2023-OTSS-Projeto Povos-Território Identidade e Tradição-Territórios Caiçaras - Compressed
2023-OTSS-Projeto Povos-Território Identidade e Tradição-Territórios Caiçaras - Compressed
2023-OTSS-Projeto Povos-Território Identidade e Tradição-Territórios Caiçaras - Compressed
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FICHA TÉCNICA OTSS – EXPEDIENTE FIOCRUZ:
ISBN 978-65-87063-27-0
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Projeto Povos:
Território, Identidade e Tradição
Onde o Projeto
Conheça a mais abrangente iniciativa de cartografia social já
realizada na Bocaina. Protagonizada pelas próprias comunidades, Povos ocorre?
caracterização envolve territórios indígenas, quilombolas e caiçaras
de Angra dos Reis (RJ), Paraty (RJ) e Ubatuba (SP) O Projeto Povos ocorre nos municípios de Uma observação importante é que esta
Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba. Para sua organização em agrupamentos de territórios
realização, foram definidos 11 agrupamentos – ou microterritórios - não quer dizer
Qual é exatamente o território O Projeto Povos utiliza metodologias de territórios que reúnem laços culturais, que as comunidades caracterizadas não
tradicionalmente ocupado pelos de cartografia social que permitem às ambientais e territoriais comuns. É o caso, tenham fortes e profundos laços com outras
quilombolas? Quais são as condições de comunidades desenhar, com ajuda de por exemplo, do agrupamento de territórios comunidades. Ou seja, essa divisão apenas
saneamento dos indígenas? E quais são os profissionais, mapas dos territórios que tradicionais do Carapitanga, que partilham ajuda a organizar os trabalhos de campo do
desafios dos caiçaras em relação ao acesso ocupam. Este tipo de mapeamento social a mesma Sub-Bacia Hidrográfica em Paraty projeto.
à educação? Estas são apenas algumas geralmente envolve populações tradicionais (RJ).
das informações que serão reveladas pelo e é um instrumento utilizado para fazer
Projeto Povos, iniciativa que vai colocar de valer os direitos desses grupos frente a
vez, no mapa do Brasil, os territórios de grandes empreendimentos, problemas
64 comunidades e localidades tradicionais relacionados à grilagem de terras e ao não
indígenas, caiçaras e quilombolas de Angra cumprimento de leis que dizem respeito à
dos Reis (RJ), Paraty (RJ) e Ubatuba (SP). delimitação de terras indígenas, à titulação
de territórios quilombolas
Reivindicação histórica do Fórum de
Caracterização e à regularização fundiária Paraty
Comunidades Tradicionais (FCT), a de territórios caiçaras,
realização do Projeto Povos é uma de 64 territórios entre outros.
exigência do licenciamento ambiental tradicionais
federal, conduzido pelo Ibama, para Além de informações
a produção de petróleo e gás pela
ocorre até 2023 técnicas, os mapas sociais
Petrobras na Bacia de Santos. Quem são construídos de forma
executa é o Observatório de Territórios participativa e apresentam o cotidiano de
Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS), uma comunidade em linguagem simples
uma parceria entre o FCT e a Fundação e acessível. Neles, são colocados espaços
Oswaldo Cruz (Fiocruz). de roças, rios, lagos, casas, equipamentos
C caiçaras
sociais como unidades de saúde e escolas
i indígenas
Participam também a Coordenação Nacional e outros elementos que as populações Q quilombolas
de Articulação das Comunidades Negras envolvidas considerem importantes. Aliás,
Rurais Quilombolas (CONAQ), a Comissão são as comunidades que decidem o que
Guarani Yvyrupá (CGY) e a Coordenação querem caracterizar. No Projeto Povos, Ubatuba Paraty Angra dos Reis
Nacional de Comunidades Tradicionais nenhuma informação é tornada pública SP RJ RJ
Caiçaras (CNCTC), que completam o conselho sem a prévia autorização das comunidades
do projeto com a missão de garantir que envolvidas e das representações nacionais
todos os direitos das comunidades sejam dos povos e comunidades tradicionais
respeitados. (Conaq, CGY e CNCTC).
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10
Como estes mapas 4) Refletindo o
Território
são feitos?
Depois, é hora de apresentar à comunidade
a primeira versão do mapa final e validar
com os participantes cada dado coletado.
Um momento, também, para corrigir
eventuais erros e acrescentar informações
Com a participação de pesquisadores indígenas, caiçaras e quilombolas, o importantes que não tenham aparecido nas
Projeto Povos mapeia só aquilo que as comunidades querem caracterizar. etapas anteriores.
Conheça, passo a passo, como se dá essa construção coletiva.
5) Nosso mapa
Ícones dos mapas do Projeto POVOS
3) Localizando o
território no mapa
A etapa seguinte consiste na transposição
do mapa falado para uma foto de satélite, 6) Ganhando o
localizando os elementos do desenho em
uma base georeferenciada. Nesta etapa,
mundo
o objetivo principal é garantir que os Percorrido esse caminho, o material
participantes consigam dimensionar seu segue para impressão e é devolvido para
território em um mapa e visualizar demais as comunidades. Também validadas pelas
delimitações territoriais já estabelecidas comunidades e suas representações
por órgãos governamentais, como nacionais, as publicações finais são
Unidades de Conservação e demarcações já distribuídas para bibliotecas e órgãos de
realizadas. governo e da sociedade civil cuja atribuição
seja zelar pelos direitos dos povos e
comunidades tradicionais da Bocaina.
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Como usar estes
mapas a favor das Segurança
comunidades alimentar e
nutricional:
O projeto permitirá às comunidades
ampliarem seus conhecimentos sobre as
Os mapas construídos pelas comunidades são instrumentos de espécies agrícolas manejadas por elas e
promoção de direitos. Entenda como eles podem ser utilizados para também por suas comunidades vizinhas.
Isso fortalece o conhecimento do território
a defesa dos territórios tradicionais e facilita possíveis trocas de sementes e de
técnicas de plantio.
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CAI«ARAS DO
18 19
20 21
22 23
Caiçaras do Sul
de Paraty
A caracterização dos Territórios Caiçaras do Sul de Paraty é resultado
de um processo de pesquisa-ação realizado com o protagonismo das
comunidades caracterizadas, que contam suas histórias, narram seus
modos de vida e mapeiam seus territórios de vida.
comunidades.
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Infraestrutura EDUCAÇÃO DIFERENCIADA
e políticas
Em Paraty, há um Coletivo atuante de
Educação Diferenciada , que é uma ini-
públicas ciativa do Fórum de Comunidades Tradi-
cionais de Angra, Paraty e Ubatuba (FCT),
e que atua com apoio do OTSS, do Insti-
SAÚDE tuto de Educação da Angra dos Reis da
Trindade possui um posto-polo (UBS) Universidade Federal Fluminense (IEAR/
com equipe da Estratégia Saúde da UFF), UFRJ , do Colégio Federal Pedro II
Família (ESF); a Praia do Sono em- (CPII), da Secretaria Municipal de Educa-
presta a sede de sua associação de ção de Paraty e de professores e pesqui-
moradores para uso como posto de sadores entusiastas da causa.
saúde, durante as visitas da equipe
do ESF. Na Ponta Negra, foi recen- O Coletivo tem forte atuação junto à
temente inaugurada uma sala em escola municipal Martim de Sá, na
uso como posto. As equipes do ESF Praia do Sono, onde, juntamente com
visitam a Ponta Negra e a Praia do a escola do Pouso da Cajaíba, foram
Sono com periodicidade semanal. Há implantadas atividades de educação
agentes comunitários de saúde nas diferenciada caiçara, respeitando-se
três comunidades. Porém, as visitas a cultura e o modo de vida locais. É
das equipes da ESF sofrem influência conquista do movimento social a am-
tanto de efeitos climáticos e da nave- pliação da oferta de turmas nessas es-
gabilidade, quanto da própria gestão colas, com a implantação do segundo
municipal de saúde – especialmen- segmento do ensino fundamental (6º
te na contratação, temporária, dos ao 9º ano), possibilitando às crianças
agentes comunitários. e jovens uma permanência maior em
suas comunidades e contribuindo para
O conhecimento tradicional do uso a manutenção de suas famílias em
de ervas, raízes e paus para o cui- seus próprios territórios.
dado com a saúde ainda é praticado. A participação efetiva do FCT em Negra é insuficiente para a demanda
Ainda há a realização de partos “em “O terreno onde hoje processos de controle social, com de todo o ensino fundamental (1 e 2),
casa”, com apoio de parteiras locais. funciona a Escola Municipal destaque para a Conferência Municipal exigindo-se a construção de novas
Porém, os relatos contam sobre as Saulo Alves da Silva (em de Educação, garantiu a educação salas de aula.
dificuldades em registrar crianças Trindade), havia sido emprestado diferenciada caiçara como diretriz
não nascidas no hospital ou sob su- para a prefeitura, pelo meu pai, o do Plano Municipal de Educação de As três comunidades demandam
pervisão de médico-obstetra. Manuel Lopes, para a construção da Paraty. Além disso, os exemplos de implantação de creches e escolas
primeira sala de aula provisória. À conquistas da Praia do Sono e do Pouso de educação infantil (até os 6 anos).
época, a promessa do município era da Cajaíba inspiraram política pública Para continuar os estudos no ensino
a de construir a escola, em prédio e garantiram, mais recentemente, a médio, os jovens das três comunidades
definitivo, em outro lugar da vila. implantação do segundo segmento devem se deslocar até o Centro de
Porém, na primeira década deste do ensino fundamental também à Paraty, para estudar em escolas da
século, a prefeitura construiu o escola municipal da Ponta Negra e da rede estadual de ensino, tais como o
prédio atual neste terreno” Trindade. A estrutura escola da Ponta CEMBRA e o CIEP Dom Pedro II.
