PDF of A Menina Do Fogo Rebel Moon 1 1St Edition V Castro Full Chapter Ebook

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 69

A menina do fogo Rebel Moon 1 1st

Edition V. Castro
Visit to download the full and correct content document:
https://ebookstep.com/product/a-menina-do-fogo-rebel-moon-1-1st-edition-v-castro/
More products digital (pdf, epub, mobi) instant
download maybe you interests ...

A Filha do Guardião do Fogo 1st Edition Angeline


Boulley

https://ebookstep.com/product/a-filha-do-guardiao-do-fogo-1st-
edition-angeline-boulley/

Heidi A menina dos Alpes Volumes 1 e 2 Johanna Spyri

https://ebookstep.com/product/heidi-a-menina-dos-alpes-
volumes-1-e-2-johanna-spyri/

Herdeira do Fogo 1st Edition Sarah J. Maas

https://ebookstep.com/product/herdeira-do-fogo-1st-edition-sarah-
j-maas/

A Menina na Floresta Camilla Läckberg

https://ebookstep.com/product/a-menina-na-floresta-camilla-
lackberg/
Os quatro saberes A magia do Ar do Fogo da Água e da
Terra Petrucia Finkler (Autor)

https://ebookstep.com/product/os-quatro-saberes-a-magia-do-ar-do-
fogo-da-agua-e-da-terra-petrucia-finkler-autor/

A praga Manuela Castro

https://ebookstep.com/product/a-praga-manuela-castro/

A Chave para Erebus A Lenda Francesa dos Vampiros 1 1st


Edition Emma V Leech

https://ebookstep.com/product/a-chave-para-erebus-a-lenda-
francesa-dos-vampiros-1-1st-edition-emma-v-leech-2/

A Chave para Erebus A Lenda Francesa dos Vampiros 1 1st


Edition Emma V Leech

https://ebookstep.com/product/a-chave-para-erebus-a-lenda-
francesa-dos-vampiros-1-1st-edition-emma-v-leech/

A Menina e o Pássaro Encantado 16th Edition Rubem Alves

https://ebookstep.com/product/a-menina-e-o-passaro-
encantado-16th-edition-rubem-alves/
Rebel Moon Part One – A Child of Fire: The Official Novelization
(2023)
REBEL MOONtm / © Netflix 2024. Used with permission.
Tradução © 2024 by Book One
Todos os direitos de tradução reservados e protegidos pela Lei 9.610
de 19/02/1998. Nenhuma parte desta publicação, sem autorização
prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida
sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos,
fotográficos, gravação ou quaisquer outros.

Arte e editorial Francine C.


Silva
Tradução
Lina Machado
Preparação
Daniela Toledo
Revisão
Rafael Bisoffi
Lívia
Adaptação de capa, projeto gráfico e Magalhães
diagramação
Francine C.
Silva

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Angélica Ilacqua CRB-8/7057
V514r V. Castro
Rebel Moon – Parte 1 [livro eletrônico] : A
menina do fogo – O livro oficial / uma história
de Zack Snyder ; adaptação de V. Castro ;
tradução de Lina Machado. –– São Paulo :
Excelsior, 2024.
2 MB; ePUB
ISBN 978-65-85849-21-0
Título original: Rebel Moon – Part One: A Child of Fire
– The official novelization
1. Ficção norte-americana 2. Ficção científica I. Título
II. Snyder, Zack III. Machado, Lina
23-6474 CDD 813
1

“A rebelião não é para os impulsivos ou imprudentes. É para aqueles que


buscam a verdade, os inquietos, para os que de fato têm a visão do
terceiro olho e que acreditam que os uivos da alma geram milagres. Os
rebeldes provocam mudanças. Agora, me diga: você é um rebelde?”
— Rei Heron em Cartas para meus filhos

O UNIVERSO É A LÍNGUA DE UMA FERA GIGANTE E


SALIVANTE QUE SEMPRE se desenrola em busca de uma presa.
Sua pelagem preta e esfumaçada encobre mistérios
incompreensíveis à mente ou olho humano, mas não ao Olhar do
Rei. Nada escapava ao seu olhar cobiçoso, frio e vigilante. Movia-se
silenciosamente em órbita baixa entre as dezenas de Luas que
rodeavam o seu destino.
O almirante Atticus Noble andava pelos corredores da grande
cidadela com sacerdotes e dois de seus guardas krypteianos. Ele
tinha uma audiência surpresa com o rei Heron. Noble sorriu ao
pensar no título; os “reis” nos mundos exteriores eram meros
administradores. O rei Heron estava diante dele com três de seus
conselheiros e guardas.
– Que bela e próspera cidade – declarou Noble ao sorrir para o Rei
Heron. Heron não correspondeu ao gesto. Sabia muito bem por que
o almirante havia pousado em seu módulo de transporte no centro
da praça principal. O Reino sempre fazia com que sua presença
fosse percebida.
– Obrigado. Sei que não veio até aqui para me elogiar.
– Não. Infelizmente, não vim. Na verdade, é um assunto de
extrema importância.Tenho a incumbência de encontrar Devra e
Darrian Bloodaxe de Shasu. Lamentei saber que eles receberam
refúgio aqui. Agora, peço que os entregue, por gentileza. Assim que
fizer isso, irei embora como se nunca tivesse colocado os pés aqui.
O rei Heron se manteve firme.
– Não posso. Eles são meus convidados. Seu assunto com eles
não é da minha conta.
Noble se aproximou e sua comitiva de sacerdotes e da Guarda
Krypteiana o seguiu. Heron não permitiu que seu medo
transparecesse. Havia dado sua palavra aos Bloodaxes. Não voltaria
atrás. Noble olhou para o teto abobadado da cidadela e para os
vitrais que filtravam a luz do Sol. Ele bateu palmas com as mãos
enluvadas em couro. Riu consigo mesmo por um pensamento que
apenas ele podia ver e ouvir.
– Vou pedir mais uma vez. Entregue os rebeldes Bloodaxe.
Heron não precisou pensar na resposta.
– Mais uma vez, eu respeitosamente recuso.
Noble olhou Heron nos olhos. Em seu olhar frio e sombrio, o qual
mostrava que ele não possuía alma, o verdadeiro Noble emergiu.
– Muito bem. Essa é a sua escolha.
– É.
Noble assentiu.
– Até que nos encontremos de novo. – Girou nos calcanhares e
saiu da cidadela de volta ao seu módulo de transporte.
O general do rei Heron se aproximou, falando em seu ouvido.
– Quais são seus desejos diante desses acontecimentos?
– Avise aos Bloodaxes para que se preparem. Eles precisam estar
prontos para fugir.
O general lhe deu um breve aceno de cabeça e saiu. Heron ficou
sozinho e se perguntou se algum dia encontraria Noble novamente.
Esperava que não.

O hangar em um dos lados do Olhar do Rei se abriu para um


único módulo de transporte emergir e pousar no planeta abaixo.
Atticus Noble ficou em silêncio enquanto assistia às imagens da
cidade de Toa em um monitor. As chamas eram da mesma cor
brilhante da areia. Queimaria com tanta ferocidade que nem toda a
sua vastidão de águas cor de jade poderia extinguir o fogo. Calor
purificador. Tudo se curva às chamas. Toda aquela história, centenas
de milhares de anos de memória, virando cinzas em questão de
horas. Ninguém jamais veria a magnificência da cidade de pedra tal
como foi originalmente construída. Noble não sentia nada pela perda
ou por aqueles que jaziam mortos. Cada cadáver parecia
exatamente igual ao seguinte.
Há mágoa, depois há dor e agonia, seguidas de completo
desalento. Por fim, nos deparamos com a morte em vida. É aí que se
encontra a paz, porque nada existe na esfera da aniquilação. Não há
mais luta. Noble sabia disso porque não havia como ele estar mais
morto por dentro, e isso lhe dava uma sensação de paz e propósito.
Ele olhou para trás, em direção aos seis sacerdotes que
murmuravam orações, por trás de suas máscaras com listras
vermelhas abaixo dos olhos e caligrafia do antigo reino na boca.
Suas vestes vermelhas, grossas e luxuosas, e chapéus de abas
largas bordados em ouro e branco, sempre emitiam o cheiro de
incenso e fumaça, como se as dobras captassem o aroma para
lembrar a todos que a antiga religião exigia devoção a todo
momento. Havia crânios encimados por pontas douradas em cada
ombro. A presença deles era uma representação do sagrado e do
profano no universo. Ele preferia seu uniforme e armas às vestes. O
exército de 5 mil homens que aguardava sua chegada obedeceria ao
metal em vez da oração. Eles viam mais a morte do que Deus. A
morte tinha que ser a soberana.
Noble pousou na praça principal, reduzida a escombros, como
havia instruído. Quando as portas do módulo de transporte se
abriram, o cheiro de madeira, papel e carne queimados atingiu suas
narinas. Era um aroma familiar. Ele encabeçou a descida pela rampa
de metal com os sacerdotes logo atrás dele como uma capa
encharcada de sangue. Diante dele estava seu conselheiro mais
próximo, Cassius, que o saudou em sua aproximação, mas ignorou
os sacerdotes que vinham atrás. Também na comitiva de Noble
estavam dois guardas krypteianos, Felix e Balbus.
Os olhos de Noble examinaram a aniquilação que jazia diante
dele. Diversas fogueiras se elevavam no ar com livros sendo atirados
nelas como combustível. Aquelas palavras inúteis encontravam um
fim apropriado. Cidadãos espancados e machucados se ajoelhavam
em subserviência, suas magníficas esculturas e edifícios, que antes
se erguiam em direção aos céus, agora demolidos até um estado de
ruína humilhada. As sacerdotisas Toa tinham suas roupas arrancadas
dos corpos. Elas estremeciam em horripilante expectativa enquanto
assistiam às companheiras sacerdotisas serem marcadas com um
ferro incandescente.
Noble seguiu em direção a Cassius até ficarem cara a cara.
– Vejo que tudo está indo conforme planejado aqui. A verdadeira
obediência começa nas cinzas. Bom trabalho. Onde está o
administrador deste mundo? Gostaria de falar com ele, Cassius –
declarou Noble, com sua confiança inabalável. Suas feições
marcadas e vazias pareciam uma mera máscara de pele sobre osso e
malícia encarnada. Sua presença exigia atenção, como um predador
com seus atributos letais à mostra. Medo é tudo que podemos sentir
quando os vemos de perto. Mas fugir é inútil porque a natureza do
predador é caçar.
Cassius permaneceu estoico, uma das razões pelas quais Noble o
respeitava mais do que os outros. Nada parecia chocá-lo. Cassius era
um homem que nunca seria vítima de uma crise existencial. Ele
sabia qual era seu lugar permanente no Imperium e o havia
aceitado. Ele seguia ordens ao pé da letra com facilidade.
– Ele está perto da cidadela, senhor. Ainda resiste.
Noble desprezava o heroísmo inoportuno. Era uma perda de
tempo e energia. As pessoas deveriam sempre saber quando desistir.
– Hum. Onde fica essa tal cidadela?
Cassius apontou para o vasto pátio acima da cabeça dos soldados,
em direção a uma torre em ruínas, ardendo com intensidade e com
fumaça escura se elevando na atmosfera.
– Bem ali. Como disse, não falta muito para que tudo desmorone.
Os olhos de Noble se estreitaram ante a visão.
– Ótimo. E conseguimos capturar os irmãos?
A mandíbula de Cassius ficou tensa, mas ele permaneceu firme.
– O administrador orquestrou a fuga deles, senhor. Eles criaram
uma rede de ajudantes pelo Universo para mantê-los lutando e fora
do nosso alcance.
Apesar de não ser o que queria ouvir, Noble apreciava o fato de
Cassius não ser do tipo chorão. Ele sempre lhe dava as notícias sem
rodeios e falava com objetividade. Não se escondia da verdade nua
e crua.
– Mais uma razão para não demonstrarmos piedade aqui. Quantos
escaparam?
– Destruímos a maioria das naves e homens deles. Devra
Bloodaxe e o irmão conseguiram escapar com um punhado de naves
no meio do caos.
– Todos pensam que podem escapar até que o destino os
encontre encolhidos e implorando pela vida miserável que têm.
Encontre o administrador Heron. Espero que ainda esteja vivo.
Quero aqueles malditos irmãos Bloodaxe o quanto antes.

