Estado Classe Dominante e Educacao Uma A

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Debate

ESTADO, CLASSE DOMINANTE E EDUCAÇÃO: UMA ANÁLISE CRÍTICA DAS


PROPOSTAS E DAS AÇÕES DO MOVIMENTO BRASIL COMPETITIVO PARA A
EDUCAÇÃO BÁSICA

ESTADO, CLASE DOMINANTE Y EDUCACIÓN: UN ANÁLISIS CRÍTICO DE LAS


PROPUESTAS Y ACCIONES DEL MOVIMIENTO BRASIL COMPETITIVO PARA LA
EDUCACIÓN BÁSICA

STATE, RULING CLASS AND EDUCATION: A CRITICAL ANALYSIS OF THE


PROPOSALS AND ACTIONS OF THE COMPETITIVE BRAZIL MOVEMENT FOR BASIC
EDUCATION
DOI: http://dx.doi.org/10.9771/gmed.v13i1.43773

Fabrício Fonseca da Silva1


Rodrigo de Azevedo Cruz Lamosa 2
Resumo: O presente artigo analisa a atuação do Movimento Brasil Competitivo (MBC) na educação básica, nas duas
últimas décadas do século XXI. Sustentamos a hipótese de que o MBC constitui uma importante frente de mobilização
do empresariado, da sociedade civil e da sociedade política, na tarefa histórica de reconfigurar as estruturas do Estado
e da educação, conforme os interesses particulares das classes dominantes. Para isso, utilizamos como referencial
teórico-metodológico a concepção de Estado ampliado, iniciada a partir das reflexões de Antonio Gramsci e
aprofundada, no Brasil, por Sônia Regina Mendonça.
Palavras-Chave : Educação básica; Social-liberalismo; Estado Ampliado; Intelectual orgânico; Movimento Brasil
Competitivo.

Resumen : El presente artículo analiza la actuación del Movimiento Brasil Competitivo (MBC) en la educación básica,
en las dos últimas décadas del siglo XXI. Sostenemos la hipótesis de que el MBC constituye un importante frente de
movilización del empresariado, de la sociedad civil y de la sociedad política, en la tarea histórica de reconfigurar las
estructuras del Estado y de la educación, conforme a los intereses particulares de las clases dominantes. Para ello,
utilizamos como referencial teórico-metodológico la concepción de Estado ampliado, iniciada a partir de las reflexiones
de Antonio Gramsci y profundizada, en Brasil, por Sônia Regina Mendonça.
Palabras-clave : Educación básica; Social-liberalismo; Estado ampliado, Intelectual orgánico; Movimiento Brasil
Competitivo.

Abstract: This article analyzes the performance of the Brazilian Competitive Movement (MBC) in basic education in
the last two decades of the 21st century. We support the hypothesis that the MBC constitutes an important front of
mobilization of the business, civil society and political society, in the historical task of reconfiguring the state structures
and education, according to the particular interests of the ruling classes. For this, we use as a theoretical and
methodological reference the concept of an amplified State, initiated from the reflections of Antonio Gramsci and
deepened, in Brazil, by Sônia Regina Mendonça.
Keywords : Basic education; Social-liberalism; Amplified State; Organic intellectual; Competitive Brazil Movement.

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Germinal: Marxismo e Educação em Debate, Salvador, v.13, n.1, p.138-151, abr. 2021. ISSN: 2175-5604
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Introdução

O presente artigo analisa criticamente as propostas e as ações para a educação básica elaboradas
e operacionalizadas por um Aparelho Privado de Hegemonia empresarial (APH), o Movimento Brasil
Competitivo (MBC), nas duas últimas décadas do século XXI. O MBC representa o fortalecimento de uma
atuação empresarial organizada que articula empresas, indústrias, associações patronais e bancos, visando a
reconfiguração das estruturas do Estado brasileiro. Na educação, a atuação do MBC ocorreu no sentido de
reconfigurar as redes públicas de ensino a partir da inserção da gestão empresarial nas escolas, sob a
justificativa de que as escolas públicas encontravam-se em crise de eficiência, de eficácia e de produtividade.
Essa justificativa vem sendo difundida, desde a década de 1990, por organismos internacionais, em especial,
o Banco Mundial, para conformar as classes dominantes de países periféricos da necessidade da realização
de “reformas” educacionais sob essa direção.
Diante disso, neste artigo, partimos da hipótese de que, na periferia do capitalismo, o MBC tem
constituído uma importante frente de mobilização e articulação do empresariado, da sociedade civil e da
sociedade política, na tarefa histórica de reconfigurar as estruturas do Estado e da educação, conforme os
interesses das classes dominantes brasileiras e internacionais, transformando suas principais bandeiras em
questões nacionais. Dito de outro modo, mesmo defendendo os interesses particulares do empresariado, o
MBC apresenta-se como uma frente de ação política que ultrapassa os interesses imediatos de classe,
contribuindo para a perpetuação de sua hegemonia.
Para compreender as propostas e as ações políticas do empresariado na educação básica e a
inserção de seus projetos no interior do aparelho do Estado, utilizamos a concepção de Estado ampliado,
iniciada a partir das reflexões de Antonio Gramsci e aprofundada, no Brasil, por Sônia Regina Mendonça
(2015). Por meio do referencial teórico e metodológico do Estado ampliado, compreendemos os Aparelhos
Privados de Hegemonia (APHs) como organizações que atuam na sociedade civil e assumem a tarefa
histórica de difundir determinadas propostas particulares como se fossem de interesse geral, visando,
sobretudo, estabelecer sua hegemonia.

