O Filho de Lucifer

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O Filho de Lúcifer – Por M. R.

Schauffert

Capitulo 1

Benjamin acordou mais uma vez atordoado. Como sempre, tivera o mesmo sonho:
Estava sobrevoando Jerusalém e começava a cair sem controle, pegando fogo no que lhe
pareciam asas. Nunca entendeu por que tinha esse mesmo sonho. Não conhecia
Jerusalém, apesar de sempre ter tido vontade de visitar aquela terra, que lhe inspirava
tanto e lhe passava paz. Levantou de sua cama, seguindo a cozinha do pequeno
apartamento em que vivia na 5ª avenida. Única herança de seu falecido avô, que nem
chegou a conhecer, não sabia ainda como podia manter aquele lugar. Apesar de
pequeno, era aconchegando e relativamente luxuoso. As contas do apartamento eram
pagas por uma associação, que segundo lhe constava, fora criada pelo avô e mais alguns
amigos a cerca de 60 anos. Nunca conhecera nenhum deles, nem sabia onde ficavam,
apenas recebia no inicio de cada mês um relatório com os recibos pagos: água, luz,
telefone, condomínio e internet. Por algumas vezes tentou questionar a mãe, que sempre
fugia do assunto. Chegou a pensar no envolvimento do avô com alguma organização
criminosa, ou algo do tipo, mas com o tempo e as dificuldades em encontrar um
emprego, parou de se questionar.
Chegou à cozinha, abriu a geladeira e encontrou o de sempre: uma garrafa de água, um
pacote de pão embolorado e um pote de manteiga. Tinha que sair para comer algo, mas
estava sem dinheiro. Isso não era novidade na vida dele. Há alguns anos, depois que
decidiu deixar a casa de sua mãe e tentar viver sozinho sua vida, nunca conseguiu juntar
muito dinheiro e quando o conseguia, rapidamente o mesmo se esvaia de suas mãos.
“Mágica”, dizia ele a mãe quando o questionava. Nem ele compreendia. Mas uma coisa
era certa. Alguma coisa protegia Benjamim, pois nunca passara fome, nem ficara sem
ter o que vestir. Se estivesse com fome e não tivesse dinheiro, saia à rua e logo algum
conhecido o convidava a um café ou um almoço. Perdeu as contas de quantas vezes
entrou em lojas para ver o preço de alguma roupa e ganhou promoções de o
“Milionésimo cliente” e levou quase meia loja, podendo se vestir de graça por um bom
tempo. Os amigos diziam que ele deveria ter um anjo da guarda muito bom. Os
inimigos o invejavam.
Ben resolveu passar na casa de um amigo. Estava com fome e não queria pensar em
nada que não fosse um belo café da manha: pão quente, manteiga, ovos mexidos e
queijo. Hairan o recebeu com um ar sonolento.
-- Isso são horas, Ben? Nem acordei direito...
-- Meu nobre amigo, já são dez da manha. Será que você nunca vai fugir dessa vida de
boêmio? Não é por que você ficou rico aos 20 anos que vai passar o resto da vida
vagabundeando, certo?
-- Olha quem fala? Pelo que sei, você é quem vive vagabundeando. Não se firma em
nenhum emprego, diz que nunca tem dinheiro, mas esta sempre bem vestido e mora na
5 av. Para mim vc é quem é rico e esconde dos amigos. E ainda vem filar o café da
manha na minha humilde choupana.
A humilde choupana da qual Hairan não "se vangloriava", era na verdade uma cobertura
de 2 pisos, que comprou aos 20 anos, quando ganhou seu primeiro milhão vendendo um
jogo para vídeo game que criou. Hairan tinha vindo de um meio pobre, mas com

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incentivo de seu tio, estudou e se formou em ciências da computação. Apaixonado por
futebol, criou um jogo baseado no esporte e em menos de um ano se tornou milionário.
Conheceu Benjamin quando os dois começaram um curso de francês para impressionar
a mesma garota. Perderam a garota e ficaram amigos. Isso foi há 13 anos, e agora,
ambos com 34, seguiam seus caminhos. Hairan ia para sua empresa por volta das duas
da tarde e lá ficava ate as duas da manha. Gostava de trabalhar nesse horário pois se
sentia livre para criar. Tentou varias vezes encaixar o amigo Ben na empresa, mas não
houve jeito. Benjamin estava mais uma vez desempregado, e como sempre, pelo mesmo
motivo, não se adaptavam a ele no emprego. Mesmo assim, Hairan tinha uma pontinha
de inveja, pois o amigo parecia não precisar de nada, e quanto menos precisasse, tudo
lhe caia nas mãos. Certa vez perdeu o celular quando pegou um táxi. Quando disse para
Hairan que não precisava disso mesmo e parou de pensar no assunto, entraram por
engano em uma loja da RIM e ele ganhou um Blackberry ultimo modelo. “Sorte”, era
isso que Hairan achava que o amigo tinha. Sorte ate demais.
Tomaram café tranquilamente, enquanto assistiam a um antigo episodio de agente 86 na
TV a cabo. Benjamin ficou pensando no que iria fazer agora, mais uma vez sem
emprego e prestes há completar 35 anos.
-- É semana que vem seu aniversario, não? Depois de 13 anos, Hairan ainda não gravara
a data correta do aniversario do amigo, coisa natural para quem passava os dias preso a
frente de um computador.
-- Isso mesmo. Mais um ano estranho e perdido.
-- Não fale assim meu amigo. Vc já fez muita coisa na vida. Mas caso esteja pensando
em desistir, não se esqueça de deixar seu ape para mim no testamento.
A gargalhada dos dois ecoou pela sacada do quarto. Benjamim nunca entendera que
fascínio tinha o amigo por seu apartamento de um quarto, enquanto ele tinha uma
cobertura gigantesca e que as mulheres adoravam.
-- Deixa disso meu jovem. Daqui a pouco vais querer minhas cuecas usadas tambem.
Outra gargalhada estridente e os dois se levantaram ao mesmo tempo e foram olhar o
movimento lá embaixo.
A muito tempo Ben queria contar ao amigo sobre as coisas q pensava. Achava estranha
a historia do apartamento. Sua sorte que sorria a ele sempre que a situacao apertava.
Mas tinha receio de parecer maluco, o que com certeza já parecia para muita gente.
Ben se despediu de hairan, levando no bolso o ultimo bolinho do café. Ia caminhar por
mais algumas horas, aguardando alguma ideia que o levasse a um novo emprego.
Apesar das contas do ape serem pagas pela heranca do avo, tinha suas proprias
necessidades e precisava de dinheiro para comprar sapatos novos. Passou em frente a
uma sapataria elegante e olhou para um par de botas de cano medio. Era aquela que
queria. Pretas, de cromo alemao, com um detalhe dourado que lhe chamou atencao.
Ficou ali parado, olhando, admirando o belo par de botas, pensando que nunca poderia
comprar um daqueles e portanto não adiantava sonhar, quando, sentiu alguem tocar em
seu ombro.
-- Ei, que numero vc calca garoto? Perguntou uma moca, segurando uma prancheta e
com o celular na outra mao.
-- 42. Benjamin respondeu sem nem perceber o que estava fazendo.
-- Entra aqui. Preciso de um modelo para exibir meus novos calcados. Se topar, leva as
botas que estava namorando na vitrine.
O cabelo dela cheirava a jasmim. Tinha um tom castanho claro, com as pontas
alouradas. Não tinha conseguido olhar seu rosto, mas já se sentira proximo a ela.
-- Meu nome é Rachel, sou a gerente aqui, qual o seu?

