Tese Maconaria e Espiritismo
Tese Maconaria e Espiritismo
Tese Maconaria e Espiritismo
CENTRO DE HUMANIDADES
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA
FORTALEZA-CE
2009
“Lecturis salutem”
Ficha Catalográfica elaborada por
Telma Regina Abreu Camboim – Bibliotecária – CRB-3/593
[email protected]
Biblioteca de Ciências Humanas – UFC
FORTALEZA-CE
2009
3
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________________
Profa. Dra. Julia Maria Pereira de Miranda Henriques (Orientadora)
____________________________________________________________
Profa. Dra. Marion Aubrée (EHESS, PARIS)
_____________________________________________________________
Prof. Dr. Gisafran Nazareno Mota Jucá (UECE)
____________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Auxiliadora de Abreu Lima Lemenhe (UFC)
____________________________________________________________
Prof. Dr. Domingos Sávio Abreu (UFC)
4
AGRADECIMENTOS
Desse modo, resumirei a lista a algumas pessoas muito solícitas e simpáticas que
possibilitaram o andamento deste trabalho e a superação de muitos entraves. Destaco minha
esposa, Diana Diniz, pelo estímulo e apoio, regados com muito amor. A minha orientadora,
Julia Miranda, pelo diálogo franco e otimista que mantivemos nesses anos, em clima de
confiança e liberdade.
Importantes no diálogo permanente de sala de aula, por algum tempo, foram meus
colegas de turma, com quem dividi expectativas, dúvidas e alegrias. Presenças constantes
nesse tempo, também foram os secretários do Programa de Pós-Graduação, Aimberê Botelho
e Socorro Martins, sempre disponíveis e solidários, nos dando a mão, pelos caminhos
tortuosos da burocracia.
Enfim, meu muito obrigado a todos, com a ressalva de que as imperfeições da obra
são de exclusiva responsabilidade do autor.
6
Há quem fale
Que a vida da gente
É um nada no mundo
É uma gota é um tempo
Que nem dá um segundo...
Há quem fale
Que é um divino
Mistério profundo
É um sopro do criador
Numa atitude repleta de amor...
O Que é, o que é?
Gonzaguinha
7
RESUMO
ABSTRACT
Analyzing the action of freemasons, spiritualist and theologians in cearense public scene in
the twentieth century first half, while components of a modern-spiritual configuration, here
defined as spiritual approach, influenced by rationalism, positivist-scientificism and saving
elements of esoteric and hiding traditions. The modern-spiritual ideas of spiritual evolutions
by reincarnation, by planetary and cosmic evolution, by communication between alive and
dead (spirits), by fraternity and essencial unit of all religious beliefs; it will be noticeable in
the speeches and social practices of their followers, by the formulation of alternative
propositions of religious social and political character. In the insertion and diffusion process,
here noticed between 1910 and 1930 decades, these new ideas are compared with the
dominant Catholicism, in institution reorganization after the republican secularization and the
establishment of religious freedom (Constitution of 1891). In the perception of this dispute, it
was decided to understand them as components of two configurations: the modern-spiritualist
(freemasons, spiritualists, theologians) and the catholic, represented by clergy and its
followers; as they save the relation of interdependence, due to the bonds of positive affinity in
the first composition, and to the bonds of negative affinity with the second one. From this
results a conflicting relation in public scene (press labour, civic, literary, philanthropic
associations) when the diffusion of modern-spiritual conceptions of man, society and
humanity, such as religious liberty and equality; laicism; “social questions” as moral-spiritual
problem; alliance of religion and science; and clarity and universal fraternity among people,
beliefs and races, as conditions to the planetary evolution. On the other side, it was the
catholic church accusing the followers of the atheism, liberalism, diabolical cult and
conspiratorial movement of modernity vices. This way, the freemasons, spiritualists and
theologians action as spiritualism belief diverges from traditional spiritualism, it constitutes
the original ideological alternative; competing with Catholicism and the party and labour
unions of the left, in the religious and social-political disputes in Ceará of the first and second
republic.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................................................... 11
I - “...a luz é a fé e a fé é a luz...”: o social, o religioso e a emergência do problema............... 11
II – Pesquisa documental: confeccionando e ressignificando evidências................................... 19
FONTES.................................................................................................................................... 304
APÊNDICES.............................................................................................................................. 323
ANEXOS.................................................................................................................................... 333
11
INTRODUÇÃO
É este cenário, com seus desdobramentos nas três décadas seguintes, onde estariam
anelados espíritas, maçons e teosofistas numa corrente moderno-espiritualista, trazendo à tona
a originalidade de uma conformação entre religião e modernidade, não apenas negadora do
apregoado fim da religião, como também exemplar de alternativa espiritualista ao
tradicionalismo religioso do contexto brasileiro. Contudo, as relações religião/sociedade têm
guardado uma complexidade ainda não solucionada.
1
Unitário. 1910. Apud KLEIN FILHO, 1999, p.124.
12
Essa postura racionalizadora dera origem a toda uma gama de estudos que
encararam o religioso na modernidade como uma dimensão em crise irremediável, atestada
pelo avanço do pensamento científico e pela massificação da cultura nos parâmetros
secularizadores3. Muito embora autores como Berger (2004) tenham alertado para a
ideologização e maniqueísmo das interpretações do processo de secularização das sociedades
ocidentais, seja pelos círculos anticlericais, seja pelas igrejas tradicionais, acreditou-se no
esvaziamento da esfera sacral e no crescimento da esfera profana nas sociedades modernas.4
Todavia, como assinala Geertz (1989, p. 140):
2
Ressalvas devem ser feitas a Weber que, mal interpretado, acabou rotulado de evolucionista. Pois, sua tese
sobre a racionalização das várias esferas da vida ocidental, inclusive (por causa) da religião em direção ao
profissionalismo e aos conteúdos ético-doutrinários, não pressupunha a extinção do religioso nem da magia. (Cf.
MARIZ, 2003).
3
Cf. Catroga (2006, p.15-40).
4
Em trabalho recente, Peter Berger avalia criticamente os equívocos da teoria da secularização na modernidade:
“Ainda que a expressão ‘teoria da secularização’ se refira a trabalhos dos anos 1950 e 60, a idéia central da teoria
pode ser encontrada no iluminismo. A ideia é simples: a modernização leva necessariamente a um declínio da
religião, tanto na sociedade como na mentalidade das pessoas. E é justamente essa ideia central que se mostrou
estar errada. Com certeza, a modernização teve alguns efeitos secularizantes, em alguns lugares mais do que em
outros. Mas ela também provocou o surgimento de poderosos movimentos de contrasecularização. Além disso, a
secularização a nível societal não está necessariamente vinculada à secularização a nível da consciência
individual. Algumas instituições religiosas perderam poder e influência em muitas sociedades, mas crenças e
práticas religiosas antigas ou novas permaneceram na vida das pessoas, às vezes assumindo novas formas
institucionais e às vezes levando a grandes explosões de fervor religioso”. (BERGER, 2001, p.10).
13
compreensão das relações entre o religioso e o social, entendido em sua amplitude; que
viabilizam o entendimento, por exemplo, das concepções religiosas, não como manifestação
da insustentável crise do religioso nas sociedades secularizadas e em vias de secularização, e
sim como demonstração da latência histórica das “correlações entre os atos rituais específicos
e as relações sociais seculares específicas”. (GEERTZ, 1989, p.141).
Assim, incontáveis são as situações, no Ceará das primeiras décadas do século XX,
em que se mesclam ideais de fé, evolução, iluminação, regeneração e redenção nos discursos
oriundos de diferentes vertentes, que vêm demonstrar essa extrapolação do universo
metafísico do religioso para a esfera do profano. Pode-se tomar o exemplo dos apelos gerais e
recorrentes ao recurso da “luz”.
5
“Assim, cada pessoa singular está realmente presa; está presa por viver em permanente dependência funcional
de outras; ela é um elo nas cadeias que ligam outras pessoas, assim como todas as demais, direta ou
indiretamente, são elos nas cadeias que a prendem. Essas cadeias não são visíveis e tangíveis, como grilhões de
ferro. São mais elásticas, mais variáveis, mais mutáveis, porém não menos reais, e decerto não menos fortes. E é
essa rede de funções que as pessoas desempenham umas em relação a outras, a ela e nada mais, que chamamos
‘sociedade’”. (ELIAS, 1994, p.23).
6
Contraste desolador. Voz do Gráfico, Fortaleza-Ce, 29 out.1921. Órgão da Associação Graphica do Ceará
(apud GONÇALVES; SILVA, 2000, p.197).
14
Noutra ocasião, talvez aquela que deve ser a primeira de uma série de publicações
na imprensa cearense, de teosofistas divulgando a Teosofia, vemos a proposta de iluminação
das crenças nas escrituras e nas práticas religiosas:
A teosofia pode ser definida como o conjunto das verdades que formam a base de
todas as religiões [...] Iluminando e esclarecendo as sagradas escrituras de todas as
religiões, revela que todas encerram sobre Deus, o homem e o universo,
ensinamentos em substância idênticos [...] À luz dessa filosofia se resolvem
imediatamente inúmeros problemas tidos por insolúveis [...].8
Tem-se, por outro lado o jornal O Nordeste, órgão católico que, reagindo ao
proselitismo das outras religiões, defende seu monopólio sob outra concepção de luz: “O
gravíssimo delito intelectual dos que se insurgem contra a palavra da Sabedoria Incriada, luz
insubstituível trazida pelo Messias ao mundo, representa, sem duvida, um pecado [...]”.9
Vê-se que a preocupação em iluminar estava bem demarcada por dois campos, na
maioria das vezes opostos. Ou seja, uma vertente “profana” iluminista, positivista,
evolucionista, e outra “sagrada”, do tradicionalismo católico. Nos diversos campos das
batalhas intelectuais, travadas na sociedade cearense, percebe-se o foco central na definição
de uma nova ordem social e de novos valores espirituais demandados pela emergência da
modernidade capitalista industrial, do cientificismo e da secularização.
7
Aparecendo. A Evolução. Sobral-Ce, 23 out.1927.
8
Teosofia. A Tribuna. Fortaleza-Ce, 06 dez.1922.
9
Blasfêmia funesta. O Nordeste. Fortaleza-Ce, 3 abr.1929.
15
10
Cf. PARENTE (1986), Francisco J. C. Anauê – Os Camisas Verdes no Poder; PARENTE, Francisco J. C. O
Movimento Operário Cearense na Primeira República, PONTE, Sebastião R. de B. da. A Legião Cearense do
16
Trabalho, MONTENEGRO, João A. de S. Integralismo e Catolicismo In: SOUSA (1989); RIBEIRO (1989),
Francisco M. O PCB no Ceará: Ascensão e declínio (1922-1947); CORDEIRO JR, Raimundo B. A Legião
Cearense do Trabalho, GONÇALVES, Adelaide. Imprensa dos Trabalhadores no Ceará: História e Memórias In:
SOUSA (2000). Mesmo a produção acadêmica mais recente não tem investigado a participação da Maçonaria,
do Espiritismo, da Teosofia na história do Ceará, sobretudo no período referido. (Cf. Dissertações de Mestrado
em História Social (UFC), disponível em: http://www.historia.ufc.br/pos-graduacao_dissertacoes.htm; Teses e
Dissertações do Programa de Pós-Graduação em Sociologia (UFC), disponível em:
HTTP://www.posgradsoc.ufc.br/tesesedissertacoes.html ).
17
Miranda (1987, p. 48), tratando dos discursos e práticas dos católicos cearenses na
década de 30, construídos a partir do jornal O Nordeste, também circunscreve o projeto de
recatolização do povo, na disputa com o “poder temporal laicizado”, à concorrência com o
marxismo (comunismo). Montenegro (1989, p. 354), por sua vez, referindo-se à atuação
católica cearense no movimento integralista, lembra que a Igreja defendia um “estado forte”,
num contexto de “desintegração do liberalismo”, encontrando-se a sociedade polarizada pelo
conflito de duas grandes forças: o “sectarismo laicista” e o “espiritualismo”. O autor dar a
entender que estavam no embate, de um lado, os comunistas e, do outro, os católicos,
respectivamente. Posteriormente, Montenegro (1992), empenha-se no deciframento do
tradicionalismo católico cearense e suas conexões mais amplas com a sociedade e o Estado.
Embora citando outros agentes dessa relação, como a Maçonaria, apresenta-a como mais um
elemento do amplo quadro denominado de “modernismos”.
11
Esse fenômeno, inicialmente constatado na Europa ocidental, embora tendo em sua eclosão, no final do século
XIX, guardado relações com a secularização e o laicismo, não se deve confundi-los, como define Rémond (2004,
p. 171): “O que se denomina descristianização toca, pelo contrário, nas crenças íntimas e nos comportamentos
das pessoas. Ela exprime o fato de que depois de uma centena de anos nas sociedades modernas, massas de
homens, cada vez mais compactas, parecem desinteressar-se por qualquer crença religiosa. Elas deixam de
frequentar lugares de culto, afastam-se dos sacramentos, negligenciam suas obrigações religiosas. [...] Ao
contrário do estado de espírito que havia presidido, no início do século XIX, a laicização e que se definia por
uma hostilidade militante, a descristianização não exprime mais do que desinteresse e indiferença”.
12
“A teoria figuracional e dos processos, uma de suas [Norbert Elias] contribuições mais importantes para as
ciências sociais, dedica-se ao entendimento das estruturas que seres humanos interdependentes estabelecem e das
transformações que sofrem, tanto individualmente quanto em grupos, devido ao aumento ou à redução de suas
interdependências e de seus gradientes. Portanto, em lugar de analisar as condutas de indivíduos isolados
(personificados, às vezes, como gênio, heróis, profetas ou sábios), a sociologia figuracional e dos processos
dedica-se à compreensão de teias de posições sociais”. (QUINTANEIRO, 2004, p.57). Melhor desenvolvimento
dessa proposição de Norbert Elias se fará ao longo do Capítulo 1.
13
Diferentemente da expressão genérica “espiritualismo moderno”, designativa de toda a fenomenologia
mediúnica ostensivamente desenvolvida na segunda metade do século XIX, nos Estados Unidos e na Europa,
com seus desdobramentos filosóficos e científicos; neste trabalho moderno-espiritualismo é definição conceitual
deste autor para designar um conjunto de características filosófico-religiosas, oriundas daquele movimento,
praticadas por maçons, espíritas e teosofistas, em diversas instâncias do espaço cearense, na primeira metade do
século XX. Sua caracterização será objeto do Capítulo 2.
19
contexto e de suas evidências. Esta opção não pode ser pretexto para a invocação de sacrilégio
ao dogma epistemológico/metodológico, derivado da utilização de técnicas e materiais
históricos numa tese sociológica. Do mesmo modo que não implicaria tal inadvertência a
aplicação de técnicas sociológicas de pesquisa da realidade imediata, pelo historiador.14 Em
essência, o que deve o cientista social perceber, para muito além da critica das fontes, é que:
“A análise documental está embutida no processo geral da pesquisa científica que considera
sempre que as fontes equivalem ao campo geral da observação na qual hão de ser obtidos os
dados”. (ARÓSTEGUI, 2006, p. 506, grifo do autor).
14
Para Fernand Braudel, por exemplo, nada era mais importante, “no centro da realidade social, do que essa
oposição viva, íntima, repetida indefinidamente entre o instante e o tempo lento a escoar-se. Que se trate do
passado ou da atualidade, uma consciência clara dessa pluralidade do tempo social é indispensável a uma
metodologia comum das ciências do homem”. (BRAUDEL, 1992, p. 43, grifo nosso).
15
Perspectiva histórica desenvolvida, ao longo do século XX, em contraposição à chamada “história da elite”.
Teve em Edward P. Thompson, na década de 60, seu mais destacado propagandista, sobretudo com a publicação
do artigo The History from Below. “Essa perspectiva atraiu de imediato aqueles historiadores ansiosos por
ampliar os limites de sua disciplina, abrir novas áreas de pesquisa e, acima de tudo, explorar as experiências
históricas daqueles homens e mulheres, cuja existência é tão frequentemente ignorada, tacitamente aceita ou
mencionada apenas de passagem na principal corrente da história”. (SHARPE, 1992, p. 41).
21
Contudo, mais que vislumbrar qual perspectiva histórica orienta esta pesquisa
documental, deve-se considerar, prioritariamente, as condições em que essas informações
documentais serão trabalhadas; ou seja, a concordância com a concepção de “lógica histórica”
de Thompson (1981). Pois, se considerarmos que uma investigação sociológica pode ser
realizada em certas temporalidades, mais ou menos recuadas, visando compreender
determinados aspectos das relações sociais; não menos certo é que o sociólogo deve fazer-se
capaz de compreender que o passado e sua percepção colocam, como condição de sua
inteligibilidade, o domínio da lógica histórica que preside o diálogo entre o investigador e a
evidência documental, representativa daquele passado.
16
“O conhecimento histórico é, pela sua natureza, (a) provisório e incompleto (mas não, por isso inverídico), (b)
seletivo (mas não, por isso, inverídico), (c) limitado e definido pelas perguntas feitas à evidência (e os conceitos
que informam essas perguntas), e, portanto, só ‘verdadeiro’ dentro do campo assim definido”. (THOMPSON,
1981, p. 49).
22
qualquer coisa que fica por conta do passado, é um produto da sociedade que o fabricou
segundo as relações de forças que aí detinham o poder”. E nessa percepção reside um
sociólogo no ofício do historiador. Portanto, o trato com documentos, independentemente de
seu formato, origem ou idade exige, do investigador, o reconhecimento das condições de
determinação social a que estão sujeitos esses materiais. Quer se faça uma história “vista de
cima” ou uma “história vista de baixo”; quer uma análise sociológica sobre grupos
subalternos, oprimidos ou de elite; forçoso é reconhecer que as evidências de que se dispõe
são construções, nem mais nem menos honestas umas que as outras.
Em história, tudo começa com o gesto de selecionar, de reunir, de, dessa forma,
transformar em “documentos” determinados objetos distribuídos de outra forma.
Essa nova repartição cultural é o primeiro trabalho. Na realidade, ela consiste em
produzir tais documentos, pelo fato de recopiar, transcrever ou fotografar esses
objetos, mudando, ao mesmo tempo, seu lugar e seu estatuto. [...] Longe de aceitar
os dados, ele os constitui. O material é criado por ações combinadas que o repartem
no universo do uso, que também vão procurá-lo fora das fronteiras do uso e que
fazem com que seja destinado a um reemprego coerente. É a marca dos atos que
modificam uma ordem recebida e uma visão social. (CERTEAU, 1995, p. 30-31).
17
Ou seja, compreender a história como relação entre um lugar (um recrutamento, um meio, um ofício etc.) e
procedimentos de análise (uma disciplina). A operação histórica seria, pois, o resultado da combinação de um
lugar social e de práticas “científicas”. (CERTEAU, 1995, p. 18).
23
Propondo uma inversão heurística, o autor coloca a história como discurso que
elabora, organiza e dá status a uma “materialidade documental”. Ou seja:
ontológico diferente, ou até mesmo contrário, aos objetivos pelos quais eles foram produzidos
pelas sociedades históricas.
O valor desse tipo de fonte, para o caso em estudo, pode ser aferido por algumas
características, tais como: (a) favorecimento do caráter público do debate das questões
tratadas, (b) possibilidade de visualização/classificação dos grupos em disputa, e (c) a divisão,
18
“Porque os textos, ou os documentos arqueológicos, mesmo os mais claros na aparência e os mais
condescendentes, só falam quando se sabe interrogá-los”. (BLOCH, 1975, p. 60).
19
Esse tipo de material, sobretudo os estatutos, permitiu melhor conhecimento da evolução da organização
espírita, seus objetivos, suas lideranças e as transformações sociais no tocante ao quadro dos seus adeptos.
20
Os livros de atas das lojas maçônicas “Igualdade” e “Liberdade IV”, como outros documentos avulsos dessas
sociedades, permitiram o acesso privilegiado a muitas informações ainda inéditas sobre o funcionamento das
lojas, sua atuação social, seus membros e os reflexos internos dos embates sociais travados pela maçonaria.
21
Do ponto de vista documental, Luiz Moraes Correia produziu importante bibliografia sobre diversas
problemáticas daquela sociedade pela perspectiva teosófica, tais como: “A Questão Social por um novo prisma”
e “Uma nova concepção do homem e do mundo”, já referidos, além de seus escritos de divulgação teosófica nos
jornais de Fortaleza.
26
no espaço jornalístico, entre os adeptos, simpatizantes e adversários das questões postas pela
problemática da pesquisa.
Esse espaço midiático consistiu em, praticamente, todo o período histórico em que
se situa esta análise, na única alternativa de “comunicação de massa” - diga-se de passagem, a
mais “moderna” da época -, tendo em vista que a primeira estação de rádio do Ceará data de
1934, e que sua disseminação social dar-se-ia, fundamentalmente, da década de 40 em
diante.23
22
Também de grande valor, como fontes periódicas, foram utilizados: o Almanaque do Estado do Ceará, dos
anos de 1910 a 1937, com algumas ausências irreparáveis; as revistas do Instituto do Ceará, da Academia
Cearense de Letras, Ceará Ilustrado (1925).
23
A primeira emissora de rádio cearense foi a Ceará Rádio Clube, de prefixo PRE-9, fundada por João Dummar,
tendo sido a única até 1948. (Cf. NOBRE, 1974, p. 149; JAGUARIBE, 2005). Não considero oportuno refletir
sobre o que viria a ser “comunicação de massa” naquele contexto cearense e, mais especificamente, fortalezense;
ainda circunscrito à imprensa escrita. Embora seja tentado a imaginar em que condições se dava a recepção do
discurso dessa imprensa, pela população local.
27
Na verdade, era preciso muito sacrifício e muita ousadia para lançar mais um órgão
na imprensa citadina [jornal O Povo, 1928], justamente numa quadra em que
superabundavam veículos de publicidade, tantos matutinos quanto vespertinos, todos
de manutenção precária e frágil situação financeira. A cidade mal contava 100 mil
habitantes e o índice de analfabetismo era bem elevado. Assim pouco podiam
contar os jornais com o apoio e incentivo de numerosos leitores. Na sua maioria, a
imprensa era porta-voz de organizações político-partidárias [...]”. (SUCUPIRA,
1989, p. 286).
24
O jornal e o livro. Correio da Manhã – 10/12 de janeiro de 1859. (ASSIS, 1997).
25
“Os dados sobre analfabetismo no País mostram uma presença de 85% de analfabetos em 1890, proporção que
diminui para 75% em 1900, mantendo-se nos mesmos níveis em 1920. [...] O números expressam a permanência
do elitismo gerado pelas condições que propiciaram o afastamento das camadas populares do acesso à escola”.
(VIEIRA, 2002, p. 133-134).
28
26
Esses vínculos podem ser constatados em Júlio de Matos Ibiapina, maçom e proprietário do jornal O Ceará;
Euclides César, maçom/espírita redator e cronista de O Ceará; Paes de Castro, maçom e redator do mesmo
jornal, tornando-se, depois, diretor do jornal A Rua; Antonio Drumond e Teodoro Cabral, ambos maçons e
espíritas, proprietário e redator/diretor, redator e cronista do jornal Gazeta de Notícias, respectivamente;
29
Na mesma linha de raciocínio, sabe-se que a maioria dos periódicos, onde atuaram
os agentes do moderno-espiritualismo, também constituía espaços onde se manifestavam os
defensores do pensamento católico, embora a recíproca não fosse verdadeira. Contudo, a
tendência foi de concentração dessas opiniões nos jornais declaradamente católicos, com
destaque especial após o aparecimento de O Nordeste.
Demócrito Rocha, maçom e proprietário do jornal O Povo; Alfeu Aboim, maçom e espírita, diretor do jornal A
Razão (1929-1931).
27
Fundado por Vianna de Carvalho, em 12 de dezembro de 1910, tinha por meta defender a Maçonaria e o
espiritismo dos ataques da igreja católica, através do O Cruzeiro do Norte. Porém, após o primeiro número,
dedicou-se apenas à Maçonaria. Teve como redatores, o próprio Vianna de Carvalho, Henrique de Alencastro
Autran e Antônio Arruda, este falecera em 1912 e fora redator-chefe do jornal A República, que dera ampla
divulgação às atividades de Vianna, em 1910 e 1911. (Cf. KLEIN FILHO, 1999, p. 77).
28
Lançado em 26 de janeiro de 1934, como “órgão maçônico, noticioso e literário”, “matutino semanal”, sob a
direção de A.[Adolfo] L. [Lopes] Aguiar e Silva, segundo o jornal A Rua (Fortaleza-Ce), de 27 jan. 1934.
29
Fundado por Vianna de Carvalho, em 31 de março de 1911, era órgão do Centro Espírita Cearense, mensário
de distribuição gratuita e teve como redator o advogado Francisco Prado (1886-1932). (Cf. KLEIN FILHO,
1999, p. 66).
30
O Reencarnação era órgão do Grupo Espírita Vianna de Carvalho, de Fortaleza, lançado em 1926, e A
Palavra, fundado por Teodorico Barroso, circulou em Iguatu (Ce) na década de 30. (KLEIN FILHO, 2000, p.
122-124).
30
Essa realidade indica, por um lado, que havia um espaço sutil de disputas de
legitimidade, que os silêncios das fontes denunciavam; e, por outro lado, que os espaços
conquistados na imprensa pelos agentes moderno-espiritualistas, naquele contexto, devem ser
considerados em seu potencial simbólico e não apenas em seu quantitativo de conteúdos
explicitados.
CAPÍTULO 1
31
Cf. Silva (1997a) e Doyle (2005).
34
Observe-se que, também no seio do catolicismo, nos primeiros anos do século XX,
esboça-se um movimento de renovação denominado pejorativamente de “modernismo
religioso”, e condenado na encíclica Pascendi (1907), do Papa Pio X. O movimento centrava-
se em dois problemas: o dogmatismo e a evolução social e política. Ou seja, a crise resultava,
segundo Poulat, “do atraso da ciência eclesiástica, como se dizia, em relação à cultura laica e
às descobertas científicas [...]”. (apud LE GOFF, 1992, p.181).
32
Felicite Robert de Lamennais (Saint-Malo, França, 1782-1854). Sacerdote católico, filósofo e escritor político.
Defendeu reformas na Igreja, de caráter romanizador e, posteriormente, a harmonia entre a política liberal e o
catolicismo, a separação Igreja/Estado, a liberdade de consciência, imprensa e educação. Sofreu perseguições de
Napoleão Bonaparte, do Papa Gregório XVI (Encíclica Mirari vos) e do rei Luís Felipe, de França. Devotou-se à
35
Essa é uma realidade comum a toda a América Latina de finais do século XIX –
guardando-se proporções e especificidades – de tal modo que, lembra Mallimaci (2004, p.
26): “O clero católico ligado a Roma denuncia as redes associativas, incluindo as lojas, os
círculos espiritistas e as sociedades protestantes como a ‘conspiração protestante, liberal,
maçônica e espiritista’”.
causa popular e propagou o republicanismo e o socialismo. Recusou-se à reconciliação com a Igreja, à hora da
morte, sendo sepultado como indigente. Allan Kardec, na obra O Evangelho Segundo o Espiritismo, atribui
algumas mensagens ao espírito Lamennais, como a seu companheiro de lutas em favor da democracia e
liberdade de consciência, Henri Dominique Lacordaire.
33
Embora a Maçonaria seja uma organização secular, com variantes ideológicas e filosóficas e com forte dose de
ritualismo e simbolismo em suas práticas, algumas delas herdadas da Antiguidade; não se deve pensar que ela
constitua, necessariamente, uma instituição tradicionalista. Pelo menos dois aspectos fundamentais de sua
filosofia, incompatíveis com o tradicionalismo, podem ser citados: a defesa do livre pensamento e sua postura
negativa ao fundamentalismo religioso ou político. Acrescentam-se outros, como seu internacionalismo e
cosmopolitismo, a fraternidade, a igualdade. (Cf. FERRER BENIMELI, 2001; KOSELLECK, 1999).
36
34
Expressão brasileira desse confronto pode ser vista nos movimentos revolucionários de 1798 a 1824 onde, de
um lado, postavam-se os tradicionalistas padre Antonio Manoel de Sousa e José da Silva Lisboa (Visconde de
Cairú), do outro, os liberais radicais, Cipriano Barata e Frei Caneca. Nos primeiros, “se perfilha a união do Altar
e do Trono, Deus e Rei”, igualando a “sublimidade dos tronos” e a “santidade dos altares” [eco de Bossuet], a
religião como “base da moral pública”, “O poder público, ao receber a sanção religiosa, se faz absoluto, ganha o
sinal da infalibilidade [...]” [eco de E. Burke]; nos últimos, concepção religiosa saturada de iluminismo-
maçonismo, conduzindo a “valorização da fé interiorizada”, “extravasando numa forte autonomia da pessoa
humana”, “fé engajada”, vida espiritual oposta ao devocionismo e ao ritualismo, valores cristãos implícitos na
teoria dos direitos individuais, respectivamente. (MONTENEGRO, 1992 a, p. 43-48).
37
[...] a científica, que fez das ciências naturais modelos a imitar no desenvolvimento
das ciências humanas e do próprio homem; a democrática, que viu na extensão do
poder de decisão política a todos os indivíduos o melhor resultado a que se poderia
chegar; [e] a histórico-materialista, que fez da luta de classes o pré-requisito do
necessário progresso humano. (BONAZZI, 1995, p. 244, grifo nosso).
Silva (1997c) chama a atenção para o papel ativo da Maçonaria como centro de
“difusão de tendências laicistas europeias, de positivismo, de formas alternativas de expressão
religiosa tais como o espiritualismo em geral e do espiritismo em particular, bem como do
protestantismo”.35 Nessas condições, em toda a América Latina, de meados do século XIX e
inícios do século XX, a militância conjunta de liberais, franco-maçons, protestantes e
espiritualistas, constituiu verdadeira “sociedade de ideias”, que
35
“Una dinâmica de laicización y de libertad de culto acompañó a los liberalismos desde los años sesenta del
siglo XIX (México, 1861; Colômbia, 1863) y llevó a uma primera fragmentación del campo religioso mediante
la formación de asociaciones religiosas (protestantes, espiritistas, teosóficas) y de diversos milenarismos
(Cicerón, Conselheiro, Santa de Cabora); pero aparte de los milenaristas antimodernos, los demás movimientos
se inscriben em um liberalismo al mismo tiempo político y religioso, que se oponia al nacionalcatolicismo. [...]
De manera general se puede afirmar que la ruptura ‘desde arriba’ no afectó el campo religioso. El monopólio
católico se conservo íntegramente y se fortaleció, incluso ante la intransigência laicizante de algunos estados
(México, Uruguay)”. (BASTIAN, 2004, p. 157).
38
No tocante à religião, anota Silva (1997c, p. 6) que, n’O Livre Pensador havia
duas tendências: “uma detração completa ao pensamento religioso em geral e ao da Igreja em
39
É, portanto, nesse contexto e nesse sentido, comum à América Latina dos finais do
século XIX e primeiras décadas do século XX, que se constituíram as frentes ou redes de
pensamento, “redes associativas” em que atuavam, por afinidade e solidariedade, diversos
grupos filosófico-religiosos e político-ideológicos, na defesa dos ideais liberais-democráticos,
do pensamento racionalista-cientificista e de revolução social, no entrechoque com as
instituições tradicionais e sua reação antimoderna.
36
Conferir, também, Denis (1987); Colombo (1998).
37
Historia del protestantismo en América Latina. Cupsa, México, 1990.
41
Está, todavia, por estudar-se esta formação de uma frente liberal [...] que surgiu
através da criação de redes associativas, incluindo as lojas, os círculos espiritistas e
as sociedades protestantes, entre outros. Pelo menos, a denúncia constante que fez o
clero católico de uma tal interação deveria levar-se em conta. (apud MALLIMACI,
2004, p. 25).38
É como parte constitutiva desses movimentos, nem sempre perceptível e claro aos
próprios protagonistas, que se pode encontrar a atuação dos grupos maçônicos, espírita e
teosófico compondo uma rede moderno-espiritualista, sem prejuízos de suas identidades
filosófico-doutrinárias; desenvolvendo múltiplas pertenças e apoiando-se mutuamente na
defesa de seus direitos à liberdade religiosa, de pensamento e na proposição de mudanças na
ordem social, política e moral, condizentes com o que consideravam a mentalidade da
moderna civilização.
38
Ver-se-á, adiante, que também o conceito de “rede intelectual” será utilizado por estudiosos, como Eduardo
Devés Valdés e Ricardo Melgar Bao, para investigar as redes teosóficas, envolvendo maçons, espíritas,
socialistas e suas relações com importantes lideranças intelectuais e políticas da América Latina, como César
Augusto Sandino, Gabriela Mistral, José Carlos Mariatégui e outros, nas primeiras décadas do século XX.
42
39
“Um método idiográfico ocupa-se de fatos considerados individualmente, tal como na historia ou na
elaboração de mapas. Um método nomotético trata da formulação de leis gerais. Windelband pretendia mostrar
que as ciências humanas, ou as Geisteswissenschaften, com a história, têm seus próprios métodos e a sua própria
disciplina, apesar de não serem semelhantes às ciências naturais”. (BLACKBURN, 1997, p. 249).
43
Para Weber, caberia à ciência social uma análise sócio-histórica que possibilitasse
a inteligibilidade histórica do presente e a inteligibilidade sociológica do passado. Não haveria
espaço para a reconstrução do passado (nem pelo passado, nem pelo presente), mas a
dialetização da dualidade regularidade sociológica/singularidade histórica. Portanto, a análise
causal singular e a significação cultural comporiam o quadro conceitual apropriado à ciência
social. 40 Mas, em sua teoria da ação social, Weber (1994) traz uma particularidade analítica
quando trata da relação indivíduo/sociedade. Para esse autor, a ação é social quando refere ao
comportamento de outros, orientada por estes em seu curso. Distingue “fenômeno natural” de
“ações sociais”.
De acordo com Weber, abrir um chapéu de chuva quando chove não é uma ação
social. Aos seus olhos, a ação de abrir um chapéu de chuva é realizada sem que se
atenda aos outros. É claro que nunca lhe ocorreu que os chapéus de chuva só se
encontram em certas sociedades, não se fabricando nem se utilizando noutras. [...]
Weber sustentava serem não sociais todas as ações que apenas se dirigem a objetos
inanimados, embora seja evidente que pessoas diferentes poderão dar significados
diversos a uma rocha, a um rio ou a uma tempestade. Assim, as pessoas nas
sociedades mais rudimentares, com sistemas de crenças mágico-míticas, atribuirão
diferentes significados a estes objetos e, assim, o seu comportamento para com eles
também será diferente do comportamento de pessoas de sociedades industriais mais
secularizadas. (ELIAS, 2005, p. 131).
40
“Se, em que pese tudo isso, weber resolveu a tensão – e, assim, operou a unificação das ciências culturais e
sociais -, ele o fez por meio de duas reformulações cruciais. Para começar, adotou um sistema intricado e flexível
de análise causal singular, um tipo de análise que faz remontar a seus antecedentes causais pertinentes
determinados eventos, mudanças históricas ou desfechos. A palavra ‘singular’ não implica aqui uma abordagem
monocausal nem uma ênfase exclusiva em indivíduos ou ‘fatos básicos’ isolados. [...] A visão que Weber tinha
da análise causal singular baseava-se em raciocínios probabilísticos e contrafatuais, não em deduções de leis
causais.” (RINGER, 2004, p.15, grifo do autor).
