medida em
que soube lidar com a nova correlação de forças que se configurava
e com a insatisfação de diversos segmentos sociais, manifestos na
regência de Leonor Teles. D. João subia ao trono com o apoio, prin-
cipalmente, das cidades e de parte da nobreza que se sentira lesada
no reinado de D. Fernando, encabeçada por Nuno Álvares Pereira,
que se tornaria o novo condestável de Portugal.
Após a vitória de Aljubarrota, D. João iniciou a reconquista
de todas as localidades portuguesas que ainda obedeciam ao rei
castelhano, até 1411, quando firmaram-se as pazes com Castela.
Ainda neste período, os portugueses estreitaram as alianças com
a Inglaterra, e o Tratado de Windsor (1386) integrou a guerra de
Portugal contra Castela na Guerra dos Cem Anos. Foi nesta pri-
meira fase do reinado de D. João que o rei casou-se com Filipa,
filha do duque de Lancaster, de importante linhagem inglesa.
O acordo de paz de 1411 fez com que o reino português
retomasse suas fronteiras tradicionais (as de 1297) e pudesse
voltar-se para o projeto de expansão no norte da África. O pri-
meiro sucesso nessa expansão deu-se com a conquista de Ceuta,
no Marrocos, em 1415. Ceuta tornou-se fonte de honra e prestígio
para a nobreza e o rei, tendo na luta contra os infiéis a justificativa
para a empresa. Ainda no reinado de D. João, a expansão chegou
à ilha da Madeira (1419-1421), Açores (1427-1432) e à costa da
África até o cabo Bojador (1422-1433). Outro traço importante na
administração de D. João foi apoiar-se nas cidades através das
cortes e promover a ampliação do poder real (SOUZA, 1992).
D. Duarte iniciou seu reinado em 1433, após a morte de seu pai
D. João, mas já estava associado ao governo de Portugal desde 1412,
incumbido da Justiça e da Fazenda. Deu continuidade à política no
norte da África e apoiou a expedição a Tânger, em 1437, iniciativa
de seus irmãos D. Henrique e D. Fernando, que teve a oposição de
D. Pedro, também irmão do rei. A expedição fracassa e D. Fernando

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é feito prisioneiro em Fez, onde morre. No ano seguinte, D. Duarte


morre e deixa sua mulher, Leonor de Aragão, como regente, uma
vez que seu filho tinha apenas seis anos. Essa decisão provocou
descontentamento do reino, por parte dos concelhos1 e da maioria
da nobreza. Armindo de Souza afirma que esse descontentamento
tinha dois fundamentos: tanto a resistência a uma regência feminina,
quanto o temor da influência dos príncipes de Aragão, irmãos da
rainha, nos assuntos do reino (SOUZA, 1992, p. 502).
Assim, as cortes reuniram-se e ficou decidido que o poder seria
partilhado pela rainha, por D. Pedro e pelas “cortes restritas” ins-
tituídas para essa finalidade. Mas o arranjo político não funcionou
e as cidades de Lisboa e Porto acabam por promover D. Pedro a
regedor e defensor do reino, além de tutor e curador do rei. Leonor
de Aragão tentou resistir, mas acabou fugindo para Castela, onde
morreu em 1445.
A regência de D. Pedro abrangeu os anos de 1439 a 1448
e, apesar do forte apoio concelhio no início de seu governo,
foi obrigado a conceder e manter certos privilégios da nobre-
za, oscilando entre uma política de tentativa de centralização
monárquica e concessão a privilégios feudais. Sua política com
relação à África foi a de evitar os contatos armados, procurando
estabelecer relações comerciais. Já afastado da regência, foi morto
por partidários de D. Afonso V em Alfarrobeira, em 1449.
O reinado de D. Afonso V é considerado por parte da his-
toriografia portuguesa como uma volta ao feudalismo: “Enfim,
depois do infante D. Pedro, os concelhos, e logo os povos, perde-
ram terreno em proveito da nobreza e do clero. Regrediram. Tal
como direito comum em benefício do canônico e do privilégio.
E porque assim foi, regrediu o Estado em prol do feudalismo”
(SOUZA, 1992, p.505). D. Afonso V é tido também como o “ultimo
cruzado”. Respondendo a um apelo do papa Calisto III, chegou a
preparar o reino para uma cruzada que acabou por não acontecer.
Direcionou, então, os preparativos para a expansão africana, con-

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quistando Alcácer Ceguer em 1458, Anafé (Casablanca), em 1469,


Arzila em 1471 e finalmente Tânger (também em 1471), que havia
sido abandonada pelos mouros. A partir de 1475, D. Afonso volta
seus esforços para a Península Ibérica, reclamando seus direitos
sobre o trono de Castela, após a morte de D. Henrique V, que era
casado com uma irmã do rei português. D. Afonso V é derrotado
e retorna a Portugal, onde morre em 1481, pondo fim à chamada
primeira fase da Dinastia de Avis. Mas, em que pese as concessões
feudais no período de D. Afonso V, é justamente nesse momento
da história de Portugal que o “homem de cabedal”, o comerciante
voltado para o grande comércio externo, ganha força e distancia-se
do “mesteiral”, homem dos ofícios e da “arraia miúda”.
Durante todo esse período, do reinado de D. João ao de D.
Afonso V, foi mantida a determinação da monarquia de produzir
uma memória do reino. É dentro deste contexto que se compre-
ende não apenas a decisão de D. Duarte de financiar um cronista,
como o movimento mais abrangente, observado ao longo da
primeira fase da dinastia de Avis, designado pela historiadora
Vânia Fróes como o “discurso do paço”.
O discurso desenvolvido pela nova dinastia, para além da
afirmação de sua legitimidade, objetivava promover o rei a um sobe-
rano de fato no reino português. E o rei como verdadeiro soberano
seria o rei capaz de unir todos os segmentos sociais, justamente por
sobrepor-se a eles, formando uma unidade reconhecível por todos,
que viria a constituir a nação portuguesa. Tal discurso implicava
portanto a apresentação do rei como aquele que reunia as qualidades
necessárias para a promoção dessa unidade. Qualidades baseadas
em virtudes que a um só tempo permitiam a proteção aos humildes,
o controle dos mercadores, o afastamento dos inimigos e uma "ação
civilizadora" – no sentido apontado por Norbert Elias (ELIAS, 1994).
– que colocaria os senhores sob o domínio da realeza.
A afirmação da identidade nacional e a construção de
uma imagem da realeza carismática e aliada ao "povo" na

