A. W. Pink - A Satisfação de Cristo

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A Satisfação de Cristo

Estudos na Expiação

por

Arthur W. Pink

CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO

A morte de Cristo, o Filho de Deus encarnado, é o evento mais notável em toda


história. Sua singularidade foi demonstrada em diversas formas. Séculos antes que
acontecesse, foi predita com uma surpreendente riqueza de detalhes, por aqueles
homens a quem Deus levantou em Israel para guiar os seus pensamentos e
esperanças a uma revelação mais completa e mais gloriosa de Si mesmo. Os profetas
de Jeová descreveram o Messias prometido, não somente como uma pessoa de alta
dignidade e como alguém que executaria milagres abençoados e maravilhosos, mas
também como alguém que deveria ser “desprezado e rejeitado entre os homens”, e
cujas lutas e angústias deveriam ser terminadas por uma morte de vergonha e
violência. Adicionalmente, eles afirmaram que Ele deveria morrer, não somente sob
sentença e execução humanas, mas que “...ao Senhor agradou moê-lo, fazendo
enfermar” [Isaías 53:10], sim, que Jeová clamaria, “Ó espada, desperta-te contra o
Meu Pastor, e contra o homem que é Meu Companheiro, diz o Senhor dos Exércitos.
Fere ao Pastor...” [Zacarias 13:7].

O fenômeno sobrenatural que acompanhou a morte de Cristo distingue-a


claramente de todas outras mortes. O obscurecimento do sol ao meio-dia sem
qualquer causa natural, o terremoto que dividiu rochas ao meio e abriu os túmulos,
e o partir do véu do templo desde o topo até a barra, proclamaram que O que estava
pendurado na Cruz não era nenhum sofredor ordinário.

Da mesma forma, aquilo que seguiu-se à morte de Cristo é digno de nota. Três dias
após o Seu corpo haver sido colocado na tumba de José e o sepulcro haver sido
seguramente selado, Ele, pelo Seu próprio poder [João 2:19; 10:18], quebrou as
amarras da morte e ergueu-Se triunfante do túmulo, e agora vive para todo o
sempre, tendo em Suas mãos as chaves da morte e do hades. Quarenta dias
passados, após ter aparecido vez após vez, em forma tangível perante Seus amigos,
Ele ascendeu ao céu dentre o meio dos Seus discípulos. Dez dias depois, Ele
derramou o Espírito Santo, pelo qual eles foram capacitados a anunciar aos homens
de todas nações em suas respectivas línguas, as maravilhas da Sua morte e
ressurreição.
Como alguém já disse, “O efeito não foi menos surpreendente do que os meios
empregados para alcançá-lo. A atenção de ambos, Judeus e Gentios foi estimulada;
multidões foram persuadidas a reconhecê-Lo como o Filho de Deus, e o Messias; e
uma igreja foi formada a qual, não obstante poderosa oposição e perseguição cruel,
subsiste até a presente hora. A morte de Cristo foi o grande assunto sobre o qual os
apóstolos foram comandados a pregar, embora fosse sabido de antemão que seria
ofensivo a todas classes de homens; e eles na realidade fizeram de tal assunto o
tema escolhido dos seus discursos. “Porque nada me propus” — diz Paulo — “saber
entre vós, senão a Jesus Cristo, e Este crucificado.” [I Coríntios 2:2]. . . No Novo
Testamento, a Sua morte é representada como um evento da maior importância,
como um fato no qual se repousa o Cristianismo, como a única base de esperança
para o culpado, como a única fonte de paz e consolação, como, dentre todos
motivos, o mais poderoso para motivar-nos a mortificar o pecado e nos devotarmos
ao serviço de Deus.” {Dr. John Dick}.

Não somente foi a morte e ressurreição de Cristo o tema central da pregação


apostólica e o tema principal dos seus escritos, mas também é lembrada e celebrada
no céu: o tema dos cânticos dos redimidos em glória é a pessoa e o sangue do
Salvador: “Que com grande voz diziam: Digno é o Cordeiro, que foi morto, de receber
o poder, e riquezas, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e ações de graças.”
[Apocalipse 5:12]. A expiação feita pelo Filho de Deus, é o começo da esperança do
pecador resgatado, e será o tema da sua exaltação, quando ele depositar a sua coroa
perante o trono, entoando o cântico de Moisés e do Cordeiro.” {James Haldane}

Agora, é evidente de todos estes fatos, que existe algo peculiar na morte de Cristo,
alguma coisa que sem margem a erros a separa de todas outras mortes, e portanto a
faz digna da nossa atenção e do nosso estudo mais diligentes, fervorosos e
reverentes. Se nos faz necessário, por tudo o que é sério, solene e salutar, termos
justa e correta concepções da morte de Cristo; pela qual não significa meramente
que devamos saber quando ocorreu, e com que circunstâncias foi acompanhada,
mas que devamos o mais seriamente buscar descobrir qual o propósito de o Salvador
submeter-Se a morrer na Cruz, por que foi que Jeová O afligiu, e o que foi
exatamente conseguido com isso.

Mas ao tentamos abordar assunto tão importante, tão maravilhoso, e todavia tão
indizivelmente solene, lembremos-nos que isso requer um coração pleno de temor,
tanto quanto a percepção da nossa mais absoluta falta de dignidade. Tocar a própria
borda das coisas santas de Deus deveria inspirar temor reverente, mas considerar
os segredos mais profundos do Seu pacto, contemplar os eternos conselhos da
Trindade divina, esforçar-se por adentrar ao significado daquela transação única no
Calvário, a qual foi velada em segredo, requer um grau especial de graça, de temor e
humildade, de ensinamento celestial e a humilde bravura da fé. Nossa esperança
fervorosa é que Aquele que escolheu nulidades {I Coríntios 1:28} para promover a
Sua glória, possa condescender-nos agora uma medida especial da direção do
Espírito Santo, e dignar-Se abençoar este livro não para poucos daqueles a quem
Deus amou com um amor eterno.
O que fez Cristo, de forma a assegurar a salvação de pecadores? Qual o significado
de Sua morte, da qual depende a salvação? A princípio podemos ser claramente
alertados das conseqüências de submeter a questão à razão humana ou de trazer a
sabedoria do mundo ao questionamento. “Porque a palavra da cruz é loucura para
os que perecem; mas para nós, que somos salvos, é o poder de Deus.” [I Co 1:18]. Ao
que o apóstolo acrescentou, “Mas nós pregamos a Cristo crucificado, que é
escândalo para os judeus, e loucura para os gregos. Mas para os que são chamados,
tanto judeus como gregos, lhes pregamos a Cristo, poder de Deus e sabedoria de
Deus.” [vv 23,24]. À vista destes testemunhos, era assunto fácil para as passadas
gerações dos santos, antecipar o que seria o resultado inevitável quando a sabedoria
do mundo, completamente disposta contra o Evangelho que Paulo pregava, fosse
constituída como intérprete daquele Evangelho, ou presumisse acomodá-lo aos seus
princípios mundanos.

