Arquivo7551 1
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Recife
2010
Arione Vieira do Nascimento
Recife
Outubro, 2010
Nascimento, Arione Vieira do
Avaliação da política de humanização em saúde
no Hospital Barão de Lucena: o reconhecimento no
cuidado da criança / Arione Vieira do Nascimento. -
Recife : O Autor, 2010.
161 folhas : tab., graf. e quadro.
This study aimed to evaluate, from a case study in the pediatric ward of the Hospital
Barão de Lucena, located in Recife, Pernambuco, Brazil, how occur the practices of
humanized service to the user-citizen on the everyday of this hospital that, since
2002, integrates the network of the Programa Nacional de Humanização de
Assistência Hospitalar – PNHAH (Program for Humanization of Hospital Care). The
theory of recognition described in the work of Axel Honneth was the leitmotiv of this
study and may contribute to finding the link theory in practice on day by day of a
hospital unit, to explain why the modern society has lost the essence of being
human, debating the reification and the urgency to humanize relations practices of
health care. It was conducted a qualitative research by a semi-structured interview on
the period from July to August 2010, with 30 mothers or caregivers and professionals
from 30 different categories, which answered questions drawn from theoretical
orientations described by the Ministério da Saude (Brazilian Health Ministry), which
deals parameters of humanization of care for users and professionals. The cross-
check of information of these subjects was done with the interest of identify, from
perspectives of the mothers (users) and professionals, the degree of adoption of
humanized practices in everyday care. The results obtained after collected data
analysis indicates that, in the view of most users, the theories putted in the program
correspond to the practice, while for the professionals there is no comply.
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 12
2 CENÁRIOS RELATIVOS ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL E A
IMPORTÂNCIA DE AVALIÁ-LAS .............................................................................. 19
2.1 Políticas públicas: alguns apontamentos............................................................. 19
2.2 Interface entre os processos econômicos, políticos e as práticas de saúde. ...... 23
2.3 O cuidado hoje: a Política Nacional de Humanização ......................................... 38
2.4 Avaliação da política de humanização no campo da saúde ................................ 45
3 AS CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA DO RECONHECIMENTO DE AXEL
HONNETH NA HUMANIZAÇÃO DA SAÚDE ............................................................ 48
3.1 A Teoria Crítica e o Reconhecimento .................................................................. 49
3.2 A humanização no serviço de saúde: um comentário sob a ótica Honnethiana. . 63
3.3 Considerações sobre o ser humano .................................................................... 65
3.4 Acolhimento e humanização ............................................................................... 67
3.5 A visão holística influenciando no processo de humanização hospitalar ............ 72
4 O CONTEXTO HISTÓRICO E O CENÁRIO ATUAL DA ASSISTÊNCIA
HUMANIZADA DO HOSPITAL BARÃO DE LUCENA ............................................... 76
4.1 O Hospital Barão de Lucena: um breve histórico ................................................ 76
4.2 As práticas de humanização no Hospital Barão de Lucena ................................ 79
4.3 A cultura organizacional: a humanização nos hospitais ...................................... 84
5 METODOLOGIA ..................................................................................................... 93
5.1 Tipo de pesquisa ................................................................................................. 93
5.2 Relevância do método de abordagem ................................................................. 94
5.3 Lócus ................................................................................................................... 94
5.4 Campo de pesquisa............................................................................................. 95
5.5 Sujeitos: amostra e cuidados éticos .................................................................... 95
5.6 Procedimentos .................................................................................................... 97
5.7 Análises dos dados ............................................................................................. 98
6 RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................................ 100
6.1 A visão dos usuário ...................................................................................... 101
6.1.1 Qualidade das instalações, condições ambientais e equipamentos para
atendimento dos usuários ................................................................................. 101
6.1.2 Acesso e presteza no atendimento aos usuários..................................... 106
6.1.3 Qualidade da informação fornecida aos usuários .................................... 110
6.1.4 Qualidade da relação entre usuários e profissionais ............................... 112
6.1.5 sugestões dos usuários para melhoria dos serviços................................ 115
6.2 A visão dos profissionais de saúde ................................................................... 119
6.2.1 Gestão hospitalar e participação dos profissionais na organização......... 120
6.2.2 Qualidade da comunicação no setor ........................................................ 124
6.2.3 Relacionamento interpessoal no setor de trabalho .................................. 126
6.2.4 condições de trabalho dos profissionais .................................................. 128
6.2.5 Motivação e valorização profissional do trabalho .................................... 130
6.2.6 Condições de apoio aos profissionais...................................................... 132
6.2.7 Sugestões dos profissionais para melhoria dos serviços......................... 135
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 138
REFERÊNCIA ......................................................................................................... 146
APÊNDICE A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ............................... 152
APÊNDICE B – Formulários de pesquisa dirigidos aos usuários do serviço (1) e aos
profissionais do serviço (2) ...................................................................................... 153
APÊNDICE C – Tabelas demonstrativas dos eixos para humanização dos
usuários ................................................................................................................... 157
APÊNDICE D – Tabelas demonstrativas dos eixos para humanização dos
profissionais ............................................................................................................ 159
ANEXO A – Aprovação do Comitê de Ética ............................................................ 161
12
1 INTRODUÇÃO
Dizer simplesmente que por questões morais não se pode tratar as pessoas
como coisas, não é apenas ir de encontro a uma norma de conduta. É atentar contra
as bases do discurso sobre moral, não reconhecer nem tratar o outro como próximo.
Hoje, muito se fala e reclama-se da desumanização das instituições de
saúde. O hospital reflete essa problemática como sendo um espelho da sociedade
tão indiferente e desumanizada. A humanização do atendimento nos hospitais
passa, obrigatoriamente, pela humanização da sociedade. Num contexto de
crescente tecnologização do cuidado, é urgente o resgate de uma visão
antropológica holística, que cuide da dor e do sofrimento humano, nas suas várias
dimensões, ou seja, física, social, psíquica, emocional e espiritual (PESSINI, 2006).
Redescobrir a humanização e reconhecer as pessoas como próximo,
fazendo parte existencial do outro é fundamental nas situações de sofrimento. Nessa
perspectiva, a teoria do reconhecimento parece contribuir para compreender a
urgência da sociedade moderna em humanizar-se e, nessa discussão, reconhece-se
a importância de um aprofundamento desses teóricos e até conhecer outros.
Uma vez realizada essa breve explanação, a tarefa proposta é descrever os
cenários relativos às políticas públicas de saúde no Brasil e da assistência
humanizada no Serviço de Pediatria do Hospital Barão de Lucena. Procura-se
revelar como a teoria do reconhecimento elaborada por Axel Honnet contribui para a
humanização do cuidado, a fim de responder não só como ocorrem, mas por que
ocorrem as práticas de atendimento humanizado, ao usuário-cidadão, na pediatria
do hospital Barão de Lucena.
A partir desse entendimento, é possível propor aos gestores do hospital,
ações complementares para melhoria dos serviços prestados a partir da análise dos
dados coletados na pesquisa.
O cumprimento dos objetivos deste trabalho, somado aos dados coletados e
analisados na pesquisa, são elementos elucidativos que dão conta das hipóteses
inicialmente formuladas: A surdez institucional (a ausência de uma cultura de
mecanismos de escuta-ouvidoria) e a falta de comunicação e monitoramento
permanente do grau de satisfação dos usuários e colaboradores podem prejudicar a
gestão do Hospital, dificultando a concretização das políticas públicas; aspectos
teóricos postos no Programa Nacional de Humanização não são observados nas
práticas diárias do hospital; a reificação, descrita na teoria de Honnet contribui para
criar ambientes menos humanizados.
17
Percebe-se que a política pública visa atender demandas sociais através dos
bens produzidos também pela sociedade e solucionar problemas variados,
principalmente para as pessoas de menos recursos. Isso é alcançado através de
uma distribuição igualitária de renda e acesso a bens e serviços. Silva e Silva (2005,
p. 38-39) descreve que o processo das políticas públicas acontece num conjunto de
momentos não-lineares, articulados e interdependentes.
Para um melhor entendimento, há que se ter em mente algumas etapas
desse processo, que passa pela formalização do problema versus agenda
governamental. Isso significa dizer que, ao se fazer uma listagem de problemas e
assuntos que se destacam aos olhos da sociedade e do governo, esta pode ganhar
visibilidade por pressão social, transformando-se em questão social, que exige uma
política específica. Vale salientar que neste ponto surge uma equação da seguinte
forma: situação problema questão social agenda pública.