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dinastia de Avis foi o que a historiadora Vânia Fróes (1993)


denominou "discurso do paço". Discurso no sentido mais amplo
da palavra, incluindo festas, teatro e literatura.
No plano literário, o "discurso do Paço" ocorreu com um
movimento de expansão da produção, reprodução e organização
de livros no século XV. Neste momento, como afirmam Saraiva
e Lopes (1985, p. 113), "os príncipes organizam livrarias, apre-
endem iniciativas como a redação de grandes compilações, são,
por vezes, autores de obras originais".
Os príncipes de Avis empenharam-se pessoalmente na produ-
ção desse discurso. D. João escreve o Livro da Montaria, manual
que se dedicava a ensinar como reconhecer os rastros de animais
(recorrendo inclusive a ilustrações), quais as melhores armas e ves-
timentas para a caça e quais as relações adequadas entre os grandes
senhores que lideravam as caçadas e seus subalternos. D.Pedro
é autor do Livro da Virtuosa Benfeitoria, expondo sua concepção
de ordem social, baseada nos fundamentos da hierarquia e da
benfeitoria (tendo como referência a obra de Sêneca), conferindo
ao rei o papel de promotor da concórdia e unificador do reino. D.
Duarte escreve o Leal Conselheiro, livro que tinha como objetivo
orientar o bom cristão, enfatizando sobretudo a necessidade do
comedimento. Escreve também o Livro da Ensinança do Bem
Cavalgar Toda Sela, em que explicita os motivos pelos quais cava-
leiros e escudeiros devem aprender a cavalgar bem e os recursos
econômicos necessários para cavalgar corretamente, fornecendo
ainda toda espécie de conselhos sobre a arte de cavalgar2. Os cro-
nistas do reino, em especial Fernão Lopes e, mais tarde, Gomes
Eanes de Zurara e Rui de Pina, produzem uma longa lista de obras
sobre os reis de Portugal, suas batalhas e conquistas.
O que passou despercebido pela historiografia portuguesa du-
rante muito tempo é o fato de que estas obras, além de seu caráter de
literatura apologética, ascética e moral – como no caso do Livro da
Virtuosa Benfeitoria e do Leal Conselheiro – e de tratado técnico –

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como o Livro da Montaria e o Livro da Ensinança do Bem Cavalgar


Toda Sela – revelam sobretudo um modelo a ser seguido, no qual o
rei é apresentado como o condutor para a perfeição, assim como seu
maior exemplo. Nessa caminhada, os diversos setores sociais devem
estar conscientes do papel a desempenhar, não apenas em termos
morais, mas também práticos. Os conselhos, práticos ou morais,
funcionam como um espelho, a exemplo dos diversos "espelhos de
reis”, bastante divulgados na baixa Idade Média.
O discurso produzido ao longo da primeira fase da dinastia
de Avis, sobretudo aquele das crônicas oficiais do reino, tinha a
dupla função de anunciar uma nova era em Portugal, legitimando
o reinado de D. João e afirmando sua diferença em relação ao
reinado anterior, mas também a de reafirmar uma determinada
continuidade na história do povo português e conferir um caráter
singular a esse povo.
Sabe-se que, em Portugal, delineavam-se precocemente os ele-
mentos formadores do Estado, como a permanência prolongada de
uma população em um determinado espaço geográfico, formação
de instituições políticas impessoais, reconhecimento por parte da
população da necessidade de obediência a uma autoridade central
(STRAYER, [19--?]); ao passo que se formavam também os indica-
dores do surgimento de uma Nação, com uma série de fatores de
auto-identificação, como o nome, os interesses políticos, a língua a
religião comuns e, o que especialmente nos interessa aqui, o reconhe-
cimento de uma origem e um passado comuns (GUENEÉ, 1981).
Esses dados são essenciais para a compreensão do universo
de produção das crônicas oficiais do reino na fase inicial da dinas-
tia de Avis e da contribuição dessas crônicas para o processo de
formação da identidade nacional portuguesa. O primeiro cronista
designado pela coroa tinha como tarefa produzir esse passado
comum do reino português, ao mesmo tempo que afirmar a
singularidade da dinastia que se estabelecia em Portugal.