Organismos Internacionais e Educação Básica

O empresariado e suas organizações, entendidos aqui como Aparelhos Privados de Hegemonia


empresariais (APHs) 3, têm participado na formulação e difusão das políticas educacionais desde os anos de
1930. Nas últimas três décadas, observamos tanto o crescimento dos APHs empresariais quanto a mudança
na forma de ação no campo da educação escolar básica. Consideramos que essa mudança tem articulações
com as transformações que vêm ocorrendo no capitalismo mundial, bem como as particularidades do
capitalismo e da dominação no Brasil. Neste sentido, as particularidades do capitalismo brasileiro também
determinam a direção e o conteúdo da contrarreforma do Estado e da educação.
Ressaltamos que o avanço dos APHs empresariais na educação vem se renovando e
transformando quantitativamente e qualitativamente ao longo do tempo. Entendemos que a mudança na
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forma de atuação do empresariado no bloco histórico neoliberal tem relação com que Aparecida Tiradentes
dos Santos denomina de mercantilização intrínseca, isto é, a submissão do processo de produção pedagógica
(a gestão escolar, as relações de ensino-aprendizagem, os conteúdos programáticos, o currículo e a avaliação
dos resultados) à lógica do capital (SANTOS, 2012).
Santos, amparada no conceito de mercadoria de Marx, esclarece a diferença entre processo de
mercantilização intrínseco do processo de mercantilização extrínseco na educação. O primeiro, já
explicamos acima, relaciona a incorporação do fazer pedagógico à reestruturação produtiva, fazendo com
que essa incorporação ocorra pela combinação do consenso e da coerção. O segundo processo trata-se da
venda da mercadoria educação por meio da privatização direta, na qual a mercantilização acontece na
dimensão da distribuição ou circulação (SANTOS, 2012).
Na educação básica, a mudança na forma de atuação do empresariado ocorre por meio de
parcerias público-privadas na gestão do trabalho pedagógico, controle, avaliação por resultado e a
incorporação da carreira docente aos critérios do mercado. Nesse processo de mercantilização interna,
descrito por Santos, o direito à educação é conotado como um serviço produzido com os critérios das
empresas privadas.
Observamos que isso tem produzido uma falsa consciência da desnecessidade do público
(OLIVEIRA, 1999), em especial, da educação pública. Há um esvaziamento da dimensão política da
educação, reduzida à dimensão “técnica”, como o problema fosse uma mera falta de eficiência, eficácia e
produtividade do sistema, que somente poderia ser resolvido pela implementação do método da gestão da
qualidade total (JOHANNPETER, 2006). Desta maneira, salientamos que esse processo tem silenciado os
significados da educação como prática política transformadora e de formação humana.
Essas mudanças na forma de atuação dos APHs empresariais na educação básica ocorreram a
partir da década de 1970 com a crise do capitalismo mundial que afetou o funcionamento da economia e da
política, resultando no processo de recomposição da hegemonia burguesa através da reestruturação
produtiva e do neoliberalismo. Essa crise também teve rebatimentos nos sistemas educacionais e nas escolas
públicas dos países capitalistas centrais e de países dependentes periféricos que começaram a ser
reconfigurados por meio de “reformas” para se adequarem às novas necessidades de acumulação flexível e
de sociabilidade burguesa. Essas “reformas” foram conduzidas por organismos internacionais e
implementadas por APHs empresariais locais que objetivavam, sobretudo, “melhorar” a produtividade
econômica e a qualidade do trabalho, por meio de padronizações de objetivos e controles, descentralização,
mudança da gestão educacional e da formação de professores (LAVAL, 2019).
Nessa conjuntura neoliberal, a reformulação da teoria do capital humano 4 e a centralidade da
empregabilidade nas políticas públicas (GENTILI, 2005), além da pedagogia das competências contribuíram
para modificar a forma e o conteúdo de atuação dos APHs empresariais na educação básica. Segundo
Gentili, o capital humano, nesse contexto, passou de uma lógica da integração de caráter coletivo, para uma
lógica econômica de caráter individual. Com a desintegração do pleno emprego, produzida pela
reestruturação produtiva, coube ao indivíduo e não mais ao Estado e o capital, definir suas opções e fazer
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as suas escolhas para conquistar uma posição no mercado de trabalho (GENTILI, 2005).
O termo empregabilidade também ganhou centralidade, nesse período. Por empregabilidade,
entende-se “um conjunto de políticas [...] destinadas a diminuir os riscos sociais do desemprego”
(GENTILI, 2005, p. 52). A empregabilidade teve um importante papel na construção de um novo senso
comum, no sentido gramsciano do termo, sobre o trabalho, a educação e a individualidade, pois recuperou
a concepção individualista da teoria do capital humano, mas acabou com a relação entre o capital humano
individual e o capital humano social. Além disso, esse conceito se afasta do direito à educação, pois coloca
o indivíduo como um consumidor de conhecimento que deve ter a liberdade de escolher as melhores opções
que o capacitem para competir (GENTILI, 2005).
O conceito de empregabilidade passou a orientar também o processo de aprendizagem do
indivíduo. Segundo Licínio Lima, a partir dessas transformações políticas e econômicas ocorreram uma
transição do conceito de “educação” para “aprendizagem ao longo da vida”, slogan difundido pela Unesco
na década de 1990, e seus derivados “qualificações”, “competências”, “habilidades” (LIMA, 2012) Essa
