Livro Filosofia LT
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FILOSOFIA DA PESSOA
NO PENSAMENTO DE
PAUL RICOEUR
FILOSOFIA DA PESSOA
NO PENSAMENTO DE PAUL RICOEUR
Teresina, 2023
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ
Reitor
Gildásio Guedes Fernandes
Vice-Reitor
Viriato Campelo
Diretor da EDUFPI
Cleber de Deus Pereira da Silva
Revisão
Os autores
PREFÁCIO
LA NECESIDAD DE UNA FILOSOFÍA
Tomás Domingo Moratalla . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
pero no son tantas las monografías que logran aunar un tema tan central
y ofrecernos una mirada tan perspicaz, profunda y oportuna sobre un
tema que considero fundamental .
Y en tercer lugar recomiendo que nos detengamos en esta recopi-
lación de trabajos, en esta temática, porque, más allá de la posibilidad de
configurar una disciplina como es la “antropología filosófica”, nos orienta
y nos ofrece perspectivas sobre la cuestión más fundamental ante la que
se enfrenta la filosofía contemporánea y, me atrevería a decir, nuestro
mundo en su conjunto . El ser humano, la naturaleza misma que soporta
al ser humano, está en juego, está peligro . Los avances científicos-tecno-
lógicos ponen en juego al ser humano y su continuidad en la tierra . Y es
precisamente al estar en juego nuestra pervivencia y subsistencia cuando
aparece como más apremiante la cuestión sobre qué somos . Al estar en
peligro que sigamos siendo hace que aparezca con fuerza la pregunta por
lo que somos . Pocas filosofías como la de Ricoeur nos da argumentos y
recursos para para pensarnos y pensar estas cuestiones .
Invito así al Grupo de Investigación a continuar esta tarea
emprendida . Los retos de los transhumanismos, los desafíos de la Inteli-
gencia Artificial, etc ., nos obligan a seguir pensando .
Lo que aquí nos encontramos es nada más y nada menos que
pasos en esta tarea . No podemos dejar de aprovecharlos . Tenemos la
obligación de pensar estas cuestiones; el trabajo ya ha comenzado . Por
mi parte no me cabe más que agradecimiento y gratitud para acompañar
la tarea comenzada . Es nuestra misión, es nuestra responsabilidad . No lo
hacemos por lujo, lo necesitamos .
Introdução
A categoria do sem-preço
8 Ricoeur entende que “tous les moralistes, depuis Aristote et les stoïciens,
avaient dénoncé [ . . .] la volonté d’avoir trop, la « pléonexia », l’insatiable . L’insatiable,
c’est à la fois l’infini et l’insaisissable, d’où la signification libératrice du rapport avec les
biens non-marchands” (2004b, p . 26) . A este respeito, Loute considera que “l’objet de
la réflexion de Ricoeur reste, à nos yeux, d’une importance capitale . Qu’est-ce qui, dans
nos sociétés, est à même de nous unir et nous lier dans la lutte pour la reconnaissance,
au-delà des formes de reconnaissance sociale instituées par la loi et l’argent ? A en rester à
ces deux formes de reconnaissance, nos sociétés ne sont-elles pas condamnées à souffrir
d’un « déficit de reconnaissance », pour reprendre les mots de Marcel Hénaff ?” (2010, p .
23) .
9 De acordo com Hénaff, “il s’agit de penser une relation d’échange qui n’est
pas du tout de type marchand” (2002, p . 134) . Neste sentido, no livro Claude Lévi-
-Strauss et l’anthropologie structurale Hénaff assinala que “ce qui s’y produit, c’est non
pas simplement une manifestation de bienveillance ou de générosité, mais la reconnais-
sance de l’autre en tant que tel” (1991, p . 73, grifo do autor) .
A simetria mercantil
16 “Le premier concerne la pluralité des croyances de base qui sont la source de
l’« esprit du don » . Le second a trait à l’enchevêtrement entre les prestations du don et
les prestations marchandes . Le troisième retient l’attention sur les figures d’échec dans
la pratique effective du don” .
17 Para Ricoeur (2000), é possível visualizar uma forma superior de troca até
mesmo no mandamento do amor aos inimigos (Lc 6, 35): “Amai vossos inimigos, fazei
o bem e emprestai sem esperar coisa alguma em troca” . Neste sentido, nosso autor
entende que, “toutes les objections, en effet, présupposent un intérêt caché derrière la
générosité [ . . .] . Le commandement d’aimer ses ennemis commence par briser la règle
de réciprocité, en exigeant l’extrême ; fidèle à la rhétorique évangélique de l’hyperbole,
le commandement voudrait que seul soit justifié le don fait à l’ennemi, dont, par hypo-
thèse, on n’attend rien en retour . Mais, précisément, l’hypothèse est fausse : ce qu’on
attend de l’amour, c’est qu’il convertisse l’ennemi en ami” (Ricoeur, 2000, p . 625) .
doador e o donatário são postos como iguais . Por último, ainda são acres-
centados os favores e a generosidade própria da amizade e da vizinhança .
Neste contexto, as ocasiões para dar um presente possuem uma
relação essencial com o tempo, de acordo com as festividades demarcadas
pelo calendário – ano novo, chegada das estações, festas de padroeiros – e
pelo ciclo de vida pública das pessoas – nascimento, ritos de passagem,
casamento, morte – . Segundo Zemon-Davis (2003), estas ocasiões favo-
reciam momentos ideais e em diferentes círculos sociais, para dar e receber .
No entanto, a autora salienta que “as pessoas do século XVI também
estavam muito atentas aos limites desse quadro, aos sinais que permitiam
distinguir um dom de uma venda e às obrigações de dom de um paga-
mento forçado18” (Zemon-Davis, 2003, p . 36, tradução nossa) .
No que tange à complexa relação entre dom e venda, Ricoeur
(2004a) salienta que, para Zemon-Davis (2003), não se trata de uma
dicotomia . A economia do dom não substitui a economia mercantil,
ambas coexistem; não obstante, por vezes, um regime se sobreponha
ao outro . Para a historiadora, há uma sensibilidade para a relação entre
dom e venda, um “interesse pela fronteira entre os dois [ . . .] . O que era
particularmente importante no século XVI era a possibilidade de ir e vir
entre o modo do dom e o da venda, recordando sempre a distinção entre
ambos19” (Zemon-Davis, 2003, p . 72, tradução nossa) .