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2. OS CRONISTAS DA TORRE DO TOMBO

Fernão Lopes, primeiro cronista oficial do reino, desempe-


nhou diversas funções ao longo dos três primeiros reinados da
dinastia de Avis. Em 1418, foi nomeado guarda-mor da Torre do
Tombo, sendo responsável por dar certidões de documentos ré-
gios. Neste mesmo ano, já era escrivão dos livros do infante
D. Duarte e, no seguinte, dos livros do rei D. João I. Em 1421,
aparece como escrivão da puridade do infante D. Fernando, tarefa
que desempenhou até a morte deste em 1433. Por volta de 1430,
torna-se notário geral (tabelião), cargo de nomeação régia, que
requeria exame e habilitava a lavrar documentos em qualquer
parte do reino. Em 1434, recebe a já referida tença anual de 14.000
reais para escrever as crônicas dos reis de Portugal, tarefa que
provavelmente já vinha desempenhando anteriormente e só seria
assumida por um novo cronista em 1450. Um ano antes, teve sua
tença aumentada para 20.000 reais. Em 1454 é reformado.
São três as crônicas indiscutivelmente escritas por Fernão Lopes:
Crônica de D. Pedro, Crônica de D. Fernando e Crônica de D. João
(partes I e II). A autoria da Crônica de 1419 não pôde ser comprovada
e provavelmente trata-se de uma refundição de crônica anterior,
como foi dito no início deste capítulo. Autores como Saraiva acre-
ditam que Fernão Lopes teria preparado ainda material que seria
utilizado por seu substituto, Zurara, na Crônica da Tomada de Ceuta
e outro relativo a D. Duarte, utilizado por Rui de Pina.
Para um homem que foi encarregado de tarefas tão importan-
tes, sabe-se pouco de sua vida pessoal. Ignora-se as datas exatas
de nascimento e morte, estimando-se que tenha nascido entre 1380
e 1390 e morrido após 1459, data em que assinou um documento
para deserdar um neto bastardo. O local de nascimento também é
ignorado, mas viveu grande parte da sua vida em Lisboa. Não era
de origem nobre, mas foi nobilitado por D. João em 1434, tornando-
se vassalo do rei. Casou-se com Mor Lourenço, mulher que tinha

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parentesco com mesteirais. Teve um filho, Martinho, que era físico


a serviço do infante D. Fernando e morreu em Fez.
A formação de Fernão Lopes também é uma incógnita. Não se
sabe se teria cursado a universidade, o Estudo Geral, ou apenas uma
escola conventual. O ofício de notário exigia um saber especializado,
mas não necessariamente universitário. As citações em seus escritos
evocam alguns autores antigos – como Aristóteles, Tito Lívio, Santo
Agostinho e Beda –, textos bíblicos, crônicas – as de Pero Lopes de
Ayala, de Martim Afonso de Melo, de Christophorus e a Crônica do
Condestabre – e revelam a influência dos romances arturianos, de
forma que, mesmo que o cronista não tenha recebido uma educação
formal, teve acesso a um leque amplo de leituras.
Mas, para além da sua formação, os ofícios de tabelião e guarda-
mor da Torre do Tombo, paralelos ao de cronista, conferiram a
Fernão Lopes uma singularidade que é a marca de suas crônicas.
Peter Russel (RUSSEL, 1941 apud MONTEIRO, 1988) chegou a
afirmar que não houve, no mundo medieval, outro cronista que
fosse simultaneamente encarregado de conservar os documentos
oficiais do reino. Embora essa afirmação não seja exata – o sucessor
de Fernão Lopes também desempenhou essa dupla função – , Lopes
foi o primeiro cronista medieval a vivenciar essa familiaridade com
os documentos de chancelaria, cartas, diplomas oficiais, tratados,
capítulos de cortes, testamentos, bulas, etc., fato que foi subsídio para
uma nova maneira de redigir as crônicas. Nas palavras de Monteiro,
é a passagem do estilo “memorial” ou do “cronicão” para a “crônica”
propriamente dita: “A simples anotação do acontecimento, [...] cede
definitivamente o lugar a uma narrativa ordenada (diacronicamen-
te), de estrutura e apresentação internas muito complexas e apurada
no manuseamento de materiais informativos muito diversificados”
(MONTEIRO, 1988, p. 85-86).
Além dessa documentação, por cuja conservação era res-
ponsável, Fernão Lopes recolheu também sermões, observou
representações em túmulos, anotou epitáfios. Viajou pelo reino,

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procurando os lugares em que ocorreram os acontecimentos que


deveria relatar, anotando depoimentos orais, elementos lendários
e tradicionais, ditos populares, músicas.
O cronista utiliza as fontes narrativas já mencionadas, com-
pletando com os documentos e testemunhos orais, de forma a
construir uma história coerente, de acordo com seu ponto de vista.
Esse procedimento, para Luiz Costa Lima, está relacionado com a
crise da cosmologia cristã, a partir dos séculos XIV e XV, que levou
ao descrédito da idéia de verdade como algo inscrito nas coisas e
aparente no mundo, revelado por indícios divinos (LIMA, 1986). A
idéia de que nem tudo o que está escrito é a revelação da verdade
norteia o texto de Fernão Lopes. Daí a relevância da figura do
autor, em busca da verdade, refutando outros autores que teriam
faltado com esta. Há uma excepcionalidade na formulação das
regras do discurso historiográfico na obra de Fernão Lopes que
não se tornou uma prática comum até o século XIX.
Na Crônica de D. João (parte I), Fernão Lopes deixa clara essa
posição de historiador que, detendo documentos, contradiz outro
autor. O capítulo CXVII intitula-se justamente “Resposta as rezões
alguas que hum estoriador pos em sua cronica”. Aqui, o cronista
procura provar que D. João não desrespeitou o acordo de casa-
mento firmado com o pai de Filipa de Lancaster e que não havia
desavenças entre ambos. Para tal, Fernão Lopes utiliza-se do pró-
prio tratado de casamento, que tinha em mãos, e de uma carta do
duque de Lancaster (pai de Filipa) remetida a D. João, com termos
muito amigáveis. Antes, porém, o cronista deixa muito clara a sua
intenção: “[...] queremos primeiro reprender alguas nom bem ditas
rezoens que hum autor em este passo, mais por desamor que por
fazer historia, enxertou em seu volume” (LOPES, 1949, p. 260). Da
mesma forma, o cronista refuta as acusações de que o casamento
de D. João foi ilegítimo por algum tempo, devido ao fato de o rei
pertencer à Ordem de Avis e portanto estar impedido de casar
sem dispensa do papa. Mais uma vez, o cronista é claro em seus