O rei Heron mantinha diários das muitas provações e tribulações


de sua sucessão e de seu reinado. Também escrevia cartas aos filhos
para quando fossem mais velhos e precisassem de conselhos sobre a
vida. Eles herdariam aquele território, mas ele também queria que
herdassem um pouco de sua sabedoria. Eles teriam que navegar
pela política do Reino, o que não era fácil desde a morte do rei. Na
verdade, ele desprezava o Mundo-Mãe e o que representava:
ganância, carnificina e coerção. Foi por isso que ele estendeu ajuda
à causa Bloodaxe.
Ele sabia sobre Shasu, sobre como o Mundo-Mãe tinha piorado as
questões domésticas quando interferiu com violência. A aliança se
tornou quase insustentável depois que Balisarius assumiu como
regente. Balisarius se deleitava com o poder, ele havia espalhado o
câncer por todo o Reino, extinguindo tantos mundos e inúmeros
povos com a doença da guerra. O rei Heron faria tudo o que
pudesse para derrubar aquele tirano.
Sozinho em seu escritório pessoal na cidadela, Heron guardou as
cartas e diários em uma caixa feita para resistir ao tempo e aos
elementos. Ela cabia em um pequeno nicho, coberto com pele de
animal, debaixo da mesa. Menos de uma hora depois da partida dos
Bloodaxes, se sentiu inspirado a escrever. Gritos e sons de veículos o
fizeram olhar para a porta enquanto passos pesados passavam
correndo. Ao sair do escritório, uma sombra de formato familiar
passou pelos vitrais da cidadela, feitos à mão um século antes.
Guardas ocuparam a cidadela e correram para seus postos. As
pessoas que trabalhavam lá fugiram com terror nos olhos.
Ninguém o notou enquanto ele passava correndo. Estava usando
roupas simples naquele dia e todos estavam mais preocupados com
a própria segurança. Ele correu até a entrada principal, passando
por corpos e gritos. Seus olhos ficaram ofuscados como a escuridão
do abismo mais profundo das águas do mar de Biwa quando ele viu
três naves de guerra chegando ao seu espaço aéreo. Mas ele havia
tomado partido. Tinha que assumir as consequências.
Com os próprios olhos, viu as primeiras bolas de fogo
bombardearem a cidade diante de si. Os alarmes soaram em um
volume ensurdecedor, enquanto o chão estremecia. Mais guardas
entraram na cidadela. Um agarrou seu braço, com o símbolo de
primeiro tenente de elite.
– Estive à sua procura. O senhor precisa fugir! Enviei uma
patrulha para sua residência. O alerta sobre a aproximação deles
chegou em cima da hora, mas recebemos uma mensagem dos
Bloodaxes. Eles foram atacados nas profundezas do espaço, mas
conseguiram escapar.
– Preciso chegar até a minha família.
– Sim, senhor. Enviarei transporte para lá imediatamente. Se
alguma coisa acontecer, também mandarei outro aqui para a
cidadela.
– Obrigado. – Heron deu as costas para o guarda e começou a
correr até a família. A residência não ficava longe, porque ele queria
que os filhos vissem o cotidiano da administração de um reino, mas
era longe o bastante para que corressem grave perigo caso os
soldados do Imperium chegassem até eles antes.
Quando ele chegou, Maia estava com os três filhos no grande
saguão decorado com flores frescas e enormes pinturas a óleo de
seus ancestrais. Agora estavam sendo derrubados conforme a
residência estremecia sob o bombardeio. No entanto, ela ainda
parecia majestosa. Por baixo do manto externo, ele podia ver a
ponta de sua grande lâmina embainhada. Ele amava a bravura dela.
Se morresse, o reino deles estaria em boas mãos sob a liderança
dela.
Clara e Calliope estavam de cada lado da mãe, com a pequena
Clara segurando o animal de estimação da família, Bergen, numa
gaiolinha. As duas meninas compartilhavam o medo da mãe. O filho
adolescente, Aris, estava encolhido ao lado da mãe e das irmãs com
um rifle na mão. Ele fazia o possível para manter a calma, mas
Heron sabia que o filho estava em pânico por dentro. Não havia
problema. Com os rumos que o Mundo-Mãe estava tomando, sabia
que os filhos enfrentariam a guerra mais cedo ou mais tarde. O
Reino tinha uma sede incessante por sangue, e o desejo absurdo
por violência nunca era saciado. A destruição ao redor provava que
ele estava certo em ajudar os Bloodaxes.
– O que está acontecendo, Heron? – perguntou Maia.
– Não há tempo para explicar agora. O transporte deve estar
esperando lá fora. Partiremos agora. Não leve nada além do que tem
com você. – As paredes da casa continuavam a desmoronar e o
bombardeio aumentava. Gritos podiam ser ouvidos do corredor que
ligava o hall de entrada à sala principal. Heron pegou o rifle do filho,
ergueu-o acima da cabeça e puxou o gatilho. Sangue espirrou no ar,
fazendo as garotinhas gritarem.
Ele devolveu o rifle a Aris e pegou a mão de Clara para conduzi-los
para fora da residência real. A garotinha agarrou a mão do pai.
Atravessaram correndo a entrada da frente rumo à devastação que
se desenrolava lá fora. Heron entregou Clara à irmã e pegou um rifle
que havia sido largado no chão. Através da fumaça dos prédios em
chamas, eles puderam ver um de seus próprios módulos de
transporte se aproximando para pousar no gramado bem cuidado,
cercado por grandes palmeiras, para oferecer à residência outro
escudo além dos altos portões de aço ornamentados e encimados
por pontas que pareciam o bico aberto de um pássaro.
Soldados e cidadãos corriam do lado de fora dos portões para
escapar da carnificina. Enquanto a família olhava para o céu, o
módulo de transporte explodiu em chamas. Maia arquejou.
– Não.
A sombra de uma nave maior do Imperium podia ser vista se
movendo pelo gramado da residência. Heron e sua família olharam
para trás. Iam destruir seu lar. Fogos de canhões acertaram não
muito longe de seus pés. Todos se esquivaram da terra e do sangue
espirrados. Carne voou acima deles.
– Para a cidadela! – gritou ele, enquanto erguia Clara nos braços e
começava a correr. A família atravessou o pequeno portão lateral
que em geral era guardado por soldados de elite do lado de fora.
Heron olhou para a fechadura com leitor de retina. O portão de aço
se abriu.
Alguns de seus soldados jaziam mortos, outros deviam ter sido
atraídos para a luta. Enquanto seguiam pela passarela entre a
residência e o caminho para a cidadela, uma grande explosão fez
com que se abaixassem e olhassem para trás. A residência real não
existia mais. O rei Heron agarrou o braço do filho e o trouxe para
perto.
– Debaixo do piso do meu escritório na cidadela deixei cartas para
você e as suas irmãs. Sua mãe e Calliope sabem. Se alguma coisa
acontecer… Outra explosão impediu Heron de terminar seu
raciocínio. Ele se virou para voltar a correr em direção a uma
cidadela já bombardeada. Era a única esperança de fuga que
restava. Estava claro que o Reino não admitia debate ou divergência.
Desejavam um reino homogêneo de pureza étnica e pensamento
único.