transição de conceito subordinou a aprendizagem às necessidades do capital, em que o indivíduo, para ser
empregável, deveria adquirir um conjunto de novas habilidades e competências, exigidas pelo empresariado,
como “organização, comunicação, adaptabilidade, trabalho em equipe, resolução de problemas em
contextos incertezas” (LAVAL, 2019, p. 41).
A substituição da “qualificação” pela “competência” foi outra mudança nessa conjuntura. Laval
explica que a qualificação estava ligada ao processo produtivo fordista, no qual ela era associada a um
conjunto de garantias e de direitos. A substituição da “qualificação” pela “capacitação” relacionava-se com
validação do valor pessoal, conferido pela certificação realizada pelo Estado, pela validação conferida pelo
mercado do valor mais profissional e flexível (LAVAL, 2019). Desse modo, a lógica da competência foi
inserida nas escolas, combinada com a certificação concedida pelo sistema educacional para garantir uma
norma geral.
Assim como nos países capitalistas centrais, a educação dos países da América Latina também foi
diagnosticada pelos Organismos Internacionais (Banco Mundial, CEPAL e PREAL) como uma crise de
eficiência, eficácia e produtividade. No bojo das propostas do Consenso de Washington, a crise de
produtividade da escola pública era vista como a crise do próprio Estado desenvolvimentista latino-
americano, que, segundo os diagnósticos desses organismos, foi incapaz de assegurar a democratização e a
eficiência produtiva das práticas pedagógicas.
Para superar essa crise, os organismos elaboraram um conjunto de estratégias com a pretensão de
institucionalizar o princípio da competição para regular o sistema escolar. Dois grandes objetivos perpassam
essa proposta:1) a necessidade de estabelecer mecanismos de controle de qualidade, e 2) a necessidade de
subordinar o sistema educacional às demandas do capital. No primeiro objetivo pretendeu-se materializar
os princípios da meritocracia e da competição nas escolas públicas. No segundo, permitiu precisar os
critérios das propostas de reforma escolar (GENTILE, 1998).
Os empresários e as suas organizações deveriam operar a superação da crise educacional, pelo
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fato de o Estado, os trabalhadores da educação e os sindicatos serem apontados como os principais culpados
por tal fracasso. A construção de um ideário, no qual o empresário é apresentado como empreendedor de
sucesso que conseguiu competir no mercado, ajudou a legitimar a sua posição na sociedade. Propunha-se,
então, transpor para as escolas públicas as mesmas técnicas e os mesmos métodos gerenciais que
possibilitaram o êxito dos empresários nos seus negócios. Além disso, os empresários poderiam adotar uma
escola através de doação de recursos financeiros.
Dessa forma, para os intelectuais orgânicos coletivos neoliberais, a crise da educação se resumia
num conjunto de problemas técnicos e não na falta de recursos materiais e humanos. Então, para sair da
crise era fundamental consultar especialistas e técnicos que têm o saber instrumental necessário para operar
as propostas da contrarreforma educacional. Destacamos, nessa conjuntura, a atuação do Banco Mundial5
como um “ator político, intelectual e financeiro, combinando a concessão de empréstimos com assistência
técnica para definição e desenho de políticas públicas, produção intelectual abundante e influente, e liderança
em políticas globais de desenvolvimento” (PEREIRA, 2018, p.2). Como intelectual, o Banco tem um papel
importante na divulgação de estudos que influenciam gestores públicos, pesquisadores e formadores de
opinião em diversas áreas, inclusive a educacional. O Banco Mundial também investe em pesquisas e
articulações com instituições multilaterais, órgãos públicos, think tanks, fundações empresarial-filantrópicas
e ONGs nos Estados Clientes (PEREIRA, 2018).
No período em tela, o Banco Mundial passou a incidir a definição de políticas públicas em todas
as dimensões do desenvolvimento, com destaque para saúde, educação, meio ambiente e administração
pública. Na educação 6, o Banco aderiu às principais orientações da Conferência Internacional de Educação
para Todos 7 (1990) e, em 1995, o Banco publicou a primeira edição do documento “Prioridades e Estratégias
para Educação”, na qual se propõe, através da educação, reduzir a pobreza e melhorar os níveis de vida
mediante o crescimento sustentável e o investimento de capital humano. Assim, deveria promover o uso
produtivo da mão de obra, que, segundo o Banco, é o principal ativo dos pobres, e fornecer serviços sociais
básicos para os pobres (BANCO MUNDIAL, 1996).
De acordo com Pereira, as propostas de reconfiguração das políticas sociais do Banco Mundial
não levam em conta como a riqueza nacional é produzida e apropriada de forma desigual por classes sociais.
Para o Banco, os pobres são pobres porque não têm “ativos” (capital humano) (PEREIRA, 2018). Grande
parte do empresariado, dos intelectuais e dos políticos brasileiros reproduzem esse pensamento do Banco
Mundial, demostrando como esse Organismo Internacional desempenha o papel de convencimento de
amplos agentes da sociedade.
No documento em questão, o Banco Mundial recomenda que os investimentos públicos sejam
focalizados na educação básica, em especial, para as escolas primárias frequentadas por crianças de famílias
pobres. Para a educação secundária publica, cogita-se a cobrança seletiva de mensalidade combinada com
bolsas de estudos para grupos selecionados. Em relação ao ensino superior público, recomenda-se a
cobrança de mensalidade.