Sessenta anos atrás, Sr. James Inglis, escrevendo em “The Waymarks of the
Wilderness” na obra “The Atonement”, disse, “Há uma questão que fundamenta toda
a controvérsia teológica: e à medida em que abordamos a crise, tal questão mais e
mais vem à tona. A questão nisso tudo realmente é: se Deus ou o homem é que deve
ser o supremo; se a glória de Deus ou o suposto interesse do homem é o centro ao
redor do qual tudo o mais deve orbitar; se a vontade de Deus deve ser suprema e
inquestionável, ou se cada expressão da mesma deve ser trazida ao tribunal da
razão humana; e se tudo na teologia, tanto quanto na ética, deve ser julgado por sua
racionalidade e sua aparente utilidade ao homem. Aqueles que clamam serem os
mais avançados teólogos e moralistas, elevam a natureza humana ao posto de
árbitro supremo da verdade e do direito, e buscam aplicar suas máximas favoritas
referentes aos governos terrenos também ao governo Divino: que este somente existe
para o bem — já que todavia eles dificilmente têm a audácia de dizer pelo
consentimento — dos governados.

“Essa questão fundamental da supremacia Divina ou humana sustenta os pontos de


vista adotados pelos homens, da inspiração e da autoridade da Escritura. De um
lado a questão é simplesmente, O que está escrito? Do outro lado é reivindicado um
direito de decidir o que deveria estar escrito — exatamente a presunção que Satã
ensinou aos nossos primeiros pais com relação a o que Deus havia dito. Quando
esse direito reivindicado é exercido, pouco da revelação é deixado intacto. Um dos
primeiros pontos no qual a razão arrogante entra em conflito com o que está escrito,
é a condição natural do homem. Nem precisamos ficar surpresos se isso fosse de
encontro à avaliação Divina do homem caído, e contra a sentença sob a qual ele se
encontra pela natureza de filho da ira, morto em transgressões e pecados, vil,
corrompido, impotente e perdido em si mesmo. É somente o Espírito de Deus que
pode convencer um homem pecador no sentido Bíblico; e enquanto o apelo é para a
razão humana, a visão Bíblica da condição do homem deve ser rejeitada. Embora
não se possa negar que os fatos no caso, sejam na história de um indivíduo ou da
raça humana, mui dolorosamente corroboram a visão Bíblica, e embora as mais
humilhantes descrições da depravação humana na Palavra de Seus pareçam ser
somente história condensada, existe uma facilidade maravilhosa de compensar estas
tristes realidades por uma excelência ideal, e acobertá-las por delineações
apaixonadas das possibilidades do progresso humano. É impressionante o poder do
auto engano e da bajulação de si mesmo, no coração do homem. Os sentimentos
admiráveis que estão elegantemente expressos nos escritos de homens cujas vidas
estavam muito longe de servir-lhes de exemplo, servem para acobertar a depravação
geral e profunda, da época na qual eles viveram. Seus admiradores modernos se
avaliam mais pela admiração desses sentimentos virtuosos, do que pelo que eles
mesmos sabem estar na vida e no caráter. Nunca este poder da auto-ilusão e da
auto lisonja é mais notavelmente ilustrado do que quando adentra à esfera do
Cristianismo, substituindo o Sermão da Montanha pelos discursos de moralistas
pagãos, e avaliando todas as graças do homem renovado, senão as perfeições vivas
do Verbo feito carne, entre as possibilidades de aperfeiçoamento humano. Que o
homem está caído, não pode ser negado; mas somos ensinados que o mal é
acidental, não inerente, e pode ser rastreado à degeneração física, à influência de
um mundo desordenado, de maus exemplos, de educação falha. Enquanto dormente
e não desenvolvida na alma, há nobreza inerente, o princípio de toda excelência, o
qual somente precisa despertado e cultivado, até expandir-se numa perfeição que o
transforme na herança dos santos na luz.

“Tais pontos de vista da condição natural do homem levaram à uma correspondente


modificação da doutrina Bíblica da regeneração , a qual, de acordo com os nossos
teólogos liberais, nada mais é senão o despertar da excelência dormente do homem,
dando novo alvo aos poderes e às afeições mal direcionadas, e é o primeiro passo no
desenvolvimento de sua nobreza inerente. O testemunho da Escritura quanto à
ruína absoluta do homem, e a necessidade de nascer de novo, nos termos
singularmente enfáticos usados com referência tanto a uma como à outra, podem
parecer apresentar objeção insuperável ao esquema de auto-exaltação; mas uma
evasão da objeção já tem sido providenciada, numa teoria de inspiração, que permite
que tudo nas Escrituras que é irreconciliável com sua teologia, seja explicado como
o exagero de entusiastas ou o imaginário de audaciosos profetas do Oriente.

“Em tal sistema de doutrina a missão de Cristo não pode ter lugar, exceto enquanto
provê para este desenvolvimento moral, ou o auxilia. Pois, antes de tudo, na ousada
exaltação do homem, o caráter revelado de Deus é distorcido; Suas perfeições são
submetidas como tributárias ao suposto interesse de Suas criaturas; Sua justiça,
santidade e verdade são convertidas em benevolência; de modo a que não haja
demandas por justiça a serem satisfeitas, nenhuma santidade e verdade a serem
vindicadas, e pecado deva somente ser reconhecido como pecado enquanto possa
interferir com o bem estar da criatura. A humilhação, sofrimento e morte do Filho de
Deus não forneceram senão um espetáculo impressionante, através do qual os
efeitos diabólicos de um perdão incondicional do pecado possam ser evitados, e pelo
qual o coração do pecador possa se enternecer e ser acalmado. A vida e a morte de
Cristo, em resumo, são as influências morais pelas quais a excelência dormente da
alma é desperta, o amor a Deus e ao homem engendrado, e pelo qual o errante seja
ganho no caminho da virtude. A ‘influência' do Espírito Santo, ao contrário da Sua
agência pessoal , agora entra em cena para efetivar a verdade e para auxiliar no
desenvolvimento moral, tanto quanto no mundo natural a influência dos raios
solares transforma a desolação do inverno no frescor da primavera.”
Quando nos lembramos que a Expiação é o assunto mais importante que pode
ocupar as mentes tanto de homens como de anjos; que ela não somente assegura a
felicidade eterna de todos os eleitos de Deus, mas também dá ao universo a visão
mais completa das perfeições do Criador; que nela estão ocultos todos os tesouros
da sabedoria e do conhecimento, enquanto que por ela são revelados os arquivos
inescrutáveis de Cristo; que através da própria Igreja que foi comprada pela
Expiação, seja a multiforme sabedoria de Deus conhecida aos principados e
potestades nos céus {Efésios 3:10} — então que supremo momento deve ser poder
compreender este fato da maneira correta! Mas como caído compreenderá estas
verdades, às quais o seu coração depravado de tal forma se opõe? Toda a força do
intelecto é menos que nada quando intenta, em sua própria força, compreender as
profundas coisas de Deus. Uma vez que o homem pode receber coisa alguma, a não
ser que lhe seja dada do céu {João 3:27}, muito mais é um esclarecimento especial
do Espírito Santo, necessário para ele adentrar neste mistério mais elevado.