O rei Heron e sua família ficaram agachados atrás da estátua


caída de um deus que não devia existir, pois o lugar era desprovido
de qualquer benevolência. Suas filhas, Clara e Calliope, fizeram o
possível para não tossir por causa da fumaça sufocante que ardia na
garganta. O suor escorria pelo rosto e encharcava a túnica preta
dele. Ele limpou a palma das mãos na calça para mirar nos soldados
que os encurralaram na cidadela.
O filho ainda segurava um rifle. Todos eles tinham que lutar para
escapar vivos. Sua esposa, Maia, e as duas garotas avançavam entre
os gigantescos fragmentos de pedra enquanto Heron mirava. Ele
acertou um tiro certeiro bem na testa de um dos soldados. Gotículas
vermelhas se espalharam pelo ar junto com as brasas incandescente
carregadas pelo vento da cidade arrasada lá fora. Ele conseguiu
ouvir Clara gritar diante da visão, enquanto Calliope a silenciava com
impaciência.
Mas era essa a especialidade de Heron, a parte dele que as filhas
não conheciam. Não vá atrás de um exímio atirador sem esperar que
haja uma chance de cair bem na mira dele. Soldado após soldado
caía em rápida sucessão. Seus olhos examinaram dez homens em
meio à fumaça e aos tiros. Apesar de seus acertos, mais soldados se
aproximavam, movendo-se como uma maré violenta. Ele se virou
para olhar para o filho.
– Precisamos recuar.
O filho não se mexeu.
– Mas, pai…
Maia agarrou o antebraço do filho com firmeza e a expressão
severa e autoritária. Ela também lançou um olhar para as filhas.
– Vocês ouviram seu pai. Precisamos nos mover. Meninas, vamos
agora. Para a porta.
Heron assentiu e o filho obedeceu. Eles abriram caminho até as
escadas. Bergen grasnava em sua jaula enquanto eles avançavam
depressa. Calliope tentou fazer com que Clara o largasse quando o
confronto começou, mas foi a única maneira de Clara, aos oito anos,
deixar o lar, quando sua mansão sofreu o primeiro golpe da série de
bombardeios. Era um presente do pai. Ele teve um quando tinha a
idade dela, o animal de estimação dele foi a mãe de Bergen. A
criatura azul e sem pelos estava agitada, mostrando seus dentinhos
afiados e se debatendo contra a gaiola dourada. Suas patadas de
três dedos puxavam a pequena abertura, que estava trancada.
– Shhhh, Bergen – disse ela à criatura.
A irmã mais velha, Calliope, passou apressada com uma carranca
no rosto.
– Essa coisa vai acabar matando a gente.
Calliope gritou e parou quando seis soldados se aproximaram das
escadas. Um a agarrou com força com os dois braços sobre a
metade superior do peito dela. Ela lutou e esperneou, mas ele era
grande demais para deixá-la escapar. Clara começou a gritar e
chorar. Bergen a imitou com um berro. Heron veio correndo por trás
de Clara e mirou logo acima da cabeça de Calliope. Ela sabia que
deveria ficar quieta e parou de se debater. Num instante, o sangue
do seu captor jorrou em seu rosto e cabelo.
Heron despachou o resto dos soldados. Fora das garras do
soldado, Calliope correu para o pai, que continuou subindo as
escadas, com o rifle em punho para pegar quem entrasse no
caminho. A família correu depois que os soldados foram eliminados.
Maia ia na frente com as meninas. Outro grito ecoou pela escada.
Era a esposa.
Heron avançou o mais rápido que pôde, ignorando os músculos
doloridos e a boca seca. Viu Maia enfiando o presente de casamento
dela, uma lâmina curva gravada de trinta centímetros que pingava
sangue, no pescoço de um soldado atacante. Outro correu na
direção dela. E foi golpeado no estômago. Um golpe poderoso e
seguro que o partiu no meio.
A mão dela tremia, apertando o cabo de madeira liso decorado em
ouro. Quando não tiveram escolha a não ser deixar o palácio, ela a
enfiou em uma bainha presa ao cinto sob as vestes. O sangue dos
soldados havia pintado seu rosto e vestido. O momento de pausa foi
interrompido por uma série de bipes altos seguidos por uma
explosão de pedra e poeira. As escadas e colunas atrás deles haviam
sido deliberadamente destruídas.
Heron e o filho correram para se proteger sob o arco fortificado
enquanto a escada atrás era danificada. Felizmente, Maia e as duas
garotas já estavam seguras dentro da sala do trono à frente. O
cabelo e pele estavam cobertos de detritos poeirentos grudados ao
suor. Maia olhou para a escada e de volta para Heron com lágrimas
nos olhos. Ele a conhecia bem o bastante para saber o terror por
trás das lágrimas que ela tentaria conter pelo bem dos filhos. Cada
explosão e bala abria outro buraco no coração dela e na esperança
de que conseguiriam escapar vivos. Heron tocou o ombro do filho.
– Filho, leve a sua mãe e as suas irmãs para a sala do trono. Vá.
O rapaz, quase adulto, apertou o cano do rifle nas mãos e
assentiu. Com um puxão rápido, agarrou a irmã mais nova pelo
braço esquerdo. O movimento repentino fez com que ela deixasse
cair o animal de estimação inquieto.
– Bergen! – gritou ela.
– Não! Temos que ir. Ele só vai atrasar a gente – ralhou Calliope.
Maia tocou a nuca de Clara e pegou a mão de Calliope. Ela olhou
para o marido uma última vez com lágrimas escorrendo pelo rosto. A
pequena criatura empurrou a jaula virada para escapar. Não
adiantou.
Heron se virou ao ouvir o som de soldados escalando os
escombros da escada. Apontou o rifle. Uma saraivada de tiros
atingiu tudo ao seu redor, explodindo pedras. Havia pouco ou
nenhum lugar onde se proteger enquanto ele tentava evitá-los.
Rugiu de dor e cerrou os dentes quando uma bala atingiu sua coxa
esquerda. Olhou para a carne dilacerada e pressionou a ferida.
Permitindo-se apenas um instante para se recuperar, ele continuou a
atirar nos soldados até que seu rifle disparou o último tiro. Olhou
para a arma e contornou uma coluna restante. Ele a virou e esperou
que o próximo corpo encontrasse sua ira.
O rifle não estava completamente inútil. Quando um soldado se
aproximou, Heron bateu com a coronha no centro do rosto dele. O
soldado caiu para trás com o nariz deslocado e sangrando. Seis
outros homens atacaram Heron. Seus olhos dispararam, avaliando-
os. Esquecendo o ferimento no calor da batalha, ele abriu caminho
entre os inimigos com a ferocidade de um animal possuído pela
loucura. Ele não era uma fera nem um rei, mas um pai e marido que
lutava pela sobrevivência de sua família.
Ele agarrou o soldado cujo nariz havia quebrado e o usou como
escudo quando um tiro foi disparado em sua direção. O sangue
espirrou no rosto e na boca de Heron. Sua mão esquerda agarrou a
arma do soldado morto antes que ela caísse da mão dele e disparou
de volta, atingindo o atirador no pescoço. Os cinco soldados vivos
atravessaram a névoa de sangue de seu camarada caído enquanto
descarregavam as armas em Heron, com as balas se perdendo ou
sendo desperdiçadas no cadáver que lhe servia de escudo. Ele se
pôs de joelhos e mirou com precisão, acertando fatalmente mais três
antes de rastejar para trás de uma estátua caída. Ele lançou um
olhar para a arma. Ficaria sem munição em breve. Os próximos tiros
tinham que ser precisos para matar os dois soldados restantes.
À sua esquerda ele notou uma barra de aço que havia caído da
estátua destruída. Agarrou-a como uma garantia caso sua munição
acabasse antes de matar os soldados. Os passos estavam próximos.
– Ali! – Ouviu um deles gritar. Heron se levantou e disparou os
tiros restantes. Acertou um no rosto antes que a arma morresse.
Voltou a se abaixar, agarrou a barra e esperou que o soldado
recarregasse. O tiroteio parou e Heron encontrou o momento certo.
Seu corpo ficou tenso em agonia por causa dos ferimentos enquanto
ele se agachava e erguia a barra em um ângulo. Enquanto o soldado
corria para enfrentá-lo, Heron enfiou a barra de aço em sua barriga.
O soldado largou a arma com os olhos arregalados, buscando a
barra com as mãos. Heron se apressou em pegar a arma e atirou no
soldado até que ficasse sem munição.
Seu peito se contraiu ao olhar para o soldado morto espetado na
barra de aço. Estremeceu com a dor que emanava de sua coxa. A
perna da calça estava encharcada, rubra. Seus olhos se voltaram
para as escadas. Um homem cujo uniforme indicava que ocupava o
cargo de sargento estava parado com um pequeno exército atrás
dele, pelo menos trinta soldados. Eles sorriam de leve, entretidos
com a luta.
A expressão de Heron esmoreceu antes que ele corresse em
direção à passagem em arco. Na pressa, ele tropeçou na bota de um
soldado morto. Tentou ignorar a dor latejante e a exaustão da luta.
Viu Bergen. Suas lembranças de infância e da alegria nos olhos da
filha sempre que ela brincava com o animal passaram por sua
mente. Isso lhe deu esperança. A criatura tremia. Ele pegou a gaiola
do chão e rastejou para trás de uma grande parte da parede de
pedra caída. Com cuidado, abriu a gaiola. Podia sentir o calor que já
crescia dentro dela enquanto removia o animal com cuidado. A
criatura choramingou e gritou ao ser manuseada. Ele a segurou com
uma das mãos, encostou a testa na cabeça da criatura e sussurrou:
– Eles querem machucá-la.
O som de sua voz e respiração acalmaram o animal. Com o
polegar manchado de sangue, esfregou a barriga dele. Um tom
profundo de vermelho começou a brilhar em seu interior. Todos os
seus órgãos internos podiam ser vistos ao se moverem. Heron
continuou a segurá-lo enquanto ele brilhava mais forte. As linhas
pretas de suas veias se tornavam mais proeminentes à medida que
ele ficava mais brilhante.
– Queria que fosse eu – sussurrou Heron enquanto abria os olhos
e colocava a criatura brilhante no chão. O pescoço dela pendeu
enquanto ela se equilibrava nas finas patas traseiras antes de ficar
de quatro. Com os braços parecidos com galhos e mãos
acolchoadas, o animal correu na direção dos soldados.
Heron observou com profunda tristeza enquanto o animal
rastejava com notável agilidade através dos escombros, com sua luz
interior lançada pelo chão como um farol errante. Esperança na
escuridão.Tinha que existir. Essa chama tinha que ser mantida viva
antes que o Reino a apagasse com seu hálito de sangue e
distribuição indiscriminada de morte. Ele fechou os olhos antes de
usar o que lhe restava de força para erguer o corpo do chão. Gemeu
ao tentar correr após a queda. Tudo o que conseguiu foi mancar às
pressas.
– Ali! – gritou um soldado, apontando a arma para Heron.
O sargento virou a cabeça na direção de Heron.
– Acabe com ele – ordenou ao soldado. Sem qualquer hesitação, o
soldado ergueu a arma e apontou para o alvo em movimento. Com o
dedo no gatilho, ele percebeu no canto de sua visão uma luz
vermelha se movendo pelo chão. Retirou a pressão no gatilho e
desviou os olhos de Heron para os pés. Franziu a testa ao ver algum
tipo de criatura. Ela levantou o corpo trêmulo, soltando berros
tensos e estridentes enquanto se balançava.
Os olhos do sargento se arregalaram ao ver o animal estridente
ficando mais brilhante a cada segundo, com as veias escuras
pulsando em velocidade crescente. Ele disse com escárnio:
– Não…
No instante seguinte, o local foi tomado por uma explosão que
rivalizava com a de uma granada. A criatura entrou em combustão
com uma força que vaporizou os soldados restantes. Heron havia se
arrastado para longe o suficiente para não ter o mesmo destino; o
impacto o jogou de cara no chão. Ele ergueu a cabeça e tossiu por
inalar poeira e cinzas. Com um gemido profundo, ele ergueu a
cabeça e olhou para trás. Nenhum sobrevivente.
Ele precisava encontrar a família. Fugir não era mais uma opção,
eles teriam que se esconder até que os invasores se cansassem de
atacar os escombros. Heron mancou até a sala do trono. Aris o viu e
acenou para que se juntasse a eles atrás de um muro caído.
– O que faremos agora, pai? – perguntou Aris.
Heron segurou o ombro do filho e se abaixou no chão. Estremeceu
de dor e tocou a ferida.
– Vamos esperar. Deixe que fiquem satisfeitos por terem nos
ensinado uma lição e depois vão embora. Vamos reconstruir. De que
adianta nos caçar? Mas vendo isto aqui. É por isso que tive que fazer
o que fiz. Esse tipo de poder… forçar a vontade sobre os outros.
Deve ser questionado. – Ele olhou para os três filhos com amor. –
Prometam que sempre questionarão e defenderão o que sabem ser
o certo. – Sua família o cercou e lhe deu um abraço caloroso com
lágrimas nos olhos.