41
“O que salta aos olhos, ao lermos Elias, é como suas formulações estão na continuidade a mais estreita com o
pensamento simmeliano. Sou, inclusive, tentado a dizer que a contribuição de Elias está em formalizar, no
conceito de figuração e suas conseqüências, a concepção que está presente nas análises de Simmel, embora não
apareça, então, sob tal terminologia. No pioneiro, é o conceito de ‘interação’ (Wechselwirkung) que fornece
lastro para a concepção do todo relacional. [...] Em Elias, reproduz-se a crítica à causalidade e aos
determinismos; toda sua sociologia dos processos e das figurações se ergue sobre este ponto de honra”.
(WAIZBORT, 2001, p.102-103).
44
Concluindo, o autor enfatiza ter sido Weber influenciado pelo “sentimento de que
deve haver algures uma linha de demarcação ou uma divisão entre o que podemos designar
como individual e o que pode ser considerado social”. Daí, tentar distinguir o social e o não-
social nas ações dos indivíduos é solucionar o problema pela modelagem do “conceito de
indivíduo, parecendo referir-se a uma pessoa aparentemente estática, mais do que a alguém
que cresceu, mudou e está ainda a mudar, que está ainda a ‘transformar-se’”. (ELIAS, 2005,
p.131).
Se assim é, o remédio para o mal não está em procurar ressuscitar, apesar dos
pesares, tradições e práticas que, não mais correspondendo às presentes condições
do estado social, só poderiam ter uma vida artificial e aparente. O que é necessário é
fazer cessar essa anomia, é encontrar os meios para fazer esses órgãos que ainda se
chocam em movimentos discordantes concorrerem harmoniosamente, é introduzir
em suas relações mais justiça, atenuando cada vez mais essas desigualdades externas
que são a fonte do mal. (DURKHEIM, 1995, p.430-432, grifo nosso).
45
[...] que representa em nós a mais elevada realidade, na ordem intelectual e moral,
que podemos conhecer pela observação, quero dizer, a sociedade [...]. Na medida em
que participa da sociedade, o indivíduo ultrapassa a si mesmo, seja quando pensa,
seja quando age. (DURKHEIM, 1996, p. XXIII-IV).
Acentua Elias (2005) que Comte não teria sido entendido ou levado a sério, dentre
outras coisas, quando afirmara que “seria impossível considerar o estudo coletivo da
46
humanidade [Elias entende como sinônimo de “sociedade”] como uma pura dedução feita a
partir do indivíduo humano, porque as condições sociais que modificam os efeitos das leis
fisiológicas são, precisamente, a consideração fundamental”. (apud ELIAS, 2005, p.48-49)42.
Essa abertura de Norbert Elias ao elemento psíquico condiz com sua concepção de sociedade,
tal como propunha Simmel (1986): “sociedade de indivíduos”, sociedade como interação,
sociedade como processo permanentemente alterável pelas interações e interdependências
entre os indivíduos, o social como um todo relacional. Pois, para este último:
42
“Comte se pronuncia contra uma concepção da alma ou do eu, e uma psicologia. Sua compreensão do
comportamento humano supõe a cisão entre dois tipos de fenômenos, os biopsíquicos estudados pela ‘fisiologia
frenológica’, e os psicossociais, objeto da sociologia. (COELHO, 2005, p. 85).
47
mais sutil e capaz de dar conta da mutabilidade das relações entre os indivíduos, de suas
interdependências, de suas interpenetrações; tal qual nos exemplos dos jogos ou das danças,
em que o comportamento de pessoas separadas enreda-se para formar “estruturas
entrelaçadas”. (ELIAS, 2005, p. 144-145). Assim, as configurações sociais amplas, como no
caso em estudo: grupos, sociedades, movimentos religiosos e filosóficos, sendo configurações
mais complexas, requerem a análise dos elos de interdependência/interação e são abordados
indiretamente. Mas, em que consistem esses “elos de integração”?
43
“Uma das funções da noção de habitus é a de dar conta da unidade de estilo que vincula as práticas e os bens
de um agente singular ou de uma classe de agente [...] O habitus é esse princípio gerador e unificador que
retraduz as características intrínsecas e relacionais de uma posição em um estilo de vida unívoco, isto é, em um
conjunto unívoco de escolhas de pessoas, de bens, de práticas”. (BOURDIEU, 2005, p. 21-22).
49
Assim, Lahire (2002, p. 49) aponta diversas situações em que se dão os casos de
desvio, desatrelamento ou de desajustamento, perceptíveis na observação do mundo social,
concluindo que:
consideração o papel das instâncias socializadoras básicas como família, escola, religião,
comunidade, notar-se-á que o universo de disposições geradas por essas agências, sobretudo a
escolar, fundamental num estudo sobre a dimensão intelectual, não se constituía elemento
suficientemente universalizado para definir as bases das disposições intelectuais, profissionais
e políticas desses agentes.
44
Poder-se-ia citar diversas dessas entidades, inclusive nas dimensões política e religiosa que surgiram no Ceará,
sobretudo, nas três últimas décadas do século XIX, impulsionando o desenvolvimento das letras e a formação
intelectual e política de pelo menos duas gerações de cearenses, com fortes repercussões no contexto da primeira
metade do século XX. Destacam-se: Liceu do Ceará (1845), Loja Maçônica Fraternidade Cearense (1859),
Seminário Episcopal [da Prainha] (1864), Academia Francesa do Ceará (1872), Escola Popular (1874), Gabinete
Cearense de Leitura (1875), Loja Maçônica Igualdade (1882), Escola Normal (1884), Clube Literário (1886),
Escola Militar do Ceará (1889), Partido Operário (1890), Sociedade Fênix Caixeiral (1891), Padaria Espiritual
(1892), Academia Cearense [de Letras] (1894), Centro Literário (1894), além de diversos periódicos, alguns
claramente ideológicos, como os jornais católicos Tribuna Católica (1867) e A Verdade, e o maçônico
Fraternidade (1873), que circularam como órgãos exclusivos, ou não, daquelas entidades. (Cf. BARREIRA,
1986).
45
Os conceitos de socialização secundária e primária são entendidos, aqui, de acordo com Berger; Luckmann
(2005, p. 175, 184-185 ): “A socialização secundária é qualquer processo subsequente que introduz um indivíduo
já socializado [socialização primária] em novos setores do mundo objetivo de sua sociedade. [...] A socialização
secundária é a interiorização de ‘submundos’ institucionais ou baseados em instituições. A extensão e caráter
destes são, portanto, determinados pela complexidade da divisão do trabalho e a concomitante distribuição social
do conhecimento”.
51
Euclides César, por sua vez, também militante (dirigente) maçom e espírita,
professor da Escola Fênix Caixeiral e servidor público (telegrafista), teve destacada atuação
nos meios jornalísticos e literários cearense; além de incursionar pelo movimento operário
local. Já Teófilo Cordeiro dedicou-se ao comércio (barbearia, padaria, restaurante) desde a
juventude, quando ingressa no movimento operário, funda associações como Centro Artístico
Cearense, a Sociedade Artística Beneficente, a Associação dos Chauffeurs; foi vereador em
Fortaleza e liderança maçônica e espírita. Teve sua vida pública ligada à organização dos
trabalhadores, tendo participado de diferentes espaços de sociabilidade.
52
Admitindo, com Lahire (2002, p.197-198), que o social não se reduz às relações
sociais entre grupos, nem às diferenciações de caráter socioeconômicos, socioculturais e
socioprofissionais, e que “os atores são o que suas múltiplas experiências sociais fazem
deles”, atravessando continuamente contextos sociais variados46. Pode-se dizer que, mais que
reflexos dos grupos a que pertenciam, os agentes sociais referidos detinham uma margem de
autonomia intelectual que ultrapassava os limites da ortodoxia de suas instituições; à medida
que, em suas práticas cotidianas, nas profissões ou cargos que exerciam, nos espaços de
sociabilidade que frequentavam e em suas tomadas de posições, contribuíam na construção do
social, definindo-o, classificando-o, a partir do lugar de suas condições sociais e das relações
que mantinham intra e extragrupo, sobretudo com seus adversários.
46
“Dito de outro modo, o ator individual é o produto de múltiplas operações de dobramentos (ou de
interiorização) e se caracteriza, portanto, pela multiplicidade e pela complexidade dos processos sociais, das
dimensões sociais, das lógicas sociais, etc., que interiorizou. Essas dimensões, esses processos ou essas lógicas
(essas contexturas) dobram-se sempre de maneira relativamente singular em cada ator individual, e o sociólogo,
que se interessa pelos atores singulares, encontra, em cada um deles, o espaço social amassado, amarrotado”.
(LAHIRE, 2002, p. 198).
53
indivíduo e sociedade como diferentes. Ou seja, permite superar a dificuldade da teoria social
em entender o modo como a pessoa individualizada se insere na sociedade, restringindo-se a
vê-la “nos limites sombrios da sua visão e dos seus interesses, chamando-o
indiscriminadamente back-ground, ambiente ou meio”. Todavia, perceber os níveis de
interdependência e interpenetração dos indivíduos nas diversas configurações constitutivas do
imenso tabuleiro social, demanda a superação teórica das antinomias indivíduo/sociedade,
ação/estrutura, em direção a uma perspectiva mais relacional, processual. Em síntese, a
proposta é pensar as ações dos agentes como uma rede ou teia de interdependências capazes
de compor configurações como um padrão mutável criado por um conjunto de jogadores. Ou,
mais claramente, superar a “visão egocêntrica de sociedade”, por uma
[...] visão mais realista das pessoas que, através de suas disposições e inclinações
básicas, são orientadas umas para as outras e unidas umas às outras das mais
diversas maneiras. Estas pessoas constituem teias de interdependência ou
configurações de muitos tipos, tais como famílias, escolas, cidades, estratos sociais
ou estados. (ELIAS, 2005, p.15).
As práticas dos indivíduos nas diversas configurações sociais, das mais simples às
mais complexas, guardam sedimentos culturais, entrelaçamento de visões de mundo e
alternativas de ruptura/unidade, que podem explicar as disputas, projetos aparentemente
contraditórios, inapropriados ou utópicos, para determinados contextos histórico-sociais.
Importa, por isso, não apenas descrever as teias de interdependência intra e inter
figurações, mas também o seu teor, ou seja, as formas de exercício do poder e seus
diferenciais, os níveis de conflito, os usos do discurso e as representações de mundo;
pensando a sociedade - formação sócio-histórica - como figuração de indivíduos
interdependentes.
Nesse aspecto das relações conflituosas no interior das configurações e entre elas,
devidas aos níveis mais ou menos desiguais de acesso às oportunidades materiais ou
simbólicas, o conceito de poder, para Norbert Elias, está no centro das relações sociais,
“elemento integral de todas as relações humanas”. Afasta-se de Weber (1994) e sua ideia do
54
Por isso, Elias identifica-se mais a Simmel (1986),48 quando percebe o poder como
“força relativa”, encarando o chamado “equilíbrio de poder, não como ocorrência
extraordinária, mas como uma ocorrência quotidiana”. (ELIAS, 2005, p. 80). Do mesmo
modo, ainda afinado com Simmel (1986), Elias entende o conflito social (resultante da
interdependência/interpenetração das ações dos indivíduos) como uma forma de socialização,
com sua positividade dissociativa/associativa, para além da demarcação classista do conflito
social.49 Em outras palavras, “os grandes rivais desempenham uma função recíproca, pois que
a interdependência de seres humanos devido à sua hostilidade não constitui menos uma
relação funcional do que a que é devida à sua posição como amigos, aliados [...]”. (ELIAS,
2005, p. 83).
47
Para este autor: “Existe uma relação sempre ambivalente entre os grupos sociais e dentro deles, quer se trate de
classes sociais, de nações ou de um simples jogo de baralho. [...] não é por causa de uma definição prévia e
substancial da política que as ideias de Norbert Elias provêm da política, mas devido a uma ampla acepção que
compreende todas as formas de relações de poder”. (GARRIGOU; LACROIX, 2001, p. XXIX-XXX).
48
“As conotações ofensivas que, consequentemente, acompanham o conceito de poder podem impedir que se
distinga entre os dados factuais a que o conceito de poder se refere e a avaliação que se faz desses dados. [...] O
equilíbrio de poder não se encontra unicamente na grande arena das relações entre estados, onde é
frequentemente espetacular, atraindo grande atenção. Constitui um elemento integral de todas as relações
humanas. [...] Também deveríamos ter presente que o equilíbrio de poder, tal como de um modo geral as
relações humanas, é pelo menos bipolar e, usualmente, multipolar.” (ELIAS, 2005, p. 80).
49
“Que o conflito tem importância sociológica, pois promove ou modifica comunidades de interesses, uniões,
organizações, é coisa que, em princípio, não se põe em dúvida. Contudo, pode soar paradoxal à opinião comum o
fato de o conflito, como tal, à parte suas consequências, ser uma forma de socialização. [...] Se toda ação
recíproca entre homens é uma socialização, o conflito, que constitui uma das mais vivas ações recíprocas e que é
impossível de limitar-se a um indivíduo, há de constituir-se necessariamente numa socialização”. (SIMMEL,
1986, p. 265).
55
apenas exercitar o culto público como publicizar suas divergências interreligiosas e interagir
com o Estado; quer em busca de sua reconfessionalização (configuração católica), quer por
sua afirmação laicizante (configuração moderno-espiritualista). Nos limites desse espaço
público é preciso reconhecer que, como alerta Giumbelli (2002, p. 238), “a forma como se
configurou a ‘liberdade religiosa’ no Brasil dependeu de um determinado modo de
intervenção do Estado e contou com o papel positivo e central da Igreja Católica”. É nesse
sentido que se pretende compreender como atuaram os grupos de indivíduos adeptos do
Espiritismo, da Maçonaria e da Teosofia, a partir de suas configurações, constituindo outra
interdependência – configuração ampla – de indivíduos movidos por ideias moderno-
espiritualistas, tendo na configuração clerical católica ortodoxa seu oponente fundamental.
1.4 Os agentes
51
A noção de trajetória, aqui referida, incorpora as críticas de Bourdieu (2005b) sobre a tradicional biografia,
biografia oficial ou história de vida. Embora não trabalhando com a noção de campo, como sugere o autor, é
possível considerar a relevância duma perspectiva relacional envolvendo os agentes, suas obras e as diferentes
alocações e deslocamentos no espaço social.
59
Vinte anos depois, fazendo reparos à memória dessas lutas políticas dos
trabalhadores, que o tinham como representante parlamentar, Teófilo Cordeiro, retifica, em
carta ao jornal O Povo, a afirmativa de Moreira da Rocha, no jornal A Rua, de que a
candidatura de Cordeiro, à Assembleia Estadual, fora uma concessão do Partido Democrata
aos trabalhadores. Cordeiro envia carta ao jornal O Povo afirmando que o seu “nome foi
incluído na chapa, para deputado estadual, devido a um abaixo-assinado de grande número de
operários, eleitores, dirigido ao dr. Paula Rodrigues e ao Coronel Franco Rabelo”,
confirmado, na mesma carta, por seu companheiro de chapa Joaquim Muniz, candidato então
à vereança.52 A polêmica continuou na imprensa local. O Correio do Ceará defendeu o
pioneirismo do Partido Democrata, alegando que, àquela época, o operariado não tinha
organização.
No Centro Artístico Cearense, Teófilo Cordeiro fez parte da diretoria por vinte e
cinco anos, exercendo uma liderança inconteste. Essa associação de trabalhadores foi, até o
final da década de 20, a principal entidade organizadora das classes artística e operária,
somente vindo a perder parte de sua liderança com o avanço da atuação dos Círculos dos
Trabalhadores Católicos e, em menor parte, da esquerda comunista do Bloco Operário e
52
O partido rabelista e os operários. O Povo. Fortaleza-Ce, 16 fev.1933.
61
Outro aspecto relevante a considerar é que, mesmo sendo maçom, liderando uma
associação de trabalhadores onde também existiam outros maçons, Teófilo Cordeiro não
representava, com o Centro Artístico, a Maçonaria cearense. Cordeiro era adepto da linha
partidária trabalhista. Visava o parlamento, como o fez, elegendo-se deputado estadual (1913-
1916) e vereador por Fortaleza (1924-1928 e 1929-1931).
Nessa perspectiva, era de valor estratégico para ele uma imagem de conciliador, de
representante dos trabalhadores sem distinção religiosa ou política, menos ainda como
inimigo do catolicismo. Inclusive, seu primeiro mandato foi pelo Partido Conservador. Talvez
essa condição tenha levado à impressão de uma aliança Maçonaria /Igreja Católica contra o
comunismo.
62
Contudo, em maio daquele mesmo ano de 1931, o papa Pio XI lançara a Encíclica
Quadragésimo Anno, posicionando-se contra a liberalismo, o socialismo, e favorecendo o
capitalismo em sua feição corporativo-fascista. Essa perspectiva reafirmava e acirrava sua
contradição com a tradição liberal maçônica, de tal modo que, três meses após sua filiação,
Teófilo Cordeiro comanda a primeira crise da Legião, com a desfiliação da Associação dos
Chauffeurs. (Cf. PARENTE, 1999, p. 125-126).
53
A então Vila de Amarração teve seu nome mudado para Município de "Luiz Correia", em homenagem ao seu
ilustre filho, Dr. Luiz de Moraes Correia, através da Lei Estadual Nº 6 de 4 de Setembro de 1935.
63
54
Ecos e Fatos. Gazeta de Notícias. Fortaleza-Ce, 17 set. 1929.
64
55
Florilégios - Dr. Luiz Correia. A Razão. Fortaleza-Ce, 12 jun.1929.
65
1927), A Psicologia como Ciência da Alma e Democracia e Socialismo (1934). Nessa última
obra afirmara:
Advogar uma orientação liberal em política, uma atitude liberal por parte do Estado,
significa conceber o Estado como o Estado que não tolhe a marcha evolutiva da
sociedade, amoldando-se continuamente à marcha evolutiva da sociedade,
amoldando-se continuamente, através do direito público como do privado, a
condições novas de existência [...] Deixar que o egoísmo triunfe significa um
retrocesso na ordem jurídica. Eis o que cumpre ao Estado evitar, intervindo
legitimamente e comedidamente nesse delicado terreno que envolve o direito
individual. Chegou um momento em que semelhante violação passou a produzir
verdadeiro abalo social. O pauperismo, a miséria, os sem-trabalho são o seu índice
revelador. Eis, pois, que ao Estado já não seria permitido uma atitude de
impassibilidade. Através dele à própria sociedade se impõe assumir atitude
defensiva de si mesma. (apud ALBUQUERQUE, 1965, p.17).
Euclides de Vasconcelos César era natural de Areias, Paraíba. Veio ainda muito
jovem para o Ceará, dedicando-se ao magistério particular, como na Escola da Fênix
Caixeiral, da associação de trabalhadores homônima, por mais de vinte cinco anos. Em 1917,
ingressa no concorrido Telégrafo Nacional - regional Ceará, que integrava também os estados
do Rio Grande do Norte e Paraíba, permanecendo até 1932. O serviço de telégrafo, com seu ar
de requinte tecnológico e a exigência de razoáveis dotes intelectuais, atraía jovens inteligentes
e dinâmicos. Alguns deles se destacariam nas letras, jornalismo e política, como Demócrito
Rocha, Valdemar Falcão, Luiz Memória, Raimundo Alencar Araripe.
56
Maiores detalhes sobre a Maçonaria, sua história e organização, serão desenvolvidos no Capítulo 2.
57
Consolidação do Partido Socialista Cearense. Ceará Socialista. Fortaleza-Ce, 20 jul. 1919. (apud
GONÇALVES, 2001, p. 5).
58
O filósofo francês Augusto Comte (1798-1857) desenvolveu a teoria dos três estados pelos quais se pode
representar toda a evolução intelectual da humanidade. Essa teoria proclama “a passagem necessária de todas as
67
partilhava a amizade do positivista Major Praxedes, como também era grande simpatizante da
filosofia comtista. Numa ocasião em que denunciava as perseguições religiosas de um grupo
de católicos da cidade do Aracati, contra os maçons locais, afirmara:
Seus pontos de vista sobre diversos problemas das sociedades brasileira e cearense
demonstram sua cultura positivista em aplicação, seja nas polêmicas sobre o ensino religioso
nas escolas públicas, seja na defesa do lugar prioritário da educação e instrução do operariado
em seu projeto de ascensão social, ou na defesa e enaltecimento da mulher como reserva
moral da sociedade60, dentre outras questões. A causa da mulher sempre teve lugar em suas
lutas e ideais, na Academia Polimática, como veremos adiante, dedicavam-se conferências e
comemorações, inclusive com a participação especial do Major Praxedes. Combatia os
preconceitos à luz da doutrina do “mestre dos mestres”. Na polêmica da mulher no mercado
de trabalho, defendera:
nossas especulações por três estados sucessivos; primeiro, o teológico, em que dominam francamente as ficções
espontâneas, desprovidas de qualquer prova; depois, o estado metafísico, caracterizado sobretudo pela
preponderância habitual das abstrações personificadas ou entidades; por fim, o estado positivo [científico],
sempre fundado numa exata apreciação da realidade exterior. [...] Tudo começa, com efeito, sob inspiração
teológica, para desembocar na demonstração positiva, passando pela argumentação metafísica”. (COMTE,
1983:113).
59
Intolerância religiosa no Aracaty. Gazeta de Notícias. Fortaleza-Ce, 29 nov.1928.
60
“Na obra Catecismo Positivista (1852), Comte desenvolve os conteúdos de uma filosofia humanitária que
acabaria por caracterizar o que ele denominou de Religião da Humanidade. Disserta sobre a moral, a religião, o
altruísmo, o proletariado e o papel da mulher. Seu pensamento conservador leva-o a encarar as manifestações do
operariado como anarquia. A manutenção da ordem e a implementação do progresso social e econômico,
defende Comte, está nas mãos da mulher. Para ele, a mulher é a reserva moral da sociedade, e a mulher operária,
isenta de todo trabalho exterior e sustentada pelo homem, cumpriria seu santo destino social”. (SILVA, 2007, p.
34, grifo do autor.).
68
Noutro momento, num jornal maçônico, conclamando seus pares à renovação das
diretrizes sociais da Ordem, inclui o compromisso com a redenção da mulher:
Eduquemos a mulher brasileira para que ela não seja, no lar, um objeto decorativo
como as antigas castelãs. Evitemos, sobretudo, que ela seja um instrumento cego nas
garras aduncas do sectarismo tartufo, explorador das massas. Rendamos cada vez
mais à mulher digna o mais profundo culto cavalheiresco, pela sua excepcional
função social.62
61
A mulher nas repartições. A Razão. Fortaleza-Ce, 9 dez.1930.
62
Diretrizes. Democracia. Fortaleza-Ce, 17 out.1937. (Órgão da Grande Loja Maçônica do Ceará).
69
No jornalismo, Euclides César foi redator d’O Ceará, colaborador assíduo d’A
Razão, dentre outros jornais, com inúmeros artigos sobre temas de interesse nacional, local e
quotidiano, da reforma ortográfica às traquinagens nas calçadas da cidade. Na literatura,
Euclides César escrevera uma novela anticlerical intitulada “Nas garras do abutre”, os
folhetos “Sara”, “O Terror”; crônicas e os “famosos” “Florilégios”, perfis biográficos de
aproximadamente trezentas personalidades cearenses contemporâneas.
Não tendo sido poeta, nem romancista de renomada, mas cronista que marcou a
cultura cearense de seu tempo, Euclides César não está na galeria dos escritores cearenses e,
parece que não o interessava o título de literato, pois recusou convite para a Academia
Cearense de Letras em 1930, sendo substituído pelo empresário e líder presbiteriano, Natanael
Cortez. (Cf. BARREIRA, 1986).
63
A Academia Polimática será objeto de análise no Capítulo 4 deste trabalho.
64
No sudeste do País, Teodoro Cabral foi redator dos jornais Diário de Notícias e Tribuna, exerceu as funções
de tradutor, servidor público, assistente técnico do Brasil, para negócios exteriores, em diversos países. (Cf.
MENEZES, 1978 e GIRÃO; SOUSA, 1987).
70
coluna diária “Ecos e Fatos”. Assinando Políbio, Teodoro Cabral produziu crônicas muito
comentadas e apreciadas pelos leitores, e respeitadas nos meios literários locais. Mesmo
recomendando a uma “História do Jornalismo” o dever de apreciar a “exuberante e valiosa
produção” de Teodoro Cabral, Barreira (1962) adianta que suas crônicas constituíram,
Tratando do jornalismo cearense, Nobre (1976, p. 96) afirma ter sido Teodoro
Cabral “o mais famoso cronista daquele tempo e, segundo alguns, de toda a história do
jornalismo cearense”. Após sua mudança para o Rio de Janeiro, mantivera até o final do ano
de 1933, na Gazeta de Notícias, a coluna “Da Metrópole”, com o mesmo estilo e assinatura de
“Políbio”.
Teodoro Cabral vivia exclusivamente do jornalismo, mas sua vida não se reduzia
ao jornalismo. Não se sabe quando, onde, nem como, mas na metade da década de 1920,
Teodoro Cabral era maçom e espírita. É provável que tenha sido no Pará, tendo em vista a
maior expansão desses movimentos na região Norte, impulsionados pelo boom econômico da
borracha, como também pelo fato de ter sido o Pará a terra de seu desabrochar intelectual;
como poderia ter sido no Ceará, após seu retorno em 1911.
Para Euclides César, seu companheiro de ideal espírita e maçônico, suas crônicas
marcavam pela superioridade:
Embora não fizesse proselitismo de sua pertença espiritista, não negava, em suas
crônicas, esse pertencimento, procurando nos seus escritos transmitir sua perspectiva
espiritualista e defender o direito à liberdade religiosa, na qual incluía o Espiritismo. Não
estava isento, a despeito de ser muito considerado cronista, das ironias e preconceitos
religiosos de seus adversários.
65
Florilégio V - Teodoro Cabral. A Razão. Fortaleza-Ce, 15 jun.1929.
66
Idem.
72
Caso exemplar, pela sutileza, foi uma ocasião de sua data natalícia. O jornal
oponente, Diário do Ceará, faz a “cordialidade” de noticiar: “Faz anos hoje o nosso brilhante
confrade Teodoro Cabral, redator secretário da Gazeta de Notícias, e presidente do Centro
Espírita Cearense”. A nota inspira uma crônica de Políbio, em “Ecos e Fatos”, em que a
mesma aparece reproduzida literalmente, em meio a reflexões sobre a prática jornalística e o
costume social das congratulações, elogios, saudações e dos critérios de adjetivação que
devem ornar seus beneficiários, como nas seções “Sociais”. “E nessa ocasião impõe a tirania
das relações mundanas que a gente cumprimente e apresente votos de felicidade não só aos
amigos como aos indiferentes e até a indivíduos intimamente antipatizados”.67
67
Ecos e Fatos. Gazeta de Notícias. Fortaleza-Ce, 11 nov.1928
68
Idem.
73
69
“A maior obra de remodelação realizada pela administração Álvaro Weyne foi, no entanto, a completa
urbanização e arborização da Praça Coronel Teodorico (popularmente conhecida como Praça da Lagoinha), em
1929. O logradouro, situado na entrada para o bairro de Jacarecanga, tornou-se área valorizada no início dos
anos 20, quando muitas famílias abastadas se transferiram [do centro] para aquela região, a leste do perímetro
central. Com a reforma, a praça recebeu uma imponente fonte luminosa colorida, a primeira a ser instalada em
Fortaleza. Adquirida junto à Herms Stolz, firma alemã de exportação, a fonte, ainda hoje existente, tem estrutura
metálica e apresenta composição escultórica inspirada na mitologia clássica”. (PONTE, 1995, p. 46-47).
74
Assim, na dinâmica das lutas sociais marcadas pelas interdependências no jogo das
configurações, os agentes empreendem movimentos táticos e estratégicos no sentido de
assegurar suas condições de existência material, bem como a satisfação de suas necessidades
subjetivas (expectativas emocionais, religiosas, filosóficas e ideológicas). Dentre as práticas
dos agentes moderno-espiritualistas, que se pode classificar como empreendimentos táticos,
70
Florilégio XX - Álvaro Weyne. A Razão. Fortaleza-Ce, 4 jul.1929.
71
A importância e as implicações do Rotary Club para a temática deste trabalho serão objeto de análise mais
adiante, no Capítulo 5.
75
estão aquelas voltadas para a ocupação de espaços na vida pública, como atuação profissional
jornalística, presença em colunas de jornais, atuação em grêmios intelectuais e literários,
promoção de atos de reconhecimento público dos companheiros de ideal, laudatórios de suas
personalidades, realização de palestras em entidades associativas, conferências públicas,
eventos cívicos, atitudes e movimentos de solidariedade/filantropia individuais e coletivos. Já
nas ações de caráter estratégico, esses agentes atuam no campo político-partidário, jurídico,
no aparato burocrático, na criação e manutenção de organizações associativas, filantrópicas,
beneficentes e clubes de serviço, possibilitando o acolhimento, a legitimação e ampliação da
visibilidade social dos grupos da vertente moderno-espiritualista, no exercício tenso e
carregado de estigmatizações de que eram alvo as práticas religiosas alternativas.
Por fim, deve se considerar os alcances e limites relativos das ações desses agentes
e suas configurações no sentido da afirmação de suas convicções no seu contexto vivido.
Admitindo, com Simmel e Elias, que: “Não há ‘indivíduo’, mas apenas, e precisamente,
‘indivíduo’ na sociedade; não há ‘sociedade’, mas apenas, e precisamente, ‘sociedade’ no
indivíduo” (WAIZBORT, 2001, p. 92); a realização das expectativas dos agentes das
configurações moderno-espiritualistas, em estudo, somente pode ser compreendida à medida
que se trabalha com uma noção de sociedade não abstraída das vivências relacionais
cotidianas dos indivíduos e dos tensos e tênues equilíbrios de poder que marcam as ações dos
indivíduos como “microsociedades” em constante alteração.
Assim, a prática corrente nas ciências sociais de aferição das vitórias e derrota dos
agentes nas lutas sociais é relativizada, neste estudo, a partir de sua percepção em modelos de
interdependência configuracional. Ou seja, mais que investigar os resultados políticos,
religiosos e ideológicos da afirmação ou não de uma hegemonia, ou dos alcances e limites da
difusão de novas ideias, crenças e doutrinas religiosas; quer-se demonstrar uma dinâmica
relacional em que indivíduos interdependentes em suas configurações desenham o movimento
social de um determinado contexto histórico, permitindo aferir, não apenas resultados
racionais ou racionalizados, mas expectativas, utopias, sonhos e possibilidades que se fizeram
mais ou menos, deixando marcas e vestígios de seus protagonistas.
76
CAPÍTULO 2
CONFIGURANDO O MODERNO-ESPIRITUALISMO
2.1 A Maçonaria
A Maçonaria [...] é uma instituição filantrópica, que se esforça por realizar um ideal
de vida social [...]. É uma ordem ou confraria enxertada nas antigas associações
operárias e místicas da Idade Média, porém organizada no século XVIII com espírito
mais amplo... Não é uma sociedade secreta, mas somente uma sociedade fechada
[...]. Suas regras fundamentais, suas leis, sua história, o nome de seus adeptos não se
ocultam. (apud FERRER BENIMELI; CAPRILE; ALBERTON, 1998, p. 47- 48) 72
72
Juan António Ferrer Benimeli, Giovanni Caprile e Valério Alberton são sacerdotes católicos e maçonólogos.
Destaca-se Ferrer Benimeli, espanhol, jesuíta, professor da Universidade de Saragoça e um dos maiores
77
Castellani (2007, p.11), por sua vez, considera como “definição mais aceita e mais
divulgada da Maçonaria”, a que segue:
maçonólogos atuais e reconhecido pela própria Maçonaria. Tem produzido vasta bibliografia, promovido
simpósios acadêmicos internacionais sobre Maçonaria e participado como convidado em eventos maçônicos.
78
Ela [a Maçonaria] não é uma política, nem uma religião, nem uma filosofia, no
sentido particularizado de todas essas coisas. Ela é tudo isto, entretanto, ao mesmo
tempo – política sem partido, religião sem dogma, filosofia sem conclusões
obrigatórias. É ela tudo que resume anseio humano para a perfeição, tudo que dá
asas ao intelecto e o liberta da escravidão das seitas, tudo que é luz posta no caminho
da vida para a peregrinação interminável, por que justamente busca a
perfectibilidade inatingível. (BASTOS, 1922, p. 29, grifo nosso).
73
Observe-se, também, que há referências a outro embate nos meios maçônicos em que se confrontam os
maçons “obedienciais” e os “não obedienciais”. Ou seja, uma linha de desenvolvimento das organizações
maçônicas que prescreve apenas a união de lojas maçônicas independentes. Como justificam seus adeptos: “III.
A Maçonaria Livre e Aceita, não obediencial, teve início no século X d. C., da E. V., em York, Inglaterra; que o
regime obediencial teve início em 1717 d.C., com a criação da Grande Loja de Londres, por quatro lojas
independentes, que apenas em 1813 houve uma conciliação entre as linhas não obedienciais e obedienciais, com
a criação da Grande Loja Unida da Inglaterra”. (MANSUR NETO, 2005, p. 92).
79
Essa característica de instituição com múltipla atuação nas diversas esferas da vida
social, guarda semelhanças com as postulações do Espiritismo de que é ciência, filosofia e
moral cristã; e com a Teosofia, que estuda as leis divinas, as religiões comparadas e prega a
fraternidade universal. Essa correspondência aponta para traços de uma essência comum nos
recessos mais profundos dos mistérios iniciáticos antigos, que serão revividos na modernidade
espiritualista.
A Maçonaria no Brasil
Nas três décadas finais do século XIX, o Brasil imperial seria abalado pela
emergência de novas ideias e movimentos sociais que determinariam o encerramento do ciclo
monárquico e, com ele, importantes alterações ou acomodações nas estruturas jurídicas,
políticas e ideológicas que afetariam as condições do campo religioso brasileiro. Essa
realidade também é constatada no restante da América Latina, configurando um amplo
embate entre liberalismo e catolicismo, onde confluem no arco liberal todas as novas
correntes de pensamento religiosas e cientificistas como expoentes da modernidade e, no
flanco católico, as tendências tradicionalistas opositoras dos “erros modernos”; como outrora
combateram os aristocratas absolutistas, as “abomináveis ideias francesas”.
74
“Por un lado se construye um Estado nuevo y moderno donde masones, racionalistas, positivistas, liberales,
biologistas, lombrosianos y protestantes se reconocen y buscan crear una moral laica o civil que legitime su
dominación. Por otro – y como consecuencia del mismo proceso – irrumpe uma Iglesia católica que se romaniza
e se reforma, dispuesta a luchar contra aquello que considera ’erros del mundo moderno’. Frente a ellos surge
también um movimiento obrero com orientaciones socialistas, comunistas o anarquistas que disputará um
espacio en la nueva construción de hegemonias”. (MALLIMACI, 2004, p. 26).