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Sobre a “reforma” da educação, o Banco Mundial, enfatiza a necessidade de adaptar os sistemas


educacionais aos avanços tecnológicos e às mudanças nas estruturas econômicas, isto é, ao processo de
reestruturação produtiva (qualidade total e empresa enxuta). Diante disso, apresenta-se seis reformas para
que os países periféricos possam resolver os problemas de acesso, equidade, qualidade: 1) dar mais
prioridade à educação; 2) prestar atenção ao rendimento; 3) concentrar o financiamento público na educação
básica; 4) prestar atenção na equidade; 5) intensificar a participação das famílias no sistema educacional; 6)
dar autonomia às instituições, permitindo uma combinação flexível dos materiais educacionais (BANCO
MUNDIAL, 1996).

Aparelhos Privados de H egemonia na construção do consenso em torno da contrarreforma


educacional no Brasil na década de 1990

O empresariado brasileiro, alinhado ao social-liberalismo, vem incidindo nas políticas


educacionais desde o início da década de 1990. Nesse período, o empresariado defendia “reformas” na
educação com vistas à produção de uma nova sociabilidade e à formação para o trabalho simples, adequados
ao novo padrão de acumulação capitalista dependente (NEVES, 2015). Para difundir essa concepção
educacional, eles organizaram, através de seus APHs vários fóruns e documentos. Sobre influência das
principais propostas dos organismos internacionais como Banco Mundial, CEPAL e Unesco, acreditavam
que as “reformas”, além de adequarem a educação às novas demandas do capital, buscavam formar um
trabalhador de novo tipo, que deveria adquirir novas competências para a empregabilidade. Os empresários
também buscavam reconfigurar a educação básica, destituindo seu caráter público, transformando-a em
setor público não estatal, conforme proposto na contrarreforma do Estado.
Em 1992, foi realizado, na Universidade de São Paulo, o Fórum Capital-Trabalho, que contou
com a participação de empresários, representantes sindicais, governos, universidades e centro de pesquisa,
para debater os problemas básicos da sociedade brasileira. O resultado da reunião foi a assinatura da “Carta
Educação”, que buscava construir um consenso sobre o tema. Entre as recomendações apresentadas na
carta, destacam-se as voltadas para a melhoria da eficiência do sistema (SHIROMA, GARCIA e CAMPOS,
2011), tais como “descentralização promove transparência de operação e responsabilidade”; e “É preciso
avaliar o desempenho dos alunos para requalificar e revalorizar escola e professor” (CARTA EDUCAÇÃO,
1992). De acordo com as autoras, esse fórum seguia as recomendações da CEPAL de construir um amplo
consenso educativo com participação de diversos autores.
No mesmo ano, o Instituo Herbert Levy (IHI) e a Fundação Bradesco publicaram o documento
“Educação fundamental e competitividade empresarial: proposta para ação do governo”. Um dos objetivos
desse documento era traçar uma preposição de ação na educação para que o Programa de Competitividade
Industrial (PCI), lançado por Collor, fosse colocado em prática. Como diz o próprio documento, a atenção
estava voltada para o ensino fundamental, a partir de dois problemas: o financiamento e a qualidade
(OLIVEIRA, 2005). Sobre o financiamento, destacou-se a ineficiência da máquina administrativa no