“Grande é o mistério da piedade” {I Timóteo 3:16}. Maravilhosa além de toda


concepção finita é aquela transação que foi consumada no Gólgota. Ali vemos o
Príncipe da Vida morrendo. Ali contemplamos o Senhor da Glória feito um
espetáculo de vergonha indizível. Ali testemunhamos o Autor de bênção feito
maldição para os vermes da terra. É o mistério dos mistérios que Ele quem ninguém
menos que Emanuel, devesse Se inclinar tão baixo para juntar a majestade infinita
da Deidade com o mais baixo degrau de humilhação que era possível acessar. Ele
não poderia ter descido mais baixo e ser Deus. Bem disse o Puritano Sibbes, “Deus,
para mostrar o Seu amor para conosco, mostrou-Se a Si mesmo Deus nisto: que Ele
podia ser Deus e ir tão baixo quando morrer.” (Volume 5, página 327).

A que fonte nós podemos então apelar por luz, por entendimento, por uma
explicação e interpretação da Cruz? Racionalidade humana é fútil, especulação é
profana, de nada valem as opiniões de homens. Assim, somos absolutamente feitos
calar quanto a o que aprouve a Deus revelar a nós em Sua Palavra. Se for verdade
que nós podemos saber nada sobre a origem da criação original salvo o que as
Sagradas Escrituras nos revelam — as conjecturas fogosas e conflitantes da ciência
“falsamente chamada ciência” {I Timóteo 6:20} somente servindo para tornar isto
mais evidente — então muito mais somos nós inteiramente dependentes dos
ensinamentos da Santa Lei, relacionados à fundação na qual encontra-se a nova
criação. Em sua esplêndida obra “The Atonement” (1867) — { “A Expiação – n.t.}, o
Dr. A. A. Hodge corretamente afirma, “Eu insisto em que, como o Evangelho é
inteiramente um assunto de revelação Divina, a resposta à questão, ‘O que Cristo fez
na terra de forma a reconciliar-nos com Deus?' seja buscada exclusivamente numa
apresentação justa e completa de de todos os fatos nas Escrituras, que ensinam
sobre o tema. De uma pesquisa em toda matéria revelada neste assunto, o que, no
julgamento de uma mente não prejudicada por teorias, pretenderam os autores
sacros levar-nos a crer? O resultado de tal exame é, somente, desde que não
alterado pela filosofia ou por analogias seculares, insistimos, a verdadeira obra
redentora de Cristo.”

Bem disse este profundamente instruído servo de Deus ao dizer, “não alterado por
analogias seculares”. A verdade de Deus tem sido brutalmente distorcida, a honra
de Cristo gravemente manchada, e o povo de Deus (que foram preguiçosos demais
para diligentemente estudarem as Escrituras por si mesmos) têm frequentemente
sido iludidos pelos esforços superficiais de pregadores irreverentes, que buscavam
“ilustrações” em analogias fantasiosas nas relações humanas. Por exemplo: o caso
de um criminoso é citado, no caráter de quem não há nenhum traço de salvação,
que é condenado à morte por seus graves crimes. Quando ele se encontra já no
cadafalso, a Rainha da Inglaterra então supostamente manda seu filho e herdeiro
para morrer no lugar do vilão, de modo que ele possa novamente ser integrado à
sociedade. Todavia, esta suposição revoltante e monstruosa foi oferecida no século
passado, como uma ilustração de João 3:16, no discurso de um pregador popular,
de grande reputação.

“O plano de redenção, o ofício da nossa Garantia, e a satisfação por Ele rendida aos
clamores de justiça contra nós, têm nenhum paralelo nas relações de homens uns
para com os outros. Nós somos elevados acima da esfera das mais altas relações de
seres criados até os augustos conselhos do Deus eterno e independente. Traremos
pois nossa própria linha para medi-los? Estamos na presença do Pai, Filho e
Espírito Santo; um em perfeição, vontade e propósito. Se a justiça do Pai demanda
um sacrifício, o amor do Pai o provê. Mas o amor do Filho corre paralelo com o amor
do Pai; e não somente na missão geral, mas em cada ato da mesma, vemos o
concerto livre e completo do Filho. Em toda a obra nós vemos o amor do Pai tão
claramente mostrado como o amor do Filho; e novamente, vemos o amor do Filho
para com a justiça e o ódio para com a iniqüidade tão claramente dispostos como o
amor e o ódio do Pai, naquela obra da qual seria impossível dizer se é mais
maravilhosa a manifestação do amor ou a da justiça. Ao iniciar a Sua missão,
ouvimos o Filho dizer com amoroso deleite, ‘Aqui estou, para fazer ó Deus, a Tua
vontade' {Hebreus 10:9}; e quando Ele contempla a conclusão da obra, ouvimo-LO
dizer, ‘ Por isso o Pai me ama, porque dou aminha vida para tornar a tomá-la.' {João
10:17}. Eles são um na gloriosa manifestação de perfeições em comum, e na alegria
de todos os benditos resultados. O Filho é glorificado por tudo o que é para a glória
do Pai. E ao mesmo tempo, na consumação deste plano, a sabedoria de Deus — Pai,
Filho e Espírito Santo — será demonstrada, como não poderia ter sido de outra
forma, aos principados e potestades no céu, o homem decaído será, em Cristo,
exaltado às alturas de glória e felicidade, de outra forma inatingível.