Neste cenário – do século XVI – Ricoeur (2004a) afirma que um
exemplo desta sobreposição da fronteira entre dom e venda reencontra
a problemática de Sócrates no momento em que as transações efetivas
entre protagonistas da troca se referem ao conhecimento . Trata-se do
caso da editoração e impressão de um livro, no qual a imprensa separa o
autor do editor . O primeiro pode oferecer seu livro em dedicatória – e
também por doação – a alguém . Já o segundo tem por função vender
este mesmo livro . Outro exemplo diz respeito às profissões ligadas ao
18 “Les gens du XVIe siècle, étaient également très attentifs aux limites de ce
cadre, aux signes qui permettaient de distinguer un don d’une vente et aux obligations
de don d’un paiement contraint” .
ensino e à medicina, bem como à atividade das parteiras, que são retri-
buídas com honorários, presentes e cortesias que oscilam entre o salário
e o dom . Disso resulta, para Ricoeur, que esta análise põe em evidência
o sentimento de gratidão, “como o sentimento que, no receber, separa
e vincula o dar e o retribuir [ . . .] . É a qualidade desse sentimento que
garante a consistência da linha divisória que atravessa internamente as
misturas entre dom e venda20” (2004a, p . 370, tradução nossa) .
Por outro lado, é justamente a gratidão que pode conduzir o
dom ao fracasso, ao corrompê-lo . O problema reside na obrigação de
retribuir inerente ao contradom, que está sujeita a sobrecarregar o dona-
tário . Neste sentido, Ricoeur (2004a) menciona o exemplo de um que
donatário demora ou se recusa a retribuir e que é acusado de hipocrisia e
de ingratidão por parte do doador .
Outros exemplos de dons fracassados, conforme Zemon-Davis
(2003), são verificáveis tanto no contexto familiar, quanto social . Na
família, quando se prometem dons em troca de heranças; no meio
social, dons são trocados por reputação, títulos e vantagens pessoais .
Ademais, para Ricoeur, o contexto político do século XVI possibilita um
melhor entendimento dessa questão, pois “é na administração da justiça,
mas também na outorga de privilégios reais que sobeja a corrupção que,
na verdade, sai do ciclo dos dons fracassados para entrar no dos ‘dons
maus’21” (Ricoeur, 2004a, p . 372, tradução nossa) .
Diante disso, Ricoeur (2004a) salienta que há ainda uma questão
histórica relevante a ser considerada, uma vez que, para Zemon-Davis
(2003), não obstante os conflitos gerados, é impossível pensar o con-
texto social e político do século XVI sem os dons . Então, a historiadora
sugere que seja feita uma separação entre a boa reciprocidade e a má,
sem, contudo, dar nenhuma indicação de como isto poderia ser feito . A
21 C’est dans l’administration de la justice mais aussi dans l’octroi des privilèges
royaux que sévit la corruption qui, à vrai dire, sort du cycle des dons manqués pour
entrer dans celui des ‘dons mauvais’ .
tentativa de oferecer uma resposta a esta questão será decisiva para a tese
ricoeuriana acerca do reconhecimento mútuo .
Neste sentido, ao encerrar o percurso histórico – com Zemon-
-Davis –, Ricoeur (2004a), observa que o aparente fracasso do dom
não pode ser tomado como pressuposto para desconsiderá-lo, mas para
retomar o problema sob outra perspectiva, integrando a perspectiva his-
tórica à análise conceitual típico-ideal . Isto significa, para Ricoeur, que
A assimetria da gratidão
22 “Ausssi vrai que l’aveu selon lequel « le registre du don était inévitablement
lourd de conflits potentiels », demeure la conviction que la thèse de Marcel Hénaff
a échafaudée, à savoir que l’expérience effective de reconnaissance [ . . .] sur le mode
symbolique est offerte par le don réciproque cérémoniel . Pour protéger le bonheur de
cette expérience effective de reconnaissance mutuelle, il faut assumer la tâche critique
de « faire le partage entre la bonne et la mauvaise réciprocité »” .
moniais, não importa qual possa ser o presente, o dom, o regalo – nada
disso substitui o reconhecimento tácito” (2010, p . 364) .
Contudo, assumir esta tese, para Ricoeur (2004a), implica não
mais sucumbir ao fascínio do enigma da retribuição – tal como Hénaff
(2002) –, porque isto significa a manutenção da lógica da reciprocidade
nos termos do duplo nó, ou seja, “continua a ser amplamente uma cons-
trução de baixo conteúdo fenomenológico que fornece o pretexto para a
distinção dos dois níveis, o das práticas e o do círculo autônomo dotado
de autotranscendência” (Ricoeur, 2006, p . 254) . Ademais, o deslumbra-
mento provocado pelo enigma pode fazer com que sejam negligenciados
elementos importantes inerentes à prática do dom, isto é, os gestos
de oferecer, de aceitar e de dar algo de si ao dar um presente (Ricoeur,
2004a) . Porém, o que significa dar algo de si? Para Ricoeur,
Por este motivo, Ricoeur entende que “é preciso tomar o primeiro dom
como o modelo do segundo dom, e pensar, por assim dizer, o segundo
dom como uma espécie de segundo primeiro dom24” (2004a, p . 373,
tradução nossa) .
Neste ponto, Hénaff (2012), em seu livro Le don des philosophes,
entende que o conceito de reconhecimento mútuo apresentado por
Ricoeur (2004a) é paradoxal . Isto se deve ao fato de que, ao pensar o
segundo dom como um “segundo primeiro dom”, Ricoeur aposta em
uma noção de dom como graça, generosidade, ágape e, portanto, como
unilateralidade . Para Hénaff, isto significa eliminar o enigma da retri-
buição, bem como a possibilidade de reciprocidade .
Além disso, Hénaff (2010), no artigo On the norm of reciprocity
salienta que o caráter universal de retribuição é o fundamento da reci-
procidade . Ele afirma que o “dar cerimonial nas sociedades tradicionais
é sempre recíproco porque seu propósito é que os parceiros aceitem um
ao outro, para proporcionar reconhecimento público entre os grupos
humanos, a fim de estabelecer uma aliança e, portanto, para garantir a
paz25” (2010, p . 10, tradução nossa) . O autor vai além, afirmando que a
reciprocidade, neste caso, é um elemento imprescindível, “pois ela cons-
titui a relação entre uma oferta e uma resposta; ela pressupõe que uma
ligação deve ser estabelecida ou reforçada entre dois parceiros26” (2010,
p . 10, tradução nossa) .
Entretanto, Ricoeur (2004a) salienta que é justamente para
salvaguardar a tese hénaffiana do reconhecimento mútuo por meio do
dom recíproco cerimonial, enquanto prática social e não exclusivamente
24 “Il faut tenir le premier don pour le modèle du second don, et penser, si l’on
peut dire, le second don comme une sorte de second premier don” .
25 “Ceremonial giving in traditional societies is always reciprocal because its
purpose is for the partners to accept one another, to provide public recognition among
human groups, to establish an alliance and thus to ensure peace” .