80
temporal. As indisposições do clero católico com os liberais brasileiros podem ser ilustradas
pela Questão Religiosa envolvendo bispos, maçons e Estado imperial, resultando em derrota
para a Igreja. Somava-se a isso a implantação da República numa ordem liberal-positivista,
consagrando a separação entre Estado e Igreja e o estabelecimento da liberdade de culto, no
Decreto 119-A de janeiro de 1890, e na Constituição de 1891.
75
Para maiores detalhes da ação dos maçons no movimento republicano, conferir Barata (1995).
81
Pode-se, inclusive, dizer que grande parte da primeira geração republicana possuía
estreito contato com a Ordem maçônica. Foram maçons Deodoro da Fonseca,
prudente de Morais, Campos Sales, Nilo Peçanha, Quintino Bocaiúva, Francisco
Glicério, Lauro Sodré, Rui Barbosa, Silva Jardim, entre outros. (BARATA, 1994, p.
94).
Em segundo lugar, convém lembrar que, ao longo século XIX, não havia grandes
obstáculos a uma declaração de pertença maçônica, sobretudo porque inexistiam contradições
maiores com o catolicismo; de tal modo que muitos padres foram membros da Ordem, vindo
esta relação a se tornar mais conflituosa nas duas últimas décadas, após o Sillabus (1864), de
Pio IX. Esse fato até reforçou o ânimo dos maçons, que passaram a interagir mais com a
sociedade brasileira e seus problemas. Enquanto que, na Primeira República, com a
recomposição institucional da Igreja Católica e sua reaproximação com o Estado, houve o
acirramento dos conflitos com a Maçonaria, tornando menos confortável a declaração de
pertença maçônica, sobretudo entre a classe política. Esse aspecto das ralações Maçonaria
/Igreja Católica, no Brasil, merece análise das especificidades regionais e locais, bastante
nuançadas.
76
Uma das exceções pode ser o trabalho de CASTELLANI (2007) que, embora realizando um apanhado da
presença maçônica na política mundial, remontando ao século XVII, passando pela independência dos Estados
Unidos e dos países latino-americanos, dedica a maior parte da obra à atuação maçônica na história política
brasileira tratando do século XIX e trazendo, algumas informações e considerações sobre a atuação política da
maçonaria no século XX - exclusivamente da perspectiva do Grande Oriente do Brasil -, até a década de 1990.
No caso do Ceará, a produção “comprometida” maçônica tem-se reportado, quase exclusivamente, à história da
maçonaria após a fundação da Grande Loja do Ceará, em 1928, como também, tendo a própria Grande Loja
como objeto histórico. (Cf. MELLO FILHO (1973), CÉSAR (1977), ARAGÃO (1987), VASCONCELOS
FILHO (1998), MAGALHÃES (2008)).
77
Para uma visão mais detalhada dos recentes estudos acadêmicos sobre a Maçonaria no Brasil, ver
especialmente: Azevedo (1996, 1997), Silva (1997c), Barata (1992, 1994, 1995, 1999, 2002, 2006); Colussi
(1998), Neves (1998), Silva (2000, 2007), Morel (2001, 2002, 2005), dentre outros.
83
A Maçonaria no Ceará
(1863), um colégio sob direção das irmãs de caridade de São Vicente de Paulo, o Seminário
do Crato e o jornal Tribuna Católica. Esse jornal, órgão oficial da Diocese, constituíra
verdadeira trincheira ideológica do romanismo e de luta contra o liberalismo e o racionalismo;
não perdendo de vista a possibilidade de adequação dos costumes daquela sociedade aos
ditames do tradicionalismo.78
78
Neste trabalho de romanização da Igreja, destaca-se o tribuno leigo Manoel Soares da Silva Bezerra. “[...] o
ideólogo cearense que desenvolveu de forma sistemática as teses do Tradicionalismo, dando consistência a uma
de suas correntes, e que se filia a De Maistre, De Bonald, Donoso Cortês e Padre Ventura, tendo em vista que as
elaborações anteriores calcavam-se nas bases absolutistas defasadas em relação aos desafios impostos pelas
questões do modernismo cientificista, especialmente o evolucionismo”. (MONTENEGRO, 1992, p. 62; 1992 a,
p. 49-52).
79
Exemplar de proveitosa conciliação entre Positivismo e Maçonaria pode ser encontrado, de modo ostensivo na
política do Rio Grande Sul, nas primeiras décadas republicanas de modo que favoreceu a expansão da maçonaria
local em proporções nunca vistas em território nacional. (Cf. VÉSCIO, 2001).
85
(“novo apostolado”) com a “questão social”, um esforço conjunto das Lojas Fraternidade,
Igualdade e Amor e Caridade III, resultou na fundação do Asilo de Mendicidade80, em 1905.
80
Essa instituição será objeto de estudo no Capítulo 5, deste trabalho.
86
Para o espírito pensador, a crise no Brasil não é uma crise política, cuja solução
dependa de formas de governo. É uma crise moral, resultante da profunda
87
decadência religiosa, desde o antigo regime, das classes dirigentes da Nação e que
só pode ser resolvida por uma reação católica. (apud VILLAÇA, p. 81, grifo nosso).
Ao longo desses anos de 1920, tanto a Igreja Católica quanto a Maçonaria, esta
sob permanente ataque católico, colocam-se, no terreno político, contrários ao avanço das
ideologias de esquerda, especialmente do comunismo, por ser materialista. Constituíam
pontos em comum, a negação aos métodos violentos de mudança social e a pregação
materialista; a defesa do direito de propriedade e do princípio de autoridade, a prática de
acordos/colaboração entre patrões/empregados, a dignidade humana como resultado do
trabalho. Enfim, o ideal de “socialismo” da Maçonaria assemelhava-se, ao menos em termos
práticos, ao socialismo cristão da Rerum Novarum.
81
Convertido ao catolicismo, após militância no materialismo, no cepticismo e no espiritualismo, o jovem
Jackson trava contato com Farias Brito e ler Charles Maurras, Joseph de Maistre, Donoso Cortês, dentre outros,
desenvolvendo uma concepção católica na linha tradicionalista autoritária, priorizando a ordem, a autoridade, a
contrarevolução, a restauração moral, o nacionalismo.
82
Reportagens e artigos condenando a Maçonaria no Brasil e no mundo foram ininterruptos, tais como:
”Mussolini e a Maçonaria” (1923), “A maçonaria arma um atentado contra a vida de Mussolini” (1925), “O
88
Para além da diversidade dos princípios que lhe são atribuídos, da fé que se supõe
animá-la, a Organização persegue, com efeito, um mesmo e prodigioso desígnio: a
dominação do mundo, a ascendência sobre os príncipes e sobre os povos, o
estabelecimento, em seu proveito, de um poder de dimensão mundial. Quaisquer que
sejam a natureza e a aparente motivação da conspiração – complô jesuítico ou
complô maçônico, complô de negociantes de canhões ou complô de sábios
iluminados -, trata-se sempre, para aqueles que controlam seus fios, de corresponder
a uma inextinguível vontade de poder e de retomar o sonho eterno da edificação de
um Império em escala universal, da unificação do globo sob uma única e total
autoridade.
fascismo disposto a vazar o tumor maçônico” (1925), “Crueldade maçônica” (1926), “Política trágica. Uma loja
maçônica fundada para derrubar Sidôneo Paes [governante português]” (1927), “Maçons que se retratam” 1928),
“A Maçonaria e a mulher” (1929), “A conspiração do mal” (1931), “Maçonismo desarvorado” (1933), “Mal
secreto” (1934), “Maçom grau 30...” (1935), “Maçonaria e comunismo aliados” (1936) ...
89
No Ceará, como em todo o Brasil, nas primeiras décadas do século XX, havia
descontentamento e oposição à atuação do Grande Oriente do Brasil. A maçonaria brasileira
esteve unificada, sob o comando do Grande Oriente do Brasil, de 1883 a 1927. Contudo, a
instalação da ordem republicana federalista, agitou novamente o Grande Oriente do Brasil,
ocorrendo, de pronto, as iniciativas de federalização maçônica com a criação dos primeiros
orientes estaduais. O movimento ocorria, não por acaso, nos três estados com grande peso
político na República, iniciando com Grande Oriente Paulista (1893); Grande Oriente e
Supremo Conselho, do Rio Grande do Sul (1893), e Grande Oriente Mineiro (1894). (Cf.
BARATA, 1999; COLUSSI, 2003).
denunciavam um diálogo maçom-maçom, desde que a população não era esclarecida sobre o
fato. De um lado, jornais como O Ceará e O Povo, defendiam o G.O.B. e seu representante
máximo, Octavio Kelly, acusando os oposicionistas de aventureiros, maus maçons e
desinformados.83 Do outro lado, os adeptos da reforma, autodenominados progressistas,
apoiados pelo jornal Gazeta de Notícias, acusavam o G.O.B. de incompetência administrativa,
centralismo, mau uso dos recursos e contribuições, corrupção e conservadorismo.
É nesse contexto, também, que se pode perceber uma guinada “teísta” em parcela
significativa da maçonaria cearense. Constata-se nas lojas pertencentes ao Grande Oriente do
Brasil (GOB), no Ceará, até 1927, conforme Quadro III(APÊNDICE “B”), que do total de 13
lojas, apenas três delas tinham a palavra Deus em seu nome. Já no período compreendido
entre 1928 e 1937, essas lojas ligadas ao GOB e que, posteriormente, formariam o Grande
Oriente Estadual do Ceará, conforme o Quadro V(APÊNDICE “B”), de um total de 18 lojas,
apenas 3 delas continuariam com a palavra Deus em sua denominação. Observa-se que,
sintomaticamente, essas três lojas tiveram sua fundação já após o grande cisma maçônico
brasileiro, fato que parece confirmar a tendência acima exposta. No quadro de lojas adesas à
Grande Loja Maçônica do Estado do Ceará, no período compreendido entre 1928 e 1937,
83
“Desaparecer o Grande Oriente do Brasil é desaparecer da pátria o propulsor de sua Independência, da
República! Jamais poderá desaparecer! Não é a cizânia e a felonia de alguns maus maçons que isso conseguirá.
Não, Ss. Behring & Cia.! O Grande Oriente do Brasil tem à sua frente a individualidade inconfundível de
Octávio Kelly [...].” Pela Maçonaria. O Ceará. Fortaleza-Ce, 11 fev.1928.
84
Euclides César. A Questão Maçônica. Gazeta de Notícias. Fortaleza-Ce, 01 mar. 1928.
91
[...] as primeiras Lojas foram batizadas com o distintivo DEUS para que a Igreja
amenizasse a impressão negativa que tinha da Maçonaria como pregadora em
potencial do ateísmo. Teria o Grande Oriente trabalhado com a mesma intenção ao
instalar as Lojas Deus e Camocim (1920) e Deus e Amor, esta no Crato, em 1934.
(MAGALHÃES, 2008, p. 66).86
85
Em Bastos (1922), encontramos uma relação das lojas maçônicas existentes no Brasil, de 1815 a 1922, com
denominações em que predominavam, em ordem decrescente, termos como: “união”, “amor”, “caridade”,
“fraternidade”, “progresso” e “trabalho”. Esses dados revelavam, para a Maçonaria desse período, a presença
dominante de valores liberais ilustrados e positivistas, vigentes no século XIX.
86
Apesar dessa preocupação dos maçons locais em afirmar oficialmente sua religiosidade, a Igreja Católica não
altera sua política de ataques permanentes à Maçonaria, nem antes nem durante a vigência da ditadura do Estado
Novo, conforme as matérias produzidas pelo jornal O Nordeste.
92
Note-se, porém, que não houve uma lei proibindo o funcionamento da Maçonaria
no Brasil, de tal modo o fechamento das lojas nos estados deu-se com base na suspensão da
“liberdade de reunião”, confirmada no art. 168, letra “c”, da Constituição, outorgada de 10 de
novembro de 1937. A decisão pelo fechamento das lojas maçônicas e centros espíritas no
Ceará resultara de uma interpretação do governo local, sob comando do líder católico
Menezes Pimentel. Portanto, segundo Magalhães (2008, p. 95): “Inimigos gratuitos da
Ordem, a título de vingança, espalham o boato que ‘também no Brasil tinha sido proibida a
maçonaria’”.
2.2 O Espiritismo
87
Fechada a Maçonaria no Ceará. O Nordeste. Fortaleza-Ce, 23 out. 1937.
88
No decorrer deste trabalho, a utilização do termo Espiritismo manterá fidelidade ao neologismo criado por
Allan Kardec, e será entendido como “um sistema religioso próprio” (CAVALCANTI, 1983; GIUMBELLI,
1997b, SANTOS, 1997). Essa observação justifica-se pelo fato de que, em virtude do processo de expansão do
Espiritismo no Brasil, de sua condenação legal e da incorporação de alguns de seus postulados pelas tradições
afrobrasileiras; tornaram-se comuns nos meios acadêmicos (análises sociológicas, antropológicas e históricas),
duas impropriedades: as expressões “espiritismo kardecista” ou “kardecismo”, e a designação genérica de
“espiritismo” como sinônimo de “religiões de possessão”. (Cf. CAMARGO, 1961; BASTIDE, 1971, MACEDO,
1989, PORDEUS JR, 1993).
93
Allan Kardec. Inaugura-se essa doutrina com a obra O Livro dos Espíritos, publicado em
Paris, em 1857. Segundo Allan Kardec: “O Espiritismo é a ciência que cuida da natureza,
origem e destino dos Espíritos, tanto quanto de suas relações com o mundo corporal”.
(KARDEC, 1985, p. 259). E desse modo, o Espiritismo se apresenta como estruturado num
tríplice aspecto: ciência do mundo espiritual, da qual deriva uma filosofia espiritualista de
conseqüências morais (religião).
Mas, o Espiritismo, como doutrina, com seu tríplice aspecto (ciência, filosofia e
moral evangélica), é resultante de um acontecimento moderno que tem nos episódios
mediúnicos de Hydesville (1848)89 e na proliferação das chamadas “mesas girantes”, seu
movimento precursor; que levariam às investigações de professor Rivail, até a publicação de
O Livro dos Espíritos, como momento fundador. (CASTELLAN, 1955; WANTUIL, 1994;
SILVA, 1997a).90
89
Conan Doyle, em obra publicada em 1926, com o título The History of Spiritualism, classificou como “invasão
organizada” as manifestações espirituais de efeitos físicos que abalaram o vilarejo de Hydesville, próximo de
Nova York. (DOYLE, 2005, p. 33). Allan kardec abre O Evangelho segundo o Espiritismo, com uma
mensagem-prefácio de “O Espírito de Verdade”, onde este afirma: “Os Espíritos do Senhor, que são as virtudes
dos céus, como um imenso exército que se movimenta, ao receber a ordem de comando, espalham-se sobre toda
a face da Terra. Semelhantes a estrelas cadentes, vêm iluminar o caminho e abrir os olhos aos cegos” .
(KARDEC, 1996, p.13, grifo nosso).
90
Digna de ressalva é a obra História do Espiritismo, de Conan Doyle, que toma como ponto de partida moderno
Espiritualismo, as manifestações de Emmanuel Swedenborg e de outros místicos, a partir do século XVIII. Nisso
o autor é coerente com a visão anglo-saxônica desse movimento, divergindo da interpretação e do
desenvolvimento que se deu na França. (DOYLE, 2005).
94
algo útil, através fenômenos físicos que causavam sensação nos meios fúteis dos salões
parisienses.
Nos anos seguintes, conta que fora informado mediunicamente de sua missão
intelectual como organizador dos conhecimentos espirituais a serem revelados; formará
grupos de trabalho, com médiuns de sua confiança e credibilidade no meio social e travará
intercâmbio com experimentadores desses fenômenos em outros países, de modo a
sistematizar aquilo que viria a ser apresentado, com orientação de “Espíritos Superiores”,
como a Revelação Espírita.91 Esta representaria a vinda, em definitivo, do “Espírito de
Verdade” ou o “Consolador” prometido por Jesus. (Cf. João, XIV: 15-17, 26). Seria a
“Terceira Revelação” de Deus, consentânea com os níveis de desenvolvimento mental,
científico e moral a que chegara a Humanidade. A primeira teria sido a revelação mosaica; a
segunda revelação, a cristã. Em resumo, diz o “Codificador”:
91
A chamada codificação espírita, resume-se no “pentateuco kardequiano”, composto de: O Livro dos Espíritos
(1857), O Livro dos Médiuns (1861), O Evangelho Segundo o Espiritismo (1864), O Céu e o Inferno (1865) e A
Gênese, os Milagres e as Predições (1868). Kardec editou também, a partir de 1858, Revista Espírita ou Jornal
de Estudos Psicológicos, e outros trabalhos, dentre eles, duas obras bastante didáticas, para iniciantes: O
Principiante Espírita e O Que é o Espiritismo.
95
92
Cf. “Introdução ao Estudo da Doutrina Espírita – I ” , em O Livro dos Espíritos. (KARDEC, 1996b, p.15-16).
Em outra obra, Kardec delimita: “As palavras Espiritualismo e espiritualista, aplicadas às manifestações dos
Espíritos, não são hoje mais empregadas senão pelos adeptos da escola norte-americana”. (KARDEC, 1985, p.
266, grifo nosso).
93
“São chegados os tempos em que os ensinamentos do Cristo devem receber o seu complemento; em que o véu
lançado intencionalmente sobre algumas partes dos ensinos deve ser levantado; em que a Ciência, deixando de
ser exclusivamente materialista, deve levar em conta o elemento espiritual; e em que a Religião deixando de
desconhecer as leis orgânicas e imutáveis da matéria, essas duas forças, apoiando-se mutuamente e marchando
juntas, sirvam uma de apoio à outra. Então a Religião, não mais desmentida pela Ciência, adquirirá uma potência
indestrutível, porque estará de acordo com a razão e não se lhe poderá opor a lógica irresistível dos fatos”.
(KARDEC, 1996, p. 45, grifo nosso).
94
J. Herculano Pires, em nota introdutória à História do Espiritismo, de Conan Doyle, esclarece: “É bastante
conhecida a divergência entre o que se convencionou chamar o Espiritismo latino e o anglo-saxão. Essa
divergência se verificou em torno de um ponto essencial: a doutrina da reencarnação. Os anglo-saxões,
particularmente os ingleses e americanos, aceitaram a revelação espírita com uma restrição, não admitindo o
princípio reencarnacionista. Por muito tempo, esse fato serviu de motivo a ataques e críticas ao Espiritismo, o
que não impediu que o movimento seguisse naturalmente o seu curso”. (apud DOYLE, 2005, p. 11).
96
96
“O celtismo apresentava-se como uma inspiração estética e musical cujos moldes deviam ser renovados pelo
poder da vida interior e pela percepção da alma, uma inspiração religiosa e filosófica contra o materialismo,
reducionista e negador, e contra o dogmatismo estreito e agnóstico da igreja oficial que se opunha a uma ampla
interpretação das religiões antigas e das verdades cristãs, uma inspiração social, não para a arregimentação do
homem e da humanidade, talhados por um único padrão, mas pela liberdade individual e pelo aprofundamento
da psique humana que conduzisse à universalidade e à concepção harmônica do cosmo”. (MEDINA, 2006, p. 5).
97
Cf. Biografia de Léon Denis (MONTEIRO, 2003).
97
98
Noutra oportunidade, na Revista Espírita, de 1924, Denis afirmaria: “Para nós, o Socialismo é o estudo, a
pesquisa e a aplicação das leis e meios suscetíveis de melhorar a situação material, intelectual e moral da
Humanidade [...].” (apud MONTEIRO, 2003, p. 102).
99
O desenvolvimento dos aspectos religiosos ou os fundamentos espiritualistas do Espiritismo serão tratados
mais adiante, quando da caracterização da corrente aqui denominada moderno-espiritualismo, com os referidos
aspectos nos ensinamentos maçônicos e teosóficos.
98
Não há neste momento uma reunião em Alemanha na qual não se fale da nova
importação americana - the moving table -, e não se experimente mais de uma vez o
fenômeno. Parecendo-me que a sua descrição poderá interessar os seus leitores,
passo a referir o que vi.100
[...] três correntes de pensamento e de prática social que, numa certa medida, se
completam no cotidiano do Segundo Reinado: o positivismo, o kardecismo e a
homeopatia. O positivismo enfatiza, nos escritos de Auguste Comte, a preeminência
da cultura latina e introduz o Império do Brasil no concerto das grandes nações
contemporâneas: não era pouca coisa para um país até então vilipendiado por causa
do tráfico negreiro. O kardecismo aparece como uma religião de brancos que integra
o cientificismo e um dos componentes catárticos, liberadores, das religiões afro-
brasileiras, o transe. Enfim, a homeopatia incorpora [...] práticas da medicina afro-
100
Jornal do Comércio. Rio de Janeiro, 14 jun. 1853. (apud MACHADO, 1997, p. 47).
99
A reação do clero baiano não se fez esperar. Numa Pastoral de julho de 1867, o
arcebispo d. Manoel Joaquim da Silveira, reconhecendo a expansão “perniciosa” do
Espiritismo, alertava seus fiéis:
101
Desse grupo faziam parte, também, Adolphe Hubert, Morin e madame Perret Collard, médium psicógrafa.
(Cf. MACHADO, 1997, p. 72).
102
No grupo baiano, em torno de Luís Olímpio, “Havia aristocratas, como Francisco Antonio da Rocha Pita e
Argolo, visconde de Passe, filho do conde de Passé, considerado o homem mais rico do Brasil de então, e o
barão de Saruípe. Médicos, como o dr. Joaquim Carneiro de Campos, filho do marquês de Caravelas, e o dr.
Guilherme Pereira Rabelo, e até um delegado de polícia, Jose Álvares do Amaral. Logo de início, o grupo perdeu
o seu componente mais velho e ilustre, Álvaro Tibério de Moncorvo e Lima, figura de relevo da política estadual
[provincial], ex-presidente da província, comendador da Ordem da Rosa, falecido em finais de 1865”.
(MACHADO, 1997, p. 89-90).
100
103
“Sem nenhum caráter formal, maçonaria e espiritismo andaram muito tempo associados. Alguns espíritas mais
agressivos, como a maioria dos maçons, dirigiam igualmente suas baterias contra a fortaleza católica. A
identidade de alvo acabaria transformando-os em aliados. E da aliança nasceria a conversão de maçons ao
espiritismo e a filiação de espíritas à maçonaria”. (MACHADO, 1997, p.146).
101
O Espiritismo faz progressos, mas no dia em que tiver dado a mão à franco-
maçonaria, todas as dificuldades estarão vencidas, todo obstáculo retirado, a verdade
estará esclarecida e o maior progresso moral será realizado e terá transposto os
primeiros degraus do trono, onde em breve deverá reinar. 105
Tudo o que direi é que o Espiritismo encontrará no seio das lojas maçônicas,
numerosa falange compacta de crentes, não crentes efêmeros, mas sérios, resolutos e
inabaláveis em sua fé. O Espiritismo realiza todas as aspirações generosas e
caridosas da franco-maçonaria; sanciona as crenças que esta professa, dando provas
104
Cf. Monteiro (2003, p. 9-15).
105
KARDEC, Allan. Revista Espírita. Ano VII, Vol. 4, abril de 1864 (KARDEC, 1985b, p. 124).
102
Não tardou para que essas esperanças assentadas numa confiança mútua tivessem
repercussão no Brasil. Monteiro (2003) informa que o Congresso Espírita e Espiritualista
Internacional, ocorrido em Paris, em 1889, tivera, como sede, o Grande Oriente de França, e o
“Irmão” Jules Lermina, empossado como presidente. Destaca o mesmo autor trechos da
Revista Spirita do Brazil, órgão da Sociedade Acadêmica Deus, Cristo e Caridade, de
novembro de 1897, onde, defendendo teses aos Congressos de Londres, em 1898, e Paris, em
1900,
[...] sugerimos uma ideia que nos parece deve ser adotada pela Família Espírita
Universal, por razões intuitivas, visto que, mais que todos os maçons, nós, os
Espíritas, conhecemos as missões elevadas da Maçonaria, que pode ser considerada
como o espiritismo-exotérico ou o exoterismo-espírita e o Espiritismo, a maçonaria-
esotérica ou esoterismo-maçônico. (apud MONTEIRO, 2003, p.15).
106
KARDEC, Allan. Revista Espírita. Ano VII, Vol. 4, abril de 1864 (KARDEC, 1985b, p. 125-126).
107
“A sociedade brasileira não se destacava por um espírito particularmente clerical. Muito ao contrário, o que se
verificava nos meios mais ilustrados era uma afetação de indiferença e certo anticlericalismo, vigente mesmo nos
meios católicos. A tradição voltairiana parecia ter deitado sólidas raízes”. (VIOTTI DA COSTA, 1987, p. 329).
103
Pondera Giumbelli (1997b, p. 66-67), que não havia uma linha demarcatória tão
nítida entre “religiosos”, “místicos” ou “evangélicos” de um lado e, “científicos” e
“intelectuais”, de outro; considerando diversos nomes de relevo, que foram classificados
como membros de um dos dois lados pela literatura acadêmica ou espírita, que participavam
de atividades na Federação Espírita Brasileira (FEB), fundada em 1884. Para esse autor, é
preciso considerar naquele contexto o que entendiam por ciência e por religião. Sempre
referendados em kardec, entendiam que “o ‘espiritismo’ representaria uma alternativa de
conciliação e de síntese, proposta como a refutação experimental dos ‘absurdos religiosos’
sem os erros materialistas da ‘ciência’”. (IDEM, p. 69).
108
“Mencionando as profissões de algumas dessas pessoas, podemos ter certa ideia da inserção social da
doutrina de Kardec entre 1870 e 1890 no Rio de Janeiro. Havia médicos como Joaquim Carlos Travassos e
Bezerra de Menezes; homeopatas como Antonio Pinheiro Guedes, Antonio de Castro Lopes e Francisco
Menezes Dias da Cruz; engenheiros, como Antonio da Silva Neto; advogados, como Francisco Leite de
Bittencourt Sampaio, Julio César Leal, Ernesto dos Santos Silva e Antonio Luiz Sayão; militares, como
Raimundo Ewerton Quadros; outros eram simples funcionários públicos, como Frederico da Silva Júnior, João
Gonçalves do Nascimento e Carlos Joaquim Lima e Cirne, ou autônomos, como Augusto Elias da Silva e Afonso
Torterolli. Algumas Mulheres também marcavam presença, ora como esposas desses personagens, ora não, como
era o caso de mme. Collard, uma das fundadoras do Grupo Confúcio”. (GIUMBELLI, 1997b, p. 62).
104
109
Anteriormente, já havia sido fundada, nos mesmos moldes, a Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade
(1908) que na década de 1930 se voltará para a Umbanda. Em 1926, retornando de uma estada na África,
Otacílio Charão funda, no Rio Grande do Sul, o Centro Espírita Reino de São Jorge. Nos anos trinta, muitos
outros centros se fundarão no Rio de Janeiro, como: Tenda Espírita Nossa Senhora do Rosário, Cabana Pai
Joaquim de Luanda, Tenda Espírita Fé e Humildade, dentre outros. (ORTIZ, 1999, p. 42).
110
A essência teórica desse processo de legitimação da Umbanda como religião, passa pelo que Ortiz (1999,
p.163-179) denominou de “Discurso Umbandista”, calcado em três formas legitimadoras: “antiguidade da
religião, discurso científico e discurso cultivado”. Em 1939 funda-se a Federação Espírita de Umbanda, depois
transformada em União Espiritista de Umbanda do Brasil. O coroamento desse processo dá-se com a realização
do Primeiro Congresso Umbandista, em 1941.
106
111
Podem ser citadas: Africanismo e Espiritismo (1947), de Deolindo Amorim; Umbanda em julgamento (1949),
de Alfredo Alcântara, com prefácio de um diretor da FEB, Manoel Quintão.
112
Nasceu em Lisboa, Portugal, em 10 de dezembro de 1817 e faleceu em 1903, no Rio de Janeiro. Filho de mãe
inglesa. Veio para Fortaleza em 1831, dedicar-se à carreira comercial. Fora um dos fundadores e provedores da
Santa Casa de Misericórdia e abolicionista, cônsul de diversos países europeus e recebeu o título de Barão de
Vasconcelos, pelo rei de Portugal Luiz I, em 1869. (KLEIN FILHO, 2000, p. 81-82).
108
redonda, que depois de alguns minutos rodou pelo meio da sala, até que os
experimentadores romperam a cadeia!! Neste momento presenciamos várias
experiências desta. “Digam lá os sábios da Escritura / Que segredos são estes da
natura”. (apud WANTUIL, p. 135).
113
Município serrano, distante 27km da capital. Desmembrou-se de Fortaleza em 1851 e obteve ligação
ferroviária em 1875. Por seu progressismo no campo das ideias, sediara em 26 de maio de 1881, o 1º Congresso
Abolicionista do Brasil.
109
114
Centro Espírita Cearense. A República. Fortaleza-Ce, 21 jun.1910.
115
A segunda diretoria, eleita em 2 de janeiro de 1911, ficou assim composta: Presidente honorário – Joaquim
Olympio de Paiva, presidente efetivo – Rodolfo Ribas, 1º secretário – Álvaro Nunes Wayne, 2º secretário – Luiz
Gonzaga Teixeira, 1º tesoureiro – Theodorico da Costa Barroso, 2º tesoureiro – Manoel Ricardo de Melo, orador
– G. de Castro, bibliotecário – José T. de Oliveira.
116
Este jornal, órgão do Partido Republicano Cearense, também cedia espaço às opiniões dos católicos, servindo
de tribuna à polêmica religiosa. Contava à época, em sua gerência, com Rodolfo Ribas, maçom, vice-presidente
Centro Espírita Cearense, e presidente noutras gestões.
117
Por não aconselhar qualquer envolvimento das instituições espíritas com a política, o Espiritismo também não
opunha obstáculos ideológicos aos seus seguidores. Fato digno de nota, nesse terreno, é que, as atividades de
divulgação do espírita realizadas por Viana de Carvalho e do Centro Espírita Cearense, eram divulgadas com o
mesmo tom de respeito e euforia pelos redatores dos jornais A República, Unitário (de João Brígido) e Jornal do
110
deram-se reuniões diversas do Centro Espírita Cearense.118 Já o salão da Loja Igualdade, fora
importante local de difusão espírita, através das conferências de Vianna de Carvalho, nesses
anos iniciais. Todavia, se por um lado, esse apoio confirmava a conveniência das afinidades
entre Maçonaria e Espiritismo no escopo da figuração moderno-espiritualista; por outro lado,
servia de reforço ao argumento católico do complô maçônico com as forças satânicas, para a
“negação cada vez mais geral do Cristianismo”.
Ceará (de Waldemiro Cavalcante e Agapito dos Santos); o primeiro era órgão do Partido Republicano Cearense
(a serviço da oligarquia accyolina), e os dois últimos empenhados em acirrada oposição àquele.
118
A inauguração da sede própria ocorreria apenas em 22 de outubro de 1920, à Rua Santa Isabel, 105 (hoje, Rua
Princesa Isabel, 255, sede da Federação Espírita do Estado do Ceará).
119
Conferência. A República. Fortaleza-Ce, 24 ago.1910.
111
No ano de 1911, o jornal Unitário publica uma série de artigos, oriundos das
conferências de Vianna, em que este procura demonstrar o duplo caráter do espiritismo:
revelação divina/ciência experimental.
Pois bem, senhores, nessa hora de vacilações, dúvidas e vertigens, surgiu a Filosofia
dos Espíritos, reanimando coragens abatidas, dispensando consolo e esperança aos
corações aflitos. Ao contrário de todos os sistemas, que partiram sempre de teorias
adstritas ao subjetivismo pessoal de cada pensador, o espiritismo brotou
espontaneamente de fatos que, pondo em evidência a comunicação com o mundo
invisível, assentaram ao mesmo tempo a solidez de seus inabaláveis alicerces. Assim
o exigiu o experimentalismo científico da época fatigada e exausta de
argumentações metafísicas. [...]
120
Idem, 8 ago.1910.
121
Essas páginas correspondem a duas conferências diferentes e pronunciadas em dias diferentes, entre abril e
novembro, não identificados os dias pelos referidos organizadores.
112
122
Respeitemos o Ceará, a “Terra da Luz”. A República. Fortaleza-Ce, 6 abr.1911 (apud KLEIN FILHO, 1999,
p. 98).
113
123
Cruzeiro do Norte. Fortaleza-Ce, 16 out. 1910 (apud KLEIN FILHO, 1999, p. 97).
124
“Ciência que, na definição do próprio Richet, que foi o seu fundador, tem por ‘objetivo os fenômenos,
mecânicos ou psicológicos, devidos a forças que parece serem inteligentes ou a poderes desconhecidos latentes
na inteligência humana’ ”. (TEIXEIRA DE PAULA, 1970, p. 110).
114
conclui instintivamente pela intervenção das forças sobrenaturais. [...] Mas há,
atualmente, muitos espíritas? Resposta imparcial: sim, e em número extraordinário.
São estes espíritas inteiramente fiéis às doutrinas de Allan Kardec? Cumpre
distinguir. Muitos espíritas, a maior parte deles e, particularmente, os mundanos, o
são à maneira de Allan Kardec, porque não vão pesquisar mais longe, visto como
esta explicação lhes basta; não sentem necessidade de precisão científica [...] Ao
lado destes devotos, que são infelizmente a grande maioria e que os outros
estimariam muitas vezes ver quietos – há os neo-espíritas ou adeptos do espiritismo
científico. Estes, pequeno número, aliás, contam em seu seio alguns homens
notáveis [...].125
Heuzé declara sua posição crítica em relação a Allan Kardec, acusando-o de falhar
exatamente naquele aspecto que constitui, segundo o codificador, a base da doutrina dos
espíritos, ou seja, no aspecto científico. Além disso, estabelece a divisão entre espíritas
“devotos” e “neo-espíritas”, referenciando uma tendência surgida, dentro do movimento, após
a morte de Kardec, e o aparecimento da metapsíquica. Entrevista grandes nomes da ciência
como Gabriel Delane, Gustavo Geley, Camillo Flammarion, Connan Doyle, Charles Richet,
dentre outros; mas também estudiosos como padre Mainage, Madame Curie, Madame
Bosson. Nas opiniões captadas procura reforçar a ideia de que o Espiritismo se constitui uma
crença para a maioria dos seguidores, portanto, sem comprovações científicas. Ou seja:
125
Os mortos vivem? A Tribuna. Fortaleza-Ce, 2 out. 1922.
126
Idem, 16 nov. 1922.
115
deixando clara sua opção pelas alternativas da metapsíquica e pela obsolescência da doutrina
codificada por Allan Kardec.
127
Os mortos vivem? O Nordeste. Fortaleza-Ce, 17 out. 1922.
116
indistintamente por toda a parte, até nas casas de ensino. [...] Deus queira que,
imitando o mestre, alguns discípulos não tentem ensaiar a propaganda espiritista nos
Colégios Militares. Contra esse perigo de que estão ameaçados os jovens alunos do
nosso Colégio Militar, filhos de famílias católicas, chamamos a atenção de quem
poder providenciar. F. T. 128
128
A propósito do espiritismo. O Nordeste. Fortaleza-Ce, 29 jan.1925.