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Ela se virou de repente e falou tao perto do rosto de Ben que seus labios quase se
tocaram
-- Benjamin, Benjamin Yakoov.
-- Entao, Benjamin, acabou de ganhar um par de botas.
-- obrigado. Quase não podia acreditar no q acontecia. Ganhou os sapatos que queria,
como q por magica, mas não conseguiu pensar em algo inteligente para atrair a mulher
mais linda q já viu.
Enquanto tirava seu mocassim bem usado, para colocar os sapatos que seriam
fotografados enquando ele andava por um tablado de 2 metros, Ben admirava o jeito
com que Rachel comandava tudo ali. Ja havia se apaixonado antes a primeira vista, mas
o que estava sentindo era algo magnético, quase divino. Algo que o distraiu o suficiente
para não notar o homem que o olhava pela vitrine de forma quase indecente.

Jeannete Yakoov esperava pelo filho a mais ou menos 2 horas. Estava começando a
esfriar e ela não tinha a chave do apartamento dele. A quase dez anos eles mal se
falavam. Bejamin decidiu ficar longe da mãe quando a superprotecao dela comecou a
beirar ao exagero. Não podia chegar perto de ninguem em determinadas datas, viviam
mudando de cidade e o que mais lhe incomodava: não sabia quem era seu pai e a mãe
não o permitia tocar no assunto. Nem as tatuagens que a mãe fez nele quando ainda era
crianca o incomodavam tanto quanto a questao do pai desconhecido. Quando Benjamin
fez sete anos, sua mãe tatuou em seu peito a palavra em hebraico para protecao divina.
Quando fez 14, ela tatuou a frase "So d'us te proteje". Aos 21, ela lutou durante meses
para convence-lo a tatuar um trecho inteiro do livro dos Salmos. Ben nunca entendeu
aquilo, já que a mãe não se mostrava religiosa nem dava importancia para algumas
coisas, mas ele acabou sendo convencido por ela em todas as ocasioes, inclusive na
ultima, ao completar 28 anos, onde tatuou a frase que gerou uma de suas brigas.
Jeannete se recusou a traduzir a frase ao filho, dizendo que era para " sua seguranca e
pelo bem da humanidade". Ben não aguentou mais as maluquices da mãe e foi viver
sozinho no apartamento que o avo deixou pra ele. Jeannete era uma mulher sofrida.
Tinha fugido do interior da Inglaterra e queria fazer parte do sonho americano: ter um
emprego, uma casa e viver confortavelmente em sua velhice. Conseguira com muito
custo chegar aos estados unidos e conseguiu um emprego de secretaria numa empresa
gráfica de Nova York. Todas as noites saia para dançar com as amigas, onde conhecera
Julianne Trufoud, aquela que seria sua melhor amiga e lhe daria as dicas que a levaram
a conseguir juntar dinheiro suficiente para sustentar Ben e construir um pequeno
patrimônio, que a permitia viver bem aos 64 anos, numa boa casa no Queens. Julianne
fora durante anos o único contato dos Yakoov com o mundo real durante suas mudancas
e era para Ben como uma tia. Mas ela havia desaparecido a alguns anos, deixando
apenas uma carta para Jeannete, que Ben fora proibido de ler.
Benjamin saiu da loja de sapatos as 9 da noite. Com suas novas botas e o telefone de
Rachel, se sentia melhor do que nunca. Não queria que nada estragasse esse dia e
pensava em chegar em casa e tomar um chá assistindo ao noticiário noturno enquanto
planejaria uma boa desculpa para ligar e convidar Rachel para sair. Iria convida-la para
o cinema e depois um drink no bar da esquina de seu apartamento. Se tivesse sorte,
quem sabe ela não aceitaria esticar um pouco a noite? Caminhava tranquilo, sorrindo
enquanto imaginava a noite com Rachel e desejando chegar logo a seu recanto para um
bom banho, quando seu celular tocou.

O homem seguiu Benjamin ate a entrada de seu prédio. Parou entao a alguns metros,
acendeu um cigarro, tirou o celular do bolso e discou para seu chefe.

