Expedição Aos Martírios
Expedição Aos Martírios
Expedição Aos Martírios
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. EDIÇÃO
MARY RIOS
Francisco Marins
Expedição aos
MARTÍRIOS
20." edição
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MEU-IDRAMEI"\TDS
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Marins, Francisco
Expedição aos Martirios I Francisco Marins
[ilustrações Oswaldo Storni]. -- 2. ed. -
São Paulo : Editora Melhoramentos, 2005. -
(Roteiro dos Martirios)
ISBN 85·06·04614·9
05-4257 CDD-028.5
Direitos de publicação
© 1952 Cia. Melhoramentos de São Paulo
© 2005 Editora Melhoramentos Ltda.
Atendimento ao consumidor:
Caixa Postal 11541 - CEP 05049-970 - São Paulo - SP - Brasil
ISBN 85-06-04614-9
Impresso no Brasil
Sumário
A serra misteriosa, 7
Recordando os acontecidos, 14
Dias de tédio, 17
Vender a tropa?, 20
Surpresa na cocheira, 22
Por que eles não se interessavam , 25
. . .
À procura de pistas, 66
Picareta faz nascer a cidade, 67
Encontro com o Bugre, 68
Dois cavaleiros em fuga, 71
A aldeia abandonada, 73
Desavenças, 77
Arraial em ruínas, 79
Estranha aparição, 84
Uma figura misteriosa, 89
Visita na madrugada, 92
Sepultados vivos, 97
Novas surpresas, 1 02
Adeus ao Araés, 104
Terríveis dúvidas, 105
Cena de horror, 111
Finalmente, os Martírios?, 113
A serra misterio sa
7
Tonico tinha grande amizade por Juvenal, que o
tratava como se fosse um homem adulto, embora só
tivesse catorze anos. Sujeito alto, espadaúdo, com
pelotas de muque no braço, Juvenal era conhecido con
tador de causas e aventuras. Tonico se lembrava dele
a andar de um canto para outro da sala, pisando nas
tábuas do velho casarão em que viviam, as quais ran
giam, no silêncio da noite... E, à medida que descre
via cenas de lutas ousadas contra onças traiçoeiras,
fazia gestos, arremedava urros, imitava o barulho do
vento assobiando entre os troncos das árvores. Che
gava a subir no parapeito da janela, empunhando a
faca, que sempre trazia à cinta...
Tonico ficava admirado de ouvi-lo.
Juvenal era homem bom, amigo de todo mundo.
A valentia que arrotava realmente provinha mais do
seu entusiasmo de jovem e da força da imaginação.
Ele continuamente repetia:
- Algum dia você vai comigo ao sertão. Vai sim.
E dava pancadinhas nas costas do sobrinho. Este
concordava: quem sabe algum dia isso pudesse acon
tecer.
Tonico e Perova trabalhavam fazendo viagens com
tropas de burros, ida e volta, de Piratininga, no pla
nalto, a Cubatão, no litoral. Para baixo, carregando
toucinho, carne, açúcar; para cima, com os animais
arcados ao peso de sal, vinhos portugueses, ferragens,
vidros, e tantas coisas mais que vinham nos navios de
outro país.
8
Certa noite, de seu quarto, Tonico ouvira quando
seu tio Juvenal, na sala da casa, conversava com duas
pessoas ao redor da mesa, iluminada pelo lampião.
Suas vozes eram cochichadas. Ele, como de costume,
andava de um lado para outro na sala e sua sombra se
alongava na parede.
Tonico, que a essa altura já espiava a conversa
sem ser visto, mal entendia o que dizia um dos outros
homens. Tratava-se de um mestiço, meio índio, que
misturava palavras e atendia pelo apelido de Bugre
do-Chapéu-de-Anta. Tinha à cabeça um chapéu en
feitado, na parte de trás, por penas de ave.
Juvenal ia de um lado para outro com as mãos
atrás das costas, ouvindo-o dizer, de modo quase in
compreensível:
- É a mais fabulosa mina do Brasil! Temos que
pôr as mãos naquele ouro!
- Nossas riquezas, agora, não vão mais embora
pra Portugal! - disse Juvenal.
Tonico então se recordou do que Oscar Perova
lhe havia contado. Dom Pedro, o Imperador, voltava
de Santos, pelo caminho das tropas, quando recebera
ordens muito duras vindas do distante reino português;
por isso, respondera com coragem que o Brasil não
obedeceria mais a outro país. Tomava-se indepen
dente.
Tonico não tinha dado importância ao fato, con
tado por seu companheiro mais velho. Mas, como seu
tio Juvenal dizia que agora o ouro do Brasil não iria
9
mais embora, então devia haver alguma razão ligando
as duas coisas.
- Uma companhia de mineração abriu uma pica
da, partindo de Cuiabá, para chegar ao Araés, onde
rolam pepitas pelo chão- continuava a dizer o Bugre
do-Chapéu-de-Anta, com sua voz grossa e rouca.
Quando o homem se levantou, tirou o chapéu, apa
nhou uma caneca de água do pote e, então, Tonico pôde
ver que ele tinha uma enorme cicatriz na cabeça!
- Para ir até Cuiabá a gente precisa de bons rema
dores. Depois, de mateiros e carregadores. Sei como
arranjar isso... por bem ou por mal- disse, acentuan
do as últimas palavras, de modo enigmático.
Juvenal pareceu não entender seu significado e
respondeu:
- É preciso arranjar dinheiro para pagar tudo. Sem
isso, não dá pra arriscar.
Em seguida abriu a janela e olhou para a noite,
sem estrelas. Respirou fundo, também, como quem
está com saudades da natureza, do cheiro do mato, da
frescura do sereno.
Um galo cantou distante. Era noite avançada.
O Bugre-do-Chapéu-de-Anta se dirigiu para a por
ta e disse em tom arrogante:
- Arranje o dinheiro. O resto deixa comigo e com
o Elesbão.
Este último, que até ali estivera mudo e um tanto
sonolento, murmurou:
- Araés?- Já estive por lá.. O lugar chamado de
.
10
De novo fez-se silêncio. Um galo tomou a cantar,
distante.
- O bandeirante Pires de Campos viu os Martírios
quando tinha mais ou menos a idade do Tonico, meu
sobrinho, quando acompanhava o pai dele em uma
Bandeira por aqueles sertões.
- Dizem que o Anhagüera-mirim também viu
completou o Bugre! - E que lá eles brincaram na areia,
com pepitas de ouro correndo entre seus dedos!
Os dois homens saíram. Tonico voltou para seu
quarto, fechou a porta e foi depressa para cama, sem
ser notado.
Primeira Parte
D E P IR AT I N IN G A , I T U E P O RT O F E L I Z
Recordando o s acontecidos
14
abaixo até Cubatão, e de lá subindo morros, no cami
nho de volta. Piratininga, que mais tarde passou a se
chamar São Paulo, era uma cidade cuja população cres
cia bastante e já chegava a mais de doze mil habitan
tes; assim, havia bastante serviços de transporte, pelo
qual as pessoas pagavam bem.
Nossa tropa era formada de quarenta burros e mu
las. Quando seguíamos para o litoral, levávamos açú
car, aguardente, toucinho. O transporte rendia o sufi
ciente para vivermos .h�.m. Meu pai trabalhara anos e
anos com a tropa. Quando morreu, mamãe não quis
vender a burrada. Assumiu em parte o trabalho dele,
em companhia de alguns homens que eram fiéis a nós
e verdadeiros amigos. Entre eles, principalmente,
Perova. Não fosse este, sempre leal e pronto para tudo,
pouco teríamos realizado.
Minha mãe achava, entretanto, que a vida que eu
levava era muito dura para um menino de doze anos.
Esperava que logo eu deixasse de viajar. Dizia que meu
pai morrera cedo porque havia sofrido muito por aque
-
les caminhos, sob sol e chuva. Tínhamos parentes lá
'- .. - . '
15
- Não gosto dele! - respondeu, seco.
- Por quê?
- Foi caçador de índios. Trazia os coitados para
trabalharem como escravos nas roças daqui ... Mas não
conte isso para sua mãe.
Passadas as chuvas, raiou um sol gostoso de verão
e recomeçamos as viagens a Cubatão.
Certo dia, Perova me contou, sobre tio Juvenal, algo
que eu ainda não sabia: arranj ara dinheiro para a via
gem com o Jacó Belchior e minha mãe garantira o pa
gamento da dívida.
Então me lembrei da madrugada de sua partida,
quando, ao me despedir, entreguei a ele um objeto mui
to precioso para mim.
- Leve isto, tio, como lembrança minha.
Ele me abraçou, com os olhos em lágrimas. De
pois apalpou a guampa, encastoada de prata, presente
de meu pai no dia de minha primeira viagem na serra.
- Você é um bom amiguinho, Tonico. Espero que
este chifre trabalhado me dê muita sorte. Toda vez que
eu beber água nele vou pensar em você !
Prendeu o objeto no mosquetão da cinta larga de cou
ro, passou as mãos na aba do chapéu, de trás para dian
te, arrumou a garganta com um pigarro, montou o cavalo,
lançou-me um último olhar e partiu para Porto Feliz.
16
Dias de tédio
17
Muitas vezes demorávamos um tempo enorme para
transpor pequenos trechos. Havia o perigo de perder
as mercadorias, pelas quais éramos responsáveis. Lem
bro-me de um dia em que duas mulas, c arregadas de
sal, escorregaram pelo abismo. Ficamos bastante pe
nalizados pela sorte das bestas, além de sofrermos sé
rio s prejuízos.