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COSER, Miriam Cabral

propósitos: “[...] comvem que respomdamos, amte que comtemos


outra cousa, aquella mall falada rezaom em que pos boca aquel
estoriador que disemos, notado por mall dizer: – que o Papa não
despemsara com el Rei que cassar podesse [...]” (LOPES, 1949, p.
269). Reconstitui, então, todo o processo de pedido de dispensa
ao papa e reproduz as letras papais (documento de que também
estava de posse) com a dita dispensa. Independentemente de estar
certo ou errado, Fernão Lopes argumenta de forma ordenada e
sempre citando suas fontes, para impor sua verdade em detrimento
do que deixou escrito o outro autor.
Voltando ao texto de Costa Lima, essa excepcionalidade de
Fernão Lopes deveu-se justamente ao fato de o cronista estar a
serviço de uma dinastia recém-chegada ao poder e que o assumira
através da Revolução de Avis e não pelo direito inconteste de here-
ditariedade: “Assim, a quebra do direito de sucessão e a presença
de setores sociais não reconhecidos na prática política medieval
explicariam a radicalização do exame subjetivo e, com ela, a me-
tamorfose do cronista em historiador” (LIMA, 1986, p. 32).
Sem dúvida, o contexto histórico em que viveu o cronista
– aproximadamente entre Aljubarrota e Alfarrobeira – e, mais
especificamente, o contexto dos vinte anos em que escreveu suas
crônicas – de 1430 a 1450, abrangendo os dois primeiros reinados
da dinastia e a regência de D. Pedro – são esclarecedores para o
estudo de seus textos. Fernão Lopes precisava lidar com as versões
conflitantes sobre a legitimidade de D. João, e faz isso cuidadosa-
mente ao longo de sua trilogia, inclusive lançando suspeitas sobre
os herdeiros do trono da dinastia anterior. Era preciso também
lidar com os novos atores políticos em cena e o cronista narra os
antecedentes e o desenrolar da Revolução de Avis colocando em
posição de destaque, por um lado, os homens das cidades e, por
outro, a nova nobreza encabeçada por Nuno Álvares.
Alguns autores procuram mostrar uma relação ainda mais dire-
ta entre esse contexto histórico e a narrativa do cronista, fazendo um

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A dinastia de Avis e a construção da memória do reino português: uma análise das crônicas oficiais

paralelo entre a descrição da Revolução de Avis que faz na Crônica


de D. João (escrita durante a regência de D. Pedro, 1440-1448) e a sua
vivência da disputa política pela regência, entre D. Pedro e a rainha
Leonor, nos anos de 1438-1439 (MONTEIRO, 1988).
Essa simpatia pela causa de D. Pedro teria inclusive influencia-
do a caracterização de D. João em suas crônicas, lembrando-se que
pai e filho divergiram algumas vezes quanto aos rumos da política
portuguesa no norte da África. A defesa de um ponto de vista, que
para o cronista é a própria verdade, leva ao desenvolvimento de
um método e um estilo muito próprios do cronista. Fernão Lopes
diversas vezes dirige-se aos seus “ouvintes”, o que leva a crer que
seu texto destinava-se a uma audiência, provavelmente da corte, e
não à leitura de gabinete. Esse público, através de sua narrativa, é
convidado a ser cúmplice de sua versão dos fatos (a “verdade” de
que fala o autor), através de alguns recursos, que Roger Chartier
chamaria de “armadilhas dentro do texto” (CHARTIER, 1990),
estratégias através das quais os autores tentam impor uma orto-
doxia do texto, uma leitura forçada. Essas estratégias seriam tanto
explícitas, através de prefácios, advertências, glosas e notas, quanto
implícitas, as “armadilhas” propriamente ditas, como o recurso de
apresentar mais de uma versão para um acontecimento (teorica-
mente demonstrando imparcialidade), mas direcionar o leitor para
a aceitação de uma delas.
Contudo, as “armadilhas” preparadas por Fernão Lopes são,
na verdade, a fonte da genialidade de seu texto. Um texto parcial,
apaixonado e que leva o leitor a tomar para si as conclusões (ain-
da que não declaradas) do autor, mas que, ao mesmo tempo, se
apresenta como isento, fiel e, acima de tudo, sem “mínguas”. As
crônicas de Fernão Lopes, portanto, revelam-se fonte riquíssima,
se levarmos em conta, por um lado, o aspecto mais amplo do
projeto da dinastia de Avis, dentro do movimento de construção
da identidade nacional portuguesa, e, por outro, a inserção do
cronista dentro de uma conjuntura histórica específica, assim

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como o método e o estilo por ele desenvolvidos.