Mas enquanto nenhum paralelo à grande transação da Expiação, ou às relações do


Pai, Filho e Espírito Santo quanto à sua consumação, possa ser encontrado em
qualquer das relações de meras criaturas umas para com as outras, Deus tem
graciosamente adotado uma série de tipos, históricos e cerimoniais, para a
iluminação do Seu grande plano, e especialmente para a ilustração dos vários
aspectos dos ofícios e da obra de Cristo. Nestes, a sabedoria divina é mostrada de
forma acentuada. Por intermédio do sistema típico, Deus esteve educando os
homens para as “boas coisas por vir”, e preparando a linguagem humana para ser
um canal apropriado de comunicação para a revelação da Sua graça em Cristo. Ao
introduzir o sistema Levítico, Deus mostrou-nos o sentido no qual palavras (no Novo
Testamento) tais como sacrifício, sacerdócio, propiciação e redenção, devem ser
compreendidas. Nós não podemos aqui dar uma exposição destes tipos, o nosso
propósito ao referirmos-nos a eles aqui é somente chamar a atenção para o fato de
que eles provêm a chave necessária para destrancar este mistério Neotestamentário.

Os pontos que são proeminentemente excepcionais nos sacrifícios típicos do Velho


Testamento é, primeiro, que eles eram oferecidos a Deus, tendo a Ele como seu
objeto e fim, ao invés de serem demonstrações exibicionistas para impressionar a
homens. Segundo, que eles eram expiatórios, reparadores de pecado, limpadores de
iniqüidades. Terceiro, que assim como os pecados do oferecedor dos sacrifícios eram
imputados à vítima, assim também a excelência da vítima era atribuída ao
oferecedor. Quarto, que através destas oferendas, algo mais do que uma expiação
era alcançado — uma satisfação era oferecida à santidade e à justiça de Deus. Isto
nos leva a chamar a atenção ao título deste livro, e aqui não podemos fazer melhor
do que dar a seguir uma sinopse dos comentários hábeis do Dr. Hodge neste ponto:
— Durante a última parte do século dezenove, a palavra “Expiação” veio a ser
comumente empregada para expressar aquilo que Cristo operou para a salvação do
Seu povo. Mas antes daquela época, o termo usado desde os dias de Anselmo
(1274), e empregado habitualmente por todos os Reformadores era “Satisfação”. Este
termo, mais antigo, deve ser muito mais preferido, primeiro, porque a palavra
“Expiação” é ambígua . No Antigo Testamento ela é usada por uma palavra em
Hebreu que significa “cobrir por fazer expiação”. No Novo Testamento ela ocorre
senão uma vez, {em Romanos 5:11}, e ali é dada como tradução de uma palavra em
Grego, que significa “reconciliação”. Mas reconciliação é o efeito da obra de Cristo,
expiadora dos pecados e propiciadora a Deus. Por outro lado, a palavra “Satisfação”
não é ambígua. Significa sempre aquela obra completa que Cristo operou de forma a
assegurar a salvação do Seu povo, já que tal obra encontra-se relacionada com a
vontade e com a natureza de Deus.

De novo: o termo “Expiação” é muito limitado em seu significado para o propósito


que lhe é designado. Não expressa tudo o que as Escrituras declaram que Cristo fez
de forma a satisfazer por completo as demandas da lei de Deus. Apropriadamente,
significa a expiação de pecados, e nada mais. Aponta àquilo que Cristo rendeu para
com a justiça de Deus, ao vicariamente suportar a penalidade devida pelos pecados
de Seu povo; mas não inclui a obediência vicária rendida por Cristo, aos preceitos da
lei; obediência a qual é imputada a todos os eleitos. Já o termo “Satisfação”
naturalmente inclui ambos significados. “Uma vez que as demandas da lei sobre os
homens são ambos, preceptivos e penais — a condição de vida sendo ‘faça assim e
viva', enquanto que a penalidade condenatória sobre a desobediência é, ‘a alma que
pecar, esta morrerá' — segue-se que qualquer obra venha a satisfazer cabalmente as
demandas da lei Divina no lugar dos homens deva incluir (1) aquela obediência a
qual a lei demanda como a condição de vida, e (2) aquele sofrimento o qual a mesma
lei demanda como a penalidade pelo pecado.”

Que possa o Senhor graciosamente capacitar a ambos, escritor e leitor, para


contemplar e compreender este tema maravilhoso de tal forma que muitos frutos
possam advir para a Sua glória e Seu louvor.
CAPÍTULO 2: SUA FONTE

“Ao abordarmos este mistério sacro e solene, devemos fazê-lo com respeito e
reverência, lembrando-nos tratar-se mais de um assunto de fé e adoração do que de
racionalidade e argumentação; um santuário acessível de fato ao manso e ao aflito,
ao ansioso e ao contrito, mas do qual deve sempre aproximar-se com solenidade e
santo temor” (A. Saphir). Está escrito, “Guiará os mansos em justiça e aos mansos
ensinará o seu caminho.” {Salmo 25:9}. Os “mansos” são aqueles que não confiam
na carne, que não se apóiam no seu próprio entendimento, aqueles cuja
dependência está em Deus e nEle somente.

A fonte da Expiação ou Satisfação de Cristo é Deus . Isto por necessidade, pois


somente Deus pode produzir aquilo que O satisfaça. Homens não prover aquilo que
satisfará as exigências da santidade e da justiça de Deus contra os seus pecados,
não mais do que podem eles criar um universo: “Nenhum deles de modo algum pode
remir a seu irmão, ou dar a Deus o resgate dele.” {Salmo 49:7}. Uma lei perfeita
somente pode ser mantida por uma criatura perfeita. Alguém que tenha sido
tornado impotente pelo pecado é “fraco” {cf. Romanos 5:6} para fazer qualquer coisa
que seja boa; portanto a libertação deve vir de fora dele: “Porquanto o que era
impossível à lei, visto como estava enferma pela carne, Deus, enviando o Seu Filho
em semelhança da carne do pecado, pelo pecado condenou o pecado na carne; Para
que a justiça da lei se cumprisse em nós...” {Romanos 8:3,4}.

“No princípio, Deus...” {Gênesis 1:1}. Tais palavras no início das Santas Escrituras
são dignas do seu Divino Autor. Deus é ambos, o Alfa e o Ômega. Ele é o Princípio e
o Fim de todas as coisas, pois “Porque dele e por ele, e para ele, são todas as
coisas...” {Romanos 11:36}. Nada pode existir em separado de Deus. Na criação, na
providência, e na redenção, Deus é o Princípio. Não fora por Deus, nenhuma
criatura existiria. Não fora por Deus, criatura nenhuma perduraria por um
momento, pois “...nEle vivemos, e nos movemos, e existimos...” {Atos 17:28}. Não
fora pela permissão de Deus, o pecado não poderia ter entrado no mundo; e não fora
por Sua vontade em determinar, Sua graça em prover, seu Poder em assegurar, Seu
Espírito em aplicar, não teria havido satisfação alguma feita pelas responsabilidades
falhas do Seu povo.