129
Sobre a atuação antiespírita desses médicos, conferir Giumbelli (1997a, p. 46 et seq.).
130
Os perigos sociais do espiritismo. O Nordeste. Fortaleza-Ce, 9 out. 1927.
131
Esse periódico deixou de circular em 7 de junho de 1930, no dia em que completou cinco anos de existência.
Segundo Geraldo S. Nobre, O Ceará, dirigido por Julio de Matos Ibiapina, teve “grande importância na
117
encontrou uma tribuna. Destacamos uma notícia que revelava, ainda em 1928, o clima
acirrado da disputa. “Bispo que é favorável ao espiritismo”, era a manchete de O Ceará,
trazendo a pastoral do bispo D. Francisco Fedeiro (sic), de Juiz de Fora (MG). Verdadeiro
manifesto em defesa do Espiritismo, afirmava, dentre outras coisas, que:
A lei do mundo é a lei do progresso [...] A ciência não é uma crença reservada a uma
classe ou a um partido: é a verdade, e ela não é exclusiva de ninguém. [...] A
verdade consegue sempre os seus fins. Se a aprisionamos de um lado ela sai do
outro. [...] É o que sucederá com o espiritismo, que se apoia sobre a ciência e que
pode revelar aos homens por provas irrecusáveis, a existência da natureza espiritual
e das suas relações com os seres encarnados. Segundo a minha maneira de pensar,
eu, Bispo católico romano, digo que o “Espiritismo não deve ser condenado” como
obra exclusivamente diabólica e que os espíritas não devem ser declarados fora das
vias de salvação, nem chamados de heréticos, nem reservados ao inferno. Se mais
tarde têm de reconhecer o bem fundado desta “ciência”, por que na hora atual se
permitem considerá-la como sacrilégio?132
do clero vitorioso
horrível, tenebroso.
134
Coisas do espiritismo. O Ceará. Fortaleza-Ce, 10 abr. 1929.
135
Para uma visão mais ampla do processo de criminalização e legitimação do Espiritismo, e de sua apropriação
pela cultura brasileira, ver Giumbelli (1997 a, 1997b, 2003).
120
série referências de ordem econômica, social, religiosa e moral, que servem como elementos
de classificação e ordenamento do mundo social, a partir de uma dada perspectiva. O espaço
das práticas é o dos subúrbios (Morro do Moinho, ‘barreiros’ do Benfica); as vítimas são os
“explorados”, “ignorantes”; os praticantes são os “mandingueiros”, “exploradores da
ignorância do povo”, como os “politiqueiros”; as práticas são embustes, feitiçarias,
superstições, “magia”, “atos reprováveis”; os locais de culto são “antros de vagabundagem”;
as “sessões” entram “pela alta noite” [...]. Veja-se uma narrativa sobre dois acusados:
Ainda ontem em uma das delegacias desta capital foi encontrado um papelucho com
os seguintes dizeres: “Venho dar-vos notícia de mais um foco de catimbozeiros que,
parece, ainda não foi descoberto por ninguém da imprensa ou da polícia. Tal foco
está situado nos ‘barreiros” do Benfica, e pertence a um velho alagoano de nome
Antonio Luiza. Quando ali há “sessões”, pela alta noite, a vizinhança não pode
dormir. Há um barulho dos diabos que o velho mandingueiro explica, asseverando
ser o aparecimento dos “espíritos malinos” atazanando a gente. Tornam-se
necessárias providências urgentes da polícia. Aquém deste Antonio Luiza, isto é,
logo um pouco depois do primeiro pontilhão da estrada do Benfica, existe a casa de
“Sinhá Maria” em que frequentemente são celebradas cenas grotescas de magia
negra, branca, e de todas as cores.136
136
Fortaleza está cheia de catimbós. O Ceará. Fortaleza-Ce, 27 jun. 1929.
121
2.3 A Teosofia
Não se pode considerar temerário afirmar que o mundo maçônico tenha sido o
berço onde foram embaladas as primeiras cogitações teosóficas da modernidade, em termos
gerais, assim como também no Ceará dos finais do século XIX e primeiras décadas do século
XX. Tal assertiva não obriga a considerar o movimento mundial da Sociedade Teosófica
como uma extensão da Maçonaria. Sua autonomia organizacional e doutrinária foi claramente
estabelecida desde a fundação dessa instituição em Nova Iorque, no ano de 1875, por Helena
P. Blavatsky, Henry S. Olcott138, William Quan Judge, dentre outros. Segundo Blavatsky:
138
Henry Steel Olcott (1832-1907) foi escritor, jornalista, erudito, divulgador do Budismo e cofundador da
Sociedade Teosófica Mundial. Nasceu em Orange, Nova Jersey (Estados Unidos), filho de fazendeiros. [...] Foi
editor do jornal New York Tribune, escrevendo bastante sobre assuntos do movimento espiritualista
estadunidense. [...] Tornou-se maçom em 1861, sendo iniciado na Loja Hugenot nº 448. Aderiu ao Espiritismo e
participou de investigações sobre fenômenos envolvendo os irmãos Eddy de Chitenden (Vermont). Nesta
ocasião, em 1874, conheceu Helena P. Blavatsky. Em 1875, com H. P. Blavatsky, William Q. Judge e outros,
funda a Sociedade Teosófica. Com a morte de Blavatsky, assumiu a direção da instituição, já com sede na Índia,
onde construiu escolas budistas em Sri Lanka, engajou-se na divulgação da Teosofia em viagens, escritos,
conferências, fundação de lojas teosóficas, até sua morte, quando foi sucedido por Anne Besant. [...] Escreveu,
dentre outras obras, História Autêntica da Sociedade Teosófica, Catecismo Budista e Raízes do Oculto. (Cf.
FIGUEIREDO, 1998, p. 304-306).
123
Dentre esses nomes, estão os maçons Charles Sotheran, Albert Rawson e o próprio
H. S. Olcott. O primeiro deles, inclusive, teria sido o responsável pela diplomação maçônica
de H.P. Blavatsky, conferida por John Yarker. Também Annie W. Besant, teósofa e maçom,
indicada pela própria Blavatsky como seu “braço direito”, deu continuidade a este “impulso
teosófico/maçônico, com o auxílio de destacados teósofos e também maçons, como Francesca
Arundale, James Wedgwood e Charles W. Leadbeater, congregados num movimento
conhecido como “Ordem Co-Maçônica” ou, mais especificamente, “Ordem Maçônica Mista
Internacional – O Direito Humano”.140
139
CARVALHO, Osmar de. Teosofia, Maçonaria e Sociedade Teosófica. 2004. Disponível em:
www.levir.com.br Acesso em: 20 jan. 2007.
140
CARVALHO, Osmar de. op. cit..
124
Como o espiritismo tinha se metido no terreno da Igreja, a teosofia, por seu lado
interferiu com o espiritismo. Sem dúvida, os teosofistas não repelem os espíritas,
mas consideram-nos dum ponto de vista superior. Um fato sintomático: existe em
Paris uma Casa dos Espíritas ou Centro Espiritualista, e uma Sociedade Teosófica,
cada qual em seu bairro. As duas organizações possuem, em parte, os mesmos
conferencistas e, numa certa medida, o mesmo público curioso de ocultismo, sob
todas as formas. Mas não se confundem. (CASTELLAN, 1955, p. 78).
“redes teosóficas” e pensamento político, como nos trabalhos de Devés Valdés e Melgar Bao,
que afirmam categoricamente:
De fato, entre fins do século XIX e 1930, mas também depois, se desenvolve entre
nossos intelectuais (poetas, primeiro, educadores e pensadores depois, políticos
inclusive) um movimento espiritualista onde se combinam elementos teosóficos,
com hinduísmo, reivindicação do oriental, e, em certos casos, crenças ou práticas
espíritas. Esta sensibilidade teosófico oriental impregnou boa parte do fazer
intelectual e político. Em particular, a rede intelectual mais importante dos anos 20 –
aquela que armou um projeto social (socializante), mestisófilo, indigenista,
antiimperialista – penso pesou e pensou em boa medida com categorias provenientes
do teosófico-orientalista. E neste esquema um certo pacifismo, a reivindicação do
telúrico, a harmonia das raças e culturas, a busca no indígena de uma sabedoria
ancestral, a rebelião contra um positivismo ou um pragmatismo de limitados
horizontes, são ideias coerentes com o clima descrito. 141
A Teosofia no Brasil
141
VALDÉS DEVÉS, Eduardo; BAO MELGAR, Ricardo. Redes teosóficas y pensadores (políticos)
latinoamericanos (1910-1930). Disponível em: www.encuentrointectuallatinoamericano.org . Acesso em: 12 jan.
2007.
142
VALDÉS DEVÉS; BAO MELGAR . op. cit..
126
Brasil.143 No Paraná, em 1896, o professor Dario Veloso funda a revista Cenáculo, fortemente
comprometido com a luta aniclerical e para a defesa do livre-pensamento. Neste periódico
aparece um artigo de sua autoria intitulado “A teosofia e a sociedade teosófica”. Dario Veloso
fundaria, também, em julho 1899, a revista Esfinge, “órgão independente dedicado ao
Ocultismo e à Maçonaria” (BALHANA, 1981, p. 45)144, desenvolvendo considerável
propaganda teosófica nos anos seguintes, como se verá adiante.(Cf. ANEXO “H”).
143
Embora se possa afirmar que sociedades iniciáticas tenham existido no Brasil desde o final do século XVIII,
como é o caso da Maçonaria, a exemplo do grupo criado em Pernambuco, em 1797, pelo médico e ex-frade
Arruda Câmara; bem como outras variedades de ocultismo, este trabalho dará atenção especial ao movimento
teosofista vinculado à Sociedade Teosófica Mundial, fundada por Helena P. Blavatsky e outros.
144
A revista Esfinge, que circulou até dezembro de 1905, procurou situar o lugar do “Ocultismo” naquele
contexto: “O Ocultismo está ainda no Brasil em período de incubação. Entretanto alguns espíritos distintos
fazem os mais louváveis esforços para propagar suas teorias, esperando chegar à sua realização prática. No Sul,
dois centros já têm alguma importância, em São Paulo, outro em Curitiba (Paraná). Nesta última cidade, o sr.
Dario Veloso fundou uma revista ocultista, a Esfinge, e tem publicado alguns trabalhos de vulgarização ou
estética”. (apud BALHANA, 1981, p.45).
127
incluindo, então os neopitagóricos, cuja igreja teria sede mundial em Curitiba. Esse fato fez
que a atuação de Dario Vellozo fosse reconhecida como a mais qualificada nos combates ao
clericalismo e ao ultramontanismo, por vários anos.
Entre 1921 e 1927, fez circular, também, o jornal Luz de Krotona, no momento em
que se davam grandes progressos no crescimento burocrático clerical e na catolização da
população paranaense, como de resto ocorria em todo o país. Dario Velloso reafirmava sua
orientação teosófica, reclamando lugar no mercado religioso brasileiro:
A grande Blavatsky, por sua poderosa lâmpada e com o seu braço vigoroso, a eleva
tão alto que a sua luz se propaga fluida e intensa pelo mundo inteiro. As últimas
trevas foram vencidas e a ascensão continua no século XX com os adeptos da
Teosofia [...]. Glória ao Instituto Neopitagórico, irradiador de tais ideias e tais
princípios. (Luz de Krotona, 1925, apud BALHANA, 1981, p. 76).
145
No ano de 1944, a instituição transfere sua sede para São Lourenço (MG). Com o falecimento de seu
fundador e líder único, Henrique José de Souza, em 1963, a Sociedade Teosófica Brasileira ficou sob o comando
de sua esposa Helena, que posteriormente transferiu o comando para o primogênito do casal, Hélio Jéferson de
Sousa. Este, em 1969, muda o nome da instituição para Sociedade Brasileira de Eubiose, “mantendo, porém,
seus princípios e objetivos” (www.sbecg.hpg.ig.com.br). Pelo que se observa, essa entidade teosófica trilhou o
caminho do messianismo personificado no carisma do fundador. Essa linha de atuação teosófica, portanto, não
nos interessa neste trabalho, ficando aqui o registro de sua existência.
128
lojas em atividade. (Cf. QUADRO VII - APÊNDICE “B”). Como órgãos de divulgação,
destacava os jornais O Teosofista, da Sociedade Teosófica no Brasil (RJ); Ísis, em São Paulo e
Fraternidade, no Rio Grande do Sul.146
A Teosofia no Ceará
O início da atuação dos estudiosos e adeptos da Teosofia no Ceará não tem data
certa até outubro de 1920, quando se dá a fundação da Loja Teosófica Unidade. Mas supõe-se
ter sido sua difusão facilitada pela Maçonaria local, tendo em vista as afinidades filosóficas e
iniciáticas desde os primórdios da organização mundial da Sociedade Teosófica. Esse vínculo
fraterno também se dera na implantação e difusão do Espiritismo no Brasil. (Cf. MACHADO,
1997).
146
Teosofia. A Tribuna. Fortaleza-Ce, 15 dez. 1922.
147
L’Occultisme. [revista] Fortaleza. Fortaleza-Ce. Ano I, nº 9, 30 jun.1907.
148
Caio Lustosa de Lemos era Tenente-Coronel, professor do Colégio Militar de Fortaleza. Era maçom, ligado à
Loja Porangaba Nº2, onde exercera o cargo de Venerável no final da década de 20. Presidira o Asilo de
Mendicidade do Ceará, instituição fundada pela Maçonaria, em 1905.
149
Maria José de Castro seria presidente da Loja Teosófica Unidade, em 1925.
129
150
José de Pontes Medeiros. Fora membro fundador do Centro Espírita Cearense, era advogado. Exerceu o cargo
de Secretário da Fazenda na administração do Presidente do Estado Matos Peixoto.
151
Heitor Gonçalves de Araújo era Tenente-Coronel e professor do Colégio Militar de Fortaleza.
152
A Unidade. Fortaleza-Ce, 01 jun. 1924. p. 1.
153
Por que “Unidade” ? Idem. p. 2.
130
154
Conferência Espiritualista. Diário do Ceará. Fortaleza-Ce. 26 abr. 1924.
131
155
Conferencia teosófica. Diário do Ceará. Fortaleza-Ce. 30 abr. 1924.
156
Registre-se a presença pioneira da associação Esperanto Klubo Cearense, fundada em 8 de outubro de 1916,
tendo a seguinte diretoria: Demócrito Rocha (presidente), Moacir Caminha (vice-presidente) e Eurico Pinto (1º
secretário). (BÓIA, 1988, p.193).
157
Em 1924, a Brazila Ligo Esperantista, com sede no Rio de Janeiro, congregava 11 sociedades esperantistas no
Brasil, contando-se entre elas a Nova Samideanaro.
132
Embora muitos outros possam ser citados, trata-se aqui de mencionar a afinidade
existente entre os membros desses diversos segmentos com o esperantismo, à medida que este
visava o “entendimento” e a união entre os povos, ou seja, a solidariedade e a fraternidade
universais, combinadas com a difusão dos “ideais modernos”. Assim, o Esperanto
apresentava-se como um elo a mais nessa corrente idealista, espiritualista e internacionalista,
em que se agregavam os grupos estudados; constituindo um laço a mais de afinidade nas
interdependências da configuração moderno-espiritualista.
3. Reencarnação – “Devendo o espírito passar por muitas encarnações, conclui-se que todos
nós tivemos muitas existências e que teremos ainda outras mais ou menos aperfeiçoadas, seja
na Terra ou em outros mundos. A encarnação dos espíritos ocorre sempre na espécie humana.
Seria um erro acreditar que a alma ou espírito pudesse encarnar num corpo de animal. As
diferentes existências corporais do espírito são sempre progressivas e jamais retrógradas, mas
a rapidez do progresso depende dos esforços que fazemos para chegar à perfeição”. (IDEM, p.
26).
4. Mediunidade – “Os Espíritos exercem sobre o mundo moral e mesmo sobre o mundo físico
uma ação incessante. Agem sobre a matéria e sobre o pensamento e constituem uma das
forças da Natureza, causa eficiente de uma multidão de fenômenos até agora inexplicados ou
mal explicados, que não encontram solução racional. As relações dos Espíritos com os
homens são constantes. [...] As comunicações ocultas verificam-se pela influência, boa ou má,
que eles exercem sobre nós sem o sabermos, cabendo ao nosso julgamento discernir as boas e
más inspirações. As comunicações ostensivas realizam-se por meio da escrita, da palavra ou
de outras manifestações materiais, na maioria das vezes através dos médiuns que lhes servem
de instrumentos”. (IDEM, p. 27).
5. Pluralidade dos mundos habitados – “Do ensinamento dado pelos Espíritos, resulta que os
diversos mundos possuem condições diferentes uns dos outros, quanto ao grau de
adiantamento ou de inferioridade dos seus habitantes. Dentre eles, há os que são ainda
inferiores a Terra, física e moralmente. Outros estão no mesmo grau, e outros lhe são mais ou
menos superiores, em todos os sentidos. Nos mundos inferiores, a existência é toda material,
as paixões reinam soberanas, a vida moral quase não existe. À medida que esta se desenvolve,
a influência da matéria diminui de maneira que, nos mundos mais avançados, a vida é por
assim dizer toda espiritual. Nos mundos intermediários, o bem e o mal se misturam, e um
predomina sobre o outro, segundo o grau de adiantamento em que se encontrarem”.
(KARDEC, 1996, p. 58).
135
Para kardec, esses fundamentos embasados nas “Leis Divinas ou Naturais”, na lei
dos fluidos/magnetismo, na lei de ação e reação, na lei de evolução, tinham como objetivo
precípuo uma consequência moral.
158
“MISTÉRIOS. Termo genericamente aplicado a antigas religiões e escolas ocultas pré-cristãs, dos egípcios,
persas, gregos, judeus, romanos, celtas e escandinavos. [...] Tem-se dito que nos primeiros tempos todos os que
eram os mais puros e nobres participavam desses Mistérios, os quais destruíam todo temor à morte e incutiam no
homem a certeza da imortalidade”. (FIGUEIREDO, 1998, p. 259-260). Sob a denominação de “Religiões de
Mistérios”, Eliade; Couliano (2003, p. 237), as definem em termos analíticos: “O termo ‘mistérios’ tem um
significado técnico bastante preciso e refere-se a uma instituição capaz de garantir a iniciação. A ideologia dos
mistérios tem duas origens: as iniciações arcaicas e as sociedades secretas, por um lado, e, por outro, uma antiga
religiosidade agrária mediterrânea”.
159
Além das perseguições da Inquisição, sobretudo na Itália, Portugal e Espanha, “Os ataques da Igreja católica
nasceram com a primeira bula do papa Clemente XII, de 28 de abril de 1738, conhecida pela denominação In
eminente”. Seguem-na as de: Bento XIV (1740), Pio VII (1814), Leão XII (1825), Pio VII (1829), Gregório XVI
(1832), Pio IX (1846, 1865, 1869 e 1873) e Leão XIII (1884, 1890, 1892). (BASTOS, 1922, p. 61).
137
160
Não confundir, neste caso, com “deísmo”, como historicamente estão relacionados: “Segundo essa doutrina, a
razão (sobretudo através do argumento do desígnio) assegura-nos a existência de Deus e todo o resto (revelação,
dogma, relação sobrenatural com a divindade) é excluído. A súplica e a oração são particularmente inúteis: Deus
só pode ser concebido como um “proprietário ausente”. (BLACKBURN, 1997, p. 92). Embora tenha a religião
natural ou deísmo surgido na Inglaterra e na França entre o final do século XVII e início do XVIII, fato que
poderia ter influenciado na conformação do aspecto religioso da Maçonaria moderna, o sentido que a Maçonaria
lhe dá está mais próximo de uma religião como culto interior, reconhecendo as revelações e a relação
sobrenatural com a divindade. Ou seja, uma forma de teísmo.
138
Com efeito, o estudo comparativo das religiões demonstra serem idênticos os seus
ensinamentos fundamentais sobre a Divindade, o homem, o universo, a vida futura,
porém adaptados à época e ao povo a que se destinaram. Por outras palavras, são as
mesmas as suas verdades esotéricas, que não raro aparecem desfiguradas em seus
cultos exotéricos. Seus imortais fundadores foram todos Mensageiros da Verdade
única, que deram à humanidade seu evangelho de União e Fraternidade, para que
através do Amor as almas se religuem entre si e ao Supremo. (FIGUEIREDO, 1998,
p. 388, grifo nosso).
161
“A Maçonaria, apesar de seus acessórios e inovações modernas (particularmente a introdução nela do espírito
bíblico) faz o bem, tanto no plano físico como no moral; pelo menos era assim que agia faz apenas dez anos. É
uma verdadeira ecclesia no sentido de união fraternal e de ajuda mútua, a única ‘religião’ no mundo, se
considerarmos o termo como derivado da palavra ‘religare’ (ligar), pois que une todos os homens que a ela se
filiam como ‘irmãos’, sem preocupações da raça ou fé”. (BLAVATSKY, 1978, p. 20-21).
140
162
“POTÊNCIA MAÇÔNICA - Alto Corpo Regular: Grande Oriente, Grande Loja, ou Supremo Conselho”.
(FIGUEIREDO, 1998, p. 357).
141
Sem dúvida alguma as crenças espiritualistas dos tempos passados já não conseguem
satisfazer hoje. Não se acham no nível intelectual de nossa geração. Em muitos
casos, estão em contradição com os dados seguros da Ciência. Transmitem ao
espírito ideias incompatíveis como a exigência do positivo que predomina na
sociedade moderna. Além disso, incorrem no erro imenso de impor-se pela fé cega e
de condenar livre exame. O resultado é, incontestavelmente, o desenvolvimento da
incredulidade na maioria. [...] Quantas pessoas que, graças ao Espiritismo, voltaram
142
a crer, disseram: ‘Se nos tivessem apresentado Deus, a alma e vida futura de maneira
racional, jamais teríamos duvidado!’.
Helena Blavatsky, por sua vez, tratando dos obstáculos enfrentados na difusão da
moderna Teosofia e da conveniência do seu aparecimento, informava:
(f) complementaridade entre todas as crenças religiosas, fundada na unidade das leis divinas;
CAPÍTULO 3
163
“Entre os apelos pessoais, releva mencionar a carta do arcebispo primaz do Brasil ao Marechal Deodoro para
que este Não coloque a tua espada a serviço do laicismo-anticristão [...]. venho rogar a V. Excia, pelas
entranhas de nosso Senhor Jesus Cristo, não consinta que façam da gloriosa espada de V. Excia. Instrumento de
destruição da fé do povo brasileiro [...]” [Grifo nosso] [...] Em nível de conversação, o bispo de Belém do Pará,
Dom Antonio de Macedo Costa, contacta, frequentemente, o seu antigo aluno, Rui Barbosa, Ministro da Fazenda
do governo republicano e cérebro da política reformista em andamento [...]”. (LUSTOSA, 1991, p. 21, grifo do
autor).
146
a “liberdade religiosa” não pressupunha igualdade e concorrência com outros credos, mas
preservação do privilégio católico.
164
Ou, no dizer de Nestor Duarte, em A ordem privada e a organização política nacional (1939): “O nosso
jurismo com o amor a concepções doutrinárias, com que modelamos nossas constituições e procuramos seguir as
formas políticas adotadas, é bem a demonstração do esforço por construir com a lei, antes dos fatos, uma ordem
política e uma vida pública que os costumes, a tradição e os antecedentes históricos não formaram, nem tiveram
tempo de sedimentar e cristalizar” (apud FAORO, 1989, p. 744).
165
“O estamento burocrático [elite política do patrimonialismo] desenvolve padrões típicos de conduta ante a
mudança interna e no ajustamento à ordem internacional. Gravitando em órbita própria não atrai, para fundir-se,
o elemento de baixo, vindo de todas as classes. Em lugar de integrar, comanda; não conduz, mas governa.
Incorpora as gerações necessárias ao seu serviço, valorizando pedagógica e autoritariamente as reservas para
seus quadros, cooptando-os com a marca de seu cunho tradicional. [...] A nação e o Estado, nessa dissonância de
ecos profundos, cindem-se em realidades diversas, estranhas, opostas, que mutuamente se desconhecem. Duas
categorias justapostas convivem, uma cultivada e letrada, outra, primária, entregue aos seus deuses primitivos,
entre os quais, vez por outra, se encarna o bom príncipe”. (FAORO, 1989, p. 743-744).
148
Esse importante político e pensador dizia que, de acordo com os dados do censo de
1920, em 30 milhões de habitantes, apenas 24% sabiam ler e escrever. Os adultos
masculinos alfabetizados, isto é, os que tinham direito de voto, não passariam de 1
milhão. Desse milhão, dizia, não mais de 100 mil, “em cálculo otimista, têm, por
sua instrução efetiva e sua capacidade de julgar e compreender, aptidão cívica no
sentido da expressão. Esse número, continuava, poderia ser reduzido a 10 mil, se o
conceito “aptidão cívica” fosse definido mais rigorosamente. (CARVALHO, 2002,
p. 65).
Um ano depois, volta o periódico serrano a tratar da República, desta feita num
tom mais negativo e com certo saudosismo monárquico, à medida que considerava a
República brasileira,
166
15 de Novembro. Santelmo. Baturité-Ce, nov. 1910.
167
Idem.
151
Nota-se que esse debate sobre a República não tinha como cerne uma nova
cultura política, um repensar do modelo representativo ou a inclusão das demandas populares.
Essas incursões pelo debate sobre o regime republicano e sua propriedade ou impropriedade,
precocidade ou não, vêm ligadas a outra questão também presente no Santelmo, ou seja, a
relação dessa República com o catolicismo. Aliás, esse órgão de propaganda da Farmácia
Mattos, tinha por lema: “Um bom jornal vale mais que um bom pregador”. E, nesse sentido,
traz para a população do maciço do Baturité, as polêmicas religiosas internacionais bem
alinhadas ao debates nacionais.
168
15 de Novembro. Santelmo. Baturité-Ce, nov. 1911.
169
“De facto, o Governo Provisório da República promulgou, imediatamente após o 5 de outubro, um conjunto
de decretos-leis que, tendo como ponto de referência jurídica o que as repúblicas do Brasil e de França haviam
decidido sobre essa matéria, visavam dar cumprimento às reivindicações laicistas da fase de propaganda. O
decreto de 20 de Abril de 1911 – lei da separação das Igrejas do Estado – dispunha que a religião católica,
apostólica, romana deixava de ser religião de Estado, e que todas as Igrejas ou confissões religiosas eram
autorizadas, como legítimas agremiações particulares, desde que não ofendessem a moral púbica, nem os
princípios do direito público português. Ao mesmo tempo, confirmava a tradição do beneplácito ao interditar a
publicação de bulas, pastorais e outras determinações da Cúria, dos prelados ou outras autoridades eclesiásticas,
e remetia o culto para a esfera da privacidade; [...] Consequentemente, esta lei pode ser considerada como vértice
de um conjunto de outras promulgadas com o mesmo fito laicizador e donde se deve destacar as seguintes: a que
confirmou a legislação congregacionista anterior, [...] voltou a expulsar as ordens religiosas (18 de Fevereiro de
1911);a que reconheceu o divórcio (25 de Dezembro de 1910); a que introduziu o registo civil obrigatório (18 de
Fevereiro de 1911); a que impôs a aconfessionalidade do ensino (29 de Março de 1911); a que extinguiu a
Faculdade de Teologia (14 de Novembro de 1910): e a que aboliu os juramentos religiosos (19 de Outubro de
1910).” (CATROGA, 2000, p. 206-207).
170
Crônica. Santelmo. Baturité-Ce, nov. 1910.
152
que finda na denúncia dos males políticos e religiosos (católicos) advindos com o
replublicanismo. Para a autora, eram “desvarios”, “desmandos”, “excessos”, o que faziam as
revoluções republicanas. Para ela:
Romper os diques que são necessários às paixões dos indivíduos, transpor barreiras
erguidas ante as explosões do ódio e do despeito, essas urzes sociais, derribar tronos
quando neles não se sentam reis opressores, atacar estabelecimentos onde se
refugiam frágeis mulheres arrancadas às ilusões do mundo, matar sacerdotes ilustres,
saquear conventos, aprisionar criaturas indefesas, e cantar a Marselhesa [...] não é
proclamar repúblicas e sim ironicamente anarquizar o país, convulsionar a pátria,
feri-la no mais íntimo do coração.171
171
Liberdade? O Rosário. Aracati-Ce, 5 nov. 1910.
172
Idem.
153
173
O desembarque de religiosos estrangeiros no Brasil. O Rosário. Aracati-Ce, 5 nov. 1910.
174
Idem.
175
Município da região norte do estado, distante cerca de 250 km da capital, Fortaleza. Desde o século XIX, fora
importante polo econômico da região e se tornara sede de bispado a partir de 1915, com o município do Crato,
no Cariri cearense.
176
Patriotismo e religião. Correio da Semana. 24 abr. 1918. “A Constituição de 1853 obrigou o Estado a apoiar a
religião católica sem professá-la. [...] Embora fosse garantida tolerância a todas as fés, essas, obviamente, não
154
eram todas iguais. O catolicismo era considerado a religião tradicional da nação, e sua posição majoritária fora
reforçada nesses anos pela massa de imigrantes oriundos da Europa católica”. (LYNCH, 2001, p. 456-457). A
consolidação e desenvolvimento do modelo de “monopólio católico”, na Argentina, se deram entre as décadas de
1930 e 1980. A revisão constitucional de 1994 eliminou a cláusula segundo a qual o presidente da república
deveria ser católico, conservando no art. 2º da Constituição, a opção constitucional da nação pela Igreja católica.
Assim configurando um regime de Igreja de Estado. (Cf. ORO; URETA, 2007, p. 288).
177
Patriotismo e religião. Correio da Semana. 24 abr. 1918
178
Idem.
179
Maçonaria repelida na Bélgica. Cruzeiro do Norte. Fortaleza-Ce, 17 maio 1913.
155
O Brasil - nem podia deixar de ser [...] - foi um dos países que mais se apressaram,
com a implantação da República, a aceitar a odiosa ditadura de uma Constituinte
embriagada pela a vitória, que atirou para cima do lombo as mais descabidas
exigências e para cima da consciência as mais odiosas afrontas. E assim é que
tivemos o laicismo nas escolas. Ora, os cardeais e arcebispos de França acabam de
expor a respeito, e mais uma vez, a iniludível doutrina da Igreja [...] As leis laicas
são injustas porque contrariam os direitos de Deus. Procedem do ateísmo e
conduzem ao ateísmo. Impõem o menosprezo de Cristo e do seu Evangelho.
Tendem a substituir o verdadeiro Deus por ídolos (liberdade, solidariedade,
humanidade, ciência).181
180
O momento político-religioso na França. O Nordeste. Fortaleza-Ce, 18 fev. 1925. A lei de separação das
Igrejas e do Estado, na França, foi promulgada em 11 de Dezembro de 1905. “No novo regime religioso que se
instaura em 1905, a religião é considerada um assunto privado: a liberdade religiosa faz parte das liberdades
públicas. O Estado garante a cada cidadão a liberdade de professar uma religião, se ele tiver uma, e são previstas
penas severas para os que tentassem fazer obstáculo ao exercício normal da vida cultual. Mas a religião é um
assunto estritamente pessoal e opcional. A República, quanto a ela, ‘não reconhece, nem assalaria, nem
subvenciona qualquer culto’ (art. 2 da lei de 1905). [...] Dois elementos jogaram neste sentido. O primeiro é que
a própria lei constitui um texto de compromisso entre várias concepções de laicidade. O sistema instaurado pela
lei de 1905 une, com um objectivo pacificador, as diferentes tradições do campo laico: o espírito da Luzes de
Voltaire, Diderot ou Condorcet; o positivismo cientista de Auguste Comte; as diferentes correntes da franco-
maçonaria. Ele responde igualmente às expectativas das minorias protestantes e judaica profundamente
desconfiadas das pretensões da religião dominante. [...] O segundo elemento é que no decurso do século XIX o
povo católico se ligou progressivamente, na sua imensa maioria, ao regime republicano. (HERVIEU-LEGER,
2005, p. 209-211).
181
Notas Cariocas: Perante o Laicismo. O Nordeste. Fortaleza-Ce, 7 ago. 1926.
156
Essa resistência dos adeptos do Estado laico, com amplo apoio da corrente
moderno-espiritualista, pode ser percebida na atuação do jornal O Ceará, de propriedade do
professor, jornalista e maçom Júlio de Matos Ibiapina. Fazendo uma análise do percurso do
laicismo no Estado republicano, o editorialista pontifica a questão polêmica, referida
anteriormente: “A orientação positivista que presidiu à elaboração de nosso pacto
fundamental criou para o país uma série de problemas que interessam muito de perto o futuro
da nacionalidade”. (Grifo nosso). Em seguida, o autor esclarece qual é esse problema:
Inspirados em Augusto Comte, cujo espírito liberal levou-o a julgar possível uma
aliança de seu ateísmo com a intolerância dos representantes do Papa, os fundadores
da república brasileira limitaram-se a incorporar à constituição o princípio da
liberdade de cultos, sem, contudo, tomar medidas práticas que colocassem a Igreja
católica no mesmo pé de igualdade com as demais que, com esse país de imigração
como o nosso, se viessem a instituir.182 (Grifo nosso).
182
O laicismo do governo da República. O Ceará. Fortaleza-Ce, 11 abr. 1928.
157
Igreja, como as leis de mão-morta. Sua derrota contou com decisiva intervenção dos
positivistas do Apostolado junto ao governo e à Constituinte.183
Uma quinzena após a publicação desse editorial, o diário católico, também com a
oficialidade do editorial, respondia com outra leitura da prática da laicidade. Segundo O
Nordeste, Rui Barbosa, “em página memorável”, teria feito oportuna distinção entre as “duas
hermenêuticas” constantes do princípio de laicidade: a “francesa” e a “americana”. “A
183
Observe-se que, mesmo tendo o rastilho de cientificismo adentrado certos grupos de profissionais liberais,
militares e políticos que, de modo superficial, se tornaram propagadores dessa ideia; essas pessoas diferiam dos
verdadeiros cultores e conhecedores da filosofia positivista. Assim, embora a separação entre Igreja e Estado
fosse um princípio de honra do positivismo, a preservação da plena liberdade religiosa para todos os credos,
sempre foi defendida pelo Apostolado Positivista, tendo à frente Teixeira Mendes e Miguel Lemos; embora
sempre ressaltassem os vínculos morais passados e futuros entre catolicismo (como sinônimo de cristianismo) e
positivismo, para a regeneração da humanidade, como defendera o mestre. (COSTA, 1956). A despeito disso, a
hierarquia católica manteve o combate generalizado ao positivismo.
184
O desprezo do clericalismo pela Constituição. O Ceará. Fortaleza-Ce, 26 jun.1928.
185
Idem.
158
primeira serve-se da lei para hostilizar a Religião, para oprimir o sentimento de fé que palpita
n’alma do povo [...]. A segunda, praticada com sincero respeito às convicções religiosas dos
cidadãos [...].”186 Esta segunda perspectiva teria, segundo o jornal, sido a “que inspirou os
autores de nossa carta política”. O mais seria obra de políticos sem escrúpulos, “como sucede
nos países onde as sociedades secretas empolgam o poder”. (Grifo nosso).187
186
Espírito de laicidade. O Nordeste. Fortaleza-Ce, 10 jul.1928.