Conservação
O PNSB se sobrepõe parcialmente
anteriormente à criação do município de Paraty. É uma UC de Uso
ao território de Trindade, abarcando
Sistema Nacional de Unidades Sustentável que abarca toda a porção
as praias do Meio e do Caixa d’Aço e
de Conservação (SNUC) e cuja sul do município, a partir da margem
REEJ áreas da vila, incluindo construções
categoria não se enquadra a tal direita do rio Mateus Nunes, além de
como o mercado de peixes e a
A Reserva Ecológica Estadual sistema. Seu propósito original foi o 63 ilhas pertencentes a Paraty.
estação de tratamento de esgoto,
da Juatinga (REEJ) é uma Unidade de preservar o modo de vida caiçara
O plano de manejo da APA de Cairuçu que se encontra desativada e sob
de Conservação (UC) gerida pelo e o ambiente natural essencial à sua
foi atualizado de forma participativa embargo (ver mais sobre o PNSB no
Instituto Estadual do Ambiente do reprodução. Porém, a gestão da UC,
no âmbito de seu conselho gestor, capítulo específico da caracterização
Rio de Janeiro (INEA). Ela foi criada historicamente, impôs restrições
com atuação expressiva das de Trindade).
em 30 de outubro de 1992 pelo e penalizações às comunidades,
com a criminalização de práticas comunidades sobrepostas e apoio Nas próximas páginas, seguiremos
Decreto Estadual nº 17.981, e ocupa
tradicionais, tal como o manejo técnico do próprio ICMBio, sem os caminhos das comunidades,
uma área de 9.959,67 hectares,
de roças pela técnica do ‘pousio’, a intermediação de consultorias trazendo os resultados do processo
integralmente no município de Paraty,
além disso, a UC é restritiva à novas externas. Tal revisão do plano foi de caracterização em cada uma
mais especificamente na península
construções, sendo considerada “não motivada pelo Decreto Federal delas, organizadas em grupos
da Juatinga ou do Cairuçu (o nome
edificante”. nº 8.775, de 11 de maio de 2016, conforme trabalhados nas oficinas,
da península varia conforme o
e a redação final, com o novo da seguinte forma: 1. Trindade; 2.
interlocutor).
zoneamento, foi aprovada pela Praia do Sono; e 3. Ponta Negra.
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Resumo das ações do
Projeto POVOS nos
territórios caiçaras do
sul de Paraty
34
Resultados
por território
tradicional
Alexandre Lopes, mestre canoeiro da Trindade
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Trindade
Trindade é uma comunidade caiçara
localizada no extremo sul do estado do Rio
de Janeiro. É a maior de Paraty, com mais de
1.500 moradores, e composta pelas praias
Brava da Trindade, do Cepilho, de Fora, dos
Ranchos, do Meio e do Caixa d’Aço. Após
essa praia, há a piscina natural do Caixa
d’Aço
e a Pedra da Cabeça do Índio, que marca a
fronteira com o estado de São Paulo.
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A vida aqui nossa, nós A história recente da Trindade é uma história de muita
vivemos aqui na roça. luta e resistência contra a especulação fundiária e
Meu pai era caiçara. Ele o racismo ambiental. Na mesma época em que a BR
pescava, ele fazia farinha, ele caçava. 101 era aberta e cortava as comunidades de Angra
Era o serviço do meu pai. Depois meu dos Reis, Paraty e Ubatuba, representantes de uma
pai morreu, e eu fiquei com minha empresa multinacional, composta de acionistas
mãe, meus irmãos e continuava a anônimos, iniciaram uma investida contra os
mesma coisa - como caiçara. A gente trindadeiros, dizendo-se dona de toda área entre o
fazia farinha, a gente pescava, a TEMPOS E Morro do Cepilho e a Praia dos Ranchos (praticamente
gente cortava arnica para a gente
vender, para sobreviver. Era a vida
ESPAÇOS toda a área habitada naquele momento).
da gente, a vida era essa, não tinha Prática comum dos grileiros à época, levaram búfalos
outro emprego. Marisco, tirava muito Na época da briga com que pisavam as roças e assustavam os moradores. E
marisco. Meu pai tirava a canoa. A a companhia [contra a também ameaçaram os caiçaras com jagunços armados
casinha era uma casinha de sapê e especulação fundiária – e papéis forjados. As ameaças levaram muitos
quando a casa ficava velha, a gente fins da dec. 1970], Trindade era trindadeiros a vender terras por valores simbólicos ou
fazia outra. E fomos vivendo assim. habitada há 450 anos. Agora tá com mesmo a abandonar suas casas e quintais, refugiando-
Depois que entrou a Companhia, aí o 500 anos de habitação, a Trindade se na mata e em cavernas entre Paraty e Ubatuba.
pessoal foi vendendo, foram saindo. (...) [estamos aqui] desde sempre,
Alguns ficaram e alguns saíram, então essa geração já conhecia a
porque tinha que sair mesmo, porque geração antiga, antes dessa que
ameaçaram e tudo. E a gente ficou e eu conheci já existia outra geração
ficou na luta. A luta para a gente é a mais antiga ainda. É misturado, tem
mesma, que era caiçara. A gente vive descendência de índio e de… uns
disso, a gente não vive de outra coisa dizem que é de alemão, outros dizem
porque a vida da comunidade é essa: que é de inglês. Dizem que tem essa
é pescar, é tirar marisco” descendência deles”
Dona Carmira Rosa de Oliveira, agricultora, pescadora, Seu Vitor Cardoso do Carmo, pescador, mestre
marisqueira, vendedora de gelo e artesã de Trindade, canoeiro e artesão de Trindade, 72 anos
86 anos
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Porém, a história da Trindade não [Meus bisavôs eram] tudo
começa com a abertura da BR 101, do Cachadaço. Tem um aí
nem com o assédio do modo de que é uma história literária,
desenvolvimento hegemônico sobre uma história literária que muita
seu território. A geografia local, gente fala... Fala que pegou no laço,
propícia à pesca e rica também em que era índia e que ele amarrou
água doce, é ocupada desde sempre. e trouxe. Tem essa história aí na
Primeiro, por Tupinambás, depois família. Com a minha tataravó, que
europeus colonizadores e africanos rolou essa história aí. (...) Meu avô,
escravizados. Dessa mistura, nasceu por exemplo, é bem claro, olho claro,
o caiçara, pescador-agricultor, com olho azul, estereótipo europeu. E a
seus ranchos e casas de farinha, minha avó não, é bem índia. Eu sou
unidos às técnicas apreendidas mais claro, puxei mais o meu avô”
e compartilhadas entre os povos
e formando uma cultura única. Davi de Paiva, jornalista de Trindade, 37 anos
Os trindadeiros circulavam por
Uma história bem legal da A chegada da multinacional
caminhos marítimos e trilhas entre
A vida era sustentada pela pesca, Trindade é que os caiçaras Adela, em fins de 1970, marca
as matas, relacionando-se com
pelas roças e pela caça. O pouco fizeram pressão para não a necessidade de organização
outras comunidades da vasta região
que não produziam, coisas como sair daqui e os que saíram, muitos comunitária para a resistência e luta
da Bocaina.
querosene de lampião e sal, eram retornaram. É diferente de talvez pela permanência do trindadeiros em
compradas nas cidades de Paraty outros lugares em que as pessoas seu território. Tal empresa passou,
e Ubatuba, em troca de farinha e venderam e foram embora. Até teve anos mais tarde, por um processo
Pista de skate construída pela Associação de Moradores peixe. Essa é uma história comum à muita venda, por isso tem muita de fusão, com outra multinacional,
de Trindade em área retomada da TDT.
maioria das comunidades da região, gente morando aqui. Mas quem chamada Brascan, e desse processo
que esteve isolada do país desde vendeu, vendeu metade, vendeu nasceu a Trindade Desenvolvimento
fins do Sec. XIX, devido ao declínio parte do seu quintal, terreno, mas Territorial (TDT), que, até os dias de
econômico da região pela abertura continua aqui. Então, grande parte hoje, “importuna” a vida dos caiçaras
de novos portos em outros lugares do comércio, se você for ver, é do de Trindade.
e pela implantação de ferrovias que trindadeiro. Ou está alugado, ou
passavam longe dali, até a abertura arrendado por um tempo, ou tem O primeiro acordo da chamada
da BR 101, na década de 1970. alguém trabalhando pra ele, mas é Companhia com os Trindadeiros
dele, do trindadeiro, então é uma data de 1982. Por esse acordo, ficou
coisa legal” definido o que seria da empresa e
o que era de direito dos caiçaras.
Robson Dias Possidonio, pescador de Porém, a história não acaba aí, como
Trindade, 41 anos
relata o jornalista de Trindade Davi
de Paiva, que milita no movimento
Trindade Vive, surgido a partir do
assassinato de um jovem local.
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{O senhor já morou em outros lugares? Já É, desde 82, quando então poucos anos. E, aí, eles foram tirar o
saiu daqui?} foi feito esse acordo, que menino dessa morada, desse limite,
ficou essa história que houve uma discussão e acabou com
Morei em Ubatuba 3 meses só e
parte da Trindade seria transferida ele sendo assassinado por esses
voltei de novo.
para TDT. Foi reconhecido o direito policiais a serviço, supostamente,
{Foi naquela época da companhia?} dos caiçaras e a TDT ficou com a dessa empresa que se diz dona do
maior parte do território. Só que território durante todos esses anos.