Noble tinha que admitir que a cidadela era uma estrutura


impressionante, com três intervalos de degraus levando à sala do
trono. Ele passou pela entrada da única parte restante do outrora
grandioso edifício. Nada existia além do eco de suas botas em meio
à destruição. Para evitar sujar o couro, contornou os corpos crivados
de balas e queimados dos guarda-costas do Santuário Interno
espalhados pelo chão. Era um trono em ruínas, com cinzas caindo
com a suavidade da neve. Ao seu lado estavam Felix e Balbus, dois
dos seus melhores na Guarda Krypteiana. A selvageria da guerra
permeava cada ruga e poro de seus rostos. Era o suficiente para
fazer alguns se renderem num instante. Os guardas originais haviam
sido retirados de um mundo que valorizava a mesma mentalidade
guerreira do Mundo-Mãe. Seu povo sabia lutar, e lutar com tudo.
Sem nenhum esforço, Noble encontrou o homem que procurava e,
como bônus, sua família. O rei Heron. Eles tentaram permanecer
quietos, amontoados como ratos entre os cacos de vitrais e pedras
caídas enquanto ele se aproximava. Os olhos de duas meninas
tremularam de medo quando Noble se aproximou. A mais nova
agarrou o braço da mãe e escondeu o rosto na altura da metade do
tronco dela. Ele não ficou surpreso.
O líder dos sacerdotes portava o Cetro Dourado, um fêmur
reluzente em ouro e abençoado com a língua antiga gravada no
metal. Atrás dele, um dos sacerdotes sem rosto, respirando com
dificuldade por trás das máscaras, segurava um ícone. Era a imagem
da assassinada princesa Issa numa moldura de ouro puro. Dentes
humanos, fileiras deles, voltavam-se à imagem dela como se
estivessem se curvando em serviço devotado. Para qualquer um,
ainda mais para uma criança ignorante, aquilo devia ser assustador.
As cinzas continuaram a cair como pequenos vermes, larvas na
podridão. Noble as tirou dos ombros com brasas que também
tornavam a atmosfera escaldante. Seu uniforme não podia ser
maculado. A cidade lá fora continuaria a arder por pelo menos mais
um dia. Quando parou diante da família, fez uma reverência e
depois voltou à postura imponente.
Ele observou a mulher agarrar as duas meninas com força e
depois olhar para o marido. Heron avaliou os guardas e os
sacerdotes. Noble conhecia os homens; se ele ainda tivesse alguma
força para lutar dentro de si, tentaria matar todos pelo bem da
jovem família e em nome da honra. Mas uma única lágrima caiu pelo
rosto da mulher enquanto ela olhava para o marido.
– Diga-me, o que está pensando ao olhar para ele desse jeito? Eu
gostaria muito de saber – questionou Noble.
Ela não falou de imediato, visivelmente assustada com a voz dele
e com a estranha pergunta.
– Foi… apenas uma lembrança da primeira neve da temporada.
Estávamos no nosso palácio de inverno. Era… bonito. A alegria.
Noble virou a cabeça na direção de Heron.
– Isso me entristece, de verdade. É uma pena que estejam agora
encolhidos nas cinzas em vez de estar brincando na neve. Tudo isso
é tão desnecessário… tão desnecessário. Você fez uma escolha.
Ele ergueu as mãos enluvadas de couro, com as palmas para
cima, como se lhes oferecesse uma alternativa, contanto que
segurassem suas mãos. A expressão de Heron se endureceu,
sabendo que ele não oferecia nada e brincava com eles.
– Por favor, me digam seus nomes.
O homem endireitou sua postura.
– Rei Heron, como bem sabe. Este é Aris, meu filho, Maia, minha
esposa, e minhas filhas, Calliope e Clara. – Heron pôs a mão no
antebraço do filho. – Não nos torture. Se veio me matar, faça isso.
Foi minha decisão deixá-los ficar aqui e ajudá-los a fugir. Mas, pelo
amor de Deus, por favor, eu imploro, deixe a minha esposa e os
meus filhos viverem. Eles são inocentes em tudo isso.
Os olhos de Noble deslizaram pela família, desprovidos de
qualquer emoção. Havia apenas avaliação pura.
– Ah, eu não vim para matá-lo. Na verdade, venho assegurar que
a sua linhagem sobreviverá e prosperará. Lutou com tanta
dignidade. Como eu poderia matá-lo? Mas há um preço a ser pago
pela sua… digamos… rebeldia. Um preço, é verdade.
Noble deu um passo para mais perto de Maia. Ele examinou o
rosto dela antes que seus olhos se voltassem para o pescoço e os
três botões abertos do vestido. Uma lágrima caiu na clavícula dela.
Ele voltou a encarar os olhos e sorriu. A calma em sua expressão
não era capaz de mascarar a frieza no olhar. A ponta do seu dedo
indicador colheu uma lágrima na bochecha dela. Ele a observou
como se fosse algo estranho que jamais entenderia. Prosseguiu e se
concentrou em Calliope, depois em Clara. A mais nova se esquivou
de sua figura imponente.
– Ah, tão jovem – comentou ele em um tom sinistro antes de se
mover em direção a Aris, parando então. – Levante-se, vamos dar
uma olhada em você.
Aris permaneceu imóvel com uma expressão pensativa enquanto
olhava para os guardas krypteianos blindados que o encaravam com
escárnio. Felix movia o dedo no gatilho da arma. Aris olhou para a
mãe, que o encarou e balançou a cabeça num movimento lento e
comedido.
O rosto de Noble se contorceu de raiva.
– Eu falei para se levantar.
Aris se aproximou mais. Clara choramingou:
– Não, não. – Ela puxou a roupa dele, tentando segurá-lo.
Compreendendo que cada movimento para longe dela, em direção a
Noble, era um movimento que não poderia ser retraído.
Os olhos de Noble dispararam na direção dela com uma ferocidade
que a fez se encolher ainda mais junto à mãe.
– Venha, garoto – disse ele, segurando Aris pela nuca, com o
polegar e o indicador se cravando fundo para aplicar pressão
suficiente para manter o rapaz sob controle. Noble o guiou para
longe da família, em direção aos dois guardas. Com os dentes
cerrados, sussurrou para ele em um tom calmo e baixo: – Chega um
momento na vida de todo jovem em que ele se encontra no limiar
da idade adulta. Um momento do qual ele sempre vai se lembrar.
Quando ele olhar para trás, daquele momento em diante, saberá
que se tornou um homem. Para alguns, vem na forma de lábios
úmidos e seios fartos de mulher. Para outros, pode ser sair de casa
pela primeira vez e partir para viver por conta própria. Mas para
você, será uma escolha.
Noble virou Aris para encarar a família e aproximou os lábios do
ouvido dele.
– Está pronto para ser homem? Seu momento chegou. Assim
como seu pai fez escolhas contra o Reino para nos trazer até este
momento.
Um sacerdote deu um passo à frente e ergueu o Cetro Dourado na
direção de Noble, que agarrou o osso reluzente com uma das mãos.
– Veja, fui encarregado pelo próprio regente. Ele olhou nos meus
olhos e me ordenou que levasse à justiça os irmãos Devra e Darrian
Bloodaxe, pelos crimes de traição e insurreição. Minha busca me
trouxe até aqui, onde descobri que seu pai lhes havia dado refúgio e
uma base de operações a partir da qual atacaram e destruíram
vários bens pertencentes ao Reino.
– Por que está fazendo isso? – implorou Heron.
O olhar de Noble se voltou para Heron. Ele bateu de leve com o
Cetro Dourado no peito de Aris.
– É importante que o seu filho entenda… Qual é o nome dele? –
Noble olhou nos olhos cheios de lágrimas de Aris. – Qual é o seu
nome, garoto?
Aris olhou para o cetro e depois para a família, todos com rostos
empoeirados e cansados, com marcas de lágrimas pelo rosto.
– Aris.
Noble inclinou a cabeça em direção a ele.
– Eu não ouvi direito…
– Aris! – gritou ele em resposta. O nome ecoou mais alto do que a
palavra “garoto”.
Noble estreitou os olhos e abriu um sorriso malicioso.
– Isso. Muito bem, Aris. Vamos ver se o seu pai não consegue
ensinar uma última lição a você. Pegue este objeto sagrado.
Aris engoliu em seco e o segurou com as mãos trêmulas. O peso
puxou seu braço por um momento quando ele o sentiu pela primeira
vez.
– É pesado. Mas é isso que significa crescer às vezes – gracejou
Noble. – Aqui está sua escolha. Se bater no crânio do seu pai, quero
dizer, bater de verdade até que o cérebro dele se espalhe no que
antes era este belo chão. – Noble foi até Heron e bateu com o
punho na cabeça raspada. Ele se voltou para Aris. – Vou permitir
que a sua mãe e irmãs vivam. Mas se você disser “não” como o seu
pai disse… então todos vocês morrerão.
Os únicos sons eram os da destruição que ocorria na cidade e os
lamentos dos cidadãos a distância. Aris buscou respostas no rosto da
família, uma saída. Não havia consolo. Ele olhou para Noble; Noble o
encarou de volta. O olhar implacável e morto. Mas foi nos olhos do
krypteiano que ele alcançou a clareza final, e seu último resquício de
esperança morreu. Naqueles olhos ele não viu simpatia nem prazer,
apenas uma compreensão da realidade atual. Por fim, seu pai falou:
– Aris, me escute. Você precisa fazer o que ele diz. Salve a sua
mãe e irmãs.
Maia gritou com todas as forças com lágrimas caindo dos olhos:
– Aris, não!
Clara e Calliope gemeram e choraram. Heron olhou para elas em
desespero e de volta para Aris. Ele enxugou o suor da testa com as
costas da mão.
– Não dê ouvidos a ela. Não olhe para ela. Olhe para mim. Salve
as três. Eu já estou morto.
As duas meninas começaram a chorar junto às vestes sujas da
mãe. Maia sacudiu a cabeça.
– Aris, nos deixe ir… Livre todos nós. Não sou capaz de viver com
isso e você também não. Não vai conseguir superar isso. Nenhum de
nós vai conseguir. Por favor, não faça isso.
Heron lançou um olhar severo para Maia.
– Não se atreva a olhar para ela, foque em mim! – gritou,
enquanto Aris continuava a encarar a mãe e as irmãs. – Eu disse
para não olhar para ela! Faça, agora. Seja homem e faça isso. Salve
as três. Faça. Você é forte. Agora salve as três.
Aris olhou para o cetro e o apertou com as duas mãos. Fechou os
olhos, como se quisesse descobrir o certo a fazer. Noble colocou a
mão sobre a dele.
– Ouça seu pai, Aris. Ele é um homem sábio.
Aris tornou a abrir os olhos e ergueu a pesada relíquia. Seus olhos
se voltaram para a irmã mais nova, que balançava a cabeça e
chorava de terror, enquanto a mãe soluçava com lágrimas furiosas
escorrendo pelo rosto.
– Isso mesmo, filho. Precisa me ouvir… Agora, faça – declarou
Heron antes de fechar os olhos. – Eu amo você, meu filho… eu
perdoo você.
Num movimento rápido e com toda a sua força juvenil, Aris cravou
o cetro na testa do pai com um grito que ecoou pelo vazio das
ruínas. Noble ofegou enquanto sugava o ar, como se de fato não
acreditasse que o garoto tivesse a capacidade de seguir suas ordens.
Maia apertou as filhas com mais força com soluços abafados,
enquanto desviava o olhar. Clara e Calliope apertaram o manto da
mãe ao soluçarem com os olhos tampados pelas mãos dela. Felix e
Balbus riram quando os olhos de Heron rolaram para trás e seu
corpo desabou no chão.
– Termine – sibilou Noble. Ele cerrou os punhos com as duas
mãos enluvadas.
Aris cerrou os dentes com o rosto umedecido por lágrimas e
ranho. Ele ergueu o osso de novo e acertou o topo da cabeça do pai.
Dessa vez, com um estalo que rasgou o ar enquanto a pele se abria
e o sangue escorria devagar. Aris ergueu o osso mais uma vez.
– Eu disse que queria a cabeça dele partida ao meio! – Noble
colocou as duas mãos nos ombros de Aris, que subiam e desciam, e
apertou-os.
Aris se afastou de Noble e ergueu o cetro acima da cabeça. Ele o
enfiou na nuca do pai. E em seguida repetiu o ato, até que sangue e
tecido cerebral se espalhassem pelo chão. O topo do crânio estava
estilhaçado. O rosto de Heron ficou irreconhecível agora, com a
mandíbula deslocada e ambos os olhos saltados das órbitas. Aris
olhou de novo para a mãe, que tinha as mãos sobre os olhos das
filhas. As duas cobriam os ouvidos com as mãozinhas.
A gola de sua túnica grudava em seu pescoço, molhada de suor,
enquanto ele respirava com dificuldade devido ao esforço. Tropeçou
para trás e jogou a relíquia aos pés do líder dos sacerdotes. Seu
peito continuou a arfar quando ele caiu de joelhos. Olhou para os
vitrais quebrados que nunca mais seriam reparados. Não havia
sobrado ninguém para fazer isso. A aurora trazia claridade para o
salão. Lâminas de luz cortavam o chão, revelando a cena horrível de
uma família destruída.
Noble se ajoelhou entre o corpo de Heron e Aris. Um dedo de
cada vez, removeu a luva de couro esquerda com os dentes. Pegou
uma mecha do cabelo emaranhado de sangue de Heron e a levantou
para expor o resto do crânio partido.
– Hum. Impressionante, rapaz. Você tem muito que aprender, mas
é um bom ponto de partida.
O som de Maia e das duas garotas chorando interrompeu sua
inspeção do cadáver. Ele ergueu o olhar.
– Fique tranquila, seu filho vai prosperar. Vai ser difícil no começo,
mas essa raiva e essa tristeza, essa alma morta que há dentro dele
agora, posso usar tudo isso. Ele pode liberar a raiva, e fará isso,
porque enquanto rastrearmos aqueles traidores pelos quais vocês
sacrificaram tudo, e nós os rastrearemos, haverá muitos governantes
orgulhosos no meu caminho. Então… ele não terá que esperar por
muito tempo.
Noble olhou de volta para a crescente poça de sangue e massa
encefálica esmagada. Pegou um pedaço grande entre o indicador e o
polegar e depois o levou à altura dos olhos. Franziu a testa ao
inspecionar antes de reduzi-lo a uma pasta menor.
– Essa foi a vez em que você e ele transaram à sombra da figueira
na grama quente do verão. Esse foi o momento em que ele chorou
no nascimento da filha, e esse, um momento que ninguém viu além
dele… você dormindo. Ele afastou o cabelo dos seus olhos e beijou
sua testa. – Ele deixou a carne cair da ponta dos dedos. Seus olhos
se voltaram para Maia, e ele levou o dedo indicador ensanguentado
à têmpora e a tocou. – Entenda, tudo começa aqui e é armazenado
aqui. Destrua o suficiente disso e não sobrará nada.
As narinas de Maia se moveram conforme sua respiração se
acelerava.
– Você é um homem maligno.
Noble ficou de pé enquanto um dos sacerdotes se aproximava
atrás dele e se ajoelhava próximo ao corpo de Heron. Ele estendeu
um alicate de metal e arrancou um único dente da mandíbula
quebrada de Heron. O sacerdote pegou o dente e o pôs entre os
demais dentes que cercavam a imagem da princesa.
Noble observou a reação de Maia antes de se voltar para Balbus e
Felix. Ambos os guardas lhe deram um breve aceno de cabeça. Felix
ergueu Aris do solo com um puxão e o girou em direção à entrada.
– Levante-se. Está conosco agora.
Aris tentou olhar para trás, mas os dois guardas o puxaram com
mais força por baixo das axilas, arrastando-o para o inferno ainda
ardente que era Toa.
O cântico dos sacerdotes aumentou à medida que a luz e o calor
do Sol nascente enchiam a sala. Noble se voltou para Maia e as
filhas que choravam. Seus olhos procuraram pelo chão até encontrar
o cetro encharcado de sangue. Ele se abaixou e o pegou.
– Esses jogos não combinam com você – declarou Maia,
desafiadora.
Noble limpou cérebro e sangue do cetro com a mão despida.
– É mesmo?
Maia enxugou as lágrimas com as costas da mão e endireitou a
postura.
– O teatro, o drama. Parece falso em você. Você é um homem de
ação. Não vai nos deixar viver. Para que a destruição deste mundo
esteja completa, não pode haver esperança em alguma princesa
escrava.
Noble se aproximou dela, seus olhos se estreitaram quando ele
começou a erguer o cetro acima de Maia e das duas meninas.
Ela rosnou:
– Aí está. O soldado honesto. Não há honra em você.
– Não. Não há – concordou Noble enquanto golpeava com o
fêmur de metal. Ele não parou de espancar, extinguindo a vida das
três até que não conseguisse enxergar por causa do sangue delas,
que turvou sua visão.