187
Idem.
188
Perseguição religiosa no México. O Nordeste. Fortaleza-Ce, 11 maio 1928.
189
“Nas relações entre a Igreja e o Estado, Calles tomou uma posição anticlerical extremada. O povo reagiu com
violência, e foi então que rebentou a guerra dos Cristeros, conhecida como a Cristiada. Foi uma terrível guerra
do povo comum que se levantou contra o Estado e seu exército. Continha todos os elementos de uma guerra
revolucionária e de um conflito anticolonial, embora se tenha afirmado na época que o governo era o
representante da ‘esquerda’ e os insurretos, a ‘contrarevolução’” [...]. O nome Cristeros foi dado pelo governo,
depois que ouviram o grito de guerra dos insurretos: ‘Viva cristo Rei! Viva a Virgem de Guadalupe!’ De um
total de vinte mil homens em julho de 1927, seu contingente cresceu para 35 mil em março de 1928, distribuídos
por treze Estados. A grande ofensiva que o governo lançou contra eles, em 1928/1929, foi um fracasso. Em
159
[...] o seu governo está devidamente ciente da manobra que os políticos clericais
continuam desenvolvendo clandestinamente [...]. Adianta que estão sendo
dinamitados trens, assaltadas fazendas e povoações indefesas ao grito de “Viva o
Cristo Rei” e que, na maioria dos casos, os elementos aprisionados pelas autoridades
militares e civis, resultam simples instrumentos da chamada “liga de defesa
religiosa”. 191
junho de 1929, o movimento estava no auge, com 25 mil soldados treinados e 25 guerreiros irregulares. Foi
nesse momento que o Estado decidiu assumir um compromisso com a Igreja a fim de resgatar a situação que
rapidamente se deteriorava [...]”. (MEYER JR., 2002, p. 206-207).
190
Perseguição religiosa no México. O Nordeste. Fortaleza-Ce, 11 maio 1928.
191
Uma proclamação do governo do México. O Povo. Fortaleza-Ce, 18 fev. 1929.
160
192
Ecos e Fatos. Gazeta de Notícias. Fortaleza-Ce, 23 fev. 1929.
193
Idem.
161
Mas o que importa, para a edificação moral, para o crescimento espiritual, não é a
colocação da imagem do Cristo, nem nas salas dos júris, nem nos recessos dos lares,
nem sobre o peito de cada homem; o que importa - só o que importa - é a
entronização do Cristo em nossos corações [...].194
Porém, nos primeiros anos da década de 30, recrudesce o debate sobre os limites
da relação entre religião e política à medida que, com a crise das oligarquias e a vitória do
movimento liberal-tenentista em 1930, instaura-se a necessidade de uma reorganização
constitucional. Nesse contexto, afloram as contradições entre, de um lado, os interesses dos
grupos ideológicos liberais e tenentistas, contando, dentre estes, elementos com nuances
esquerdistas; e, de outro lado, as frações conservadoras das antigas oligarquias em que
despontava a atuação orgânica da Igreja Católica.
194
Idem.
195
Esse Decreto foi solicitado pelo Ministro da Educação e Saúde Pública do Governo Provisório, Francisco
Campos, e depois incorporado à Constituição de 1934. Este já militara como deputado federal, nos embates da
reforma constitucional de 1926, em favor do ensino religioso. Contradizendo a tese da “educação moral e cívica
como sucedâneo do ensino religioso”, defendia: “Certamente a educação moral e cívica pode concorrer para a
formação e o esclarecimento da consciência nacional. Mas quais os fundamentos dessa educação moral, no meio
da anarquia de doutrinas contemporâneas e na desorientação geral das inteligências, sem pontos de mira ou de
referência por que orientar-se ou dirigir-se só a religião pode oferecer ao espírito pontos de apoio e motivos e
quadros de ação moral regulada e eficiente. [...] O de que precisamos, se precisamos de educação moral, como
não se contesta, é de educação religiosa”. (apud HORTA, 2005, p.148).
162
196
A partir de então, o trabalho mobilizatório chegará ao ápice com a centralização dos organismos leigos
católicos, sob orientação política do vaticano, numa direção central que denominada Ação Católica, com suas
congêneres de outros países. A Ação Católica, regulamentada em 1935, inspirava-se em modelo organizacional
italiano, de corte fascista. Reunia organizações como: Homens de Ação Católica (H. A. C.) para maiores de
trinta anos e casados de qualquer idade, Liga Feminina da Ação Católica (L. F. A. C.) para maiores de trinta anos
e casadas de qualquer idade, Juventude Católica Brasileira (J. C. B.) e Juventude Feminina Católica, todas
reunidas na Confederação das Associações Católicas. Seu quadro de comando oficial cabia à Comissão
163
Episcopal da Ação Católica, Junta Nacional da Ação católica e Conselho Nacional de Ação Católica; e ainda, as
Juntas e Conselhos diocesanos, conselhos Paroquiais e Conselhos Provinciais. (MICELI, 1979, p. 52-54).
197
“No processo de educação dos fiéis, os modos de pensar e agir transmitidos não se restringem àqueles
existentes nas publicações papais. Por exemplo, o levantamento dos artigos publicados na A Ordem mostra que
alguns desenvolvimentos ‘oficiosos’ da doutrina romana eram também motivo de divulgação; isto é, documentos
pontifícios eram acrescidos de pensamentos de autores como de Bonald, de Maistre, Veuillot, Donoso-Cortês,
Maurras e outros. Além dessa preocupação, procurava-se criticar outras correntes, como o espiritismo, a
maçonaria, o positivismo. (NAGLE, 2001, p. 89).
198
Coligação Nacional Pró-Estado Leigo. A Razão. Fortaleza-Ce, 22 out. 1931.
199
Liga Cearense Pró-Estado Leigo. A Razão. Fortaleza-Ce, 14 nov. 1931.
164
200
Liga Cearense Pró-Estado Leigo. O Povo. Fortaleza-Ce, 23 dez. 1931.
201
Idem. A “Comissão Executiva” da Liga, segundo o mesmo jornal, era assim formada: “Dr. Álvaro Fernandes,
presidente [maçom, ex-venerável da Loja Igualdade]; Dr. João Marinho de Andrade, 1º vice; senhorita Rachel de
Queiroz [então, militante comunista], 2º vice; prof. Natanael Cortez [pastor presbiteriano], secretário geral; cap.
José Rodrigues da Silva [maçom], 1ºsecretario; Dr. Cândido Meireles [maçom, liderança espírita], 2º dito;
Antonio Ferreira Braga, 1º tesoureiro; Otávio Ferreira, 2º dito”. (Idem).
165
Desse modo, nos anos seguintes, com as disputas eleitorais de 1933 (Constituinte
Federal), de 1934 (Constituinte Estadual) e de 1935 (Governador do Estado), dera-se uma
polarização entre antigos partidos políticos cearenses e as “novas forças políticas”. As facções
conservadoras alinham-se em torno da Liga Eleitoral Católica (LEC) e as novas facções,
adeptas do ideário da Revolução de 30, fundam o Partido Social Democrático (PSD).202
Nesses embates, a questão religiosa, antes centrada no laicismo, terá como motivação central
a política partidária, em virtude, sobretudo, das pretensões eleitorais dos novos segmentos
políticos. A polêmica passa a girar, de um lado, em torno da participação direta de sacerdotes
católicos na propaganda política e arregimentação de eleitores e, de outro lado, na presença,
confirmada ou presumida, de “maçons, espíritas e ateus” nas chapas eleitorais de ambos os
grupos.
Uma demonstração dessa nova orientação pode ser vista no editorial do O Povo,
às vésperas das eleições de 1934, onde o partido faz apelo aos “católicos de boa-fé”,
afirmando que o “PSD é tão amigo da Igreja quanto qualquer outro partido que o seja”.
Explicita trechos de seu programa para a questão religiosa, afinados com o programa lecista, e
a obrigatoriedade de, apesar de suas opções religiosas e filosóficas particulares, cumprirem as
determinações partidárias. E, finaliza o editorialista:
Se a Liga Eleitoral Católica, que diz não ser um partido, inclui em sua chapa vários
maçons, um espírita e pessoas até agora alheias ou indiferentes ao catolicismo
(mesmo com prejuízos de expoentes puramente lecistas) os eleitores católicos estão
202
“No Norte, cabe a Juarez Távora e aos interventores a tarefa de mobilização das forças revolucionárias, para
organização de partidos políticos integrados nos princípios de defesa do movimento de 30. [...] A ‘Revolução de
30’, no Ceará, desarticula os antigos partidos locais, sendo os mais expressivos eleitoralmente, O Democrata e o
Conservador, que são representativos das oligarquias fundiárias. [...] A tarefa de organização do PSD (Partido
Social Democrático) cabe aos revolucionários cearenses. Diferentemente da posição assumida pelos
interventores Nortistas, Carneiro de Mendonça mantém-se alheio à arregimentação política que está ocorrendo
no Estado. [...] É assim que o ‘apoliticismo’ de Carneiro de Mendonça faz com que os elementos civis da
‘Revolução’ liderados pelo Grupo Tavorista e os Tenentes do Colégio Militar e 23º BC de Fortaleza, articulem a
fundação do PSD cearense, nos moldes de seus congêneres nortistas”. (SOUSA, 1989, p. 320-321).
166
inteiramente à vontade para votar nos candidatos de sua preferência, dentro da chapa
do P. S. D. ou em toda a chapa, porque o P. S. D além de defender as reivindicações
religiosas, prestigia a causa revolucionária e apoia o governo que tão grandes
benefícios fez ao Ceará e a todo o Nordeste. Votar, pois, nas chapas completas do P.
S. D (a federal e a estadual) é um ato que visa servir à causa da Igreja, à causa da
Revolução e à causa do Ceará. (Grifo nosso). 203
Essa afirmativa de que, votar no PSD era o mesmo que “servir à causa da
Igreja”, pode levar à conclusão de que esse grupo político, formado por oligarquias
dissidentes, liberais, progressistas e tenentistas, abjurara os princípios que moveram, por
exemplo numa Liga Pró-Estado Leigo – no primeiro ano da “revolução”; aderindo à bandeira
da “unidade da fé”, em nome da “religião da maioria do povo brasileiro”.
Um triste exemplo [do “Ceará livre”] de ser o único Estado em que toda a
representação está de acordo com as pretensões dos elementos retrógrados, que
desejam ver-nos voltar aos saudosos tempos da Idade Média. Dos dez deputados que
o Ceará mandou à Constituinte nem um só se oporá às pretensões dos que querem
arrancar da futura Constituição os dispositivos liberais que faziam da Constituição
de 91 o orgulho dos brasileiros [...] Por convicções religiosas uns, por interesses
203
Aos católicos de boa fé. O Povo. Fortaleza-Ce, 1 out. 1934.
204
“Vale a pena lembrar que somente no Ceará é que a Liga Eleitoral Católica registra diretamente seus
candidatos, como um partido político. Isso ocorre, principalmente ante a impossibilidade dos dirigentes da LEC
aceitarem a proposta da chapa do PSD. P partido tenentista queria apontar 7 dos 10 nomes que integrariam a
bancada cearense, ficando a LEC, o clube 3 de outubro e a AIB, com o direito de apresentar 1 candidato cada.
Consciente da sua força, face ao intenso trabalho de propaganda e organização, a Liga rejeita a proposta do PSD
e apresenta 6 nomes, todos eleitos na primeira apuração”. (MIRANDA, 1987, p. 93)
205
A Grande Loja do Ceará, prosseguindo em seu programa, funda mais duas lojas no interior do Estado. A Rua.
Fortaleza-Ce, 3 fev. 1934.
167
políticos outros, [...] estão todos ao lado dos que desejam o cerceamento da
liberdade de pensamento dos brasileiros.206
São eles tão conhecidos, até mesmo pelo eleitorado católico, que nos dispensamos
da antipática tarefa de apontá-los. São os próprios lecistas que referem essa
verdadeira circunstância, ou, antes, essa transigência dos comandantes da Liga com
os elementos que ela vive a combater. [...] Devemos adiantar que o fato de serem
ateus, maçons, espíritas ou budistas os candidatos não os diminui moral e
civicamente. E acreditamos que eles, obrigados pelos objetivos da Liga Católica,
podem ser tão bons defensores de seus postulados como qualquer católico sincero.208
206
Idem.
207
Idem.
208
Ateus, maçons e espíritas. O Povo. Fortaleza-Ce, 3 out. 1934.
168
Nos dias seguintes, o matutino de Demócrito Rocha traria mais duas matérias
com o mesmo título, tentando capitalizar apoio eleitoral ao PSD, atacando um ponto
vulnerável da LEC. Em outra frente, o jornal pessedista denuncia a “a ação violenta dos
padres políticos”, a “opressão espiritual” exercida pelos vigários, “a politicagem da LEC”,
dentre outras, recorrendo à reflexão sobre os limites religiosos da ação dos sacerdotes. Nesses
termos, embora com apelos e manipulação de pertenças religiosas de políticos não-católicos,
esse embate LEC/PSD, como ressalta Miranda (1987), se constituíra mais numa disputa
política local entre os dois grupos, do que uma marcada divisão decorrente de divergências
religiosas. Esse fato se comprova pelo apoio da bancada do PSD cearense nas votações da
maioria das propostas católicas na Constituinte.
209
Em outras palavras, e revelando um aspecto menos claro, a profunda inserção política e ideológica da Igreja
Católica começava a prevalecer nos novos arranjos políticos: “Valendo-se de formas organizacionais de
inspiração corporativa e alardeando um programa de ‘reformas’ que levavam em conta os interesses de grupos
sociais diferentes da oligarquia do antigo regime, as organizações políticas ‘radicais’ (Ação Integralista
Brasileira, o circuito das instituições patrocinadas pela Igreja Católica, etc.) que passaram a concorrer na arena
política entre 1930 e 1937, conseguiram atrair um número relativamente elevado de antigos quadros políticos e
intelectuais egressos dos partidos republicanos do antigo regime cujas carreiras haviam sido truncadas
momentaneamente pela derrota da oligarquia”. (MICELI, 1979, p. 57).
210
Avaliando o caráter “espiritualista” do Integralismo e sua conveniência naquelas lutas, conclui Amoroso
Lima (1936, p 200, grifo do autor): “Embora falso e perigoso em princípio, esse liberalismo religioso pode ser
perfeitamente defensável, como movimento de aliança temporária contra males mais graves e iminentes. É o
próprio Pio XI que, no caso particular da cruzada contra os sem-Deus, apela para todos aqueles que tenham
conservado ou renovado em sua inteligência e em seu coração, não o Deus abstrato dos filósofos, mas o deus
vivo da Revelação Judaico-Cristã”.
169
211
“O movimento aliancista propagava-se por todo o País. O Ceará fora o berço do integralismo [leia-se: Legião
Cearense do Trabalho (1931-1937)]. Era natural que a frente ampla contra o fascismo procurasse contrapor a
ANL ao movimento dos camisas-verdes. No dia 25 de maio, no Theatro José de Alencar, em sessão solene com
grande comparecimento, instalou-se o núcleo da ANL”. (SILVA, 1969, p. 173).
212
Os nomes grifados são confirmadamente maçons. Ribeiro (1989, p. 126) informa que: “Segundo informações
prestadas por um militante comunista, que pede para não ser identificado, a diretoria da ANL no Ceará era toda
formada por maçons, informação que ainda não pode ser checada”.
170
segundo os princípios a que derem preferência. Somos uma aliança que se bate por
uma média de aspirações comuns e não nos impulsiona fanatismo algum por
determinada forma de organização política ou religiosa.213 (Grifo nosso).
213
Aliança Nacional Libertadora. Cerca de dez mil pessoas assistem a sua instalação, no Theatro José de
Alencar. O Povo. Fortaleza-Ce, 23 maio 1935.
214
A instalação da Aliança Nacional Libertadora. A Rua. Fortaleza-Ce, 24 maio 1935.
215
Aliancismo ou comunismo? A Rua. Fortaleza-Ce, 7 jul. 1935.
216
Idem.
171
ou tomar resolutamente os seu afagados rumos comunistas [...].”217 E prosseguem, nos meses
seguintes, o combate ao aliancismo:
A todos aqueles que não quiserem abdicar de suas liberdades individuais, os que não
desejarem ser escravizados a pior das ditaduras, que é a tirania soviética,
recomendamos cerra fileiras contra os que se embuçam na sombra para dar combate
à liberal democracia. [...] Dentro da liberal democracia podemos realizar as nossas
conquistas sociais...218
217
Idem.
218
Aliancistas, não – comunistas, sim. A Rua. Fortaleza-Ce, 11 jul. 1935. Dias depois o referido jornal fazia sua
profissão de fé liberal contra os “dois extremismos: o da esquerda e o da direita. Encontra-se resolutamente no
centro, na defesa da liberal democracia [...]. Essa a nossa diretriz em face do comunismo e do Integralismo”. (A
democracia liberal em face da atuação de ideologias dissolventes. A Rua. Fortaleza-Ce, 13 jul. 1935).
219
Governo extremista. O Povo. Fortaleza-Ce, 26 jul. 1935.
172
Não é nenhum partido político o Grande Oriente do Brasil. Não se conserva, porém,
de braços cruzados, em face dos grandes interesses nacionais. Desta sorte, em toda a
história da Pátria sempre se revelou solidário com os defensores da liberdade, do
direito, da justiça, guardando o maior respeito às convicções políticas e religiosas
[...]. Está, portanto, à vontade, protestando contra a violência dos perturbadores da
ordem aqui no Distrito Federal e ali no Rio Grande do Norte, como no Estado de
Pernambuco [...] tristíssima desordem que encontrou veemente repulsa em todos os
corações bem formados [...].221
Não podia fugir às normas estabelecidas a Maçonaria cearense, por isso que, nestes
dias dos seus maiores triunfos, com a aquisição dos mais lídimos representantes da
Sociedade, no que tem ela de mais nobre e representativo nas forças armadas, nos
220
O Nordeste. Fortaleza-Ce, 29 set 1936, 10 out. 1936, 9 dez. 1936, respectivamente.
221
A Maçonaria e os acontecimentos de novembro. O Povo. Fortaleza-Ce, 17 jan. 1936.
173
A Maçonaria é uma instituição que tem como fim precípuo fazer o bem. Combate ao
extremismo de qualquer das alas, quer desfralde a bandeira rubra quer mistifique
seus intuitos destruidores sob o manto dúbio da camisa verde. Acata o princípio
religioso de todas as seitas que tenham como finalidade o temor e a veneração a
Deus, a quem cultua sob a invocação sublime de Grande Arquiteto do Universo.
Tem como patronos espirituais os mais venerados Santos da Igreja.223
222
Gloria in excelsis Deo. Democracia. Fortaleza-Ce, 12 set. 1937.
223
A Maçonaria e seus pequenos inimigos. Democracia. Fortaleza-Ce, 22 ago. 1937.
174
224
Note-se, todavia, que ainda se mantinha em grau considerável a dupla pertença maçônico-espírita de muitos
desses agentes, caso exemplar aqui o do citado Grão-Mestre da Grande Loja, José Mateus Coutinho, que também
membro da diretoria da recém fundada Federação Espírita Cearense, ex-Centro Espírita Cearense. (Cf. KLEIN
FILHO, 2000, p. 99).
225
A Espanha, naquele mesmo contexto, poderia servir de espelho: “É perigoso, entre 1936 e 1939, ser ao mesmo
tempo antifascista e anticomunista: as democracias ocidentais o constataram, assim como os partidos
revolucionários antistalinistas. É assim que o conservadorismo e o tradicionalismo espanhóis adotaram os gestos,
os métodos e a aliança dos nazistas e dos fascistas, enquanto que a República espanhola só encontrava apoio
externo seguro e contínuo no comunismo no poder”. (VILAR, 1989, p. 109).
175
espírita em torno do Centro Espírita Cearense, com amplo apoio maçônico, vimos a difusão
das ideias espíritas, especialmente no jornal A República, e as polêmicas travadas entre o
maçom-espírita Vianna de Carvalho e seus adversários católicos, com e sem pseudônimos.
226
A exemplo dos já citados artigos da série “Os mortos vivem?”, num total de 27, entre outubro e novembro de
1922.
176
Este jornal, em matéria de crenças religiosas, não tem preferências. Nesta seção
estamparemos pequenos artigos de propaganda firmados pelos fiéis das próprias
confissões e todas as informações referentes ao funcionamento dos cultos que se
exercem nos templos desta capital.227
Curiosamente, essa experiência não foi além de seis edições, no mês de janeiro,
apesar da abertura do jornal para o noticiário dos diversos cultos e de matérias contra as
perseguições sofridas por espíritas e maçons. Embora não tenha havido uma justificativa para
a suspensão, é possível deduzir que resultara de alguma manifestação relevante de
descontentamento, ou mesmo da insuficiência de colaboradores. O fato é que se registraram,
nessas poucas edições da coluna “Vida Religiosa”, alguns elementos informativos espíritas,
considerados relevantes pelo “fiel” de pseudônimo “Erasto”228, a saber: a indicação do Centro
Espírita Cearense, seu endereço, dias e horários de suas atividades, como locus de referência
em matéria de Espiritismo; a definição de Espiritismo, suas origens e objetivos; a
“bibliografia’ com as obras doutrinárias de Allan Kardec, e as de Leon Denis; e, por fim, a
distinção entre “baixo-espiritismo” ou “falso espiritismo” e o “espiritismo regular”.
227
Vida Religiosa. O Povo. Fortaleza-Ce, 28 jan.1928.
228
O pseudônimo Erasto reverencia um dos discípulos de Paulo de Tarso, frequentemente citado em suas
Epístolas, no século I da era cristã, e que teria marcado presença no século XIX, como um dos mentores
espirituais, nas obras da codificação espírita de Allan Kardec. Contudo, um nome tão respeitável ocultava,
talvez, no caso do jornal, uma situação constrangedora, opressiva ou arriscada para aquele adepto do Espiritismo.
Uma exposição pessoal, nesse contexto, poderia render prejuízos que o missionário do cristianismo primitivo
olvidou.
229
Vida Religiosa. Espiritismo. O Povo. Fortaleza-Ce, 28 jan.1928.
177
O jornalista Teodoro Cabral (Polibio), que era membro diretor da Grande Loja
Maçônica do Ceará e presidente do Centro Espírita Cearense, também vai a campo formar
opinião em defesa do Espiritismo, através de suas crônicas, alertando também, para a
distinção entre o curandeiro e o “médium propriamente dito”. Dá ressonância às denúncias de
exploração da fé pública pelos “curandeiros”, “feiticeiros” e “catimbozeiros”, que iam se
tornando comuns, e considera como mais “perigosos”, “os que indebitamente se intitulam de
médiuns”.231
O médium propriamente dito não ameaça a saúde pública, nem a bolsa do particular,
nem incomoda os médicos, salvo pelo lado da concorrência desleal de quem trata
sem se fazer pagar. A característica dominante do espiritismo, que o assinala aos
menos atilados, é a gratuidade absoluta de todos os serviços de caráter espiritual.
Quer funcione como médium comum, quer funcione como médium receitista ou
curador, o espiritista, que é obrigado a ‘dar de graça o que de graça recebe’, não
deve aceitar pagamento nem gratificação direta ou indireta, nem se quer
agradecimento das pessoas a quem beneficia, pois que age na convicção de o que faz
230
Vida Religiosa. Espiritismo. O Povo. Fortaleza-Ce, 31 jan. 1928.
231
Ecos e Fatos. Gazeta de Notícias. Fortaleza-Ce, 7 mar. 1929.
178
é pelo auxílio dos espíritos, auxílio que recebe de graça e só de graça pode
distribuir.232 (Grifo do autor).
232
Idem.
233
Idem.
234
Idem.
179
Acrescenta que a agente local dos Correios foi orientada a não postar correspondências de
Feitosa para “Centro Espírita do Rio”. E mais, que o “estimado católico” Quincas Cazuzão
fora expulso da confraria de São Vicente, “só porque este cumprimentou com o chapéu a
Feitosa Pontyl”.
235
Cascavel em foco. Campanha ao espiritismo. A Razão. Fortaleza-Ce, 30 mar. 1930.
236
Espiritismo, fábrica de loucos. O Nordeste. Fortaleza-Ce, 19 jun. 1933.
237
O Espiritismo e a Medicina. O Povo. Fortaleza-Ce, 28 nov. 1933.
180
Embora o texto deixasse entrever que existiam outros espiritismos – numa visão
que não agradava aos espíritas –, assinalava que o Espiritismo digno de ser respeitado era
aquele com base científica e filantrópica, indo ao encontro dos mesmos espíritas que
empreendiam luta para diferenciar-se das práticas mediúnicas afrobrasileiras. Portanto,
perante a medicina e perante a lei, o “verdadeiro” Espiritismo merecia respeito.
sob a inspiração dos mahatamas, porque a comunicação direta, visível com estes é
muitíssimo rara.238 (Grifo do autor).
Por fim, voltando aos aspectos “doutrinários”, ressalta o caráter “esotérico” dos
teosofistas, pois se dizem “possuidores de uma verdade oculta e transmitida secretamente”,
defendem a “existência de um corpo astral, intermediário da alma com o corpo físico, e que
preside às reencarnações”. (Grifo do autor). A conclusão do raciocínio é que: “Com essa
idéia, apresentam-se como espiritualistas, e assim enganam as pessoas religiosas e mesmo a
católicos ingênuos”. Porém, ficaria para a edição seguinte a conclusão da matéria, enfeixando
considerações sobre a gravidade do teosofismo para a segurança da crença católica. Pois,
“assim os julgava, em 1913, o Dr. Fernand”239, já prevendo “as reais intenções anti-católicas
da seita, pois apresentou documentos indicativos e irrefutáveis das ligações dos principais
teosofistas com as lojas maçônicas”. Finalizando com as palavras do “dr. Fernand”,
asseverava o articulista: “Conhecer os teosóficos é um dever social e combatê-los um dever
religioso”.
Voltariam os católicos ao assunto, n’O Nordeste, mais algumas vezes, nos anos
seguintes. Todavia, os teosofistas respondem rápido, e já no dia seguinte à primeira investida
do diário católico, o presidente da Loja Teosófica Unidade, solicita os préstimos do jornal A
Tribuna: “O ilustre sr. dr. Luiz de Moraes Correa, lente da Faculdade de Direito deste Estado,
dirigiu-nos as seguintes linhas”. Assim justificando-as:
238
A Teosofia. O Nordeste. Fortaleza-Ce, 4 dez. 1922.
239
A Teosofia. O Nordeste. Fortaleza-Ce, 6 dez. 1922.
182
informados os seus leitores, [240] devo supor que iguais intuitos terá relativamente à
doutrina teosófica, muito superficialmente conhecida em nosso meio e, por último,
mal interpretada pelas colunas do ‘Nordeste’.241 (Grifo nosso)
A Teosofia pode ser definida como o conjunto das verdades que formam a base de
todas as religiões e que, por isso, a nenhuma destas pertencem exclusivamente.
Iluminando e esclarecendo as sagradas escrituras de todas as religiões, revela que
todas encerram sobre Deus, o homem e o universo, ensinamentos em substância
idênticos, não sendo, por isso, irracional aproximá-los em um único corpo de
doutrina. É a este corpo central de doutrina que se dá o nome de Sabedoria Divina
ou, sob a forma grega, Teosofia. Sendo, como é, origem e base de todas as religiões,
a Teosofia não se opõe a nenhuma delas. Depois de lhes ter, outr’ora, dado
nascimento, a Teosofia vem hoje justificá-las e defendê-las. 242 (Grifo nosso).
240
Tratava-se da série de reportagens intituladas “Os mortos vivem?”, editadas ao longo dos meses de outubro e
novembro daquele ano, já referida anteriormente.
241
A Tribuna. Fortaleza-Ce, 5 dez. 1922.
242
Idem.
183
243
A Tribuna. Fortaleza-Ce, 25 out. 1922; 16 nov. 1922; 10 jan. 1924, respectivamente.
184
O padre Cruz, por sua vez, começa lembrando a sentença proferida por um
“diligente e, porventura, bem intencionado teósofo”, que lhe escrevera: “Ninguém hoje ignora
que Jesus foi educado em uma comunidade essênia e que, mais tarde se transportou para o
Egito, onde recebeu a iniciação que lhe havia de conferir a consciência de sua missão”.245
Para ele, e para o leitor a quem convidava, estabelecia-se a questão:
[...] que Jesus frequentou escola, sendo, assim, da laia de um Krishnamurti qualquer,
e que, depois, andou pelo país da esfinge para ser iniciado nos enigmas supremos, -
ou no próprio Cristo, que diz, sem receio de contradita, (e ninguém lho contesta) que
a sua doutrina, Ele a recebeu d’Aquele que O enviou, isto é, do seu Eterno pai?”246
(Grifo do autor).
Outro espaço da imprensa local onde os teosofistas encontraram boa acolhida, fora
o jornal A Esquerda, que tinha como um dos diretores o combativo jornalista Jáder de
Carvalho, intelectual de esquerda com acentuado simpatia espiritualista e adepto da Igreja
Católica Liberal. Seu jornal circularia no breve período de janeiro a agosto de 1928, quando
foi empastelado. Contudo, sua “Coluna Religiosa”, nos meses de março, abril e maio, foi
244
Teosofia. A Tribuna. Fortaleza-Ce, 7 dez.1922.
245
Na seara do teosofismo. O Nordeste. Fortaleza-Ce, 30 mar.1926.
246
Idem.
247
Teosofia. O Povo. Fortaleza-Ce, 13 jan. 1928.
185
dedicada à Teosofia. As seis edições da “Coluna Religiosa” teosófica, não traziam autoria e
procuravam reafirmar suas origens, definição e alguns aspectos doutrinários. Como fizera
Moraes Correia em A Tribuna, o articulista voltava a insistir no lugar da Teosofia na cultura
religiosa mundial: “A Teosofia ilumina e esclarece as sagradas escrituras de todas as religiões,
revelando-nos o sentido oculto de suas doutrinas e justificando-as aos olhos da razão como
sempre o foram aos da intuição”.248
248
Coluna Religiosa. Teosofia. A Esquerda. Fortaleza-Ce, 13 mar. 1928.
249
Ecos e Fatos. Gazeta de Notícias. Fortaleza-Ce, 15 jun. 1929.
250
Idem.
186
Políbio, manejando as palavras com muito tato, não nega, porém, suas convicções,
justificando a assertiva anterior:
251
Idem.
252
Idem.
253
Coluna Religiosa. Teosofia - Atitude do estudante de Teosofia. A Esquerda. Fortaleza-Ce, 25 abr. 1928.
187
instrutores”, cuja primeira era: “Não trocar a fé cega na autoridade da Igreja, por outra fé
igualmente cega nas personalidades teosóficas”.254
254
Idem. Curiosamente, o mesmo Leadbeater, juntamente com Anne Besant, proclama o jovem indiano
Krishnamurti, a rencarnação do Buda Maitreya, o novo lider espiritual da humanidade, criando em 1911, a
“Ordem Internacional Estrela do Oriente”. Mas, em 1929, Krishamurti renega seu estatuto de "Buda" e "Instrutor
do Mundo", dissolve a Ordem e rompe com Leadbeater e a Teosofia.
255
Ecos e Fatos. Gazeta de Notícias. Fortaleza-Ce, 14 fev. 1930.
256
Florilégio. Dr. Mozart Catunda. A Razão. Fortaleza-Ce, 17 jul. 1929.
257
A despeito do apoio e defesa da Maçonaria empreendida pelo jornal O Ceará, sua postura acirradamente
anticlerical não deve ser confundida com a posição da Maçonaria cearense em relação à Igreja Católica.
Observando-se atentamente a produção de escritos de maçons, assim como declarações oficiais de lojas e
potências maçônicas cearenses, na imprensa do período, vê-se uma postura defensiva da Maçonaria e mais
tendente ao diálogo com a Igreja, embora oportunamente sempre crítica das ações desta ao longo da história.
188
Os leitores do órgão pio desta capital não estarão esquecidos da campanha quase
diária que ali se faz contra a Maçonaria. Os conceitos emitidos contra essa
instituição poderão levar ao povo ignorante a impressão de que a Maçonaria é
criação diabólica, digna de ser condenada, não somente pelos católicos, mas por
todos que se interessam pelo progresso social, tão negras são as cores que se pintam
os intuitos dos maçons.259
Pois, segundo o articulista, d’O Ceará, a folha católica estava em contradição com
o pensamento da própria Igreja, pois “o sr. arcebispo figura, na Mesa [Diretora] da Santa
Casa, ao lado de uma maioria de maçons, a cuja caridade tem feito referências elogiosas em
relatório”.260 Depois disso, desafia “o povo” a conferir o programa da Maçonaria “que os
católicos de paletó e de batina amaldiçoam como instituição diabólica”. Numa lista de 33
itens – sugestivamente, trinta e três - da autoria do “desembargador Gaspar Guimarães” –
Grão-Mestre do Grande Oriente do Amazonas –, estabelece a posição da Maçonaria em
relação à religião. Pode-se destacar:
Essa postura diverge do ocorrido em outros estados da federação, onde o acirramento dessas relações levou à
radicalização das posições. (Cf. BALHANA, 1981;VÉSCIO, 2001).
258
O maçom-espírita Euclides César, biografando Ibiapina, afirma: “No terreno puramente religioso, Julio
Ibiapina é um negativista, um cético, espírito rebelde, altivo, independente, combativo, que sonha, como também
já sonhei, destruir o edifício milenário da Igreja, adotando a antiga escola de crítica aos abusos dos padres, como
se tais erros e tais abusos, fossem suficientes para anular a grandeza da doutrina e dos ensinamentos de Cristo
[...]”. Florilégio. Julio Ibiapina. A Razão. 26 jun. 1929.
259
Dom Manoel, a Maçonaria e “O Nordeste”. O Ceará. Fortaleza-Ce, 21 out. 1926.
260
Idem.
189
261
Idem.
190
[...] campanha pertinaz movida desde muito tempo, na terra clássica do apelido,
contra um pequeno grupo de maçons ali residentes. Esses dignos cidadãos sofrem
perseguição, ao ponto de se verem na dolorosa contingência de, cedo ou tarde, ser
obrigados a mudar de localidade com prejuízos materiais e morais incalculáveis.
Essa deplorável perseguição é movida por espíritos mal orientados, não sendo
responsável por tais excessos a elite católica da hospitaleira e bela cidade do Aracati.
Seja como for, em nome da Moral e da Razão, e, de acordo com o art. 72 da nossa
Constituição, solicitamos para o caso, a esclarecida atenção do ilustre Presidente do
Estado, que, estamos certos, não tardará em intervir, como lhe cumpre, em prol da
manutenção da ordem material, ao sentido de garantir imparcialmente a expansão
de quaisquer doutrinas teológicas, metafísicas e científicas. (Grifo nosso).264
262
A Maçonaria não é Religião. Padres que foram maçons. O Ceará. Fortaleza-Ce, 22 out. 1926.