Com todos esses contratempos, eu vivia pensando em
deixar aquela vida dura de tropeiro, mas não sabia como.
Minha mãe, sem outros parentes ali, e com o irmão
afundado no sertão, parecia cada vez mais triste.
Piratininga crescia e ela já sentia saudades do tem
po em que a cidade era menor, sem tanto movimento
de tropas, carroças, carros-de-boi e de gente estranha,
chegando e partindo.
Eu temia deixar o serviço, nossa única fonte de ren
da. Só sabia andar no lombo de burro, serra abaixo,
serra acima. Assim mesmo, ia falar com mamãe a esse
respeito. Havíamos de arranjar outro meio de vida. Se,
ao menos, o tio Juvenal estivesse na cidade ! Poderia
pedir a ele um conselho. Fazia dois anos que não rece
bíamos notícias. Teria encontrado os Martírios?
Com essas lembranças e pensamentos, abri a can
cela do portão e entrei em casa.
18
Vender a tropa?
20
-Paciência, minha mãe. Vamos encontrar uma saída ...
- E se eu tiver que vender a tropa?
Então caí na realidade. Vender nossos burros? Eles
eram parte da minha vida. Mamãe caía em choro e me
afagava de encontro ao peito.
Naquela tarde, muito aborrecido com tal notícia,
nem quis jantar e fui falar com Perova. Encontrei-o no
galpão dos arreios cortando vagarosamente um tento,
de um couro velho esticado entre duas estacas.
Quando me viu daquele jeito, com os olhos verme
lhos, demonstrou já saber do que se tratava e conti
nuou a preparar o couro.
- Perova, vamos perder a burrada!
Oscar continuou a alisar o tento com o fio do cani
vete, cuspiu entre dentes, ajeitou a aba do chapéu e
disse:
- Jacó Belchior emprestou o dinheiro, sua mãe fez
a dívida. Agora não tem remédio . . .
- Se você sabia de tudo, por que não me disse antes?
- Não adiantava! Milagre, só com Deus.
- E, então, o que fazer?
- Estou pensando, pensando... O tempo vai ajudar.
Não entendi o que ele dizia.
Duros foram os dias que se seguiram. Eu perdia o
entusiasmo pelo trabalho que, até ali, havia sido a razão
de viver. Nem tinha coragem de ir ao piquete onde, no
capim, pastavam os burros, nossos companheiros de
tantos e duros anos de sobe e desce naquelas serras.
2l
Mamãe se fechava em longos silêncios. De vez em
quando se lastimava por ter posto a perder o que o ma
rido nos havia deixado e, ainda, por assim prejudicar
meu futuro.
- Não diga isso, mamãe - eu a consolava.- Já me
sinto um homem feito e vou me arranjar.
- Você começou a lutar desde cedo, Tonico. É um
ótimo filho e muito mais !
Surpre sa na cocheira
22
Ao dizer isso, minha voz ficou sumida. Senti uma
vontade louca de chorar.
- Coragem, Tonico ! - disse ele, segurando-me pelo
braço. - Olhe pra frente. E, na certa, tem alguma coisa
boa esperando pela gente. . .
-Alegrei-me ao ouvir ele dizer "pela gente", pois
isso significava que iria em nossa companhia.
No dia seguinte foi a entrega dos animais.
Eu nem quis ir à mangueira, para não ver nossa tro
pa partir, levada por outro. Que tristeza! Gostava tanto
das mulas e dos burros! O Marujo, o Sapo, a Estrela, a
Pampa, o Paraguai, o Caipira. Cada qual tinha uma his
tória e uma lembrança. Quanta mercadoria subira nos
lombos deles, de Cubatão para o planalto !
Permaneci dentro de casa, com a janela fechada,
ouvindo os gritos dos peões, os estalos dos relhos. Um
nó apertou minha garganta. Pela última vez ouvi o zurro
do Pinhão, como a se despedir, para sempre . . .
Paga a dívida, restara-nos somente nossa casa, de
pouco valor.
Quando os animais desapareceram, na curva do ca
minho, em meio a uma nuvem de poeira, caminhei de
vagar para a cocheira.
Perova, na cerca, com o canivete na mão, alisava
um tento de couro. Ele nem olhava para onde os ani
mais haviam desaparecido, pois sofria também com a
perda. Então pensei na situação do amigo, que não qui
sera ir embora, como os outros camaradas.
23
- Agora você não precisa mais cuidar de arreios e
cangalhas!
- Por que não?
- Não temos mais nenhum animal.
Perova continuava a alisar o tento. Passou a mão
pela aba do chapéu e respondeu:
- Então, olhe lá atrás do mangueirão ...
- Não compreen � o !
- Veja lá!
Saí correndo, passei em frente do galpão de arreios
e, atrás do cercado, encontrei três burros pastando.
Reconheci o Marujo, o Pachola e o Topázio, nos
sos três animais de maior estimação.
- Como foi isso, Perova? Eles não seguiram com
os outros?
- Não. Sua mãe me pediu para eu trocar a tropa
pela dívida, tanto por tanto ...
- Sim! Foi o combinado.
- Eu trouxe o credor aqui e mostrei a tropa da man-
gueira. Ele olhou tudo, muito bem, contou, aceitou.
Então tudo foi feito, como aqui se diz, de "porteira
fechada".
- Mas você já tinha escondido os três animais?
- É isso. Negócio é negócio.
Consolei-me. Em meio à desgraça, alguma coisa
se salvava, graças à astúcia de Perova.
24
Por que eles não s e
interessavam...
26
Daí partimos em direção a Campinas, cidade já mais
desenvolvida. Ao seu redor, espalhavam-se bons en
genhos e fazendas cultivadas. Passamos pelo Salto de
Itu e fiquei impressionado com aquele magnífico es
petáculo da natureza. Pobre de quem rolasse por tan
tas pedras pontiagudas, entre as quais a água espuma
va, parecendo formar um caldeirão fervente.
Por fim, já muito cansados, chegamos a Itu, cujo
comércio parecia bem maior que o de Campinas. Suas
ruas, embora construídas sem alinhamento, ofereciam
agradável impressão aos visitantes.
Ao chegarmos, fomos muito bem recebidos pelos
nossos parentes. E mamãe, apesar do cansaço da viagem,
pareceu ganhar novo alento. Fomos morar numa casa
pequena, de tábuas, mas confortável. Perova habitava um
quarto nos fundos e sentia-se satisfeito ao nosso lado.
Em poucos dias, nós dois já havíamos percorrido
tudo por lá. E ouvimos bastante sobre antigas monções
que partiam de Itu e Porto Feliz para Cuiabá. Muita gente
ainda continuava a ir aos sertões pelo caminho dos rios.
Certa noite, Oscar veio me contar:
- Descobri a casa em que viveu um antigo ban
deirante.
- Como se chamava?
- Não guardei o nome. Mas me disseram que. um tal
Nhô Prudência, velho morador deste lugar, sabe de tudo.
Fomos logo procurar. o homem e o encontramos
sentado em um banco, no pátio da igreja, à sombra de
uma grande figueira.
27
Era um velho de barbas ralas, face enrugada. Estava
fumando seu cachimbo, distraído, olhos fixos nas plan
tinhas e nas flores, parecendo deixar o tempo passar.
Recebeu-nos com alegria e contamos a ele muita
coisa sobre nós.
Convidou-nos logo para irmos até sua casa, logo
em frente, tomar um cafezinho. Fomos. Ele vivia só.
Não tinha mais familiares em ltu, todos já eram fale
cidos. Ele mesmo, dizia, vivia meio lá, meio cá, lutan
do contra o reumatismo.
- Qualquer dia não agüento mais!
- Não diga isso- censuramos, para animá-lo.
- Então vocês querem saber sobre Pires de Cam-
pos? - perguntou, depois que nos sentamos no banco
de três pernas daquela pequena sala.
Pires de Campos? Será que eu ouvira bem? Então
se tratava de Antoninho, o menino que, na companhia
de Bartô, vira os Martírios? Sim, inacreditável, era so
bre ele que Nhô Prudência nos contava.
E ele continuou:
- Quando cresceu, o menino Antoninho voltou aos
sertões, como homem feito, e andou à procura dos
lugares antes percorridos pela Bandeira de seu pai,
Manuel de Campos Bicudo. E também se tornou um
famoso bandeirante. Viveu alguns anos em Cuiabá e
acabou seus dias nesta vila.
- O senhor o conheceu? - perguntei, muito inte
ressado.
28
-Não. Mas meu pai conversou com ele muitas ve
zes, sentados nas raízes daquela figueira da praça, onde
vocês me encontraram. Depois vou mostrar a vocês a
casa onde ele morreu.
Saímos e fomos caminhando devagar pela rua de
serta e silenciosa, porque Nhô Prudência, com sua ida
de, mal podia dar os passos, apoiado a uma bengala.
Não havíamos andado muito e ele apontou para a
velha casa, já abalada pelos anos.
- É aquela. Ali ele viveu e o povo o chamava de
Pai-Pirá. Faleceu aos 90 anos. Homem corajoso que, em
menino, como já disse, acompanhou seu pai aos sertões.
Seu filho, do mesmo nome, lutou contra os índios caiapós.
Levou uma flechada no braço e morreu. Mas fundou vi
las em São Paulo e Goiás.
- Ele então viu Martírios - acrescentei, lembran
do-me das histórias de tio Juvenal.
- Sim. Pires de Campos contou a meu pai sobre
aquele lugar misterioso, onde havia muito ouro e que
ninguém mais conseguiu ·encontrar, depois deles.