Na época da companhia.
aí, reza a lenda que eles tinham E que nunca se apresentou para a
{Todo mundo teve que sair e depois voltou penhorado essa terra para fazer um comunidade, nunca teve um diretor
pra lutar?} empréstimo no banco, que não foi que conversou”
pago. E o banco tomou as terras; e
É, viemos pra cá, que aí entramos na Davi de Paiva, jornalista de Trindade, 37 anos
esse banco, supostamente, depois
briga de novo pra gente ter direito
faliu também. É uma massa falida.
a terra que é nossa, sempre foi
Mas, apesar disso, sempre houve
nossa essa terra aqui. Batalhamos e
aquela honradez do caiçara de, como
conseguimos.
ele fez o acordo, o que era da TDT
{Tá na batalha até hoje?} era da TDT, o que era do caiçara
era do caiçara. E aí essa empresa –
Até hoje, até hoje estamos na
depois a gente não sabe direito, não
batalha. Graças a deus o difícil
sei citar nomes especificamente,
a gente conseguiu. Porque eles
dos donos, né?. Mas a questão é que
queriam o filé mignon, essa área
essas áreas ficaram durante muito
aqui. Essa área dali, de onde eu moro
tempo seguras por funcionários
ali até a praia do Meio, na divisa
dessa empresa, que a gente não
dele. Aí nós conseguimos ficar nessa
sabia direito quem que era. (...) E
parte aqui; ele não queria acordo
aí, em 2016, numa área de limite
coletivo de jeito nenhum.
entre a comunidade e a área dessa
Ele queria botar a gente lá na Praia empresa, no morro, um jovem fez
Brava. Queria que nós fizéssemos o uma casa lá e começou a sofrer um
acordo, mas só se fica até a Brava. Você assédio de funcioários da empresa,
acha que até a Brava é ponto de pesca e de policiais militares que estavam
pra gente? Se tivesse lá hoje não saía a trabalho da empresa. E, aí, essa
nada. De não dava pra sair com a canoa empresa teria mandado então que os
pra pescar, pra fazer nada. policiais, os seguranças da empresa,
fossem retirar esse jovem – que
Seu Vitor Cardoso do Carmo, pescador, mestre se chama Jaison Caíque Sampaio,
canoeiro e artesão de Trindade, 72 anos
conhecido como “Dão”, de vinte e
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O assassinato gerou comoção Outro marco importante na história Entre os anos de 2014 e 2016, foi
na comunidade que, reunida, de Trindade e sua organização realizada uma cartografia social
retomou áreas da TDT, derrubou comunitária é a chegada do PNSB/ da pesca artesanal de Trindade ,
cercas e construções de apoio aos ICMBio. Criado nos “anos de que teve como motivação principal
seguranças, e implantou projetos chumbo”, o parque chega com ações contestar ações do Parque Nacional
de ocupação cidadã dos terrenos. efetivas em Trindade somente em da Serra da Bocaina contra a
Foi criada a praça Dão, onde está a 2008. Uma revisão de seus limites o atividade da pesca artesanal e as
Escola do Mar, que trabalha, com as estendeu para áreas da vila e a UC moradias na Enseada do Caixa
crianças, os elementos da cultura de proteção integral se sobrepôs D´Aço, durante o processo de revisão
caiçara, como o feitio de canoa às praias do Meio e do Caixa d’Aço, do plano de manejo do parque.
e a costura de redes de pesca e, e também sobre espelho d’água da A partir da cartografia social os
ainda, uma casa de farinha ativa. baía de mesmo nome. A chegada caiçaras de Trindade reafirmaram
A Prefeitura de Paraty, à época, da UC marcou a necessidade de que a pesca artesanal na Enseada
anunciou a desapropriação deste organização dos pescadores e do Caixa D´Aço é uma atividade
terreno próximo à Praia de Fora, em operadores de passeios turísticos tradicional e é relevante para a
favor do uso comunitário, o que não (naquela época, eram as mesmas identidade caiçara, constando dessa
foi feito até o momento da redação pessoas e as mesmas embarcações). forma no plano de manejo do Parque.
desta publicação. A comunidade Daí, foi criada a Associação de Com base na cartografia e em
construiu, ainda, uma pista de skate Barqueiros e Pescadores Artesanais outros estudos, o Ministério Público
em outra área “da Companhia”, de Trindade (ABAT). E, também foi Federal expediu a Recomendação
próxima à praia do Cepilho. Tanto criada uma ONG para a defesa das MPF 001/2017 para que o PNSB
a praça Dão, com a Escola do Mar, famílias que viviam no Caixa d’Aço. instituísse Termos de Compromisso,
quanto a pista de skate e outros Hoje, duas famílias resistem por lá. visando a Manutenção do território
equipamentos de educação, cultura tradicional das famílias residentes e
e lazer são geridos pela Associação Foram anos de negociações; os a Manutenção da pesca artesanal na
dos Moradores de Trindade (AMOT). trindadeiros passaram a conhecer Enseada do Caixa D´Aço.
sobre a legislação ambiental, o Em junho de 2021, o ICMBio iniciou
SNUC e a participar ativamente o processo de construção do Termo
dos conselhos das UCs da região, de Compromisso com uma das duas
exercendo o controle social. famílias residentes no local. E na
reunião do Conselho Gestor do
PNSB dia 21/09/2022 foi aprovado
o referido Termo que segue para
as instâncias do ICMBio Brasilia
para análise e homologação,
constituindo um marco para as
situações históricas de conflito entre
o PNSB e famílias tradicionais. O
TC da segunda família já está sendo
construído.
Pensar em uma legenda legal para essa foto. ensar em uma legenda
legal para essa foto.
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De uma forma geral, a gente você ir pescar, pra outro lado você não A história da Trindade continua sendo escrita
precisa desse espaço que ia pescar não. Já levei surra por sair por sua gente de luta. A pandemia permitiu
ultrapassa o nosso território pro lado de cá pra pescar. Verão, que é uma avaliação coletiva do sentido histórico da
aqui. Então, a gente pesca tanto pro tempo bom, só que dá muita trovoada,
comunidade; jovens reabriram roças, recuperaram
lado do Camburí quanto pro lado dá vento forte, pode virar a canoa.
casas de farinhas, voltaram ao mar para a pesca
de Laranjeiras, Sono, Ponta Negra,
artesanal. E, assim, a cultura caiçara segue se
Juatinga, a pesca artesanal da Trindade. Então, é um lugar seguro pra pescar,
Se a gente vai pescar garoupa, vai tem uma importância. Agora nessa reproduzindo em Trindade.
pescar lá no Saco Grande, na Ponta época [inverno], Sono, Ponta Negra,
Negra, vai pescar na laje daqui da eles estão com o cerco tudo em terra.
Laranjeiras, enfim. Agora, a importância Pra nós aqui, a gente chama o peixe de
específica da baía do Cachadaço é que é arribada, é o peixe que dá nessa época
onde a gente consegue pescar sempre. agora. Agora pra lá, lá fora tem algum
Olha: o mau tempo está entrando e cerco? Não tem cerco essa semana
eu só tirei a minha rede ontem; o Noé lá. O Adilson estava com o cerco, nós
ainda vai tirar a rede dele hoje, o mau estávamos pra tirar lá na Ponta Negra,
tempo já está aí, em qualquer outro porque é mais difícil de correr peixe
lugar já não pesca mais. Você soube nesse sentido daqui pra lá, agora o
que vai arruinar o tempo, você já tem peixe corre pra cá. Que a gente chama
que tirar a rede antes. Então, nesses de arribada, pode vir nessa porteira
meses que nós estamos [inverno], a toda aí quem pegou tainha no cerco,
gente não pesca na Galheta, não tem nós pegamos tainha em cerco. Por
jeito de pescar na Galheta, só ali. Ali, conta do lugar, do jeito, arribada que
onde eu sei que, se a minha filha, Maria a gente chama, é uma volta do peixe.
Flor, que tem 8 anos, se ela quiser sair Então tem a importância da segurança
com a irmã dela mais velha, pra pescar e a importância do tempo, pra pescaria,
lula na canoinha que ela já tem, eu sou a pescaria artesanal depende desse
seguro de deixá-la pescando no verão. espaço. Ele é pequeno, se olhando pro
Pescar lula, eu por perto, posso deixar território da Trindade, mas corresponde
ela lá pescando, ali eu confio. (...) [o por 80% da pesca. Eu falava até 50, 60%
Cachadaço] é uma escola, é um lugar de e os pescadores falavam assim, isso foi
aprendizado, é onde eu posso ensinar muito legal: “Mas como assim?”, “Olha
às minhas filhas, é onde eu fui ensinado só, presta atenção, onde você pesca o
e é onde um senhor mais velho vai ano inteiro? Onde você pesca assim?”.
pescar, porque ele sabe que se vier um E a gente foi fazendo a conta e é
tempo ruim... Eu cresci assim, você vai exatamente isso, de 80% a pesca. Então,
pescar no Focinho da Ponta, que é a sem a Baía do Cachadaço, pra gente,
Cabeça do Índio, vai pescar no Saco da acaba a pesca, não tem como, a gente
Ponta, qualquer coisa, ou entra pro Saco fala se fiar, se garantir com um espaço
da Ponta ou entra pra caixa, a caixa onde você não vai ter nem o tempo todo
é a piscina. Então você saía de casa e pra pescaria, nem a segurança que a
seus pais já diziam: “Entre pra caixa, gente tem ali pra pescar, vem tudo daí”
entra pra caixa!”. Já sabia, e deixavam
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Bieca (em memória). buscar data de nascimento e de morte
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Pescador e liderança comunitária da Trindade, Robson Possidônio.
ORGANIZAÇÃO
TERRITORIAL
O território reconhecido de Trindade manejo da APA, em seu zoneamento,
parte do entroncamento da estrada indica como ‘zonas de uso coletivo’
de Trindade com a de Laranjeiras e as áreas que seriam da TDT, segundo
se estende até a pedra da Cabeça do o acordo de 1982. Assim, o plano
Índio, na divisa com estado de São garante à comunidade a gestão
Paulo/Ubatuba; inclui Morrão do coletiva de tais espaços, tanto para a
Cepilho e demais áreas continentais sua reprodução cultural, quanto para
em morro sobre a vila, como os o financiamento das atividades da
morros da Tapinha, do Caracol AMOT (gestão do estacionamento).
e a pedra do Meio Dia. No mar,
as áreas de pesca chegam até a Há também as áreas destinadas à
Ponta da Juatinga, por um lado, roça tradicional e ao uso tradicional
e a comunidade do Camburi, por da mata, resguardando os direitos
outro. Porém, as áreas de uso e as caiçaras sobre seu território.
relações afetivas, socioculturais e
socioeconômicas dos trindadeiros
com outras comunidades tradicionais
extrapolam tais limites e mesmo
a área de abrangência do Projeto
Povos. Relatos da pandemia
informam sobre trocas de alimentos,
por exemplo, com o Quilombo
do Campinho da Independência
e revelam fluxos relacionais
mais profundos entre as várias
comunidades tradicionais da região
de Mata Atlântica sul-fluminense e
norte-paulista.
A comunidade é totalmente
sobreposta pela APA de Cairuçu e
parcialmente pelo PNSB, ambas
UCs federais geridas pelo ICMBio.