263
Intolerância religiosa no Aracati. Gazeta de Notícias. Fortaleza-Ce, 29 nov. 1928. Deve-se observar que essas
atitudes não pareciam ser atos isolados e individuais, pois nesse município havia, já, uma cultura católica
militante afinizada com a reação católica aos “modernismos”, alimentada por um semanário católico, O Rosário,
que circulara era entre 1908 e 1918, fazendo eco dos grandes combates do catolicismo na República.
264
Idem.
191
Mas essa questão ainda seria tratada adiante, com cores mais fortes, quando o
jornal O Povo denunciaria as tais perseguições, não mais como obra de “espíritos mal
orientados”. Assim é que, com matéria intitulada “O padre Edgard, de Aracati, recebeu mal os
maçons”265, o jornal publica a íntegra de um “boletim”, distribuído pelo padre Edgard Saraiva
Leão, “excomungando os obreiros jaguaribanos”. (Grifo do autor).
Em seu manifesto, o padre informa aos fiéis que “Hoje se vão reunir em sessão de
fundação os neomaçons desta cidade, ou melhor, a meia dúzia deles [...] POBRE GENTE!
CEGOS, INTEIRAMENTE CEGOS [...]”266 (Grifo do autor). O sacerdote questiona a
benignidade cívica da “Sessão branca” ou aberta, que iria acontecer: “Verdadeira
TAPEAÇÃO. A tal SESSÃO BRANCA é tão MAÇÔNICA como a da fundação, tão NEGRA
como os erros e os crimes que a FILHA DA VIÚVA vem praticando através dos séculos”.
Portanto, a essa sessão que “matreiramente querem dar o nome de cívica, NÃO PODE,
PORTANTO, ASSISTIR CATÓLICO NENHUM E SERÁ FALTA REPROBABILÍSSIMA
[...]”. (Grifo do autor). Finalizando, convoca os católicos do Aracati a elevarem preces a
Nosso Senhor
[...] pelos seus patrícios e parentes que tão desajuizadamente se fizeram maçons,
incorrendo assim na excomunhão da Santa Igreja e nas maldições de Deus. Para
eles muita compaixão nossa e para o maçonismo a que se ligaram - nossa aversão,
nosso ódio e nosso desprezo.267 (Grifo do autor).
265
O padre Edgard, de Aracati, recebeu mal os maçons. O Povo. Fortaleza-Ce, 29 jan. 1929.
266
Idem.
267
Idem.
192
Por ventura foi a Maçonaria que fez queimar a embusteira Joana d’Arc e decapitou
Jacques de Molay? Não. Foram aqueles que se dizem ministros de Deus que
praticaram tão horrendos e bárbaros crimes. E depois, verificando o erro foi a
maçonaria ou o clero que julgou santa a Joana d’Arc?269 (Grifo do autor).
Enfim, Padre Edgard, o seu ódio (oh! É incrível que um padre diga que tem ódio) –
o seu desprezo, nós retribuímos com nosso amor fraternal, rogando ao GRANDE
ARQUITETO DO UNIVERSO – QUE É DEUS, - que o faça trilhar o verdadeiro
caminho: o da verdade, vindo abrigar-se sob as abóbadas Maçônicas que respeitam
as crenças de seus Obreiros e ensinam ‘amar o próximo como ao si mesmo e a Deus
acima de tudo’ [...]. Venha Padre Edgard, aprender a melhor servir a Deus.270 (Grifo
do autor).
268
A Maçonaria no Aracati. Um boletim em resposta ao padre Edgard. O Povo. Fortaleza-Ce, 13 fev. 1929.
269
Idem.
270
Idem.
193
A Aug:. [usta] e Resp:. [eitável] Loj:. [a] Simb:. [ólica] Nov:. [a] Cruz:. [ada] do
Norte do Gr:. [ande] Or:. [iente] do Brasil, informada de que se premedita insólito
atentado, na cidade de Acaraú, contra a pessoa de seu membro Joaquim Quariguazy
da Frota, lança seu veemente protesto responsabilizando aqueles que, porventura,
levem a termo qualquer ato agressivo, na pessoa de seu referido consórcio.271
271
Um protesto da Loja Maçônica “Nova Cruzada do Norte”. O Povo. Fortaleza-Ce, 19 fev. 1936. Dois dias
depois, o jornal publica outra nota, desta feita da Loja Maçônica Igualdade, com o título: “A premeditada
agressão ao tabelião Joaquim Quariguazy da Frota”, onde a instituição “sente-se na obrigação de chamar para a
gravidade dessa ocorrência, já ressaltada pela imprensa local, a atenção dos poderes públicos do Estado [...]”. (O
Povo. Fortaleza-Ce, 21 fev. 1936).
194
272
Para que se resista fortemente e em toda parte à seita maçônica. O Nordeste. Fortaleza-Ce, 6 nov. 1936.
195
No Ceará, encontramos referências diversas desse embate, mas com uma tintura
bem matizada, onde se vincula com muita recorrência laicismo e maçonaria, tanto quanto
laicismo e positivismo. As décadas de 20 e 30 foram especialmente pródigas em opiniões,
reportagens, editoriais, manifestos, polêmicas, denúncias, veiculadas na imprensa cearense,
em diversos jornais, enfocando a questão ensino laico-ensino religioso nas escolas públicas.
Éramos ontem uma nação feliz sob o regime que nos legaram nossos antepassados, a
qual, em plena evolução, conforme iam permitindo sua riqueza e adiantamento,
caminhava serena e segura dos seus grandiosos destinos. Da noite para o dia,
levanta-se um sargentão, puxa da espada, e, por um mal compreendido amor à sua
classe, derriba a obra de três séculos, e nos impõe esta República que, há trinta e três
anos, consome nossas forças econômicas e estraga o nosso caráter. [...] A nossa
bandeira, aliás de uma seita, leva por toda a parte, nos mastros de nossas naves, o
desmentido de que sejamos uma nação de católicos; e as nossas escolas sem Deus
vêm confirmar que não passamos de um povo de ateus! 273 (Grifo nosso).
273
Escola sem Deus. O Nordeste. Fortaleza-Ce, 3 abr. 1923.
197
[...] o povo é crente e quer ver e sentir por toda parte a doce influência dos símbolos
de sua religião, enquanto as autoridades não querem ver Deus nem nas escolas, de
onde mandam retirar Cristo, e proibir o ensino religioso. Sem Deus, sem Cristo, em
que consistirá a educação moral da população infantil do Brasil, terra onde reina a
descrença nos homens e nas instituições a que entregaram os seus destinos?274 (Grifo
nosso).
274
Idem.
198
Em nome, pois, de seu passado, em nome de seus Maiores, em nome de seus feitos
para a Independência, para a Abolição e a República, ora veementemente protesta a
Maçonaria Brasileira contra os atos do Governo do Estado de Minas Gerais [...].276
(Grifo nosso).
275
Uma proclamação do Gr .. Or.. do Brasil - Liberdade, Igualdade, Fraternidade. O Povo. Fortaleza-Ce, 1 ago.
1929.
276
Idem.
277
O Município de Redenção dista 63 Km da capital Fortaleza, e é componente da microrregião do Maciço de
Baturité.
278
O ensino religioso nas escolas. Gazeta de Notícias. Fortaleza-Ce, 25 fev. 1929.
199
formação moral dos indivíduos, a qual só poderia ser conseguida por meio dos
insubstituíveis ensinamentos da Religião Católica’.279
Depois de didaticamente pontuar que “Se leigo deve ser o ensino público, e se
leigo à luz dos dicionários, é LAICO, isto é, que não pertence à igreja, estranho ao poder
eclesiástico, como adotar nas escolas o ensino católico?” (Grifo do autor); o redator recorre ao
ensino jurídico, estribando-se em “Almachio Diniz” e “Silva Marques”, para melhor
caracterização da “liberdade religiosa”. Todavia, no entender do jornalista, restaria uma
ressalva em favor da implantação do ensino religioso:
Essa posição pode ser encontrada com mais detalhe num artigo de Euclides Cezar,
no jornal A Razão, poucos dias depois de publicado o Decreto 19.941, de 30 de abril de 1931,
autorizando o ensino religioso nas escolas públicas de todo o País. Em seu artigo, Euclides
Cezar faz menção às movimentações de protesto contra a medida, através da recém-fundada
Liga Pró-Liberdade de Consciência. E, já considerando a impossibilidade de reverter aquele
quadro, observa:
279
Idem.
280
Idem.
200
Era óbvia, para o autor, a estatura minoritária dos grupos religiosos mencionados.
Porém, como que exercendo uma função pedagógica e coerente com suas crenças moderno-
espiritualistas, Euclides César não omite a importância e o lugar das minorias religiosas no
contexto da cultura nacional. Observa-se sua insistência, algo provocativa ao poder da maioria
católica, na defesa do pluralismo religioso na escola:
Nada mais lamentável do que efetivamente uma escola sem Deus, sem um ideal
superior, capaz de estabelecer severas regras de Moral, produto da disciplina
religiosa que se pode haurir tanto no Catolicismo, como no protestantismo, como no
Espiritismo. [...] O Cristianismo é um cadinho onde se acrisolam virtudes cívicas, os
deveres para com a Pátria. Mas, o Cristianismo não vem a ser somente o
Catolicismo, é Protestantismo, é Espiritismo, é todo credo baseado nas leis eternas
do Amor, da renúncia, do Perdão, pregadas por Jesus [...]282(Grifo nosso).
281
O ensino religioso na escola. A Razão. Fortaleza-Ce, 12 maio 1931.
282
Idem.
201
dia e cada vez mais aumenta de intensidade”.283 Dentre outras coisas, o presidente do Comitê
Maçônico, o médico Pedro da Cunha – “ilustre clínico que é professor da Faculdade de
Medicina da nossa Universidade do Estado do Rio, e uma das figuras de mais destaque dos
nossos meios científicos” –, questiona o argumento governamental de que a medida não
asseguraria a “exclusividade de culto algum”:
283
O ensino religioso nas escolas. A atitude da Maçonaria em face do ato do Governo. O Povo. Fortaleza-Ce, 1
dez. 1931.
284
Idem.
285
A nova Constituição. O Nordeste. Fortaleza-Ce, 17 jul. 1934.
202
Logo, cumpre aos poderes públicos bem intencionados dispensar todo apoio à
cristianização social, obra do maior alcance cívico, compreendida em nossa Pátria
pela Igreja Católica, a quem devemos as mais belas conquistas da nossa
civilização”.287
286
Idem.
287
O ensino religioso. Almanaque do Ceará - 1932. Fortaleza-Ce, p. 260-261.
288
O ensino religioso no Liceu. O Nordeste. Fortaleza-Ce, 22 abr. 1936.
289
Idem.
290
Idem.
203
Também sobre o ensino primário, o jornal A Razão, desta feita como órgão
integralista, revelava estatísticas animadoras da matrícula no ensino religioso. Em artigo, com
o irônico título “O perigo do ensino religioso”, pretendia voltar ao assunto polêmico, pois:
“Vale a pena relembrar a celeuma. Hoje, já ninguém fala nela [...].”291 Segundo o articulista, o
argumento de que haveria uma “luta religiosa” nas escolas, com a implantação do ensino
religioso, não dera em nada. E descreve o clima harmonioso: “Passam-se os tempos. Faz-se a
matrícula, estamos quase no fim do ano, e nada, absolutamente nada, aconteceu. O mais
pequenino atrito entre docente, e ainda menos entre discentes, não ocorreu. Tudo em calma
[...]”.292 (Grifo nosso).
A partir de 1937, com a instauração da ditadura do Estado Novo, até 1945, quando
se dá a queda Getúlio Vargas, estreitam-se cada vez mais os laços entre a Igreja Católica e o
Estado. A primeira, legitimando ideologicamente o regime ditatorial; o segundo, assegurando
um velado monopólio religioso, favorecido pelas concessões constitucionais e pela
perseguição às demais religiões e correntes espiritualistas, sob o argumento da teoria
conspiratória. Nesse contexto, amalgamava-se a ideologia corporativo-nacionalista assentada
no autoritarismo e no tradicionalismo.
291
O perigo do ensino religioso. A Razão. Fortaleza-Ce, 12 nov. 1936.
292
Idem.
293
O autor não informa detalhes da procedência desses números e a que lugar e ano dizem respeito. Em caso de
se tratarem do ensino primário no Ceará, convém confrontá-lo com as informações da nota nº 63, deste trabalho.
294
Idem.
204
295
Conferir a nota 121 deste trabalho, onde consta observação sobre as conferências constantes na obra citada.
296
FRANÇOIS MARIE GABRIEL DELLANE (1857-1926). Seu pai, Alexandre Dellane, era amigo pessoal de
Allan Kardec e sua mãe foi uma das médiuns que colaboraram com o trabalho de codificação do Espiritismo. Foi
engenheiro-eletricista e estudioso da Doutrina Espírita nascente. Aos 28 anos de idade, publicou a obra O
Espiritismo Perante a Ciência. Posteriormente saíram: O Fenômeno Espírita (1893), Evolução Anímica (1895),
Pesquisa sobre a Mediunidade (1898), A Alma é Imortal (1889), As Aparições Materializadas (1909), dentre
outras. Foi fundador da União Espírita Francesa e, com Leon Denis, participou do Congresso Espírita
Internacional de 1900 e de 1925. Trabalhou algum tempo com o metapsiquista Charles Richet. (Cf. PALHANO
JR., 1997, p.167-168).
205
Noutra conferência, Vianna, trata das teorias vigentes sobre a “essência espiritual”,
como “três idealizações, mais flagrantes”, mencionando:
Põe em consideração crítica a terceira vertente, que “mutila a ideia que devemos
possuir da bondade e da justiça de Deus. Porque como explicar o aparecimento dos aleijões,
dos cretinos de nascimento [...]”, para, em seguida fechar o argumento, afirmando
categoricamente:
206
Das três maneiras de conceber a gênese das almas, a única – já o dissemos alhures –
que se harmoniza com a razão e a ciência, com os fatos de observação e o
experimentalismo psicofísico contemporâneo, é a da preexistência, mostrando a
evolução progressiva do ser pensante através de inumeráveis formas até adquirir a
pureza máxima compatível com a felicidade eterna. (IDEM, IBDEM).
297
ANDREW JACKSON DAVIES (1826-1910). Nasceu nos Estados Unidos da América e foi considerado o
“pai do Moderno Espiritualismo” e “o Allan Kardec norte-americano”. Médium clarividente desde a
adolescência. Protagonizou um fenômeno de transporte 1844, quando foi levado de sua casa, na localidade de
Pougheepsie, às montanhas de Catskill, acerca de 55 km de distância, onde teve conferência com os Espíritos
Galeno e Swedenborg. Posteriormente, desenvolveria a mediunidade de xenoglossia e a erudita, que lhe permitia
dissertar sobre arqueologia, história, ciências naturais. Sob transe mediúnico escrevera vários livros, destacam-
se: Os Princípios da Natureza, Filosofia Harmônica. Observou e descreveu fenômenos desencarnatórios, fez
profecias sobre inventos futuros e, em 1847, previu a manifestação ostensiva dos Espíritos, que ocorreria no ano
seguinte, a partir de Hydesville, com as irmãs Fox, ficando conhecido como “o profeta da Nova Revelação”. (Cf.
PALHANO JR., 1997, p. 203-204).
207
Não raro chegam a negar a existência de escritores profundos como Elifas Levi298,
Stanislau de Gnitz, Annie Besant, Roso de Luno, Papus, Barlet, Olcott, Blavatsky,
Steiner, e dezenas de outras grandiosas mentalidades [...] eminentíssimos pioneiros
das novas ideias regeneradoras. [...] Os espíritas, teósofos e ocultistas possuem
razões de alta valia, justificando o interesse que assinalam à análise reiterada,
insistente, contínua, de todos os fenômenos ligados direta ou indiretamente à
supervivência do eu, considerado como uma das mais sublimes forças em perene
atividade no conjunto das harmonias universais. (IDEM, p.117-124, grifo do autor).
Marcando presença na cena jornalística local, com seus dotes literários conhecidos
e reconhecidos, Teodoro Cabral – o Polibio – faria de suas crônicas diárias uma trincheira
permanente na defesa de uma religião renovada, entendida numa perspectiva evolucionista e
racionalista, um tanto rarefeita do cientificismo exacerbado dos primeiros anos do século, que
marcara a trajetória de um Viana de Carvalho.
Polibio reconhecia que os anos passavam e a “fé racional” ainda era algo distante
da massa da população, apesar do avanço da modernidade, do “assombroso desenvolvimento”
das “ciências positivas”:
A religião continua a ser o que já era na antiguidade, uma matéria opinativa, uma
questão de simpatia, que a gente escolhe, aceita ou recusa: a Humanidade espera
ainda que surja o descobridor do método que torne a Religião uma categoria do
espírito, uma necessidade mental que se imponha a golpes de experiências,
observações e raciocínios. Os progressos nesse sentido alcançados nestes últimos
tempos, com as experiências psíquicas, são admiráveis, porém insuficientes para
obrigar à convicção. A fé, que é sentimento, ainda é uma condição indispensável da
razão de crer [...].299 (Grifo nosso).
299
Ecos e Fatos. Gazeta de Notícias. Fortaleza-Ce, 20 fev.1929.
300
Ecos e Fatos. Gazeta de Notícias. Fortaleza-Ce, 28 mar.1929.
209
301
Idem.
302
A Tribuna. Fortaleza-Ce, 5 dez.1922.
303
Os capítulos do livro têm as seguintes denominações: “As Correntes Filosóficas”, “Ciência e Religião”,
“Unidade e Multiplicidade”, “O Plano Divino”, “Vida e Forma”, “A Finalidade da Existência”, “O Processo
Evolutivo”, “A Lei Universal”, “O Microcosmo”, “A Sucessão das Raças”, “O Dinamismo Cósmico”. (Cf.
CORREIA, 1927).
210
intuição, procura e se encaminha para ‘a grade Causa que vela, augusta e silenciosa, sob o véu
misterioso das coisas’”. (CORREIA, 1927, p. 7).
304
“No Oriente, o espírito é um princípio cósmico, a existência do ser em geral, ao passo que no Ocidente
chegamos à conclusão de que o espírito é condição essencial para o conhecimento e, por isso, também para a
existência do mundo enquanto representação e ideia. No Oriente, não existe um conflito entre a ciência e a
religião, porque a ciência não se baseia na paixão pelos fatos, do mesmo modo que a religião não se baseia
apenas na fé. O que existe é um conhecimento religioso e uma religião cognoscitiva. Entre nós, ocidentais, o
homem é infinitamente pequeno, enquanto a graça de Deus é tudo. No Oriente, pelo contrário, o homem é deus e
salva-se por si próprio”. (JUNG, 1989, p. 12).
211
Para a Maçonaria, a relação entre a fé, a religião e a moral com a ciência era
condição essencial para a compreensão da essência da própria Maçonaria e da condição
humana na terra. Pensada e definida como uma grande escola de sabedoria, a Maçonaria
contempla a evolução do conhecimento humano a partir do corte conceitual entre os
conhecimentos iniciáticos (esotéricos) dos antigos e os conhecimentos científicos (exotéricos)
modernos, integrando-os na evolução histórica, com a função de esclarecer gradativamente a
consciência humana da sua interação espírito/matéria. No Livro Maçônico do Centenário,
obra lançada em homenagem ao Centenário da Independência do Brasil, comemorativa,
informativa e porque não dizer, também normativa; na parte referente à definição de
Maçonaria, seus autores afirmam:
[...] a sabedoria deve ser a fonte de toda a virtude e de toda a fé, ainda porque, em
última análise, estes dois termos se confundem. [...] a virtude [...] é convenção, por
não partir de um espontâneo movimento d’alma, sem cujo dinamismo, toda a ação
perde o valor moral para se constituir um ato mecânico; a fé que não vem da razão,
que não participa do conhecimento, pertence aos impulsos atávicos, às vibrações
subconscientes, não é um elemento de verdade, mas de superstição [...]. (BASTOS;
CARAJURÚ; DIAS, 1922, p. 27, grifo nosso).
[...] Quero falar de um uso, ou antes um abuso, corrente entre alguns fiéis,
ignorantes, já se vê, da Santa Madre Igreja Católica Apostólica Romana, a que não
pertenço. [...] É uma praxe cuja origem se perde em longínquo passado a de fazer
305
Teosofia. Luiz de M. Correia. A Tribuna. Fortaleza-Ce, 6 dez.1922.
212
promessas. [...] No meu parecer de herege contumaz, acho que ao Criador, nós as
criaturas que o adoramos, temos o direito de pedir-lhe todas as coisas que julgamos
boas e necessárias, especialmente as de caráter espiritual, mas nada lhe devemos
prometer, a não ser praticar o que julgamos serem os seus mandamentos.306(Grifo
nosso).
Há certas beatas que têm a mania inocente de prometer a Deus a realização de uma
festa religiosa, ou a dádiva de um ornato a uma capela, ou a celebração de um par de
missas, sem disporem do necessário recurso para o cumprimento do que prometem.
Quando imaginam que o milagreiro de sua devoção as atendeu tocam a importunar a
toda gente [...]. Se eu fosse padre, quando me coubesse a vez de confessar uma
dessas maníacas, eu falar-lhe-ia assim: - Filha, para que prometes o que não podes
cumprir? – Seu vigário, é um sacrifício [...] - Não tens dinheiro? Mais que o
sacrifício material, agrada a Deus o sacrifício moral. [...] Procura ser grata à infinita
Misericórdia com o sacrifício da tua vaidade, do teu orgulho [...] Porque não passas
uma semana, ao menos, privando-te do prazer satânico da maledicência? [...] Ela
levantar-se-ia dos meus pés muito menos beata [...] e muito mais cristã.307 (Grifo
nosso).
O mesmo Polibio travaria elástica polêmica com articulistas católicos, nas mesmas
crônicas, sobre o uso de imagens, o “Cristo no Júri”, onde as ideias de superstição, fanatismo
e atavismo espiritual se fazem presentes, embora o autor respeitasse o “nível evolutivo”, o
estágio espiritual dessas almas. Assim, para os pertencentes à Maçonaria, a sabedoria “é toda
a soma do conhecimento; é a escala de gradação intelectual, de ascensão moral, de evolução
espiritual, que constitui a partilha comum que todos podem cultivar, na medida de seu
conhecimento”. (BASTOS; CARAJURÚ; DIAS, 1922, p. 27).
306
Ecos e Fatos. Gazeta de Notícias. Fortaleza-Ce, 4 set.1927.
307
Idem.
213
Em outras palavras, como Allan Kardec assinalara que o Espiritismo viera por fim
ao mistério, ao sobrenatural, ao revelar as leis da vida espiritual; a moderna Teosofia se
propondo a investigar e demonstrar cientificamente as leis que presidem a dinâmica
fenomênica do Universo; a Maçonaria asseverava: “Ontem era a ciência limitada aos
iniciados, hoje é a ciência aberta em todos os livros, o fim da lei religiosa sem explicação”.
(IDEM, p. 28).
Quem sabe se nesses ignotos mundos do grande nada, outra vida não reponta,
risonha e dourada de poesias sublimes e de encantos divinais [...]. Quem sabe se, os
amantes que morrem na terra não ressurgem para enlaçar-se nos céus [...]? Quem
sabe se não são olhos humanos, que nos espreitam de longe, com amor e com
saudade [...]? 308
308
Apud Ata Loja Igualdade. Fortaleza-Ce, 7 nov.1928.
214
que “pregavam uma superexistência imortal”; Cícero admitindo a morte como a “ditosa
mansão dos que deixam a vida”; considera os celtas [das] Gálias, com seus magos druidas e
seus “ritos solenes da superexistência” [...]; chegando ao cristianismo, com a misteriosa
juventude de Jesus entre os essênios e sua conferência secreta com o “doutor da lei”,
Nicodemos, narrada por João, o evangelista.
Sim, porque o nosso ambiente agora mesmo, como que rebrilha com as cintilações
intangíveis de nossos gênios tutelares, os nossos irmãos mortos como que aqui se
acham, deslumbrando o nosso pensamento de inspirações e de saudades, que não
309
Idem.
215
morrem. [...] Crede: os nossos irmãos não estão ausentes, eles apenas estão
invisíveis [...].310
310
Idem.
311
A Maçonaria não é uma seita religiosa, nem um agrupamento político. Democracia. Fortaleza-Ce, 24 out.
1937.
312
Idem.
216
[...] não desejam se inclinar ante autoridades que seu semelhante criou; recusam-se
prostrarem ante os ídolos feitos por suas próprias mãos [...] A seus olhos a religião
não é um conjunto de formas exteriores, mas uma questão de sentimento: não
consiste numa fé cega, nos dogmas, mas, sim, na livre elevação do espírito acima da
prosaica realidade.313(Grifo nosso).
313
Idem.
217
CAPÍTULO 4
Deus criou todos os Espíritos iguais, mas cada um deles viveu mais ou menos tempo
e, por conseguinte, realizou mais ou menos aquisições; a diferença está no grau de
experiência e na vontade, que é o livre-arbítrio; daí decorre que uns se aperfeiçoam
mais rapidamente, o que lhes dá aptidões diversas. (KARDEC, 1996b, p. 305-306).
314
As Leis Morais são apresentadas na seguinte ordem: Lei Divina ou Natural, Lei de Adoração, Lei do
Trabalho, Leis de Conservação, Lei de Destruição, Lei de Sociedade, Lei do Progresso, Lei de Igualdade, Lei de
Liberdade, Lei de Justiça, Amor e Caridade, Perfeição Moral.
218
Desse modo, haveria uma igualdade natural em toda a espécie humana, oriunda
das condições da criação divina, contudo, os ritmos diferenciados das existências dos homens,
no uso do “livre-arbítrio”, decorridas no processo evolutivo, teriam originado a diversidade de
aptidões. Daí, decorre para o Espiritismo – com aval de teosofistas e de maçons – que é
impossível a igualdade entre os homens. Noutra obra basilar do Espiritismo, Kardec analisa as
“desigualdades das riquezas”. Considerando-a como “um dos problemas que em vão se
procura resolver”, argumenta:
[...] supondo-se feita essa repartição [igual], o equilíbrio seria rompido em pouco
tempo, em virtude da diversidade de caracteres e aptidões; que, supondo-se possível
e durável, tendo cada um somente o necessário para viver, isso equivaleria ao
aniquilamento de todos os grandes trabalhos que concorrem para o progresso e o
bem-estar da humanidade; (KARDEC, 1996, p. 234).
Assim, o codificador do Espiritismo revela uma sutil contradição com o ensino dos
Espíritos, no tocante à problemática social, pois segundo os Espíritos Superiores, a
desigualdade das riquezas não resultava apenas da desigualdade de aptidão. Portanto, a
desigualdade social não é lei da natureza. E isso, o próprio Kardec já havia assinalado, quando
indagara na questão nº 806, do mesmo O Livro dos Espíritos: “A desigualdade das condições
sociais é uma lei natural?” A resposta é límpida: “- Não; é obra do homem e não de Deus”.
(KARDEC, 1996b, p.306). Essa postura revela as influências ideológicas positivistas e
evolucionistas, e certo darwinismo social a que estava sujeito o professor Rivail, a despeito de
sua formação humanista pestalozziana.
219
[...] O Espiritismo ali está recrutado em todas as classes, mas é, sobretudo, na classe
operária que ele se propagou com mais rapidez, e isso não é espantoso; esta classe,
sendo a que sofre mais, volta-se do lado onde ela encontra mais consolação.
(KARDEC, 1993).
E, dirigindo-se aos patrões que insistiam em proibir a adesão dos operários à nova
ideia, alertava: “Ela [a classe operária] se voltaria para vós; mas em lugar disso quereis lhe
tirar o que a ajuda a carregar seu fardo de miséria; é o mais seguro meio de vos alienar às
suas simpatias e engrossar as fileiras que vos são opostas”. (KARDEC, 1993, grifo nosso).
acusava a Providência: hoje sei que Deus pesa tudo na balança de sua justiça e
espero o seu julgamento; se está em seus decretos que eu deva sucumbir na miséria,
pois bem! sucumbirei, mas com a consciência pura, mas sem levar o remorso de ter
roubado um óbolo àquele que poderia me salvar a vida. Dizei-lhe: Eis para que
serve o Espiritismo, essa loucura, essa quimera, como o chamais. [...] fazei
compreender o Espiritismo com as suas consequências salutares, e quando ele for
compreendido [...] será acolhido como uma garantia da ordem social [...]
(KARDEC, 1993, grifo nosso).
Olhando em torno de nós, verificamos entre os homens e entre ouros seres graus
diferentes de consciência. Essa diferença de graus de consciência marca a atitude
obtida por cada um no caminho evolutivo. Uns mais atrasados se acham; outros,
mais adiantados; alguns há, mesmo, que tentam parar no caminho (como crianças
vadia em marcha para a escola) e parecem esquecer o objetivo da viagem.
(CORREIA, 1927, p. 24-25).
[...] explica como o homem é o artífice do seu próprio destino, como ele vive
precisamente a vida que para si mesmo preparou e, por isso, não deve acolher com
ódio ou blasfêmias o espetáculo, que à sua vista se oferece, da disparidade de
fortuna, de inteligência e de qualidades entre os homens. (CORREIA, 1927, p. 46-
47, grifo nosso).
222
Na Maçonaria, por sua vez, embora não haja declaração explícita da adoção oficial
do princípio reencarnacionista, é possível encontrar, nas reflexões sobre a filosofia da Ordem,
ingredientes de seu esoterismo que remetem a uma perspectiva evolucionista, onde se aponta
para outras dimensões de vida, ainda não reconhecidas pela ciência, como dizem, e ignoradas
pela maioria das pessoas. Tome-se, como exemplo, as palavras de Bastos; Carajurú; Dias
(1922), tratando de filosofia, religião e moral na Maçonaria:
Para o indivíduo, a obra material fica na terra e se perde; ao passo que a obra do
espírito o acompanha e se acresce constantemente, em cada nova etapa, é um
potencial irremovível que, no plano das realizações e que é a vida planetária, não
precisa senão do esforço pessoal para revelar-se. (BASTOS; CARAJURÚ; DIAS,
1922, p. 46, grifo nosso).
223
Era a figura geométrica da estrela de cinco pontas. Uma ponta para cima, duas para
os lados e duas para baixo representavam o espírito dominando a matéria, o homem
que conhece a si mesmo, que é senhor das próprias volições. A estrela invertida, isto
é, com duas pontas para cima, duas para os lados e uma para baixo, significava o
homem dominado pela matéria, dirigido pelas correntes que agitam o seu meio de
ação, escravo dos seus desejos. (Grifo nosso) 315
Os que “sabem” afirmam que neste mundo não há nada à toa. Há perfeita harmonia
na discordância aparente. A natureza não se confina ao mundo material. Vai adiante.
Como os fenômenos físicos estão submetidos a condições imperiosas, chamadas leis
científicas, assim também os fenômenos sociais, psicológicos, espirituais ocorrem
em obediência a regras incoercíveis. [...] Os que “conhecem” igualmente não se
molestam quando os eruditos do mundo profano põem em dúvida a existência de
315
Ecos e Fatos. Gazeta de Notícias. Fortaleza-Ce. 16 set. 1927.
224
316
Idem.
317
Para à frente. A Razão. Fortaleza-Ce. 21 nov. 1930.
225
318
“Tal foi ou deveu ser a origem da sociedade e das leis que criaram novas peias para o fraco e novas forças
para o rico, destruíram, sem possibilidade de retorno, a liberdade natural, fixaram para sempre a ordem da
propriedade e da desigualdade, que, de uma astuciosa usurpação, fizeram o direito irrevogável, e, para proveito
de alguns ambiciosos, sujeitaram, daí por diante, todo o gênero humano ao trabalho, à servidão, à miséria”.
(ROUSSEAU, 1987, p. 190, grifo nosso).
226
319
Pode-se citar, dentre outros: o Primeiro de Maio (1904), órgão do Centro Artístico Cearense; O Regenerador
(1908), órgão do Clube Socialista Máximo Gorki; Ceará Socialista (1919), órgão do Partido Socialista Cearense;
Voz do Gráfico (1920), órgão da Associação Gráfica do Ceará; O Combate (1921), órgão da Federação dos
Trabalhadores do Ceará; Trabalhador Gráfico, órgão do Sindicato dos Trabalhadores Gráficos; Voz Proletária
(1930), órgão comunista e O Legionário (1933), órgão da Legião Cearense do Trabalho.
227
social eram o retrato dos estertores da sociedade capitalista geradora das condições de sua
própria destruição, na qual assumiam papel de vanguarda os trabalhadores organizados; para a
outra vertente, vivia-se uma crise moral, acerbado individualismo e transição espiritual-
planetária.
320
Ecos e Fatos. Gazeta de Notícias. Fortaleza-Ce. 3 nov. 1928.
321
Idem.
228
Procurar alcançar reformas políticas sem antes haver efetuado uma reforma na
natureza humana, é o mesmo que colocar vinho novo em odres velhos. Faça com
que os homens sintam e reconheçam no mais íntimo de seus corações qual é o seu
dever real e verdadeiro para com todos os homens, e todo velho abuso do poder,
toda lei perversa na política nacional, baseados no egoísmo humano, social ou
político desaparecerão por si mesmos. (BLAVATSKY, 2004a, p.202, grifo da
autora)
Assim, para a autora, “Todas as coisas boas e más na humanidade têm suas raízes
no caráter humano, e esse caráter é e tem sido condicionado pela cadeia infinita de causa
efeito. [...] O progresso somente pode ser alcançado através do desenvolvimento das
qualidades mais nobres”. (BLAVATSKY, 2004. p.205).
322
A fraternidade e a questão social. A Unidade. Fortaleza-Ce. 1 jan. 1924.
323
Idem.
229
324
Sociedade Deus e Mar. Voz do Gráfico. Fortaleza-Ce. 6 jan. 1921. (Cf. GONÇALVES; SILVA, 2000, p.
105).
230
Defender que, no Brasil, “os conflitos entre patrões e operários, sempre têm sido
resolvidos pacificamente”, era forçar por demais a ideologia da ordem. Nesse aspecto,
Teodoro Cabral, já relativiza considerando a natureza conflituosa da vida social. Observe-se
que Euclides Cesar tinha experiência junto às associações de trabalhadores. Quando nessas
entidades, fora coerente com essas ideias, de tal modo que até considerava válida a atuação
católica naquele meio; apesar de ter sido bastante severo com o clero local, quando se tratava
de ataques ao Espiritismo, à Maçonaria, ao ensino leigo.
Não sou, moralmente, um dos teus; não estou lutando por ti; outros interesses e
outros ideais, que não sejam os de tua classe (que, aliás, é a minha) reclamam o
melhor do meu esforço. Todavia, teu inimigo não me consideres. Sinto-me ligado a
ti pelo sentimento de solidariedade que me prende a todos os meus irmãos em
325
Patrões e operários. A Razão. Fortaleza-Ce. 14 jan. 1931.
326
Ecos e Fatos. Gazeta de Notícias. Fortaleza-Ce. 3 set. 1929.
