A Rota Do Plástico
A Rota Do Plástico
A Rota Do Plástico
Visto do espaço, o planeta Terra se destaca contra o vazio escuro do Espaço como uma esfera
azul manchada por nuvens brancas difusas. Há uma explicação para isto: pelo menos três
quartos de sua superfície são cobertos por água em todas as suas formas: rios, lagos, mares,
gelo, névoa, vapor e umidade.
O plástico representa a maior, mais prejudicial e mais persistente fração de todos os resíduos
produzidos pelo homem que acaba nos ecossistemas marinhos, representando 85% do total,
adverte um relatório publicado em 2021 pelo Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (PNUMA), envolvendo mais de 70 cientistas.
O documento estima que cerca de 11 milhões de toneladas de plástico entram nos oceanos
anualmente e que, até 2040, isto deverá triplicar. Se espalhássemos todo esse lixo pelas praias
e litorais do mundo, isso equivaleria a 50 kg de plástico para cada metro de costa em todo o
planeta.
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poluição plástica]
"O petróleo é o elemento básico na formação das principais resinas plásticas. Quase 98% da
produção mundial provém de combustíveis fósseis”, explica Andrés Arias, pesquisador do
Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Técnica (Conicet) e um dos autores do relatório do
PNUMA, em entrevista à reportagem. "Somos os consumidores finais desses produtos que
manuseamos diariamente e que, em grande medida, são itens de uso único ou itens com vida
muito curta.”
Para Arias, quando falamos de vida útil limitada, estamos considerando a relação entre o
tempo de utilidade que atribuímos aos itens feitos de plástico e a durabilidade real que esses
materiais podem realmente alcançar no ambiente. "Falamos de um produto que tem uma vida
útil de mais de 200 ou 300 anos e, dependendo da densidade e do tipo de resina, pode durar
até 600 anos no meio ambiente", diz ele. "O que é duradouro demais para o tempo em que é
esse material é usado na vida cotidiana.”
Um exemplo está nas tão faladas máscaras descartáveis. Andrés Arias conta que elas são 100%
feitas de plástico, são usadas entre 15 a 30 dias e, quando descartadas, levam centenas de
anos para se desfazerem.
Sargassum e plástico ao largo da costa das Bermudas.
O problema, explica Arias, está centrado – como em todos os sistemas lineares – no que os
cientistas chamam de "vazamento" de plástico no meio ambiente, que em um sistema ideal
não deveria existir. Se houvesse um modelo de economia circular (ou seja, uma economia
focada na produção, distribuição e consumo sustentáveis), os prejuízos seriam menores.
De acordo com os números do relatório do PNUMA, 400 milhões de toneladas de plástico são
produzidas anualmente, principalmente a partir de fontes terrestres, incluindo agricultura,
construção e transporte.
Além disso, uma importante fonte terrestre de descarte de plástico está na ampla gama de
produtos de cuidados pessoais, farmacêuticos e de saúde, incluindo equipamentos de proteção
pessoal usados durante a pandemia de covid-19.
Estima-se que 36% de todo o plástico produzido é utilizado em embalagens, incluindo produtos
feitos de uso único para o armazenamento de alimentos e bebidas. Além disso, cerca de 85%
do plástico produzido globalmente acaba em aterros sanitários ou como lixo não-
regulamentado e, posteriormente, entra no ambiente marinho.
O panorama não é muito promissor. Um relatório publicado em 2021 pela Fundação Ellen
MacArthur estima que a produção de plásticos aumentou consideravelmente nos últimos 50
anos – de 15 milhões de toneladas, em 1964, para 311 milhões de toneladas, em 2014.
Desse total, a organização aponta que 26% são embalagens plásticas. Em números, isso
corresponde a cerca de 78 milhões de toneladas – ou 7,2 mil Torres Eiffel ou 650 mil baleias
azuis – de plástico descartado. Dessas embalagens plásticas, 40% acabam em lixeiras, 32% no
meio ambiente (como os ecossistemas marinhos) e 14% são incineradas ou utilizadas para
gerar energia.
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Um artigo publicado pela ONU em 2019 revelou que meio milhão de toneladas de microfibras
são despejadas no mar a cada ano, ou seja, o equivalente a 3 milhões de barris de petróleo.
Além das garrafas plásticas, os copos descartáveis também estão em ascensão entre os
resíduos. Foi precisamente o caminho percorrido por este último (da produção ao oceano) que
levou o empresário e estudante de biotecnologia da Universidade de San Martín, na Argentina,
Jerónimo Batista Bucher, a desenvolver a ideia de substituir os copos plásticos descartáveis por
outros biodegradáveis feitos de algas.