Com participação ativa dos caiçaras
de Trindade, a revisão do plano de
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PESCA, AGRICULTURA E EXTRATIVISMO Eu faço a canoa. Faço canoa
grande pra remar. Faço as
canoinhas pequenas pra
vender. Essa aqui já é um amigo meu
Pesca que faz, o Donizete. É uma arte que
ele faz, essa canoinha aqui ó. Muito
Elemento essencial do modo de Trindade, um mercado de peixes, que bonito, ele faz lá. Ele faz e cobra
vida caiçara, a pesca em Trindade está sendo reformado com recursos 20 reais por canoinha dessa. É uma
se utiliza de métodos e técnicas de compensação ambiental (TAC) por arte, e, olha, eu não faço uma dessa.
consagradas na região, tais como acidente da indústria do petróleo Se pedir pra fazer, eu não faço. Muito
os cercos flutuantes, a rede na Baía da Guanabara. Tal recurso bonita, linda essa canoinha. (...)
de espera e o espinhel. Há, na proveniente do TAC é gerido pelo . Mas eu faço canoas, a grande, a
comunidade, mestres canoeiros Funbio. pequena, pra uso assim. Faço rede
e ‘fazedores’ de redes (uma para pra mijuada, rede pra cerco, rede pra
cada espécie de pescado e época espera da corvineira lá fora; espinhel
do ano). O maritório é espaço de eu também faço. Pra tudo eu faço, eu
uso coletivo e compartilhado com já tive cerco. Há uns 30 anos, 40 anos
outros territórios. Os locais para atrás eu tive cerco, aí acabamos. Eu
o cerco flutuante são familiares não tenho mais, o pessoal tem. O
ou comunitários. Há, na vila de Jair que trabalhou comigo, comprou
uma agora. A gente trabalhou
de sociedade com cerco. Ele tem
ainda, eu acabei. Já meus filhos
trabalham com turismo e peixe, de
rede também. Pesca da tainha, tão
esperando. Tão ansiosos pra chegar
a tainha. (...) É, eu gosto de pescar.
Faço mais por gosto. Eu aposentei
também, mas a gente precisa pescar.
No verão eu ganho dinheiro com
peixe. Eu gosto de pescar muito de
linha, de anzol, das costeiras mesmo.
Garoupa, o peixe que eu mais gosto
de pescar é garoupa.”
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Trinadeiros no manejo do cerco
56 57
ROÇA USO
As roças sempre fizeram parte TRADICIONAL
da vida dos caiçaras, porém, pela
criminalização de algumas práticas
DA MATA
imposta pelas UCs, algumas áreas Os trindadeiros fazem o uso tradi-
de agricultura foram se perdendo. A cional da floresta em seu território.
pandemia representou uma retomada Dela tiram material para artesanato,
dessa prática, assim como trouxe madeira para confecção de canoas e
interesse dos jovens também em remos, paus e ervas para o cuidado
relação à pesca. com a saúde. Historicamente, fize-
ram uso da caça, como fonte alterna-
tiva de proteína, em épocas especí-
ficas do ano e respeitando os ciclos
A roça é uma tradição da de reprodução dos animais. O mapa
minha família, dos meus construído neste processo de ca-
avós, principalmente do racterização aponta, ainda, algumas
Américo Rosa. Sempre quando áreas de caça, como forma de memó-
criança a gente ia na roça, chegava ria do modo de vida.
lá, meu avô sentadinho da cadeira...
e a gente foi absorvendo essas
imagens; não sei se foi passado por
genética, mas a gente observava ali.
E aí eu disse: ‘é isso que eu quero
pra minha família; é esse modo de
vida que eu quero pra mim’. E eu
via, né?, minha avó fazendo farinha,
ia lavar a mandioca com meu avô
na cachoeira, porque não tinha
encanamento e hoje eu coloquei
o encanamento. Mas eu ia lá, via
lavando a mandioca, raspando a
mandioca, eu era criança... e nisso,
isso ficou imortalizado dentro de
mim. E com a volta pra Trindade,
essa volta do cerco, isso foi me
estimulando a querer esse tipo de
vida”
58
TURISMO destacou a liderança comunitária e
pescador Robson, praticamente todo
PRÁTICAS DE
o comércio voltado ao turismo é de CUIDADO E SAÚDE
Dona Carmira, de 86 anos, contou trindadeiros, ou o imóvel pertence
à equipe de pesquisadores, em aos caiçaras locais ou está arrendado A gente tem farmácia
entrevista, que começou a se tornar para exploração por outras porque não tem mais de
comerciante vendendo gelo para pessoas. Todos os interlocutores onde tirar remédio”
os pescadores e mariscos para os entrevistados são enfáticos ao
turistas. E então, com o incremento afirmar que o turismo é a principal Dona Carmira Rosa de Oliveira, agricultora,
pescadora, marisqueira, vendedora de gelo
do turismo, seus filhos abriram um fonte de renda da comunidade, e artesã de Trindade, 86 anos
mercadinho e ela foi reformando seja com restaurantes, quiosques,
sua casa até transformá-la em pousadas, campings e locação de
Porque a comida de
pousada. Essa história é comum chalé, seja na prestação de serviços
antigamente era tudo
a muitos trindadeiros. A família de guia ou no transporte náutico. A
natural, era tudo da terra.
do pescador Seu Vítor também travessia para a piscina natural é
Tudo, tudo. Então não tinha doença,
mantém uma pousada. E, assim como realizada por associados da ABAT.
não tinha. Não morria ninguém aqui.
Quando morria, era porque ficava
velho. Hoje em dia você está se
envenenando. Tudo o que você come,
Piscina Natural do Caixa d’Aço tem veneno. Se não for da roça, tá
tudo envenenado. Então a pessoa
tinha saúde”. Dona Odete, caiçara de
Trindade, 80 anos.
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FESTAS E CELEBRAÇÕES ASSOCIAÇÕES social, das ações e projetos voltados
ao desenvolvimento e implantação
COMUNITÁRIAS de tecnologias sociais em turismo
Formas de expressão Festas e celebrações Modos de fazer de base comunitária, agroecologia,
Há, em Trindade, diversas saneamento e educação diferenciada.
Teatro Companhia Pesca da tainha
Rosa Carmo Queiros Festejo Caiçara associações comunitárias, com Ainda, conta com o apoio e
O festejo tem sua Arrastões
abertura na igreja destaque para a AMOT e a ABAT; assessoria da coordenação de
Artesanato de
Timbupeva (fibra), Cerco além outras associações criadas justiça socioambiental do OTSS na
Folia de Reis
taquara e cipó – a partir de cisões e conflitos negociação dos conflitos e para a
cestaria Marisco (inverno) - compartilhado – “vai
Corrida de Canoa dividindo os sacos de mariscos” internos. A mais forte delas, que garantia da reprodução sociocultural
Futebol e surf da vida trindadeira. Trindade é,
Feitura da farinha participou ativamente do processo
Feitura da farinha
Pesca tradicional de caracterização, é a Associação também, um dos roteiros destacados
Puxada de canoa Puxada de canoa - união/mutirão - é preci- em Defesa do Povo Tradicional de da Rede Nhanderekó de TBC do FCT.
Proteção de "tribo" - so saber a época certa, conhecer a madei-
laços familiares ra e saber fazer a canoa Trindade (ADPT).
Festa da tainha
Tintura de rede com a aroeira
A nossa organização mãe,
Feitura de rede ou principal, é a AMOT.
Ela foi criada basicamente
Montagem do cerco
por mulheres, lá em 80, 82 ou 86,
um negócio desse daí, e bem no
momento crítico que a Trindade
passava e a gente tinha acabado
de fazer o acordo entre a TDT e a
Trindade e o pessoal precisava de
uma organização. Então a gente
sempre se apoiou na AMOT, é muito
importante pra comunidade. A ABAT,
foi criada na década de 90, de fato
ela só foi registrada no cartório
mesmo em 2007, porque a gente
começou a fazer passeios de barco
com os barcos que a gente pescava”
BANDEIRAS DE
LUTA DO FCT
Lideranças caiçaras da Trindade
são atuantes no FCT e participam,
desde a fundação do movimento
62 63
Ameaças causadas por grandes empreendimentos, “Mexilhão tinha bastante, viu. Tinha
bastante marisco nas costeiras. Talvez
turismo predatório e especulação imobiliária por ele ser, dizem, que ele é o pulmão
do mar, né, que ele faz a filtragem, tal-
vez ele sinta. Então, quando a água está
Algumas ameaças e os conflitos não podia ter nada que impactasse,
muito poluída, acaba afetando o próprio
reais vividos pela comunidade de sabe toda aquela coisa? Gente
marisco. Às vezes, ele está acostumado
Trindade: com motor e tal, e falamos: “Não,
com algum tipo de poluição e aí vem
peraí, a gente está trabalhando aqui
• ADELA / TDT – “grilagem de terra algo como o petróleo, como o esgoto,
há muito tempo, com pesca, com
por CNPJ” – histórico de luta que etc. Acaba prejudicando o marisco.
turismo e como assim chega isso
culmina no assassinato do jovem Minha mãe não comia o marisco do
do nada?”. Foi quando montamos
caiçara Jaison dos Santos, o Dão (que cepilho, porque era onde tinha muita
nossa proposta, que era um grupo
passou a dar nome à área retomada visitação. A galera não gostava muito
organizado, a gente depende disso e
pela comunidade que se transformou de comer o marisco do cepilho”
vamos ver qual é a solução”
em praça de uso coletivo de ações
liel Teixeira Rosa, pescador, barqueiro de
educativas, à Escola do Mar e a Robson Dias Possidonio, pescador de
turismo no Cachadaço e agricultor do morro
Trindade, 41 anos
práticas de esportes e lazer). do Cepilho. 38 anos.
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Praia do Sono
A um tempo atrás era tudo muito bom
vovô fazia rede e vovó cuidava da casa e
quando iam pra roça toda família ajudava.
A farinha que eles faziam
iam na cidade vender,
um dia inteiro de caminhada pra suas compras fazer.
Mas nós não imaginávamos
que existiam tanta maldade
no coração das pessoas que viviam na cidade,
chegaram cheias de ódio
muita raiva e rancor
querendo nos tirar
o que tínhamos de mais valor.
Mas nós nos reerguemos e nos colocamos de pé
as mulheres se uniram e
suas forças juntaram e
botaram pra correr
os que tanto nos perturbaram.