Uma segunda fase a ser aprofundada é a de formulação de alternativas de
política. Quando se busca o diagnóstico sobre a situação problema, as alternativas
para o enfrentamento dos empecilhos, baseadas no observar do conteúdo geral do
programa, são: o quê, qual programa, abrangência, escopo, quem beneficia; o onde
e quando; os recursos (quais, quanto e fonte); o aparato institucional (órgãos
responsáveis, legislação de apoio); responsabilidade (burocracia, equipe técnica,
parcerias).
É chegado o momento decisório, isto é, da adoção da política escolhida para
enfrentamento da situação problema que se resolve através do legislativo. Assim, a
política se torna um programa baseado em critérios técnicos apresentados pelos
formuladores e políticos do próprio legislativo.
Segue-se, então, a implementação ou execução do problema social,
constituindo a fase mais complexa e abrangente do processo de políticas públicas,
envolvendo mobilização de recursos humanos, financeiros ou materiais.
Evidentemente, trata-se da fase de execução de serviços, visando o cumprimento de
objetivos e metas pré- estabelecidas.
Observa-se, portanto, que uma política pública, desde seu nascimento, está
envolvida com a mobilização e alocação de recursos, com a divisão de trabalho
(tempo), com o uso de controles (poder), com a interação entre sujeitos, e lida com
interesses diversos, adaptações, riscos e incertezas sobre processos e resultados.
Vê-se que o processo de tais políticas é assumido por uma diversidade de atores,
22
ação estatal até os dias de hoje, é importante para se compreender quanto o setor
sofreu influências do contexto político-social que o Brasil atravessou. De acordo com
Polignano (2001, p. 2), para se analisar a história das políticas públicas de saúde no
Brasil, é relevante considerar algumas premissas:
Nacional a Lei Eloi Chaves, marco inicial da previdência social no Brasil, instituindo as
Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAPs) (POLIGNANO, 2001).
As CAPs concediam benefícios pecuniários, nas modalidades de
aposentadorias e pensões, prestação de serviços do tipo consultas médicas e
fornecimento de medicamentos. Para que isso fosse possível, criou-se um fundo
composto pelo recolhimento compulsório do empregado: 3 % do salário do
empregador, 1 % da renda bruta das empresas e da União, 1,5 % das tarifas dos
serviços prestados pelas empresas (CORDEIRO, 1981 apud BERTOLOZZI; GRECO,
1996).
Vale ressaltar que a crise do modelo exportador capitalista, o aumento da
dívida externa, a crise mundial do café, entre outros, afetaram a economia brasileira,
criando condições propícias para a Revolução de 1930. O êxodo rural, decorrente da
bancarrota do café, acelerou o processo de industrialização e urbanização do País,
aumentando os surtos epidêmicos, por conta do excesso populacional. Nesse
período, delineou-se uma política nacional de saúde por meio da criação do Ministério
da Educação e Saúde, embora fosse de caráter restritivo, limitado a certos
segmentos de trabalhadores. Os programas de saúde eram voltados para a criação
de condições sanitárias mínimas, que garantiam a infraestrutura necessária para
suportar o contingente migratório. O salário mínimo foi estabelecido e os Institutos de
Assistência Previdenciária (IAPs) começaram a prestar serviços no âmbito da
assistência médica (BERTOLOZZI; GRECO, 1996).
Em 1953, foi criado o Ministério da Saúde, embora limitado a um mero
desmembramento do antigo Ministério da Saúde e Educação, sem apresentar nova
postura do governo quanto à saúde pública. Em 1956, surge o Departamento
Nacional de Endemias Rurais (DNERU), absorvendo os antigos serviços nacionais de
febre amarela, malária e peste (POLIGNANO, 2001).
Nesse mesmo ano, no Estado de Pernambuco, dá-se o início da construção
do hospital Barão de Lucena e, posteriormente, instala-se o Instituto de Medicina
Integral Professor Fernando Figueira, o IMIP. Como lócus desse trabalho, o HBL será
abordado no terceiro capítulo.
O IMIP é fundado, em 1960, por iniciativa de um grupo de médicos liderados
pelo professor Fernando Figueira. Como entidade filantrópica, atua nas áreas de
assistência médica-social, ensino, pesquisa e extensão comunitária, sendo o primeiro
hospital do Brasil a receber o título de “hospital amigo da criança”, concedido pela
29
1
Esclareço que, no espaço para construção da presente dissertação de mestrado, foram citados tais programas,
mas o foco será o Programa Nacional de Humanização.
39
universitárias naquele momento histórico. Logo que lhe foi viável, assumiu, em 1930,
o Instituto de Pesquisa Social, ocupando a cátedra que cabia ao Instituto e cujo
nome foi designado por ele de Filosofia Social. O objeto precípuo que ele perseguiu
constituiu um programa de pesquisa interdisciplinar, cuja referência teórica era a
obra de Marx e o marxismo. Surgia, assim, a vertente intelectual da Teoria Crítica
(NOBRE apud HONNETH, 2009).
Mais adiante, serão aprofundados neste trabalho aspectos da Teoria Crítica
ainda sob tal visão e as discordâncias de outros teóricos, especialmente de
Honneth. Esclareçam-se agora, as características mais gerais da Teoria Crítica, e
como essa foi se desenvolvendo.
É oportuno falar que a expressão “Escola de Frankfurt” ficou bastante
conhecida, por motivos políticos e históricos. Conforme se sabe, alguns pensadores
ligados a tal teoria assistiram a mudanças sucessivas da sede para Genebra, Paris e
Nova York, durante o nazismo (décadas de 30 e 40). Só após a Segunda Guerra
Mundial viram-na retornar. Esses pensadores obtiveram postos de direção no
Instituto de Pesquisa Social e na Universidade de Frankfurt. A partir desse momento
(1950), Horkheimer foi a grande figura da “Escola de Frankfurt” na direção do
Instituto. Theodor W. Adorno, seu íntimo colaborador, o sucedeu como reitor da
Universidade em 1958 (NOBRE apud HONNETH, 2009).
As décadas de 50 e 60, como não podiam deixar de ser, foram de grande
agitação política e intelectual. A designação “Escola de Frankfurt” pode dar força ao
debate público alemão através do posicionamento e prestígio de Adorno e
Horkheimer. Vale ressaltar que a mencionada “Escola” constituiu-se uma forma de
intervenção não partidária, quer no âmbito acadêmico, quer no da esfera pública
entendida mais amplamente.
Então parece claro que a atividade do teórico crítico tem inerente a exigência
de que a teoria seja a expressão de um comportamento crítico relativamente ao
conhecimento produzido e à própria realidade social que tal conhecimento pretende
apreender. Esses princípios da teoria crítica, herdados de Marx, fundamentam-se no
pensamento de que uma sociedade emancipada está calcada na forma atual de
organização social, como uma tendência real de desenvolvimento. Nos anos 40,
foram Horkheimer e Adorno afastando-se criticamente do diagnóstico e das soluções
propostas por Marx e pelo marxismo. Nesse ponto, constata-se a existência de um
foco de sociedade posta entre estruturas econômicas determinantes e a socialização
do indivíduo, não sendo a ação vista como mediadora necessária (NOBRE apud
HONNETH, 2009).
Em relação a Jürgen Habermas, é necessário comentar que esse “trabalhou”
a Teoria Crítica alargando o conceito de nacionalidade e de ação sem captar como o
próprio sistema e sua lógica instrumental são resultado de permanentes conflitos
sociais. É exatamente aí o ponto em que Honneth vê o conflito como objeto central
da Teoria Crítica. Conforme é sabido, foi ele buscar embasamento em vários autores
antigos ou contemporâneos, estando entre tantos Maquiavel, Hegel, Horkheimer,
Adorno, Marx, Mead e outros. Honneth chama mais atenção para as proximidades
que para as diferenças entre Habermas e os demais pelo procedimento profícuo,
qual seja, trabalhar os elementos negligenciados para identificar a viabilidade social
51
crítica. A partir daí seu estudo estaria ancorado no processo de construção social
(NOBRE apud HONNETH, 2009).
Assim, no concernente às concepções básicas de conhecimento, há que se
fazer referência ao fato de que elas são diferentes daqueles de Horkheimer, “uma
vez que a teoria habermasiana pretende oferecer à ação social um lugar mais
destacado que no modelo de Horkheimer“ (SOUZA, 2009, p. 66). Pode-se então
afirmar que na perspectiva de Honneth, Habermas parte do interesse prático,
enfatizando que, apesar das mudanças, a Teoria Crítica tem ali seu primeiro ponto
de definição através do tempo e das gerações. Ressalta-se que sua apreensão só
pode ser realizada por meio do estudo sobre seu contexto constitutivo.