231
humanidade sem acepção de raça, política e religião. [...] teu guia não posso ser,
nem pretendo. Faltam-me as qualidades de [...]327
E é movido por esses “outros interesses e outros ideais”, que Polibio presta-se a
educar o “proletário cearense”, reconhecendo o caráter contraditório da sociedade vigente, sua
posição conciliatória e a presença do plano divino: “A atual organização social divide a nossa
humanidade em classes com interesses divergentes e que, por isso, se entreodeiam e se entre-
perseguem. Não persigo nenhuma e defenderia a todas, se possível me fora”. Porém, apesar
das “incompreensões” e “incompatibilidades” que dificultam a realização da “felicidade
comum”, segundo o autor, é preciso considerar que:
327
Idem.
328
Idem.
232
carta circular da União Popular Cristo Rei – associação beneficente católica –, solicitando-lhe
opinião sobre “as doutrinas e práticas comunistas que ora nos contristam e alarmam”. Após
fazer uma “explicação” ao leitor sobre a procedência católica do documento, religião à qual
não pertencia; o cronista responde:
329
Ecos e Fatos. Gazeta de Notícias. Fortaleza-Ce. 4 fev. 1931.
330
Idem.
233
O autor acrescenta outro empecilho: “[...] a falta de operários, já que o Estado não
possuía um grande número de indústrias”, para não dizer da “ausência de um operariado
historicamente combativo ou que já tivesse alguma experiência ou militância em movimentos
sindicais de orientação de esquerda”. (RIBEIRO, 1989, p. 31-32). Contudo, a burguesia local
e os grupos conservadores ativaram acirrada campanha de opinião pública e junto ao Estado
para barrar o crescimento da “besta comunista”. Além da propaganda anticomunista na
imprensa, fundam, em janeiro de 1931, a União Sindical do Trabalho, “reunindo elementos de
maior destaque das classes conservadoras de Fortaleza” e, segundo seu programa, dela
“participarão: patrões, operários, comerciantes, caixeiros e intelectuais”. (apud RIBEIRO,
1989, p. 36, 157). Sua comissão organizadora era formada exclusivamente por indivíduos
integrados ao clero e ao laicato católico: Mons. Tabosa Braga, Andrade Furtado, Lincoln
331
Idem.
234
Matos, José Martins Rodrigues e Raimundo Araripe. Em agosto daquele mesmo ano, era
fundada a Legião Cearense do Trabalho (LCT), sob o comando do tenente Severino Sombra,
atraindo o apoio católico por sua postura de combate ao comunismo. Em 1932, seria a vez da
criação da Liga Eleitoral Católica e do núcleo cearense da Ação Integralista Brasileira.
Não faltavam, por isso, as respostas da militância operária de esquerda aos setores
conservadores. O editorial do jornal comunista Voz Proletária, de 1º de fevereiro de 1930,
declarava:
Eles [“os patrões botocudos e recalcitrantes”] bem conhecem que ser socialista não é
ser anarquista; eles bem sabem que socialismo significa aproximação íntima de
todas as classes, de todos os homens, sob um mesmo princípio, um mesmo fim, que
é a confraternização dos povos, o bem-comum e a igualdade entre todos os seres
humanos. [...] Socialista foi o Divino Mestre que com a eloquência de sua palavra
pregava, sempre, a Liberdade e a Igualdade entre os homens [...].332
Enquanto o operário está vigoroso e são, luta. As forças que Deus e a natureza lhe
deram, o sustém e sustém o seu lar [...]. Um dia, porém, o operário foi ferido mais
profundamente, sentiu o peso da desdita, e procurou fugir a ela. Reconheceu que era
uma força e que podia, de acordo com leis divinas e naturais, fazer face ao patronato
que o explorava [...].333
332
Ser socialista não é ser anarquista. Ceará Socialista. Fortaleza-Ce. 7 set. 1919. (Cf. GONÇALVES, 2001).
333
O operário, o caráter e a política. Voz do Gráfico. Fortaleza-Ce. 5 fev. 1921. (Cf. GONÇALVES;SILVA,
2000).
334
Guerra. Voz do Gráfico. Fortaleza-Ce. 26 mar.1921. (Cf. GONÇALVES;SILVA, 2000). Tratava-se das
iniciais da jovem teosofista Maria José de Castro. (Cf. nota rodapé 144, deste trabalho).
236
dos Espíritos (1857), à questão 742, quando Allan kardec indaga aos Espíritos: “Qual a causa
que leva o homem à guerra?” Obtém como resposta: “Predominância da natureza animal
sobre a espiritual e a satisfação das paixões [...]”. (KARDEC, 1996b, p. 286).
335
Idem.
336
A solução do problema social. O Combate. Fortaleza-Ce. 26 jun. 1921. (Cf. GONÇALVES;SILVA, 2000).
Mais detalhes dessa relação constam em “Modernidade e espiritualismo na operária cearense da Primeira
República”. (SILVA, 2008).
237
autoritário, vigente nos anos de 30, não tivera lugar de exclusividade a atuação social e
política da hierarquia e do laicato católico, como tem ecoado nos estudos sobre o período.
Essa preocupação com o estatuto moral da sociedade também foi recorrente nos
escritos de outros agentes do moderno-espiritualismo, à medida que tratavam temas como o
carnaval, as artes, o divórcio, o comportamento feminino, o lugar da mulher. E por tratar a
mulher, seja como “reserva moral” da sociedade, sob o influxo positivista, seja como dotada
de direitos iguais aos do homem, concordando com o Espiritismo; esses agentes tornavam-se
alvo do clericalismo, que os acusava de incentivadores dos maus costumes e da libertinagem.
Bem outro, já se viu, era o posicionamento dos maçons cearenses, fossem eles
teosofistas ou espíritas. Ainda em 1922, quando justificava a criação da Academia Polimática
– associação cultural e cívica que incentivava a atuação ostensiva da mulher – Euclides César
afirmava: “Aceitamos o concurso da mulher cearense, como elemento central na cultura da
nossa sentimentalidade, fonte dos grandes pensamentos. Além disso, achamos que a mulher
cearense exerce uma ação corretiva no ambiente”.339 Também, dois anos antes da denúncia
católica, Teodoro Cabral havia dedicado uma crônica ao tema do sensualismo e despudor da
“Moda”, que atingia as mulheres do seu tempo. “Vejo todos os dias meninas, que me causam
piedade”, inicia Polibio, justificando não tratar-se de crianças mendigas, nem dos cortiços...
Pelo contrário: “As meninas de família, as donzelas da boa sociedade, esses entes
privilegiados, a quem de mãos dadas protegem a lei, a religião e os costumes, estão
ameaçadas no seu patrimônio moral. Ameaça-as a Moda!”.340 Reconhece que “Dos encantos
337
A Maçonaria e a Mulher. O Nordeste. Fortaleza-Ce, 14 abr. 1929.
338
Idem.
339
Correio do Ceará. Fortaleza-Ce. 28 nov. 1922. Na Academia Polimática “O culto, o respeito, a valorização
do papel da Mulher na sociedade, [era] a tônica dominante. E não só a reverência. Também a presença maciça do
mundo feminino às sessões. E não só a presença. Mas a sua ativa participação, através de conferências, apartes,
recitativos. Tal acolhida e efetiva colaboração feminina não a encontramos em outras associações literárias”.
(BÓIA, 1988, p. 153).
340
Ecos e Fatos. Gazeta de Notícias. Fortaleza-Ce. 25 ago. 1927.
239
que a natureza oferece aos nossos olhos, nenhum mais enleva e arrebata a uma alma de esteta
que uma mulher bela”. Em seguida, porém, Polibio passa de esteta a moralista:
Esquece a moçoila, que a mulher vale mais pelo pudor, pela castidade, pelo amor
dedicado, pelos dons de coração e do espírito que pelas vãs aparências exteriores
que, lhe atraem admiradores, que a desejam, mas não lhe [sic] querem. E não na
estima quem a deseja como “uma qualquer”. Nela, vê um lindo, um delicioso
animal, não uma irmã em humanidade.342(Grifo do autor).
341
Idem.
342
Idem.
240
Se, em vez de pecador relapso e rude aprendiz de moral, fosse eu um moralista, não
adotaria, quando tentasse edificar o próximo, o método rabugento, tão do agrado dos
mestres do comportamento e da boa conduta. Mostra minha breve experiência do
mundo [...] que os viciosos e pervertidos são passíveis de emenda, mas que a
emenda só se opera verdadeiramente quando o enfermo moral se convence do erro e
deseja abeirar-se do bom caminho ou reingressar nele, se porventura já antes o
palmilhara.343
Meus amigos, vós vos entregais, nestes dias, a extraordinários excessos que muito
vos prejudicam, tanto a saúde do corpo como a saúde da alma. Acreditais, parece-
me, que a nossa consciência não se extingue com a morte física e a essa consciência
imortal dais o nome de alma ou espírito. Aceitais que o espírito é responsável por
tudo quanto faz na Terra. Para os crentes, como vós, pertencentes ao ramo religioso
chamado cristianismo, é a Bíblia, especialmente os Evangelhos que apontam as
normas de conduta. E continuaria: Os cristãos, pelo fato de o serem perdem,
deliberadamente, o direito de fazerem mal aos outros e a si próprios também. Não
lhes é lícito se entregarem aos desregramentos de costumes, porque a dissolução, o
deboche, a orgia arruínam o corpo e quebrantam o espírito.344(Grifo nosso).
Ensinando que o mal do homem não pode ser limitado à terapêutica dos cultos,
ritos, sacramentos e penitências das religiões; conclama-o a aceitar o ensinamento, outrora
iniciático, de que o “espírito é responsável por tudo quanto faz na Terra” e que nos
Evangelhos se encerram as “normas de conduta”. Vê-se clara a intenção de difundir uma
perspectiva mais naturalista da religião, cumprindo função de ordenamento sociomoral e de
realização espiritual do homem, através da semeadura de uma religiosidade para além das
formas exteriores.
343
Ecos e Fatos. Gazeta de Notícias. Fortaleza-Ce. 7 fev. 1929.
344
Idem.
241
“Dizia Hortus, limpando os beiços na aba da túnica [...]: – Sustento o que lhes
disse. A segurança do estado, a tranquilidade social, a paz das famílias, depende do culto dos
deuses, que, por um dever de patriotismo, deve ser mantido custe o que custar!”. Ao que
acudiu afirmativamente o grego Teofrasto: “D’acordo. O povo precisa de culto. Um bezerro
de ouro, uma estátua de mármore, uma boneca de cera [...]. Tudo serve para contentar a fome
de ilusão [...].” Nesse ponto o judeu Bar-Simon pede licença para dar um parecer, antes
informando que era comerciante, mas estudara para ser rabino, tendo sido “discípulo de
Gamaliel”. Pelo continuado interesse por filosofia e religião, informava, chegara a algumas
conclusões. E, saindo da troça dos interlocutores [...], o judeu prosseguiu:
E quando uma fórmula religiosa envelhece e, por isso, não corresponde às necessidades
espirituais de determinada época, então morre uma religião e nasce outra”. O romano
esbraveja, em protesto: “O culto dos deuses é eterno. Júpiter é o senhor do Céu e da Terra e
[...].” Bar-Simon, reitera a afirmativa:
[...] – Deus, que lhe chamem Jeová, Zeus, Júpiter, Odin ou Wotan; Deus, o
supremo ordenador do Universo, é eterno concedo e concordo. Jamais desaparecerá
o culto ao Senhor dos Mundos. Mas esse culto, que gira em torno ao sentimento
perene da religiosidade, varia, com o tempo e com o espaço. A religião não morre?
Sim, a religião não morre, porém morrem, porque nascem e crescem, as religiões ou
credos religiosos [...].346
Esse aspecto religioso, abordado por Teodoro Cabral, através de Polibio, é parte
integrante do grande debate nacional naquele início da década de 30, que estivera tão presente
na República que caíra no impulso da chamada “Revolução de 30”, e que fazia parte das
expectativas no quadro futuro da nação. Caíam as velhas oligarquias, ascendiam os
dissidentes, os políticos das camadas médias, militares, elementos da indústria, da classe
346
Idem.
347
Idem.
243
Nesse quadro, como visto anteriormente, dera-se ampla participação dos agentes
moderno-espiritualistas frente às problemáticas citadas. Confirmavam, com suas práticas, os
princípios espiritualistas que esposavam quanto ao papel ativo do homem na transformação
do mundo e do seu destino pessoal. Nessa perspectiva, supera-se a visão ingênua e
preconceituosa sobre uma pseudoalienação inerente ao estatuto religioso desses agentes, que
teria levado observadores a conclusões equivocadas, mas, sobretudo, à omissão quanto ao seu
papel na história cearense.
Talvez o “campo das ideias” não tenha sido tão limitativo assim. O Programa e o
Manifesto do Partido da Mocidade revelam, sim, uma plataforma “reformista” de classe
média, com preocupações morais e mais sociais do que propriamente políticas. Embora tidos
pelos conservadores e oligarcas, como um partido de “utópicos, juventude sonhadora”,
“Partido da Bestialidade”; e, na visão da militância libertária e comunista, como mais um
partido reformista e pequeno burguês; os elementos nele congregados denotam uma afinidade
intelectual construída a partir de outros espaços de sociabilidade, e crença em determinados
244
valores que ultrapassam os estreitos limites das estruturas partidárias, constituindo mais uma
trincheira na luta social.
348
O Partido da Mocidade. O Ceará. Fortaleza-Ce. 10 mar. 1927.
349
Idem.
245
[...] declarou o Sr. Teodoro Cabral que batia palmas à eloquência do jovem orador,
porém não podia concordar com seus ideais revolucionários, pois, na sua opinião, o
método devia ser a educação, a revolução no domínio das ideias, reservando-se o
apelo às armas como recurso extremo para o combate à tirania.351
350
Democracia e civismo. Gazeta de Notícias. Fortaleza-Ce. 1º jan. 1929.
351
Idem.
352
O movimento tenentista, no Ceará, teve notória liderança do médico Fernandes Távora, do Partido
Republicano Cearense, que teve como órgão de propaganda o jornal A Tribuna, circulando entre janeiro de 1921
e agosto de 1924; como também do jornalista Demócrito Rocha, que colocaria seu jornal O Povo, a partir de
1928, a serviço do movimento. Analisando as proposições do órgão tenentista, Montenegro (1989a, p. 300-301)
assinala: “Confia-se no efeito imediato e automático da ‘palavra esclarecedora’. E nada melhor para garantias
constitucionais, não apenas conscientizando o povo, mas também impulsionando-o para as grandes realizações
nacionais. [...] Então, a solução dos problemas se configura no domínio da moral. Basta que os indivíduos, por
um imperativo do dever tencionem e exercitem a prática do bem comum para ele se encarnar em conquistas
portentosas no âmbito da nação, do Estado, não importando os condicionamentos de classe, os determinismos
estruturais restritivos dessa prática. [...] O moralismo que dominava é bem o produto de uma concepção do
mundo racionalista e em articulação com o privatismo inerente à estrutura da Primeira República. Não há
246
condená-lo, porém, pois cumpriu o seu papel mobilizador das consciência, denunciando arbitrariedades e abusos
sem conta da administração pública, fraudes eleitorais, excessos de toda ordem das oligarquias, e alvitrando o
aperfeiçoamento das instituições, a estrita legalidade do exercício governamental”.
353
O Povo. Fortaleza-Ce. 28 fev. 1931.
247
de uma “aristocracia intelecto-moral”, que governaria o mundo futuro. Expressão clara de sua
perspectiva de remodelação sociopolítica, essa formulação de inspiração positivista seria
difundida por Allan Kardec e sua instauração significaria a aurora dos novos tempos, a era da
regeneração, “o sinal do advento do reino do Bem sobre a Terra”. (KARDEC, 1985c, p.
1156).
Para combater a crise social e moral daquela sociedade, se fazia necessário, dizia o
teosofista Moraes Correia, citando Annie Besant, “apresentar aos jovens da atualidade
grandes ideais [...] inflamem o coração da mocidade e se assistirá ao despertar de um
entusiasmo comunicativo, que converterá o sacrifício em alegria”. Acrescentando, ainda, que
não se deveria olvidar o caráter divino da natureza humana que, gradativamente, manifesta
seus poderes originários, razão porque “o poder do ideal desperta e inflama; [...] o
pensamento edifica e consolida o caráter”. (CORREIA, 1927b, p. 32). E é nessa perspectiva
de educar o homem do povo, cultivar ideais altruístas, confraternizar a diversidade das ideias
e difundir as conquistas da civilização, fazer brilhar seu “caráter divino”; que se pode incluir a
ação ostensiva dos agentes moderno-espiritualistas nas realizações da Academia Polimática,
em Fortaleza, entre 1922 e 1924.
248
autor).
referir-se a grande quantidade de pessoas, animais ou coisas (!), como também agrupamento
de pessoas de má índole, mau comportamento, corja, malta... Sua postura crítica pode ser de
fundo meramente literário, suas expressões poderão ser meros recursos estilísticos, como
podem, também, denotar discordâncias do autor – contemporâneo daquele movimento – com
as ideias de muitos de seus destacados membros; haja vista ter sido a Polimática idealizada
por um maçom-espírita e frequentada por diversos adeptos da Maçonaria, do Espiritismo e da
Teosofia que ocuparam, com frequência, o espaço da tribuna para tratar de temáticas direta ou
indiretamente ligadas às suas convicções. Ou mesmo para, através da legitimação intelectual
auferida na entidade, fortalecer taticamente os laços de interdependência da configuração
moderno-espiritualista. Talvez esse comportamento heterodoxo, é que caracterizasse, para o
autor citado, aquela “caterva de nomes ilustres”.
Polimática arrebatava tudo. Não havia processo seletivo. Suas sessões se realizavam
nas manhãs de domingo, sempre movimentadas. [...] A sala se enchia, muita gente,
muito discurso. Aliás, a sessão começava na Praça. Euclides César saía
acompanhado de grande cortejo. Era ele o presidente e era ele, principalmente, a
Polimática. (ALENCAR, 1980, p. 148).
E nesse ritmo, o autor dedica duas boas páginas a esse “movimento”, pois
reconhece que “a fórmula de animação das sessões era válida e de certo modo democrática.
Ao invés do formalismo regimental das sessões mornas e ordenadas [...]. Literatura para todo
mundo.” Não teve um jornal, menos ainda uma revista, não publicou produções, “não possuiu
250
Portanto, mais que um grêmio fechado para o cultivo elitista das letras, a
Polímática se fizera um clube de livre-pensamento, de semeadura dos valores cívicos, morais,
de aperfeiçoamento intelectual, de democratização do saber, de mobilização e de fraternidade.
Seus comentadores, contemporâneos e participantes, a classificaram como “academia popular
de educação”, “sociedade cultural”, “universidade popular”. Se bem observada, sua
programação e seus mais atuantes membros, nos seus quase dois anos de existência revela a
predominância de uma perspectiva de pensamento que, muito frequentemente denominavam
“a ideia nova”. As duas colunas mestras da Polimática consistiam no projeto de “regeneração
social” e de “Fraternidade Universal”. (Cf. ANEXO “C”).
a Polimática aprovou a indicação do nome do arcebispo dom Manuel da Silva Gomes para
sócio honorário. Em ofício do “Palácio Arquiepiscopal de Fortaleza”, de 13 de agosto de
1923, dirigido ao 1º secretário da Academia Polimática, César Magalhães, dom Manuel
agradece a deferência e, justificando a impossibilidade de participar da entidade em virtude
dos “múltiplos e absorventes deveres de meu ministério pastoral”, aceita o convite com a
condição de “aplaudir de longe, como mero expectador, a seus triunfos literários”. (apud
BÓIA, 1988, p. 186).
Estiveram na linha de frente dos trabalhos, dentre outros, nomes como César
Magalhães, Eduardo Mota, Walter Pompeu, Moésia Rolim, Antonio Praxedes Góes, Elias
Malmann, Eurico Pinto, Juarez Castelo Branco, Moraes Correia, Caio Lemos.354 Uma
apresentação biográfica de todos esses nomes, de grande utilidade, mesmo que breve,
demandaria muito espaço neste trabalho, e certo distanciamento de seu objetivo central.
354
Uma observação cuidadosa do “Relatório das atividades da Academia Polímática”, organizado por Bóia
(1988, p. 163 -181), acrescido das notas sobre à entidade, publicadas no jornal A Tribuna, totalizando 102 datas
de sessões e outros eventos; permitiu tabular a freqüência de aparecimento dos nomes de seus membros, de tal
modo que os dez citados correspondem aos de maior destaque e visibilidade.
252
Desse modo, convém observar aqui certa proeminência de ação dos agentes
ligados à Maçonaria e à Teosofia, especialmente através de Moraes Correia, Caio Lemos e
César Magalhães, embora não seja de modo algum descartável o trabalho doutrinário do
positivista Major Praxedes Góes. A proximidade espacial da sede da Polimática com a sede da
Loja Teosófica Unidade, pelo fato de estarem do mesmo prédio, parece não ter sido mera
coincidência e ter gerado importantes dividendos para ambos os lados.
Indicativo dessa íntima relação pode ser visto nas diversas conferências
pronunciadas por teosofistas, com títulos direta ou indiretamente ligados à temática espiritual;
muito embora houvesse, segundo se afirmava, ampla liberdade de opinião para os
participantes. Mas é certo que, na programação da Academia Polimática, não se registraram
conferências ou outras atividades que tivessem em seus títulos referências ao catolicismo ou
ao protestantismo; ressalvando-se a possibilidade de terem sido omitidos pelos jornalistas,
pelos memorialistas, ou mesmo de terem sido tratados em debates orais sem nenhum registro.
355
Tema desenvolvido em dezembro de 1922 referia-se à Ordem Estrela do Oriente, sobre a qual o autor voltaria
a falar na solenidade da Fraternidade Universal, de 1º de janeiro de 1924. Segundo o jornal A Unidade, A Ordem
Estrela do Oriente, “é uma organização internacional, derivada da expectativa rapidamente crescente, visível em
muitas partes do mundo, acerca da próxima vinda de um grande Instrutor espiritual [...]”. Tratava-se de um
movimento “messiânico”, paralelo à Sociedade Teosófica Mundial, com grande adesão dos teosofistas, tendo
como chefe mundial J. Krishnamurti, secundado por Annie Besant, sucessora de Helena Blavatsky. A Ordem foi
fundada em Benares, Índia, em 1911, depois sediada em Londres. Seu representante geral no Brasil era o general
Raimundo Pinto Seidl, também presidente da Sociedade Teosófica no Brasil. A chefia para o Ceará, Rio Grande
do Norte e Paraíba, cabia ao Tenente Caio Lustosa de Lemos, conforme dados do já citado jornal A Unidade, de
1° de janeiro de 1924.
253
356
Graciliano Ramos, em Memórias do Cárcere, relata seu contato com os cearenses: “Walter Pompeu ligava-se
a dois sujeitos, cearenses, capitães, explosivos, como ele: José Brasil e Moésia Rolim. Formava a trinca do
Ceará, meio destrambelhada, o coração perto da goela, ora pelos pés, ora pela cabeça. [...] Moésia Rolim nunca
estava em repouso. Escrevia, estudava, sobretudo falava, erguendo a voz abafada cheia de hiatos e gargalhadas.
Passava depressa da zanga superficial à alegria estouvada, perceptível em todo o Pavilhão”. (RAMOS, 2008, p.
254
Com efeito, esta sociedade deve ser abalada em seus fundamentos, por forma a ser
tida e havida como elemento degenerador e portanto ser eliminado. Assim, muita
razão têm os cientistas em quererem que o atual seja um período de transição, o
termo de um ciclo e o começo de outro. [...] porque fácil é de prever que a sociedade
atual, saturada como está de uma atmosfera asfixiante de iniquidade, deve ser, não
reformada, mas constituída de maneira a preencher as lacunas de que está eivada
[...]. Uma sociedade perfeita, tangida por uma força poderosa que lhe dê vitalidade,
por princípios fundamentais, uma ideia regeneradora de um grande espírito que a
ponha em atividade vital e permanente, é o que almejamos advenha com o raiar da
aurora rutilante desse ciclo de luz cujos raios já se espargem no mundo científico.
Uma sociedade regeneradora, tendo por base uma religião cujo culto fosse a
verdade; por ideal: o amor, que é o princípio da vida; por princípio: a igualdade, que
é a confraternização dos povos; por termo: a perfeição - o fim a que se destina o
homem -, e a felicidade - esse sonho insaciável que o embala eternamente -, eis o
que traria essa nova época [...] 357 (Grifo nosso).
300-3001). Walter Pompeu (1901-1938), natural de Fortaleza, ingressou no Exército como soldado,
abandonando-o como sargento. Depois ingressa na Escola Militar (Rio de Janeiro), envolve-se na rebelião
tenentista de 1922 e termina expulso. Volta ao Ceará, ingressa na Faculdade de Direito; participa com Moésia
Rolim, do conselho diretor do citado Partido da Mocidade, das lutas políticas locais e dos movimentos literários
liderando a reinstalação da Academia Cearense de Letras (1930). Volta ao Exército, chegando ao posto de
capitão em 1935, quando se envolve na rebelião comunista, sendo preso e reformado compulsoriamente.
357
O 1º Marco. Voz do Gráfico. Fortaleza-Ce. 25 dez. 1921. (Cf. GONÇALVES; SILVA, 2000, p. 233-235).
255
Mas, meu amigo proletário, para que uma classe domine, necessário é que outra ou
outras lhes estejam subjugadas. Tudo corre dentro de um círculo vicioso, até que,
um dia, com a vitória do ideal de Cristo, tenha a direção social os homens de caráter
e de talento – a aristocracia do coração e da inteligência – cujo governo será
consentido e aplaudido por todas as classes e condições sociais.358 (Grifo nosso).
358
Ecos e Fatos. Gazeta de Notícias. Fortaleza-Ce. 3 set. 1929.
359
Idem.
256
CAPÍTULO 5
Não esqueçamos que, no universo, toda a lei de coesão está na afinidade. Esta
simples lei é todo o mundo das formas, é a explicação da vida revelada, é o enigma
da existência plástica; mas é também o segredo da vida moral, da vida do intelecto,
porque afinal, neste aspecto de coisas criadas tudo está compendiado numa
formidável síntese.
Os adeptos do Espiritismo, por sua vez, terão como foco a prática da caridade,
guardando suas raízes nas virtudes teologais da tradição cristã-católica.360 Allan Kardec
registra n’O Livro dos Espíritos, item 886, o questionamento sobre “o verdadeiro sentido da
palavra caridade, como a entendia Jesus”. A resposta foi: “Benevolência para com todos,
indulgência para as imperfeições alheias, perdão das ofensas”. (KARDEC, 1996b, p.329). No
prosseguimento das questões, respostas dos espíritos e comentários de Kardec, não aparecem
referências a sua aplicação pela (s) Igreja (s), nem relação com seus dogmas e ensinamentos.
É notável, porém, que o autor não faz considerações ao termo “salvação”, de tanta
repercussão na tradição teológica, admitindo-o apenas como recurso retórico, pois consciente
da força da expressão no imaginário religioso, revelado também na sua colocação de
mensagens sobre o tema creditadas a “São Vicente de Paulo” e a “Paulo, apóstolo”, nas duas
obras citadas, respectivamente.
360
A inspiração é derivada de Paulo, em 1 Coríntios, 13-13.
260
361
Léon Denis, o “apóstolo do Espiritismo”, escreveria mais adiante: “Dezenove séculos decorreram desde os
tempos do Cristo, dezenove séculos de autoridade para a Igreja, dos quais doze de poder absoluto. Quais, na hora
presente, as conseqüências do seu ensino? O Cristianismo tinha por missão recolher, explicar, e difundir a
doutrina de Jesus, dela fazendo o estatuto de uma sociedade melhor e mais feliz. Soube ela desempenhar essa
grande tarefa? ‘Julga-se a árvore pelos frutos’, diz a Escritura. Reparai na árvore do Cristianismo. Verga ela ao
peso de frutos de amor e de esperança?” (DENIS, [1898] 1992, 106-107).
362
“Diante desse quadro, o ponto sobre o qual vale a pena insistir remete para modificações ocorridas na atuação
e no discurso da própria FEB, redimensionados para fazer frente à nova situação reinante desde 1890. A
primeira [...] de grupo voltado para a ‘propaganda’, sem deixar de fazê-la, passa a pretender ser um ponto de
apoio e a assumir uma função de representação diante de outras agremiações espíritas. A segunda delas, revela-
se em uma redistribuição da economia conceitual sobre a qual se baseia a doutrina espírita, na direção de uma
ênfase - inédita - no seu caráter especificamente ‘religioso’ ”. (GIUMBELLI, 1997, p. 107, grifo do autor).
261
363
“A associação entre ‘espiritismo’ e ‘caridade’, afirmada pela FEB de várias maneiras e reencontrada na
imprensa como fator de distinção em relação ao ‘baixo-espiritismo’, vai ser também produzida e reforçada por
um determinado discurso estatal preocupado com as questões de assistência social”. (GIUMBELLI, 1997, p.244,
grifo do autor).
364
“O evolucionismo espírita forja [...] um dispositivo capaz de dar conta das mais diversas ordens de diferenças
reduzindo-as a diferentes momentos da trajetória espiritual. O modelo pelo qual os espíritas pensam as relações
entre Espíritos superiores e inferiores é o das relações terrenas: opõem-se governantes a governados, habitantes
de centro a habitantes de subúrbio, patrão a empregado, colonizador a colonizado. Se todos os Espíritos que
habitam a Terra são, com raras exceções, Espíritos em evolução, pois a Terra é um “planeta de provações”, o
pobre é o símbolo vivo desse fato. É, mais do que ninguém, identificado à materialidade, à imperfeição. Num
outro plano, porém, ele é um igual, é também Espírito e encontra-se na Terra. A caridade inscreve-se nesse
262
É em vão que se procura a felicidade na posse de bens materiais, dos gozos terrestres
que o sopro da morte arrebata. A felicidade está no aceitamento feliz, alegre da lei
do trabalho e do progresso, da realização leal da tarefa que a sorte nos impõe, de
onde resulta a satisfação da consciência, único bem que podemos encontrar no lado
de lá. (DENIS, 1987, p.105)
Esse “reforço” da hierarquia social pela estratégia do “aceitamento feliz” das leis
do trabalho e do progresso, suavizadas pela solidariedade e pela bondade dos que conhecem
“o dever de auxiliar em sua evolução os fracos, os ignorantes, os atrasados, todos que estão
abaixo de nós como fomos ajudados outrora pelos Espíritos generosos [...]”. (DENIS, 1987, p.
109); reafirma a concepção moderno-espiritualista de que a questão social é uma questão
espiritual e, como tal, cabe o investimento na “educação das almas” e na “irradiação de
amor”, subtendidas na caridade moral, espiritual e material.
cruzamento entre a postulação de uma desigualdade tanto no plano social como moral e o reconhecimento de
uma igualdade essencial”. (CAVALCANTI, 1983, p. 67, grifo da autora).
263
Barata (1992) situa essa tomada de posição em 1892, quando da posse do Grão-
Mestre Antonio Joaquim de Macedo Soares. Cita o exemplo da Loja “Amor ao Trabalho”,
que promove conferências no GOB, voltadas à comemoração do “1º de Maio”; duas delas, de
autoria do Grão-Mestre Belisário Pernambuco, “A Maçonaria e o Proletariado” (1902) e “A
Maçonaria e o Socialismo” (1903), tiveram grande repercussão nos meios maçônicos. Por
outro lado, reconhecia-se que a Maçonaria brasileira encontrava-se apática diante dos grandes
desafios sociais e políticos do final do século XIX e primeiros anos do século XX. Como
afirmara Belisário Pernambuco, na conferência de 1902, no apelo à “família maçônica”:
Fiel ao seu legendário programa, não pode por mais tempo a Maçonaria conservar-se
indiferente ao martírio do operariado, subjugado pela prepotência dos capitalistas de
mãos dadas com os governos [...] A nossa Subl :. Instituição, não pode voltar as
costas ao massacre moral daqueles condenados pela sentença egoística dos fortes, e,
se mantiver-se impassível nessa conjectura, revelar-se-á inútil à luz do sol deste
século consagrado à imortalidade [...]. (PERNAMBUCO, 1902, p. 7-8).
365
Loja Igualdade, Fortaleza-Ce, Ata Ses :. Econ :. Sem :. 22 ago. 1904.
366
Loja Igualdade, Fortaleza-Ce, Ata Ses :. de Conferência. 1 set. 1904.
265
Alguns, mais apalpados pela miséria, eram viúvas, cercadas de filhos, todos
menores, que vencendo o “pudor das próprias mágoas”, estendiam as mãos, não
ousando formular súplica, denunciada em suas fisionomias pelos gestos e pela
atitude. [...] A auréola da maternidade cingia-lhes a fronte como torturante coroa de
espinhos, causando-lhes dor mais funda com a privação da santa alegria do lar [...].
266
367
Idem, ibdem.
368
“Conselho. Coronel Guilherme Moreira da Rocha – presidente; Coronel Cazimiro Ribeiro B. Montenegro –
vice-presidente; Dr. Henrique de A. Autran – 1º secretário, Capitão Carlos Torres Câmara – 2º secretário,
Edmundo Levy – tesoureiro; Diretores. Major Guilherme Perdigão, tenente-coronel Manuel Joaquim Carneiro da
Cunha, tenente Dr. Oscar Feital, e João Peter Bernard. A administração interna está confiada ao tenente
reformado do exército Antonio José Leite”. (IDEM, p. 87).
267
A Igreja Católica, desde os fins do século XIX, ampliava sua rede de organizações
de caridade aos “desvalidos” e, naquele início de século, organizava o operariado com claras
demonstrações de neutralização da presença maçônica nas associações beneficentes. Razão
porque, a fundação do Asilo de Mendicidade marca uma posição política da Maçonaria local
nas disputas com o catolicismo.
A relação com o clero, por ocasião da inauguração do Asilo, foi discutida pelos
maçons, já em sessão no dia seguinte. Usando da palavra:
Este recebeu a Comissão com todas as atenções; manifestou a sua admiração pela
causa, considerando a fundação do Asilo uma verdadeira necessidade; que como
particular aplaudia tão grandiosa [iniciativa]; porém que, como membro do Clero,
369
Loja Igualdade. Fortaleza-Ce, Ata Ses :.[Sessão] Econ :. [Econômica] Sem :. [Semanal] 11 set. 1905.
268
sentia declarar que não podia declarar seu apoio, pois obedecia a ordens
superiores.370
[...] e mais, que haviam Bulas de diversos papas proibindo em absoluto que o Clero
se imiscua em qualquer ato que se derive da Maçonaria; que ele porém tinha fé em
Deus que esses decretos haviam de ser um dia revogados, pois considerava que não
têm razão de ser.371
A descrição desse episódio, com base em atas duma sessão maçônica, vem revelar
que as repercussões dos atritos públicos entre Igreja Católica e Maçonaria dividiam opiniões
dos dois lados. Na configuração católica, para a alta hierarquia, não havia como escapar ao
cumprimento dos condenatórios, mesmo com “fé em Deus que esses decretos haviam de ser
um dia revogados”; ao baixo-clero, restava uma fração mínima e arriscada de autonomia para
o exercício da tolerância. Na configuração maçônica, por sua vez, embora sendo a busca do
diálogo a tônica das lideranças – no caso do Ceará –, não se pode descartar as atuações mais
aguerridas de oposição ao clero, considerado, “como sempre”, intransigente.