27 Muito embora não tenha lido o artigo On the norm of reciprocity e nem o livro
Le don des philosophes, Ricoeur (2004a) percebeu que, em Le prix de la vérité, Hénaff, ao
concentrar o núcleo de sua argumentação na busca de uma resposta para o enigma da
retribuição – apresentado por Mauss e desenvolvido por Lévi-Strauss – direcionou seu
trabalho mais para a – lógica – teoria da reciprocidade e menos para – o fenômeno – as
práticas sociais .
28 “Le risque du premier don, avec son mouvement d’offre, ne gardait-il pas
quelque chose du caractère désintéressé de l’attente qui va d’abord à la réception du
don avant de se refermer en attente du retour du don ?”
29 “Quel nom donner à cette forme non marchande du don ? Non plus l’échange
entre donner et rendre, mais entre donner et simplement recevoir” (Ricoeur, 2000, p .
626) . Neste sentido, Ricoeur, no texto Ricordare, dimenticare, perdonare, acrescenta
que “ciò che veniva potenzialmente offeso nella generosità ancora tributaria dell’ordine
commerciale era la dignità del ricevere . Certamente bisogna imparare a ricevere: è la
virtù della modestia . Più ancora bisogna imparare a donare onorando il beneficiario: è
la virtù della magnanimità” (2012, p . 116) .
30 “Recevoir devient alors la catégorie pivot, en ceci que la manière dont le don
est accepté décide de la manière dont le donataire se sent obligé de rendre” .
31 Ricoeur salienta que “en français le mot reconnaissance signifie deux choses,
être reconnu pour qui on est, reconnu dans son identité, mais aussi éprouver de la
gratitude - il y a, on peut le dire, un échange de gratitude dans le cadeau” (2004b, p .
27) . Neste sentido, verificamos, no Dicionário Aurélio da língua portuguesa (2010) que,
em português, a palavra reconhecimento também pode significar gratidão e agradeci-
mento, tal como em francês .
34 “C’est finalement aux figures de l’échec du don que nous devons cet appro-
fondissement de l’analyse idéal-typique de l’échange des dons dans les termes d’une
éthique de la gratitude” .
38 “On voit poindre dans l’éloge stoïcien des « bienfaits » érigés en devoirs” .
39 “A pris l’ampleur que l’on sait dans les entreprises de bienfaisance organisées
ainsi que dans les institutions caritatives qui visent légitimement à combler les lacunes
de la justice distributive et redistributive” .
40 Para Ricoeur “la suspicion s’en prend aux comportements privés ou publics
se réclamant de l’esprit de générosité (bénévolat, collectes publiques, réponses à la men-
dicité), pour ne rien dire des attaques dont sont aujourd’hui victimes les organisations
non gouvernementales d’intervention humanitaire . Les adversaires argumentent ainsi
: donner contraint à donner en retour (do ut des) ; donner crée souterrainement de
l’inégalité en plaçant les donateurs en position de supériorité condescendante ; donner
lie le bénéficiaire, transformé en obligé, obligé à la reconnaissance ; donner écrase le
bénéficiaire sous le poids d’une dette insolvable” (2000, p . 624) . A mesma questão é
apresentada por Hénaff, ao afirmar que o dom não é um gesto moral: “à l’opposé de
l’interprétation économiste on est souvent tenté, pour comprendre le don cérémoniel,
de partir du don moderne et de ses expressions soit individuelles dans le cadeau, soit
institutionnelles dans l’aide humanitaire [ . . .] . Or, il faut le soutenir fermement : la
pratique du don cérémoniel n’est pas plus un geste d’aide ou de charité qu’il n’est une
alternative à la relation marchande” (Hénaff, 2002, p . 155) .
Considerações finais
REFERÊNCIAS
Introdução
como o iogue apresentada por Koestler2 não seria suficiente para com-
preender os caminhos da violência e se opor a ela, ou seja, não basta a
preocupação com o interior e esquecer o exterior dos acontecimentos .
Para Ricoeur é necessário atravessar a história com toda sua estrutura em
uma atitude contínua e encarnada . Nas palavras do filósofo - “o Sermão
da Montanha, com a sua não-violência, quer entrar na história, seu
objetivo é de ordem prática, ele postula a encarnar-se, e não a se evadir”
(Ricoeur, 1968, p . 226) . Complementando “a não violência só pode ser
uma atitude válida se podemos esperar dela uma ação sobre o curso da
história” (Dosse, 2017, p . 176) . Compreendemos que introduzir-se na
história é estar presente no discurso e na ação do privado, do coletivo,
nas relações sociais e no campo político . No campo político precisamos
lembrar que é o lugar de onde se levanta seu maior império .
Monteil nos enfatiza que para Ricoeur, a postura mais sábia de
combate ao mal político é através da postura de um cidadão vigilante e
guardião, dentro desta mesma postura também está inclusa a declaração a
seguir:
6 No obstante lo anterior, por más originaria que sea la bondad, por más cons-
titutiva de nuestra existencia que sea la llamada a la plenitud de la vida con y para los
otros, por más despliegue de las potencialidades humanas que esté en acción cuando las
personas procuramos organizarnos en instituciones justas en las que se decanta nuestro
deseo de vivir juntos, no podemos perder de vista que la violencia es una realidad
humana que ha hecho y sigue haciendo presencia en la história, a veces con mucho más
ruido que cientos de acciones generosas que tejen la vida cotidiana (Londoño; Carol;
Arbeláez, 2020, p . 86) .
na visão de Ricoeur o que a história nos mostra são casos que ocuparam
o lugar do discurso, no entanto, não ocuparam o lugar da prática . Isto
porque os eventos nos mostram, em todos os casos, a violência como fim .
A observação do estudioso Londoño é mais uma confirmação de que o
conflito prevalece na história humana até os dias atuais, entretanto, nem
tudo está perdido . Nas palavras de Ricoeur, “para aquele que vive e age,
não existe compromisso nem síntese, mas uma escolha . Para aquele que
vive e cessa de observá-la, a não-violência que ser toda ação, quer fazer
história” (Ricoeur, 1968, p . 236) . Podemos aqui primeiro dizer, que é
necessário reconhecer o discurso e prática da violência que comanda a
humanidade . Segundo reconhecer a importância do cidadão nas ope-
rações de discursos e em suas ações, somos seres responsáveis pelas ações
no mundo e pelos resultados delas . Terceiro, é preciso enxergar que a
falibilidade e a capacidade fazem parte da condição humana, por isso é
necessário, conhecer, observar e policiar a vida sem cessar, como defende
Paul Ricoeur, para o filósofo francês o caminho está na sabedoria prática .
gações” (Ricoeur, 1995, p . 161) . É sobre esse olhar que Ricoeur define
sua pequena ética na intenção da vida boa, com e para os outros em
instituições justas . Assim como Aristóteles, Ricoeur também defende
que o homem se realiza na cidade, no entanto, para tal realização, o
mesmo tem que ser regido pela norma e pela regra, como defende Kant .