Esse conto é verdadeiro
foi minha mãe que me contou
ela ainda era pequena
quando tudo se passou.
E eu sou muito feliz de viver nessa terra
porque sendo ainda criança,
Continuo lutando por ela.
Julia Katherine Conceição Jesus da Anunciação (2006 – 11 anos de idade)
74 75
TEMPOS E O declínio econômico da região, em
fins do Sec. XIX, levou ao abandono
Foto histórica da Praia do Sono, com meninas caiçaras.
Gilberto Marques (acervo)
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A vida seguia entre o mar e a mata, ele abrangeu o Sono, os Antigos, os Já as falas abaixo são de uma Ali, a situação é bem
pesca e roça, até que, na década Antiguinhos e Ponta Negra. E fez transcrição de áudio enviado complexa, porque quem
de 1970, foi construída a BR 101, aquele documento lá que é forjado, pelo WhatsApp pelo morador da fez o licenciamento para
rodovia Rio-Santos. Junto com a né? Inventado…” Praia do Sono, militante do FCT instalação do condomínio foi a antiga
estrada, chegou nova atividade e da Coordenação Nacional de FEEMA, que era um órgão ambiental
econômica, o turismo. E, também, Comunidades Tradicionais Caiçaras do Estado do Rio, que tinha vários
surgiram desafios e focos de conflito, Nós enfrentamos eles aqui. (CNCTC) e pesquisador-comunitário outros órgãos e, depois, já nos
como as unidades de conservação e As polícias, os jagunços no OTSS, atuante no Projeto Povos, anos 2000, juntaram foram todos
o assédio da especulação fundiária, dele que ele trouxe pra Jardson dos Santos: e foi criado o INEA. E, obviamente,
representado, na Praia do Sono, cá também. Aí nós enfrentamos eles fizeram vários crimes, né? O
por dois atores principais: a família eles, botamos pra correr na base da condomínio, o empreendimento,
Foi junto com a rodovia
Gibrail Tanus e o Condomínio surra de urtiga... e nunca mais ele cometeu vários crimes ambientais
Rio-Santos, aqui chegou
Laranjeiras. Abaixo, relato de apareceu aqui no Sono. Hoje graças e socioambientais e socioculturais
ali por 1974. O Condomínio
moradora da Praia do Sono sobre a Deus nós estamos na paz aqui e etc. E também econômico, até
[Laranjeiras] chega aqui mais
o conflito com a família Tanus; e, (...) Na época foi o advogado Jarbas porque ali era uma área de troca,
ou menos em 78, 79, para se
em seguida, relato do pesquisador [Macedo de Camargo Penteado], que em que as pessoas faziam as trocas;
estabelecer. Aí um pouquinho antes
comunitário Jardson dos Santos era o advogado da Trindade. Aí tinha uma área de ir e vir, acesso à praia,
da APA de Cairuçu, uma unidade
sobre a história do Condomínio o jornalista lá, que era o Foster. acesso ao patrimônio da União… e
de conservação federal, que foi
Laranjeiras. Um pessoal lá que trabalhava, e ali são cinco praias privatizadas;
instituída em 83. Um detalhe
vieram pra cá e como diz a moda, eles falam que não é, mas é... até
importante, também, é que nos anos
compraram a nossa briga com o porque estão dentro da propriedade
E na época da briga do 70 foi feito um desenho do Parque
Gibrail. Aí nisso daí depois já se privada e, para passar, você tem que
Gibrail ficaram dezessete Nacional. O primeiro desenho do
meteu o Estado no meio, também obedecer às regras impostas pelo
famílias. Dezessete parque pegava recortes aqui, um
brigando contra o Gibrail, a nosso empreendimento e não... que não é
famílias, que quer dizer dezessete pedaço grande aqui de Laranjeiras”
favor. Foi aonde graças a deus, realmente do poder público, né?!”
casas. Porque tudo morava junto podemos dizer que ganhamos a [O decreto de criação do PNSB previa uma área de 174
com os pais. Numa casa só morava causa. Nós ganhamos a causa por mil hectares, que foram reduzidos a 104 mil hectares
duas, três famílias. Então quer dizer causa disso daí, que o pessoal entrou no ano seguinte]
Condomínio Laranjeiras
que no momento que foi liberado com advogado a nosso favor e tudo.
hoje tem bastante casa. Cresceu! E daí pra frente nós temos o nosso
Aqui cresceu. E outro, que ninguém O Parque Nacional da Serra
sossego (risos).”
podia construir também, na época do da Bocaina, no começo dos
Gibrail. Então quer dizer que tinha anos 70, eles fizeram um
Dona Lucilene de Castro, moradora da Praia
pouca casa. Hoje não, graças a deus do Sono, 59 anos dente e tiraram Laranjeiras, a parte
que Sono está movimentado, todo que viria a ser esse empreendimento
mundo construiu. Muito bom assim. do final dos anos 70. E com isso,
E antes do Gibrail tinha mais família. o Parque pegou até um pedaço
Antes, quando o Gibrail chegou no de Trindade, mas não pegou esse
Sono já tinha morador aqui dentro. pedaço de Laranjeiras, porque aí
Há muito tempo. A história é que talvez seria um pouquinho mais
ele comprou a fazenda Santa Maria, difícil fazer um empreendimento
então quer dizer que ele era dono da desse, né? Então, você vê, é um
fazenda Santa Maria. Foi de lá que detalhe importante também, que
muita gente desconhece”
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Dona Ismênia, em frente à casa de farinha do seu Alziro e da dona Aurora.
E aí começaram também a
Foto: Gilberto Marques
realmente cercear alguns
direitos... da passagem
liberada, por exemplo, a qualquer
Enfim, quando o condomínio hora; e também de material de
chega já começa a impor construção... até de móveis, de
algumas regras de controle compra de mercado... uma série de
e tal. Bem, bem complicado. E me coisas assim... e dos anos 2000 para
lembro que as primeiras casas cá começou a ter muito conflito com
foram surgindo tal; começaram a os barqueiros da comunidade, né?
fazer aquela marina ali, que era Com os moradores e turistas e tal.
uma antiga laguna... começou ser Chegou ao ponto de agressão ali por
transformada numa marina; e parte dos seguranças do condomínio
quanto mais o condomínio foi se privado contra a moradora aqui, uma
estabelecendo, foram se apropriando caiçara aqui do Sono, e na qual o
daquela área ali, e realmente foram condomínio processou 23 pessoas
expulsando, de alguma forma, os aqui da comunidade e uma dessas
caiçaras que moravam ali - me pessoas, inclusive, teve que acessar
lembro que meu tio morava na beira um habeas corpus para poder passar
da praia, inclusive tinha os ranchos dentro da van do condomínio, não é
ali e tal... e essas pessoas foram nem uma passagem exclusiva, não.
passadas lá para cima, para um local Foi uma passagem mesmo assim
que o condomínio, também, que deu controlada, mesmo com o habeas
o nome; forjou um nome chamado corpus, ainda assim controlada pelo
Vila Oratório, né? E se apropriou condomínio”
do nome Laranjeiras, que era a
antiga Fazenda. Segundo eles, eles
compraram a antiga Fazenda total.
E com isso, também, falaram que
deram os lotes para as pessoas fazer
cultivo de roças, no meio da Mata.
É que as pessoas eram caiçaras e
agricultores familiares também;
viviam da roça mesmo e fizeram
as casinhas também nesse local
chamado Vila Oratório, que, em tese,
são as pessoas que trabalham para
os condôminos, para o condomínio,
no caso. E hoje esse localzinho
praticamente é tudo condomínio
também. Muitos já venderam...E tem
uns conflitos bem importantes ali até
atualmente, né?”
80 81
ORGANIZAÇÃO TERRITÓRIO
TERRITORIAL Estende-se de Laranjeiras à Praia
A praia da comunidade do Sono dos Antigos; e do litoral ao Morro
tem pouco mais de 1.200m de do Barrocão (ou pico da Jamanta) e
extensão, partindo do canto bravo aos fundos do Saco do Mamanguá.
até o canto da barra. Logo acima Existe uma relação histórica entre
da faixa de areia, uma ‘rua’ de os caiçaras da Praia do Sono e os
amendoeiras marca o caminho por caiçaras das vilas e localidades do
entre quiosques, restaurantes e Saco Mamanguá. O uso de recursos do
áreas de campings. Também nesta mangue, como a caixeta, faz parte da
faixa estão os ranchos de pesca, o tradição cultural da Praia do Sono.
rancho dos barqueiros que fazem a
travessia até a rampa do condomínio,
área para conserto de rede e o tacho SITUAÇÃO
de tingimento das redes – técnica FUNDIÁRIA
tradicional mantida na Praia do
Sono, mesmo com a chegada de Toda a vila caiçara da Praia do Sono
novos materiais para a confecção dos encontra-se em situação litigiosa
apetrechos de pesca. de propriedade, com ação judicial
em fase de análise pelo STF, movida
Paralelos ao caminho das pelo Estado contra a família Tanus,
amendoeiras e à praia, há, ainda, reivindicando as terras como
outros três caminhos e, ligando- públicas. O Plano de Manejo da
os, há trilhas perpendiculares, APA de Cairuçu reconhece as áreas
margeando quintais e campings com de uso e moradia dos caiçaras da
limites marcados por cercas vivas. Praia do Sono, incluindo áreas de
Três dessas trilhas se estendem uso tradicional da mata e roças. Um
em direção ao morro, seguindo o projeto motivado por condicionante do
rio da Barra e outros riachos. De licenciamento ambiental do Pré-Sal,
costas para o mar, a trilha mais à exigido pelo IBAMA e realizado pela
esquerda segue em direção à antiga APA de Cairuçu (em curso), busca
estrada do Sono (que desmoronou no mapear a situação fundiária de toda a
começo dos anos 1990), passando por UC.
roças e casas de farinha. As outras
duas sobem o Morro da Barra, se
encontrando no alto e seguem em
direção do pico do Barrocão, como é
chamado na comunidade, ou pico da
Jamanta, como ficou conhecido mais
recentemente. Este pico chega a
mais de1082m de altitude.
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Seu Juquinha consertando a rede e crianças brincando ao fundo.