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-- Patrão, estou na cola dele e dessa vez não vi a bruxa velha no caminho. Ficarei aqui,
conforme acordado, ate o dia do contato.
O silencio sepulcral do outro lado da linha era costumeiro e o homem sabia que seu
significado era de que seu "chefe" queria mais noticias.
-- O garoto esta entrando no predio enquanto fala ao celular. Deve estar falando com a
mocinha da loja de sapatos. Vi o jeito dele quando ela deu o numero do telefone...
O silencio permanecia.
-- Ok chefe, ficarei de olho e mandarei noticias.
Finalmente o telefone se desligou. O homem sempre soube q seu chefe não era alguém
normal. A começar pela forma como foi contratado. Era um bandido de porta de
mercearias. Esperava velhinhas e mulheres frageis sair das compras e se oferecia para
acompanha-las, carregando seus pacotes. Quando menos esperavam, fugia com suas
bolsas e não raro suas compras. Fora pego algumas vezes, mas pela cara mal encarada,
as vitimas, com medo, retiravam a queixa e lá estava ele de novo, rondando os mercados
do bairro. Um dia, após roubar uma mulher grávida, foi abordado num beco por um
sujeito que lhe acertou com uma bengala de ouro. Caído no chão, sentiu como se seu
corpo estivesse sendo pisoteado por um cavalo. Quando o homem disse que só o
deixaria respirar se ele concordasse em trabalhar para seu chefe, ele não pensou duas
vezes. Nunca vira o chefe. Não sabia como era ele ou sua voz. Nos 10 anos em que
trabalhava para ele, o unico contato era com telefonemas mudos, onde passava as
informacoes que colhia vigiando o rapaz. Só vira seu recrutador uma duzia de vezes.
Durante seu "treinamento”, quando recebeu seu carro e o apartamento onde morava e
quando foi considerado "qualificado" ao servico. Depois disso, recebia suas ordens por
cartas que apareciam como que por mágica embaixo de sua porta. Sua obrigação
principal era ficar de olho em Benjamin, nunca perdê-lo de vista e sempre manter o
chefe informado sobre "o garoto". Em uma única ocasião foi solicitado que buscasse
contato com o rapaz, mas por interferencia da mãe dele, o homem não alcançara seu
intento e ganhara uma cicatriz na forma de uma estrela no rosto. Fora atacado por um
ferro quente. Desejava se vingar dela, mas recebera ordens expressas de que nunca
deveria tocar na Sra Yakoov. Nunca.

Benjamin olhou no visor do celular e viu o nome da mãe. Desejou não atender,
pensando que poderia ser mais uma das maluquices dela com a chegada de seu
aniversário, mas sentia falta de ouvir a voz da mãe. Havia tempo que não conversavam
e queria saber como ela estava.
-- Ola mãe! Como está?
-- Ben, não olhe pra tras. Estou do outro lado da rua. Ha um carro verde seguindo
voce...
-- Ah não mãe, isso de novo não. Não ha carro nenhum me seguindo e...
Benjamin parou de falar quando olhou para tras e viu a grande caminhonete
estacionando na esquina. Lembrou entao de seu aniversario de 28 anos, quando a mãe o
avisou de um homem careca que o seguia em um camaro vermelho. Na ocasiao, não
vira mais o homem depois que a mãe tivera uma conversa de perto com ele. Chegou a
pensar que o homem pudesse ser seu pai, mas descartou a ideia quando a mãe mostrou
uma foto do homem, tirada com o celular, dizendo para ele tomar cuidado com aquele
tipo. Mesmo de longe, Benjamim reconheceu a careca e o nariz adunco do homem,
corcoveando por cima do volante do carro.
-- Já o vi mãe. Fique tranquila. Vou entrar no predio e sair pela garagem. Volte pela rua
e me espere no bar da esquina.

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Desligou o telefone e não acreditou no que falara a mãe. Sempre lutou contra as
psicoses dela e as teorias conspiratorias, que o levaram a quase enlouquecer e a fugir da
mãe em diversas oportunidades, e agora dera vazao as loucuras dela. Mas, o receio de
ela estar certa o assustou um pouco. Era muita coincidencia um homem que não viam a
mais de cinco anos, aparecer em sua rua justamente no mesmo dia que sua mãe. Ou
entao o homem estava La por outro motivo e a mãe o havia seguido. O unico meio de
descobrir era encontrando a mãe e perguntando a ela.
Mal entrou em casa, jogou a sacola do sapato novo em cima do sofa e saiu pela escada
de incendio. Desceu ate a altura da garagem e acionou a porta automatica. Benjamim
levou um susto enorme.
-- Pelo amor de D'us mãe, não lhe disse para esperar no bar?
-- Achei arriscado, desci a rua e voltei me esgueirando pelo muro. Não queria arriscar
que aquele homem nos visse. Estava te esperando chegar, quando vi de longe ele vindo.
Eu havia ido tomar um cafe na delicatessen da outra rua e o infeliz passou por mim.
Quando o reconheci, segui-o de longe e vi que ele te seguia. Oh meu filho! Ele não se
aproximou de vc? Não lhe fez nada?
Pronto. Depois de bancar a espiã, ela voltava a ser a velha Sra Yakoov, preocupada e
super protetora.
-- Não mãe, nem tinha percebido ele, ate a sra me ligar e eu olhar para tras. Bom, vamos
sair daqui. Deste angulo do predio eh impossivel que ele nos veja saindo. Se ele esta me
seguindo, vai continuar achando que estou no meu apartamento. Vamos para o bar da
esquina. Lá conversaremos melhor, e assim que ele for embora, voltaremos a minha
casa...
Ben foi interrompido pela mãe, que segurou seu braco e olhou com carinho como se ele
fosse uma crianca de 7 anos de novo. Sempre que ela fazia isso, Ben ficava sem ação.
-- Ele não irá embora meu filho, pelo menos não até tentar o que não conseguiu a 7 anos
atras.
Agora Benjamin ficara preocupado. O que aquele homem podia querer com eles? O que
a mãe queria dizer com aquilo? E o mais importante, quem era aquele homem que a
assustava de um jeito que ele nunca vira? Enquanto se preparava para perguntar isso à
mãe, sentiu a agulha entrar em seu pescoco. Um ardor se fez presente e comecou a
desfalecer. Virou para tras e viu os dois homens que se prontificavam a segura-lo.
-- Foi pro seu bem meu filho. Quando acordar, estara em seguranca.
A voz de sua mãe parecia longe, como se estivessem em espacos diferentes. Quando
comecou a perder totalmente a consciencia, sentiu seu corpo repousar num monte de
roupas jogadas no chao da van branca onde entraram. Benjamin dormiu.
-- Para onde, Sra Yakoov?
-- Para o necroterio, Morgan. Temos que trocar de carro para não levantar suspeitas.
A van saiu entao da entrada do predio. O letreiro ao lado dela dizia: Lanvanderia Yang
Tuc, mas a ultima coisa para a qual ela servia era para levar roupas sujas. Tomaram a
esquerda e seguiram seu caminho, se misturando ao transito noturno de NY.

