Artigo 1
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Artigo de Reflexão/Ensaio
Como citar: Barroso, B. I. L., Souza, M. B. C. A., Bregalda, M. M., Lancman, S., & Costa, V. B. B. (2020).
A saúde do trabalhador em tempos de COVID-19: reflexões sobre saúde, segurança e terapia ocupacional.
Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional. 28(3), 1093-1102. https://doi.org/10.4322/2526-
8910.ctoARF2091
Resumo
Este ensaio teórico tem o objetivo de apontar importantes contribuições, no âmbito
da Saúde e da Segurança do Trabalhador, no que se refere ao enfrentamento da
COVID-19, baseando-se em leis, políticas, normas e recomendações internacionais
sobre o assunto. Pretende-se, ainda, identificar possíveis atuações em Terapia
Ocupacional, saúde e trabalho, levando em consideração o combate à pandemia no
Brasil. A literatura aponta que profissionais da saúde têm três vezes mais chances de
contrair o vírus do que a população em geral. Por essa razão, no Brasil, o Governo
federal precisa se articular com os estaduais e os municipais para elaborar, adaptar,
implementar e fiscalizar leis, políticas e normas sobre saúde e segurança do
trabalhador, de forma a garantir condições de trabalho adequadas e diminuir os riscos
à saúde dos trabalhadores durante a pandemia. Sobre a Terapia Ocupacional, foram
pontuados direcionamentos iniciais acerca da atuação no âmbito da saúde do
trabalhador, considerando o que preconizam o Sistema Único de Saúde, a Política
Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora e o Conselho Federal de
Fisioterapia e Terapia Ocupacional. Convém enfatizar que ações não devem ser
direcionadas somente aos trabalhadores dos serviços de saúde, mas também aos de
outros serviços assistenciais essenciais e considerar estratégias para alcançar os que
trabalham de forma desregulamentada.
Palavras-chave: Saúde Pública, Exposição Ocupacional, Saúde do Trabalhador,
Terapia Ocupacional, COVID-19, Coronavírus.
Recebido em Abr. 28, 2020; 1ª Revisão em Jun. 17, 2020; Aceito em Ago. 5, 2020.
Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso,
distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.
Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 28(3), 1093-1102, 2020 | https://doi.org/10.4322/2526-8910.ctoARF2091 1093
A saúde do trabalhador em tempos de COVID-19: reflexões sobre saúde, segurança e terapia ocupacional
Abstract
This theoretical essay aims to point out the main contributions in the health and
workers' safety aspects, considering the laws, public policies, international
recommendations, and point out possible paths and roles of Occupational Therapy to
fight against COVID-19 Brazilian pandemic. The literature shows that health care
workers have three times more likely to get infected than the general population. Thus,
in Brazil, the Federal Government needs to articulate with the local and regional
sphere to create, adapt, implement and inspect laws, policies, and standards on
workers' health and safety to ensure conditions to work and reduce health risks for
workers during the pandemic. Regarding Occupational Therapy, initial guidelines
were pointed out about the work in the occupational health, considering policies of
the Unified Health System, National Health Policy for Workers and Federal Council
of Physiotherapy and Occupational Therapy. The actions must be directed not only
to health service workers, but also to other essential assistance services, and those who
work in an unregulated manner.
Keywords: Public Health, Occupational Exposure, Occupational Health,
Occupational Therapy, COVID-19, Coronavirus.
1 Introdução
No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou o
surto causado pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), uma pandemia global (Cucinotta &
Vanelli, 2020). Detectado pela primeira vez em dezembro de 2019, na cidade de Wuhan,
China, esse vírus causa uma doença denominada de COVID-19, cujo quadro clínico varia
de infecções assintomáticas a quadros respiratórios graves. No Brasil, o primeiro caso foi
notificado no dia 21 de fevereiro de 2020 (Gorbalenya et al., 2020).
Desde então, diversos países e instituições vêm atualizando os números sobre a doença
quase em tempo real. Como exemplo de vias de divulgação dessas informações, temos o site
criado pela Universidade Johns Hopkins e a OMS, que libera relatórios diários sobre a
evolução da pandemia e descreve as principais mudanças ocorridas em relação à situação do
dia anterior (Candido et al., 2020; World Health Organization, 2020).
No relatório nº 94 de 23 de abril de 2020, a OMS confirmou a existência mundial de
2.544.792 casos e 175.694 mortes. Esses números ultrapassaram rapidamente os da última
pandemia - a da gripe suína (H1N1) - que causou 18 mil mortes em todo o mundo, entre
2009 e 2010. No Brasil, em abril, já havia 43.079 casos confirmados e 2.741 mortes
causadas pela COVID-19, colocando-o como o país da América do Sul em que mais se
detectaram casos. O número de mortes no país por COVID-19 dobra a cada cinco dias e
supera os índices da Europa e dos Estados Unidos (Candido et al., 2020; Pierre, 2020;
Comitê Científico de Combate ao Coronavírus do Consórcio Nordeste, 2020; World
Health Organization, 2020).
Ao quase continente chamado Brasil - devido ao seu vasto território – com sua diversidade
cultural, a distribuição econômica desigual e a grande variabilidade dos seus equipamentos de
saúde, acrescentam-se desafios no que tange à efetividade da vigilância na área de Saúde do
Trabalhador. A redução de investimentos e o constante processo de precarização do Sistema
Único de Saúde (SUS), principalmente nos últimos três anos, depois da inclusão de um novo
regime fiscal no âmbito dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, por meio da
aprovação da Emenda Constitucional 95, vêm colocando à prova a organização e a estrutura
do sistema brasileiro de vigilância e assistência (Lacaz et al., 2019). Aspectos como o despreparo
e a desproteção das equipes de saúde em relação a essa pandemia são identificados como pontos
importantes a serem discutidos.