Um único recipiente levou Bucher a fazer estimativas que lhe permitiram concluir que, apenas
em sua escola secundária, mais de 600 kg de lixo plástico eram descartados anualmente.
Esse foi o ponto de partida para seu projeto de criar copos descartáveis a partir de algas
biodegradáveis. Em 2019, Jerónimo Batista Bucher foi escolhido pela Universidade de Harvard,
nos Estados Unidos, como um dos 100 líderes do futuro.
Atualmente, sua proposta ecológica está em fase de registro. A ideia é não apenas popularizar
os copos à base de algas marinhas, mas também em oferecê-los em máquinas similares aos
distribuidores de água comuns.
Reciclagem: quanto de plástico é recuperado?
"Os plásticos baratos, leves e versáteis são os materiais dominantes de nossa economia
moderna", destaca o relatório da Fundação Ellen MacArthur.
Das 400 milhões de toneladas de plástico produzido, apenas 9% são coletados para reciclagem,
segundo o relatório do PNUMA. Quaisquer estimativas de perdas hoje não incluem os custos
de degradação de bens e serviços do ecossistema devido ao lixo marinho, de modo que as
perdas econômicas totais são subestimadas.
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pandemia]
O resíduo ou o 'vazamento' de plástico chega ao meio aquático por engano, omissão ou erro de
cálculo. Independentemente dos motivos, os relatórios concordam que o lixo marinho é
encontrado em volumes crescentes ao longo das costas e estuários do mundo, em enormes
correntes no meio do oceano, em ilhas remotas e no gelo marinho.
Esta dispersão, alerta o relatório do PNUMA, ocorre através do fundo do mar, desde as regiões
polares até as trincheiras mais profundas e escuras, e impacta todas as formas de vida
possíveis.
Uma vez depositados no fundo do mar, explica Arias, os resíduos são submetidos ao que os
cientistas chamam de intempéries, ou seja, os detritos passam por vários processos físicos,
químicos e biológicos. A desintegração do plástico é, de acordo com o especialista, complexa e
preocupante, porque “a radiação ultravioleta dos raios solares, assim como as variações de
temperatura e pressão, provocam o envelhecimento dos plásticos, alterando sua estrutura
cristalina e dividindo-os em partículas realmente minúsculas, quase invisíveis ao olho humano”,
explicou o especialista. Essas minúsculas partículas que ficaram conhecidas como
microplásticos e nanoplásticos.
A biodiversidade é continuamente ameaçada por lixo e poluição plástica. Uma vez depositadas
nos diversos ecossistemas aquáticos, as toneladas de resíduos que descartamos anualmente
têm um impacto direto na vida marinha.
As principais consequências dos plásticos maiores, os macroplásticos, nos animais que vivem
em ecossistemas aquáticos, segundo o PNUMA, incluem:
• Morte de mamíferos marinhos, aves, peixes, répteis e plantas por colisões com plásticos de
macro tamanho.
Segundo o especialista, existem atualmente mais de 10 mil artigos científicos publicados sobre
os efeitos dos resíduos plásticos na vida marinha e a conclusão de todos eles é que dos 782
indicadores de progressão da doença, aproximadamente 30% são desencadeados pela
exposição de animais a plásticos.
Além de impactar a vida selvagem, os resíduos plásticos, sejam flexíveis ou rígidos, podem
alterar a estrutura e a composição da macrofauna, microfauna e conjuntos de bactérias.
Segundo o PNUMA:
A rota que um produto plástico segue desde sua origem até sua disposição final nos ambientes
aquáticos do planeta pode ser alterada se for reconhecido que "todos precisam estar a bordo
da solução", advertiu Arias.
Para isso, é essencial adotar um sistema circular, que transforme as diferentes etapas da cadeia
produtiva. A solução para um problema tão complexo como os resíduos plásticos requer ação
em todos os níveis.
No nível macro, 175 delegados da ONU concordaram, em março deste ano, em negociar o
primeiro tratado global abrangente para conter a poluição por plásticos, uma iniciativa
considerada o pacto ambiental mais significativo desde o Acordo de Paris contra as mudanças
climáticas, em 2015.
Para Batista Bucher, trata-se é uma notícia histórica que poderia ter um enorme potencial de
transformação ao dar um sentido de urgência a esta questão global.
"Hoje estamos gerando plásticos como nunca antes na história, e nos próximos 20 anos está
planejado dobrar a produção de acordo com o crescimento populacional", diz Batista Bucher.
"Mas, por outro lado, estamos numa situação em que, por exemplo, as energias renováveis
estão ganhando terreno na produção de energia e no fornecimento de toda a matriz energética
global."