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controle e aplicação dos recursos. Além disso, o documento ressaltava que o Estado não cumpria o que
havia sido estabelecido na constituição em relação ao financiamento. No que diz respeito à qualidade, esse
documento defendia a transposição da qualidade total para o campo educacional. Assim, bastava definir o
que o aluno devia saber ao final de um ciclo de estudos e avaliá-lo para ver se isto ocorreu (OLIVEIRA,
2005).
Em 1995, no início do governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, o Programa de Apoio
à capacitação tecnológica da Indústria (Pacti) e do Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade
(PBQP) organizou o documento “Questões críticas da educação” (BRASIL, 1995), escrito pelos
pesquisadores Cláudio Salm e Azuete Fogaça. O documento enumera nove prioridades para adequar a
educação às “atuais necessidades da realidade brasileira”: 1) educação básica; 2) ensino superior; 3) educação
geral x educação tecnológica; 4) atendimento a jovens e adultos subescolarizados; 5) papel das instituições
de formação profissional; 6) participação do sindicato; 7) participação empresarial; 8) gestão da educação; e
9) financiamento da educação (BRASIL, 1995). Entre as prioridades apontadas, destacamos, pelo escopo
das discussões até aqui apresentadas, a educação básica, a participação empresarial e a gestão educacional.
Para escrever o documento, os pesquisadores Salm e Fogaça utilizaram como referência um
conjunto de estudos realizados por APHs do empresariado industrial como IHL, Instituto de Estudos para
o Desenvolvimento Industrial (IEDI) e Confederação Nacional da Indústria (CNI). Com base nos
documentos produzidos pela CNI e o IEDI, dois importantes APHs empresariais do setor industrial, os
autores mostram as principais questões apontadas pelos empresários em relação à educação. A primeira
delas era a necessidade de rever a relação entre escola trabalho, diante da emergência de novas tecnologias.
A segunda questão era o papel dos empresários na elevação do nível de escolaridade dos trabalhadores,
através de uma formação de novo tipo. A proposta da CNI, reproduzida pelos os autores, consistia em uma
educação geral e completa para que aqueles que ainda estão no mercado de trabalho possam assimilar
diversas habilidades e competências exigidas pela empresa e um sistema para formar os possíveis excluídos
que necessitam de urgência em desenvolver novas habilidades. Além disso, propõe-se a universalização à
educação básica, o combate à evasão escolar e a revisão curricular (CNI, 1993 apud BRASIL, 1995).
Antes de prosseguirmos para próximo ponto, cabe fazer aqui um breve comentário sobre o IEDI
e a educação. A educação é um dos temas de estudo mais importantes para o Instituto. Em 1991, publicou
o documento “Competitividade e Educação: estratégias empresariais”, que dá ênfase no papel que os
empresários desempenharam no avanço educacional e no treinamento técnico. De acordo com esse
documento, a ação empresarial em relação à questão educacional deveria ocorrer em três níveis: 1) por meio
da participação na gestão das políticas educacionais; 2) através do SENAI e SESI e; 3) através de ações
diretas executadas pelas empresas (IEDI, 1991 apud IEDI, 2001).
Em relação à gestão educacional, Folgaça e Salm apontam vários problemas: a precariedade da
prática de seleção, de admissão, de lotação e da política salarial da carreira do magistério; problemas
relacionados ao livro didático e à merenda escolar; multiplicidade de projetos educacionais que não têm

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continuidade com a mudança de governo; centralização burocrática; insuficiência dos recursos e gestão da
qualidade.
Diante disso, os autores traçam estratégias da participação empresarial na educação:

a. investir mais em Educação e treinamento, especialmente dos segmentos menos


qualificados; b. participar diretamente no esforço de melhoria do ensino público de 1º e
2º Graus, através de convênios de cooperação com as Secretarias de Educação, para a
manutenção das escolas existentes nas comunidades onde se localizam as empresas; c.
incentivar as novas modalidades de cooperação entre o setor produtivo e as
Universidades, incluindo um maior apoio às pesquisas que se dedicam à busca de
métodos e técnicas pedagógicas mais adequados à clientela da escola básica; d. efetivar a
abertura de oportunidades educacionais nos espaços fabris (escolas anexas às fabricas) e
criação de facilidades para que seus empregados menos escolarizados possam completar
sua Educação básica, vencendo as resistências e os problemas que levam a fracassar as
iniciativas de ensino supletivo extra-empresa, pelo esforço adicional que exigem do
trabalhador; e. a gestão dos programas empresariais de formação profissional deve contar
com a participação de representantes dos trabalhadores. f. maior participação nos debates
sobre a reforma do ensino (LDB) e as reestruturações curriculares que se fazem
necessárias. (BRASIL, 1995, p. 41-42)
As recomendações para a gestão escolar previam o desenvolvimento de novos padrões de gestão
que possibilitassem maior participação da comunidade e dos diferentes segmentos da sociedade, incluindo
os empresários; maior autonomia da unidade escolar; diminuição das desigualdades educacionais;
institucionalização de políticas educacionais entre outros. Observamos que algumas propostas deste
documento foram incorporadas na LDB de 1996.
A partir da leitura dessas estratégias, algumas questões sobressaem: o reconhecimento da
centralidade da educação no cenário econômico da década de 1990 e o reconhecimento da ineficácia das
políticas adotadas até então, por isso exigia-se mais participação do empresariado e de seus APHs na
formulação e na operacionalização das políticas educacionais em todos os níveis, pois, como vimos, ele seria
o principal sujeito na direção das contrarreformas educacionais. A participação do empresariado no debate
educacional e na operacionalização de políticas públicas ganhou novos contornos a partir do início do século
XXI.

Empresariado e educação básica no limiar do século XXI

Com a vitória do Partido dos Trabalhadores (PT) nas eleições presidenciais de 2002, houve um
aprofundamento do social-liberalismo que se desdobrou em um novo desenvolvimentismo. Com a
combinação da manutenção do núcleo duro da política econômica neoliberal e a ampliação das políticas
sociais compensatórias e focalizadas, o PT buscava a construção de um projeto de conciliação de classe.
O PT já não representava os anseios de setores da classe trabalhadora por uma educação pública
emancipadora. Nesse sentido, houve uma expansão da atuação das organizações empresariais na educação
básica. Sobre esse aspecto, Nora Krawczyk apresenta quatro tipos de formas de atuação empresarial na
política educacional, nesse período (KRAWCZYK, 2018): 1) O modelo Todos pela Educação (MARTINS,
2016), que atua como uma rede de influência e como um think tank (centro de pensamento), com forte apoio
na mídia; 2) O espaço escolar, por meio de programas que promovem a difusão de valores e que legitimam
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o padrão de acumulação atual, tais como empreendedorismo, individualismo, meritocracia; 3) As fundações