Os dois guardas krypteianos escoltaram Aris para fora da cidadela


até as ruas ainda fumegantes. Uma jovem jazia em um pilar caído
com o vestido rasgado no peito e o sangue escorrendo pelas duas
pernas, pingando dos dedos dos pés até o chão. Seus olhos estavam
fechados de inchaço. Felix riu ao ver isso.
– Isso ensinará este mundo e os outros também, assim espero. –
Aris não conseguia olhar, não ia olhar. Poderia muito bem ser uma
de suas irmãs ou sua mãe. O pai sempre o ensinara a respeitar os
outros e a si mesmo. Todos, num Universo cheio de vários tipos de
criaturas, gêneros e humanoides, mereciam respeito. A dignidade
precisava manter algum valor.
Aris queria olhar para trás, para ver se a mãe e as irmãs
apareceriam, mas não tinha forças. Tudo o que sentia era
dormência. Ele não podia ter certeza se elas estavam bem e se
fizera a coisa certa. Balbus virou o rosto dele para frente.
– Por aqui, soldado. Já não é mais da sua conta.
Aris manteve os olhos no horizonte resplandecente que entrava e
saía de foco. Não conseguia acreditar que o único lugar onde viveu
não existia mais. O reino de seu pai e de seu avô, destruído. Poeira
e cinzas voavam contra seu rosto, fazendo-o engasgar e tossir. Felix
grunhiu para Balbus:
– É melhor ele se acostumar com isso. É assim que vivemos e
respiramos. Eu não era muito mais velho que ele quando comecei a
treinar como guarda na Manopla Krypteiana. Foi uma honra. – Felix
bateu com o punho no peito.
– Ele é mole demais, foi criado aqui. Aqui não é Krypt. Nem
mesmo um fio de cabelo acima da boca, e duvido que tenha algum
no saco – comentou Balbus.
Tanto Felix quanto Balbus explodiram em risadas cruéis. Depois
Balbus ficou sério.
– Não sobraram muitos de nós. Somos uma raça em extinção. É
uma pena que a Guarda, pelo menos o que costumava ser, não
exista mais.
Felix assentiu e grunhiu. Aris ficou calado, não podia falar sobre o
assunto. Eles se aproximaram de um módulo de transporte que
ainda parecia imponente para Aris.
Parado na rampa estava um homem que não usava armadura,
mas uniforme. Não parecia ter estado no meio da batalha, talvez um
oficial sob o comando de Noble. Seus olhos percorreram todo o
corpo de Aris, mas não pareceram surpresos com sua presença. Na
verdade, houve pouca emoção. Aris não conseguiu lê-lo porque ele
não parecia adorar a guerra como Noble ou os guardas, mas
também não parecia ter pena.
Seu pai costumava dizer que, às vezes, os homens mais perigosos
em tempos de ameaça são aqueles que simplesmente se deixam
levar por qualquer maré sangrenta que surja. Aris se perguntou se
esse oficial teria se envolvido com o Reino da mesma forma que ele
próprio se encontrava agora, e acabara desistindo de lutar.
– Onde está almirante Noble? – perguntou o oficial.
Balbus sorriu com malícia.
– Comandante Cassius, ele está eliminando as pontas soltas com o
rei. Sabe como é. Como é aquele ditado mesmo? Toda criança
gritando, toda mãe chorando.
Cassius olhou para longe.
– Sim, está correto. Muito bem. Coloque o garoto a bordo. Temos
um cronograma. – Quando Aris estava prestes a ultrapassá-lo,
Cassius o agarrou pelo braço. – Qual é o seu nome?
– Aris.
Ele o estudou por um momento.
– Você fará exatamente o que eu disser, quando eu disser. O
Imperium exige lealdade, sem questionamentos. – Soltou seu braço
e voltou a olhar para a cidadela em chamas.
– Posso perguntar para onde estão me levando? – questionou
Aris.
Os olhos de Cassius sempre pareciam mortos à primeira vista;
agora, estavam escurecidos.
– Você pertence ao Imperium agora. Treinará para ser um
soldado, com os pés no chão. Despojado de seu título e roupas civis.
O que acontecerá depois disso depende de você. – Ele se afastou
para evitar mais perguntas, mas olhou para trás.
Cassius tinha mais ou menos a idade de Aris quando conheceu
Noble e foi levado para o serviço do Imperium. Tudo o que ele era e
tudo o que conhecia tinha vindo do Mundo-Mãe. Depois de alguns
anos de serviço, esqueceu como era não ter todos os aspectos de
sua vida dirigidos pelos desejos do Reino. Ele se virou para observar
a cidade em chamas.
Uma vez lá dentro, Felix empurrou Aris para um banco. Ele se
sentou com o corpo pesado. Parecia que vinha correndo por dias,
embora não tivesse passado nem algumas horas. Seu coração
disparado desacelerou. Ele sentiu cada gota de suor escorrer pelas
axilas e descer pela nuca. As roupas que usava de repente
pareceram pegajosas e apertadas. E nada jamais voltaria a ser como
era antes. A guerra distorceu o tempo, assim como fez com mentes
e almas. Aris estava sentado com as mãos cruzadas no colo,
sentindo-se entorpecido em um vácuo de caos.
Passos e vozes o trouxeram de volta à realidade. Seus olhos, já
voltados para o chão, sabiam de quem eram as botas à sua frente.
Ele ergueu o olhar e viu Noble, coberto de mais sangue do que
quando Aris o deixou. Naquele momento ele soube. Todos haviam
partido, exceto ele. O último da linhagem de seu pai. Os sacerdotes
atrás de Noble cantavam e seguravam o cajado ainda coberto com o
sangue de sua família. Havia também aquela imagem horrível de
uma figura humana rodeada por dentes humanos.
Era a isso que ele tinha que demonstrar lealdade? Era por isso que
todas aquelas pessoas inocentes morreram? Então, naquele
momento, entendeu por que o pai se encontrara com inimigos do
Mundo-Mãe. Noble o encarou enquanto tirava as luvas de couro e
enxugava o rosto ensanguentado com as mãos nuas. Seus olhos
vazios se afastaram enquanto ele ia até o outro lado da nave,
gritando para alguém lhe trazer um uniforme limpo e botas novas.
Ter sangue nas mãos não significava nada para homens como Noble.
E homens como Cassius os mantinham ali.
Aris encarou o chão, porque os sacerdotes estavam atentos por
trás das máscaras e se voltavam a ele. Conseguia sentir seus olhares
e energia envolvê-lo com uma intenção claustrofóbica, porém não
sabia por que o encaravam. Fazia com que suas bochechas e peito
ardessem com o desejo de matar todos eles, e se pudesse, faria
isso. O sangue deles em suas mãos. Um dia, pensou consigo
mesmo.
2