-Mas as minas existem mesmo? - inquiriu Perova.
29
- Muitas expedições j á foram à procura dessas mi
nas, inutilmente, mas isso não quer dizer que ainda
não possam ser encontradas. Eu mesmo ...
- O senhor também? - interroguei, cada vez mais
ansioso.
Nhô Prudêncio baixou a voz, tossiu um pouco, quis
disfarçar. Mas, como eu insistisse, continuou:
- Isso já faz muitos anos. Eu era jovem e sonhava
com as histórias que meu pai tinha ouvido de Pires de
Campos. Tentei organizar uma expedição para procurar
as mmas.
- E foi feliz? - perguntei.
- Não, meu filho. Não conseguimos o apoio para a
expedição. Mas não se deve perder as esperanças; al
gum dia alguém chega lá e "de novo" descobre Martí
rios. Pires de Campos dizia a meu pai que, no dia em
que essas minas fossem reencontradas, haveria tanto
ouro que cada família podia ter seu altar de casa en
feitado com ele.
- Não diga!
- Sim. Naquela serra, o ouro aparecia à flor da terra,
depois das chuvas. Rolava mesmo pela encosta, até as
areias do rio. Mas depois se tomou impossível voltar lá.
- Por quê?
- Pensem comigo. O bandeirante esteve naqueles
lugares quando era um jovenzinho. Depois, muitos
anos se passaram. Os rios receberam outros nomes e
até mudaram, em alguns trechos, o curso de seus lei-
30
tos. A natureza é bruta e se altera. Ninguém mais tinha
lembrança das antigas trilhas percorridas.
- Sim, isso é certo - confirmou Perova. - A mataria
em pouco tempo encobre tudo! Ainda assim, uma coisa
me intriga: por que os bandeirantes, quando encontra
ram o ouro de Martírios, não o levaram embora?
Nhô Prudêncio, então, explicou:
- As bandeiras iam capturar índios e não se inte
ressaram pelo ouro que pouco valia! - E continuou: -
Pires de Campos disse, em confidência a meu pai, que
há muitos anos havia ditado a um amigo do sertão o
roteiro para se chegar aos Martírios.
- Isso é muito importante - afirmou Perova.
- Há anos andei à procura desse mapa - continuou
Nhô Prudêncio -, entregue pelo bandeirante a um tal
Vilares, que o confiou a um morador de Cuiabá. É certo
que esse roteiro existe e, portanto, sem ele nas mãos,
seria impossível chegar aos Martírios.
Nhô Prudêncio resmungou ainda algumas palavras
e, como já era tarde, nos despedimos.
- Gostei de vocês. Voltem pra falar com o velho. Nin
guém conversa mais comigo ... Na certa, todos já sabem
as histórias que eu conto e que são sempre as mesmas!
No paredão do Tietê
33
- Isso se não morrerem na viagem com as febres,
os jacarés e as onças.
Eu continuava a ouvir os comentários e ia exami
nando os homens trabalhando no barracão. Um deles
media uma enorme canoa, dizendo em voz alta:
- Oito palmos de largura ... Cinqüenta de compri
mento . . . Três e meio de profundidade2•
- Temos ainda muitas canoas pra fazer - comenta
va outro.
Quando voltávamos para casa, Perova me disse:
- Precisamos saber mais sobre essa expedição que
vai descer o rio.
No momento não atinei sobre a intenção dele. Nos
dias que se seguiram, procuramos ficar mais informa
dos. O que descobrimos nos deixava alvoroçados. Tra
tava-se de uma grande excursão, paga pelo Governo
da Rússia, para fazer estudos científicos no interior
do Brasil. E iam precisar de trabalhadores para formar
a tripulação de muitas canoas e de um batelão.
Muito interessante aquele lugar, à beira do rio, com
um enorme paredão de cor branca-acinzentada, com
vários buracos arredondados. Contaram-nos que a pe
dra tinha gosto de sal e, por isso, as araras vinham ali
bicar e até formar seus ninhos. Daí surgira o nome
antigo do povoado, Araritaguaba, que significava, na
língua indígena, "lugar onde as araras comem".
34
De novo no porto, vimos uma expedição que acabava
de chegar de Cuiabá. Era formada por umas dez canoas
pequenas, tripuladas por muitos escravos e por índios.
Quando chegavam monções como aquela, a cidade se al
voroçava. Havia, então, gente estranha e perigosa pelas
ruas: homens vindos das minas, bem armados e se entre
gando à bebida, promovendo arruaças nas vendo las.
Quase sempre traziam também uns pobres índios, ilu
didos com promessas de trabalho nas cidades, onde na
verdade, iriam viver, quase sempre, como semi-escravos!
Um fugitivo na noite
35
de medo enquanto dizia palavras que mal entendíamos.
Era evidente que fugia de perseguidores.
Logo mais, ouvimos mais barulho e vozes na rua.
Perova apagou o lampião, sem largar o intruso, que
tentava em desespero se livrar de suas mãos fortes.
Alguém gritou de fora:
- Óoooo de casa!
Ficamos em silêncio.
- Óoooo de casa!
Perova então abriu a janela da frente e viu homens
armados e com dois cachorros, que latiam furiosamente.
==-E._ntregue o fugitivo ! - alguém gritou.
Nosso gesto foi o de proteger o mais fraco, mesmo
sem sabermos de quem se tratava. E Oscar, matreira
mente, porém com firmeza, respondeu:
- Vão embora e não perturbem o nosso sono !
Os homens, do lado de fora, não estavam conven
cidos e insistiam.
- Se não entregam, a gente arromba a porta!
Perova não se intimidou. Colocou sua arma pela
folha da janela entreaberta e fez um disparo.
Os agressores silenciaram e, temerosos, partiram
dali, tanto que ouvimos depois, distante, o latido dos
cães.
Ficamos à frente do indiozinho, muito sujo e trê
mulo; ele parecia querer correr para baixo de uma das
camas e ali se esconder.
36
Condoído com aquela cena, tentei explicar ao peque
no que seus perseguidores estavam longe e dentro de casa
não o agarrariam.
Fui à cozinha e apanhei alguma coisa que sobrara
para ele comer. Devorou tudo, com apetite. Depois,
licou nos olhando, um pouco menos assustado.
- De onde você veio? - perguntamos.
Não respondeu.
Arrumamos alguns pelegos e fizemos para ele uma
cama no chão, onde se acomodou como um bichinho
c logo caiu em sono profundo.
37
Revelações do indiozinho
38
Ele não sabia explicar, mas apontou para o chapéu
de Perova pendurado num prego da parede e indicou,
na própria face, com o dedo, um sinal, que entende
mos ser uma cicatriz.
Imediatamente veio-me à lembrança a figura da
quele mestiço, em minha casa, e cuja sombra se proje
tara na parede, com seu enorme chapéu e a pena de
avestruz.
Perguntamos a ele sobre outro homem alto, forte, e
se ouvira o nome Juvenal.
Pixuíra abanou a cabeça e indicou ter visto, junto
com o chapeludo, um catatau com faca comprida, cara
de mau.
"Seria Elesbão? E o tio Juvenal?", pensei.
- Tudo isso está cheirando muito mal - disse meu
amigo.
- Amanhã partimos cedo daqui e ele vai também.
Perova saiu para a rua e voltou com um embrulho
que logo abri. Era uma roupa de menina, de chita ver
melha.
- Para que isso? - perguntei, sem compreender.
- Para vestir e disfarçar a sua "priminha" Pixuíra.
Logo percebi a intenção dele, para a fuga.
Disfarce e despedida
40
Passaram-se alguns dias. Os piores, talvez, da mi
nha vida. O isolamento me fazia infeliz. Ouvia boatos
que provocavam correrias entre a gente, atiçando a fe
bre de aventuras e ambições: tropeiros vindos do inte
rior comentavam sobre a descoberta de jazidas de
pedras preciosas. E continuavam outras corridas ao ser
tão. De Itu, desde o raiar da madrugada até o escure
cer, dezenas e dezenas de carroças, cavaleiros, gente a
pé, todos se punham em marcha, em busca de novos
Eldorados.
Nunca soube se encontraram muitas riquezas. En
tretanto, lembro-me bem desses dias, porque passei por
um terrível desgosto. Minhas secretas suspeitas quanto
à saúde de minha mãe se confirmavam. Ela faleceu em
um domingo, ao cair da noite, sem sofrimento, estando
somente eu a seu lado.
Eu estava, então, completamente sozinho.
Um raio de S ol
43
- Que aconteceu, menino, por que tanta tristeza?
Levantei os olhos avermelhados e percebi que elas
sorriam para mim de maneira acolhedora.
- Eu . . . eu ... estou perdido, sozinho no mundo.
- Vamos, pequeno, venha conosco.
Acompanhei-as, quase automaticamente.
Tratava-se da esposa e da filha de Francisco Álva-
res Machado, homem muito importante, médico, que
morava perto do rio.
Elas voltavam da igreja aonde tinham ido rezar para
que a expedição fosse bem-sucedida. Tinham devo
ção por Nossa Senhora Mãe dos Homens.
Na casa delas fui muito bem tratado. Todos eram
amigos dos viajantes. E muito sentiram por eu não ter
-
A-
alcançado o grupo, no qual o próprio chefe da casa
havia ido, porém só até a cidade mais próxima, para
l�tzer companhia aos viajantes.
Deram-me de comer e aceitei o quarto que me ofe
receram para repousar. No dia seguinte, voltaria para
I I u, para então resolver sobre meu futuro.
