Poder Politico Heranca Familiar
Poder Politico Heranca Familiar
Poder Politico Heranca Familiar
Numa época marcada pela ofensiva conservadora contra as utopias sociais, quando “o fim da história” já
foi definitivamente proclamado com a vitória incontestável do status quo, surgem novos estudos centrados
nos grupos dominantes, nos seus mecanismos de poder e de dominação. A questão é: como tão poucos
conseguem dominar tantos durante tanto tempo? O mais recente exemplo dessa vertente é o estudo de Michel
Pinçon e Monique Pinçon-Charlot (1996) sobre as grandes fortunas da França, envolvendo não apenas o
aspecto econômico da reprodução das formas de riqueza, mas também a trajetória histórica das redes familiares
e seus ambientes sociais, culturais e políticos. Trabalhos semelhantes já existem desde o século passado,
como o clássico dos ingleses John Langton Sanford e Meredith Towsend (1865), no qual a sucessão de
gerações no controle do poder e da riqueza na Inglaterra foi estabelecida através de um longo e minucioso
estudo empírico.
Portanto, pode-se dizer que quando se investiga a classe dominante, se estuda também a continuidade e a
história do poder de poucos grupos familiares. As pesquisas atuais cada vez mais exigem um paradigma de
longa duração. Existe um crescente interesse por estudos centrados na nobreza européia e no seu papel
relacionado com a formação da modernidade. A recente coletânea organizada por H. M. Scott (1995) é um
exemplo disso. Além do mais, o papel da nobreza na determinação das formas do Estado, da cultura e da
economia já foi apontado no importante livro de Arno Mayer (1990).
Em Os herdeiros do poder, Francisco Doria e seus colaboradores seguem de perto essa preocupação
internacional. Através de um método tradicional e conservador de investigação, as genealogias, o autor
realiza uma série de análises de sociologia política histórica, procurando estudar a formação da classe dominante
brasileira desde o período colonial, com o objetivo de entender o seu posterior comportamento político.
Assim, do Condado Portucalense até o século XVI e a República do Brasil, acompanha-se a sucessão de
gerações da classe dominante. A hipótese do trabalho indica a forma pela qual se pensa a via de reprodução
do poder político: “As relações de classe e de dominação que existem no Portugal dos Avizes são passadas à
Colônia e refeitas no Brasil por essa gente, gente ligada sobretudo pelo sangue, embora à distância, ao núcleo
de poder em Portugal” (DORIA, 1995: 40). Trata-se, conforme somos informados, de um grupo fechado,
excludente e privilegiado. De 1500 a 1750 calcula-se que cerca de 250 grupos familiares formarão a elite
colonial nordestina da Bahia, Pernambuco, Ilhéus, sendo quase 50 troncos e ramos colaterais ou bastardos de
famílias da alta elite portuguesa. Através desses agentes sociais, poderosos senhores de engenho, grandes
titulares de cargos públicos, altos funcionários da burocracia e prósperos comerciantes, estruturam-se as
instituições políticas e as regras de dominação e de exercício do poder sobre o Brasil (DORIA, 1995: 24).
Um notável exem plo de continuidade histórica na descendência do poder nos é dado por Doria.
Considerando-se os 34 titulares efetivados na Presidência da República, 9 possuíam raízes na nobreza européia
e 15 eram ligados a famílias da oligarquia agrária, com ascendentes conhecidos desde o período colonial: “A
estrutura oligárquica do Brasil entra pelo século XX a dentro. Floriano Peixoto, alagoano, filho de senhor de
engenho, é parente dos Acciolis da Vila das Alagoas; Prudente de Morais, Campos Sales e Hermes da Fonseca,
descendem os três de um casal quinhentista de S. Vicente, Braz Teves e Leonor Leme, assim como a mulher
de Washington Luiz, da família dos barões e marqueses de Itu. Delfim Moreira e claro, Prudente, são primos
pelo lado dos Antas Moraes de S. Paulo. Afonso Pena vinha de uma família de fidalgotes rurais de Portugal,
a família dos barões de Ribeira de Pena; Epítácio Pessoa era sobrinho do Barão de Lucena, e, portanto,
herdeiro dos Bandeiras de Melo, Lucenas e Azevedos de Pernambuco, lá radicados (e na Paraíba) desde o
século XVI, e ainda poderosos — pois aparentam- se a Epitácio o senador Humberto Lucena e o ministro do
OS HERDEIROS DO PODER
exército nos governos Itamar e Cardoso, Zenildo Lucena, e mais o primo de ambos, Cícero de Lucena;
sucessões de senhores de engenhos... [...]. Vargas, filho de um estancieiro gaúcho, possuía distantíssimas
raízes paulistas, nos Moraes e em outras famílias. A família de Castelo Branco é uma oligarquia velha do
Piauí, onde seu tronco, Francisco da Cunha de Castelo Branco, fixou-se em começos do século XVIII; era
irmão do primeiro conde de Pombeiros. João Figueiredo provém de militares e burocratas, no século XIX, e
de senhores de terras nordestinos chegando até um dos casais formadores da oligarquia pernambucana,
Cristóvão Lins e Adriana de Holanda. E Fernando Collor, Fernando Afonso Collor de Melo, descendia da
família dos Novos de Lira, que no século XVIII incorporam o nome de Vieiras de Melo de Pernambuco (o
primeiro destes, um certo Fernando Afonso de Melo, bacharelou-se em direito em Olinda numa das primeiras
turmas, em começos dos oitocentos; era filho de um senhor de engenhos em Pernambuco)” (DORIA, 1995:
26).
Após analisar a concentração social e de poder existente no Brasil, Doria levanta considerações sobre o
papel da classe média e sua relação com a democracia. Oferece uma nova perspectiva de análise política ao
apontar para a existência de um clientelismo que soldaria a classe dominante e as classes subalternas, estando
por sua vez as classes médias a exigir novas demandas éticas, morais e democráticas. O lastro da democracia,
conclui o autor, residiria assim no peso decisivo e nas posições políticas explicitamente assumidas pela classe
média.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MAYER, Arno J. (1990). A fo rça da tradição. A persistência do Antigo Regime. Companhia das Letras, São
Paulo.
PINÇON, Michel e PINÇON-CHARLOT, Monique. (1996). Grandes fortunes. Dynasties fam iliales et
form es de richesse en France. Payot, Paris.
SANFORD, John Langton e TOW NSEND, Meredith. (1865). The Great Governing Families o f England. 2
Vols. Blackwood and Sons, Edinburgh and London.
SCOTT, H. M. (org.). (1995). The European Nobilities in the Seventeenth andEighteenth Centuries. Longman,
Singapore.