Sim, Deus e somente Ele é a fonte da grande e gloriosa Expiação. Sua vontade foi o
fator determinante, Seu amor a mola mestra, Sua justiça o incentivo, Sua glória
manifesta, o fim. Em humilde tentativa para ampliar os vários membros da sentença
precedente, nós ardentemente clamamos em uma voz com um dos antigos, que “O
que não vejo, ensina-me Tu...” {Jó 34:32}. Que possa satisfazer o Deus de toda
graça, preparar os corações de ambos, escritor e leitor, para contemplar as glórias
celestiais do caráter Divino.
1. A VONTADE DE DEUS

Necessário se faz que este seja o ponto de partida ao considerarmos a fonte


fundamental de todas as coisas, pois Deus “...faz todas as coisas, segundo o
conselho da Sua vontade.” {Efésios 1:11}. Em lugar nenhum é dito que Ele faz todas
as coisas de acordo com as exigências da Sua santidade”, embora Deus não faz e
não pode fazer nada que não seja santo. Não existe conflito algum entre a vontade
Divina e a natureza Divina, todavia é preciso insistir que Deus é uma lei em Si
mesmo. Deus faz o que Ele faz, não simplesmente porque justiça requeira que Ele
assim aja, mas o que Deus faz é justo simplesmente porque Ele assim o faz. Todas
as obras Divinas resultam simplesmente da soberania.

“A criação não poderia ser nada a não ser um ato de soberania. Negar a soberania
aqui, seria negar a soberania totalmente; pois, se o universo criado veio a existir, e é
o que é, como uma conseqüência necessária de uma ‘Primeira Causa', aquela
primeira causa não poderia ser uma pessoa, não poderia ser dotada de liberdade de
vontade, não poderia ser Deus. Além disso, se a existência dessa primeira causa
necessitasse da existência do universo, assim deve ter sido desde a eternidade. Não
poderia ter havido nenhum princípio do universo criado.

“Redenção, tanto quanto criação, também deve ser puramente uma determinação
soberana da vontade Divina. Esta é exigida pelas necessidades do caso, tanto
quanto claramente declarada na Escritura. Nenhuma doutrina de Redenção que de
qualquer forma venha a projetar sombra sobre a alta e divina montanha da
Soberania Divina, pode ser tolerada sequer por um momento. Todas teologias que de
alguma forma ensinam ou sugerem que houve qualquer obrigação sobre Deus, para
que Ele fizesse isso ou aquilo pelos caídos, rebeldes sujeitos à lei, não são Bíblicas,
são irracionais, se não blasfemas. A soberania Divina deve ser reconhecida como
determinada a salvar quaisquer caídos, em determinar quem deveria ser salvo, em
“escolher”, “erguer”, e “propiciar” o Salvador, e na entrega e submissão do Salvador;
mas esta Redenção Soberana uma vez determinada, foi operada sob a lei, e em exata
concordância com a lei.” {Dr. J. Armour, na obra “Atonement and Law” (“Expiação e
Lei” — N.T.), 1917}.

O que segue, pode ser considerado como tendo gosto de metafísica, todavia nós
sentimos que deva ser trazido à baila considerando os difamadores modernos de
Deus. Mesmo alguns que são reputados como bem ortodoxos têm traçado grande
distinção, quase um abismo, entre a natureza de Deus e a vontade de Deus,
falhando em perceber que a vontade de Deus é uma parte essencial da Sua natureza
. Alguns têm descido tão baixo quanto a afirmar existir na própria natureza das
coisas um padrão de direito que existe independentemente e em separado de Deus,
de acordo com o qual Ele Próprio age, deve agir. Tal concepção não somente é
degradante, mas blasfema. Outros que não têm adotado esta fábula, têm, não
obstante, sido injuriosamente afetados por ela, e supõem que a natureza de Deus,
como bem distinta da Sua vontade, é o que determina Sua ações.

Não há nada determinado pela natureza de Deus que não seja determinado pela
vontade de Deus. “Quando afirmamos que Deus é santo, não queremos dizer que Ele
faz justo o que é justo, por simplesmente ser a Sua vontade, mas que Ele assim o
quer porque é justo. Deve haver, portanto, algum padrão absoluto de justiça” — é
como um assim chamado professor de Bíblia expressou-se recentemente. Mesmo
que seja dito que o “padrão absoluto de justiça” é a natureza Divina, se por isso se
referir-se à natureza de Deus como separado da Sua vontade determinadora, a
expressão é, para dizer o mínimo, faltosa e enganadora. A vontade de Deus é uma
parte essencial da Sua natureza, e portanto a Sua vontade é “o padrão absoluto de
justiça”. A vontade de Deus não é algo relacionado, dependente e determinado; mas
é soberana, imperial, reinante.

O Próprio Deus é o padrão fundamental e absoluto de justiça. O homem é


comandado a reconhecer um padrão de justiça fora e acima de si mesmo, e a sua
vontade e conduta deve conformar-se a tal. O padrão de justiça é a vontade revelada
de Deus. Mas racionalizaremos nós, disto, que Deus também reconhece um padrão
de justiça ao qual a Sua vontade deve estar conformada, um padrão que faça justo o
que é justo, e o que é justo sendo feito justo, Ele assim o quer porque é justo?
Certamente que não. A verdade é, que nós melhor descobrimos o que a natureza de
Deus requer que Ele faça, por nada que Ele, através da Sua vontade, realmente faz .
Quando Deus diz, “Compadecer-me-ei de quem me compadecer, e terei misericórdia
de quem eu tiver misericórdia.” {Romanos 9:15}, Ele asseguradamente estabelece
diante de nós a Sua vontade, em sua mais alta liberdade e soberania. Mas este ato
supremo de graça soberana é o ato do Próprio Deus, e ato ao qual a natureza
completa de Deus (Sua vontade estando incluída naquela natureza) O moveu.