Enquando os Yakoov fugiam, O'malley acendia outro cigarro, acreditando que ficaria
mais uma noite a espreita do garoto, tendo que dormir na caminhonete, mas alerta caso
o garoto saisse. "Mais uma noite sem graca a base de pizza e cigarros", pensou enquanto
jogava a fumaca pela janela. Mal sonhava ele que o caminhao da lavanderia que cruzou
a rua carregava seu "pacote" e o faria ouvir pela primeira vez a voz do "chefe". E isso
não era nada bom.

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O dia amanheceu e Harrison Stanten levantou como se fosse o ultimo dia de sua vida.
Estava terminando seu estudo sobre arqueologia bíblica e iria sair direto da formatura
para a America. Queria conhecer NY e passar uns dias descansando dos livros e da
poeira da biblioteca da faculdade. Harrison era um jovem magro, com cabelos castanhos
cortados de uma forma que pareciam ter usado uma tijela. Usava oculos de aros grossos,
e, segundo os colegas de sua classe, com graus abaixo do que precisava o que fazia com
que se aproximasse mais ainda dos livros quando os estivesse lendo. Era o grande CDF
da classe, mas não era hostilizado pelos colegas, tendo em vista ser considerado uma
sumidade em arqueologia biblica, hebraico antigo e historia do oriente medio no
periodo biblico. Ainda, segundo os colegas de quarto, conhecia tambem muito dos
costumes da epoca e não raro fazia inflamados discursos sobre a Torah, explicando que
as pessoas desconheciam as verdades contidas nela. Falava sobre cabala e a criacao do
mundo como quem conversa sobre fatos que vivenciou. Muitos o achavam estranho.
Outros o admiravam.
Harrison arrumou seus papeis, deu uma ultima olhada e releu o titulo: Nephelins:
origens e influencia no mundo. Em dois dias, estaria em Nova York.

O numero no identificador de chamadas não era normal. Nunca recebera ligações do


“chefe”. No máximo as cartas que pareciam se materializar debaixo da porta da
cobertura onde morava. Agora o telefone tocava. O que aquilo significava? Que razão
levaria o homem que a 10 anos não lhe dirigiu uma palavra a lhe ligar nesse momento?
Atendeu ao telefone com receio, como um filho que tem medo da ira do pai.
- Não meu senhor. Não vi nada.
A voz gutural do outro lado da linha fez com que sua espinha se arrepiasse. Uma
sensação que ele só sentira quando ameaçado por armas de grosso calibre ou por um
marido mais “parrudo”, cuja esposa o denunciara pelos roubos e resolvia fazer justiça
com as próprias mãos.
- Fiquei de olho o tempo todo. Vi quando ele entrou no prédio e não saiu mais. – A voz
do “chefe” agora estava mais forte. – Não, meu Senhor, Juro que ela não estava lá.
Olhei por toda a rua antes de chegar.
A ameaça de ter seu pescoço quebrado, como os dos que o antecederam, o assustou
ainda mais. Sabia que o “chefe” deveria ser alguém muito poderoso, tendo em vista o
aparato do qual dispunha e que com certeza aquela ameaça não era blefe. Arrancou com
o carro para o local indicado pelo chefe, sem nem se preocupar com sinais vermelhos ou
pedestres da madrugada.
No caminho pensou em tudo que aconteceu desde que o “chefe” o recrutou. Nunca
entendera a fixação de alguém que devia ser extremamente rico num rapazola tão
estúpido que mal se mantinha financeiramente. Chegou a pensar que o velho fosse
algum pederasta nojento que tinha interesses escusos pelo rapaz, mas no dia em que
pensou nisso, sofreu um acidente sem explicação que o deixou sem uma das orelhas.
Praga do velho? O carro com certeza deveria ter algum tipo de escuta e como Juarez
Lopez conversava sozinho, deveria ter “pensado alto” sua opinião. Juarez acreditava
piamente nos ensinamentos de sua avuela, uma bruxa porto-riquenha que tentara o
encaminhar nos caminhos do misticismo, de que as “pragas” tem efeito. Mas o jovem
Juarez se interessou mais pela vida fácil de efetuar pequenos furtos e ter com o que
bancar pequenos passeios com as moças do bairro, do que aprender as “mandingas e
bruxedos da velha”.
Cruzou ruas como um doido. Pensou nas multas que receberia, mas sempre lembrando
que nunca precisou se preocupar com elas. Quando terminasse a semana, os carro seria
levado e outro apareceria na porta do prédio. Chegou a um condomínio afastado do