Nesse embate, é preciso considerar, também, o caráter das atuações das lideranças,
de seus perfis pessoais e o contexto mutável dessas oposições. No caso do clero, por exemplo,
o referido bispo, que governou a diocese de Fortaleza entre 1883 e 1912 era, no dizer de
Parente (1999, p. 100), um “articulador da política oligárquica” integrado ao poder local e
370
Idem.
371
Idem.
372
Idem.
269
mais afeito ao diálogo com as elites republicanas locais, o que poderia tornar plausível a
justificativa supra dada aos maçons.373 Já seu sucessor e primeiro arcebispo de Fortaleza, dom
Manoel da Silva Gomes (1912-1944), imprimiria outra conduta, desta feita, no sentido da
mobilização da intelectualidade leiga, na recatolização das elites republicanas locais e na
organização da sociedade civil, conjugadas ao acirramento do combate à Maçonaria e ao
Espiritismo.
diversas e, dentre elas, as estatais, que não raro atrasavam. Mas esse fato era congênito. A
outra razão se prende ao contexto político e ideológico dos anos de 30, já referido antes, em
que o confronto da Igreja Católica com a Maçonaria atingia os níveis máximos de polarização
à medida que a Igreja defendia um Estado intervencionista, corporativista, identificado ao
fascismo; e a Maçonaria afirmava sua bandeira pela liberal-democracia.
375
No período referido, não foi possível a leitura do jornal O Nordeste apenas nos anos de 1924 e 1930, pela sua
inexistência no acervo de periódicos da Biblioteca Pública Menezes Pimentel, de Fortaleza. Já o Instituto do
Ceará, em sua coleção de O Nordeste, dispõe desses anos, mas sem possibilidade de consulta em virtude de
deterioração. Isso impossibilita nossa afirmação categórica
271
Exatos dois anos depois, a Gazeta voltaria ao assunto, com a matéria “Visitando o
Asilo de Mendicidade”. Desta feita, chamava a atenção do prefeito Álvaro Weyne, logo na
chamada do título: “Um dos seus principais fundadores foi o atual prefeito desta capital – O
Asilo deveria merecer maior carinho e atenção da parte do governo”. O jornal comete um
“equívoco” ao afirmar que Álvaro Weyne fora dos principais fundadores da instituição. Não
estivera nem na lista dos presentes. Contudo, no início da década de 10 já aparece como
membro do corpo diretor do Asilo, permanecendo até aquela época.
376
O Asilo de Mendicidade, depois de 28 anos de existência. Gazeta de Notícias. Fortaleza-Ce, 10 jul de 1933.
272
aparelhadas. O Asilo pode-se dizer, é quase que desajudado dos poderes públicos,
vivendo muito da generosidade do comércio local.377 (Grifo nosso).
A diretoria resolveu delegar poderes ao dr. Raimundo Girão para agir junto à
Chefatura de Polícia, no sentido de evitar que voltem os mendigos a encher as ruas
de Fortaleza, visto como Asilo está aparelhado para interná-los. Essa parte da
resolução da diretoria muito interessa ao comércio.379
377
Visitando o asilo de mendicidade. Gazeta de Notícias. Fortaleza-Ce, 10 jul. de 1935.
378
Asilo de Mendicidade. A posse da nova diretoria. O Povo. Fortaleza-Ce, 8 jan. 1936.
379
Idem.
273
O autor diz que estava à “procura de uma novidade” para os leitores do dia
seguinte. Apresenta-se ao administrador da casa e passa à visitação, fala dos internos – alguns
famosos nas ruas da cidade –, fala das despesas diárias, atendimentos médicos [...]. Louva a
dedicação do presidente, Sr. Torres de Mello e seu plano de reforma “de tão útil instituição
fundada há 35 anos pela energia e espírito caritativo dos senhores Cel. Carneiro da Cunha,
Dr. Guilherme Moreira, Dr. Carlos Câmara, João Peter [Bernard], Oscar Feital, Casimiro
Montenegro e outros”. Cita toda a diretoria e apresenta detalhadamente o plano de reforma.
Fala das personalidades credoras da gratidão do Asilo, como o ex-interventor do Ceará,
Carneiro de Mendonça; Raimundo Girão, Moraes Correia e Álvaro Weyne, dentre outros,
“por seu espírito de filantropia e amor à causa dos necessitados”.
380
Idem.
381
Visitando o Asilo de Mendicidade. A Razão. Fortaleza-Ce, 26 jul. de 1936.
382
Idem.
274
bons auxílios que tem recebido, ao mesmo tempo que continua a esperar do público,
e, especialmente, do comércio, o grande baluarte que tem sustentado a necessária e
indispensável organização em seus mais difíceis dias, com também do Governo do
Estado [...] Também o Dr. Menezes Pimentel [governador do Ceará], grande
admirador desta instituição, fez-se digno do seu reconhecimento e da sua
admiração.383
[...] foi servida a refeição dos indigentes, pelas autoridades, dirigentes e pessoas
presentes. Esse gesto nobilitante tocou de perto aos corações dos Asilados, porque
vimos nos seus semblantes, verdadeira transfiguração, um momento de felicidade,
383
Idem.
275
384
Asilo de Mendicidade do Ceará. Mais um aniversário da sua fundação. Democracia. Fortaleza-Ce, 21 set.
1937.
276
Embora haja uma opinião geral, no campo das esquerdas e de certa historiografia,
de que a pertença maçônica contrariava a militância operária, posto que se identificava a
Maçonaria à aristocracia e à burguesia; há informações seguras retificando parte dessa
tese.(Cf. FERRER BENIMELI, 2001). De um lado, porque nunca houve total unidade de
pensamento e de ação da maçonaria mundial, variando de acordo com os lugares e as épocas;
e, em segundo lugar, porque a Maçonaria sempre defendeu a plena liberdade de pensamento e
de crença de seus membros. São notórios os casos de maçons revolucionários ligados, por
exemplo, às ideias anarquistas, como Élisée Reclus, Mikail Bakunin e Francisco Ferrer.385 No
Brasil, a já citada militância anarquista de Everardo Dias, é lapidar.
No Ceará, conforme se viu páginas atrás, nos exemplos das atuações do maçom-
espírita Euclides César – nas associações operárias – e do teosofista César Magalhães –
membro da Academia Polimática e colaborador assíduo do jornal libertário Voz do Gráfico –,
é possível identificar uma gama de agentes moderno-espiritualistas na militância operária.
Esses agentes, mesmo não pertencendo diretamente a essa classe, se solidarizavam com suas
reivindicações, com intuitos fraternais, educativos e na busca de soluções quando seu
agravamento as tornava assunto de interesse público.
Raimundo Ramos era marceneiro e ligado, desde o início do século XX, ao Centro
Artístico Cearense, voltando-se para as atividades educacionais das escolas operárias
mantidas pela instituição, a Escola Pinto Machado, para o sexo masculino; e a Escola Elisa
Scheid, para o sexo feminino, ambas de 1906. Ramos também escreveu artigos sobre a
educação do operariado, para o jornal Primeiro de Maio, órgão Centro Artístico.
385
Para melhor detalhamento da atuação maçônica no movimento operário europeu, ver capítulo “Masonería y
cuestión social”, em Ferrer Benimeli (2001, p. 157-180).
277
Há, entre os muitos artigos e notícias veiculadas pelo do jornal libertário Voz do
Gráfico, muitas manifestações em favor do pacifismo, do espiritualismo, da educação
racional, do evolucionismo nas transformações sociais e do permanente apelo aos ideais de
solidariedade; através dos quais se anelavam agentes de pertenças variadas configurando em
rede um “ideal” comum. É exemplar uma notícia veiculada nesse jornal sobre conferência
386
Ceará Socialista. Fortaleza-Ce. 14 set. 1919. (Cf. GONÇALVES, 2001).
278
387
União dos Ferroviários Cearenses. Voz do Gráfico. Fortaleza-Ce. 5 fev. 1921. (Cf. GONÇALVES; SILVA,
2000, p. 115-116).
388
Idem.
389
“Mas, a educação, entendida mais como elemento de formação individual [como “a educação da sociedade
autoritária”] e sim como verdadeiro processo de difusão de ideias anárquicas na sociedade, representou também
um dos maiores momentos da presença do Anarquismo, o qual, especialmente em suas expressões pacifistas,
baseadas no conceito de amor e de não-violência – foi o caso de Leão Tolstoi – atribuiu amplo espaço a todas as
motivações que implicavam a possibilidade ou a necessidade de dar uma formação livre à criança ou, mais
amplamente, ao homem que vive em sociedade. Daí, provieram concepções que recebiam a denominação de
‘educacionismo’, enquanto buscavam no fator educacional o fim e o princípio da própria ação”. [...] “O impulso
para a destruição – ou “alegria” da destruição, segundo Bakunin -, que é próprio do indivíduo, comporta
espontaneamente o intuito de destruição e de revolução, que não requer longa e particular predisposição, mas
nasce espontaneamente e sem esforço só pelo fato de que, no presente, existe a autoridade”. (BRAVO, 1995, p.
27).
279
Diante dos acontecimentos que nesta hora arrastam o povo russo às portas de um
flagelo impiedoso e cruel [...] a ponto de roubar a vida de seres que representam no
futuro, os rebentos de uma nova geração social, pela conquista de uma nova
sociedade, efetivamente igualitária, alguns trabalhadores cearenses [...] resolveram
fundar nesta capital, como instituição humanitária, o Comitê Pró-Flagelados da
Rússia, para cuja divulgação enviaram um apelo aos trabalhadores cearenses já
organizados e criaram listas particulares, bem como fizeram comunicação à
imprensa da terra e dirigiram outro apelo às diversas instituições como sejam: Loja
Teosófica Unidade, Loja Igualdade e Centro Espírita [Cearense].390 (Grifo nosso).
390
Comitê Pró-Flagelados Russos. Voz do Gráfico. Fortaleza-Ce. 26 nov. 1921. (Cf. GONÇALVES; SILVA,
2000, p. 214).
391
No interior do Ceará, digna de nota, é a participação da associação Aliança Artística e Proletária de Quixadá.
Essa entidade organizadora dos trabalhadores de Quixadá e região do Sertão Central do Estado, de caráter pára-
maçônico, que mantinha estreitas ligações com a militância libertária de Fortaleza, montou “Comitê”
arrecadando e enviando uma soma considerável, superando os valores arrecadados em associações operárias da
capital, inclusive do Centro Artístico Cearense, conforme prestação de contas do jornal Voz do Gráfico. (Cf.
SILVA, 2007, p. 111).
392
As primeiras iniciativas do Comitê. Voz do Gráfico. Fortaleza-Ce. 11 dez. 1921. (Cf. GONÇALVES; SILVA,
2000, p. 231).
280
Outro acontecimento da história das lutas dos trabalhadores cearenses, em que não
faltaram as participações de elementos da configuração moderno-espiritualistas, imprimindo
sua marca na solução da “Questão Social”, em oposição à configuração comunista e à
católica, deu-se entre os anos de 1925 e 1929, no decorrer das reivindicações dos
trabalhadores dos bondes da Companhia Inglesa The Ceara TransWay, Ligth e Power Co.
Ltd. Que monopolizava os serviços de transporte de tração elétrica, iluminação pública e
fornecimento de luz e força. Os protestos e greves que se sucederam atingindo, sobretudo, os
trabalhadores, refletiam a deficiência nos serviços de transportes urbanos, o crescimento
populacional e os baixos salários praticados pela companhia inglesa.
393
Idem. (Cf. GONÇALVES; SILVA, 2000, p. 226).
394
Essa perspectiva de anarquismo parece afinada com o humanismo da tradição pacifista de Tolstoi: “Quando
comparamos as sugestões contidas nos romances de Tolstoi, com as declarações explícitas dos seus trabalhos
panfletários, descobrimos que o seu anarquismo é o aspecto externo, expressado em formas de comportamento,
do seu Cristianismo. A ausência de um verdadeiro conflito entre os dois deve-se ao fato de que a sua é uma
religião sem misticismo, uma religião até mesmo sem fé [...]. Para ele, cristo é o professor, não a Encarnação de
Deus; sua doutrina é ‘a própria razão’ e o que distingue o homem no mundo animal é a sua capacidade de viver
de acordo com essa razão. Temos aqui uma religião humanizada: procuramos o Reino de Deus não fora, mas
dentro de nós mesmos”. (WOODCOCK, 2002, p. 267).
281
Informa Sousa (2000, p. 291) que, na ocasião, “Os populares elegeram uma
comissão para que ‘fosse a palácio levar seu protesto ao governo e pedir ao mesmo
providências sobre os preços e horários dos bondes’”. Mota (1951, p. 74-75, grifo nosso),
contemporâneo dos acontecimentos e, quem sabe, testemunha ocular, afirma:
Nesses nossos dias positivos de áspera luta pela vida, o problema econômico é o
problema principal. E este capital problema que inclui o vestir, o calçar, o morar, o
comer, não o resolve o humilde auxiliar da Light. Imagine-se que um condutor de
última classe, a mais numerosa, percebe somente quatrocentos e cinquenta réis por
hora. Dez horas de trabalho por dia produzem-lhe quatro mil e quinhentos reis,
aproximadamente o salário de um trabalhador rústico, com a diferença de que o
395
Ecos e Fatos. Gazeta de Notícias. Fortaleza-Ce. 14 ago. 1929.
283
trabalhador veste como pode e o condutor é obrigado a usar o seu kaki e seus
sapatos e até relógio.396
Relata também sua rotina estafante e humilhante, quase servil, vivida na relação
diária com os passageiros:
Dura de suportar para quem tem alma (e o condutor tem-na, como nós outros) é a
situação moral de criado de bonde. A Bíblia, com seu alto espírito de sabedoria,
proclama que é impossível servir a dois senhores. E o condutor tem de servir a dez
mil senhores e mais a grão-senhor. [...] A Light paga-lhe mal e exige serviço
perfeito. O passageiro faz valer os seus direitos e muitas vezes se exaspera com a
Companhia e descarrega sua ira contra o pobre funcionário, que houve desaforos que
doem como vergastadas.397
Um dia é o senhorio que o intima a mudar de casa, uma vez que não se põe em dia
com o aluguel; outro dia é o mercieiro que o convida a amortizar a conta sob pena de
corta-lhe o fornecimento; outro dia a mulher lhe reclama um vestido que lhe
substitua os trapos; outro dia o filhinho chora por um pedaço de pão.398
396
Idem.
397
Idem.
398
Idem.
399
Idem.
284
Por outro lado, não apenas os maçons, mas a própria Maçonaria também se
solidariza aos grevistas, como fizera a Loja Igualdade. Em sessão de 28 de agosto, registra-se
em ata a palavra do venerável Álvaro Fernandes, que: “[...] chama a atenção dos IIr:. sobre os
acontecimentos ora verificados relativamente aos operários da Light, presentemente em greve
pacífica com objetivo de conseguir aumento de salário, [e] pede para a Igualdade não ficar
indiferente [...]”. Em seguida, apresenta um esboço “de telegrama [ao Grande Oriente do
Brasil] que redigiu sobre o assunto para que a casa se manifestasse [...]”. Com aprovação por
“unanimidade”, a Loja envia o telegrama ao delegado do Grão-Mestre, no Ceará, Francisco
Prado, com o seguinte texto:
Loja Igualdade interpretando sentir opinião pública favor operários Light ora greve
pacífica virtude gerência companhia este estado haver recusado aumento salário
recorre vosso intermédio Grande Oriente sentido conseguir possa nosso Pod :. Ir :.
Dr. Hipólito Hermes de Vasconcelos nosso representante Grande Loja Unida
Inglaterra a obter matriz Londres concessão aumento solicitado salário e digne
perceber operários agravados multa e fornecimento extorsivo impossibilita meios
285
À presente anexo a lista por mim organizada, a qual mereceu o bom acolhimento de
todos bons quixadaenses a quem foi apresentada. Encareço-lhe de fazer publicar no
seu apreciado matutino os nomes dos que a subscreveram e bem assim as respectivas
importâncias [...] Peço, outrossim, salientar a ação da ‘Aliança Artística e Proletária
400
Loja Igualdade. Fortaleza-Ce, Ata Ses :. Econ :. Sem :. 28 ago. 1929.
401
Loja Igualdade. Fortaleza-Ce, Ata Ses :. Econ :. Sem :. 2 out. 1929.
402
A greve dos empregados da “Light” marcha para o seu declínio. Gazeta de Notícias. Fortaleza-Ce. 30 ago.
1929.
286
de Quixadá’ que, atendendo ao meu apelo, convocou uma reunião geral dos
operários de Quixadá, para tratar do assunto subscrevendo aquela pujante associação
a quantia de 50$000. Foi uma bela assembleia presidida pelo Sr. Paulo Avelar que
discursou brilhantemente sobre os motivos da parede [...].403
Vê-se aí, mais uma vez, a presença de Francisco Falcão nas lides operárias fazendo
uso dos mecanismos da fraternidade maçônica junto à Questão Social. Outra recorrência, é a
Aliança Artística de Quixadá, mais uma vez solidarizando-se com as lutas do operariado,
como fizera anos atrás em apoio ao povo russo.
Nessa mesma edição da Gazeta consta, também, editorial sobre o direito de greve
e uma crônica de Polibio avaliando o movimento. O editorial começa com uma autodefesa:
“Não somos adeptos do bolchevismo e estamos com VIVEIROS DE CASTRO, quando no
seu mui belo livro – A questão social – o considera um pesadelo da humanidade, um produto
made in Germany [...].”404(Grifo do autor). Contudo, observa que “No Brasil não há
grevecultores: há vítimas do capitalismo; há oprimidos que, pelas exigências dos patrões,
recorrem ao direito de reclamação”. E, após repassar as leis antigreve dos países europeus e as
opiniões de renomados economistas, afirma: “Colocamo-nos em o meio-termo de
LEVASSEUR, isto é, de que a greve é um direito como o de guerra para as nações, direito
que só deve ser usado em última extremidade [...] depois de esgotados os meios
conciliatórios”. (Grifo do autor).
403
Idem.
404
O direito de greve. Gazeta de Notícias. Fortaleza-Ce. 30 ago. 1929.
287
preconcebido de perturbar a ordem social: foi uma resolução tomada após meditadas
ponderações e como ultima ratio.405 (Grifo do autor).
O editor, talvez Teodoro Cabral, além de seu ponto de vista liberal, quase – pode-
se dizer – inspirado no direito de rebelião contra a opressão do capitalista; revela também uma
postura simpaticamente familiar aos responsáveis pelo movimento, ao assumir o caráter
purista e economicista daquela reivindicação.
405
Idem.
288
Ceará, na década de 30, como entidade associativa predominantemente voltada para as classes
altas e setores produtivos.
Mas, então, se poderá questionar: O que é o Rotary Club?406 Qual a relação entre
Rotary e Maçonaria? Qual a razão da condenação católica ao Rotary? Como se portaram os
rotarianos frente aos ataques do clero católico? Em que medida a presença do Rotary
constituiu-se um elemento de reforço na legitimação dos agentes e das ideias moderno-
espiritualistas, naquele contexto?
A fundação do Rotary Club coube à iniciativa de Paul Percy Harris, e mais três
companheiros, a 23 de fevereiro de 1905, em Chicago, Illinois, nos Estados Unidos. Segundo
o informativo oficial do Rotary Club, no Brasil, “Brasil Rotário On Line”:
406
Neste trabalho utilizar-se-a grafia em inglês, Rotary Club, com exceção do uso aportuguesado,
ocasionalmente, presente nas citações.
407
Disponível em: http://www2.brasil-rotario.com.br/institucional/rotary/historia.html Acesso em: 3 dez. 2008.
289
Paul Harris seria eleito presidente do mesmo clube em 1907, implementando sua
expansão pelo país e no exterior a ponto de, em 1910, se fundar a Associação Nacional de
Rotary Clubs, que passaria, em 1912, a se denominar Associação Internacional de Rotary
Clubs. Conforme o referido periódico: “O objetivo inicial do Rotary, que era o Auxílio Mútuo,
é acrescido e suplantado pelo Ideal de servir, visando, especialmente, a Paz Mundial”. (Grifo
do autor).
Sua chegada ao Ceará deu-se no final de 1933, com as primeiras reuniões públicas
de formalização de implantação do Rotary Club do Ceará, conforme começou a noticiar o
jornal O Povo, de propriedade de Demócrito Rocha, que se tornaria também rotário.
Repetindo-se o que ocorrera com relação aos interesses maçônicos, espíritas e teosóficos, os
eventos rotários seriam amplamente divulgados pelos jornais O Povo, Gazeta de Notícias e A
Rua; marcando presença no periódico católico O Nordeste, apenas quando desenvolveram
campanha de desqualificação em algumas edições.
408
Para maiores esclarecimentos sobre a estrutura organizativa, composição social de seus membros e seus
significados sociológicos, de clubes de serviço como o Rotary Club, especificamente “como produtores de
capital social e capital simbólico”, ver Setton (2004).
290
O tema Rotary Club chamou a atenção de Gramsci (1984), que se pôs a analisar as
opiniões emitidas pela imprensa católica italiana no final da década de 20, especialmente a
jesuítica, através dos jornais Civiltá Cattolica e Osservatore Romano.409 Segundo o autor, “os
jesuítas criticam o Rotary pelas suas ligações com o Protestantismo e a Maçonaria. Vêem,
nele, um instrumento do americanismo, portanto de uma mentalidade anticatólica”.
(GRAMSCI, 1984, p. 415). Para o comunista italiano, entretanto:
O Rotary não pretende ser nem confessional, nem maçom; todos podem ingressar
nas suas fileiras: maçons, protestantes e católicos (em alguns lugares, arcebispos
católicos aderiram ao Rotary). Parece que seu programa essencial baseia-se na
difusão de um novo espírito capitalista, na ideia de que a indústria e o comércio,
antes de serem um negócio, são um serviço social; ainda mais, são e podem ser um
negócio na medida em que representam um “serviço”. Assim, o Rotary desejaria que
o “capitalismo de rapina” fosse superado e se instaurasse um novo costume, mais
propício ao desenvolvimento das forças econômicas. (GRAMSCI, 1984, p. 415-416,
grifo do autor).
409
“Ver na Civiltà Catttolica de 16 de fevereiro de 1929, o artigo Ancora Rotary Club e massoneria. Os
argumentos dos jesuítas para prevenir contra o caráter maçônico do Rotary estão todos nele. A ‘suspeita’ é de
dois graus: 1) que o Rotary, na verdade, deriva da maçonaria tradicional; 2) que o Rotary é um novo tipo de
maçonaria. A estes motivos ligam-se outros de caráter subordinado: 1) que, de qualquer modo, a maçonaria
tradicional serve-se astutamente dele, aproveitando a ingenuidade e o agnosticismo dos rotarianos; 2) o caráter
‘agnóstico’ de indiferença ou de tolerância religiosa do Rotary é, para os jesuítas, tão prejudicial que os leva a
erguer barreiras e a assumir atitudes de suspeita e polêmica (estádio preparatório que poderia concluir-se com a
condenação do Rotary pela Igreja)”. (GRAMSCI, 1984, p. 418).
291
410
“Cân. 684: Os fiéis fugirão das associações secretas, condenadas, sediciosas, suspeitas ou que procuram
subtrair-se à legítima vigilância da Igreja”.
292
É certo que alguns espíritos menos ponderados formularam acusações não contra a
irreligiosidade do Rotari, mas, o que é pior, para apontá-lo como um inimigo da
igreja católica. Pura fantasia, ou mero prazer de atacar alguém ou alguma coisa. Há
indivíduos que atacam por sistema [...]. Que o Rotari não cuide de religião é
naturalíssimo, porque ele não poderia aproximar os homens, partindo da premissa de
separá-los por motivo de crença. O Rotari exige, sobretudo, uma elevada ética
profissional entre os seus adeptos, mas nunca indaga da sua crença.414
414
O que é o Rotari. O Povo. Fortaleza-Ce, 3 jan. 1934.
415
Idem.
294
Revue Apologétique, datada de 1929. Nesse artigo, a Igreja Católica revela que o Rotary
apresenta esse “vício de origem”. Como também: “O espírito dessa associação não é, de fato,
senão uma dissimulação hábil do laicismo maçônico”.416
416
Rotary e Maçonaria. O Nordeste. Fortaleza-Ce, 24 fev. 1934.
417
Assuntos rotários. Gazeta de Notícias. Fortaleza-Ce, 9 ago. 1936.
295
Para o Rotary, sua prática era de tolerância religiosa. Para a Igreja, tratava-se de
“indiferentismo religioso” e “laicismo maçônico” disfarçado. Não havia, para o pensamento
oficial da Igreja Católica, a possibilidade de uma convivência igualitária entre as religiões que
não trouxessem em seu bojo a negação do estatuto de verdade única que lhe cabia como
religião. Pois, segundo difundia o porta-voz oficioso da Arquidiocese de Fortaleza: “A
pretexto de tolerância, de largueza de ideias, a filosofia rotariana põe todas as religiões em pé
de igualdade”. O periódico critica, ainda, o fato de o Rotary não adotar uma religião e que,
além disso, para o rotariano “qualquer que seja a sua religião, deve adotar um código de moral
especial”.418
[...] fundado por maçons, seus primeiros membros eram maçons, vários de seus
diretores são maçons. Tem, além disto, pontos de afinidade com outras instituições
análogas, nascidas, nestes últimos anos, da maçonaria americana [...] “rebentos da
maçonaria americana”, cujo fim é colocar, direta ou indiretamente, os diversos
418
Idem.
419
Idem.
296
Uma semana após a estocada dos católicos, o jornal O Povo noticia a ocorrência de
mais “um jantar do Rótari Clube, a conhecida organização internacional que acaba de se
organizar em Fortaleza [...]”. Seguindo a tradição, após a “saudação à bandeira”, os
secretários
dr. Raimundo Girão, prefeito da cidade e Edagr Dutra Nunes, gerente da ‘Standard’,
leram uma carta do Dr. Lauro Borba, governador do ‘Rótari Clube’ no Brasil, e
vários textos explicativos sobre a finalidade da importante associação e vantagens de
a ela pertencer. [...] O dr. Raimundo Girão leu ainda tópicos de uma entrevista do dr.
Lauro Borba para documentar que o ‘Rótari’ não cogita absolutamente de religião
nem de política.422 (Grifo nosso)
420
Idem.
421
Idem.
422
Rótari Clube de Fortaleza. O jantar de ontem, no Pálace Hotel. O Povo. Fortaleza-Ce, 2 mar. 1934.
297
CONSIDERAÇÕES FINAIS
cristã ocidental, caso da doutrina espírita organizada pelo francês Allan Kardec, precedida do
novo espiritualismo anglo-saxão.
Apontavam para uma renovação moral que atingiria o campo político, instaurando
um novo paradigma de poder, gerido por uma aristocracia intelecto-moral que superaria, tanto
os modelos de autoridade de base teológica e filosóficas cético-agnóstico-racionalistas, dos
respectivos estágios “teológico” e “metafísico”; como também, a ideia vigente, dominada
pelos intelectos materialistas-cientificistas, do estágio “científico”. A conjugação ideal da
inteligência (culto ao saber) com a moral (essência das religiões/ “sabedoria divina”), eco
302
FONTES
Fontes hemerográficas:
Jornais
Hemeroteca da Biblioteca Pública Menezes Pimentel (B.P.M.P.)
1. O Nordeste
2. O Ceará
3. Gazeta de Notícias
4. A Rua
5. Diário do Ceará
6. O Legionário
Revistas
1. Almanach do Estado do Ceará – Biblioteca da Academia Cearense de Letras
2. Fortaleza. Biblioteca da Academia Cearense de Letras
3. Revista do Instituto do Ceará – Biblioteca do Instituto do Ceará
4. Ceará Ilustrado – Setor de Obras Raras da B.P.M.P.
Fontes cartoriais:
Fontes manuscritas:
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APÊNDICES
324
“Hebdomadário católico
dedicado à propaganda das boas
O ROSÁRIO Aracati leituras e particularmente da 05/11/1910 a 24/08/1918
devoção do Rosário”
Órgão de propaganda da
Farmácia Matttos. Tinha por Novembro/1910 a novembro
SANTELMO Baturité lema: ”Um bom jornal vale mais de 1911
que um bom pregador”.
423
Data em que deixou de circular, após ter sido empastelado.
424
GONÇALVES (2001).
425
GONÇALVES; SILVA (2000, p. 83-281).
426
Idem. p. 284-316.
427
GONÇALVES; BRUNO (2002).
326
QUADRO I
RESUMO BIOGRÁFICO DE AGENTES MODERNO-ESPIRITUALISTAS
NOME FORM. / PROFISSAO /ATIV FILIAÇÃO/MILIT
Joaquim Theophilo Cordeiro de Almeida
(5/3/1868 -10/2/1955) Comerc. /Líder trabalhista Maçom/Espírita
/Político
Álvaro Nunes Weyne
(11/11/1881-4/7/1963) Empres. /Político/ Líder Maçom/Espírita
empresarial
Euclides de Vasconcelos César
(4/1/1887 – 27/3/1973) Funcionário publico /Professor Maçom/Espírita
/Jornalista
Theodoro Cabral
(9/11/1891-23/6/1955) Autodidata/Jornalista/Escritor Maçom/Espírita
Luiz Moraes Correia
(23/12/1881-23/10/1934) Advogado/Professor/Juiz Maçom/Teosofista
QUADRO II
PERÍODO 1861 1866 1871 1876 1881 1886 1891 1896 1901 1906 1911 1916
1865 1870 1875 1880 1885 1890 1895 1900 1905 1910 1915 1920
TOTAL 180 172 306 343 341 244 280 497 615 553 507 417
Adaptado de Cadastro Geral das Lojas Maçônicas no Brasil. G. O. B. (apud BARATA, 1999, p. 75).
327
QUADRO III
QUADRO IV
QUADRO V
(*) Fundado em 24/08/1937 e funcionando até 1973, quando passa a denominar-se Grande Oriente
Independente do Ceará. Em fevereiro de 1987, transforma-se em Grande Oriente Confederado do
Ceará. (**) Fundada, presumivelmente, até 1937. (Cf. Almanach do Ceará – 1941).
330
QUADRO VI
INSTITUIÇÕES ESPÍRITAS CEARENSES FUNDADAS ENTRE 1897 E 1945*
INSTITUIÇÃO FUNDAÇÃO LOCALIZAÇÃO
Grupo Espírita Fé e Caridade 1897 Fortaleza
Grupo Espírita Verdade e Luz 1901 Maranguape
Grupo Espírita Caridade e Luz 1902 Maranguape
Centro Espírita Cearense 19/06/1910 Fortaleza
Centro Espírita Dr. Dias da Cruz 05/08/1923 Iguatu
Centro Espírita Ismael Caridade e Luz 27/10/1926 Fortaleza
Grupo Espírita Vianna de Carvalho 1926 Fortaleza
Sociedade Espírita Fé, Esperança e Caridade 09/02/1927 Fortaleza
Grupo Espírita Auxiliadores dos Pobres 05/09/1928** Fortaleza
Grupo Espírita de Caridade Urubatan de Deus 05/12/1928 Fortaleza
Federação Espírita Cearense 17/05/1931 Fortaleza
Centro Espírita Amor e Caridade 16/04/1932 Fortaleza
Liga Espírita Leon Diniz Amor e Fraternidade 14/03/1933 Fortaleza
Grupo Espírita Allan Kardec Amor e Caridade 16/03/1933 Fortaleza
Centro Espírita Bezerra de Menezes 03/10/1933 Fortaleza
Centro Espírita Ao Caminho do Calvário 16/11/1933 Fortaleza
Grupo Espírita José Bonifácio Deus e Caridade 16/03/1934 Fortaleza
Centro Espírita Pedro o Apóstolo de Jesus 01/01/1935 Fortaleza
Centro Espírita Deus e Fé 18/05/1935 Fortaleza
Centro Espírita Jesus Nazareno 24/12/1935 Fortaleza
Centro Espírita Joana D’Arc 03/10/1938 Fortaleza
Centro Espírita Familiar Paulo Apóstolo 17/02/1939 Fortaleza
Confederação Espírita Cearense 06/08/1939 Fortaleza
Centro Espírita João Batista 17/03/1940 Fortaleza
Centro Espírita Camilo Flamarion 15/12/1940 Fortaleza
Centro Espírita Jesus Nosso Mestre 09/01/1941 Fortaleza
Centro Espírita União e Caridade Fco. de Assis 02/12/1941 Fortaleza
Centro Espírita “Os seguidores de Jesus” 22/03/1942 Fortaleza
Centro Esp. João Evangelista Amor e Caridade 22/07/1942 Fortaleza
Centro Espírita Jesus e sua Doutrina 02/04/1944 Fortaleza
Centro Espírita Mensageiros da Luz 1944 Maranguape
Centro Espírita Obreiros da Vida Eterna 1944 Maranguape
Centro Espírita Ubaldo Tonar 1945 Icó
(*) Esta relação não pretende ser completa, tendo em vista que diversas instituições espíritas não tiveram
registros em cartório, ou o seu nome registrado, de alguma forma, na imprensa local. A dificuldade se torna
ainda maior em relação ao interior do estado. (**) Data da publicação da notícia no jornal O Povo.
331
QUADRO VII
LOJAS TEOSÓFICAS NO BRASIL FILIADAS À SOCIEDADE
TEOSÓFICA MUNDIAL (1921-1922)
LOJA CIDADE ESTADO
Jesus de Nazaré Manaus Amazonas
Alcyone Salvador Bahia
Unidade Fortaleza Ceará
H. P. Blavatsky Vitória Espírito Santo
Pax São Luís Maranhão
Esperança Francisco de Salles Minas Gerais
Gautama Lavras Minas Gerais
Annie Beasant Belém Pará
Nova Krotona Curitiba Paraná
Henry Olcott Recife Pernambuco
Maytreia Parnaíba Piauí
Lótus Branco Cachoeira Rio Grande do Sul
Jehoshua Porto Alegre Rio Grande do Sul
Damodar Niterói Rio de Janeiro
Perseverança Rio de Janeiro Rio de Janeiro
Pitágoras Rio de Janeiro Rio de Janeiro
Orfeu Rio de Janeiro Rio de Janeiro
São Paulo São Paulo São Paulo
Sírius São Paulo São Paulo
Albor Santos São Paulo
Arjuna Santos São Paulo
332
MAÇONARIA
AC AB
CA D BA
BC
C B
CB
TEOSOFIA ESPIRITISMO
333
ANEXOS
334
ANEXO “A”
ANEXO “B”
Esta recomendação, encontrada no jornal católico O Nordeste, de Fortaleza-Ce, foi editada pela primeira vez em
3 de março de 1931, repetindo-se em mais quinze edições do jornal, ao longo daquele mês, muitas vezes
compondo com algum artigo condenatório ao Espiritismo.
336
ANEXO “C”
ANEXO “D”
Chamada do jornal O Ceará (Fortaleza-Ce), de 15 de janeiro de 1927. Não faltaram, como se vê, nem a
criatividade nem o bom humor do cearense, no embate anticlerical desenvolvido pelo jornalista Matos Ibiapina
com o clero local.
338
ANEXO “E”
ANEXO “F”
ANEXO “G”
ANEXO “H”
ANEXO “I”