Mal havia me recolhido, entretanto, e ouvi barulho
do lado de fora. Fiquei atento, e percebi que chega
vam vários cavaleiros à frente da casa.
Ouvi os nomes deles. Eram os senhores Hércules,
R iedel e Adriano. Pouco depois, também, batiam à por
ta de meu quarto e, muito alegres, as donas da casa me
comumcaram:
- Venha, meu jovem, você está realmente com sor
te! Aqui temos alguns amigos que pertencem à expe
dição. Despediram-se hoje de manhã de nós, mas logo
que os barcos fizeram pouso, léguas abaixo, onde te
rão de permanecer por dois dias, arranjaram cavalos e
vieram por terra nos fazer ainda uma última visita. Já
1:11amos com eles a seu respeito. Vão levá-lo até as
canoas e assim você reencontra seus dois amigos.
Então elas me contaram: haviam rezado pedindo à
santa de sua devoção para que tudo desse certo comi
go, um menino tão sozinho ! E a santa, que era mila
grosa, atendera ao pedido. E me disseram, ainda, que
a imagem viera da Europa, muitos anos atrás, e deve
ria seguir pra Cuiabá. Porém no dia da partida, quan
do foram carregá-la para o barco, estava tão pesada
45
que não conseguiram tirá-la do chão. Daí ter ficado, para
sempre, naquela igreja!
Não poderia esperar por coisa melhor. Dei graças a
Deus pela inesperada visita e por tudo de bom que me
acontecia.
Segunda Parte
,
D E P O RTO F E L IZ A CUIAB A
Pelo Rio Anhembi abaixo
49
11istas e bandeirantes, para desbravar e povoar terras
distantes.
Procurei, na medida de minhas forças, ser útil aos
n llnpanheiros, ajudando-os.
51
da nos recuperado do susto, quando, antes que pudés
semos impedir, Pixuíra mergulhou na corrente escura.
Ficamos todos apreensivos e gritamos ao indiozi
nho para que voltasse, pois havia grande perigo.
Decorreu algum tempo sem ele aparecer. Finalmen
te sua cabeça surgiu à tona d'água, alguns metros dis
tante. Tornamos a gritar, aflitos, mas o pequeno tor
nou a mergulhar. Perova rapidamente tirou a roupa, e
já ia se atirar à água para socorrê-lo, quando vimos
um ponto escuro aparecer fora d'água. Mas, dessa vez,
o esperto pequeno mantinha suspensa a anta abatida
por Perova.
Atiramos a ele uma corda e a caça foi trazida.
To � �s cumprimentaram o indiozinho pela façanha,
mas Perova o repreendeu. Passara por sério perigo.
Comemos, nesse dia, churrasco de carne de anta. E
a partir daí cooperávamos nas tarefas de caça e pesca,
essenciais à alimentação de tantos remadores. Jacutin
gas, patos do mato, socós-boi e outras aves serviam
de bons petiscos, assim como os pequenos dourados e
jaús que pescávamos. Pixuíra ainda nos ensinou a en
contrar, nas margens dos rios, ovos de tartaruga enter
rados na areia.
53
A expe dição do russo
54
Contaram-me ainda que, naquele lugar, haviam se es
condido, em outros tempos, muitos escravos vindos
das fazendas.
No pouso seguinte, Perova, Pixuíra e eu fomos
fazer tocaia num barreiro próximo. Barreiro é um lu
gar de terra salgada onde bichos de pêlo vêm lamber
o chão.
Conseguimos, ali, abater duas capivaras, que fo
ram carregadas para as canoas. Todos comeram car
ne assada, com apetite e, a que sobrou, foi moquea-
. -------
55
Históri a arrepi ante
56
da cachoeira, longe de outros seres viventes. Como
puderam suportar o isolamento e sobreviver?
Daquele di� em diante, dei mais valor ao nosso con
vívio amigável, com os companheiros da expedição,
sempre alegres e entusiasmados, embora não fosse fá
cil o nosso dia-a-dia de viagem sob a soalheira e as
chuvas torrenciais.
O te s ouro perdido
57
mos, depois de grande esforço, que elas subissem para
o outro patamar.
Atingimos as cachoeiras denominadas Três Irmãos.
Nesse lugar as águas agitadas penetravam entre as ro
chas, espumando e fazendo grande barulho.
Um dos remadores me contou: na época da desco
berta das ricas minas cuiabanas que atraíam milhares
de aventureiros, uma canoa desaparecera no abismo
daquelas águas. Não era uma embarcação qualquer:
estava retomando das minas e carregada com 80 arrobas
de ouro em barras, metidas em caixotes. Ao se aproxi
mar do salto, a canoa virou por inabilidade do piloto.
Muitos aventureiros, sabendo do desastre, vieram
à procura daquele tesouro anos e anos seguidos. Mer
gulharam e escavaram as margens, porém inutilmen
te. Alguns até desapareceram, arrastados pela violen
ta correnteza.
O preto Anastácio
58
seus companheiros: de Porto Feliz a Cuiabá eram 530
léguas4, as quais deviam ser vencidas pelos rios Tiête,
Paraná, Pardo, Taquari, Paraguai, São Lourenço e
Cuiabá. Em toda essa extensão somente duas léguas
eram de varadouros, isto é, de desvios por terra.
No lugarejo conseguimos víveres em quantidade.
Dali, seguimos viagem até o Rio Taquari, onde trans
pusemos a última cachoeira, denominada Beliago. O
acontecimento foi alegremente comemorado com sal
vas de tiros, pela vitória sobre aquele último obstáculo.
Também nesse dia cruzamos com uma pequena ex
pedição, que descia para Piratininga. Conversamos
com os garimpeiros. Perova procurava conhecer me
lhor sobre o nosso roteiro, para quando deixássemos a
Expedição do Russo. Ao mais velho do grupo inquiriu
sobre os Martírios.
- Muitas expedições têm procurado aquelas minas. A
Companhia de Mineração de Cuiabá havia chegado ao
Araés, para tentar restaurar as antigas lavras do arraial de
Amaro Leite Moreira. Naquela ocasião, andaram à pro-
59
cura de certo mapa desaparecido, contendo a rota para os
Martírios e que pertencera a um antigo bandeirante.
Ao ouvir aquelas palavras, lembrei-me do que nos
contara Nhô Prudêncio, em Itu.
- E encontram o roteiro? - perguntou Perova.
- Não - explicou o v �ajante. - Dizem estar com um
.
tal Anastácio, que o conseguTti ninguém sabe como . . .
E nem s e é verdadeiro. Eu também duvido . .. H á mui
tas fantasias sobre a serra do ouro.
Ficamos, naquela noite, pensativos naquelas pala
vras do viajante, que pouco esclareciam, mas que, de
certa maneira, confirmavam a existência do roteiro do
Pai-Pirá. Por essa altura da viagem íamos ter pela frente
os índios Guaicuru, muito temidos por serem hostis
aos brancos. Montados nas ancas de seus cavalos, cos
tumavam atacar os viaj antes e fazer escravos aos que
conseguiam ap risionar, quando não os matavam. Mui
tas monções haviam sido suas vítimas.
Ao saber disso, enchi-me de grande medo, mas
Perova, como acontecia sempre nos momentos difí
ceis, soube me encorajar dizendo que havíamos de
enfrentar e vencer as dificuldades, sem precisarmos
ferir nem matar os índios, os quais, como sempre re
petia, apenas tentavam se defender das maldades de
muitos aventureiros.
Enquanto avançávamos, íamos sentindo, cada vez
mais, a presença dos Guaicuru. Também a existência
de cardumes de piranhas, no rio, era para nós ameaça
60
constante. Tendo caçado um macaco, Perova o atirou
às águas, preso por uma corda. Quando o puxou, qua
tro daqueles peixes vorazes vieram grudados ao ani
mal. Assim, a cada vez que repetia o gesto, lá vinham
elas, grudadas. Em pouco tempo tínhamos j á uma boa
fileira, pescada. Pobre de quem tivesse a infelicidade
de cair n'água, com peixes tão famintos à espera!
Aos poucos nos aproximamos do Rio Paraguai, que
alcançamos cerca de seis dias depois. O Rio Paraguai
é muito largo e tem cerca de seiscentas léguas navegá
veis, mas não possui cachoeiras nem corredeiras.
Temendo, a qualquer momento, algum ataque dos
Guaicuru, os chefes da expedição distribuíram espin
gardas. Perova recusou. Já tinha a sua de caçador e
não iria atirar contra os índios.
Durante a noite, as sentinelas ficaram atentas, para
evitar qualquer surpresa. Foram momentos de apreen
são, em que todos procuravam devassar a escuridão,
temendo que a qualquer momento surgissem, do meio
das folhas, os atacantes munidos de arcos e flechas.
Depois de vários dias de expectativa e angústia,
em que lutamos contra chuvas, nuvens de mosquitos e
enchentes alagando as margens por quilômetros e
quilômetros, chegamos finalmente à região de uma tri
bo de índios Guató, estes porém, muito dóceis.
Em princípios do novo ano, entramos no Rio
Cuiabá, deixando o São Lourenço à direita. Então nos
sos amigos Riedel e Taunay, que haviam seguido na
61
frente, vieram ao nosso encontro em sua canoa e, jun
tos, atingimos o porto.
Estava terminada nossa viagem em companhia da
Expedição do Russo, a qual pretendia alcançar o Ama
zonas. Em Cuiabá ficaram alguns remadores de Porto
Feliz, entre eles o jovem muito simpático de nome An
tonio de Marins. Disse-nos que pretendia, em Mato
Grosso, dedicar-se à atividade boiadeira e dali condu
zir gado para cidades do interior de São Paulo, talvez
para a serra de Botucatu.