O SUS, considerado o maior sistema público de saúde do mundo, mesmo tendo sido
subfinanciado desde sua criação, vem fornecendo a base necessária para as ações de
enfrentamento da COVID-19, por dispor de uma rede de serviços, equipamentos e recursos
humanos. Entretanto, a falta de investimentos, seu desmonte e sua desestruturação ficam mais
evidentes nos momentos de crise, denotando o número insuficiente de recursos humanos na
saúde; a falta de treinamento das equipes da atenção básica e da média complexidade para lidar
com as suspeitas e com os casos da COVID-19; o número insuficiente de equipamentos de
proteção individual (EPI); a falta de profissionais especializados em serviços de urgência; as
poucas ações de prevenção interna nos espaços de cuidado, dentre outras ações necessárias ao
enfrentamento de situações emergenciais de saúde pública (Romero & Delduque, 2017;
Lacaz et al., 2019; The Lancet, 2020).
As discussões que permeiam as necessidades de produção normativa que envolvam a
saúde e a segurança do trabalhador, durante o enfrentamento de emergências de saúde
pública – aedes aegypti, H1N1, zika vírus - e a legislação sanitária referente ao controle de
doenças carecem de atualização. O Estado brasileiro, para cumprir a Política Nacional de
Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (PNSTT), deve garantir a saúde e a segurança
durante a execução de suas atividades produtivas (Romero & Delduque, 2017; Brasil,
2018; Lacaz et al., 2019).
No que tange ao enfrentamento da pandemia da COVID-19, os estados brasileiros têm
promovido ações de cunho individual e coletivo para lidar com os impactos sanitários e
econômicos. Governadores dos estados que constituem o Consórcio de Integração Sul e
Sudeste (COSUD) reuniram-se em 02 de abril de 2020 e propuseram medidas econômicas
e fiscais que contribuam para que os governos locais enfrentem a crise sanitária. Além disso,
os nove estados do Nordeste do Brasil formaram o Comitê Científico de Combate ao
Coronavírus (C4NE) para auxiliar os governadores a encontrarem a melhor forma de
planejar a alocação dos recursos para combater a proliferação do vírus e estruturar o sistema
de saúde, associados à adoção de medidas de isolamento social pouco debatidas no âmbito
das legislações vigentes. Essas medidas reconhecem o trabalhador e a trabalhadora do SUS
como a maior e mais potente força de combate à pandemia (Romero & Delduque, 2017;
Lacaz et al., 2019; Comitê Científico de Combate ao Coronavírus do Consórcio Nordeste,
2020).
Quanto à atuação dos terapeutas ocupacionais para combater e tratar a COVID-19, no
início de abril, o Governo Federal, por meio da Portaria nº 639, que dispõe da ação
estratégica e obrigatória ‘Brasil, Conta Comigo’, apresenta uma proposta “[...] voltada para
a capacitação e o cadastramento de profissionais de Saúde, entre eles, fisioterapeutas e
terapeutas ocupacionais” (Brasil, 2020c, p. 01). Todos os profissionais regulares no
Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO) e no Conselho
Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (CREFITO) precisam se cadastrar, no que
tange ao objetivo da normativa, que visa “[...] proporcionar capacitação aos profissionais
da área da Saúde nos protocolos clínicos do Ministério da Saúde para o enfrentamento da
COVID-19, devendo perdurar até o fim da pandemia” (Conselho Federal de Fisioterapia
4 Considerações Finais
A pandemia recoloca, na ordem do dia, a defesa do SUS e de seus princípios de
universalidade, integralidade e equidade, assim como a dos sistemas de garantia de direitos
da classe trabalhadora brasileira, a saber: direito ao acesso a serviços de saúde; à proteção
social, nos casos de impossibilidade de exercer suas atividades de trabalho; ao trabalho
digno, instrumentalizado e protegido aos trabalhadores e trabalhadoras da saúde e dos
serviços essenciais públicos e privados; a uma renda básica, em caso de desemprego ou de
trabalho desregulamentado; e, mais do que nunca, o direito fundamental à vida.
Como se trata de um ensaio teórico e reflexivo escrito em meio a uma pandemia, as situações
emergenciais relacionadas às leis, às normas e às orientações dobre a segurança no trabalho bem
como às atuações profissionais precisam ser constantemente revistas. A partir desta reflexão,
indica-se que devem ser realizadas discussões ampliadas sobre os limites e as possibilidades de
praticar a terapia ocupacional na área de Saúde, especificamente no enfrentamento às
pandemias, e sistematizar as experiências que já vêm sendo feitas.
Nesse cenário de emergência sanitária, terapeutas ocupacionais vêm propondo, no
âmbito da Atenção Básica, práticas de prevenção do contágio e/ou de agravos decorrentes
da COVID-19, bem como de promoção e recuperação da saúde, entre elas, a reorganização
do cotidiano familiar na diversidade de novos contextos; no âmbito hospitalar, desde ações
de adequação postural até orientações aos familiares de pessoas internadas por COVID-19;
e no âmbito da saúde do trabalhador, práticas de cuidado com os trabalhadores da linha
de frente e de reorganização de processos de trabalho dessas equipes, bem como sua
permanência e o retorno ao trabalho depois do contágio. A terapia ocupacional apresenta
um amplo escopo de atuação nesses três âmbitos e que, em relação à área de Saúde do
Trabalhador, suas ações podem abranger todos os trabalhadores das áreas consideradas
essenciais, tendo como base a compreensão de suas condições de trabalho, considerando o
papel do Estado, a legislação trabalhista, as recomendações da Organização Internacional
do Trabalho e a necessidade de intervenções interinstitucionais e intersetoriais.
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