empresariais que atuam, junto aos governos municipais e estaduais, formulando e implementando políticas
educativas (Ethos, Itaú Social, Fundação Roberto Marinho); 4) Alianças entre corporações nacionais e
internacionais, na formação de docentes (Teaching for América); programas de bolsas de estudo e formação
de “lideranças” para o Brasil (Fundação Leman e Fundação Estudar).
Os principais grupos econômicos que atuam em diversas organizações empresariais, segundo
Leher (2018), se concentram no Todos Pela Educação (TPE) e no MBC que atuam como coalizões. Essas
duas coalizões empresariais têm, entretanto, atuações distintas no campo educacional. A primeira atua de
forma mais incisiva na definição de leis e nas regulamentações para a educação básica. Já a segunda coalizão
tem uma atuação mais geral e, na área da educação, tem se destacado na reconfiguração das redes públicas
de ensino por meio de mudanças na estrutura da gestão e do processo pedagógico das escolas públicas.
Embora as duas coalizões tenham atuações diferentes, elas possuem uma base filosófica em comum, pautada
numa concepção educacional utilitarista. A educação compreendida como um fator do desenvolvimento
econômico ocorre por meio da teoria do capital humano e do capital social (MOTTA, 2013). Essa base
filosófica está contida tanto na agenda do TPE quanto nas propostas e ações do MBC.
O movimento Todos Pela Educação (TPE) foi criado em 2006 com o objetivo de realizar a
centralização de múltiplas organizações e empresas atuantes na educação, influenciando nas políticas
públicas para Educação Básica, em nível nacional, a partir da bandeira do direito da qualidade da educação
(MARTINS, 2016). Em 2007, o TPE chegou a definir a política educacional do governo Lula da Silva: o
Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). Logo depois, alcançou a esfera do Estado, através do Plano
Nacional de Educação (PNE-Lei N° 13.005/14) (LEHER, 2018).
Por sua vez, o MBC foi criado em 2001 por setores industriais, liderados pelo empresário Jorge
Gerdau Johannpeter (Grupo Gerdau), sendo, ainda em 2001, reconhecido pelo Governo Federal como
Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Em 2002, transferiu-se do Rio de Janeiro
para Brasília, ficando mais próximo do centro do poder. O MBC, nos seus relatórios de atividades, se
apresenta como um “agente importante de articulação e mobilização da sociedade civil organizada [...] da
esfera pública e privada [...] para o aumento da competitividade no Brasil” (MOVIMENTO BRASIL
COMPETITIVO, 2009), através da implantação de tecnologias de gestão tanto no setor privado quanto no
setor público. Trata-se do modelo de gestão da qualidade total 8 que emergiu como uma resposta à crise
orgânica do capital mundial na década de 1970.
O MBC é mantido por grandes empresas e instituições com forte presença de grupos econômicos
tecnológicos transnacionais, como Amazon, Facebook, Google, Intel, Microsoft e Huawei. O Movimento
também incorporou organizações da sociedade civil, entidades patronais corporativas, sindicatos
representantes da classe trabalhadora 9 e representantes do aparelho institucional do Estado. O Movimento
possui articulações com os organismos internacionais, entre eles, o Fórum Econômico Mundial (FEM),
Banco Mundial (BM) e Agência para o Desenvolvimento Internacional do Estados Unidos (USAID).
Na área específica da educação, o MBC teve maior influência no tema da competitividade. Além
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disso, o Movimento através de Jorge Gerdau, presidente do conselho superior do Movimento, foi um dos
principais articuladores da criação do TPE. Destacamos neste artigo o papel dos Seminários de Educação 10,
elaborados pelo Movimento, como meios de difusão da hegemonia da classe dominante e da formação de
intelectuais orgânicos para difundir a pedagogia do capital.
Em julho de 2004, já sob o primeiro governo Lula, o MBC promoveu o I Seminário Internacional
de Educação Brasil Competitivo, que reuniu mais de 700 educadores e representante das principais
organizações públicas e privadas para debater propostas para “melhoria na gestão da educação brasileira”
(MOVIMENTO BRASIL COMPETITIVO, 2004).
A abertura do Seminário contou com a participação do então ministro interino da educação,
Fernando Haddad; o presidente do Conselho Superior do MBC Jorge Gerdau Johannpeter; o presidente do
Comitê Temático de Educação do MBC, Aloysio Bohnen; a secretária de educação do Distrito Federal,
Maristela de Melo Neves; o diretor e secretário da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Lourival
Novaes Dantas; e os conselheiros do MBC, Guilherme Bettencourt, presidente do Conselho da Xerox, e
Edson Vaz Musa, presidente do Conselho da Caloi. O tema central debatido no evento foi a “a educação
como um fator determinante para a competitividade do país” (MOVIMENTO BRASIL COMPETITIVO,