Em Horkheimer havia apenas dois tipos de interesse cognitivo (o empírico e
o crítico), enquanto Habermas aponta para a existência de um terceiro, o
hermenêutico (SOUZA, 2009). Sabe-se, pois, que a forma teórica que Harbemas
chama de teoria analítica das ciências, pautada por interesse técnico, é um tipo de
conhecimento fundamentalmente positivista. Percebe a si mesmo de forma reificada,
sem qualquer foco para um interesse hermenêutico em sua composição e também
seu entendimento histórico. Como método da compreensão do fenômeno humano, a
hermenêutica surge em resposta a uma tentação de “absoluto”, típico dos sistemas
filosóficos até Hegel, com seu conceito de “espírito”. (SOUZA, 2009).
Honneth identifica, em sua teoria, convergências com o pensamento
habermasiano. Este pensador diagnostica que o capitalismo passou a ser regulado
pelo Estado, e chegou então às duas tendências fundamentais para a emancipação
como colocadas no marxismo (a do colapso interno e a da organização do
proletariado contra a dominação do capital), que tinham sido neutralizadas. É aí que
surge a evidência de que tanto em Habermas quanto em Horkheimer e Adorno,
estão presentes esses elementos. Esclareça-se que Habermas não constata que as
oportunidades para a emancipação estejam estruturalmente bloqueadas, mas sim
que seria necessário repensar o próprio sentido da emancipação da sociedade.
(SOUZA, 2009).
Na opinião de Honneth, Habermas faz a caracterização da ciência como o
processo teórico de apropriação da natureza de modo não tão distante de
Horkheimer. Este defendia a existência de uma “atitude crítica”, mas Habermas
pretende fazê-lo de maneira indireta, mostrando que a compreensão da existência
de formas alternativas de interesses cognitivas são bloqueadas pela generalização
52
Vale ressaltar que a concepção acima, uma vez que esteve estudando um
modelo da “luta social” de Maquiavel e Hobbes, deu-lhe uma nova feição. A partir de
então, o processo de conflito entre os homens fundamentava-se em impulsos
morais, não aos motivos de autoconservação. É importante enfatizar que Hegel
retoma o modelo conceitual de uma luta social entre os homens, que Maquiavel e
Hobbes empregaram. Num certo momento da história das ideias, a vida social é tida
como uma relação de luta por autoconservação, isto é, os sujeitos individuais se
conflitam numa ocorrência permanente de interesses.
Surge então Thomas Hobbes em seu pensamento – teoria do contrato –
estabelecendo a soberania do Estado. Hobbes viveu em um contexto social que lhe
fez enxergar uma realidade bem diferente a que cercava Maquiavel. Num aparelho
estatal moderno e com a expansão crescente das mercadorias, quis o filósofo inglês
investigar as “leis da vida civil” pelas observações do cotidiano que vão tornando a
figura do enunciado científico sobre a natureza particular do homem. Valoriza, então,
o fato de estar voltado para o seu bem-estar futuro e, no confronto com o próximo,
surge-lhe “a suspeita” de uma forma de intensificação preventiva do poder. Ele
fundamenta o respeito à doutrina do estado de “natureza”, em que essa deve expor
o estado geral entre os homens, caso fosse subtraído todo órgão político da vida
social, instalando uma guerra de todos contra todos (HONNETH, 2009).
A duradoura luta entre os homens, o temor permanente e a desconfiança
recíproca conduziram à conclusão de que só a submissão regida por contrato de
todos a um poder soberano, poderia resultar em uma ponderação de interesses por
parte de cada um. O contrato social seria a única forma de apaziguamento entre os
homens, dando fim a guerra ininterrupta que visa à alta conservação individual.
Sabe-se que Hegel realizou seus estudos em 1802 a respeito das “maneiras
científicas de tratar o direito natural” e era o esboçar do programa de seu trabalho
futuro sobre filosofia prática e política. Progressivamente, lendo Platão e Aristóteles,
foi se deixando familiarizar com uma corrente da filosofia política que valorizou muito
a intersubjetividade da vida pública (HONNETH, 2009).
Parece relevante ressaltar que, passo a passo, essas impressões e
orientações foram calcando o pensamento de Hegel. Em um dado momento, ficou
claro para ele que, para estabelecer uma ciência filosófica da sociedade, era preciso
superar os equívocos atomísticos a que estava cingida toda a tradição do direito
56
natural moderno. É pelo ensaio sobre o “Direito natural”, que Hegel enxerga uma
possível solução para as tarefas teóricas.
Vê Hegel que as duas versões do direito natural, embora diferentes,
persistem no mesmo erro: tanto na maneira empírica quanto na formal de referir-se
ao direito natural, o “ser do singular” é pressuposto categoricamente “como o
primeiro e o supremo” (HONNETH, 2009).
Seriam “empíricos” aqueles enfoques do direito natural que tem como ponto
de partida, definições fictícias ou antropológicas da natureza humana para projetar,
com base nelas, uma organização racional do convívio social. Acrescenta-se a isso
diversas suposições suplementares.
Em princípio, os enfoques da tradição natural que Hegel denomina “formal”
não são divergentes porque partem, no lugar das definições sobre a natureza do
homem, num conceito transcendental da razão prática. As premissas atomísticas,
representadas por Kant e Fichte, são reveladas através do fato de as ações éticas
existirem como resultantes de operações racionais, purificados de todas as
inclinações e necessidades empíricas da natureza humana. As disposições
egocêntricas, ou seja, “aéticas”, constituiriam aquelas que deveriam ser reprimidas
em si, para finalmente poder tomar atitudes que estimulam a comunidade – atitudes
éticas (HONNETH, 2009).
Os enfoques da tradição natural (formal e empírico) subsistem enlaçados em
seus conceitos básicos a um atomismo. Assim, fica claro que um atomismo
pressupõe o existir de sujeitos isolados uns dos outros como uma base natural para
a socialização humana. Segundo Hegel, “... uma comunidade de homens só pode
ser pensada segundo o modelo abstrato dos „muitos associados‟. Isto é, uma
concatenação de sujeitos, individuais isolados, mas não segundo o modelo de uma
unidade ética de todos” (HONNETH, 2009, p. 40).
Eticidade é, para Hegel, uma coletividade ideal que acreditou ter encontrado
na polis. A vida pública seria, portanto, a possibilidade de uma realização da
liberdade de todos os indivíduos em particular e nos costumes e usos
comunicativamente exercidos no interior de uma coletividade (médium social), que
deve se efetuar a integração da liberdade geral e individual. Desse modo, o sistema
de legislação pública tem de expressar os costumes de fato existentes (HONNETH,
2009).
57
habituais que o ser humano aproveita em suas operações congnitivas. À medida que
o sujeito entra em dificuldades, suas interpretações da situação até então
objetivamente comprovadas, ficam sem validade e separadas da realidade restante
a título de meras representações subjetivas. Em suma, o “psíquico” é a experiência
que um sujeito faz consigo próprio, quando um problema prático surge impedindo-o
de um cumprimento habitual de sua atividade. Sob a pressão de um problema
prático, o indivíduo é forçado a reelaborar criativamente suas interpretações da
situação (HONNETH, 2009, p. 126).
Prossegue Mead ao enfatizar que o indivíduo, aprendendo a assumir as
normas sociais de ação do “outro generalizado” vai alcançando a identidade de um
membro socialmente aceito de sua coletividade, então tem todo o sentido empregar
para essa relação intersubjetiva o conceito de reconhecimento. Como Hegel, Mead
pretende que “a compreensão que aquele que aprende a conceber-se da
perspectiva do outro generalizado tem de si mesmo, seja entendida como uma
pessoa de direito” (HONNETH, 2009, p. 136).
Um aspecto relevante da teoria de Mead é o que diz respeito a como o “ME”
se transforma no processo de desenvolvimento social, pois a partir desse momento,
o indivíduo aprende a se conceber como membro de uma sociedade organizada
pela divisão do trabalho.
através do contato com sua mãe, e em seguida pela família e posteriormente pela
sociedade. São esses banhos de imagem e de linguagem que vão moldando o
desenvolvimento do corpo biológico (comportamental), transformando-o num ser
humano com um estilo de funcionamento do seu modo singular de ser.
O fato do ser humano ser dotado de linguagem possibilita a construção de
redes de significados que podem compartilhar em maior ou menor grau com seus
semelhantes, o que lhes dará certa identidade cultural (BETTES, 2009).
Para compreender melhor o homem, é necessário que se conheça sua
natureza, sua essência, suas necessidades básicas, que são elas:
possível compreender melhor porque a ética neste País é tão precária, visto que
grande parte da população não atinge condições para viver eticamente.
humana, compreendendo o significado dela para cada pessoa e como cada uma
desenvolve sua identidade e constrói sua própria história. Tal cuidado não pode
estar desvinculado e descontextualizado dessas circunstâncias, por ser efetivado a
partir da compreensão do ser humano total, em suas diferenças e individualidades.