Foto: acervo OTSS
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PESCA, Você vai cercar tainha na
canoa, o peixe nem percebe
AGRICULTURA E que você está cercando.
USO TRADICIONAL Você vai devagarinho no remo, você
não pode nem puxar muito “avocado”
DA MATA pra não fazer barulho na água,
você vai devagarinho. Então, você
As técnicas tradicionais da pesca A prática da escalada e salga do consegue cercar o peixe sem ele
seguem vivas na comunidade caiçara pescado, destacada pelos varais perceber, agora o bote a gente já
da Praia do Sono. As relações sociais de peixe seco, é ancestral e está percebe, mas o pessoal gosta do bote
na pesca artesanal revelam fluxos de relacionada à preservação do porque é rápido, entendeu? Mas, às
trocas simbólicas e materiais entre alimento, vindo dos tempos em vezes, perde muito peixe por isso. E
as muitas comunidades caiçaras da que a vila não era abastecida por você vê que na Trindade, o pessoal
região da Bocaina. Canoas, remos, energia elétrica. Essa prática segue, lá eles não cercam peixe de bote.
redes, cabos e demais petrechos mesmo após a chegada da luz, e É tudo na canoa também, eles não
são confeccionados e vendidos ou se estabelece como importante gostam de bote pra cercar peixe,
trocados pelos pescadores entre si. elemento da cultura caiçara da Praia eles só trabalham na canoa. Por isso
do Sono. que eles reclamam que o pessoal
Na Praia do Sono, há mais de 10 vai daqui pra lá pescar, o pessoal da
pontos de cerco, além de diversas Ponta Negra, vão pra lá porque vão
áreas para outros tipos de pesca. de bote, então espanta muito peixe.
Grande parte da produção pesqueira Eles ficam bravos, não gostam,
é para a subsistência e o comércio porque eles lá trabalham na canoa”
local voltado ao turismo (quiosques
e restaurantes). Um pequeno Seu Eni Manoel Albino, pescador da Praia
excedente é vendido para peixarias do Sono, 57 anos
do centro de Paraty.
86 87
Abaixo, trecho de entrevista com a
dona Iracema dos Santos, caiçara da
criou os filhos. Tinha mãe aí de
sete filhos, nove, dez… Todo mundo
PRÁTICAS DE
Praia do Sono que nasceu em 1931: trabalhando na roça. Todo mundo CUIDADO E SAÚDE
criou os seus filhos.
Dona Iracema dos Santos conta como
E como era a vida antes? Com era o cuidado com a saúde quando
E onde você acha que aqui tem
sua mãe; qual é a diferença que a não existia política pública para o
menos hoje? As pessoas estão
senhora sente para o que é agora? atendimento e os conhecimentos dos
usando o produto da roça? A senhora
mais velhos eram valorizados:
acha que tem menos pesca?
É muito diferente, é diferente.
E quando alguém ficava doente,
Naquele tempo, a gente … Era um É… Nesses tempos agora as pessoas Dona Iracema?
tempo muito difícil, né? Cansativo querem mais serviço em terra, né?
pro povo, era difícil. Aqui mesmo Trabalhar mais fácil. E aí já complica Quando fosse coisa assim, uma dor
não tinha como a pessoa pegar um mais porque as pessoas que falam de barriga, uma febre, a pessoa já
dinheiro, ganhar um dinheiro. Ia para que as coisas vão melhorar, num sabia que remédio ia usar. Porque
Santos, para o Rio, todo o lado aí, momento, se torna pior. Porque já os mais velhos, os mais velhos que
para Ilha Grande. Meu pai mesmo falta o dinheiro, tudo caro. Já faltou a gente, já tinham experiência do
trabalhou muito tempo em Santos. dinheiro naquele tempo, mas se remédio a pegar, né? Para uma dor
Vocês eram tudo pequeno e ele foi colhia mais da roça do que comprava. de barriga, para uma febre, para
para Santos trabalhar. Quando tinha Plantava feijão, plantava tudo o uma dor de cabeça e coisas assim.
para mandar dinheiro para casa, ele que precisava. E a roça era só para Já hoje não, hoje a pessoa sente um
mandava. Quando não tinha, ele não plantar mandioca mesmo, para fazer pouquinho e já vai logo para Paraty.
mandava. Ou ele mesmo vinha trazer. farinha. Feijão e as outras coisas,
Trazia um dinheirinho aí, deixava tudo se plantava. Era difícil quem Tinha muito remédio caseiro, né?
para a gente e ia de novo. Por muitos comprava. O dinheiro pouco que Erva, né?
anos da vida dele. E a necessidade ganhava era para comprar roupa,
que a gente passava no intervalo que para pagar alguma coisa que a gente Tinha santa maria, maria preta, coisa
ele não tinha dinheiro? Comia mesmo devia. Já hoje não, hoje o pessoal de machucadura, erva de passarinho.
a banana, a batata da roça. passa melhor, mas dinheiro também Quanta erva de passarinho eu tomei.
já falta, né? Tá mais difícil as coisas. Minha mãe coloca e espremia para eu
A farinha, o peixe…
tomar.
92 93
Ameaças causadas por grandes empreendimentos, que eles matavam antes, porque não
tem, os peixes parecem que estão se
turismo predatório e especulação imobiliária acabando, estão diminuindo muito.
Fala a respeito do relato sobre o todo mundo se alimenta do cerco. Todo mundo fala isso mesmo, que o
impacto do turismo de massas sobre O falecido Antônio sempre falou peixe diminuiu muito.
a cultura caiçara na Praia do Sono: pra mim que essa rapaziada, essa
garotada agora, adolescente, foram Mas eu ainda acho que quando nós
tudo criado com peixe de cerco. pescávamos na traineira não tinha
Nem é todo mundo que essa aparelhagem que tem agora,
pesca, aqui no Sono agora Porque não tem açougue, é o cerco.
As pessoas pegam peixe de manhã o sonar, radar, a gente tinha muito
tem pouco pescador, mal uma sondazinha preta e branca
muito pouco. Essa rapaziada agora pro almoço, a tarde pega pra janta,
uns chegam a salgar o peixe pra que só marcava o peixe no fundo,
ninguém quer saber mais de pesca, você via aquela manchinha preta,
você chama pra arriar o cerco secar pra vender também. Então todo
mundo se alimenta do cerco, é uma você sabia que era peixe. Se tivesse
ninguém vai. Ninguém quer saber de um bico você sabia que era parcel,
pesca depois que entrou o turismo o fonte que a gente tem pra consumo.
então a gente matava quando você
pessoal esqueceu da pesca. Porque o via, igual o “piloteiro”, o vigia, o
turismo é bom, você ganha dinheiro, Você acha que antes estava mais
forte? barco ficava lá com a lanterna a noite
mas a gente não pode esquecer da toda, então você via na ardentia o
pesca também, se a gente parar peixe, a sardinha. O peixe queimava
de pescar aí acaba o peixe da Antes era mais forte, dava mais
peixe. Agora dá pouco, mas antes na ardentia, você via aquele clarão,
comunidade” então a gente cercava assim. Agora
eu lembro, quando eu era menor,
trabalhava com meu pai, às vezes não, os mestres de barco hoje em
Seu Eni Manoel Albino, pescador da Praia
do Sono, 57 anos a gente passava o dia todo tirando dia, pula dentro da cabine, no sonar,
peixe da rede. Era muito peixe, agora só cerca o peixe no sonar, então o
deu uma diminuída. Tipo igual o galo, peixe que está aqui em 1.500 metros
Segue abaixo um trecho de entrevista daqui pra frente ele já sabe que o
com o pescador Eni Manoel Albino, que a gente chamava o galo grande,
a gente matava muito no mês de peixe está lá, já sabe a quantidade
respondendo a perguntas sobre de peixe que tem. Então isso tudo vai
a pesca industrial e o tráfego de novembro, dezembro, matava muito
peixe galo, olhudo, tipo o carapau acabando, antes o maior barco que
petroleiros e seus impactos na pesca tinha pra pescar era 70 toneladas,
artesanal: mesmo, que antes dava muito mais.
Agora o único peixe que dá de fartura 60 toneladas. Hoje não, é barco
pra nós aqui é o carapau, mas não dá de 200, cento e poucas toneladas,
E essa pesca do cerco ela serve para tanto quando dava antes, o bonito, a então imagina aquilo tudo de barco
consumo da família e também vocês cavala, a sororoca, nossa era muita igual tem no sul? Aqueles navios,
comercializam? quantidade de peixe. Até a tainha carregados de cabo, matam os
mesmo, eu lembro que o papai que grandes, matam os pequenos,
É, a gente vende o peixe pra Paraty pescava com a rede tainha, o papai, matam tudo. Aí vai acabando, vai
e também pra gente, pro consumo o seu Antônio, matavam muito peixe diminuindo.
aqui da comunidade, nosso, da mesmo. Agora a gente mata, mas
família. Eu costumo falar que o cerco é pouco, não mata em quantidade Pensar em uma legenda legal para essa foto. ensar em uma legenda
aqui no Sono é o açougue, porque legal para essa foto.
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O QUE FOI
MAPEADO
A comunidade caiçara da Praia
do Sono trouxe para os mapas os
lugares mais simbólicos de sua
cultura. Destacam-se espaços
coletivos relacionados à atividade
pesqueira, como as áreas para
esticar varais de peixe, do tacho para
tingimento das redes (o tingimento
é feito com cascas da aroeira ou da
quaresmeira) e dos ranchos para
guardar barcos e petrechos.
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PONTA
NEGRA
A cultura caiçara, daqui da Praia Negra, de todo o lugar
aqui das costeiras, sempre foi isso. É pesca. Pesca de
cerco flutuante. Pesca de todo tipo... artesanal, né? E
é roça também, que a gente planta de tudo um pouco. E eu faço
artesanato com as coisas da mata. E tudo o que a gente precisa,
pra pesca, pra roça, pro artesanato, a gente busca na mata. Essa
é a nossa cultura, né? E agora, pra viver, tem também o turismo,
que foi chegando. E tem um pessoal aí, que vive de alugar de
casa, de restaurante... eu mesmo, vendo meu artesanato pros
turistas e também pra enfeitar as casas, os restaurantes”
100 101
TEMPOS E Um dos interlocutores entrevistados
pelo Povos, o comerciante Teteco
Hoje a principal atividade
é turismo e, nele, o que
ESPAÇOS (Adenício dos Remédios), afirma que gera renda é o transporte
sua família está na Ponta Negra des- Eu não sei de onde vieram da Laranjeiras para a Ponta Negra.
