Artigo Pronto SBS 2023 - Faxinais e Contratos Domesticatórios
Artigo Pronto SBS 2023 - Faxinais e Contratos Domesticatórios
Artigo Pronto SBS 2023 - Faxinais e Contratos Domesticatórios
11 A 14 DE JULHO DE 2023
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ- UFPA
Apoio CNPq
Resumo
Summary
1
Trabalho realizado com apoio do CNPq
inseridas e resistência às frentes de modernização do território, que alteram e
transformam o espaço através de relações urbano-industriais-capitalistas.
Dentre esses grupos, podemos citar povos indígenas, quilombolas, pescadores
artesanais, cipozeiros, caboclos e os povos faxinalenses. Estes, em particular,
só desenvolvem o seu modo de vida, com a presença da floresta com
araucária habitada por humanos e animais em configurações territoriais
específicas e elementos materiais e imateriais a elas relacionadas. Os povos
faxinalenses vivem em terras tradicionalmente ocupadas que tem como
principal característica o uso comum da terra e dos recursos naturais,
destacando a criação animal a solta, onde os animais transitam livremente
entre as propriedades da comunidade de faxinal (CHANG, 1988). E é dentro do
criadouro comunitário, que podemos perceber o estreitamento dos laços entre
humano e animal através de contratos domesticatórios específicos. Além disso,
a forma com o faxinalense se relaciona com a natureza, garante a preservação
da floresta com araucária, sendo assim a preservação e a valorização deste
modo de vida é de extrema importância não só para os faxinalenses como para
toda a sociedade envolvente (RAMOS, 2022).
Dentro do sistema faxinal existe uma relação entre a diversidade
biológica e os sistemas agrícolas tradicionais, que são somados ao uso e
manejo destes recursos, juntamente com o conhecimento e cultura destas
populações tradicionais e agricultores familiares. (IPE, 2020). No âmbito das
comunidades faxinalenses, podemos citar várias contribuições para a
preservação da floresta, sendo dentro da floresta com araucária que se situa o
criadouro comunitário e sem ele, não tem como manter o modo extensivo de
criação animal, o extrativismo da erva mate e do pinhão, é uma atividade
econômica importantíssima para a manutenção da comunidade (CORREIA,
2015). Sendo assim, e com os nossos relatos dos trabalhos de campo,
podemos dizer que as comunidades Faxinalenses/Caívas, tem uma ligação
muito forte com a floresta de araucária, o território e o seu modo de vida, que
pode ser considerado um modo de vida sustentável, em sua relação com
sociedade x natureza.
Uma outra característica marcante dos faxinais, mas que muitas vezes
não é tratada com a devida importância pelos teóricos, é a criação animal e das
produções extensivas dentro do sistema faxinal, a forma com que o animal é
tratado e criado, por muitas vezes é vista como atrasada e prejudicial, para um
o avanço do processo econômico e agrícola, principalmente por parte dos
municípios que abrigam essas comunidades. Porém é da forma tradicional, os
animais transitando por baixo da floresta com araucária, que a preservação da
floresta é garantida.
A manutenção do modo de vida faxinalense, vem ao longo dos anos
sendo ameaçada e se agrava com a falta de políticas públicas de incentivo a
permanecia desses agricultores no campo, que garantam no mínimo o básico
para a sobrevivência, a pobreza no campo, faz com que muitos proprietários
vendam suas terras para proprietários maiores, e venham para a cidades,
trabalhar como assalariado nas indústrias. (Cunha; Sahr, 2005; Löwen Sahr;
Iegelski, 2003).
A modernização da agricultura, fez com que grande parte das pessoas
que viviam no campo fossem para as cidades, no caso das comunidades
faxinalenses no centro-sul do Paraná e das caívas, no planalto norte
catarinense, não é diferente, muitas pessoas, sem ter como competir com a
agricultura moderna, vendem suas terras e migram para as cidades, como já
dissemos anteriormente.