Do mesmo modo, aquele que cuida precisa estar ciente de suas possibilidades e
limitações. Assim, o “grande desafio dos profissionais de saúde é cuidar do ser
humano na sua totalidade, exercendo uma ação preferencial em relação a sua dor e
seu sofrimento, nas dimensões física, psíquica, social e espiritual, com competência
científica e humana” (p. 91).
Como já foi mencionado, percebe-se a necessidade do cuidado numa
perspectiva global, não sendo fragmentado e direcionado apenas à questão física da
doença propriamente dita. O ser humano tem valores, crenças, sentimentos, fé,
várias preocupações e temores, que precisam ser levados em consideração pelos
profissionais de saúde. No que diz respeito ao uso da tecnologia a serviço do
cuidado médico, Bettinelli e colaboradores (2006) acreditam que estas precisam
respeitar os padrões técnicos e éticos e não têm sentido se não estiverem
integradas ao processo relacional. Não se pode ignorar a importância dos múltiplos
instrumentos modernos na área médica, todavia é importante compatibilizar seu uso
com a humanização no atendimento.
se que a evolução científica tem oferecido aos enfermos muitos benefícios. Por outro
lado, estabelece-se uma assistência tão sofisticada que os profissionais estão tão
impregnados com a tecnologia e pela burocracia que não mais ouvem o paciente,
sua vontade ou as angústias dos familiares. O paciente, embora tenha direito a
decidir conjuntamente com o médico sobre o tratamento indicado, é pouco ouvido,
não lhe sendo permitida voz e escuta.
Na visão de Ballone (2005), a necessidade de se falar em humanização no
campo em foco surgiu em decorrência da evolução científica e técnica de saúde, o
qual não conseguiu ser acompanhado, como deveria de uma correspondente
qualidade no contato humano, que privilegiasse as relações interpessoais entre
todos os envolvidos no processo do adoecimento, bem como o conforto e a
qualidade de vida do paciente. É importante que médicos e demais pessoas
envolvidas no cuidado do paciente considerem as necessidades emocionais e
psíquicas deste, evitando o descaso humanitário que inclui a falta de intimidade
entre as pessoas que atendem na área da saúde, o desrespeito pela subjetividade
humana, a empáfia, a arrogância, o descaso, a falta de vocação, o desinteresse, a
insensibilidade, entre outros.
A escuta, sobretudo, é uma atitude que deve ser estimulada, pois a partir
dela se acolhe, se compreende, se considera e se respeita as opiniões, queixas e
necessidades dos pacientes. Desse modo, humanizar o atendimento em saúde é
“fortalecer o desejável comportamento ético e o arsenal técnico-científico, com os
cuidados dirigidos às necessidades existenciais dos pacientes, investindo nas
condições de trabalho dos profissionais da área” (BALLONE, 2005, p. 1). Segundo o
autor, algumas atitudes estão relacionadas com o que se pretende com a
humanização no atendimento:
sua atuação nessa área, o título de “Hospital amigo da criança”. Conta ainda, com
um atendimento de alta complexidade em oncologia e terapia renal substitutiva,
funcionado como central reguladora do Estado na área de diálise (PERNAMBUCO,
2004).
Assim sendo, o Hospital Barão de Lucena (HBL) é parte integrante da rede
estadual de saúde de Pernambuco, com 100 % dos seus leitos dedicados ao SUS.
Caracteriza-se como hospital de grande porte, com atendimento emergencial nas
áreas de obstetrícia e pediatria, disponibilizando ainda, 33 ambulatórios nas diversas
áreas médicas. Tem uma média/mês de 8.746 atendimentos nas diversas
especialidades médicas. Está localizado na cidade do Recife, convivendo com
graves problemas sociais, econômicos e financeiros.
Segundo dados fornecidos pelos recursos humanos do HBL, esse conta com
os serviços de 2071 funcionários, dos quais 284 são terceirizados e 172 contratados
por tempo determinado. São eles distribuídos em diversas categorias funcionais e
vinculados a vários empregadores.
O Hospital possui vocação para a área de ensino, existindo residências nas
áreas médicas, de enfermagem e de nutrição, além de servir de campo de estágios
para os estudantes de nível médio e superior nas demais áreas de atenção à saúde,
como psicologia, serviço social, fonoaudiologia, fisioterapia, terapia ocupacional,
biomedicina,farmácia, patologia clinica e imagenologia.
A unidade de pediatria do HBL, lócus deste estudo, atende mensalmente
uma média de 5.264 crianças com idade de zero a 12 anos, dos quais 2.946
atendimentos provenientes da emergência, 1.222 atendimentos de origem
ambulatorial e 1.096 internamentos. O ambulatório é constituído por várias clínicas
especializadas (nefrologia, cardiologia, endocrinologia, neurologia, neurocirurgia,
cirurgia pediátrica, reumatologia, pneumologia e Alergia, ecocardiografia pediátrica,
terapia ocupacional e fisioterapia respiratória), além da pediatria geral. Existe, ainda,
um centro de infusão para pacientes com doenças lisossômicas, único no Estado,
que funciona como hospital-dia. A pediatria ainda possui enfermaria (local de
aplicação dos formulários de entrevista desta pesquisa) com 56 leitos, sendo 8 para
recém-nascidos externos, 10 para diarréia e 38 para pediatria geral. Conta com UTI
“aberta”, ou seja, é a única do SUS que oferece alojamento para as mães em frente
à mesma, possibilitando o acompanhamento dos seus filhos 24 horas por dia. O
79
(ATA, 2002).
O GTH, em 25 de agosto de 2002, aprovou seu regimento interno com suas
atribuições, funções e composição. A composição fica assim definida: um
coordenador, um secretário, um representante da direção do hospital, um
representante dos usuários e nove outros profissionais do serviço, representando os
demais segmentos (ATA, 2002).
Além disto, dentre outros enfoques na humanização presentes na Instituição,
criou-se a Casa da Mulher (espaço para pacientes do sexo feminino pós-alta, com
filhos internados ou gestantes de alto risco que não habitam no Recife) e o
Barãozinho (associação criada pela pediatria do Hospital com o objetivo de atender
de forma mais integral as crianças e seus familiares que buscam aquele serviço).
Fundada em 5 de setembro de 2002, a Associação Barãozinho é uma
entidade sem fins lucrativos. O objetivo principal era de proporcionar condições
melhores de saúde e vida para crianças e adolescentes, a partir da humanização do
atendimento no Hospital Barão de Lucena. Tal iniciativa adveio de profissionais de
saúde e voluntários, cujo entendimento passa pela assertiva de que apenas os
recursos do governo para a saúde não atendem à necessidade da população. Aqui é
importante citar as contribuições da médica pediatra Valéria Bezerra.
A escassez de recursos para a saúde é uma das principais dificuldades
deste setor, seja em nível federal, estadual, municipal e/ou distrital. Além disto, os
usuários do serviço público de saúde no Brasil vivem de forma precária, com até
50 % deles abaixo da linha de pobreza, especialmente no Nordeste Brasileiro. Desta
forma, a população infantil também sofre com esse quadro (BARÃOZINHO, 2009).
A reciclagem tem desempenhado papel importante como fonte de recurso
para a Associação, com realização de feiras beneficentes, e organização de eventos
festivos. Para este fim, dentre outros projetos para melhoria da qualidade de vida
destas pessoas, estão a realização de reuniões semanais para informação sobre
higiene e saúde e a de oficinas de trabalhos manuais com as mães. Contanto, com a
ajuda de voluntários, a Associação promove o aprendizado de trabalhos manuais,
bordados, recicláveis e pintura, objetivando a uma atividade rentável para as mães.
O informativo Barãozinho que explicita ações de novembro de 2004 a janeiro
de 2005, traz um exemplo de solidariedade e responsabilidade social desenvolvido
pela Associação junto à Escola Palatino com o Projeto Reciclarte, onde alunos da
escola estimulam as mães das crianças internadas no Hospital Barão de Lucena
81
levar a alegria e leveza da música aos enfermos. A partir desse momento, o GHT
passa a organizar as atividades festivas do Hospital, ficando responsável pelos
eventos comemorativos como Dia das mulheres, Páscoa, Dia das mães, São João,
Dia das crianças, entre outros, incluindo distribuição de brindes, com a finalidade de
arrecadar fundos para suprir necessidades dos diversos setores do Hospital e
pacientes (ATA, 2004).