Os expedicionários queriam que continuássemos
com eles, mas tínhamos outros objetivos. Despedimo
nos daquelas pessoas tão amigas. Iríamos sentir sau
dades de todos. E desejamos a eles sucesso na longa e
perigosa viagem até o rio dito por toda gente o maior
do mundo. Solitários, sem conhecer ninguém, segui
mos, os três, pelas ruas da cidade.
Terceira Parte
" . . . o certo é entrar desde Cuiabá, procu
rando levar rumo entre norte e poente . . . "
A procura de pi stas
66
Perova franziu a testa, como quem tem uma idéia,
mas nada nos disse. Continuamos até o fim da rua,
onde perguntamos a um transeunte sobre alguma hos
pedaria. Ele nos indicou um velho casarão, de frente a
uma praça arborizada, e para lá nos dirigimos. Ali con
seguimos acomodação.
67
Cabral fora escolhido para "guarda-mor da vila", que
cresceu rapidamente, até se tomar uma cidade.
óH
E sem ele eu estava perdido ali no escuro. Rastejando
ao lado da cerca, avancei para o lado em que ficara o
indiozinho. Quando partíamos rua abaixo, ouvimos um
assobio e Perova veio ao nosso encontro pelo lado
oposto.
- Corram - falou ele.
Saímos ligeiro até encontrar um terreno baldio.
Dali, rumamos pela rua esburacada até uma praça com
árvores. Oscar nos explicou que, após ouvir nossos
assobios, se escondera e vira dois vultos passando. Re
conhecera o Bugre e Elesbão.
- Então eram eles? - perguntei, ansioso.
- Tenho certeza . . .
- E s ó o s dois?
- Sim. E também está claro que seu tio Juvenal não
está por aqui.
A conclusão de Perova parecia acertada, para meu
desconsolo.
Baixei a cabeça, muito triste.
- Penso que nunca mais vou ver meu tio - murmurei.
- Tenha calma, menino. Quando entrei sorrateiro
naquela casa encontrei isto . . .
Apalpei n o escuro o objeto que Perova me entre
gava e então tive outro pressentimento. Era a guampa
de chifre, incrustada de prata, que meu pai usara du
rante tantos anos e que eu dera a tio Juvenal, no dia de
sua despedida.
- Eles então o mataram - murmurei, complctamcnlc
revoltado.
69
- Vamos pensar de maneira positiva!
- Ele é homem astuto que sabe se defender. Aposto
que está vivo. Ouvi o que diziam. Estão à procura do
Anastácio para se apoderarem do roteiro de Vilares,
que indica o caminho para o Araés.
- E que vamos fazer?
- Tenho um plano para amanhã. . .
Dois cavaleiro s em fuga
71
- Nesse mapa tinha o caminho de Martírios!
Um velho de longas barbas, ao escutar, resmungou:
- Malditas minas ao pé da serra. Dizem que uns
índios bravos, os Guariba, guardam por lá. Quem ten
tar ir além dos Araés é morto por eles! Tomara que o
Bugre seja castigado!
O companheiro, magro, de voz rouca, murmurou
algumas palavras que ninguém entendeu, mas se ben
zeu duas vezes.
Saímos dali a um gesto de Perova e, à medida que
nos afastávamos, ele ia aumentando o passo. Em pou
co tempo, só podíamos acompanhá-lo correndo.
- Ei, Perova, onde você vai?
- Temos que alcançar aqueles assassinos!
Estava convencido de que o Bugre matara o pobre
Anastácio.
A manhã já despontara de todo e um lindo sol en
trava pela rua buraquenta, iluminando as paredes de
adobe dos velhos casarões da cidade. Nas esquinas,
revoltados, grupos de pessoas continuavam a comen
tar sobre o triste acontecimento.
Logo alcançamos a rua da casa solitária.
Perova entrou pelo portão e, por um corredor late
ral, chegou ao quintal. Tudo estava em silêncio. A co
cheira aberta, mas nenhum cavalo ali dentro. Voltou e
bateu à porta, repetidamente, porém ninguém atendeu.
Deu um forte golpe de ombros ao encontro da folha da
porta, pondo-a abaixo. A sala da frente estava deserta.
- Bandidos! Fugiram! - murmurou ele, desolado.
72
A aldeia abandonada
73
indiozinho se mostrou mais alegre, pois aquele parece
ra ser o Rio da Casca, que conduzia até sua tribo.
Então improvisamos, com alguns troncos, uma peque
na jangada amarrada com cipós e embiras, e seguimos
a corrente.
Logo em seguida, levamos um grande susto. Com a
água pelo peito, quando manobrávamos a j angada, pe
guei no que parecia um tronco de árvore, mas senti que
aquilo era mole e se mexia. Dei um salto quando Pixuíra
gritou:
- Salta pra fora!
Meio engatinhando ganhei o barranco e vi, então,
que a água se agitava em ondas e o tronco desaparecia.
- Era uma sucuri! - disse Perova, apavorado.
Pixuíra se matinha mais calmo.
- A cobrona só deslizava por aí. .. Não estava pron
ta para atacar.
- Pelo sim ou pelo não, fiquemos longe dela! -
exclamei, ainda sem fôlego.
A j angada escorregava sobre as águas, e Pixuíra
começava a reconhecer alguns lugares, o que nos tra
zia esperanças.
Duros foram aqueles dias. Nossas provisões se aca
baram e temíamos adentrar na mata para caçar. Por
isso comíamos só frutas e palmitos. Precisávamos de
muita coragem, pois à noite ouvíamos bem perto o urro
de onças a nos espreitarem e de dia tínhamos de fugir
dos jacarés famintos.
74
Finalmente alcançamos uma planície de vegetação
rala. Pixuíra nos informou que o aldeamento da sua
gente ficava atrás de um morro, ainda distante. Um
novo alento tomou conta de nós. E passamos a mane
jar os varejões com entusiasmo até uma pequena praia,
de areia muito branca. Ali amarramos a jangada, mas
o indiozinho, ao examinar os arredores, demonstrou
muito desapontamento, pois não via nenhum sinal de
moradores. Ele gritou palavras em sua língua, porém
não ouviu resposta.
Nós o acompanhávamos e não muito longe vimos
algumas choças, que a vegetação já encobria. Esta
vam abandonadas. Pixuíra se encheu de grande triste
za. Que teria acontecido?
Perova fez um sinal e apontou para a cobertura de
folhas de palmeiras de uma das choças, onde aparecia
a cabeça de um índio a nos espreitar. O pequeno, pé
ante pé, avançou na direção da tapera. E logo o ouvi
mos falar na sua língua. Pixuíra nos chamou. O outro,
de nome Tapuí, nos olhava com espanto, examinan
do-nos com curiosidade, mas não parecia agressivo. E
nos inteiramos dos acontecidos: a tribo abandonara
aquele lugar depois da passagem, por ali, do Bugre e
seus homens, quando haviam enganado alguns e leva
do embora o próprio Pixuíra. Temiam novas desgra
ças acaso o Bugre voltasse.
Tapuí e um companheirq permaneceram ali, por de
sentendimentos com o cacique, e continuavam cuidan
do das roças e morando na velha taba.
75
Desavenças
77
pois, o bandido se apoderara de alimentos da tribo e
ganhara o rio, indo então à tribo de Pixuíra. Ali, após
enganar o cacique, prometendo a ele uma recompensa
pela ajuda de remadores, conseguira levar alguns de
les embora, inclusive o próprio indiozinho.
O que havia acontecido depois disso nós já sabía
mos. E assim, também, ficava explicado como Pixuíra
conhecera o Bugre e seus companheiros, sem, no en
tanto, nunca ter visto o tio Juvenal. Também ficamos
sabendo que os índios da tribo vizinha de Pixuíra tra
taram bem de meu tio até ele se curar dos ferimentos.
Depois, o pobre índio, que ele procurara salvar das
mãos do Bugre, tornara-se seu companheiro insepará
vel, em reconhecimento, e o levara dali.
Ao ouvir aquelas explicações, colhidas por Pixuíra,
uma nova esperança nasceu em nós: se tio Juvenal ha
via escapado das mãos do Bugre, era provável que ti
vesse ido à procura de Martírios.
Resolvemos então prosseguir, e os dois índios fo
ram conosco.
Arraial em ruinas
79
índios que nos acompanhavam e nos ajudavam a conduzir
alguns apetrechos haviam desaparecido.
Pixuíra não se abalou. Ele já desconfiara de que
não iriam mesmo muito para a frente.
- Por quê? - perguntamos nós.
- Estão com medo dos índios Guariba, que habi-
tam o território próximo de Martírios. São ferozes e
matam quem se aventurar por lá. Ouvi quando os dois
cochichavam, apavorados, principalmente quando
ouviram gritos distantes, semelhantes ao dos macacos
guaribas, também chamados de bugios.
Naquele dia ficamos desencorajados, já sem for
ças para carregar as poucas provisões e incertos da
distância a ser percorrida.
80
Perova já não parecia o mesmo; tomara-se nervoso,
irritado, com enormes barbas pretas a lhe desfigurarem
a aparência.
- Ainda bem que os fujões não levaram as armas !
Depois, para nos animar, cuspiu de lado, tomou a
carga maior, atirou às costas e reencetou a caminhada.