2004).
O tema debatido no Seminário não apresentava nenhuma novidade, pois, como vimos, colocava
a educação como um fator para o desenvolvimento econômico, constituindo uma estratégia utilizada pelo
empresariado em outras conjunturas. A novidade na participação do empresariado, nesta conjuntura,
apresentava-se por meio do fortalecimento de uma proposta de atuação nacional entre parte desse setor,
Estado e sociedade civil através de um pacto para reconfiguração do conjunto do sistema de educação
pública (MARTINS, 2016).
Assim, o MBC, através dos seminários, deu continuidade na inserção do debate educacional na
agenda empresarial, com a finalidade de criar um grande “consenso nacional” sobre o problema educacional
brasileiro, como pode ser observado na fala do Conselheiro do MBC, Jorge Gerdau. O empresário, citando
os dados elaborados pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), desenvolvido pela
Organização para Cooperação de Desenvolvimento Econômico (OCDE), mostrava que o Brasil ocupava a
posição 37ª do ranking mundial de 41 países. Para o empresário gaúcho “Só a educação para todos e com
qualidade pode fazer pessoas conscientes e socialmente responsáveis. A competitividade passa pela
educação. Nada se constrói sem essa base” (MOVIMENTO BRASIL COMPETITIVO, 2004).
Desse modo, a educação, na concepção dos empresários do MBC, entra no cálculo do “Custo
Brasil”, pois, para eles, o baixo desempenho das escolas, medido pelos índices nacionais e internacionais,
traz problema para as empresas, que acabam tendo o custo maior em capacitação e treinamento dos seus
trabalhadores. Isto posto, segundo esses empresários, cabe ao Estado qualificar a força de trabalho, mas a
partir da concepção pedagógica elaborada pelos intelectuais coletivos e individuais do empresariado.
Seguindo os pressupostos do Banco Mundial, o empresário Jorge Gerdau, considera a educação
a base para o desenvolvimento econômico. Para divulgar o projeto educacional de sua classe, Jorge escreveu
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alguns artigos que foram publicados no jornal Folha de São Paulo, no início deste século. Em um desses
artigos, o empresário atrelava o crescimento econômico brasileiro à falta de qualidade na educação básica e
propunha, então, para resolver essa mazela, a formação de capital social e reforço da competividade e
inovação no país (JOHANNPETER, 2006). Assim, a tríade formada pelo capital social, pela
competitividade e pela inovação somente seria efetivada por meio da parceria do setor público com as ditas
organizações não governamentais, em especial, o TPE.
Desse modo, de acordo com Jorge, a única forma de competirmos globalmente é garantindo uma
educação de qualidade para todos. No entanto, essa qualidade não pode ser garantida pelo Estado e seus
funcionários, por isso ele defende publicamente uma maior participação do empresariado nessa empreitada,
sobretudo, através da difusão da “competência gerencial” (JOHANNPETER, 2006) nas instituições de
ensino público. Segundo o empresário, somente essas competências podem fazer com que as escolas e os
professores melhorem a produtividade sem que aumentem os recursos públicos. Deste modo, Jorge
coaduna-se com as teorias do capital humano e da qualidade total, muito difundidas pelos organismos
internacionais como o Banco Mundial no campo educação e com Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio (ODM).
Para concretizar essas propostas mencionadas, o MBC criou o Programa Modernizando a Gestão
Pública (PMGP). Ressaltamos ainda que o PMGP era um programa mais amplo, pois, além da área da
educação, ele atuava nas áreas de saúde, segurança pública e meio ambiente, desenvolvendo programas de
meritocracia, reestruturação de processos e monitoramento de metas e resultados (MOVIMENTO BRASIL
COMPETITIVO, 2020). Ademais, o PMGP foi realizado com a participação de empresas de consultoria,
especialistas em gestão por resultados, para atuar junto a órgãos públicos de governos estaduais, municipais
e federal, ou seja, na sociedade política. Com isso, os fundamentos teóricos e práticos do PMGP estão em
consonância com o gerencialismo.
Em 2007, os governadores do Rio de Janeiro, Sergio Cabral, do Partido da Mobilização
Democrática (PMDB), e de Pernambuco, Eduardo Campos, do Partido Socialista Brasileiro (PSB), aderiram
ao PMGP com objetivo de reduzir as despesas por meio da racionalização dos recursos humanos e materiais,
aumentando a receita por meio do aperfeiçoamento do processo de arrecadação, incluindo melhorias nos
indicadores de resultados nas áreas de segurança pública, saúde e educação (MOVIMENTO BRASIL
COMPETITIVO, 2007). Nos anos seguintes, outros estados e municípios foram aderindo ao Programa.
Destacou-se, nesse momento, o governo de Goiás, administrado pelo governador Marconi Perillo, do
Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).