Nós falhamos em rastrear qualquer coisa que seja até a sua fonte original, a não ser
que rastreemos diretamente até a vontade soberana de Deus. Isso é verdade
igualmente no que tange à criação, à providência, e à redenção. Deus não Se viu
obrigado a criar este mundo; Ele assim o fez simplesmente porque isso Lhe aprouve
{Apocalipse 4:11}. Havendo criado o mundo, quando Adão caiu, Ele poderia bem ter
deixado toda a raça perecer em seus pecados, e o teria feito, exceto que a Sua
soberana vontade tinha, previamente, determinado de outra forma. Justiça não que
Ele interviesse em misericórdia, pois como o justo Governador do mundo, Ele
poderia ter procedido de forma a sustentar a autoridade da Sua lei ao exigir a
penalidade sobre todos os desobedientes, e assim ter dado aos anjos que não caíram
um exemplo adicional da sua terrível vingança. Nem a Sua bondade exigiu que ele
devesse resgatar qualquer um dos Seus seres criados da miséria, a qual eles
trouxeram sobre si mesmos, pois Ele já a havia exibido de forma cabal, na criação.
Nem tampouco o Seu amor demandou, abstratamente considerado, que um
Salvador fosse providenciado; tivesse sido esse o caso, um deveria também ter sido
dado aos anjos que caíram.

É preciso chamar a atenção que a glória manifesta de Deus não depende da


revelação de nenhum atributo em particular, mas antes da exibição de todos, em
harmonia completa, e em ocasiões apropriadas. Ele é glorificado quando concede
bênçãos sobre os justos, e é igualmente glorificado quando inflige Punição nos
ímpios. A glória manifesta de Deus consiste na revelação do Seu caráter às Suas
criaturas; todavia é puramente opcional de Sua parte; é bem voluntária, e em nada
contribui para a sua felicidade, e poderia ter sido contida, tivesse Ele assim Se
contentado. Todavia, como Deus sempre age consistentemente consigo mesmo; se
Ele porventura a Si mesmo Se mostrar às suas criaturas, a descoberta sempre
corresponderá à grandeza e à excelência da Sua natureza.

Que a morte expiadora de Cristo teve sua origem na vontade de Deus, está
claramente declarado em Atos 2:23, “A este que vos foi entregue pelo determinado
conselho e presciência de Deus, prendestes, crucificastes e matastes pelas mãos de
injustos.” Embora consumado na plenitude do tempo, foi determinado antes do
tempo, decretado e promulgado no céu pela Trindade Eterna. Portanto lemos em
Apocalipse 13:8 acerca “...do Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo.”
Cristo era “o Cordeiro que foi morto” determinadamente , no conselho e no decreto
de Deus {cf Atos 2:23}; prometidamente , na palavra de Deus passada a Adão após a
queda {cf Gênesis 3:15}; tipicamente , nos sacrifícios apontados imediatamente após
a promessa da redenção {cf Gênesis 4:4}; eficazmente , com relação ao mérito dos
sacrifícios, aplicado por Deus aos crentes antes dos reais sofrimentos de Cristo {cf
Romanos 3:25; Hebreus 9:15}.

“Ele [Deus], tornou-O [a Cristo, o Mediador] pecado por nós {cf II Coríntios 5:21}:
“feito” ou “constituído” através de um estatuto Divino (i.e. a Ele foi ordenado entrar
em lugar da condição penal dos pecadores). Não tivesse Deus assim apontado, a
morte de Cristo não teria tido nenhum valor meritório. Uma vez mais, em Hebreus
10, a eficácia do sacrifício de Cristo para com os eleitos é rastreado de volta e
diretamente relacionado à vontade eterna e soberana de Deus. No versículo 7,
encontramos o Próprio Cristo dizendo, quando estava prestes a encarnar e entrar
neste mundo, “Eis que aqui venho, para fazer, ó Deus, a Tua vontade.”; enquanto
que no versículo 10 nos é dito, “Na qual vontade temos sido santificados
[consagrados a Deus] pela oblação do corpo de Jesus Cristo, feita uma vez.” Aquilo
que nos salva, ou santifica, não é simplesmente a oferta de Cristo — pois tal em
nada nos teria beneficiado, se não houvesse sido Divinamente designada — mas a
“vontade” e o decreto da Trindade Eterna relacionados àquela oferta.

2. O AMOR DE DEUS

O Amor era, ou melhor, é a mola-mestra de toda a bondade e a graça de Deus para


com o Seu povo. Ele nutre por eles um “amor eterno” {cf Jeremias 31:3}. Foi “em
amor” que ele “nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para Si
mesmo,...” {Efésios 1:5}. Prova disso é, que desde toda a eternidade Ele, “nos fez
agradáveis a Si [não “em Cristo” mas] no Amado.” {Efésios 1:6} — note,
cuidadosamente, que esta declaração é dada antes que seja feita referência ao
perdão dos nossos pecados, no versículo 7. Houvesse assim agradado a Deus, Ele
poderia ter evitado a entrada do pecado neste mundo, Ele poderia ter restrito a
descendência de Adão às pessoas dos Seus eleitos, e Ele poderia tê-los levado ao
céu, sem que tivessem se contaminado pelo pecado e remidos dele, para lá gozarem
felicidade eterna. Isso teria sido uma demonstração surpreendente do Seu amor
para conosco. Todavia, aprouve a Deus conceder ao Seu povo ainda maiores, mais
completas, mais altas, manifestações do Seu amor para e por eles.
Deus amou Seu povo ao ordená-los para a vida eterna (Atos 13:48, Romanos 9:11-
13), mas Ele deu prova ainda maior ao tolerá-los caírem num estado de morte
espiritual, e então enviar o Seu próprio Filho querido para redimi-los e resgatá-los
de tal estado. Há trezentos atrás, o Dr Thomas Goodwin, em sua incomparável
exposição de Efésios 1, chamou a atenção para que, “Tivéssemos nós sido trazidos
primeiro àquela comunhão com Cristo, a qual teremos no céu após o dia do
julgamento, sem ter conhecido nem o pecado ou a miséria, teria sido uma condição
realmente boa e abençoada; na qual nos regozijaríamos infinitamente, e teríamos
razão em assim tê-lo feito. Mas, certamente, o céu nos será muito mais doce, pelo
motivo de havermos uma vez caído em pecado e miséria, e então termos um
Redentor que veio e nos livrou de tudo, e então nos trouxe ao céu. Oh, quão doce
isso fará o céu se tornar, para vocês!...

“Eu gostaria que vocês observassem que isso pode exemplificar maravilhosa e
poderosamente o amor de Deus para conosco. As últimas palavras de Efésios 1:6
são que Deus nos aceitou a Si no [Seu] Amado, enquanto que a primeira parte do
versículo 7 são: ‘Em quem temos a redenção pelo Seu sangue.' O que! Era Ele o
Amado de Deus, e você, também tem a sua redenção nEle? Deus sacrifica o Seu
Amado! Deus nos escolhe para sermos santos no céu Consigo mesmo (versículo 4),
para lá sermos filhos com Ele (versículo 5), para sermos o louvor da Sua graça
(versículo 6)! Que o propósito permaneça: que eles nunca venham a ser pecadores,
que Eu os tenha aqui no céu, juntamente com o Meu Filho. Alguém poderia pensar
que Deus pode ter dito isso. Não, Deus teria comandado o Seu amor ainda além. Ele
os teria permitido caírem em pecado; e redimi-los. Ele teria sacrificado o Seu Amado.
Ele tinha tanto amor em Seu coração, que Ele não o poderia demonstrá-lo a nós
senão pelo sacrifício do Seu Amado. De que forma tão esplendorosamente é que Ele
demonstrou o Seu amor.”