Foi realizada a Semana da Pessoa Portadora de Necessidades Especiais,
durante a qual foram distribuídos panfletos informativos e cartazes. Também foi
discutida a programação da Semana Mundial da Amamentação, sendo proposta a
confecção de cartazes, além de faixas e montagem de stands no térreo, para a
divulgação do banco de leite, expondo o trabalho realizado nesse setor,
corroborando seu título de Hospital Amigo da Criança. Na oportunidade, várias
propostas de melhorias nas condições estruturais foram lançadas: reforma das
cadeiras dos acompanhantes da pediatria, banheiros, instalação de uma
brinquedoteca na pediatria cirúrgica, televisões no quarto das mães das UTIs e
URN, varais nos banheiros, recuperação do sistema de som do Hospital e
sinalização de toda instituição, no intuito de contribuir para um ambiente mais
acolhedor (ATA, 2004).
O trabalho voluntário é uma realidade dentro do HBL. Através do seu
aspecto humanitário, tem ajudado ao próximo e colaborado com as políticas de
saúde, levando solidariedade às pessoas ali internadas por longos períodos, tendo
suas necessidades biopsicossociais afetadas pela doença. O voluntariado assume
um compromisso contínuo, com responsabilidade pelo paciente, através de ações
assistenciais prescritas pela equipe de saúde da instituição. O trabalho voluntário no
hospital Barão de Lucena destina-se, prioritariamente, aos pacientes que passam
um longo período de internação nas unidades clínicas e cirúrgicas e que necessitam
de ajuda no atendimento de suas necessidades básicas e não têm acompanhantes
ou familiares (ATA, 2007).
Desde a primeira reunião da humanização no HBL, em 02 de agosto de
2002 e sua posterior formação de um Grupo de Trabalho em Humanização, que
passou a se reunir a cada quinze dias, diversos projetos foram encaminhados à
diretoria, levando-se em conta a escuta de funcionários e usuários de diversos
setores, através de pesquisas, na tentativa de identificar os maiores problemas no
dia a dia do Hospital. São alguns dos projetos encaminhados: voluntariado, serviço
83
saúde, subjugados por uma cultura institucional de violência. Acabou por se tornar
relevante, dentro do setor público brasileiro, uma política de humanização, voltada
para a mudança da cultura institucional, e para os processos de gestão e de
organização do trabalho. A partir daí, importantes estratégias têm sido
desenvolvidas para a implementação da Humanização nos serviços de saúde
pública brasileiro, que requer inúmeras ações, metodologias e ferramentas,
principalmente a educação dos profissionais da saúde dentro dos princípios da
humanização e o desenvolvimento de ações protetoras contra as variadas e
constantes situações de sofrimento e estresse decorrentes do próprio trabalho e
ambiente, cenário das práticas de saúde (RIOS, 2009).
Um hospital pode atender aos mais rígidos critérios tecnológicos e, mesmo,
assim ser desumano no atendimento. Isso ocorre quando ele trata os pacientes
como simples objetos de intervenção técnica e considera desnecessário, e até
mesmo perda de tempo, ouvir suas angústias, temores e expectativas.
Para o Ministério da Saúde (2002), humanizar a assistência é dar lugar não
só a palavra do usuário como também a do profissional de saúde, de forma que
tanto um quanto o outro, possa fazer parte, como atores dos processos de
prevenção, cura, reabilitação, oferta de um atendimento de saúde de qualidade,
promoção da saúde e da qualidade de vida individual e coletiva. Por isso, tais
processos geram muitas vezes incômodos e conflitos ao mexer com concepções de
saúde, formas de trabalho e relações de poder estabelecidas nas instituições
hospitalares.
Não é só do diálogo, do acolhimento, de boas maneiras e intenções, que
brota o processo de humanização hospitalar. Ele nasce de um olhar crítico das
equipes hospitalares para a própria instituição, no que se referem à estrutura física,
formas de funcionamento, tipo e características dos relacionamentos. Da
persistência em processos de médio e longo prazo, que possibilita a recriação do
sentido de intervenção e do investimento articulado em três frentes: promoção de
uma cultura de práticas de cuidado, participação e diálogo, existência de condições
estruturais da instituição e capacitação técnica permanente da equipe hospitalar. Isto
visa uma mudança de modelo mental instituído no ambiente hospitalar, de curadores
de doenças sem nenhum relacionamento de amor, só de utilização de uma técnica
médica de tratamento.
86
permanente com a dor e o sofrimento humano, e seus olhos veem camas, paredes,
lágrimas e os mistérios da vida: o nascer e o morrer. O paciente não necessita
apenas de tecnologia, apesar desta ser importante e necessária no processo de
cura; ele precisa de, sobretudo, comunicação humana. Tudo deve ser feito em favor
do paciente, para o seu bem e garantia. Qualquer programa fora deste postulado é
sem propósito e imoral, pois a medicina foi gerada pela dor, sofrimento e em função
unicamente do doente.
A assistência à saúde tem como principais objetivos; a prestação de bom
atendimento técnico e o cuidado de modo integral do paciente, um complementando
o outro, vez que nenhum complexo tecnológico poderá substituir a capacidade
humana de formar outro complexo - o de pessoas. Se a equipe de saúde não se
entende como formada por pessoas, não poderá transmitir afeto, cuidado e
segurança ao paciente. Entretanto, quando a equipe interage de forma harmônica e
afetiva, o resultado é refletido de forma positiva na assistência prestada ao paciente.
O paciente só procura o hospital quando doente, e no estado de doença
ocorrem várias mudanças de hábitos diários, além da ameaça do equilíbrio
psicológico. Nestas condições, além da preocupação com a doença, ele teme pelo
mundo desconhecido ao qual será inserido no momento de sua internação. Esse
medo, do desconhecido, é bem maior que sua hospitalização. Após sua internação,
o paciente centra sua atenção na doença (natureza, gravidade e tratamento). Surge
então o primeiro personagem, o médico, aquele que dará todas as respostas desses
questionamentos. O simples ato de ouvir e falar conforta e alivia o paciente
(MEZOMO, 2001).
Os profissionais de saúde são de fundamental importância ao
restabelecimento do doente, vez que a eles, o paciente revela seus problemas
pessoais, familiares, além de pedir explicações sobre sua doença, tratamento e tudo
que não entendeu, quando dito pelo médico. Deste modo, torna-se importante uma
boa formação psicológica e social desses profissionais para tratar o homem e não a
doença dele.
É de fundamental importância investir em recursos humanos, pois as
pessoas, sem dúvida alguma, são o maior bem das organizações. As organizações
dependem das pessoas para funcionar e alcançar sucesso, e as pessoas dependem
das organizações para atingir seus objetivos pessoais, o que se conclui que uma é
dependente da outra.
92
5 METODOLOGIA
5.3 Lócus
A amostra foi constituída por mães e/ou outras cuidadoras que estivessem
como acompanhantes de seus filhos (ou outros) na enfermaria de pediatria do
referido Hospital e por profissionais que fazem parte desse setor ou estão envolvidos
no cuidado da criança. Em um universo com 56 leitos e 87 profissionais envolvidos
no cuidado, foi proposta da banca que qualificou o projeto uma amostragem com 30
mães ou cuidadoras e 30 profissionais das diversas categorias.
Para não deixar de fora nenhuma categoria profissional, optou-se por
entrevistar pelo menos um profissional de cada uma delas. Como médicos,
enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem são as categorias com maior
número de funcionários, adotou-se o critério da proporcionalidade para o número de
entrevistados. Sendo assim, foram entrevistados 03 médicos, 04 enfermeiros, 13
técnicos e auxiliares de enfermagem e 01 representante das demais categorias. A
96
Foram excluídas da amostra (ou seja, não foram entrevistadas) as mães que
se negaram a participar, já que se imagina que ter um filho em recuperação em
97
5.6 Procedimentos
Foi realizada uma análise descritiva dos dados por meio de distribuições de
frequências as quais foram representadas por gráficos. O software usado para
analisar os dados foi o STATA versão 9.0 e, na confecção dos gráficos, o Microsoft
99
6 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Gráfico 1 – Qualidade das instalações, condições ambientais e equipamentos para atendimento dos
usuários
em sua maioria, a aparência do local como ótima ou boa, cabe perguntar qual o
critério que usam para avaliar este parâmetro ou se o local realmente está atentando
para a importância da estrutura e do ambiente de atendimento para a humanização
em saúde.
O Hospital Barão de Lucena (HBL) é parte integrante da rede estadual de
saúde de Pernambuco, com 100 % dos seus leitos dedicados ao SUS e convive com
graves problemas sociais, econômicos e financeiros. Se a proposta é humanizar,
para Rios (2009), ela tem que estar relacionada com os movimentos que visam
recuperar valores atualmente esquecidos. No contexto desta pesquisa, é pertinente
conferir a uma unidade pediátrica, características na aparência que permitam à
criança o máximo de bem-estar, ofertando-lhe dignidade humana que vem sendo
desconsiderada, destruída nos tempos pós-modernos. Atentar para a aparência do
local busca, em sua essência, reconhecer em cada indivíduo aquilo que lhe
pertence: sua dignidade, já defendida pelos direitos humanos.