O filósofo em suas considerações sobre a não-violência, argumenta as
possibilidades da união entre sabedoria e política, estas aplicadas nas
interações do espaço público, tendo como base, a responsabilidade com
si mesmo e com os outros para assim alcançar o bem comum .
Visar uma sabedoria prática que contribua como forma de resis-
tência para uma não-violência é um caminho estreito, no qual podemos
notar nos limites que cabe a postura de uma linguística de um discurso e
na postura da vida prática política .
Nesta perspectiva da consciência e da responsabilidade, Ricoeur
em seu texto, Tarefas do educador político de 1965, argumenta sobre a
importância do educador político na comunidade que buscam exercer
uma ação eficaz, “incluo nessa categoria todos os que se sentem respon-
sáveis, por uma ação de pensamento, de fala de escrita, pela transformação,
pela evolução e pela revolução do seu país” (Ricoeur, 1995, p . 145) .
De acordo com filósofo francês é importante entender que
fazemos parte de uma civilização no seu sentido do todo e esta mesma
está dividida em três realidades: a dos utensílios (toda criação humana),
instituições (político) e valores (apreciação e valorização do utensílio) .
Não aprofundaremos a abordagem sobre a civilização aqui, mas é preciso
especificar que esta é apenas uma forma de localização para que pos-
samos entender os três níveis fundamentais que Ricoeur considera uma
ação política eficaz ou uma sabedoria prática .
No pensamento de Ricoeur a tarefa do educador político está
nos três níveis apresentados acima e que em ambos há formas diferentes
de intervenção: a responsabilidade do educador no campo dos uten-
sílios está na decisão coletiva, ou seja, a ideia de liberdade e de escolha é
um fator decisivo que define os rumos de um coletivo de pessoas como
por exemplo, a decisão de um chefe de empresa ou um chefe de Estado
sobre medidas econômicas . Neste caso, Ricoeur pontua que, “A tarefa
do educador, é dupla: primeiro, tornar visível a significação ética de toda
8 A tarefa da educação é, a meu ver, manter nesse ponto uma tensão viva;
pois se reduzíssemos a moral de convicção à moral de responsabilidade, cairíamos no
realismo político, no maquiavelismo, que resulta que resulta da confusão constantes
dos meios e dos fins . Mas se por outro lado, se amoral de convicção pretendesse uma
espécie de ação direta, cairíamos em todas as ilusões do moralismo e do clericalismo . só
pode agir indiretamente, pela pressão constante que exerce sobre a moral de responsa-
bilidade (Ricoeur, 1995, p . 157) .
9 Ricoeur nos coloca que o Sociólogo alemão Max Weber em seus manuscritos
antes da “moral da responsabilidade” escreveu “moral de poder”, para o filósofo francês
essa é uma observação importe porque a “moral da responsabilidade” é também moral
da força, isto é, da violência . em outras palavras, nela o homem se realiza com, ou
contra a violência .
Essa mesma visão acima citada por Muller nos ajuda a perceber
que o pensamento de Ricoeur vai ao encontro com a ideia do não impos-
sível, isto porque sua perseverante ideia de pensar o bem comum é uma
postura que se estende em todo seu discurso sobre a violência . Vimos
que a ideia da não-violência é uma ideia pensada desde a linguística do
Considerações finais
REFERÊNCIAS
1 * Parte deste texto foi publicada no tópico Por uma Filosofia da Pessoa, inte-
grante de um capítulo da tese de minha autoria, sob o título Segunda Pessoa e Casos-
-Limite em Paul Ricoeur . Disponível em: TES_PPGFILOSOFIA_2020_TIELLET_
CLAUDIA .pdf (ufsm .br) .
que cria algo no mundo, que é presença voltada para o mundo . Vemos,
por conseguinte, a formulação positiva do conceito de pessoa, que nosso
autor introduz a partir da noção de ato: “a pessoa é a que reivindica um
certo ato, que se solidariza com este ato, assume as consequências, é res-
ponsável por ele6” . (Ricoeur, 1936, p . 439) .
Em seguida, Ricoeur pondera que a pessoa se manifesta pela
vocação acompanhada da responsabilidade . Ter uma vocação é responder
ao apelo de um valor, é tornar-se responsável, engajar-se, “sendo suas
ações testemunho de sua vocação” (Lauxen, 2013, p . 597), concluindo
que “o ponto extremo do engajamento, do testemunho, da responsabi-
lidade, da vocação é o sacrifício: a carne se apaga na ordem visível diante
da vocação” . (Ricoeur, 1936, p . 443) .
Em História e verdade (1968), Ricoeur retoma Emmanuel
Mounier para conjeturar a urgência de um mundo da pessoa. Inicial-
mente, acerca de sua predileção pelo termo pessoa em detrimento de
indivíduo, recorda a figura mounieriana e singular do burguês, ou,
podemos dizer, do indivíduo depauperado, que dos valores de conquista
e criação declina para valores de conforto:
6 “La personne est celle qui réclame un certain acte, qui comprend cet acte, en
assume les conséquences, qui en est responsable“ .
9 Conforme Baggio (2016, p . 33), nesse artigo Ricoeur “deixa claro porque ele
usa o conceito pessoa e não sujeito ou outra instância” .
10 Nesse artigo, diz Lauxen (2013, p . 598), “Ricoeur não abandona a noção de
ato como não abandonará jamais” .
sários, mas existe para mim o intolerável” . Dito de modo mais simples,
na zona da crise a pessoa percebe sua condição de vulnerabilidade diante
do universo, se nota deslocada, questionando os próprios valores, as pró-
prias preferências e as relações pessoais de intimidade e camaradagem,
alcançando o desconfortável limite da tolerância .
O engajamento [engagement], por sua vez, advém do estágio
no qual “não tenho outra maneira de discernir uma ordem de valores
capaz de me exigir – uma hierarquia do preferível – sem me identificar a
uma causa que me supere” . (Ricoeur, 1996, p . 160) . É resultado daquele
mencionado desconforto diante do intolerável na crise . Numa espécie de
reflexão pessoal, na zona do engajamento resgatamos a posição singular
diante do cosmos, arriscamos, submetemo-nos, obrigamo-nos a hierar-
quizar as escolhas e, enfim, cientes da diversidade, escolhemos e inven-
tamos com eloquência . Face ao intolerável o “espectador desinteressado”
se transforma em “homem de convicção que descobre ao criar e cria ao
descobrir” (Ricoeur, 1996, p .160), tomando partido e posição .