Que amor foi o motivo, razão principal que levou a Deus a prover para o Seu povo
um sacrifício expiador pelos seus pecados, está claro pelas palavras tão bem
conhecidas de João 3:16, “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o
Seu Filho unigênito...”. Assim também, em I João 4:9, 10, “Nisto se manifesta o
amor de Deus para conosco: que Deus enviou Seu Filho unigênito ao mundo, para
que por Ele vivamos. Nisto está o amor, não em que nós tenhamos amado a Deus,
mas em que Ele nos amou a nós, e enviou Seu Filho para propiciação pelos nossos
pecados. Assim os oráculos sagrados celebram a obra da redenção como a mais
elevada e mais marcante demonstração e exibição do amor Divino, e nos direcionam
a considerar como tal amor agiu no mais elevado grau e com a maior vantagem,
para ser visto e admirado por todos os eleitos, como uma fonte inesgotável e
infindável de gratidão e de louvor. Quanto mais indignos e mais merecedores de
castigo os objetos daquele amor eram em si mesmos — pecadores, inimigos {cf Rm
5:7-10} — quão mais maravilhoso aquele amor. Quanto maior a entrega alcançada
pelo amor, e mais caro o sacrifício para proporcionar tal entrega, quão mais é tal
amor coroado. Quanto maiores as dificuldades a serem vencidas — pecado, morte,
tumba — quão mais foi aquele amor magnificado. Quanto maiores as bênçãos
concedidas — justificação, santificação, glorificação — quão mais deve ser aquele
amor adorado.
“Nisto estava a ênfase do amor Divino para conosco, que ‘Ele enviou Seu Filho para
ser a propiciação pelos nossos pecados' {I João 4:10}. Era pelo amor que Ele
restauraria os homens após a Queda; não havia mais necessidade de fazer isso do
que criar o mundo. Como isso não acrescentou nada à felicidade de Deus, então o
desejo de fazê-lo em nada depreciou tal fato. Não havia mais absoluta necessidade
de restauração do homem após o rompimento com Deus, do que um novo reparo do
mundo após o dilúvio destruidor. Mas que Ele pode elevar o Seu amor ao mais
elevado nível, Ele não somente restauraria o homem, mas antes de deixá-lo
permanecer em seu estado merecido de miséria, puniria Suas próprias entranhas
para preservar o homem de tal estado. Foi puramente a Sua graça [a qual é o amor
concedendo favores, aos que são merecedores do inferno — A.W.P.] o motivo pelo
qual o Seu Filho “provasse a morte por todos” os Seus Filhos {Hebreus 2:9}.” (S.
Charnock, 1635).

3. A JUSTIÇA DE DEUS

A Expiação de Cristo direciona os nossos pensamentos a Deus como Aquele cuja


santidade governante demanda satisfação, cuja inflexível justiça insistiu que suas
demandas sejam cumpridas plenamente, e cuja lei reta deve ser magnificada e
honrada, antes que qualquer bênçãos resultantes pudessem fluir aos Seus eleitos,
considerados como os filhos culpados e depravados de Adão. Deus “ao culpado não
tem por inocente” {Êxodo 34:7}. Muito diferente daquilo que se passa por amor na
esfera humana, o amor de Deus vai de encontro à lei; não é exercido em desafio à
justiça. Deus é “luz” {I João 1:5}, bem como Ele é “amor”; e porque Ele assim o é, o
pecado não pode ser ignorado, sua odiosidade minimizada, nem cancelada a sua
culpa. Isso é verdade, que onde abundou o pecado, superabundou a graça, Todavia
a graça não abundou às custas da justiça, antes, “também a graça reina ‘através' da
justiça” (Romanos 5:21).

Mas não poderia Deus remir os pecados do Seu povo sem uma satisfação expiadora?
Esta questão nos é respondida de forma explícita e com toda autoridade, em
Hebreus 9:22, “... sem derramamento de sangue não há remissão.” Comentando
neste versículo em seu memorável livro “The Atonement” (1871), o falecido Hugh
Martin escreveu, “Sem dúvida, à primeira vista, este [versículo] parece meramente
alegar um fato, sem assinalar um motivo. Parece declarar nada mais do que a
verdade histórica, que verdadeiramente Deus nunca remiu os pecados dos homens
sem derramamento de sangue. Mas se a ênfase for colocada na palavra “remissão”, e
se for tida em mente uma idéia verdadeira quanto à transação que essa palavra
representa, notar-se-á que a proposta, “não é remissão sem derramamento de
sangue”, não alega meramente o fato, mas também designa uma razão para tal fato
—expressar não somente a realidade histórica, mas o princípio fundamental que a
justifica, e o qual somente necessita ser cuidadosamente investigado e
compreendido, para prover uma resposta satisfatória à questão, ‘Por que Deus não
poderia perdoar os pecados dos homens sem uma Expiação ? '
“Pois, quando o escritor inspirado afirma que sem derramamento de sangue não há
remissão, é como se ele tivesse dito: “Vocês podem imaginar um perdão sem
derramamento de sangue, se quiserem; vocês podem conjeturar, ou invocar, algum
outro método de perdão; vocês podem conceber a idéia de Deus lidando com o
pecador, e livrando-o da punição devida por suas iniqüidades; sem que estas
iniqüidades sejam perdoadas; sem que a penalidade incorrida pelas mesmas seja
exigida; sem que a lei a qual eles transgridem seja limpa da mancha de desonra com
a qual eles a macularam; sem um sacrifício caro; sem uma propiciação solene; sem
um resgate impagável. Mas qualquer transação que esta possa ser, isso não seria
remissão . Considerando que seria bem possível para Deus isentar o pecador;
anular, através de um decreto meramente arbitrário, e sem qualquer satisfação à
justiça divina, o débito que o pecador havia contraído; parar com Sua ira para com
os Seus inimigos e retornar ao estado de amizade; dizer, ‘Sejam perdoados os seus
pecados, agora vocês não têm nada a temer'; tudo isso, ‘sem derramamento de
sangue', sem qualquer sacrifício ou reparação ou expiação: ainda assim tudo isso,
no que quer que possa resumir-se, não equivale a remissão . De o nome que lhe
aprouver: seja o que for; não é remissão. Pode ser considerado como um equivalente
à remissão; pode haver lugar e espaço para o mesmo; pode ser que multidões
preocupem-se em averiguar e investigar, ou tenham até mesmo a necessidade de
tanto, ou se dêem ao trabalho de buscar. Mas, conquanto isso seja possível da parte
de Deus, conquanto possa ser satisfatório para os homens, não se trata de remissão
. Pode parecer remissão. Pode dar a impressão de carregar em si tudo aquilo que os
não esclarecidos imaginam, quando pensam sobre remissão; mas não se trata de
remissão real. Sem derramamento de sangue não há remissão.