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centro, rodeado por prédios em fase de demolição. A Van branca da lavanderia estava
parada ao lado de um dos prédios, onde se lia na fachada: Necrotério Municipal. Era o
antigo necrotério, onde durantes anos, bem ao lado, funcionava uma das maiores
funerárias da cidade. Juarez aproximou-se da van. O Chefe já o avisara que não
encontraria ninguém e que deveria apenas buscar informações que os indicasse o
possível paradeiro do “pacote”. Era estranho para ele ver o chefe se referir ao rapaz
como “pacote”, já que demonstrava tanta preocupação com o mesmo. Mas, como
sempre era lembrado, não estava ali para pensar, mas sim para executar.
A porta do antigo necrotério se abriu com facilidade, como se Juarez estivesse sendo
esperado. Algumas mesas vazias e muita poeira. Era apenas isso que Juarez via. Ficou
tateando a parede, buscando não sabia o que. Há alguns anos, quando tentou se
aproximar de Benjamin e fora impedido pela mãe deste, o chefe o levou a um
estabelecimento que a primeira vista seria uma inocente farmácia abandonada, mas
quando a mando do chefe, Juarez entrou no prédio, tateando as paredes achou passagens
secretas que o levaram a longos corredores e esses desembocaram em quartos
subterrâneos com aparatos modernos de fazer inveja aos laboratórios da Microsoft.
Agora Juarez buscava o mesmo, na esperança de que alguma pista os levasse a nova
cidade onde seus perseguidos iriam se estabelecer. Já estava pensando para onde eles
iriam agora, após fugirem de Chicago, New Hampshire, Los Angeles e Nova Orleans e
se re-estabelecerem em Nova York. Dessa vez, Juarez Lopez sabia que se não os
encontrasse nas duas semanas ditas pelo Chefe, deixaria de ser Juarez Lopez para ser
um corpo seguindo o rio Hudson, sem rosto e sem rumo.
Benjamim acordou atordoado. A impressão que tinha era de que fora atacado por uma
manada de búfalos perdidos. Sua boca estava levemente dormente e sentia gosto de
sangue. Achou que tivesse sido nocauteado por alguém, mas após uma leve olhada pelo
ambiente, percebeu que deveria ter batido a boca na madeira que o “vestia”. Entrou em
desespero e começou a se debater, quando a porta do caixão onde estava se abriu. De
um salto, Benjamin Yakoov pulou no pescoço do enfermeiro que abriu a porta do
caixão, sufocando o homem forte que julgava ser seu algoz.
- Onde está minha mãe? O que fizeram com ela?.
Bem não se deu conta de inicio, que sua própria mãe estava envolvida naquilo e que
fora ela quem buscara acalma-lo quando ainda estavam na porta de seu prédio e sentiu a
picado no pescoço.
Sem exprimir muita força, o homem que bem acreditava estar sufocando o repeliu como
quem lança uma criança a parede. Benjamim lembrou agora por que o gosto de sangue e
a dormência em sua boca. Havia acordado algumas horas antes e feito a mesma coisa
que agora, só que o outro “enfermeiro” que o segurou não fora tão sutil ao se livrar do
garoto.
- Está bem, Chaim. Não é preciso medicá-lo novamente. Eu assumo daqui.
A voz do velho que entrava altivo na sala não era estranha para Benjamim. Sentiu uma
paz quando ouviu aquela voz, como se já a tivesse ouvido em outros momentos de sua
vida. O velho se aproximou e tocou seu rosto. Ben estava cansado demais da luta como
enfermeiro para o impedir e mesmo que conseguisse, não o queria. Era como se aquela
pessoa estivesse todo o tempo ao seu lado e sua presença ali era protetora demais para
se afastar das mãos enrugadas do velho.
- Ben, meu jovem Ben. Quantas saudades senti de tocar seu rosto.
A voz do velho era terna e carinhosa, como a de um avo com um neto recém nascido.
Benjamim observou as vestes do velho. Um terno bem cortado, camisa de linho branca
e botas de cano médio. Na mão que tocara o rosto de Benjamim uns instantes antes, um

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grande anel de ouro com uma estrela de david no centro, idêntica a estrela que Banjamin
carregava tatuada em seu peito.
- Quem é você? Por que estou aqui? O que fizeram com minha mãe? E por que me
drogaram.
Benjamin disparou suas perguntas como uma metraladora. Nem se deu conta do que
perguntava, apenas a ânsia de respostas o consumia nesse momento.
O velho soltou um gargalhada quase debochada.
- vejo que não renegas aos seus. És igual a sua mãe quando tinha seus 20 anos.
Pelas palavras do velho, benjamin viu que ele conhecia bem sua mãe. Benjamim
nascera quando a mãe tinha pouco mais de 30 anos e não sabia muito da vida dela antes
disso, a não ser que veio fugida para a América, buscando uma nova vida. Quando
chegou, fora acolhida por Julianne, que se tornou sua amiga e uma tia postiça para
Benjamin. Tempos depois soubera da morte do Pai e recebera uma pequena herança: um
apartamento na 5ª avenida, com as despesas pagas por uma associação criada por seu
pai e que deveria ser o refugio do neto.
- Como conhece minha mãe. Quem são vocês? Nesse instante entraram na sala 11
homens, vestidos igualmente ao velho e rodearam Benjamin. Cada um olhando-o como
se fosse um filho perdido que a muito não viam. Estranhamente Benjamin se sentia
próximo deles, como se fossem de sua família. Benjamin tentou levantar-se, mas foi
contido por uma forte dor de cabeça, resquícios dos calmantes que lhe ministraram, e
caiu da cama onde estava.
- Segurem ele, rápido. Ponham-no de volta a cama.
As ordens do velho eram obedecidas imediatamente pelo grupo, que colocou Benjamin
de volta a cama e o cobriram.
- Ben, durma mais uma pouco. Em breve saberás quem somos e por que estás aqui. Sua
mãe está bem, descansando no quarto dela, como antigamente. Você está em Israel.
Mais tarde conversaremos. D’us te abençoe.
A voz do velho se perdeu. Benjamin começou a dormir quase que instantaneamente,
nem conseguiu pensar em por que o velho falára que sua mãe dormia em “seu quarto”,
sendo que estavam em Israel e não no Queens. Sonhou novamente que era como um
anjo e caia com as asas queimando.