Os diversas formas de tentativas de expansão do território através da
apropriação por espoliação da natureza, isso ligado fortemente ao coronelismo
e por seguinte a guerra do contestado, no inicio do século XX, abriu caminho
para a modernização do território, dentro do contexto da revolução verde, a
expansão da fronteira agrícola da soja, do milho a e implementação de
frigoríficos, transformaram essas comunidades faxinalenses/caívas, fizeram
com que essas comunidades, mesmo que resilientes, perdessem
características importantes do seu modo de vida.
Uma das características mais marcantes da comunidades faxinalenses é
justamente o criadouro comunitário, que apensar de não ser o único elemento,
é um dos mais importantes, pois é nele que acontece a interação com a
floresta com araucária, tanto pelos animais quando pelos seres humanos, e ali
que podemos identificar a prática dos contratos domesticatórios, que
especificaremos mais adiante.
Na maioria das comunidades faxinalenses/Caívas de Santa Catarina não
existe mais criadouro comunitário, no Paraná algumas famílias ainda mantêm
esta importante característica das comunidades faxinalenses, que fazem com
que o modo de vida dessas comunidades, seja único. Existem no Brasil, várias
outras comunidades que têm a característica do uso comum da terra e dos
recursos naturais, como os agricultores de fundo de pasto na Bahia, porém o
que faz uma faxinal ser faxinal é justamente a floresta com araucária. Júlio
Cezar Suzuki, compreende o conceito de modo de vida como sendo:
2 Unidade de medida utilizada principalmente por pequenos agricultores, um litro de terra refere-se a
605 metros quadrados.
Nas áreas de criadouro, seja ele comunitário ou não, onde se cria o
gado alto e baixo, além de várias espécies de aves, que também são criadas à
solta, é neste espaço que os moradores dos faxinais expressam suas práticas
religiosas, sociais. (TAVARES, 2008), A criação de animal a solta, geram
também, laços de solidariedade entre humano e animal, este chamado por
Sordi (2019) de contratos domesticatórios, no qual falaremos com mais
profundidade adiante.
Devido às várias formas apropriação da natureza e posteriormente as
frentes de modernização que atingiram as comunidades faxinalenses, muitas
delas, deixaram de ter em seus territórios o criadouro comunitário, em
entrevista nos trabalhos de campo, os entrevistados nos relataram que o fim do
criadouro comunitário, se deu por conta da entrada de pessoas alheias ao
sistema faxinal, e que por conta disso, se foi perdendo a confiança entre as
famílias e cada um resolveu cercar o seu terreno.
Mesmo com as propriedades cercadas, a criação animal a solta continua
sendo umas das principais características das comunidades de
Faxinais/Caívas, pois a relação que os seres humanos tem com os animais, é
totalmente diferente da criação que atende aos interesses da indústria. Em
outras palavras, mesmo que os animais não sejam criados no criadouro
comunitário, o modo como que os faxinalenses, criam e cuidam desses
animais, continua da mesma forma de anos atrás.
Em trabalhos de campo, realizado na Comunidade Caíva de Bonetes em
Canoinhas-SC, entre os anos de 2021 e 2022, podemos observar essa
característica, em meio a área preservada de floresta ombrófila mista (mata
com araucária), os animais transitam livremente entre as propriedades de três
irmãos da família (Figura 1). Ali podemos observar as varias espécies entre os
galináceos e bovinos, convivendo, apesar do momento do registro não
aparecerem na foto, existe ali também a convivência com os suínos, que
também são criados a solta. Quando solicitado, seu G. F, foi até o galpão,
pegou a ração e chamou os animais, até os que estavam mais longe vieram
correndo, quando reconheceram a voz do dono. A cena fotografada a abaixo
se repetiu em todas as visitas feitas a família.
Figura 1: Trato com os animais, comunidade de Bonetes Canoinhas- SC
3
Curral, onde ficam o gado, para vacinar, ordenhar, tratar.
A noção de contrato domesticatório
4Ecocídio é uma expressão que pode ser usada para fazer referência a qualquer destruição
em larga escala do meio ambiente ou à sobre-exploração de recursos não-renováveis.
exclusivamente da Floresta com Araucárias para reproduzir o seu modo de
vida.