O segundo cronista de Avis foi Gomes Eanes de Zurara, que
viveu, aproximadamente, entre 1420 e 1474. Seu pai era o cônego
de Coimbra e Évora, João Eanes de Zurara, mas não há referências
a respeito de sua mãe. Menciona em suas crônicas que educou-se
no Paço Real, e Francisco Pereira, na sua introdução da Crônica da
Tomada de Ceuta (PEREIRA, 1915), levanta a hipótese de que Zu-
rara, ainda muito jovem, tenha sido admitido no Paço para ajudar
no serviço da guarda, livraria e cartório, tendo depois recebido a
instrução que em geral só era concedida aos jovens fidalgos. Não
há indícios de que tenha freqüentado a universidade ou os Estudos
Gerais. Foi protegido do infante D. Henrique, de quem recebeu duas
comendas da Ordem de Cristo, assim como de D. Afonso V, de quem
recebeu muitas mercês. Tornou-se cavaleiro da Casa Real e cronista
do rei em 1451, guarda da Livraria Real em 1452 e substituiu Fernão
Lopes em 1454 como guarda das escrituras do Tombo.
Gomes Eanes de Zurara escreveu quatro crônicas: Crônica
da Tomada de Ceuta, Crônica dos Feitos da Guiné, Crônica de
D. Pedro de Meneses e Crônica de D. Duarte de Meneses.
O texto de Zurara contrasta muito com o de Fernão Lopes.
Da mesma forma que seu antecessor, Zurara era encarregado de
zelar pelos documentos do reino, sendo guarda-mor da Torre
do Tombo. Entretanto, a sua narrativa dá preferência aos feitos
dos príncipes que se dedicou a exaltar, em especial D. Henrique,
baseando-se principalmente nos testemunhos orais desses prín-
cipes, o que leva a refletir sobre a tese de Peter Russel acerca da
originalidade de Fernão Lopes pela sua condição de cronista ao
mesmo tempo que responsável pelos documentos oficiais do
reino. Zurara teve acesso aos mesmos documentos, mas desem-
penhou de forma diversa sua função de cronista. Para Saraiva: “O
estilo de Zurara, nem sempre fluente, tem algumas das caracterís-
ticas do gótico decadente, como a sobrecarga do ornato (citações,
alusões, prosopopéias, hipérboles), e anuncia a Renascença por

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A dinastia de Avis e a construção da memória do reino português: uma análise das crônicas oficiais

certa majestade, pelo gosto da frase longa e pelo freqüente uso


das conjunções subordinativas” (SARAIVA, 1971).
São muitos os autores citados nas obras de Zurara. Francisco
Pereira faz um levantamento minucioso destas citações: a Bíblia
(Pentateuco, Paralipomenos, Esdras e Macabeus, os livros de
Salomão e dos Profetas, os Evangelhos, as Epístolas canônicas
e o livro apócrifo Pastor de Hermas), os antigos Santos Padres
(S. João Crisóstomo, S. Gregório, S. Jerônimo e S. Agostinho),
os antigos Padres da Idade Média (S. Bernardo, S. Tomás de
Aquino, Alberto o Magno), os escritores gregos (Homero, He-
síodo, Heródoto, Aristóteles, Josepho e Ptolomeu), os escritores
romanos (Cesar, Tito Lívio, Marco Tullio Cícero, Ovídio, Salustio,
Valerio Maximo, Plínio, Lucano, Sêneca trágico, Sêneca filósofo e
Vegecio), os escritores da Idade Média (Paulo Osório, Isidoro de
Sevilha, Lucas de Tuy, Rodrigo de Toledo, Pedro d’Ailly, Egidio,
Frei Gil de Roma, João Duns Scoto) (PEREIRA, 1915).
Há também, uma longa citação do Livro da Virtuosa Ben-
feitoria, da autoria do príncipe D. Pedro que, por não vir acom-
panhada de menção ao verdadeiro autor, foi alvo de críticas
dos historiadores portugueses acerca do trabalho do cronista.
Utilizou-se também do Leal Coselheiro, de D. Duarte, em algu-
mas passagens da Crônica da Tomada de Ceuta, igualmente sem
menção à obra original. Entretanto, é importante lembrar que
a noção de autoria na Idade Média não era a mesma que viria
a se desenvolver mais tarde e a utilização de trechos de outros
pensadores, sem a indicação do autor, era uma prática comum.
Mas, paradoxalmente, assim como se observa em Fernão
Lopes, Zurara parece estar consciente da importância da figura do
autor, fato que, curiosamente, é geralmente exaltado pela historio-
grafia com relação a Fernão Lopes, mas criticado na obra de Zurara.
Acerca desta característica de Zurara, Saraiva observa: “O autor,
falando na primeira pessoa, é um personagem indiscretamente
interveniente nos seus livros. Pode mesmo dizer-se que há nas suas

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crônicas um pessoalismo exibicionista, como nunca houvera antes


na literatura portuguesa” (SARAIVA, [19--], p. 256).
Outra crítica que se faz às crônicas de Zurara é a referente a
sua imprecisão, principalmente quando comparadas às crônicas
de Fernão Lopes. “Esta pobreza de informações acerca das ter-
ras, das populações, do comércio, da navegação, contrasta com
a minúcia exaustiva da narrativa dos feitos de armas”, afirma
Saraiva (SARAIVA, [19--], p.261). Essas imprecisões ou omissões
eram, em alguma medida, intencionais, como ressalta José de
Bragança, na sua introdução à Crônica da Guiné:

É sistemático o silêncio desta Crônica da Guiné não só a respei-


to dos lucros com o tráfico do ouro em pó, e das relações comer-
ciais com os povos africanos do interior, mas também quanto
às feitorias que o Infante mandou levantar em diferentes pontos
da costa no período abrangido pela narrativa: na foz do rio do
Ouro, na ilha de Arquim, e outra na foz do rio de S. João. A elas
se referem Diogo Gomes, Cadamosto e Valenim Fernandes; e
indicam-nas algumas cartas geográficas.
Vê-se também que o resgate de escravos é nela apoucado, se o
compararmos a outros testemunhos insuspeitos (BRAGANÇA,
1973, p. XXI).