A Ponta Negra, ou Praia Negra, como de o seu tataravô e que a cachoeira do meus avós. O meu avô eu Depois vem o aluguel de casas e
defendeu um dos entrevistados neste Moisés, um ponto de referência local, conheci, meu bisavô eu não chalés e restaurantes. Hoje também
processo de caracterização, é uma co- teria esse nome em homenagem a conheci. O meu bisavô era senhor de tem muito o serviço da trilha, os
munidade voltada ao sul e está próxima ele. A mãe do Teteco, dona Adilarda escravos, ele tinha não sei quantos trekkings, principalmente para levar
à ponta leste da península da Juatinga/ de Alcântara Jesus dos Remédios, é escravos. Agora, o meu avô não tinha o turista para o Saco Bravo”
Cairuçu. Sua pequena praia está entre nascida em 1938, na Ponta Negra. escravo. Eu conheci meu avô, meu
duas pontas, costões rochosos e sob avô morreu velhinho, morreu quase Adenício dos Remédios, comerciante da
Ponta Negra, 50 anos
um vale íngreme. Dela, quase não se com cem anos - daí para lá. Agora,
veem as casas e demais construções Nasci na Ponta Negra com de onde veio? Porque aqui mesmo
da vila caiçara. O acesso é feito prati- parteira, de parto normal. na Ponta Negra, é o seguinte, não
camente pelo mar, visto que as trilhas Minha mãe e meu pai tinha morador. O tempo dos meus
que levam até lá passam por subidas e nasceram lá também. Meu pai é de avós, do meu bisavô, do meu pai, não
descidas de altos morros e demandam 1928 e minha mãe de 1938. Tinham tinha morador aqui dentro. Aí entrou
forte preparo físico de quem se aventu- dez anos de diferença entre eles. É uma família aqui dentro, que eu não
ra por elas. bem possível que meus avós tenham sei de onde entrou essa família. A
nascido lá também. Porque eu acho gente procurou saber deles, dos
As construções da vila da Ponta Negra
que a minha família é a mais antiga mais velhos, do meu avô… Quando
acompanham o rio, que desce pelos
da Ponta Negra. A gente tem uma criança, a gente procurou saber
canais de drenagem e vales do conjunto
referência interessante lá na família, deles, de onde veio essa família, se
de montanhas da península. Ela está
porque fala assim, cachoeira do veio de Ubatuba, se veio de lá de
aos pés do pico do Cairuçu e o mais
Moisés lá na Ponta Negra, sabe? E São Sebastião, se veio de Caraguá,
alto, que ultrapassa os 1.000 metros de
Moisés era o bisavô da minha mãe” se veio aqui de Guará, se veio de
altitude. Trata-se de uma vila recôn-
dita, local ideal como esconderijo de Angra dos Reis ou de outro lado. Mas
Adenício dos Remédios, comerciante da
piratas em tempos coloniais ou de refú- Ponta Negra, 50 anos
entrou uma família aqui”
gio do “corre-corre” de dias atuais. Seu Nelson José da Costa,
agricultor e pescador da Ponta Negra,
Sua formação se assemelha às demais Já o pescador Nelson da Costa
por volta dos 80 anos
comunidades caiçaras da região, com é categórico em afirmar que os
presença de moradores que vivem no primeiros a ocupar a região vieram
A Ponta Negra foi a última
local há mais de 150 anos. Há contra- bem depois, e se assentaram no
comunidade a ter rede de energia
dições perceptíveis entre as histórias caminho da cachoeira do Saco Bravo,
elétrica implantada, no ano de 2017.
contadas por diferentes interlocutores um poço voltado à leste, na ponta da
Até pouco tempo atrás, o turismo
quanto à ocupação original da Ponta península.
era restrito a pequenos grupos e não
Negra. Porém, como a noção de pro- se apresentava como principal fonte
priedade sobre a terra é algo relativa- de renda. Porém, com a chegada da
mente novo na região, pode-se afirmar luz e a “descoberta” da cachoeira do
que há uma grande comunidade caiçara Saco Bravo, a comunidade passou a
da Juatinga, que une, em irmandade, receber mais turistas e não somente
todas as comunidades da península. na temporada de verão.
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OCUPAÇÃO Segundo o estudo “A Vida na Ponta
Negra” 1 , de 2011, realizado como
Além de estar sobreposta pela REEJ,
a Ponta Negra também é sobreposta
Segundo o estudo de 2011, havia
na Ponta Negra o total de 122
TERRITORIAL forma de subsidiar a recategorização pela APA de Cairuçu, sendo que construções. Passados onze anos,
da REEJ/Inea (recategorização, esta, o plano de manejo desta última estima-se que as construções tenham
O território da Ponta Negra se estende até hoje não finalizada), naquele ano (cuja atualização se deu de forma ultrapassado o número de 150. Para
da Praia dos Antigos ao Cairuçu das a situação fundiária era: participativa no âmbito do conselho) efeito de comparação, seguem os
Pedras, incluindo o Saco Bravo e ilhas; reconhece a vila Caiçara e áreas de dados de 2011, com comentários
no continente, sobe o morro até o pico a) O domínio das terras é na sua uso tradicional da mata e roças. atuais (não está considerada a
do Cairuçu. Nos morros e próximo aos maioria na forma de posses. tragédia de abril de 22):
caminhos tradicionais da Juatinga, há
áreas de roças e de uso da floresta, b) Há um pequeno número das
como apontado no mapa produzido posses que têm escritura (documento DADOS DE 2011 DADOS ATUAIS (ESTIMADOS)
pela comunidade. que torna válido um contrato).
64 casas de nativos, sendo 56
Aproximadamente 150 construções no total
Assim como a Praia do Sono, a para moradia e 8 para aluguel
c) Alguns particulares detêm
comunidade está sobreposta por terra escrituras registradas em Cartório
privada reivindicada pela família Tanus que representam grandes áreas, 2 restaurantes/bares 5 restaurantes, bares ou quiosques e 1 padaria
(grilagem). Em 2022, a comunidade na sua maioria em cima de áreas
esteve na expectativa do processo ocupadas por comunidades caiçaras. 12 ranchos de pesca 12 ranchos de pesca
movido pelo Estado contra a família
Tanus voltar à pauta do Supremo d) Por conta do interesse econômico
3 áreas de camping 6 áreas de camping
Tribunal Federal. Também em 2022, e turístico, essa situação tem gerado
foi realizado estudo sobre a situação conflitos sérios e tem exposto as
fundiária, ainda não publicado. comunidades a pressões para deixar 5 casas de farinha 3 casas de farinha
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Desastre climático
Em abril de 2022, fortes chuvas A tragédia marcou toda a comunidade
provocaram escorregamentos de que, consternada, se mobilizou
encostas, alagamentos, isolamento pelo apoio e a solidariedade de
de diversas comunidades e muita toda a cidadania paratiense e de
destruição em todo o litoral sul do todo o Brasil. Além da tristeza pela
estado do Rio de Janeiro e norte do perda de toda a família de Lucimar,
estado de São Paulo. a comunidade ainda viu várias
outras casas desabarem e móveis,
Em Paraty, a Ponta Negra foi a
eletrodomésticos, instrumentos
comunidade mais atingida, com
para confecção de artesanato e
muitas casas soterradas ou
petrechos de pesca, ferramentas
arrastadas pela lama que desceu
de roças e comércios voltados ao
com força bruta pelos vales da
receptivo turístico se perderem
comunidade. A tragédia foi marcada
nas enxurradas. Campanhas para
pela morte de uma família inteira:
arrecadação de alimentos, água,
a mãe, Lucimar de Jesus Campo
medicamentos e outros itens de
e seus sete filhos, com idades
necessidade básica foram lançadas
entre 2 e 17 anos – João, Estevão,
e a solidariedade dos brasileiros
Yasmim, Jasmim, Dorqueu, Luciano e
chegou à comunidade, para diminuir a
Lucimara. A família vivia em uma casa
dor e os prejuízos causados.
de pau-a-pique, que foi soterrada.
Passados sete meses da tragédia,
a Associação de Moradores Nativos
e Amigos da Praia Negra informa
que ainda aguarda o laudo técnico e
início das obras de contenção, pela
prefeitura de Paraty.
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Pensar em uma legenda legal para essa foto. ensar em uma legenda
legal para essa foto.
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Economia local e práticas de subsistência: um quilo de açúcar para fazer o
café. E o resto era café de cana. A
pesca, agricultura e extrativismo gente criava, plantava café, colhia
café, não comprava. Hoje não. A
A Ponta Negra é uma comunidade Só o Juarez e o Adilson... farinha, depois de a terra dar, vai
cuja vocação turística vem se mais ninguém tem casa comprar em Paraty a quinze conto.
intensificando nos últimos anos. de farinha aqui não. Sabe Daqui primeiro comia da roça, não
Porém, a pesca segue sendo uma por causa de quê? No tempo do precisava de nada disso. Comia
das principais fontes de alimento e meu pai, no tempo dos meus avós, aipim, comia batata, comia - não sei
renda. a gente comia coisa da roça pura. se vocês conhecem - o cará, a taioba.
E hoje a gente precisa comprar no Tirava tudo da roça. Hoje não, tem
Os pescadores da Ponta Negra comércio, e já vem tudo cheio de que ir para Paraty comprar”
vendem o pescado para peixarias química. Feijão, abóbora, melancia…
Seu Domingos José da Costa, agricultor,
no município de Paraty. Relatos é tudo secado em estufa, essas pescador e artesão da Ponta Negra
afirmam que o preço pago é muito coisas. Mas antes não, tudo vinha
baixo, porém, não há alternativa lá da roça. Coisa boa vinha de lá.
para o escoamento do excedente Melhorou por uma parte e piorou por
da pesca. Nos últimos anos, houve outra. Aí teve isso. Deixe eu te falar
uma retomada de áreas de cerco, uma coisa, o que está acontecendo
principalmente após a pandemia. dentro dos lugares, não é só aqui.