Juarez ligou para o chefe por volta da meia noite. Sentia calafrios quando falava com o
chefe nessa hora. A voz dele, gutural, nessa hora parecia ainda mais forte e assustadora.
-- Chefe, consegui uma informacao. Eles embarcaram hoje para Israel.
A fungada no outro lado da linha arrepiou todo o corpo de O'Malley.
-- desculpe chefe, eu não queria perder o rastro desta vez, mas...
A ligacao foi desligada derepente. Em questao de segundos, recebeu uma mensagem
indicando o horario em que seu vôo sairia para Tel Aviv. Tinha duas horas para chegar
ao aeroporto. Juarez começou a odiar aquele trabalho. Sabia que indo a Israel perderia o
jogo dos Jets e a noite com Melinda, a empregada que o chefe mandara para "servi-lo
em todas as ocasioes". Seguiu a seu apartamento, fez uma pequena mala e seguiu rumo
ao aeroporto. Um jatinho particular o estava esperando. O piloto mal olhou para ele.
Tomou um wiskey e pousou a cabeca no encosto do banco, pensando em como ele faria
para encontrar Benjamim Yakoov no meio de Israel. Adormeceu e sonhou com uma
casa de pedra numa colina. Benjamim aparecia na janela, com sangue indicando um
caminho por onde Juarez seguiria. Acordou sobressaltado. O sonho parecia muito real.
Afastou a gola da camisa, tentando respirar. Aquilo parecia um sinal, algo que nunca
vira, nem sentira antes. Quando olhou para baixo, na pequena mesa de mogno do aviao,
um mapa de Jerusalem, com alguns pontos marcados em vermelho, estava aberto a sua

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frente, como se alguem o estivesse vendo naquele momento. Nem pensou em perguntar
ao piloto se alguem o pusera ali, pois estavam apenas os dois no jatinho. Sentiu um
arrepio novamente quando uma mao tocou seu ombro.

Capitulo 2

Benjamin acordou novamente, mas agora estava sozinho no quarto. Olhou para os
lados, buscando suas roupas. Não achou. Levantou-se e abriu um pequeno armário que
estava no canto do quarto. Um bilhete, grudado num terno preto, igual ao do velho,
dizia para vesti-lo e descer a sala quando se sentisse bem. Benjamin pegou o terno e
colocou sobre a cama. Era exatamente seu numero. Um par de botas, idêntico ao que
havia ganhado na loja de sapatos, estava no chão, bem lustrado. Benjamin olhou pela
porta entreaberta que havia no lado oposto do quarto e avistou o banheiro. “Um bom
banho me faria bem”. Estranhamente não estava preocupado com onde estava. Só se
deu conta disso quando pousou o corpo na banheira com água quente, que dava para
uma janela de onde podia ver um caminho de pedras, ladeado por cercas vivas muito
verdes e bonitas. Pela primeira vez, Benjamin descansou de verdade. Saiu da banheiro,
e enquanto se secava lembrou da Mãe e do que o velho havia dito. Vestiu-se rápido e
saiu procurando a tal sala. A Casa era um verdadeiro labirinto. Benjamin segui um
corredor de pedras, que pareciam bem antigas. Por onde passava haviam portas. Contou
dezessete até chegar a beira da escada. A casa devia ser enorme. Será que pertencia ao
velho? Será que teria alguma coisa a ver com a associação que mantinha seu
apartamento em Nova York? Onde estaria sua mãe? E afinal de contas, quem era aquele
velho que parecia conhecer tão bem sua mãe e a ele? Respostas não tardariam a chegar,
e, com certeza, mudar a vida de Benjamin.

Juarez deu um pulo da cadeira quando viu o “recrutador” ao seu lado.


- Pelo diabo! Como entrou aqui? Onde estava que não o vi? Você quase me matou.
- Calma rapaz! Senta ai e fica quieto.
Juarez nem precisou sentar. Uma força que desconhecia o levou direto a cadeira do
avião.
- Estou aqui para supervisionar você. Nosso contratante não quer mais erros. Se não
tiver sucesso dessa vez, perderemos outra chance de voltar.
Voltar a que? Do que ele estava falando? Juarez queria entender aquela conversa, mas
nada fazia sentido. Sentiu-se bem em ter companhia naquela empreitada, pois sempre se
dava mal sozinho, como costumava dizer. Mas sentiu-se humilhado pelo chefe mandar
“uma babá” para ele. Bom, agora caso algo desse errado, teria alguém para dividir a
culpa.
O jato desceu às 23 horas em Haifa. O Recrutador desceu na frente. Pela primeira vez,
Juarez notou que ele não parecia comum. Seu corpo era maior do que o de um homem
comum, o que seria normal para halterofilistas, mas Juarez sabia que seu “amigo” não
era chegado a esses esportes. O que o intrigou mais ainda, era que eles se conheciam a
mais ou menos uns 12 anos, mas, enquanto ele perdeu cabelos e ganhou peso, o amigo
continuava com a mesma aparência, jovem e forte.
- Você deve ter gasto uma fortuna em plásticas, ein?
O recrutador parou de caminhar e virou o rosto para trás, sem mover o resto do corpo.
Pela primeira vez, Juarez olhou nos olhos dele e viu algo que o deixou petrificado. Os
olhos mudavam de cor, passando de um azul radiante, a um vermelho sangue. De

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repente sentiu uma dor esfuziante tomando seu abdômen, como se estivesse sendo
rasgado por dentro. Caiu no chão, lutando para não rasgar o próprio ventre com as
mãos. O Recrutador parou então de olhar e a dor cessou. “Meu Deus, onde me meti?
Quem é essa gente?”.
- Não chame a D’us em vão Juarez. Nós somos quem somos. Apenas isso.
Juarez ficou estarrecido. Tinha certeza que não havia pensado alto. Como ele poderia
saber o que Juarez pensava? Sem pensar em mais nada, levantou-se, sacudindo sua
roupa e seguiu o recrutador, com medo de dizer qualquer vírgula. Era arriscado demais.