O engajamento e o compromisso da pessoa com “o que é mais
durável” que ela mesma, conduzem à instância da convicção. Para Lauxen
(2013, p . 598) a convicção é reação à crise mantendo-se fiel a uma causa
no tempo, fidelidade a uma direção escolhida15 . O caráter da convicção
é revelado na descoberta da relação circular entre uma historicidade do
compromisso e uma atividade hierarquizante16, o que nos permite ver
na atitude-pessoa um comportamento constante no tempo, de fidelidade
no tempo através do engajamento, uma vez que este não é virtude no
instante e sim, virtude na duração . Além disso, a fidelidade do engaja-
mento unifica a pessoa – unificação da duração numa interioridade – lhe
conferindo identidade . Aqui, um ponto bastante relevante, predileto à
21 Por oposição à via curta representada pela compreensão imediata do ser, nos
termos do cogito cartesiano . “A via longa, da qual ele fala, trata do acesso ao ser por um
desvio pela interpretação dos símbolos e das diversas formas de manifestação do ser .
O tratamento específico desta caracterização pode ser encontrado em obras como Do
texto à ação e Teoria da interpretação” . (Bona, 2010, p . 49) .
27 “No referido texto, Nietzsche começa buscando uma resposta para a seguinte
indagação: de onde vem o assim chamado impulso à verdade dos homens? Geralmente,
a primeira tendência seria relacionar tal impulso à dimensão racional-intelectual
dos homens, respaldados por uma implícita crença numa suposta supremacia deste
aspecto da natureza humana sobre os demais (como instintual, emocional e afetivo,
por exemplo) . Nietzsche, remando contra essa tendência, vem argumentar a favor do
caráter extremamente pragmático do intelecto humano; para ele, a dimensão inte-
lectual teria unicamente a função de garantir a conservação do indivíduo na natureza .
Nesse sentido, as atividades do intelecto resumem-se à função de representação” (Mei-
reles, 2016, p . 26) .
28 “Nietzsche não diz outra coisa, pelo menos nesses fragmentos, senão o
seguinte: duvido melhor que Descartes. O Cogito também é duvidoso” . (Ricoeur, 2014,
p . XXX) .
Considerações finais
pode ser homem capaz – que fala, que age e sofre, que narra e que é res-
ponsável por si mesmo, pelo outro e por suas ações – suscetível a uma
compreensão mais profunda dos fenômenos mundanos, da natureza
humana, da complexidade da sociedade .
Esse mesmo homem capaz, que pode viver a ética da vida boa,
com e para os outros, em instituições justas, se depara reiteradamente
com o brutal desafio de superar a desigualdade, a violência, os conflitos
e as incógnitas da contemporaneidade, à luz do que Ricoeur (1968, p .
142) afirmou ser uma pedagogia da comunidade, que é a mesma coisa
que o despertar da pessoa .
A pessoa tem de voltar . O conceito ricoeuriano de pessoa não
descreve somente um indivíduo de fato, mas é um conceito prescritivo
de ordem ético jurídica, que dá sustentação ao caráter incondicional da
dignidade humana .
A pessoa tem de despertar . Porque é ela quem melhor atende à
subjetividade e a intersubjetividade33, a corporeidade, a espiritualidade,
a afetividade, os valores, a comunidade e a ética . Enquanto o indivíduo é
inflexível e o sujeito é solipsista e isolado, a pessoa é generosa, carregada
de acolhimento vital, capaz de criar e compartilhar, pois “a originalidade
da pessoa se exprime em primeiro lugar na comunhão e não na solidão”
(Ricoeur, 1968, p . 162). E nesses tempos em que se tem excluído o ser
humano do centro das reflexões filosóficas, precisamos, com Ricoeur,
reinventar a filosofia do cogito como filosofia da pessoa .
A filosofia ricoeuriana da pessoa é resistência à adequação do
humano às crenças ou sistemas que distanciam da civilização, da plura-
lidade da vida, da singularidade de cada ser .
Em última análise, a filosofia ricoeuriana da pessoa garante o
humanizador da existência, na recondução ao percurso do conheci-
mento de si e do reconhecimento do outro .
REFERÊNCIAS
Considerações preliminares
“nossa vida nada mais é do que uma longa espera”, uma espera “pela
realização de nossos fins” , uma “espera por nós mesmos”, uma espera
“constituída não somente de esperas, mas de esperas de esperas que, por
sua vez, esperam esperas”, sendo essa estrutura estratificada de esperas “a
própria estrutura da ipseidade” . Como Ricoeur, Sartre é um pensador
para o qual a ipseidade é marcada pela ênfase no futuro vivo . Todavia,
se como observa Róbson Reis, na ontologia fenomenológica heideg-
geriana são admissíveis possibilidades existenciais que não se efetivam,
para Sartre, é da natureza própria da possibilidade não se efetivar jamais .
Em O ser e o nada, Sartre (2008) declara que a totalidade do futuro
“cai no passado como futuro”, se transformando em “futuro passado”,
um futuro que “não se realiza” jamais e que deixa um incontornável
retrogosto de “decepção ontológica” (p . 182) . A possibilidade futura é
desejável “porque eu me projetava rumo ao futuro enquanto futuro” (p .
183) . Essa decepção ontológica, “decepção constante” que acompanha o
desejo saciado na forma de uma frustração, uma insatisfação, um “‘não
era mais que isso?’” se dá porque a meta do desejo é a “coincidência com
o si” (p . 154), um “repouso em si”, uma “a-temporalidade da coinci-
dência absoluta consigo mesmo” (p . 198) . Essa nota melancólica já res-
soava no pensamento de Sartre desde seu Diário de uma guerra estranha .
No dia 17 de fevereiro de 1940, Sartre (2005) anotou em seus diários:
“penso que a maior parte das nossas mais sutis decepções são devidas ao
fato de um irrealizável nos aparecer no futuro e depois, subitamente,
no passado, como realizável, e ao fato de sentirmos bem, então, que
não o realizamos” (p . 437-8) . O irrealizável, para Sartre, “nunca é um
objeto”, mas “uma situação” (p . 448) . A existência errante, em Sartre,
não conhece descanso, nunca está onde deseja, jamais se sente em casa .
Na ontologia fenomenológica de Sartre, a ipseidade se projeta em um
futuro que está sempre em outro lugar, em uma vida que está sempre em
outro lugar .