O intuito de conferir à expansão ao norte da África as honras


de conquistas cavalheirescas, exaltando o infante D. Henrique
e o rei D. Afonso V, fez com que o cronista procurasse omitir os
objetivos de lucro que envolviam o empreendimento. Da mes-
ma forma, procurou conceder todos os louros ao reinado de D.
Afonso V, transferindo para esse período alguns feitos ocorridos
na regência de D. Pedro.
Por outro lado, Francisco Pereira, em sua introdução ao texto
de Zurara, faz um interessante elogio ao cronista, comparando-o
com Fernão Lopes: “Gomes Eannes de Zurara evitou, o que não
fez Fernão Lopes algumas vezes, o uso de linguagem livre, e não
empregou palavras torpes, nem narrou fatos obscenos; [...] e as
suas obras podem ser lidas sem hesitação nem rubor diante de

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A dinastia de Avis e a construção da memória do reino português: uma análise das crônicas oficiais

todas as pessoas, qualquer que seja a sua idade ou sexo” (PEREI-


RA, 1915, p.LXXI). No entanto, a narrativa de Zurara diferencia-se
sobretudo daquela de seu antecessor pelo enfoque e a amplitude
dos episódios narrados. Ambos estavam a serviço da Casa de Avis
e tinham como função a produção da memória do reino, dos reis
e de seus feitos. Entretanto, Fernão Lopes acaba por produzir um
panorama mais amplo da sociedade portuguesa de seu tempo e é
capaz de apontar vicissitudes e falhas dos próprios personagens
que tinha como função exaltar. Zurara retoma uma narrativa mais
centrada nos feitos de cavalaria, o que reduz a abrangência da
caracterização da sociedade em que vivia.
Os dois autores viveram também conjunturas políticas diver-
sas e representaram facções opostas dentro da Casa de Avis. Como
foi dito, Fernão Lopes nasceu pouco antes da Revolução de Avis e
serviu, desde cedo,ao primeiro rei da nova dinastia, D. João e seu
filho D. Duarte. Foi simpatizante de D. Pedro, que muitas vezes
posicionou-se de forma contrária às guerras no norte da África,
entrando em conflito com seu pai e depois com seu irmão D.
Henrique, justamente o protetor de Zurara. A morte de D. Duarte,
deixando o herdeiro (D. Afonso) ainda criança, abriu caminho para
o acirramento das disputas entre os irmãos, culminando na morte
do aliado de Fernão Lopes em Alfarrobeira, como já foi dito.
A questão central no momento em que Fernão Lopes escre-
via era a afirmação da legitimidade da dinastia de Avis, mesmo
que seu discurso vá muito além disso. Na conjuntura em que
Zurara escreve, o ponto crucial a ser defendido é a justificativa
da expansão no norte da África. A memória que este autor se
dispõe a produzir tem como prioridade exaltar o valor pessoal
daqueles que se aventuraram nas terras africanas. É justamente
este contraste entre os cronistas que enriquece as possibilidades
de análise do historiador, como será visto adiante.

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3. AS VISÕES DA VILA E DO CASTELO

A obra de Fernão Lopes tem sido muito estudada por historia-


dores portugueses, que levantaram hipóteses por vezes divergentes
acerca de seu significado. A interpretação de Antônio José Saraiva
das crônicas de Fernão Lopes está intimamente relacionada com sua
compreensão do movimento da Revolução de Avis. Saraiva enfatiza
o fato de a Revolução de Avis ter significado o triunfo da vila sobre
o castelo, como resultado de um conflito latente, que explode com
a morte de D. Fernando e acaba por precipitar a passagem de um
direito pessoal para um direito territorial (SARAIVA, 1993).
Para o autor, a identificação de Fernão Lopes em suas crônicas é
com a cidade, onde nascia este novo direito ligado à nacionalidade.
O cronista não compartilharia com a mentalidade senhorial, procu-
rando desmascará-la. Por outro lado, sua simpatia pelas cidades, às
quais confere papel principal na derrota ao invasor, levaria mesmo a
uma indulgência até mesmo com as violências populares que relata.
O cerne da produção do cronista, para Saraiva, está na questão da
formação de um sentimento nacional e da afirmação da cidade: “É
evidente que ele toma partido; que é a favor dos Portugueses contra
os Castelhanos; das vilas contra os castelos; dos povos do Reino
contra D. Fernando” (SARAIVA, 1993, p. 30).
O quadro interpretativo proposto por Luis de Sousa Rebelo
não se distancia muito das concepções de Saraiva. Rebelo, en-
tretanto, centra suas hipóteses explicativas acerca das crônicas
na questão do poder (REBELO, 1983). Para o autor, o texto de
Fernão Lopes é constituído a partir de três grandes planos: o
plano ético-político, o jurídico e o providencial.
O plano ético-político privilegia três temas: igualdade do
homem perante a lei; cumplicidade da politeia ou constituição do
reino; patriotismo e legitimidade do governante para exercer os seus
direitos. Este plano ético-político funda-se na concepção aristotélica
de que a prática do poder é indissolúvel da moralidade da ação.