MARA, A GIGANTE VERMELHA COM ANÉIS, DOMINAVA O


CÉU DE VELDT. O arado parou de repente quando atingiu uma
grande pedra sob a terra. Ajoelhando-se para desenterrá-la, Kora
sentiu o solo macio e úmido. Pegou um punhado nas mãos e
inspirou o rico aroma. Aquela terra, e Mara, lhe davam um pouco de
esperança. Na morte, poderia haver renascimento. As estrelas
contavam essa história. Ali ela ousava acreditar que era
verdade.Também reforçavam que havia coragem em se expandir
para além do que se acreditava ser a única verdade. Havia coragem
em aceitar a morte quando essa expansão chegasse ao fim.
Ela se perguntou o que significava para o tempo que lhe restava e
para aqueles que estavam mortos e não mereciam estar. A dor em
seus músculos combinava com a dor profunda que sentia no íntimo.
Mas seu corpo tinha a capacidade de se recuperar. Sua mente
precisava se curar, talvez esquecer, se possível. Ali ela encontrou
uma segunda chance, embora não acreditasse que a merecesse. Ela
se pôs de pé outra vez, depois de remover a pedra. O puxão do
uraki na canga do arado interrompeu o olhar de Kora para o
horizonte enquanto o dia e o trabalho estavam quase terminados.
Um dia de trabalho honesto concluído. O grande animal, com uma
placa óssea grossa na frente do rosto, bufou e bateu os cascos. O
solo fértil que ela lavrava se estendia à frente como a escuridão do
espaço, o único lugar que podia chamar de lar desde que era
criança.
Só que agora seus pés estavam firmes, plantados no solo. Era
uma sensação boa. Sua mente viajou para todas as vezes em que
sua vida havia sido revirada, e depois todas as feridas da memória
se suavizaram para que ela pudesse viver consigo mesma, com seu
passado. O solo estava fresco e úmido. Ela conseguia sentir o cheiro
do fertilizante uraki que lhe dava o cheiro de casca de árvore e
besouros de verão. Trabalho honesto entre pessoas honestas. A
aldeia ficava situada num vale protegido de imensa beleza natural;
ela consistia em casas feitas de madeira resistente e telhados de
grama, a Casa Comunal, um celeiro de pedra, estábulos e o sino da
aldeia pendurado como uma sentinela silenciosa. Era uma vida
simples, mas pacífica.
– Kora!
Sua cabeça se voltou para a ponte de pedra e uma voz familiar.
Seu coração bateu um pouco mais rápido apesar do momento de
descanso. A tonalidade avermelhada de Mara lançava sua luz
carmesim contra o homem que a chamara pelo nome. Seu corpo
alto e esguio parecia uma mera silhueta de onde ela estava. Ainda
assim, sabia quem era: Gunnar. Seus olhos castanhos estavam fixos
nos dela enquanto ele se aproximava. Cabelo castanho com mechas
loiras caíam sobre a testa. Ele fez uma pausa e um sorriso se
espalhou por seus lábios quando ela olhou para ele. Antes que ele
pudesse chegar perto demais, o uraki bufou novamente e soltou um
gemido baixo. Gunnar parou e tocou atrás da orelha do animal para
lhe dar um tapinha gentil.
– Achei que você já tivesse acabado.Todo mundo está na Casa
Comunal.
Kora lançou um olhar para a Casa Comunal ao longe. As pessoas
estavam se reunindo para uma noite de celebração. Ainda havia uma
parte dela que se abstinha de se entregar por completo à aldeia.
Sempre havia o medo de que as coisas boas não durassem caso se
entregasse totalmente a elas. Ser uma forasteira e permanecer
assim parecia a opção mais segura.
– Estou nas minhas últimas linhas e logo vou acabar.
Gunnar examinou o rosto dela com uma expressão que dizia não
acreditar nela. A atmosfera entre eles vibrava com tanta densidade
quanto a gigante gasosa acima deles.
– Tudo bem. Certo. Bem, Den estava perguntando por você. Ele e
o irmão pegaram um grande alce da neve, um macho. Ele queria
que você visse antes de prepará-lo.
Kora arqueou uma sobrancelha.
– Por que ele estava me procurando? – Ela pegou as rédeas do
arado para recomeçar o trabalho.
Gunnar pareceu confuso com a pergunta.
– Bem, sabe como é, pensei que vocês dois… já que ele é…
– Você pensou – comentou ela por cima do ombro. – Vá – disse a
Gunnar, antes gritar para o uraki avançar de novo enquanto puxava
as rédeas. Ele bufou e passou por Gunnar, que observou Kora
caminhar em direção ao horizonte. O homem se virou e voltou para
a Casa Comunal, da qual agora se elevava fumaça da lareira acesa lá
dentro.
Enquanto Kora continuava o trabalho com os olhos no solo, ela
pensou que, se acabasse enterrada sob aquela terra dali a muitos
anos, sem nunca mais sair de lá, teria se livrado bem. Não era um
lugar ruim para um descanso final.

A Casa Comunal soava a alegria e orgulho. Os aldeões se


sentavam a grandes mesas retangulares, comiam pão de cerveja
preta com manteiga doce, tubérculos cozidos da estação e tomavam
cerveja ou o vinho de amoras do verão do ano passado que haviam
terminado de fermentar. A lareira principal tinha um grande torso de
animal girando em um espeto de aço. A gordura escorria da carne
assada. Havia o suficiente para que todos pudessem desfrutar. Os
banquetes anteriores estavam à mostra, com galhadas de chifres e
peles de todos os tamanhos decorando as paredes. Alguns cantavam
com palavras arrastadas que se elevavam para o teto alto. Casais
estavam sentados juntos e mãos deslizavam em direção à pele nua
disponível. O rubor da primavera coloria seus rostos.
Três fogueiras ardiam na fileira central. A fragrância defumada da
madeira de urze conferia ao ar um aroma sensual. Kora estava
sentada, terminando sua refeição ao lado de Hagen, aquele que
primeiro a acolheu na aldeia. O homem com idade suficiente para
ser seu pai ou avô acariciou a barba branca enquanto lhe servia
outra taça de vinho. O cabelo que lhe restava era do mesmo tom
prateado. Seus lábios e dentes manchados de roxo mostravam que
ele havia aproveitado a bebida naquela noite.
– Aqui está outra bebida bem merecida.
Kora pegou a taça e notou Gunnar olhando em sua direção.
Depois de terminar o trabalho, ela trocou o macacão empoeirado e a
camisa de algodão por um vestido amarelo claro com uma pequena
estampa floral. Seu colar fino brilhava à luz do fogo. Quando os
olhos dos dois se encontraram, o olhar dele se demorou com um
desejo reprimido antes de se desviar. O fogo e o vinho aqueceram o
corpo dela. Ter olhos sobre ela daquele jeito esquentava outra coisa.
Mas ele nunca tomou nenhuma atitude em relação a ela. Já fazia
muito tempo desde a última vez que fora tocada ou beijada com
tanta intensidade que lhe tirou o fôlego do corpo. Antes de Veldt,
sua vida girava em torno da missão que lhe fora dada. Ela nunca
esteve apaixonada. Fisicamente saciada, sim. Agora havia se
acomodado na calma de um passo de cada vez e sem comandos.
Tantos anos haviam sido ditados pela rigidez dos planos de outras
pessoas para ela.
Hagen percebeu a interação, mas não comentou nada a respeito.
– Como estava aquela carne? Temos muita sorte pela nossa
abundância.
Kora tomou um gole de vinho.
– Já fazia um tempo que não comíamos carne fresca.Tinha
esquecido como é boa.
Hagen assentiu e tomou um gole de vinho.
– Ah, Den contou que viram os rebanhos de verão retornando.
Talvez a três dias de viagem. Ele estava perguntando por você.
Um sorriso surgiu nos lábios de Kora. Den era um caso diferente
de Gunnar. Ele era um caçador natural, com agressividade o
bastante para conseguir o que desejava, sem ser excessivamente
cruel ou dominador.
– Fiquei sabendo. E, sim, é bem impressionante.
Hagen se debruçou sobre a mesa para captar o olhar de Kora.
– Qual deles? O animal? Ou o caçador?
Kora inclinou a cabeça para o lado e a sacudiu. Ela deu as costas a
Hagen e procurou na multidão até ver Den. Seus olhos percorreram
todo o corpo dele quando ele não estava olhando. Aquele homem
era puro músculo, cabelo e provavelmente pau. Ele não suscitava
amor, longe disso. Mas algo muito primitivo se agitava por dentro.
Os animais noturnos sabem por instinto quando sair à noite. Den
olhou na direção dela, sentindo o peso daquele olhar.
O momento foi interrompido pelo forte toque da trompa
cerimonial de Veldt por Sven, o aprendiz de carpinteiro. O líder da
aldeia, Sindri, ficou de pé no tablado. O salão ficou em silêncio
quando ele pigarreou e alisou a barba, com três tranças decoradas
com punhos de prata, limpando a espuma de cerveja do lábio
superior. Seus olhos azuis brilhavam de orgulho enquanto olhava
para os aldeões. O álcool da noite tinha dado à sua pele um brilho
rosado e sua cabeça calva brilhava de seu assento à luz do fogo.
– Meu povo, meus amigos, é uma honra estar diante de vocês
com o inverno superado e a primavera agora em plena floração. Os
campos lavrados e a ponto de serem semeados. É meu dever como
chefe desta mesa, ou melhor, comunidade, lembrá-los de que os
deuses da colheita exigem um tributo.
Sindri pegou sua taça da mesa e se voltou para a esposa ao seu
lado. A face dela reluzia com amor e devoção, suas bochechas
coradas devido ao calor da sala e ao vinho.
– Uma oferenda. Mas todos sabemos que é o movimento dos
quadris e os sons altos de prazer que convocam as mudas a
brotarem. Então fodam bastante hoje. Fodam pela colheita. Fodam
pelo próprio alimento que comemos. Fodam pelos deuses!
Um coro de aplausos e afirmações soou. Sindri ergueu o copo até
o rosto afogueado enquanto a esposa puxava o cinto de couro e a
fivela de bronze em sua cintura. Ele se abaixou e a beijou com vinho
escorrendo pela barba.
– Calma, mulher. Me deixa concluir o meu dever cívico. E aí vou
concluir meu dever de marido. Espera… eu falei para foder?
O salão explodiu em aplausos e risadas depois que ele disse isso.
– Um pouco de música! – gritou Sindri. – Um pouco de música
para nos deixar no clima.
Os olhos de Kora se voltaram para Gunnar, que olhou para ela
também. No entanto, ele logo desviou o olhar. Ele era de longe o
mais sóbrio no salão. De canto de olho ela pôde ver Den olhando em
sua direção. Virou a cabeça para vê-lo engolir a cerveja com os
olhos ainda fixos nela. Ele lambeu os lábios e sorriu. Os olhos dela
percorreram da boca dele até a camisa de algodão entreaberta,
revelando parte do peito e um tufo de pelos. Ela imaginou o corpo
dele esculpido pelo árduo trabalho de lida com animais na natureza
selvagem de Veldt. Seus pensamentos foram à loucura. Ela ergueu a
taça para ele. Den bateu no peito do irmão com o chifre de cerveja
vazio e começou a se aproximar dela.
Hagen sussurrou no ouvido dela.
– Vou dar no pé. É vinho demais para este velho aqui. Vejo você
mais tarde. – Ele se levantou, deixando-a sozinha com Den.
Ao longe, ela pôde ver Gunnar olhando na direção deles. Ele
terminou a conversa com um dos aldeões e se virou para sair da
Casa Comunal sem olhar para trás.
Den deslizou para o banco ao lado dela, onde Hagen esteve
sentado momentos antes.
– Precisa de um pouco de companhia para o resto da noite? Está
cedo demais para ir dormir.
Ela sorriu e olhou nos olhos dele.
– É mesmo?
Ele se encostou na mesa e se aproximou dela. Ela podia sentir o
cheiro de seu suor e o aroma persistente de sabonete em sua pele.
– Que tal eu sair primeiro e, quando você estiver vagando pela
vila, você por acaso parar na frente da minha porta?
Ela lhe deu um meio sorriso e se inclinou em direção ao seu
ouvido, sussurrando algo que o deixou encabulado e excitado em
igual medida.
Den se levantou e olhou ao redor do salão. Os aldeões restantes
fingiam não observá-los. Ele saiu andando às pressas sem se
despedir de ninguém. Kora pegou a taça e bebeu o restante do
vinho. Era doce na língua e descia quente pela garganta. Ela deixou
a Casa Comunal, sem prestar atenção a nenhum olhar que pudesse
estar observando sua saída logo após Den.
Den teria exatamente o que desejava naquela noite, e ela
também. Seu coração acelerava a cada passo mais perto da casa
dele. A expectativa de explorar um novo corpo enviou ondas de
excitação por todo o seu. Quando chegou à porta dele, passou os
dedos pelo cabelo e bateu uma vez.
Ele abriu a porta sem camisa. A casa estava escura, exceto por
duas velas acesas no meio de uma mesa.
– Você veio.
– Não estava pronta para ir para casa.
Ele se afastou da porta para deixá-la entrar. Com exceção de
Hagen, essa era a primeira vez que entrava sozinha na casa de um
homem desde que havia chegado. As paredes estavam cobertas de
troféus de caça emoldurados, chifres de todos os tamanhos, penas,
garras e dentes, mas, fora isso, havia pouca decoração. Ele
mantinha a casa limpa e organizada, o que não diferia de sua
personalidade na aldeia. Nos fundos ela pôde ver a porta fechada do
que ela deduziu ser o quarto dele. Seu olhar retornou para Den, que
a encarava com a mesma intensidade que ela o imaginava ter ao
caçar esses animais. Ele poderia prendê-la contra a parede naquela
noite, ou no chão, desde que não parasse até que ela estivesse
satisfeita.
Kora se aproximou dele. A luz bruxuleante das velas acentuava
seus músculos. Ela tocou o peito dele enquanto observava seu rosto.
A ponta dos dedos foi até o cós da calça dele. Ela podia sentir sua
excitação crescente. Sem dizer uma palavra ou lhe dar qualquer
aviso, ele a ergueu com as duas mãos em cada lado da cintura. Ela
o segurou pelo pescoço enquanto suas coxas fortes e grossas
envolviam a cintura dele. Ele a segurou com um braço sob sua
bunda enquanto ia em direção ao quarto e irrompia pela porta. Um
pé chutou a porta, fechando-a ao passar, antes de deixar Kora cair
na cama, depois de três grandes passos.
Ele tentou beijá-la nos lábios, mas ela virou o rosto para que os
lábios dele pousassem em seu pescoço. Depois de tentar mais uma
vez sem sucesso, ele desceu. Um botão por vez, ele foi abrindo o
vestido dela. Sua boca se moveu até os seios e mamilos.
Mordiscadas os mantiveram rígidos e fizeram com que gemidos
suaves escapassem da boca dela. Isso o fez tentar descer mais,
porém não foi por isso que ela veio. Ela queria o que havia sentido
antes, queria ser fodida por Den, não que ele fizesse amor com ela.
Ela olhou agitada para o teto, enquanto ele tentava cair de boca
nela. Ela o agarrou pelos braços para puxá-lo para cima. Ele seguiu
a instrução.
Observou Den tirar a calça enquanto ela tirava a calcinha. A ponta
do pênis úmido e duro, em formato de foice, brilhava sob a luz das
duas Luas cheias. Suas coxas eram troncos sólidos de árvores com
músculos ondulantes. Todo o seu peso poderia esmagá-la. Ela só
queria que ele trabalhasse nela como faria para domar um garanhão
de Veldt. Calmo, firme, sabendo quando esperar e quando cavalgar
com força. Ele era tudo que ela precisava para a noite. Às vezes, a
dolorosa necessidade de ser cuidada vencia, mesmo que apenas por
algumas horas, mesmo que apenas em nível físico.
A solidão fazia parte da sombra de Kora. Noites como aquela eram
flechas flamejantes no escuro, um sinal de que ainda estava viva.
Êxtase desenfreado e descompromissado tinha o poder de acalmar a
alma inquieta. E ela era uma alma inquieta. Den era carne fresca
para satisfazer a fome dentro dela. O desejo que havia dentro dela,
apenas estocadas rítmicas que a levariam a um orgasmo completo
saciariam.
Sem palavras, ela rolou para cima dele. Kora montou nele e tirou o
vestido. Uma grande cicatriz enrugada descia do seu ombro,
atravessando as costas e terminando na coxa. As mãos grandes dele
seguraram seus quadris e bunda redonda com força, como se ele
estivesse controlando um arado de dois uraki enterrado em solo
úmido e profundo. Ela se esfregou contra o pênis ansioso dele sem
olhar para seu rosto, com a cabeça jogada para trás.
A pele negra dela começou a ficar coberta de suor conforme ela
movia o corpo mais rapidamente para extrair o máximo de prazer
daquele momento. A tensão em sua lombar, por causa do
movimento, só acentuava o prazer. A excitação que vertia por entre
suas pernas lubrificava suas coxas. Ela mordeu o lábio e gritou
quando ele puxou seus quadris mais depressa. Ela pôs uma das
mãos entre as pernas para criar mais tensão. Carne tenra e
ingurgitada se tensionou para uma liberação intensa. Quanto mais
forte ele estocava para cima, mais rápido ela movia os dedos até
que todo o seu corpo ficasse aquecido com a tensão do êxtase,
abrindo-se e derramando-se com a mesma suculência da gema de
ovo. A respiração pesada dele se misturou à dela quando ele chegou
ao orgasmo logo depois com um grunhido alto.
Ela caiu sobre o peito dele antes de se mover para o lado. Ele
ficou deitado com a respiração irregular, de olhos fechados. Não
demorou muito para que adormecesse. Ela ficou imaginando como
seria se deitar ao lado da mesma pessoa, ano após ano, sob o
mesmo teto. A ideia era um conceito estranho, inalcançável, como
sistemas estelares não mapeados desde que ela havia se sentado
em sua primeira nave rumo à batalha. Não tinha sido isso que a
levara para a cama dele. O peito largo dele subia e descia com o
peso de um sono profundo. Ela pensou em Gunnar. Será que ele foi
para a cama sozinho? A aldeia era tão pequena que ela saberia se
ele não tivesse ido. Sentou-se e, em silêncio, juntou as roupas e se
vestiu à luz minguante das velas. Apagou-as antes de sair. Sem olhar
para trás, deixou a casa de Den.
Kora vagou no escuro em direção ao rio. As Luas coroavam as
colinas e a linha das árvores. Meu Deus, como ela amava a beleza
tranquila daquele lugar. Após o orgasmo, seu corpo parecia relaxado
e contente. O suor entre os seios e as omoplatas secou com a brisa
refrescante. O som do rio em movimento constante a relaxou. Ela
gostava de dividir a casa com Hagen, que não exigia nada dela
desde que tinha chegado. Antes de entrar em casa, pegou um pano
do varal e mergulhou em um balde com água limpa e fresca. Ela
limpou o suor restante e o cheiro duradouro de Den na pele. Tão
silenciosamente quanto pôde, entrou, tentando não acordar Hagen.
Ele ainda estava acordado e lendo na cama à luz do abajur. Ele
olhou para Kora enquanto ela se movia em direção à cama. Ela se
sentou e tirou as botas.
– Den é um bom homem – comentou Hagen.
– Você deveria estar dormindo – retrucou Kora.
– Ele é o melhor caçador entre nós. E um amigo leal. Já pensou
num relacionamento permanente? Sei que ele está aberto à ideia.
Ele mesmo já me perguntou.
Kora olhou para Hagen.
– As coisas são tão simples entre a gente. Precisam ser mais do
que isso? Os olhos envelhecidos dele continham certa suavidade.
Sempre havia honestidade refletida de volta.
– É só que, bem… Esse seria o seu último passo para se tornar um
membro integral desta comunidade. Estou dizendo, este é o seu lar
agora.
Kora sabia que Hagen tinha boas intenções. Não havia nem uma
migalha de maldade em seu corpo.
– Quero que seja verdade.
Hagen continuou a encará-la com olhos quase suplicantes.
– Kora, ter um filho e se casar daria a estabilidade que acredito
que você deseja. E seria aqui.
Kora se sentou na beira da cama com a camisola ao seu lado.
Levou-a ao nariz. Tinha o leve aroma de flor negra e a brisa de um
dia quente de primavera. Hagen a sustentou com generosidade
desde o primeiro dia em que a trouxera ali e cuidou de trazer de
volta à vida mais do que seu corpo destroçado. Ele havia curado sua
alma.
– As duas estações que passei aqui me trouxeram uma
felicidade… que eu não mereço, sabe. Mas você tem que entender
que sou filha da guerra. Amar e ser amada de verdade, eu… não sei
se sou capaz de fazer isso.
– Não diga uma coisa dessas. A aldeia gosta de você, confia em
você. Você deve sentir isso. Este pode ser e é o seu lar. Minha Liv
teria mais ou menos a sua idade agora e a mãe dela teria amado
você como uma filha. Fico tão feliz por você poder usar o que ela
deixou para trás. Não tive coragem de jogar nada fora.
Kora se levantou para fechar a divisória de tecido entre as camas
e se trocar para dormir.
– A própria ideia de amor, de família, foi arrancada de mim.
Aprendi que amor é fraqueza. E eu… não vejo como posso mudar.
– Você está errada – replicou Hagen. – Eu vi você mudar. Você
não é a pessoa que era quando chegou aqui. Dizem que as pessoas
não mudam. É um absurdo. Isso é tudo que elas fazem. O tempo
todo. Espero que você consiga ver isso um dia.
Kora ergueu o olhar para encontrar o rosto gentil de Hagen. Ele
lhe lançou um olhar amoroso, porém severo.
– A guerra aconteceu para você. Você não é a guerra, mas você
deve derrotar seus medos como uma guerreira. – Ele estava com o
punho levantado junto ao peito enquanto dizia isso. Kora suavizou e
lhe deu o tipo de sorriso que uma filha daria ao pai. Ele era sincero e
seu tom refletia isso.
– Obrigada. Vá dormir. Desculpe por ter incomodado você.
Ele continuou olhando para ela.
– Apenas me prometa que vai pensar sobre o assunto.
Kora assentiu.
– Você deveria dormir um pouco.
– É. – Hagen se debruçou sobre a mesinha e apagou a luminária.
Kora fechou as cortinas pretas.
Deitada na cama, ela esperava que Den não a considerasse cruel
por deixá-lo, caso ele de fato quisesse um relacionamento mais
profundo do que um sexo excelente. E uma criança? A menos que
ela revelasse toda a verdade sobre seu passado, ele jamais
entenderia a profundidade de suas feridas. Que tipo de vida seria
para uma família viver à sombra de uma mulher foragida? Seu
coração continuava em pedaços, quebrado demais para conter o tipo
de amor do qual uma criança necessitava.
3