Novamente, retoma-se a importância da instância subjetiva dos sujeitos. O
senso comum poderia apontar que um hospital é lugar onde se vai tratar de doença
e que não existe aparência que o descaracterize. Mas não se trata de caracterizar,
mas de proporcionar ao usuário um local com aparência acolhedora, ainda mais se
tratando de uma unidade pediátrica. Questiona-se, portanto, se a aparência não
pode ser melhorada ou se questões subjetivas – como o fato de estar ali com uma
criança em necessidade de tratamento – atravessam o sujeito e sua percepção do
local.
Estas respostas são compreensíveis uma vez que o hospital possui estrutura
antiga, carente de reformas. Atualmente grande parte dele está passando por
reformas em sua estrutura física, inclusive a enfermaria em estudo. Esperam-se,
com isso, melhorias nas instalações do hospital, possibilitando um aspecto mais
agradável e acolhedor.
questões sobre ao tempo de espera, modo como foi feita a internação e acesso de
acompanhantes. Os resultados são resumidos no Gráfico 2.
Quanto aos itens, 66,7 % (2/3) dos usuários classificaram como bom ou
ótimo o tempo de espera para o atendimento. O modo como foi feita a internação da
criança também foi classificado como bom por metade dos entrevistados e como
ótimo por 30 % deles, o que corresponde a 80 % das opiniões como bom ou ótimo.
Apenas 10 % dos usuários classificaram como ruim o modo como foi feita a
internação. Pode-se dizer que um número significativo da composição da amostra
estava satisfeito com o tempo de espera para o atendimento, bem como com a
maneira que a internação foi feita.
Pode-se, então, inferir que a política de humanização a estes critérios, deve
ser avaliada positivamente nesta instituição. É importante salientar que a unidade de
pediatria do HBL, lócus deste estudo, atende mensalmente uma média de 5.264
crianças, com idade de zero a 12 anos. Ainda assim, apesar da grande demanda,
agrada ao usuário quanto ao tempo de espera e forma de atendimento.
Trata-se, então, de um importante achado de pesquisa dentro do Sistema
Único de Saúde (SUS), ou seja, da efetividade da política de humanização. Não que
108
encontrar estes dados seja uma surpresa, pois é esperado que a proposta seja
evidenciada pelos sujeitos, mas é exatamente este o ponto importante: os usuários
percebem e recebem a teoria da humanização na prática mediante suas respostas.
Ao expressarem satisfação, com o tempo de espera e forma de internação, infere-se
que os indivíduos sentem-se, de acordo com o que Honneth debate, em certos
níveis, reconhecidos, respeitados e estimados, favorece sua integração de maneira
plena na vida social da comunidade.
Santos-Filho (2009) também trata sobre esta responsabilização e o vínculo
efetivo dos profissionais para com o usuário; o seu acolhimento em tempo
compatível com a gravidade de seu quadro, reduzindo filas e tempo de espera para
atendimento.
Em relação ao acesso de acompanhantes à criança, 66,6 % considerou
como bom ou ótimo o acesso, enquanto que 33,4 % classificaram como ruim ou
regular. Mais uma vez, é significativa a amostra que expressou satisfação com este
quesito. Vale ressaltar que a enfermaria, local de aplicação dos formulários de
entrevista desta pesquisa, conta com 56 leitos, sendo 8 para recém-nascidos
externos, 10 para diarréia e 38 para pediatria geral. Conta com UTI “aberta”, ou seja,
é a única do SUS que oferece alojamento para as mães, em frente a mesma,
possibilitando o acompanhamento dos seus filhos 24 horas por dia. O
acompanhamento das crianças tem início na maternidade que possui alojamento
conjunto para os bebês a termo, e o alojamento canguru para bebês prematuros.
Apesar da resposta em escala não oferecer a possibilidade da exposição do
por que pelos usuários, pode-se concluir que ações como acima ressaltadas,
tenham favorecido a satisfação dos mesmos. O cuidado com os vínculos, o
manifesto em possibilitar este contato com o outro significativo na vida é uma
expressão de humanização em saúde.
Silva (2008) postula sobre a importância do outro e discute sobre o estar em
sociedade, partindo dos contatos estabelecidos nos espaços que transitam,
focalizando a respeito do campo das relações pessoais, sejam elas amorosas ou
familiares, como de suma importância para a constituição do sujeito. Para a autora,
apoio, amor, presença física e estímulos são para que a pessoa suporte o
acometimento da doença e as situações advindas a partir desta. É considerável sua
afirmação sobre as categorizações sociais suportando emoções. Retoma-se, assim,
109
instituição convivem lado a lado, o que pode gerar conflitos e também confiança
mútua, apesar das diferenças. Aponta-se o convergente no público pesquisado:
ambos estão interessados no cuidado, no bem estar da criança.
Na contramão, a negação de sentimentos e emoções por parte dos
profissionais de saúde para com o paciente, deve contribuir para o desenvolvimento
de uma atividade marcada pela indiferença da compreensão humana, tornando
duplamente doloroso o processo de adoecer. Não é isto que se pretende com a
humanização na saúde, mas, justamente, o contrário: que seja amenizado o adoecer
através do reconhecimento de todos os atores como pessoas humanas. A
comunicação é muito importante para o humano, à medida que expressa o desejo
do reconhecimento.
Segundo Rua (1998), para que a vida em sociedade seja possível, é preciso
que o conflito seja mantido em níveis administráveis. As políticas públicas, então,
condensam as relações de poder, pois consistiria no conjunto de procedimentos
formais e informais que expressam essas relações e que se destinam à resolução
pacífica dos conflitos quanto aos bens públicos.
Para Sabbatini (2004), a formação acadêmica dos profissionais de saúde,
voltada para objetividade e não envolvimento com o paciente favorece uma relação
impessoal, autoritária e desigual.
Para Honneth (2009), a comunicação e os acordos comunicativos fazem
parte do desenvolvimento das identidades, que só pode acontecer por meio da
intersubjetividade, do reconhecimento do outro. Ele valoriza as expectativas do
sujeito – nesse caso, do usuário do serviço de saúde – que advém da interação e da
comunicação com o profissional, o que coloca no trabalho, nestes casos, o aspecto
mecanicista (de fazer uma atividade repetida ou diária de forma a vê-la como
comum) o caráter de relação. Assim, numa instituição de saúde “humanizada”,
aqueles que trabalham se relacionam, interagem, reconhecem, se comunicam com
base não só apenas no que têm a dizer, mas naquilo que o outro precisa ouvir. Estar
num ambiente hospitalar “frio”, onde os profissionais não atendem às necessidades
do paciente, torna-se fonte de conflito para o indivíduo sob tensão. Aqui se dá
ênfase à importância da visão holística dos pacientes, com enfoque à humanidade.
Vale trazer à baila que, para Minayo (1991), a doença expressa uma
angústia que atinge o corpo social. É preciso estar atento ao paciente, sua vontade
ou as angústias dos familiares. O paciente tem direito a decidir conjuntamente com o
115
médico sobre o tratamento indicado, precisa ser ouvido e ter escuta. Na falta disto,
ele experimenta o sentimento de desrespeito, já debatido anteriormente. Para
Mezzomo (2001), atender às necessidades do enfermo requer uma equipe
multidisciplinar, na qual a soma dos conhecimentos setorizados é integrada como
um único saber que visa o bem-estar do paciente como um todo.
Há o desejo de “reclamar”, de falar o que acham a respeito, de questionar.
Contudo, se a satisfação expressada nestes últimos tópicos significa comunicação
recíproca ou unilateral, a pergunta por ser respondida em escala não permitiu que tal
aspecto fosse captado. Tratar-se-ia, talvez, do que se chama reconhecimento.
Estes achados de pesquisa indicam que, se quer o profissional de saúde
humanizar os hospitais, tem que partir dos múltiplos significados da palavra em
questão, que pode englobar compaixão pelos semelhantes, afabilidade,
magnanimidade. Fazer-se benigno, fazer algo de forma mais humana, menos cruel
para os homens. Constata-se, portanto, que isto pode predominar nas relações
terapêuticas na pediatria do HBL.
Faz-se alusão à perspectiva honnethiana de individuação e reconhecimento
recíproco, que vai buscar em Hegel o fenômeno do amor, já mencionado
anteriormente. Sobre esse sentimento, assinala que para sua efetivação os sujeitos
se confirmam mutuamente na natureza concreta de suas carências, que só são
preenchidas e alimentadas quando satisfeitos ou correspondidos – reciprocidade.