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A dinastia de Avis e a construção da memória do reino português: uma análise das crônicas oficiais

Todo esse plano é subordinado ao plano jurídico, a “dereitura de


justiça”. O afastamento dessa “dereitura” afeta o carisma do gover-
nante, minando o acordo tácito entre governados e governantes. Isso
é justamente o que ocorre durante a regência de Leonor Teles.
O plano jurídico da narrativa vê-se diante do problema da
legitimidade eletiva, seguindo as argumentações de João das
Regras nas cortes de Coimbra de 1385. Assim, “paralelamente ao
carisma de sangue, se encontra o problema do carisma do poder,
que afeta o sentido da Ordem e da Hierarquia no imaginário
social do homem medieval” (REBELO, 1983, p. 19).
Quando o sucessor do trono perde o carisma do poder (no
caso, Leonor Teles e sua filha, Beatriz), cabe identificar a perso-
nalidade que irá recebê-lo. Entra-se então no plano providencial
da narrativa, pois a escolha carece da chancela divina. Quando
o carisma de sangue sofre carência, maior importância assume
o carisma de poder, daí a importância do messianismo no texto.
Isso explicaria, no texto de Fernão Lopes, as passagens em que o
mestre de Avis é comparado a Jesus Cristo e a nova dinastia com a
Sétima Idade, que seria o início de uma nova era em Portugal.
Análise interpretativa bem diversa é a de João Gouveia Mon-
teiro. Para o autor, a questão principal da trilogia de Fernão Lopes
é a apologia à unidade: “Creio, desde logo, que [...] a proposta de
Lopes assenta numa certa organicidade interna, que se exprime
designadamente em termos de uma apologia de uma unidade con-
susbstancial à afirmação da idéia da coletividade, em todas as suas
dimensões” (MONTEIRO, 1988, p. 123-124). Essa apologia à unidade
estaria presente não apenas na veemente afirmação da unidade da
Igreja, como também da organização social do reino. O sentimento
nacional, entretanto, para Gouveia, não seria questão central das
crônicas e estaria sendo supervalorizado pelos historiadores.
Ainda para o autor, há em Fernão Lopes um desenho de so-
ciedade a propor a Portugal de seu tempo. A base desta sociedade
estaria numa “nobreza ideal, norteada pela sua bravura, dedicação e

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desprendimento material” (MONTEIRO, 1988, p.127), representada


pelo condestável, Nuno Álvares Pereira. Seria uma nobreza que
valia mais por suas qualidades do que por sua origem e capaz de
promover a unidade e a prosperidade do reino. Gouveia acredita
que Fernão Lopes não merece a fama de “cronista do povo”, que, em
última instância, não seria sujeito da história em suas crônicas.
Tal análise interpretativa segue a linha aberta por Maria Ângela
Beirante. A autora faz o estudo das hierarquias sociais reveladas nas
crônicas e a análise do esquema mental do cronista, procurando
demonstrar seu aspecto tradicional e conservador, contrapondo-se
àqueles que apresentam Fernão Lopes como cronista do povo: “[...]
o povo não é, de modo nenhum, o sujeito da história nas crônicas de
D. Pedro e pouco mais o é na de D. Fernando. Ele só está verdadei-
ramente presente nas crônicas de D. Fernando e D. João, na medida
em que é responsável por uma insurreição favorável ao Mestre de
Avis e à resistência anticastelhana” (BEIRANTE, 1984, p. 98).
A discussão em torno da idéia de que Fernão Lopes seria um
“cronista do povo”, como sugere Saraiva, ou um cronista conserva-
dor, como afirmam Gouveia e Beirante, leva a uma polarização que,
em última instância, não está presente na obra do cronista. Luiz
Costa Lima, ao abordar a questão da subjetividade nos textos de
Fernão Lopes, lembra justamente o fato de que o cronista precisava
lidar com setores sociais diversos que participaram da Revolução
de Avis. Nuno Álvares é o herói de Fernão Lopes e representa a
nobreza que se insurgiu contra os castelhanos e elegeu um novo rei.
Mas as cidades, especialmente Lisboa, têm um papel fundamental
na luta contra o inimigo e aparecem como um organismo coeso,
que muitas vezes influi no curso dos acontecimentos, não sendo
apenas “pano de fundo” para os feitos de Nuno Álvares. Entre-
tanto, Gouveia levanta um ponto importante ao falar da defesa
obstinada que o cronista faz da unidade. Mas a unidade defendida
é justamente através da idéia de nacionalidade que perpassa suas
crônicas. A luta é dos “verdadeiros portugueses” contra os “falsos

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A dinastia de Avis e a construção da memória do reino português: uma análise das crônicas oficiais