KORA LEVANTOU CEDO PARA SE JUNTAR À ALDEIA


MOVIMENTADA À LUZ do amanhecer, deixando Hagen dormindo.
Ele se juntaria a ela mais tarde porque era dia de semeadura. Ela
começou no grande celeiro de pedra com Sam, a jovem que ainda
não era casada na aldeia, embora não demorasse muito para ela,
pois estava perto de completar dezoito anos. Ela era radiante e bela,
com cabelo cor de palha e olhos azuis-violáceos. Mas, além da
aparência, ela tinha um bom coração e uma alma leve e brincalhona
que ainda possuía a inocência de uma jovem.
Gunnar estava perto de uma das portas do celeiro, fazendo o
inventário dos sacos de sementes e os dividindo entre os aldeões
para serem semeados. Ele mantinha registros completos para a
aldeia a fim de que sempre houvesse o suficiente. Enquanto Kora
abria o avental para pegar as sementes, Gunnar olhava em seus
olhos. Os dois fizeram uma pausa. Ela sorriu para ele antes de se
dirigir para o campo. Ficou imaginando se ele tinha alguma ideia da
noite dela com Den, porém foi Den quem não teve medo de tomar
uma atitude.
Sentiu uma pontada de tristeza ao olhar para Gunnar. A aldeia era
pequena demais para ter os dois. E esse desejo estava muito
presente. Em Veldt, podia viver a vida que lhe fora negada por
Balisarius e sua carreira nas forças armadas do Imperium. Sam
seguiu atrás dela. Já havia dezenas de aldeões polvilhando os
campos lavrados, cobertos de orvalho com sementes. Kora começou
a fazer o mesmo e Sam se juntou a ela. A moça deu uma leve
cotovelada em Kora e lhe lançou um sorriso malicioso.
– Percebi que você saiu cedo ontem à noite. Estava cansada?
Kora não levantou os olhos depois de pegar um punhado de
sementes. Ela tentou evitar corresponder ao sorriso de Sam, mas
não fez um trabalho bom o suficiente em esconder o sorriso
malicioso.
– Isso mesmo. Decidi dormir cedo.
Sam endireitou a postura e colocou a mão no quadril com um
olhar provocador.
– Achei que você estava fazendo a sua parte pela colheita, porque
enquanto eu voltava para casa, passei pela casa do Den, e foi bem
isso que pareceu. Seus gritos sozinhos farão brotar essas sementes.
Kora manteve o rosto neutro, mas ainda assim não fez contato
visual com Sam.
– Não sei do que está falando, Sam.
– Acho que sabe sim – comentou Sam com inocência.
– E quanto a você, Sam?
A jovem balançou a cabeça.
– Não acho que a pessoa para mim será encontrada nesta aldeia.
Queria alguém bem diferente de mim, mas que também pudesse
entender o que é não ter família como a maioria das pessoas tem. –
Sam fez uma pausa e cruzou os braços. – Ele pode cair do céu, até
onde sei.
Kora balançou a cabeça e riu.
– Tem certeza que quer outro estranho como eu? – Ela atirou as
poucas sementes em suas mãos, de brincadeira, em Sam, que
estava prestes a fazer o mesmo, até que seus olhos foram de Kora
para o céu. Os lábios separados em admiração silenciosa. O sorriso
de Kora desapareceu com a mudança de comportamento de Sam.
Ela olhou por cima do ombro para ver o que chamou a atenção da
outra. O que viu a fez largar o avental, espalhando as sementes
sobre as botas e o chão.
Acima das colinas férteis e logo além do horizonte, uma nave de
guerra colossal entrava na atmosfera. Reconhecimento e terror
instantâneos envolveram Kora em um aperto. Mil pensamentos com
o peso de um rebanho de uraki invadiram sua mente. Kora examinou
o campo em pânico, enquanto o restante dos aldeões olhava com
Another random document with
no related content on Scribd:
— Se on minun lähettini Bironin luota, — vastasi Tignonville
yrmeästi. Ja vetäen kaapunsa päähineen päänsä yli ja piilottaen
kätensä hihoihinsa hän astui ovelle. Mutta kynnyksellä hän kääntyi ja
aukaisi sylinsä. Hän ei voinut lähteä tällä tapaa. — Neiti! Clotilde! —
huusi hän kiihkeästi, — sanon viimeisen kerran, totelkaa minua,
tulkaa kanssani. Suostukaa!