Vale ressaltar que o profissional também precisa se relacionar e ser olhado através
desta perspectiva.
qualidade da alimentação, e ao fato das mães terem que deixar seus filhos na
enfermaria para ir se alimentar. Como relata uma das mães:
sentimento do “eu faço parte disto que eu avalio e questiono”, a autonomia do sujeito
social.
Marinho, Moreno e Cavalini (2001) apontaram que, durante muito tempo, o
cuidado não era papel do Estado. Foi em um cenário político de transição de um
regime militar para um democrático – em que se ouviu a “voz” das pessoas –
aconteceu a VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS), com o objetivo de mudar as
precárias condições de saúde da população. Esse fórum reuniu representantes de
toda sociedade, e o usuário estava implicado em todo este processo.
Com o nascimento do Sistema Único de Saúde, o SUS, a saúde passa a ser
vista como um direito social universal custeado pelo Estado. Representa um novo
marco no campo das políticas públicas de saúde, mas à população compete o
controle social, princípio que norteia o SUS, ou seja, mais uma vez, a escuta é
trazida à tona.
Ao usuário, assim, não cabe apenas vislumbrar as carências do sistema,
como ausência de médicos, de espaço nos hospitais, de medicamentos, dentre
outros fatores relevantes. O usuário precisa ser visto como ator no processo de
humanização, ativo, não passivo, buscando a melhoria na instituição hospitalar,
sugerindo a ampliação da formação educacional dos profissionais de saúde, que
pode encontrar-se realmente defasada quando se fala em humanização do
atendimento.
Bettinelli e colaboradores (2006) destacam a importância dos profissionais
de saúde valorizarem aspectos qualitativos dos fenômenos presentes na vida
humana, compreendendo o significado dela para cada pessoa e como cada uma
desenvolve sua identidade e constrói sua própria história. Tal cuidado não pode
estar desvinculado e descontextualizado dessas circunstâncias, por ser efetivado a
partir da compreensão do ser humano total, nas suas diferenças e individualidades.
Assim, redescobrir a humanização e reconhecer as pessoas como próximo, fazendo
parte existencial do outro é fundamental nas situações de sofrimento.
Os achados desta pesquisa, até este ponto, demonstram a importância da
humanização e da reciprocidade, do abandono da reificação, quando, como política
pública, visa atender aos usuários de forma digna e também valorizar os
trabalhadores. Ambos precisam de respeito; todos fazem a humanização real. As
formas de desrespeito são nascedouro da luta por reconhecimento apontada por
Honneth.
119
enfermaria e até mesmo deixar alguns formulários para resposta posterior, com o
objetivo de concluir a pesquisa. Nesse caso, também foi deixado o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (ver Apêndice A).
Antes de partir para a discussão dos dados também expostos em gráficos, é
preciso reforçar a importância de ouvir os profissionais. Estes, engajados realmente
na implantação de um plano de humanização, também levarão a termo sua meta
quando assumirem um compromisso ético-profissional. Assim, mesmo que não se
repita aqui tópicos já debatidos quanto aos usuários, eles serão relembrados, o que
visa conferir ao texto característica de coerência em meio olhar teórico que valoriza
a reciprocidade: Existem ligações entre usuário e profissionais, o que exclui a
necessidade de repetir certas reflexões, mas, requer aprofundá-las e circunscrevê-
las dentro deste público. Prossegue-se então, para os resultados e discussões no
que diz respeito aos profissionais em saúde.
A avaliação dos eixos para humanização do trabalho dos profissionais do
setor, de acordo com a análise dos indicadores, está demonstrado nas tabelas 6, 7,
8, 9, 10 e 11 (ver Apêndice D) e gráficos correspondentes, de maneira semelhante à
utilizada na avaliação dos usuários.
importante para alguém. Esta pesquisa, por exemplo, pode soar como o
reconhecimento de que “o que eu tenho pra falar é importante para alguém”.
Silva e Silva (2005) já afirmam que, os problemas podem ganhar visibilidade
por pressão social: como se sentem os profissionais de saúde em suas práticas?
Ressalta-se, novamente, a teoria honnethiana da “luta pelo reconhecimento” que,
neste contexto, pode interferir na construção da identidade daquilo que é
denominado profissional com práticas humanizadas. Os processos de mudança
social devem ser explicados com referência às pretensões normativas
estruturalmente inscritas na relação de reconhecimento recíproco. Se a instituição
não ouve o que diz o profissional, a relação de trabalho pode sofrer interferências
sérias, pois, para Honneth, o reconhecimento precisa vir de fora para dentro, onde a
subjetividade é reconhecida e respeitada exteriormente no âmbito profissional.
Ouvir o profissional em suas demandas é, prioritariamente, sinal de respeito.
Se estes não se sentem ouvidos, então, se sentem desrespeitados. O desrespeito
individual pode gerar conflitos coletivos – neste caso, dentro da instituição de saúde,
o que pode se evidenciar na insatisfação dos profissionais. A ausência de um
espaço de reciprocidade, do interesse pela intersubjetividade do profissional, se
insere no contexto de carência de reconhecimento e de desrespeito à alteridade, ou
seja, a reificação. Os profissionais desempenham papéis, mas são, antes de tudo,
pessoas, seres no mundo. O sujeito se sentirá desrespeitado quando não vir um
reconhecimento recíproco. Por isto, dentro de uma instituição de saúde, pode-se
pensar no contexto da pesquisa - o que é essencial numa relação comunicativa.
Mais uma vez, pondera-se a importância do sentir-se ouvido, da escuta das
demandas do outro.
Se a Política Nacional de Humanização prevê a modernização das relações
de trabalho dentro dos hospitais públicos, ocasionando uma relação humanizada - a
implantação de práticas de humanização tem a finalidade de prestar benefício tanto
aos usuários quanto aos profissionais, evidencia-se que os profissionais também
precisam ser reconhecidos. Tal política precisa permitir, na prática, também ao
profissional de saúde, melhores condições de trabalho.
Cabe refletir ainda sobre a atitude do profissional frente a este entrave. Não
foi objetivo da presente pesquisa, mas de acordo com Campos (1988), o processo
de humanização está pautado em atitudes e não tanto questão de limitações e
recursos. O que o profissional faz diante desta limitação é o que pode fazer a
123
participam a todo tempo do processo. Mas como ter práticas humanizadas se não
são, assim, tratados? Onde está a reciprocidade?
À medida que o sujeito entra em dificuldades, suas interpretações da
situação até então objetivamente comprovadas, ficam sem validade e separadas da
realidade, restante a título de meras representações subjetivas. Em suma, o
“psíquico” é a experiência que um sujeito faz consigo próprio, quando um problema
prático surge impedindo-o de um cumprimento habitual de sua atividade. Aí, sob a
pressão de um problema prático, é forçado a reelaborar criativamente suas
interpretações da situação (HONNETH, 2009).
Desta forma, esperar-se-ia que o profissional de saúde somatizasse ou
desenvolvesse patologias em decorrência das condições de trabalho para que se
avalie, desde já, que o mesmo, de certa forma, é impedido de exercer
humanização?
Chegando ao final das análises dos resultados, é importante discutir que o
humanismo, raiz da humanização, reconhece o valor e a dignidade do homem,
considerando sua natureza, seus limites, interesses e potenciais. Vale considerar,
mediante estes resultados, se está sendo visto desse modo o profissional de saúde.
frequência com que o setor oferece cursos e treinamentos, e 26,7 % como regular, o
que significa que 90% dos profissionais classificaram como ruim ou regular esse
item de avaliação. Em relação à qualidade das refeições fornecidas, 34,5 %
classificaram como ruim, 44,8 % regular e 20,7 %, boa. Não houve citações de
níveis ótimos na qualidade da alimentação fornecida. No que se refere à oferta de
atendimento às necessidades psicossociais dos profissionais, 86,6 % avaliaram
como ruim ou regular e, em 13,4 %, como boa.
necessitando “saber mais”? Sente que é pouco o que tem recebido diante da
especificidade da demanda da saúde pública brasileira?
De acordo com Giordani (2008), humanizar a Saúde passa, também, pelos
métodos administrativos adotados nas diversas instituições de saúde no País, pela
imagem do serviço público, pela carência de medicamentos, pelos baixos salários,
pela jornada dupla ou tripla que provoca o cansaço, pelo ambiente tóxico que existe
em muitos hospitais, pelo contato constante com pessoas em estado de tensão,
causando o desgaste emocional. Assim, além de cursos, outras instâncias
atravessam os profissionais, como já anteriormente avaliadas. Se ainda os cursos
ocorressem, a ocorrência da humanização, na prática, seria questionável em alguns
aspectos.