Não gosto de me lembrar dos duros dias que se se
guiram, quando as forças já nos abandonavam. Sem
ânimo para caçar, andávamos apenas algumas horas,
diariamente, só pela manhã e à tarde, pois, por volta do
meio-dia o calor e a umidade se tomavam insuportá
veis. Eu estava prestes a gritar: "Deixem-me aqui, pre
firo morrer a continuar andando sem rumo! ".
Em certa manhã, quando o sol ainda não desponta
ra de todo, chegamos a uma colina de vegetação rala e
avistamos um chapadão.
Oscar atirou a carga ao solo, subiu em uma árvore
e espiou à distância.
- Corram aqui - gritou com a voz emocionada. -
Venham ver. . .
Mal tive forças para correr e caí derreado. Quando
abri os olhos, Pixuíra e Perova estavam a meu lado e
comentavam satisfeitos:
- Coragem, Tonico, avistamos o arraial!
Levantei-me com dificuldade e prosseguimos.
Finalmente tivemos momentos de emoção, ao che-
gar àquele lugar após quase perdida a esperança.
Por toda parte o mato invadia o antigo arranchamcnto
de garimpeiros. Ruínas de casebres de pau-a-pique, pa-
81
redes de madeiras podres, entulhos atravancando as pas
sagens.
Encontramos uma enorme pedra, certamente colo
cada ali pelo esforço de muitos homens, ao lado de
um tronco de árvore a amparar os braços de uma cruz.
Ao redor, guanxumas e flores silvestres. Perova afas
tou uns ramos de arbustos e leu, na laje musgosa:
82
Na sede da Capitania já desconfiavam: seria mesmo
aquele o verdadeiro Araés, tão procurado?
Gente nova não vinha para ali, e os velhos, desa
nimados, ou abandonavam o lugar ou morriam ali à
mmgua.
Principiou, então, o grande drama dos garimpei
ros. Seus alviões e almocafres, instrumentos com que
mineravam, foram se consumindo com o uso constan
te. Precisavam de outros novos, que nunca chegaram.
Por último, só podiam esbugalhar a terra com pedaços
de paus, sangrando as mãos. E, o pior de tudo: não
tinham para quem vender o pouco ouro recolhido.
Pediram socorro à Capitania de Goiás, mas os go
vernantes não os ajudaram. No caminho, entre os rios
das Mortes e Araguaia, formara-se um terrível quilom
bo, que representava sério perigo para os que por ali
passassem.
O governador da Capitania de Mato Grosso em cer
ta época, compadecido da sorte dos pobres moradores,
enviou um grupo de socorro que, sem conseguir encon
trar o arraial sepultado na selva, desistiu da busca.
Faltando ajuda e sem ter como ir embora, tenta
vam sobreviver à espera de algum milagre. Depois veio
o golpe maior: Amaro Leite Moreira, o guia que os
trouxera até ali, faleceu e os últimos habitantes, como
fantasmas, cambaleavam pelos trilhos, morrendo de
fome e doenças ou atacados pelas feras.
Nesse lugar, de tantas desgraças, pisamos naquele dia.
83
Estranha aparição
86
galhados, mas não nos reconheceu. Repetimos seu nome
e ele ficou indiferente. Depois, sentou-se sobre um
tronco caído e murmurava palavras ininteligíveis, apoi
ando o rosto nas mãos. Dali o conduzimos para a casa
de onde saíra; ali acomodou-se em um canto.
Demos a ele algo para comer, o que aceitou com
apetite voraz.
- Tio Juvenal, eu sou o Tonico ! Você não se lembra
de mamãe, Don'Ana? E deste nosso amigo, Perova?
Ele continuava indiferente. E, ao vê-lo em tal esta
do, fiquei profundamente amargurado.
Pixuíra, sem compreender a razão de minha triste
za, afastou-se e foi percorrer a aldeia abandonada, che
gando até as margens de um riacho próximo. Ia à pro
cura do índio de sua aldeia, que viera com meu tio
Juvenal. Onde estaria ele?
Naquela noite, apesar do cansaço, depois de tantos
dias de viagem e sofrimento, mal consegui dormir na
cama improvisada de capim e ramos, naquela casa onde
habitava meu tio, cujo estado muito nos preocupava.
Depois de tantas lutas, parecíamos colher uma vitória
cruel. Eu estava estarrecido ao ver o tio Juvenal, antes
forte e valente, agora naquele estado físico deplorável
após três anos no sertão. Outra coisa nos intrigava:
não havia pela casa vestígios de fogão para o preparo
de peixe ou caça. Como ele se alimentava? Seria só
com frutas da mata?
87
Uma figura misteriosa
89
alguém vindo pela trilha para sondar a casa; também
dessa vez não conseguimos ver quem era.
Perova imaginou que o estranho poderia ser algum
dos antigos trabalhadores do acampamento. Talvez, ao
encontrar meu tio adoentado, tratava dele todos os dias.
Mas intrigava o tamanho minúsculo dos rastros!
No terceiro dia, ficamos de tocaia pela madrugada e
vimos se aproximar da cabana a figura de um velho ín
dio, baixinho, caminhando com muita dificuldade. En
curvado, quase desnudo, sem cabelos, sua pele enrugada
tinha cor um tanto esverdeada.
Não saímos do abrigo, temendo que fugisse. Trou
xera novamente alimentos e desaparecera.
Pixuíra resolveu ir à procura de alguma caça para
nossas provisões. Tentei ir também, mas ele não con
sentiu. Tomou seu arco e partiu. Só retomou bem à
tarde, quando já estávamos preocupados com sua au
sência. Abatera uma capivara, bem pesada, que mal
podia carregar. Ficamos alegres com a perspectiva da
carne fresca, o mesmo acontecendo com tio Juvenal,
que então murmurou algumas palavras pouco inteligí
veis, as quais interpretei como de elogio ao trabalho
do indiozinho.
No dia seguinte, entretanto, passou o tempo todo
amuado, pois, pela manhã, o velho índio não aparecera.
E, como nos seguintes também não viesse, ele começou
a ficar em desespero e ameaçava sair para se embrenhar
na mata.
Então, certo fato iria reavivar suas lembranças. Ao
90
remexer as poucas coisas do meu picuá, apanhei a
guampa de chifre, incrustada de prata, que pertencera
a meu pai e estivera em poder do Bugre, em Cuiabá.
Enchia-a de água fresca e, quando bebia, tio Juvenal,
num gesto de surpresa, arrancou-a de minha mão, exa
minou-a e foi imediatamente escondê-la sob a cama
rústica de capim onde dormia.
E, a partir de então, procurava se aproximar mais
de mim, embora estivesse sempre arredio e desconfia
do quanto a Perova. Valendo-me disso, todos os dias
eu o alimentava e senti que aos poucos ele ia se recu
perando fisicamente.
Sem decifrar o que nos parecia um enigma, tínha
mos que tomar alguma decisão e sair daquele lugar.
Para isso começamos a reunir palmitos, frutas, e até a
defumar nacos de carne.
Então Perova anunciou:
- Logo que faça bom tempo, partimos.
Visita na madrugada
92
via. Às vezes ria, depois se enchia de cólera, dava murros
na madeira, assustando Elesbão, que procurava acalmá
lo e concordava com suas palavras e gestos.
Só então examinei melhor aquela estranha figura de
mestiço, com uma enorme cicatriz na face, sempre com
o chapéu de couro na cabeça e a pena de avestruz espe
tada na copa. Forte, de porte alto, pele queimada de sol,
fazia gestos bruscos, apontava para os lados. Mas, o
que dizia, talvez só Elesbão compreendesse.
Com o companheiro mal-encarado, seu verdadeiro
cão de guarda, tentava decifrar o papel amarelecido,
que tinham à frente. Tratava-se do mapa do caminho
para os Martírios.
- Deve ser o roteiro de Anastácio - cochichou
Perova.
- Os miseráveis mataram o pobre homem ! - co
mentei.
Elesbão é que conseguia ler alguma coisa, pois o
Bugre era analfabeto. Ouvimos quando ele dizia:
- "Seguir para o nascente e, depois do morro, até o
Rio da Casca, e dali por canoas até encontrar o grande
Araguaís, descer por ele . . . E muitos rios e riachos, bem
afigurados para terem ouro. . . pois vertem de serras al
tas e este dito Araguaís faz barra no Rio Paraupeba,
que corre quase ao norte ... "
93
Prosseguia o catatau:
- " ... E pouco além desta barra há grandes pedrarias,
que passam o rio de uma a outra parte, e visto de lon
ge parece que furou a terra e vai por baixo, por canais
que dão passagem para as canoas. Seguindo depois,
pra esquerda arriba, no poente e norte se avistará mor
rinhos azuis, que distam daqui sete ou oito dias de ser
tanista; ali achará a tapera do Araés, onde cheguei com
meu pai, que Deus haja, e achamos várias cunhãs, com
folhetas pelo pescoço e braços; e destas folhetas man
dou fazer meu pai um resplendor para uma imagem de
Nossa Senhora do Rosário, de nossa casa, e também
uma coroa do mesmo ouro, que pesava quarenta oita
vas 5 , para a igreja da Vila de Itu. . . "
Eles interrompiam e repetiam nomes, comentavam
e depois prosseguiam:
- "Perguntando aos ditos índios onde tinham acha
do tantas folhetas de ouro, respondeu o cacique: por
aqueles morros, depois de chover. E isso foi o que eu
vi, não são histórias contadas; e, na volta daquele lu
gar, encontramos o Anhangüera, que é o pai do meni
no Bartolomeu."