É em tudo quanto é parte. Acabou a
roça, ninguém planta cana, ninguém
Roça tradicional planta café, ninguém faz nada. E de
primeiro não, minha mãe quebrava
De acordo com depoimentos,
o café com a pedra. Socava com a
principalmente dos entrevistados
pedra de vez para poder torrar. A
mais velhos, apresentam certo
gente fazia o café, entendeu como
ressentimento com a juventude
é? Hoje não. Hoje bate lá em Paraty
que não quer mais plantar. Porém,
para comprar um quilo de café, dois
durante o processo de cartografia
quilos de café, e o café não dá tinta.
social do Povos, foram apontadas
E por que não dá tinta? Porque tá
diversas novas áreas de roça,
tudo misturado com outras coisas.
“reconquistadas” ou reabertas
E o feijão? Quando eu falo para o
durante a pandemia.
pessoal daqui, eles ficam olhando
para minha cara, dando risada. Eu
falo “é porque não aconteceu com
vocês”. O terreno daqui tirava o
feijão da roça, tirava a mandioca
da roça, a farinha, a cana… A gente
moía a cana, nós fazia engenho para
moer cana, não comprava açúcar.
O meu pai, na casa dele, comprava
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Abaixo trecho de entrevista com o Ainda tem alguém que faz coivara Tem, tem algumas. Uma fruta que De arpão não?
artesão Francino Marcelo dos Santos, por aqui? dá no cipó também, que é quase
de 65 anos, sobre sua vida, o manejo como uma uva, abutua. Também é Não, de mergulho.
da floresta para o artesanato, a É, como se diz, tem algum. Porque o muito boa. A fruta do guacá também
pesca e roça. sapê você precisa da coivara. O sapê é muito útil pra comer. Ela é muito E essa que “arpoa” de cima da
é o seguinte, o sapê primeiro você ácida, mas ela é boa. pedra?
tira o primeiro ano, o segundo você
O que vocês têm aqui da mata que já tem que queimar, se não queimar Dá pra fazer suco? Isso aí, também, é uma coisa que
é manejado? Pra fazer canoa, pra a tendência dele é morrer e acabar. é bom a gente deixar claro, que
tingir rede? Então você queima ele. A mata toma Dá, tranquilo. isso aí era mais do passado. O povo
ele. antigo que nem meu pai que era
Então, essa parte eu vou deixar Isso, isso. E o que mais? Assim, Tem algum uso, além do artesanato, mais veterano daqui do lugar, então
com o Juarez. Negócio de canoa, também um manejo pra tirar o cipó. dessas madeiras, das coisas da ele gostava muito dessa atividade.
pintura de rede aí... eu deixo pra ele, Porque o cipó é uma coisa que a mata? Tem alguém aqui que ainda De sair de cima da pedra, de canoa,
porque ele trabalha com isso aqui gente tem que tirar, vai tirando aos faz canoa? e sempre com um arpão pra fisgar
há tempo. Eu vou conseguir destacar pouquinhos. Não pode tirar tudo de o peixe. Agora hoje eu não sei onde
a minha parte, que eu trabalho com uma vez, se tirar acaba. Aí a gente O Juarez. O Juarez faz canoa, faz tem mais isso, hoje pode fisgar de
artesanato. Eu sou artesão, então sai, eu vou aqui na Ponta Negra, eu remo, faz gamela. mergulho.
eu uso cipó da mata, cipó timbopeva, ando por aí tudo, vou até lá em cima,
pra fazer a cesta, pra fazer fruteiro, no mato do Gibrail. Vou na parte aqui E roça? Entendi. E na sua roça tem o quê?
luminária, essas coisas. E trabalho até o Maximiano, vou aqui na Vagem.
com madeira também pra fazer os Enfim, eu ando na mata inteira, onde Roça eu tenho também. Inclusive eu Na minha roça tem um bocado de
pés da fruteira, que é peroba. tem eu vou buscar. trabalho na roça. Hoje em dia eu… coisa. A planta principal que eu
Antes de ontem eu tava falando lá planto é a mandioca, pra farinha.
E a gente pode ver depois, esse E tem uma época do ano que é com os meninos lá na piscina do Saco Aipim, banana, tem cará, tem batata
artesanato? Tem dele por aí? melhor? Bravo. Eu nunca pensaria na minha doce, tem inhame, taioba, feijão
vida de um dia ser monitor, e hoje eu também. Abacaxi também. Abacaxi
Tem, tem aqui a fruteira, a fruteira Não, o ano inteiro. É só tirar o que sou. Depois do curso que a gente fez eu não como, eu gosto de plantar
grande. Tem ali no Careca também. A tá maduro, não pode tirar o que tá aqui, aí na sede, com o pessoal do (riso). Agora a gente tem maracujá,
luminária também tem ali no Careca. verde. Que o verde não aproveita, é Inea, e a gente como se diz, pegou o plantei também. Maracujá é muito
Tem kulelê também e por aqui só o maduro. crachá de monitor. Hoje eu trabalho bom pra suco, e hoje em dia, por
também pela comunidade, tem muita com turista. Aí eu trabalho com aqui o pessoal tem bar, já é pra
por aí. Mas tem por aqui na praia E nessas suas caminhadas, tem visto turista, trabalho com artesanato, caipirinha.
é mais perto pra você ver. E o que muito bicho? trabalho na roça e de vez em quando
mais? Também faço oficina de sapê eu dou umas pescadas também. Eu
também, trabalho. Tem. Com tudo isso que hoje está gosto de pescar.
escasso, porque a desmatança é
E o sapê ainda tem? muita. O exploramento de bicho é Pesca de onde? De linha ou de rede?
muito, mas ainda tem muito. Ainda
O sapê tem pouco, aqui tem pouco. encontra muito aí. De pedra, como se diz, tanto faz de
Onde tem mais é lá em casa, no sul linha na mão como de vara também.
das pedras. E de fruta? Tem alguma fruta que Eu gosto muito.
coleta da mata atlântica?
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Área de roça da Ponta Negra. Imagem de drone. Acervo OTSS
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ASSOCIAÇÕES FESTAS E Manejo de cerco flutuante no maritório da Ponta Negra
COMUNITÁRIAS CELEBRAÇÕES
• Associação de Moradores Nativos Formas de expressão
e Amigos da Praia Negra é ativa e
Contos caiçaras, causos
atuante.
Comidas típicas
• Guias e condutores turísticos
Tinha parteiras,
locais organizados e formados, hoje não tem mais
principalmente para passeios até Umbigo enterrado sob o Cambucá
a cachoeira do Saco Bravo, com
Brinquedos feitos pelas crianças
supervisão da REEJ/Inea. com isopor e outros materiais
que chegam na praia –
• Associação Cairuçu aluga casa barquinhos; carrapetas
Modos de fazer
Extração do guia
Uso do Sapê
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CONFLITOS E • APA de Cairuçu e Reserva Estadual
Ecológica da Juatinga: já não mais
Amanhecia, na época do
inverno, cheio de piche na
que você está fazendo a entrevista,
eu quero dizer uma coisa para você.
AMEAÇAS AO representam ameaça ao modo de praia. Muitas vezes você Agora aqui nós estamos vendo, de
MODO DE VIDA vida, porém, há um temor de que
a recategorização da REEJ leve à
não podia andar na praia, tinha que
tirar. Muitas vezes eu peguei pá
uns anos para cá, uma calmaria de
mar. O mar, ele se arrevolta, agora
criminalização de algumas práticas com os meus filhos pra ir limpando de tarde ou amanhã de manhã ele tá
• Família Tanus: neto de Gibrail se- e/ou à redução dos territórios de uso a praia com piche, porque ficava mais assim… E, de primeiro, eram
gue com ações em ameaça à perma- dos caiçaras. aquela mancha de óleo. Não podia oito dias.
nência da comunidade em seu ter- andar, o pessoal ficava com o pé tudo
ritório, porém, hoje, essa ameaça é • Pesca industrial: antecipa os manchado, com o piche na praia, O mar mudou, o senhor acha?
menos sentida, principalmente entre cardumes e tem sido apontada como muita coisa”
os jovens que não viveram o período uma das responsáveis pela redução Mudou tudo! A coisa mudou tudo,
Vanderlei Souza Chaves (Lelei), pescador e
de maior assédio sobre o território. do estoque pesqueiro nos maritórios mas tudo mesmo.
comerciante da Ponta Negra, 60 anos
Em 2022 a comunidade esteve na da pesca artesanal.
expectativa do processo movido pelo E o senhor acha que é por quê?
Estado contra a família Tanus voltar à • Presença de grandes navios Abaixo, trecho de entrevista com Que mudou tanto assim? O clima ou
pauta do Supremo Tribunal Federal. passando “por fora” da ponta da Seu Nelson, pescador da Ponta o quê?
Juantinga, especialmente navios Negra, sobre a rede que ele utiliza
• Condomínio Laranjeiras: constante petroleiros que impactam a pesca. e as mudanças observadas no Ah, um outro diz “é o clima”, outro
violação do direito de ir e vir; ameaça comportamento do mar e do clima. diz “mas é a época, que vai deixar
por ampliação de área e implantação • Relato de medo de vazamento de existir e não sei o quê”, o outro
de Reserva Particular do Patrimônio de petróleo e outros acidentes diz “é que vai voltar atrás e não
Natural (RPPN) pelo condomínio; relacionados à cadeia produtiva de A rede ali foi o senhor quem fez, seu sei o quê”. É porque já estamos no
criminalização de comunitários que petróleo e gás. Nelson? fim do mundo, ou então no fim da
lutam por seus direitos ao livre picada. Quando pensar que não, se
trânsito, à pesca e usos do território A rede é minha esposa que faz. apaga tudo aí, um monte de gente aí.
sobreposto pelo condomínio. Segundo o que as escrituras falam,
Aquela ali, ela vem dessa cor vai ficar um monte de gente sofrendo
mesmo, ou ela é tingida? nesse mundo. Porque, de primeiro,
eram oito dias, para o sudoeste
De lá ela vem dessa cor, agora, se batendo... Bambu cantava lá na
eles tingem lá na fábrica eu não sei. praia, no bambueiro, lá na praia.
É, é, vem em tira.
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O QUE FOI MAPEADO
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