portugueses” e o que identifica os verdadeiros portugueses é sua


ligação com a terra, com o reino. O que aglutina os verdadeiros
portugueses não é a nobreza e sim o rei.
Fernão Lopes, ao longo de suas crônicas, recorre a diversas
expressões para designar esses verdadeiros portugueses, ou seja,
aqueles que não aceitaram a ingerência castelhana em Portugal:
são os naturais da terra, os naturais do reino, os bons portugueses,
os portugueses direitos, os leais portugueses e o lindo português.
Na crônica de D. Fernando, os verdadeiros portugueses são os que
tentaram prevenir o rei contra seu casamento com Leonor Teles.
Na Crônica de D. João, o verdadeiro português é aquele que
toma partido do Mestre de Avis em oposição ao rei de Castela
e seus seguidores. Nesta crônica, o autor é ainda mais explícito
quanto à idéia de que o verdadeiro português está ligado à terra
e a seus antepassados, não podendo sujeitar-se a senhor de outro
reino. O cronista faz uma distinção entre aqueles que não têm
uma origem genuinamente portuguesa – e, por isso, não seria de
se estranhar que tomassem partido do rei castelhano – e aqueles
que têm essa origem – incorrendo em falta muito maior ao passar
para o lado do rei inimigo. De um lado está o azambujeiro bravo
e de outro a boa e mansa oliveira portuguesa.
Essa busca da caracterização de uma identidade portuguesa,
ligada a um passado comum, é reforçada com a imagem do rei aglu-
tinador da sociedade e até mesmo messiânico. Recorrendo a uma
tradição medieval da paródia dos textos sagrados, o cronista inclui
elementos messiânicos na Revolução de Avis, conferindo à nova
dinastia uma legitimidade também no plano religioso. Fernão Lopes
estabelece uma comparação entre a missão do Mestre de Avis e a de
Jesus Cristo, assim como a de Nuno Álvares e a de S. Pedro.
Assim, o cronista fundamenta-se no passado para identificar
a boa e mansa oliveira portuguesa e no presente para definir o
verdadeiro português, difusor do evangelho, ou seja, a boa nova
do Mestre de Avis. Resta apontar para o futuro, uma nova fase de

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prosperidade para o reino e, mais do que isso, a “sétima idade”.


Partindo das seis idades de Beda, o Venerável, Fernão Lopes
acrescenta a Sétima Idade, iniciada com a Revolução de Avis. O
cronista elimina qualquer semelhança com as idades dos homens
e não faz referência à decrepitude, tampouco a relaciona com o
fim dos tempos e o Juízo Final. Trata-se do início de um novo
mundo em que muitos, de baixa condição ou de cuja fidalguia já
estava esquecida, por merecimento e bom serviço, foram feitos
cavaleiros e constituíram nova linhagem:
O ponto central na obra de Fernão Lopes, e que interessa
particularmente à presente pesquisa, é essa busca de uma iden-
tidade portuguesa que tem no rei o seu centro e que acaba por
contaminar toda a narrativa do cronista.
Outra polarização presente na historiografia (sobretudo
portuguesa) é a que opõe Fernão Lopes a Zurara, apontando o
primeiro como defensor da proposta de centralização política
representada pela facção de D. Pedro e o segundo como represen-
tante dos antigos ideais feudais dos partidários de D. Henrique e
D. Afonso V. Isto estaria refletido na própria narrativa, na medida
em que Fernão Lopes faria um retrato do reino como um todo,
ao passo que Zurara se limitaria aos feitos de cavalaria.
A perspectiva histórica de Zurara é assim definida por
Saraiva: “A perspectiva histórica de Zurara é ostensivamente
individualista, aristocrática e panegírica dos feitos especialmente
militares. O principal herói da tomada de Ceuta é o infante D.
Henrique, a quem se deve o principal testemunho sobre o assalto
da cidade [...]” (Saraiva, 1990, p. 251).
Por outro lado, são reconhecidos no texto de Zurara elemen-
tos do que viria a constituir características renascentistas, como
admite Saraiva:

É interessante ver prevalecer no cronista das cavalarias de Áfri-


ca estas feições definidoras dos escritores da Renascença: a afir-
mação pessoal do autor; a consideração da fama como prêmio

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A dinastia de Avis e a construção da memória do reino português: uma análise das crônicas oficiais

das ações heróicas; a imortalidade pela mesma fama; a preten-


são de as letras rivalizarem com as armas. Poderíamos acrescen-
tar outras: a retórica erudita, embutida de citações e nomes de
autores; certos processos de historiar, como o de imaginar os he-
róis no passado como se estivessem mortos, para dar uma certa
perspecitva à narração [...]; a frase solene que se afasta do dis-
curso oral etc. (SARAIVA, 1990, p. 257-258).

Sem dúvida, as principais idéias defendidas por Zurara são a


defesa da honra cavaleiresca e a expansão da fé cristã. Justifica a
expansão portuguesa na África como um combate aos infiéis e uma
cruzada de evangelização dos nativos, trazendo honra ao cavaleiro
que se dedicava à empreitada. Aqui não está tão presente a idéia
de verdadeiro português que se opõe ao castelhano do texto de
Fernão Lopes, mas sim a idéia das virtudes do cavaleiro e do cristão
em oposição ao infiel e ao bárbaro, que vivem como bestas.
Entretanto, no que pese as diferenças entre Fernão Lopes
e Zurara, é possível perceber uma permanência no sentido de
um projeto de produção da memória do reino português e da
consciência por parte de ambos os cronistas da importância da
produção desta memória e da função do cronista como divulga-
dor de modelos a serem seguidos.
Mais do que a dicotomia cronista da centralização x cronista
da descentralização ou cronista do povo x cronista da cavalaria,
interessa para este trabalho a oposição entre dois momentos
políticos distintos, cujos cronistas estavam diante de questões
imediatas com as quais deveriam lidar, a legitimação da nova
dinastia e a afirmação do que era ser português, para um, e a
expansão armada no norte da África, como expressão de honra
e glória, para outro. Ambos contribuindo, a seu modo, para a
construção da memória do reino português, importante subsídio
para a formação da identidade nacional portuguesa.

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COSER, Miriam Cabral

NOTAS

1 Há uma distinção em Portugal entre os concelhos, que gerem as cidades, e o conselho


do rei, que o auxilia nas suas decisões.
2 As quatro obras estão reunidas em ALMEIDA, Manoel Lopes de (Org.). Obras dos prín-
cipes de Avis. Porto: Lello e Irmão, 1981.

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Recebido em: Junho de 2007


Aprovado em: Junho de 2007

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