Benjamin chegou ao fim da escada e viu um corredor que desembocava numa grande
sala escura. Contou mais seis portas. Uma delas se abriu, e dela saiu um dos velhos que
o haviam visitado horas antes. Vestido como um sacerdote ou coisa do tipo, Benjamin
percebeu que ele o olhava do mesmo jeito que o velho olhou no quarto. Uma sensação
boa passou pela mente dele, como se aquele olhar fosse de um parente de quem sentia
muita saudade. O homem seguiu em frente, até uma das portas. Parou e fez um sinal
para Benjamim continuar até a sala maior. Quando parou para olhar um quadro na
parede, viu que o velho sumiu porta adentro. Benjamim se assustou. No quadro,
Benjamin era retratado como um guerreiro, com uma armadura do século VIII. Aquilo
estava cada vez mais estranho. Como conseguiram usar ele como modelo para aquele
quadro? Benjamin não precisou esperar por resposta.
- Esse era um de seus antepassados Ben. Você herdou o nome dele por escolha de seu
avô.
- Mãe! Como você está? Te fizeram algum mal? Benjamin não conseguiu pensar em
mais nada, apenas na saúde da mãe. Mas ela parecia bem, muito bem até. Vestia uma
roupa cara. Calças de seda, com uma blusa do mesmo tecido e um longo casaco de pele,
que Ben identificou como sendo de cordeiro, pois conhecia a lã.
- Eu estou bem meu filho. Maravilhosamente bem. Não poderia estar diferente, estando
em casa.
- Como assim em casa? Não estamos em Israel? Em Jerusalém? O que está
acontecendo? Quem é essa gente? O que querem conosco.
- Calma, Calma! Estamos bem. Aqui é nossa casa, nossa primeira casa. E essa gente,
meu filho, é sua família.
Benjamim sentiu uma vertigem. Achou que era efeito ainda dos tranqüilizantes, mas viu
que era sua pressão baixando. Como poderia ter família, se sempre soube que na vida
eram somente ele e sua mãe. Se tinham parentes, ela devia ter lhe contado antes.
- Vamos para a sala, quero que conheça uma pessoa que o ama muito.
Benjamin seguiu a mãe instintivamente, como quando era criança e ela o mandava
nunca sair do lado dela. Entrou na grande sala e viu uma mesa enorme, onde na ponta
estavam sentados o velho e dois homens mais novos, todos de ternos iguais aos de Ben.
Quando se aproximaram, o velho se levantou e fez um sinal para que os homens
saíssem. Ben olhou em sua volta e viu que a sala era muito bem decorada, com diversos
quadros, entre eles, dois que chamaram sua atenção. Um era de sua mãe, com uns 17
anos, sentada num banco que parecia de ouro, num campo verde e a outra, era do Velho,
com uma criança no colo. Em todos os quadros, ele notou uma estrela de Davi, seja nas
roupas dos homens, ou nos móveis retratados nos mesmos. A sala tinha diversos
aparadores, onde pousavam fotos e pequenas Menorás, com velas novas em todas elas.
- Benjamin, filho meu. Que bom ver que está bem. Sente-se aqui. Temos muito que
conversar.
Benjamin sentou numa das cadeiras da grande mesa, uma cadeira de espaldar alto que
era muito confortável. O Velho se levantou e olhou bem em seus olhos.

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- Ben, rezei a nosso D’us todos os dias, pedindo que eu pudesse te ver novamente antes
que meu dia chegasse. Não queria que fosse ao meio dessa guerra, mas se era para ser
assim, assim o foi. Sempre me lembrei de você, tanto quanto levantava, quando ia
dormir, e sempre derramei lágrimas de saudade nesses momentos. Fiz de tudo para que
ficasses bem, e vejo que consegui até aqui.
- Quem é você? Por que não me lembro de nada do que está falando?
- Querido, não interrompa, deixe-o explicar. Logo entenderá tudo isso. A voz de sua
mãe estava terna, como quando ele era criança e ela falava do pai e de sua vida na
Inglaterra.
- Deixe querida. Ele é igual a você. Quer saber de tudo e se antecipar. Bom, primeiro
vou te contar algumas coisas para saberes como chegamos aqui. Quando sua mãe era
adolescente, temendo pela segurança dela, decidimos que ela deveria ir para os Estados
Unidos, onde nossos amigos poderiam cuidar dela e mantê-la em segurança. Apesar da
saudade, concordei com isso. Lá sua mãe foi trabalhar em uma de nossas fábricas. Para
garantir sua segurança, mandamos nossa querida Julianne para acompanhá-la. As coisas
iam bem, até que ela teve que voltar por problemas com o visto dela. Alguém cometeu
um engano e forneceram um visto de turista a ela, fazendo voltar a Haifa, onde ela
acabou conhecendo seu Pai. Conseguimos afasta-la dele e a mandamos de volta a Nova
York. Um mês depois, Julianne ligou dizendo que sua mãe estava grávida. Apesar da
felicidade que sentimos, sabíamos que daí por diante, nenhum lugar seria seguro para
vocês e...
- Pêra ai, que história maluca é essa? Como assim minha mãe voltou pra Haifa? Minha
mãe é inglesa e ela disse que meu pai era um desconhecido..
- Benjamin Yakoov. Que modos são esses? Não interrompa mais.
- Mas mãe. Que maluquice é essa? Pra onde você me trouxe? Um hospício?
- Benjamin, escute sua mãe. Channa sabe o que está dizendo.
- Channa? Minha mãe se chama Jeannette. De onde surgiu esse louco?
A gargalhada do velho ecoou na grande sala. Seus olhos brilhararam e Benjamin notou
algo de familiar. Ele próprio tinha esse mesmo jeito de rir quando se sentia muito feliz.
- Benjamin, meu jovem e lindo Benjamin. Jeannete foi o nome que ela escolheu quando
foi morar nos estados unidos. O nome dela é Channa, igual ao de sua avó. E eu sei disso
por que fui eu mesmo quem o escolheu. Assim como escolhi o seu. Beniamim, ou
Benjamim quando você foi para os Estados Unidos. Você não nasceu no Brookilin Ben.
Você nasceu aqui, em Jerusalém. Assim como eu e sua mãe. E eu sei muito bem disso,
por que, Beniamim Itzak Yakoov, eu sou seu avô.
Ben caiu da cadeira, e perdeu os sentidos quando bateu a cabeça no aparador atrás da
cadeira. Mas antes teve tempo de ouvir o nome do velho. Itzak Abraaham.