O recurso de Ricoeur ao pensamento de Sartre ficaria ainda mais
limitado se aquele lembrasse que, para este, a relação entre o caráter e a
promessa – entre a ipseidade e a mesmidade, portanto – é de tal natureza
que, no mesmo Diário… se lê que “um juramento é uma confissão de
desespero” (p . 235) . Quem estivesse genuinamente resoluto precisaria,
contra si mesmo, prometer o que quer que fosse? Tudo se passa como se
8 Realizei uma comparação mais detida entre as teses apresentadas por Sartre
em seu romance e as posições hermenêuticas e narrativistas de Ricoeur em Novos
começos, situações privilegiadas e momentos perfeitos: as fragilidades do antinarrativismo
de Antoine Roquentin (Costa, 2021b) .
nesse caso, é “isso que faz”, conforme Kundera (1995, p . 14), “com que
a vida pareça sempre um esboço” . Mesmo um esboço já é uma narrativa .
Mesmo que o revisemos, reelaboremos e ressignifiquemos, essa revisão,
essa reelaboração, essa ressignificação incidirá sobre um segmento de
tempo que poderá ter sido vivido como história . Como observa Charles
Larmore (2008, p . 255), “todo segmento de vida se assemelha a um
curto romance” . Curto ou longo romance, conto, episódio, cena densa
ou instante intenso, a existência pessoal tem sempre, em potência, uma
qualidade narrativa a ser exibida de modo incandescente por meio da
revitalização da experiência viva das possibilidades mais íntimas .
A experiência viva de viver a vida como história, diferentemente
da mera romantização do cotidiano, faz com que a relação entre a espera
de esperas que esperam esperas por meio da qual nos relacionamos com
o futuro e a compreensão nachträglich e narrativa com a qual nos rela-
cionamos com o passado intensifique e torne denso o tríplice presente da
experiência viva . Se a superação de uma sonâmbula errância dispersa
por uma experiência viva, intensa e densa está sempre mais ou menos
disponível, é porque ao menos eventualmente a vida não está em outro
lugar, porque ao menos eventualmente o que você busca está perto, não
importa onde você esteja .
Considerações finais
REFERÊNCIAS
COSTA, Vítor Hugo dos Reis . Para morrer é necessário ser alguém:
a ipseidade mínima de Meursault diante do desafio romanesco .
MIMESIS, Bauru, v . 41, n . 2, p . 81-99, 2020 .
COSTA, Vítor Hugo dos Reis . O desejo de viver belas histórias: uma
investigação existencial, hermenêutica e romanesca sobre identidade
pessoal . Tese (Doutorado em Filosofia) – Universidade Federal de Santa
Maria, Santa Maria, 2021 .
ROTH, Ben . Reading from the middle: Heidegger and the narrative
self . 2017 . Eur J Philos, 2017 .
9 Por eso del personalismo “más que una influencia específica que podamos
hallar en tal o cual obra, lo que se aprecia es una influencia interiorizada por Paul
Ricoeur y que consolida su talante personal y su peculiar modo de entender la filo-
sofía .” Agís Villaverde, M . “Aproximaciones a la persona: Paul Ricoeur y Emmanuel
Mounier”, op. cit., p . 137 .
que indica la relación dialéctica y temporal del sí con “sí mismo” y con
“otro” . Y coincide materialmente con el adverbio de afirmación (sí) que
expresa la potencia originaria que, según Ricoeur, está en la base de la
constitución personal como atestación de sí . 3) El lenguaje aporta a la
persona la figura ejemplar de la promesa . La acción de prometer algo a
alguien es un acto lingüístico . Ese acto revela que la constitución de la
persona y de su identidad personal se mantienen en el tiempo, de modo
similar a como una promesa hecha se cumple a pesar de los imprevistos .
Bajo la guía de estas características, la “paradoja de la persona” en
la filosofía de Ricoeur será examinada siguiendo las tres fuentes que la
constituyen . Ricoeur mismo reconoce que la noción de persona no solo
procede de Mounier y encuentra una elaboración más técnica en Marcel
y Jaspers . También se encuentra en la tradición francesa de la filosofía
reflexiva y en la fenomenología .11 Con este reconocimiento, asumo
como objetivo de trabajo el análisis de la paradoja de la persona en las
tres fuentes de la filosofía ricoeuriana . Siguiendo la imagen del árbol, en
el punto I, examinaré los aportes de su raíz que es la tradición francesa
de la filosofía reflexiva (décadas del 30-50); en el punto II, los contri-
buciones de su tronco que es la fenomenología de Husserl (décadas del
50-60); y, en el punto III, la institución de una “filosofía de la persona”
de arborescencias hermenéuticas (décadas del 60-90) .
mente activo de la palabra hacer .”18 Soy persona no cuando realizo una
acción cualquiera, sino cuando realizo mi acción, la que se explica por
mi decisión libre, siendo responsable y asumiendo sus consecuencias . 2)
Como el actuar libre no es previsible, no puede haber ciencia ni filosofía
de la persona . La persona es una verbalidad que “tocamos” más que un
sustantivo que “abarcamos” . 3) La persona como acción teóricamente
inabarcable se revela a través del cuerpo: “Yo soy un todo unificado . Yo
soy carne . Eso significa: yo soy al mismo tiempo vocación libre (…) y yo
soy al mismo tiempo cuerpo entre cuerpos . Esa es la paradoja central de
la noción de persona: la paradoja de la encarnación .”19 Ese cruce entre
cuerpo y persona será clave tanto para su obra Filosofía de la Voluntad
(1950) como para Sí mismo como otro (1990) . Ahora se formula en tér-
minos de acción y temporalidad: la persona es la acción de una impen-
sable encarnación del instante en el tiempo que rompe el círculo fatal
del determinismo y se manifiesta en su vocación y responsabilidad ante
un llamado (no utópico sino religioso en la persona divina de Jesús) . Por
eso la encarnación de la persona más que una reflexión teórica exige una
tarea concretada en acciones que duran .
En “Una filosofía personalista” (1950), Ricoeur homenajea a
Mounier después de su muerte ensayando una primera interpretación
22 Ibidem, p . 866 . Así “la encarnación (no tiene sentido) más que para un
mundo del ‘compromiso’ .”
23 Ibidem .
24 Ibidem, p . 869 .
25 Ibidem, p . 871 .
30 Esta distinción entre cosas y personas será central para la imputación jurídica
y moral . Citando a Kant en Metafísica de las costumbres, Ricoeur recuerda que “Una
persona es ese sujeto cuyas acciones se le pueden imputar . La cosa es lo que no es sus-
ceptible de imputación alguna .” Citado por Ricoeur, P ., Parcours de la reconnaissance:
trois études, Stock, 2004, p . 160 .