“O que a consciência esclarecida de um inquiridor angustiado anseia é “remissão” —


remissão de pecado. E o que é isso? É a remoção de culpa; remoção da
responsabilidade pela ira de Deus; remoção da Criminalidade ou da iniqüidade. É
uma sentença de “ Não Culpado ”. É o reconhecimento da inculpabilidade perante o
Santo de Israel; uma posição e relação para com Deus, portanto, na qual a Sua ira
seria indevida, injusta, impossível. Isso seria Remissão .”

Não devemos antecipar o campo que esperamos cobrir em capítulos adiante, exceto
ao dizer aqui que, o grande problema que confrontou a Deus, e com relação ao qual
ousamos dizer que nunca poderia ter sido resolvido seja por inteligência humana ou
angelical, foi, como a Misericórdia poderia agir livremente sem insultar a justiça, ou
como a Justiça poderia exigir o cumprimento do que lhe era devido sem que as mãos
da Misericórdia fossem atadas. Uma solução perfeita e completamente satisfatória
para este problema foi encontrada e provida na Satisfação feita a Deus pela
mediação do Redentor. É nessa satisfação que “A misericórdia e a verdade se
encontraram; a justiça e a paz se beijaram.” {Salmo 85:10}. É essa satisfação que
proporcionou a Deus ser “...justo e justificador daquele que tem fé em Jesus.”
{Romanos 3:26}

4. A GLÓRIA DE DEUS
Tem sido dito corretamente que “A razão e motivo fundamentais de todas as ações
de Deus estão em Si mesmo. Uma vez que Deus é infinito, eterno e imutável, que
aquilo que foi o Seu primeiro motivo na criação do universo deve sempre continuar a
ser a razão fundamental ou finalidade principal em cada ato concernente em sua
preservação e governo. Mas o primeiro motivo de Deus deve ter sido simplesmente o
exercício das Suas próprias e essenciais perfeições, e no seu exercício a manifestação
da excelência das mesmas. Este foi o único propósito que poderia haver sido
escolhido pela mente Divina no princípio, antes da existência de qualquer outro
objeto” (A Expiação, Dr. A. A. Hodge). As Escrituras são muito explícitas neste
ponto, “O Senhor fez todas as coisas para atender aos seus próprios desígnios...”
{Provérbios 16:4}. “Porque dele e por ele, e para ele são todas as coisas;...” {Romanos
11:36}. “...tu criaste todas as coisas, e por tua vontade são e foram criadas.”
{Apocalipse 4:11}

A razão fundamental, portanto, que moveu a Deus para ordenar a Cristo como
Satisfação pelas responsabilidades falhas de Seu povo deve ter sido a glória Divina, e
não os efeitos esperados serem produzidos na criatura. Mas a glória é excelência
manifesta, e excelência moral é manifesta somente ao ser exercitada. A justiça e o
amor infinitos de Deus, ambos encontram o mais alto exercício concebível no
sacrifício de Seu próprio Filho como o Substituto de homens culpados. Deus
ordenou ter outros filhos além de Cristo {Romanos 8:29, “Porque os que dantes
conheceu também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a
fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos.”}, mas foi de forma que eles
possam perceber a Sua glória {João 17:24, “...para que vejam a minha glória que me
deste; ...”}, e que Ele possa “ser glorificado neles” {João 17:10}. Ordenar a Cristo vir a
este mundo como Homem, somente por causa do pecado do homem e para a obra da
redenção, seria sujeitar Cristo a nós, e fazer o nosso bem o “propósito” da ação de
Deus. Tal concepção não só é extremamente absurda, mas terrivelmente ímpia.
Adão não foi feito para Eva, mas sim Eva para Adão; e como a mulher é “a glória do
homem” {I Coríntios 11:7}, também os santos são chamados de “a glória de Cristo”
{II Coríntios 8:23}; e como os santos são de Cristo, assim também é Cristo, o
Mediador, de Deus {I Coríntios 3:23}.”

5. A ALIANÇA DE DEUS

Embora tenhamos feito este tópico distinto dos quatro precedentes, ainda assim
assinalaríamos que é no Sempiterno Pacto que encontramos a vontade, o amor, a
retidão, a glória de Deus, unidos como a causa ou causas motivadoras da perfeita
provisão encontrada na Satisfação de Cristo.

Como temos insistido em parágrafos anteriores, tivesse assim agradado a Deus, ele
poderia nunca ter criado um único ser para admirar as Suas perfeições. Quando
criaturas foram admitidas àquele maravilhoso espetáculo, e então tornaram-se
culpadas de desonrá-LO, ele poderia ter-SE revelado posteriormente somente em ira,
entornando os frascos da Sua indignação no ponto em que eles (as criaturas)
habitavam, transformando-o em uma cena de desolação. Qual seria a perda de um
mundo para Aquele a cujos olhos o mundo não é nada, sim, menos que nada e coisa
vã {Isaías 40:17} ?

Dessas premissas, segue-se, a verdade que não pode ser contradita, que o plano
designado por Deus para a salvação dos Seus eleitos, quem por natureza também
compartilharam das ruínas da queda de Adão, originou-se não somente na Sua
graça soberana, mas foi determinado unicamente pela Sua própria vontade real.
Portando, ao contemplar a obra da redenção nós precisamos ascender até a sua
origem, e começar com a consideração daquele entendimento eterno entre as Pessoas
da Divindade, acordo no qual é encontrada toda a dispensação de graça para com os
homens caídos. Àquele acordo, a tal entendimento a Bíblia se refere como “A aliança
eterna” {Hebreus 13:20}.

Leia o restante desse excelente livro aqui.

Traduzido por: Eli Daniel da Silva

Agradecemos ao tradutor, que gentilmente se dispôs a traduzir esse artigo para o site
Monergismo.com.

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