Conclusão

A partir do que foi discutido até aqui, entendemos que o MBC é um APH empresarial com atuação
na educação básica. As propostas e ações desse APH coadunam com as recomendações dos Organismos
Internacionais, em especial, o Banco Mundial, e se articula à formação de uma frente formada a partir da

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coalizão com diversas organizações empresariais que, para além de difundir a agenda dominante
internacional, articula interesses e consolida um movimento de formação da hegemonia empresarial sobre
a educação brasileira.
O Banco Mundial, como vimos, tem também um papel intelectual no sentido de formular políticas
públicas e influenciar os principais grupos e classes dos países periféricos, tomadores de empréstimos. Nesse
sentido, na periferia do capitalismo, o MBC cumpre o papel de sistematizador e operacionalizador de
políticas, sobretudo, as relacionadas à medição de desempenho das escolas públicas. O papel de difusão tem
origem na atuação desse APH no interior da sociedade civil, mas atinge as políticas educacionais nas duas
últimas décadas, definindo as orientações das “reformas” realizadas no interior das agências da sociedade
política, como o Ministério da Educação, o Conselho Nacional de Educação e às secretarias estaduais e
municipais de ensino.
Sendo assim, com este artigo, pretendemos contribuir para a análise da atuação do MBC na
educação, tanto como difusor da ideologia empresarial, através de seminários, quanto como
operacionalizador de políticas púbicas, por meio do PMGP. Portanto, ressaltamos que essa atuação do MBC
coloca em evidência a relação complexa entre o Estado e a sociedade civil no Brasil contemporâneo.

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Notas
1 Mestre em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (PPGEduc/UFRRJ). Professor da rede pública do Estado do Rio de Janeiro.
Doutorando em Educação pelo pelo mesmo programa. Currículo Lattes CV: http://lattes.cnpq.br/3601305363521112 ORCID
ID: https://orcid.org/0000-0001-7533-4054 E-mail: [email protected]
2 Doutor e mestre em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal do Rio de Janeiro

(UFRJ). Professor Adjunto do Departamento Educação e Sociedade (DES) e do Programa de Pós-Graduação em Educação,
Contextos Contemporâneos e Demandas Populares (PPGEduc) na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Líder
do grupo de pesquisa Laboratório de Investigação em Estado, Poder e Educação (LIEPE). Currículo Lattes CV:
http://lattes.cnpq.br/1913716021055272 ORCID ID:https://orcid.org/0000-0002-7183-9589 E-mail:
[email protected]
3 Virgínia Fontes tem utilizado termo APHs empresarial para analisar as transformações na sociedade civil e no Estado brasileiro

no contexto contemporâneo, por considerá-lo como uma categoria que “tem alcance suficiente para abrigar as diferentes
modalidades organizativas, as tendências diversas que se abrigam no âmbito da sociedade civil, os conflitos que expressam e seu
papel nas lutas de classes e na configuração do Estado capitalista” (FONTES, 2020, p. 23).
4 Para o economista estadunidense Theodore Schultz, o capital humano seria um conjunto de habilidades e conhecimentos que,

adquiridos pelo indivíduo, por meio de educação e treinamento, elevaria a sua produtividade econômica e consequentemente os
seus rendimentos (SUCHULTZ, 1963).
5 O Banco Internacional para Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD) é a organização mais importante do Grupo Banco

Mundial. Ele surgiu a partir da conferência de Bretton Woods em 1944.


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6 Na década de 1960, a educação e a saúde não tinham a devida atenção dos diretores do Banco. Foi então que, nas duas gestões

subsequentes, essa situação começou a ser modificada, sobretudo, por causa do problema da pobreza nos países periféricos. Nesse
período, a educação passou a ganhar um destaque especial na agenda do Banco Mundial. Já na década de 1970, esse organismo
internacional passou a defender o ensino técnico e profissional para os países do Terceiro Mundo como forma de incrementar a
produtividade da população da região. No final da década 1970, o interesse do Banco Mundial direcionou-se para a educação
primária, por ser considerada a mais apropriada para assegurar às massas um ensino mínimo e de baixo custo.
7 A Conferência Mundial de Educação para Todos foi financiada pelo Sistema das Organizações das Nações Unidas (ONU) e suas

Agências – Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), Fundo das Nações Unidas para Infância
(UNICEF) e Fundo das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), e o Banco Mundial (BM). O objetivo do projeto era
demonstrar que a educação deveria realizar as necessidades básicas de aprendizagem; conhecimentos teóricos e práticos,
capacidades, valores e atitudes indispensáveis ao sujeito para enfrentar suas necessidades básicas.
8 Os programas de qualidade total consistiram numa nova técnica organizacional que tem sua origem no Japão após a Segunda

Guerra Mundial. A elaboração dos princípios da qualidade total foi realizada pelo professor norte-americano W. Edwards Deming
na década de 1950 no Japão. O significado da qualidade era queda nos custos da produção para aumentar a competitividade do
Japão internacionalmente. Outro intelectual da qualidade total foi J.M.Juran, que em parceria com o engenheiro japonês Ishikawa,
estenderam esse conceito para além das áreas de manufatura, incorporando-o a quase todas operações da empresa.
9 No período em que o Partido dos Trabalhadores (PT) esteve no poder (2003-2016), as principais instituições da classe trabalhadora

estavam associadas ao MBC: a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Força Sindical, a União Geral dos Trabalhadores (UGT),
a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag),
configurando o projeto petista de conciliação de classes.
10 A primeira edição do Seminário Internacional de Educação Brasil Competitivo foi realizada em 2004 e a última edição ocorreu

em 2008. Na primeira edição, contou com a participação do intelectual suíço Phillipe Perrenoud.

Recebido em: 09 de março de 2021


Aprovado em: 24 de abril de 2021

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