38 Ibidem, p . 149 .
39 Ibidem, p . 153 .
40 Ibidem, p . 156 .
48 Ibidem, p . 88 .
49 Ibidem, p . 90 .
“separado del centro de mi existencia (…) yo no poseo eso que yo soy” .53
El pasaje de la reflexión directa a la reflexión indirecta de la herme-
néutica existe gracias a la vivencia de esa separación . Ella hace fracasar a
la primera (como fracasa en la distancia entre Dios y el hombre) y abre
a la segunda como una comprensión de sí mediada por la interpretación
de alteridades (obras, textos, acciones) . Esta reapropiación de sí desde
la alteridad acerca la reflexión mediada de la hermenéutica y la tarea
ética de síntesis práctica que es la persona . En la hermenéutica ricoeu-
riana culmina la matriz ética del personalismo al inaugurar una “herme-
néutica del yo soy”54 que más tarde será “hermenéutica del sí” .
En esta separación que acerca reflexión hermenéutica y síntesis
ética, el problema de la persona queda dirigido al problema de la cons-
titución de la identidad personal que es “el corazón de la teoría de la
persona desarrollada algunos años más tarde en Sí mismo como otro.”55
La pregunta filosófica qué es la persona deviene la pregunta ética quién
es la persona .56 La transformación procede de lo que queda abierto en
los estudios sobre el lenguaje y el tiempo en Tiempo y Relato (1983-85).
Las páginas finales presentan a la identidad narrativa como “el frágil
retoño de la unión de la historia y la ficción” .57 Esa fragilidad identitaria
de la persona es tocada, no abarcada, en dos textos contemporáneos a las
Gifford Lectures, de las que surgirá Sí mismo como otro: “Individuo e iden-
tidad personal” (1985) e “Identidad narrativa” (1986) . En el primero,
Ricoeur justifica abordar la identidad personal desde la primacía de la
66 Ricoeur atiende al ipse más que al idem lo que es coherente con su intención
de evitar una filosofía de sustantivos y sustancias atemporales e inmutables que abarque
lo que es en su origen una verbalidad .
71 Quedan por fuera los estudios no publicados en Sí mismo como otro pero que
fueron parte de las Gifford Lectures, dedicados al sí mismo en tanto convocado y que
coincide con la idea de juventud de la persona como acción responsable ante un llamado .
72 A partir del estudio 5º, clave por abordar el problema de la identidad nar-
rativa, prima el uso del pronombre sí (6º “El sí y la identidad narrativa”; 7º “El sí y la
intencionalidad ética”; 8º “El sí y la norma moral”; 9º “El sí y la sabiduría práctica: la
convicción”) .
74 Ibidem, p . 77 .
75 Cf . Kearney R . y Treanor B . (eds .), Carnal Hermeneutics, New York, Fordham
University Press, 2015 y Amalric, J .-L ., “La médiation vulnérable . Puissance, acte et
passivité chez Ricoeur”, Études Ricoeuriennes / Ricoeur Studies, 9, 2, 2018, pp . 44-59 .
77 La distinción fenomenológica entre Körper (el cuerpo en tanto cosa que per-
tenece a lo observable) y Leib (el cuerpo en tanto vivido que pertenece a la esfera
de lo propio) se cruza conflictivamente con la identidad idem e ipse. Al respecto cf .
Cabestan, P ., “Qui suis-je ? Identité-ipse, identité-idem et identité narrative”, Le Philo-
sophoire, 2015/1, N° 43, pp . 151-160 .
81 Solo cabe intentar imaginar ¿qué dolor por el otro que sufre podría sentir una
persona que tuviera un cuerpo invulnerable al dolor físico? ¿Qué simpatía podría tener
sin pathos? Al respecto cf . Díez Fischer, F ., “El tacto de sí como otro . Fundamentos per-
ceptivos de una ética encarnada en la hermenéutica de Paul Ricoeur”, Pensando. Revista
de Filosofia, Vol . 12, Nº 26, 2021, pp . 4-20 .
Conclusión
sobre el saber teórico” .84 Ricoeur la hizo vida y obra que dura, abriendo
un largo camino a nuestra propia reflexión cada vez que asumimos la
tarea de ser personas .
REFERENCIAS
Lucas, M-O .,“Le corps personnel . Étude du rôle du corps dans l’élabo-
ration de l’être personnel dans le Traité du caractère et Le Personnalisme
d’Emmanuel Mounier”, Transversalités, Janvier-Mars 2019, Nº 148,
pp . 155-176 .
Introdução
Agostinho e o maniqueísmo
Agostinho e o neoplatonismo
Interioridade e memória
Considerações finais
REFERÊNCIAS
Considerações iniciais
Do personalismo à atitude-pessoa
5 Cometeríamos um erro se, com esta reflexão, concluíssemos que uma filo-
sofia de estilo transcendental é inútil por ser meramente formal . Ela é a primeira etapa
de uma antropologia filosófica . Quem desejasse queimar essa etapa e passar de ime-
diato para uma filosofia da pessoa não saíria do patético senão para cair numa onto-
logia do ser e do nada (Ricoeur, 2019, p . 74) .
econômico e social . Pois, estes reverberam nas questões civis dos direitos
humanos, dos direitos dos prisioneiros, das problemáticas geopolíticas/
fronteiriças, das questões de imigração e da extradição dos estrangeiros .
Diante destes problemas, é preciso pôr em debate filosófico a condução
de uma reflexão da categoria pessoa e tal ponderação deve repercutir
numa filosofia da pessoa .
Segundo ponto, Ricoeur esclarece que: “Relativamente à ‘cons-
ciência’, ao ‘sujeito’, ao ‘eu’, a pessoa aparece como um conceito sobre-
vivente e ressuscitado[ . . .] . Prefiro dizer pessoa em vez de consciência,
sujeito, eu”19 . A consciência remete a Freud, o sujeito refere-se à escola
de Frankfurt junto com os pós-estruturalistas e o Eu implica na filosofia
do cogito inaugurada por Descartes, que vez por outra finda caindo no
solipsismo . São concepções filosóficas vivas, atuantes e produtoras desta
contemporaneidade . Assim também, seria a situação de uma filosofia
da pessoa, caso, a morte do personalismo não tivesse ocorrido . Tendo
essa morte ocorrido, Ricoeur, tenta e nos oferece a recuperação da noção
de pessoa, especificamente, de uma filosofia da pessoa . Vejamos então
como Ricoeur propõe o diálogo condizente a pessoa .
Tendo visto, em alguma medida, a morte do personalismo, a
proposta é o abandono da perspectiva-filosófica denominada persona-
lismo, com isso, o desafio a ser enfrentado se dá em, “como falar da
pessoa sem o suporte do personalismo?”20 e a resposta de imediato é:
“consiste em dar um estatuto epistemológico apropriado ao que chamo,
com Eric Weil, uma ‘atitude’”21 . Então, se o personalismo tinha por
motivação falar da pessoa por meio de uma antropologia cristã, Ricoeur,
propõe, pelo menos em um primeiro momento, uma investigação epis-
temológica . Dito com outras palavras, a questão se formula assim, como
desenvolver uma reflexão acerca da pessoa sem considerar o persona-
lismo? A resposta, de modo direto, é pensar uma epistemologia da atitu-
de-pessoa, para desaguar numa filosofia da pessoa .
