Poder Politico Heranca Familiar

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DORI A, Francisco Antonio.

Com a colaboração de Carlos Barata, Jorge Ricardo Fonseca, Ricardo


Teles Araújo e Gilson Nazareth. Prefácio de Joel Rufino dos Santos. Os herdeiros do poder. 2a
ed. revista e ampliada, Rio de Janeiro, Revan, 1995.

PODER POLÍTICO E HERANÇA FAMILIAR


Ricardo Costa de Oliveira
Universidade Federal do Paraná

Numa época marcada pela ofensiva conservadora contra as utopias sociais, quando “o fim da história” já
foi definitivamente proclamado com a vitória incontestável do status quo, surgem novos estudos centrados
nos grupos dominantes, nos seus mecanismos de poder e de dominação. A questão é: como tão poucos
conseguem dominar tantos durante tanto tempo? O mais recente exemplo dessa vertente é o estudo de Michel
Pinçon e Monique Pinçon-Charlot (1996) sobre as grandes fortunas da França, envolvendo não apenas o
aspecto econômico da reprodução das formas de riqueza, mas também a trajetória histórica das redes familiares
e seus ambientes sociais, culturais e políticos. Trabalhos semelhantes já existem desde o século passado,
como o clássico dos ingleses John Langton Sanford e Meredith Towsend (1865), no qual a sucessão de
gerações no controle do poder e da riqueza na Inglaterra foi estabelecida através de um longo e minucioso
estudo empírico.

Portanto, pode-se dizer que quando se investiga a classe dominante, se estuda também a continuidade e a
história do poder de poucos grupos familiares. As pesquisas atuais cada vez mais exigem um paradigma de
longa duração. Existe um crescente interesse por estudos centrados na nobreza européia e no seu papel
relacionado com a formação da modernidade. A recente coletânea organizada por H. M. Scott (1995) é um
exemplo disso. Além do mais, o papel da nobreza na determinação das formas do Estado, da cultura e da
economia já foi apontado no importante livro de Arno Mayer (1990).

Em Os herdeiros do poder, Francisco Doria e seus colaboradores seguem de perto essa preocupação
internacional. Através de um método tradicional e conservador de investigação, as genealogias, o autor
realiza uma série de análises de sociologia política histórica, procurando estudar a formação da classe dominante
brasileira desde o período colonial, com o objetivo de entender o seu posterior comportamento político.

Assim, do Condado Portucalense até o século XVI e a República do Brasil, acompanha-se a sucessão de
gerações da classe dominante. A hipótese do trabalho indica a forma pela qual se pensa a via de reprodução
do poder político: “As relações de classe e de dominação que existem no Portugal dos Avizes são passadas à
Colônia e refeitas no Brasil por essa gente, gente ligada sobretudo pelo sangue, embora à distância, ao núcleo
de poder em Portugal” (DORIA, 1995: 40). Trata-se, conforme somos informados, de um grupo fechado,
excludente e privilegiado. De 1500 a 1750 calcula-se que cerca de 250 grupos familiares formarão a elite
colonial nordestina da Bahia, Pernambuco, Ilhéus, sendo quase 50 troncos e ramos colaterais ou bastardos de
famílias da alta elite portuguesa. Através desses agentes sociais, poderosos senhores de engenho, grandes
titulares de cargos públicos, altos funcionários da burocracia e prósperos comerciantes, estruturam-se as
instituições políticas e as regras de dominação e de exercício do poder sobre o Brasil (DORIA, 1995: 24).
Um notável exem plo de continuidade histórica na descendência do poder nos é dado por Doria.
Considerando-se os 34 titulares efetivados na Presidência da República, 9 possuíam raízes na nobreza européia
e 15 eram ligados a famílias da oligarquia agrária, com ascendentes conhecidos desde o período colonial: “A
estrutura oligárquica do Brasil entra pelo século XX a dentro. Floriano Peixoto, alagoano, filho de senhor de
engenho, é parente dos Acciolis da Vila das Alagoas; Prudente de Morais, Campos Sales e Hermes da Fonseca,
descendem os três de um casal quinhentista de S. Vicente, Braz Teves e Leonor Leme, assim como a mulher
de Washington Luiz, da família dos barões e marqueses de Itu. Delfim Moreira e claro, Prudente, são primos
pelo lado dos Antas Moraes de S. Paulo. Afonso Pena vinha de uma família de fidalgotes rurais de Portugal,
a família dos barões de Ribeira de Pena; Epítácio Pessoa era sobrinho do Barão de Lucena, e, portanto,
herdeiro dos Bandeiras de Melo, Lucenas e Azevedos de Pernambuco, lá radicados (e na Paraíba) desde o
século XVI, e ainda poderosos — pois aparentam- se a Epitácio o senador Humberto Lucena e o ministro do
OS HERDEIROS DO PODER

exército nos governos Itamar e Cardoso, Zenildo Lucena, e mais o primo de ambos, Cícero de Lucena;
sucessões de senhores de engenhos... [...]. Vargas, filho de um estancieiro gaúcho, possuía distantíssimas
raízes paulistas, nos Moraes e em outras famílias. A família de Castelo Branco é uma oligarquia velha do
Piauí, onde seu tronco, Francisco da Cunha de Castelo Branco, fixou-se em começos do século XVIII; era
irmão do primeiro conde de Pombeiros. João Figueiredo provém de militares e burocratas, no século XIX, e
de senhores de terras nordestinos chegando até um dos casais formadores da oligarquia pernambucana,
Cristóvão Lins e Adriana de Holanda. E Fernando Collor, Fernando Afonso Collor de Melo, descendia da
família dos Novos de Lira, que no século XVIII incorporam o nome de Vieiras de Melo de Pernambuco (o
primeiro destes, um certo Fernando Afonso de Melo, bacharelou-se em direito em Olinda numa das primeiras
turmas, em começos dos oitocentos; era filho de um senhor de engenhos em Pernambuco)” (DORIA, 1995:
26).

Após analisar a concentração social e de poder existente no Brasil, Doria levanta considerações sobre o
papel da classe média e sua relação com a democracia. Oferece uma nova perspectiva de análise política ao
apontar para a existência de um clientelismo que soldaria a classe dominante e as classes subalternas, estando
por sua vez as classes médias a exigir novas demandas éticas, morais e democráticas. O lastro da democracia,
conclui o autor, residiria assim no peso decisivo e nas posições políticas explicitamente assumidas pela classe
média.

Em conclusão, o trabalho de Doria e seus colaboradores oferece um manancial de questões e novas


perspectivas para a Ciência Política brasileira, abrindo a necessidade de novas pesquisas a partir da metodologia
proposta: o estudo da genealogia de grandes famílias.

Ricardo Costa de Oliveira é Professor de Ciência Política na Universidade Federal do Paraná.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MAYER, Arno J. (1990). A fo rça da tradição. A persistência do Antigo Regime. Companhia das Letras, São
Paulo.
PINÇON, Michel e PINÇON-CHARLOT, Monique. (1996). Grandes fortunes. Dynasties fam iliales et
form es de richesse en France. Payot, Paris.
SANFORD, John Langton e TOW NSEND, Meredith. (1865). The Great Governing Families o f England. 2
Vols. Blackwood and Sons, Edinburgh and London.
SCOTT, H. M. (org.). (1995). The European Nobilities in the Seventeenth andEighteenth Centuries. Longman,
Singapore.

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