O Bugre continuava indeciso e nervoso e pedia ao
outro que continuasse a decifrar:
94
- "E por cima da barra do Araguaís achamos muita
gentilidade, e o rio com má passagem, por ter muitas
cachoeiras. E não longe vimos os Martírios, onde o rio
é afunilado com pedrarias de parte a parte: e os ditos
Martírios fica, subindo rio acima, da parte esquerda,
com aparências de galo, cruz, coroa, lança e mais coisa,
e é dificultosa esta navegação até subir a ponta da ilha
dos Carajás; na ponta de riba ficam um rio à mão direi
ta, que é o Rio das Mortes ... "
96
S epultados vivos
97
com o auxílio de alavancas, uma enorme pedra da encos
ta, colocada de modo a tapar a entrada. À medida que tra
balhavam, íamos vendo que as últimas réstias de luz de
sapareciam até ficarmos em completa escuridão.
Tomados de pavor, eu e Pixuíra gritávamos e pro
curávamos empurrar a enorme pedra, de dentro para
fora, mas inutilmente, pois Perova estava estendido
no chão, muito machucado, e tio Juvenal, acocorado,
não se dispunha a ajudar.
De fora já não ouvíamos qualquer barulho. Certa
mente os malvados haviam partido, deixando-nos se
pultados vivos. Felizmente, um fiozinho de água es
corria por entre as pedras, e com ela molhamos a testa
de Perova, tentando reanimá-lo.
- Miseráveis - bradou ele, assim que se deu conta
de nossa horrível situação. - Estamos que nem tatu
dentro do buraco !
O túnel, cavado na rocha e com a entrada bloquea
da, não nos deixava alternativa de fuga. Dentro, infe
lizmente, nem um só pedaço de pau, nenhuma ferra
menta abandonada. Nosso único consolo eram aque
les pingos de água fresca.
Tateando pelo escuro, Perova encontrou uma pe
dra-ferro. Com outra menor, conseguiu parti-la e fa
zer nela uma ponta aguçada, com a qual se pôs a ca
var, na lateral. Sua atitude nos encheu de esperança.
Naquele trabalho nos revezamos todo o dia. Quan
do um cansava, outro tomava o seu lugar. Só tio Juve-
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nal se mostrava indiferente. A faina continuou, talvez
pela noite adentro, pois já não sabíamos medir o tem
po. Nosso esforço foi compensado. De repente surgiu
uma pequena claridade entre as junções das rochas.
Redobramos o trabalho, que já não progredia, pois,
sem comer desde o dia anterior, éramos invadidos pelo
desânimo e perdíamos as forças.
Apesar de termos removido bastante terra, a aber
tura feita entre a rocha e a parte superior da galeria
não permitia a passagem. Apenas nos consolava o fio
zinho d 'água. De repente Perova exclamou:
- Ouço barulho do lado do paredão. Há alguém
tentando retirar a madeira que cobre a gruta.
Pixuíra se alegrou, mas eu mal me mantinha de pé
e não vi mais nada. Quando acordei do que parecia
um pesadelo, vi a claridade do sol. À frente, Perova
estava sentado em um tronco e Pixuíra molhava mi
nha cabeça, borrifando água. Tio Juvenal, muito ale
gre, comia sofregamente algumas frutas.
Julguei que se tratasse de um sonho e fechei os
olhos. Porém, ao reabri-los, verifiquei que tudo era
verdade. Perova me deu a mão, procurando me ajudar.
Levantei-me, meio zonzo.
- Onde estamos? Que aconteceu? . . .
Meu amigo não respondeu. Então v i surgir, por en
tre os arbustos, a estranha figura do índio centenário.
Ele se aproximou e depositou o que trazia bem à nos
sa frente. Depois colocou-se ao lado de tio Juvenal,
com o qual trocou palavras que não entendemos.
1 00
Ouvimos o nome Muiraquitã, que nos pareceu muito
esquisito. Mas a ele devíamos nossas vidas, pois nos li
vrara da prisão. Tentara remover a grande pedra à entrada
com alavanca, o que não conseguira. Depois utilizara a
antiga bica d 'água da galeria, para com o jorro d'água
esboroar a terra colocada sobre a rocha e assim abrir a
passagem por onde saímos. Eu mal entendia o ocorrido.
Estava fraquíssimo e embaralhava as idéias.
Logo mais, o velho índio se afastou, mas Pixuíra o
s.egum.
No v as surpresas .
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macacos, que se tomaram seus amigos e vinham visitá
lo, permanecendo atrás das paredes das choças.
Muiraquitã perdera o aspecto de ser vivo. Parecia feito
de barro assado ao fomo, cujas trincas eram rugas.
Quando Muiraquitã já perdia a esperança de ver
algum ser humano, surgira ali o tio Juvenal e o índio
que o acompanhava, o qual logo falecera.
Acomodamo-nos naquele lugar. Pixuíra caçava. Eu
e Perova íamos à cata de frutas e vasculhávamos uma
pequena roça abandonada pelos antigos habitantes, co
lhendo abóboras e mandiocas. Precisávamos nos refa
zer, a fim de suportar a longa viagem prevista de volta.
O pesadelo do Bugre ficava aparentemente afastado.
Certo dia, quando falamos a Muiraquitã sobre nos
sos inimigos, temendo que a qualquer momento retor
nassem, o homenzinho abanou a cabeça e sorriu.
- Eles nunca mais voltarão!
- Como assim? - interrogamos, sem compreender.
Balbuciou algumas palavras incompreensíveis,
apontou num certo rumo, com as mãos encarquilha
das, e emitiu um som alto.
Perova interpretou aquilo como sendo o grito de guer
ra dos terríveis índios Guariba, habitantes da região.
103
Adeus ao Araés
104
- Vamos levá-lo até a minha tribo e lá ele pode ficar
vivendo. Será bem tratado.
- Boa idéia. Então fale com ele.
Falou e, tudo acertado, ao raiar de um belo dia re
solvemos partir, levando alimentos para nos garantir
por bom tempo.
À saída, Muiraquitã deu um último olhar para a
sua cabana, como a dizer adeus, depois entrou ali. Pen
samos que ia desistir, mas logo voltou trazendo a va
silha de barro, com as pepitas. Não ia se afastar de seu
guardado.
Mergulhamos nas primeiras trilhas da mata, inse
guros do rumo a seguir, seguidos por tio Juvenal, mudo
e indiferente como antes.
Terrív e i s dúvidas
1 05
Muiraquitã nos mirou com seus olhos quase desa
parecidos, ergueu o braço e apontou com decisão para
o horizonte distante, onde montanhas azuladas quase
se confundiam com o céu. E pôs-se a andar.
Ao cabo de dois dias meu amigo, ao redor da fo
gueira em que descansávamos, disse-me quase em co
chicho :
- Cada vez estou com mais dúvida ...
- Diga!
- Não reconheço as trilhas de volta!
- Nem eu.
À medida que avançávamos, mais e mais notáva
mos a mataria fechada e as trilhas desaparecerem. Cam
baleando, nos feríamos em espinheiros, quase atolá
vamos nos alagadiços em meio a cobras e jacarés e, à
noite, mal dormíamos por causa dos mosquitos.
Perova desconfiava que aquele não era o caminho
para Cuiabá, e rumávamos em direção oposta, mas qual
seria o rumo correto? Pixuíra também estava perdido
e disse que só iríamos nos orientar caso encontrásse
mos um rio muito largo, que corria para o nascente.
Muiraquitã, sempre quieto, tinha um aspecto im
penetrável. Ao raiar das madrugadas partia sem de
monstrar cansaço, colocava-se à frente e mal conse
guíamos acompanhá-lo.
Oscar, nervoso e inseguro, começou a temer pelo
pior. E, certa feita, varamos dois dias sem encontrar
água. Em outra ocasião dormíamos amarrados com
1 06
cipós, na forquilha de árvores, temerosos do ataque de
onças. O pior aconteceu determinada noite. Costumá
vamos, sempre, ao redor de nosso abrigo, acender uma
fogueira, que impedia a aproximação de animais. E
Perova, de vez em quando, avivava as brasas. Entretan
to, daquela vez notara algo de anormal com o fogo que,
inexplicavelmente, se apagara.
Não avaliei bem sua suspeita, imaginando que meu
amigo, no nervosismo em que se encontrava, decerto
se eqmvocara.
Em outro pouso, porém, algo pior aconteceu: acor
damos com um barulho estranho e Perova, saltando
pelo escuro, fez um disparo com sua arma. Depois
notamos, bem próximos de nós, os rastros de uma onça.
Isso nos deixava ainda mais nervosos, pois a fogueira,
quando mantida acesa, representava defesa contra a
aproximação de feras.
Na noite seguinte nada de estranho aconteceu, mas
na próxima, quando descansávamos em uma colina,
acordei ao ouvir os gritos de Perova. Corri para ver o
que acontecia e o vi agarrado a Muiraquitã.
- Que houve? - perguntei.
Respondeu-me, muito agitado, que o surpreendera
apagando o fogo.
Pixuíra interrogou o velho índio, em sua língua, e
este explicou: apagava as fogueiras por temer que os
perigosos índios Guariba de longe percebessem os cla
rões e viessem nos atacar.
1 08
Realmente, por várias vezes e aparentando muito
próximos, já tínhamos ouvido seus gritos, que eram
semelhantes aos dos grandes macacos dos quais tira
vam o nome. Pixuíra então nos disse que Muiraquitã
encontrara rastros frescos nas trilhas de volta, os quais
supunha serem dos três índios que acompanhavam o
Bugre. Nesse caso, eles o teriam abandonado. Notara,
também, em troncos e galhos de árvores cortados, si
nais anteriores, que seriam avisos, advertindo que nin
guém avançasse em seu território! E, então, concluía:
alguns dos companheiros do Bugre, apavorados ao se
deparar com aqueles avisos, teriam fugido.