As comunidades faxinalenses/caívas, podemos observar claramente
esses casos de injustiças ambientais, essas comunidades como já dito
anteriormente, são as que mais contribuem para a preservação das florestas
com araucária, mananciais de água doce entre outros recursos naturais. Desde
a formação das primeiras comunidades faxinalenses tanto no estado do Paraná
quanto em Santa Catarina, essas comunidades vem sofrendo com as injustiças
ambientais. Como já citamos anteriormente o modo de vida faxinalense é
dependente da floresta com araucária, sem araucária não existe faxinal, e é
através da floresta que esse modo de vida se realiza, e por esse motivo ainda
manteve por anos, a preservação dos imensos pinheirais, que chamaram a
atenção das madeireiras.
A chegada das madeireiras no Centro-Sul Paranaense e Planalto Norte
de Santa Catarina, deu um início a uma serie de conflitos territoriais que
acarretaram profundas transformações no território, esse conflitos que se
iniciam no começo do século XX, mas que se prologam até meados da década
de 1970, intitulam um período da história do Brasil, no qual se que se intitula
como ciclo da madeira, que posteriormente deu lado a agricultura intensiva no
contexto da revolução verde.
As comunidades Faxinalenses/Caívas que resistiram a todos esses
processos, e ainda hoje continuam resistindo, atualmente ainda enfrentam,
mesmo que sem perceber as injustiças ambientais, pois mesmo sendo um dos
agentes principais da preservação de floresta com araucária, e ali imponha
limites do seu uso, como por exemplo a para o criadouro comunitário, a forma
com que se relaciona com os animais, é singular. Porém muitas vezes, para
complementar a renda, se vê obrigado a ter uma inserção parcial ao mercado.
Essa inserção mesmo que parcial ao mercado, faz com muitas dessas
comunidades precisem buscar alternativas, como o cultivo do tabaco, além de
ser um trabalho muito árduo, traz várias consequências para o meio ambiente,
como a poluição e envenenamento pela grande quantidade de agrotóxico, o
que não é exclusividade do tabaco, isso se repete com a monocultura da soja
convencional e do milho. Em trabalho de campo realizado no Faxinal do
Emboque em São Mateus do Sul-PR, os entrevistados nos relevam que
mesmo tendo uma área de cultivo de soja orgânica, é necessário o cultivo de
algumas áreas convencional.
Porém, mesmo com essas questões dos cultivos da soja convencional,
tabaco e o uso agrotóxico, por algumas dessas comunidades, podemos afirmar
que o modo de vida faxinalense/caíva traz esses princípios de uma ética
socioambiental satisfatória (Florit, 2019), pois eles mesmos sem perceber,
impõe limites no uso da natureza que os cerca, seja através da criação animal
e dos contratados domesticatórios, do uso de sementes crioulas, do cultivo de
orgânicos, e da utilização dos recursos da Floresta com Araucárias, o
extrativismo do pinhão, que é feito no tempo certo, o corte da erva mate, e a
utilização da madeira, somente para o que for necessário, permitindo assim, a
sua perpetuação.
Nas comunidades Faxinalenses/Caívas, estão claro estes casos de
injustiças ambientais, sendo que essas comunidades são as que mais
contribuem para a preservação das florestas com araucária, e os recursos
naturais. Desde suas primeiras formações, as comunidades faxinalenses
sofreram com a questão da injustiça ambiental, como já descrito anteriormente,
o modo de vida faxinalense, depende totalmente da Floresta com Araucárias, e
através dela que o seu modo de vida se realiza, assim foram preservados
imensos pinheirais de araucária e imbuia, que despertou o interesse de muitas
madeireiras, o que deu início a uma série de conflitos no início do século XX,
por conta dessa exploração da madeira, foi um período da história do sul do
Brasil, que se intitula como ciclo da madeira
Considerações Finais:
Referências
PORCHER, Jocelyne. Vivre avec les animaux: une utopie pour le XXI
Siècle. Paris: La Decouverte, 2011.
RAMOS, Cristhine Fabiola Povos das matas mistas com araucária: o modo de
vida faxinalense/caíva no estado de Santa Catarina. 2022. Dissertação
(mestrado)- Universidade Regional de Blumenau-FURB, Programa de Pós
Graduação em Desenvolvimento Regional. Blumenau- SC. 2022. 143p.