O que se pode perceber é que são muitos os atores envolvidos, desde a
formulação até a implementação de uma política pública. Observa-se, portanto, que
uma política pública, desde seu nascimento, envolve divisão de trabalho (tempo), o
uso de controles (poder) e a interação entre sujeitos, lida com interesses diversos,
adaptações, riscos e incertezas sobre processos e resultados. Tornam-se, em certo
nível, contraditórias as políticas: postulam algo que não fazem.
A falta de valorização e o desrespeito começariam em nível do não
cumprimento de propostas básicas, como a capacitação dos funcionários. Ironizando
com o mecanicismo, se por acaso os indivíduos fossem máquinas, precisaria ser
programado para funcionar de acordo. Como isso não existe, criam-se mecanismos
próprios do humano para humanizar a saúde. Ao menos, é isso que se conclui, se
os profissionais afirmam não serem capacitados e, na contramão, os usuários, em
sua maioria, se sentem acolhidos em suas demandas. É, na pratica diária, que pode
ser vista como provocadora de frieza e distanciamento, que se desenvolvem
relações e o afeto, indispensáveis para o processo de humanização. Não se quer,
aqui, avaliar se os cursos acontecem ou não, de fato, mas sim o sentimento do
profissional mediante a realidade expressa pelos usuários.
Avaliando a qualidade das refeições oferecida aos profissionais, encontra-se
um alto nível de insatisfação, com 79,3 % de respostas desfavoráveis. A
alimentação entendida como necessidade básica é também fonte geradora de
satisfação, e desse modo, deve ser regularmente avaliada. Aqui mais uma vez,
pergunta-se: falta escuta ou atendimento às queixas?
135
Assim, para Ballone (2005), a escuta, sobretudo, é uma atitude que deve ser
estimulada, pois a partir dela se acolhe, se compreende, se considera e se
respeitam as opiniões, as queixas e as necessidades.
Para Vilanova (2010), ouvir é um hábito pouco utilizado na sociedade
contemporânea e de grande importância na construção de uma sociedade mais
justa e solidária.
Ao pensar no último quesito sobre aspectos psicossociais, então, vê-se outro
nível de desrespeito. Como aplicar a humanização, ainda que se sinta não acolhido
em suas demandas psicossociais? É claro que é preciso refletir até que ponto esta
“falta de acolhimento” sentida pelo profissional não interfere nas práticas
humanizadas. Tem que ofertar acolhimento, mas não o tem. A instituição contribui
para a individuação, e o reconhecimento recíproco é fruto do amor. Amor pelo outro,
amor pelo que se faz.
Fecha-se este debate consciente de tantas coisas importantes aqui
apontadas, talvez não devidamente aprofundadas, mas corroborando com Honneth,
acredita-se que a expressão do desejo por melhores condições de trabalho, ainda
que num contexto de pesquisa como este, sinaliza a inquietação dos profissionais.
Indica que o desejo de uma melhora nas condições de trabalho nunca foi
abandonado pelos colaboradores. Esse interesse, embora seja negativamente
perceptível na forma de recusas de trabalho e de manifestações de insatisfação,
estende-se não apenas à garantia de um salário capaz de assegurar a subsistência,
mas a uma melhora qualitativa da situação de trabalho, ou seja, à criação de
atividades suficientemente complexas e que não causam danos psíquicos ou físicos.
Isto inclui vários aspectos do humanizar, como debatido em outros tópicos.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
profissionais como dos usuários que, na sua maioria, são pessoas humildes, com
pouca escolaridade e de baixa renda. Em contrapartida, os profissionais de saúde,
são pessoas mais esclarecidas, conhecedoras de seus direitos e certamente com
um nível maior de exigência.
Aqui é questionado o entendimento dos usuários e seus direitos como
cidadãos: o direito à assistência médica; o direito a cuidados de enfermagem
personalizados, respeitosos e carinhosos; o direito a terapias adequadas; o direito
do doente de saber sobre a realidade da sua situação; o direito do paciente decidir
sobre o seu tratamento e, finalmente, o direito das pessoas a um ambiente humano
propício a viver e morrer com dignidade.
A historia da saúde no Brasil é marcada por uma assistência pautada na
caridade através das Santas Casas de Misericórdia. O direito do cidadão à saúde e
o dever do Estado ainda não estão sedimentado como cultura na sociedade.
Percebe-se que o simples fato do usuário conseguir atendimento, já lhe causa
satisfação e mesmo gratidão.
Ao que parece, atualmente os usuários sentem-se assistidos, mas nem
sempre ouvidos. Os profissionais trabalham, mas quase sempre insatisfeitos, como
debatido nas análises. Percebeu-se isto também não só pelas respostas às
perguntas, mas também pelo interesse demonstrado pelas cuidadoras em responder
as questões (muitas desejando prolongar o diálogo) e na dificuldade de realizar as
entrevistas com os profissionais (muita demanda no setor a ponto de ter marcado
sucessivas vezes com alguns a realização das mesmas e, por estarem imersos em
tarefas e em suprir escalas de trabalho, postergaram a realização).
O que dizer? Percebe-se que, na prática, os profissionais são muito sofridos,
com muito trabalho e pressão. É comum o déficit de profissionais nas escalas de
trabalho, sendo necessário muitas vezes dobrar plantões, pois a lei do servidor em
saúde não permite sua saída sem seu substituto. Esse, muitas vezes, não vem por
estar em outro hospital, também aguardando o colega. É uma corrida diária
preenchida com vários empregos, jornadas duplas, triplas e de finais de semana
para manter uma condição de vida compatível com a sua dignidade.
Quanto à pressão, esta faz parte da rotina dos profissionais que se veem
diariamente atendendo um número maior de pacientes que o padronizado pelas
entidades profissionais e Ministério da Saúde, sendo ainda comum a falta de leitos e
a superlotação. Como optar em atender corretamente seguindo padrões ou
140
Por fim, pode-se afirmar que de pequenas ações são realizadas as grandes
mudanças no fazer e no pensar, transformando realidades. Ficam aqui
contribuições, ao menos neste momento, para a discussão sobre humanização.
146
REFERÊNCIA
BOOFF. L. Saber cuidar, ética do Humano. 13ª ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2007.
__________________________________________________
Assinatura do paciente ou profissional pesquisado
________________________________________________________
Assinatura do profissional ou pesquisador
TESTEMUNHAS:
1. ____________________________________________________
2. ____________________________________________________
153
1 2 3 4
1.1 - QUALIDADE DAS REFEIÇÕES OFERECIDAS À
CRIANÇA.
1.2 - TRATAMENTO DADO AS SUAS QUEIXAS
(RECLAMAÇÕES)
1.3 - AVALIE A APARÊNCIA DO SETOR
(CLIMATIZAÇÃO, DECORAÇÃO, MOBILIÁRIO,
ESPAÇO FÍSICO)
1 2 3 4
2.1 - TEMPO DE ESPERA PARA O ATENDIMENTO
2.2 - O MODO COMO FOI FEITO A INTERNAÇÃO DA
CRIANÇA
2.3 - ACESSO DE ACOMPANHANTES PARA CRIANÇA
154
1 2 3 4
3.1 - NÍVEL DE COMPREENSÃO DAS INFORMAÇÕES
REPASSADAS PELOS PROFISSIONAIS SOBRE O
CUIDADO DA CRIANÇA
1 2 3 4
4.1 - O INTERESSE DOS PROFISSIONAIS COM A
CRIANÇA
4.2 - INFORMAÇÕES FORNECIDAS A MÃE
(ACOMPANHANTE), SOBRE O ESTADO DE
SAÚDE/DOENÇA DA CRIANÇA
4.3 - GRAU DE CONFIABILIDADE DOS SERVIÇOS
PRESTADOS PELOS PROFISSIONAIS PARA
MELHORIA DA CRIANÇA
1 2 3 4
1 2 3 4
2.1 - MECANISMOS DE COLETA DE SUGESTÕES
(CAIXA DE SUGESTÕES, OUVIDORIA, OUTRAS)
2.2 - CANAIS DE COMUNICAÇÃO INTERNA ENTRE
OS PROFISSIONAIS SOBRE AS ATIVIDADES DO
SETOR (QUADRO DE AVISOS E ENCONTROS
SISTEMÁTICOS)
1 2 3 4
3.1 - NÍVEL DE INTEGRAÇÃO DO GRUPO
3.2 - RELAÇÃO DE CONFIANÇÃ ENTRE OS
PROFISSIONAIS
1 2 3 4
1 2 3 4
1 2 3 4