23 Aqui a pessoa sai da esfera conceitual de abstração e passa para uma dimensão
de pessoa concreta, no sentido de pessoa que age, ou seja, para uma atitude-pessoa,
uma pessoa em ação .
Para esta análise será importante dissertar naquilo que diz res-
peito a filosofia da pessoa, verificar como tal noção se inter-relaciona e
29 Ricoeur (2014, p . 1) .
30 Ricoeur (2014, p . 1) .
31 Ricoeur (2014, p . 2) .
32 Ricoeur (2014, p . 3) .
33 Ricoeur (2014, p . 3) .
34 Ricoeur (2014, p . 5) .
35 Ricoeur (2014, p . 6-7) .
36 Ricoeur (2014, p . 7) .
palavra “coisa”, Ricoeur disse que: “Evidentemente, não deve haver con-
fusão quanto ao uso da palavra “coisa” [ . . .]37 . Essa palavra simplesmente
serve para marcar que a primeiríssima investigação de uma filosofia da
pessoa pertence à problemática geral da referência identificadora . É uma
“coisa” aquilo de que se fala” .
Corpos e pessoas, em torno desta relação o filósofo francês chama
a atenção em dois corolários, primeiro corresponde ao dualismo, sig-
nifica que para esta análise não é possível desconsiderar a distinção que
ocorreu ao longo da história filosofia entre consciência e corpo . Ricoeur,
designou de “pessoa como entidade pública e consciência como entidade
privada”38, apesar da observação, o filósofo pontua que é preciso desen-
volver uma análise ainda mais aprofundada . O segundo corolário, diz
respeito a pessoa com a qual se atribuem uma consciência e essa pessoa
não se limita aos pronomes de primeira e segunda pessoa, também, é
atribuído aos pronomes de terceira pessoa . A pessoa como corpo, disse
Ricoeur: “A possibilidade de as pessoas serem também corpos é mantida
como reserva na definição geral dos particulares básicos, segundo a qual
estes são corpos ou possuem corpos . Possuir um corpo é o que fazem ou
o que são as pessoas”39 . Ricoeur descreveu a interpretação e o sentido que
damos, no âmbito da identificação, da pessoa como corpo . “Essa prio-
ridade dada aos corpos é da maior importância para a noção de pessoa”40 .
Em suma, a individualização, a coisa e o corpo são termos apon-
tados para uma filosofia da pessoa compreendida numa condição do
sistema linguístico, pessoa entendida como componente no sentido de
uma palavra, de uma interpretação/analítica de sentenças ou de enun-
ciados . Individualização, coisa e corpo aloca a pessoa como particular
básico, enquadra na teoria da referência identificadora . Identificar pessoa
como individualização, coisa ou corpo é subjugar no campo semântico
para a fundamentação de uma filosofia da pessoa . No entanto, se assim
37 Ricoeur (2014, p . 7) .
40 Ricoeur (2014, p . 9) .
51 Não é uma relação de interlocutor; não é um caso de diálogo . Não basta dizer
que a leitura é um diálogo com o autor através da sua obra; é preciso dizer que a relação
do leitor com o livro é de uma natureza completamente diferente; o diálogo é uma
troca de perguntas e de respostas (Ricoeur, 1989, p . 142) .
52 De acordo com o site Digital Ricoeur este termo, pessoa capaz, aparece
apenas em um artigo e em um livro do filósofo . Le bonheur hors lieu, [1994], artigo; e
Écrits et Conferences, [2019], livro . Disponível em: https://www .digitalricoeurportal .
org/digital-ricoeur/Search .php . Acesso em: 6 de abril de 2023 .
60 Essa prioridade ao “eu posso falar”, “eu posso dizer” justifica-se de duas
maneiras: em primeiro lugar, os sujeitos que agem e sofrem na epopeia, na tragédia
e na teoria aristotélica da ação são sujeitos falantes: os personagens homéricos e, com
mais razão ainda, os heróis trágicos não cessam de falar sobre sua ação . Eles se nomeiam
quando se fazem reconhecer, eles interpretam a si mesmos quando se desmentem;
quanto ao sujeito da decisão e do anseio, é ele que é designado como a “causa” e o “prin-
cípio” de que depende o que eles fazem . O filósofo os faz falar sobre sua ação (Ricoeur,
2006, p . 109-110) .
61 O terceiro traço distintivo por meio do qual a reflexão sobre o sujeito falante
se vincula a uma hermenêutica do homem capaz interessa particularmente à nossa
pesquisa sobre o reconhecimento . A autodesignação do sujeito falante se produz em
situações de interlocução nas quais a reflexividade se associa a alteridade: a palavra pro-
nunciada por uma pessoa é uma palavra dirigida a outra; além disso, pode ocorrer de
ela responder a uma interpelação vinda de outrem (Ricoeur, 2006, p . 111) .
62 Esse poder fazer se limita a um poder começar que engloba uma série de
ações fragmentárias, às quais ele confere uma espécie de integralidade, que encontrará
mais longe na narrativa a regra de sua configuração . Na ausência dessa operação con-
figuradora, a eficácia do começo pode parecer não ter limites, como quando há ques-
tionamento sobre o alcance de uma decisão: historiadores e juristas conhecem bem os
paradoxos que decorrem disso . Um problema semelhante é posto pela sobreposição das
ações das diversas pessoas . Nesse complexo de interações, como delimitar a parte de
ação de cada pessoa? É preciso então remeter-se à admissão do sujeito que age tomando
para si e assumindo a iniciativa na qual se efetua o poder de agir de que ele se sente
capas (Ricoeur, 2006, p . 113-114) .
64 Gertrude Elizabeth Margaret Anscombe foi uma das filósofas mais impor-
tantes do século XX . Filósofa analítica do Reino Unido . Disponível em: https://plato .
stanford .edu/entries/anscombe/#MoPoPh . Acesso em: 1 de abril de 2023 .
Partamos dos predicados designados à própria ação sob o título da imputabilidade: são
predicados éticos-morais ligados seja à ideia do bem, seja à de obrigação, que permitem
julgar e avaliar as ações consideradas boas ou más, permitidas ou proibidas; quando
esses predicados se aplicam reflexivamente aos próprios agentes, estes são ditos capazes
de imputação . Assim, com a imputabilidade, a noção de sujeito capaz atinge sua mais
elevada significação, e de algum modo recapitula as formas precedentes de sui-réfé-
rence (Ricoeur, 2006, p . 119-120) .
72 Ricoeur (2006, p . 115) .
Considerações finais
REFERÊNCIAS