Harrison Stanten chegou a Nova York duas horas antes do combinado. Conseguiu trocar
o horário de seu vôo por um mais barato, mas que chegava antes. Estava ansioso para
visitar a Beit Yakov e ter acesso a velhos escritos que um amigo seu ficou de lhe
mostrar. Segundo esse amigo, um rabino de Nova York que partilhava dos interesses de
Harrison, esses escritos iriam abrir novos horizontes a ele. Alguma coisa dizia que era
justamente o que faltava a ele. Pegou um táxi e se dirigiu ao Brookilin. No caminho,
observou as ruas por onde passavam e se imaginou morando ali, num mundo totalmente
diferente do seu. Chegaram ao seu destino e Harrison desceu do táxi, pagou ao
motorista e se dirigiu a porta. Tocou a campanhia e alguns segundos depois uma
senhora gorda abriu a porta.
- Moshé Bernstein se encontra?

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Uma reverencia dela e ele seguiu em frente e um pequeno escritório, onde Moshé estava
debruçado em um manuscrito muito antigo. Sem levantar o rosto, fez um sinal para que
Harrison esperasse. Devia estar no meio de uma tradução muito importante, para não
parar e cumprimentar o amigo. Cinco minutos depois, Moshé levantou a cabeça, retirou
os óculos e viu quem estava a sua frente.
- Meu Jovem amigo Inglês. Não o esperava tão cedo. Como foi a viagem?
- Ótima, muito boa. Não consegui esperar. Resolvi vir antes. Consegui um vôo mais
cedo.
- Trouxe seus manuscritos? Quero vê-los o quanto antes. Tenho informações que podem
complementar seu trabalho, se ele for o que estou pensando.
- Que ótimo. Vamos vê-lo agora mesmo.
- Calma, Calma! Em menos de meia hora começa o Shabbat. Você ficará comigo e
amanha ao fim do dia começamos. Enquanto isso, você vai participar comigo do
Shabbat.
Harrison deixou seus pertences no quarto que foi destinado a ele e ficou maravilhado
com a quantidade de livros que tinha lá. Exemplares da Torah e do Talmud. Livros de
Hebraico antigo e um exemplar do Zohar. Estava se sentindo em casa.
No final do Shabbat, Moshé o levou até uma enorme biblioteca, onde se sentaram na
primeira mesa e Harisson começou a falar.
- Moshé, esses são meus manuscritos. O trabalho de minha vida nos últimos dez anos.
Pesquisei sobre os Nephilins, em escritos Egípcios e Árabes, em livros que encontrei em
bibliotecas pelo mundo e nos manuscritos que você me mandou a uns anos atrás. Está
tudo ai. Quero que leia e me diga se falta algo.
Moshé pegou seus óculos e se debruçou sobre os textos. Eram mais de mil páginas,
onde Harrison havia descrito tudo o que descobriu. Moshé, sem ter lido o texto, sabia
em seu intimo que faltava algo ali. Algo que ele havia descoberto e mudaria para
sempre a história.

Benjamin acordou numa espécie de enfermaria. Sua mãe estava ao seu lado. E seu
recém-conhecido avô sentado numa cadeira aos pés da cama.
- Dormiu bem meu jovem?
A voz do avô, terna como sempre, acalmava Ben, de uma forma que ele não conseguia
descrever.
- Não podemos considerar isso de dormir Papai. Ele machucou bastante a cabeça na
ponta daquele aparador. Ainda bem que não foi nada profundo. Como você esta se
sentindo meu filho?
Benjamin segurou a mão da mãe e se levantou da cama. Olhando fixamente para seu
avô, sentou-se na cadeira ao lado da maca e começou a falar.
- Preciso que alguém me explique o que está acontecendo aqui, e preciso disso urgente.
Minha cabeça está fora do lugar...
- Calma meu filho, vou pedir que o examinem novamente e assim que a enfermeira te
liberar voltamos a nossa conversa.
A enfermeira liberou Ben, com recomendações de não dormir nas próximas 12 horas,
pois estava com um pequeno inchaço na nuca. O Avô levou Ben até a sala de reuniões
novamente, tomando cuidado dessa vez para sentarem nos sofás após a mesa.
- Melhor sentarmos aqui, é mais confortável e seguro.
- Bom, melhor mesmo. Se eu tiver mais alguma noticia impactante, capaz de cair morto
aqui.
O velho riu escancaradamente. Ele sabia que as coisas que tinha para contar ao jovem
iriam mexer definitivamente com sua vida, mas não a ponto de matá-lo.

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- Bem, não sejamos dramáticos, mas realmente você terá muitas surpresas meu jovem.
Primeiro quero que saiba quem és. Depois, o que tens. Quanto ao resto, irás descobrir
aos poucos. D’us sabe que eu não queria que você voltasse para os Estados Unidos
quando tua mãe te trouxe para que eu o conhecesse.

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