Aceitamos como razoáveis tais explicações e pros
seguimos, acompanhando-o com redobrada cautela.
E, como nossa caminhada parecia não ter fim, Perova
não mais se conteve:
- Tonico - disse-me ele -, o caminho de volta não
é este. Não confio mais em Muiraquitã!
Concordei com ele. Estávamos sobre uma colina e
o terreno era em declive. Víamos, na baixada, uma
encosta de vegetação rala e, além, um vale, por onde
serpenteava um rio. O panorama era magnífico.
- Finalmente, uma clareira - comemorei.
1 10
Cena de horror
lll
- Os índios deram cabo deles. Queriam ver Martí
rios? Todos os que vieram procurar as minas morre-
ram.' N"mguem ' chega 1a...
' N"mguem.
' I N"mguem
' .I . ..
Um riso estranho de desafio dominava seu rosto.
Estávamos aturdidos. Pixuíra queria saltar sobre o ín
dio e esganá-lo. Mas o velho concluiu:
- Só Muiraquitã sabe o segredo ! Este ouro é de lá.
- E mostrou-nos a vasilha de barro. - Os morros faís-
cam depois das chuvas. É só pegar as pepitas. Tem
tantas que nem se consegue carregar!
Mal compreendíamos as palavras de Muiraquitã,
me10 possesso.
- O sonho do barbaça - e apontou para tio Juvenal
- é conhecer Martírios ! Ele vai ver o lugar. O maldito
Bugre era inimigo: pagou com a vida!
- E se os índios Guariba também nos atacam? -
perguntei, temeroso.
- Vamos por outras trilhas, pela encosta, que bem
conheço . . . depois pelo rio.
Indecisos, mas sem outra alternativa, reiniciamos
a caminhada deixando aquele lugar que nos provoca
va arrepios e pavor. À noite não acendemos fogueira e
pouco dormimos, porque a empolgação do dia nos dei
xara completamente alterados.
Quando raiou o dia seguinte, continuamos mais si
lenciosos que nunca. Tio Juvenal parecia outro. Colo
cara-se ao lado de Muiraquitã.
Fomos contornando a montanha, por perigosas tri-
1 12
lhas entre rochas, troncos enormes, e atingimos o vale e
o rio, que serpenteava na selva. Ali fizemos pousada.
Quando acordamos, no outro dia, Muiraquitã já es
tava em uma velha piroga, quase em pedaços, à beira
do rio. Perguntamos onde a encontrara. Não respon
deu. Subimos nela e, com um varão feito remo, desli
zamos à jusante. A situação não era má, pois o rio nos
conduzia.
F inalmente, os Martírio s ?
113
impulso perigoso. Perova usou, também, o seu varejão,
e perguntamos a Muiraquitã se havia alguma cachoei
ra à frente.
Ele não respondeu. E, de repente, sem que espe
rássemos, estávamos mergulhados na completa escuri
dão, em um túnel, cavado pelas águas, o que nos
deixava ainda mais indefesos. Ouvíamos apenas o ba
rulho da corrente e avançávamos graças à habilidade
de Muiraquitã, manobrando o barco que, após fortes
solavancos, passou a deslizar mais devagar. Demorou
bastante para sairmos a céu aberto, com o tempo amea
çador e as margens, cobertas pela densa vegetação,
quase a nos sufocar.
Voltou a chuva torrencial. Relâmpagos, de quando
em quando, clareavam o espaço e uma verdadeira noi
te desceu sobre nós. Grandes enxurradas corriam das
margens para o n o .
Eu e Pixuíra ficamos agarrados um ao outro, te
mendo cair ou que o barco afundasse. Como a corren
te do rio, então, era mais volumosa, não dava para sa
ber se havíamos entrado em outro rio. Pelo escuro, só
clareado, às vezes, pelos relâmpagos, pensamos em
parar e ficar à espera do tempo melhorar, mas Muira
quitã teimava em conduzir a embarcação para o meio
da correnteza. Entretanto, em certo momento, senti
mos que ele não mais a dominava.
Agitado, Perova manejava o varej ão, mas este não
alcançava mais o fundo do rio e o barco tomava cada
vez mais velocidade.
1 14
Nesse instante um raio caiu bem próximo de nós, e
vimos, com o clarão, uma faixa de céu ameaçador. Os
relâmpagos se sucediam e, inesperadamente, numa vi
são descomunal, presenciamos o espetáculo mais ex
traordinário de nossas vidas : uma montanha azulada,
com rochas nela imersas, parecendo formar constru
ções gigantescas. As imagens se assemelhavam a si
nos enormes, escadas, torres. . .
Naquele momento de medo, tomados por tão es
tranha visão, ouvimos um grito vindo da popa. Era tio
Juvenal que se levantava e punha-se a bradar, com o
braço erguido e o dedo em riste:
- MART ÍRIOS ! . . . ali está! . . . Vejam! Eu disse que
existia. Olhe, Tonico ! Don 'Ana, venha cá! Onde você
está, Perova? Bugre ! Ali, ali, Martírios ! Elesbão, de
pressa . . . Corram todos ... Vejam as minas ! O ouro está
por toda parte. Ele é nosso ! Carreguem tudo, vamos !
A seguir aconteceu o inesperado. Tio Juvenal, de
pé, desequilibrou-se e caiu na correnteza. Corremos para
salvá-lo, mas a piroga, no impulso em que estava, ba
teu num tronco flutuante e virou. Todos mergulhamos,
em meio à grande confusão. Depois não vi mais nada.
Quando acordei, raiava o lindo sol de um dia ma
ravilhoso e deslizávamos rio abaixo. Perova empunha
va o varejão à minha frente. Pixuíra olhava distraído
para as margens. Levantei a cabeça, assustado, e per
guntei por tio Juvenal e pelo velho índio.
Perova franziu a testa e repuxou os lábios, como sem
pre fazia nos duros momentos. Nada respondeu. Nem
1 16
era preciso. Ambos haviam ficado sepultados à frente
de Martírios, onde tio Juvenal tivera seu último mo
mento de lucidez. No naufrágio, meu amigo lutara, em
desespero, para me salvar, e muito custara também a
Pixuíra arrastar o barco para algum lugar seguro.
Nem tínhamos coragem de olhar para trás. Não sa
bíamos mais se aquele rio era o primitivo, ou se já
entráramos em outro, no emaranhado da floresta.
A vegetação, à margem, era a dos campos gerais, e
lindas paisagens iam se rasgando aos nossos olhos.
Eu tinha vontade de chorar, de gritar, como se saísse
de algum terrível pesadelo.
Para trás ficavam, mais uma vez, os Martírios, a
ocultar suas riquezas e seus mistérios . . .
Para a frente rolava o rio, conduzindo-nos para o
futuro. Mas, onde estávamos?
Pouco importava. Distante se apagava o passado.
Só o futuro nos interessava. Aquelas duras experiên
cias e sofrimentos comuns tinham feito de nós três
quase uma só pessoa. E qual seria o próximo destino?
Nada possuíamos, depois de tantos sofrimentos no
sertão, onde tantos, antes, tinham ido buscar riquezas
e poucos haviam regressado.
Perova pediu comida.
Pixuíra se levantou, foi à proa, onde estavam amar
radas nossas provisões e, depois de desamarrar o cou
ro que as cobria, soltou uma exclamação :
- Muiraquitã deixou isto pra nós !
Eu e Perova vimos, em suas mãos, a vasilha de barro.
117
Perova se levantou de um ímpeto. Tomou-a entre as
mãos e fez um gesto de atirá-la às águas. Aquele tesou
ro ia nos trazer, sempre, as mais terríveis lembranças.
Depois me olhou, indeciso. E, talvez pensando em mim,
refreou seu impulso, baixou as mãos e foi sentar-se em
seu lugar, silenciosamente.
Precisávamos recomeçar nossas vidas. Mas, onde?
O sertão e Martírios deixavam marcas fundas na
carne e em nossos espíritos. Eu pensava, e talvez
Perova concordasse, pois ele sempre fora o amigo de
dicado ao extremo: não valia mais a pena voltar ao
mundo em que havíamos vivido, antes de começar
mos aquela estranha aventura. O certo era ir procurar
outras terras, talvez na distante Vila Boa de Goiás.
E quanto a Pixuíra?
Ele tinha outro mundo, diferente do nosso, e deve
ria voltar para a süa gente, no sertão bravio.
o
Francisco Marins
EscRITOR D A JuvENTUDE
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Sucessos editoriais
Taquara-Póca
o
o COLEIRA-PRETA
V ERDE ERA o CoRAÇÃO DA MoNTANHA
O Homem e a Terra
1 23
Roteiro dos Martírios
Títulos da série:
EXPEDIÇÃO AOS MARTÍRIOS
PRISIONEIROS DA SELVA
o BUGRE DO CHAPÉU-DE-ANTA
Outros títulos
AALDEIA SAGRADA
O MISTÉRIO Dos MoRRos DouRADos
A MONTANHA DAS DUAS CABEÇAS
EM BuscA DO DIAMANTE
o SóTÃO DA MúMIA
A GUERRA DE CANUDOS
0 CURANDEIRO DOS OLHOS EM ÜAZE (recontos)
Prisioneiros da Selva
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