— Hiljaa! — keskeytti rouva Carlat jälleen ja kääntyi


huolestuneena heihin päin. — Se ei olekaan mikään lähetti! Se on
Tavannes itse: tunnen hänen äänensä. — Ja hän väänteli käsiään.
— Voi Jumalani, Jumalani, mitä meidän nyt on tehtävä? — jatkoi hän
kauhun vallassa katsellen ympäri huonetta.
XVI.

PAHASSA PULASSA.

Pelko välähti neidin silmissä, mutta hän hillitsi itsensä. Hän viittasi
rouva Carlatia vaikenemaan, ja he kuuntelivat tuijottaen toisiaan,
toivoen vastoin toivoa, että nainen oli erehtynyt. He odottivat hyvän
aikaa, ja joku heistä alkoi jo jälleen hengittää vapaammin, kun kreivi
Hannibalin karhea ääni kumahti portailta ja poisti kaiken epäilyksen.
Neiti tarttui pöydän reunaan ja seisoi siihen nojaten.

— Mitä on tehtävä? — mutisi hän ja kääntyi neuvotonna naisten


puoleen. Se rohkeus, joka oli hänen sulhasensa poissa ollessa
tukenut häntä, oli nyt kadonnut. — Jos hän tapaa hänet täällä, niin
olen hukassa!

— Hän ei varmaankaan tunne minua, — kuiskasi Tignonville.


Mutta hänen äänensä kuului epävarmalta, eikä hapuileva katse
tukenut hänen sanojaan.

Rouva Carlat silmäili hätäisesti ympäri huonetta. Näytti siltä, että


hän tällä kertaa saisi hoitaa asiat. Mutta huoneessa ei ollut toista
ovea, ja akkunat olivat pihalle päin, jota Tavannesin väki vartioi. Ja
juuri nyt kreivi Hannibalin askeleet kajahtelivat jo likellä, ja hänen
kätensä jo melkein koski ovenripaa. Nainen väänteli käsiään; sitten,
erään ajatuksen äkkiä juolahtaessa hänen mieleensä, hän hyökkäsi
siihen nurkkaan, jossa neidin puvut riippuivat seinällä naulakossa.

— Kas tänne! — huusi hän. — Näiden taakse! Ehkä häntä ei näy


täällä!
Pian, herra, pian! Piiloon!

Se oli turha toivo, sellaisen keksimä, jolle tilanne ei ollut selvä. Ja


kuinka lupaava se olikin, neidin ylpeys nousi sitä vastaan.

— Ei, — huusi hän, — ei sinne! — ja Tignonville seisoi paikallaan


tietäen piiloutumisen turhaksi, sillä kreivi Hannibal oli tietysti saanut
kuulla, että siellä oli munkki.

— Ettekö voisi kieltäytyä avaamasta? — kuiskasi Tignonville


kiireesti.

— Kun luonani on pappi? — vastasi tyttö pudistaen päätään.

Enempään puheluun ei ollut aikaa, sillä kreivi Hannibal naputti jo


ovelle. Tyttö loi viimeisen katseen rakastettuunsa, joka oli kääntynyt
selin akkunaan, niin ettei valo enää osunut hänen kasvoilleen.
Olihan mahdollista, että hän pysyisi tuntemattomana, jos Tavannes
viipyisi vain vähän aikaa; ainakin oli tämä vaara kestettävä. Puoleksi
tukahtuneella äänellä hän pyysi kamarineitiään, Javettea, avaamaan
oven.

Kreivi Hannibal kumarsi syvään astuessaan huoneeseen ja eksytti


toiset, mutta ei tyttöä. Hän oli tuskin astunut kynnyksen poikki, kun
tyttö jo katui, ettei ollut seurannut Tignonvillen neuvoa ja kieltäytynyt
avaamasta ovea. Sillä mikä voikaan pysyä salassa noilta tylyiltä,
teräviltä silmiltä, joiden katse yhdellä silmäyksellä ikäänkuin ahmi
kaikki, mitä huoneessa oli, näki kaikki, eikä kuitenkaan tuntunut
näkevän mitään — noilta silmiltä, joissa nytkin välkkyi julmaa pilaa?
Hän saattoi pettää muita, mutta häntä, joka läähätti hänen
kourissaan niinkuin villi lintu värisee metsämiehen kädessä, ei
petetty! Hän näki ja tiesi, ja kuitenkin kumartaessaan ja hymysuin
suoristautuessaan hän katseli ainoastaan yhtä!

— Luulin voivani tavata teitä aikaisemmin, — sanoi hän


kohteliaasti, — mutta minua on viivytetty. Ensinnäkin pidättivät minua
muutamat ystävistänne, jotka eivät tahtoneet minusta erota, sitten
muutamat vihollisistanne, jotka tapasivat minut hieman ikävässä
tilassa ja luullen minua virrasta pelastuneeksi hugenotiksi pakottivat
minut mutkistelemaan paluumatkaani. Mutta nyt, kun olen saapunut,
tuon uutisia.

— Uutisiako? — kuiskasi neiti kuivin huulin. Ne eivät varmaankaan


olleet hyviä uutisia.

— Niin, neiti, herra de Tignonvillestä, — vastasi kreivi. — En


ensinkään epäile, että voin toimittaa hänet tänne jo tänä iltana ja
siten poistaa toisen tunnonvaivanne. Ja kuten uskon, on tämän
hyvän isän, — jatkoi hän kääntyen papin puoleen ja puhuen sillä
ivallisella sävyllä, jota hän vain harvoin hillitsi, niin katolilainen kuin
olikin, aina kun mainitsi pappia, — jo onnistunut karkoittaa toinen
este ja suostuttaa teidät käyttämään hyväksenne palveluksiaan — —

— Ei ole! — huudahti tyttö kiivaasti.

— Eikö ole? — toisti Tavannes hymyillen epäilevästi ja katsellen


toisesta toiseen. — Kah, minä olin toivonut parempaa menestystä.
Mutta hän voi vielä onnistua. Olenpa varma, että hän vielä onnistuu.
Ja siinä tapauksessa teidän kainoutenne suokoon minulle anteeksi,
jos pyydän teitä kiirehtimään ja määräämään illallisen jälkeisen
tunnin lupauksenne täyttämisen hetkeksi.

Tyttö kalpeni huulia myöten. — Illallisen jälkeenkö? — läähätti


hän.

— Niin, neiti, tänä iltana. Sanotaanpa — kello kahdeksalta?

Kauhuissaan siitä, mikä häntä uhkasi ja mistä vain kaksi tuntia


eroitti hänet, hän ei keksinyt muita sanoja kuin ne, joita juuri oli
käyttänyt. Pahin oli häntä kohdannut; suurempaa onnettomuutta ei
hänelle voinut sattua.

— Mutta hän ei ole saanut minua suostumaan! — huusi hän


puristaen kiihkossaan kätensä nyrkkiin. — Minä en hyväksy katolista
pappia.

— Ehditte vielä hyväksyä, neiti.

— Minä en suostu! — huusi tyttö hurjasti.

Huone pyöri hänen silmissään. Kuilu ammotti hänen jalkainsa


juurella, sen uhkaavat kauhut huimasivat. Häntä oli sysätty yhä
lähemmäksi; vaikka hän kuinka ponnisteli vastaan, oli hän nyt
kuitenkin joutunut sen reunalle. Sumu kohosi hänen silmäinsä eteen,
ja vaikka toiset luulivat hänen kuuntelevan, ei hän kuitenkaan
käsittänyt mitään siitä, mitä tapahtui. Kun hän hetken kuluttua jälleen
toipui, kuuli hän kreivi Hannibalin puhuvan.

— Sallikaa hänen tehdä uusi yritys, — kuului hän sanovan


suopean ivallisesti. — Ainoastaan hetkinen vielä, neiti! Vielä yksi
rynnäkkö, isä! Kirkon aseita ei voisi käyttää paremmin eikä
arvokkaampaan tarkoitukseen, ja jos ne menestyvät, eivät ne
suinkaan jää vaille asianmukaista tunnustusta ja maallista korvausta.

Ja samalla kun tyttö, jonka korvissa humisi, yritti kuunnella, mitä


sanottiin, oli kreivi Hannibal äkkiä poistunut. Ovi sulkeutui hänen
jälkeensä, ja he katsoivat kaikki kolme toisiaan — neidin
kamarineitsyt oli syrjemmällä, avattuaan kreiville ovea. Tyttö avasi
huulensa puhuakseen, mutta saattoi vain surkeasti hymyillä;
Tignonville katkaisi hiljaisuuden, ja hänen äänensä sävy ilmaisi
ennen kaikkea helpotusta.

— No, kaikki ei vielä ole hukassa, — sanoi hän reippaasti. — Jos


voin paeta tästä talosta — —

— Hän tuntee teidät, — vastasi tyttö.

— Mitä?

— Hän tuntee teidät, — toisti neiti melkein kylmäkiskoisella


äänellä. — Näin sen hänen silmistään. Hän tunsi teidät heti ja tiesi
myöskin, — lisäsi tyttö katkerasti, — että hänellä oli täällä käsissään
toinen niistä henkilöistä, joita hän tarvitsi.

— Miksi hän sitten salasi sen tietävänsä? — tiuskaisi nuori mies.

— Miksikö? — vastasi tyttö. — Vietelläkseen minut luopumaan


toisesta vaatimuksesta sillä ehdolla, että te pelastutte. Voi, — jatkoi
tyttö katkeralla ivalla, — hänellä on helvetillinen viekkaus, pappien
viekkaus! Te ette kelpaa kilpailemaan hänen kanssaan. En minäkään
eikä kukaan meistä. Ja hänestä tulee minun herrani! Hän taivuttaa
minut tahtonsa ja kätensä alle! Hän tulee omistamaan minut,
ruumiini ja sieluni, kaikki! — jatkoi hän kauhuissaan vaipuen tuoliin,
huojuttaen ruumistaan edestakaisin ja kätkien kasvot käsiinsä. —
Minun täytyy olla hänen omansa, hänen, kunnes kuolen!

Miehen silmät säikkyivät, ja hänen ohimosuonensa tykyttivät


rajusti.

— Mutta se ei saa tapahtua! — huusi hän. — Ehkä en ole hänen


vertaisensa viekkaudessa, siinä olette oikeassa, mutta minä voin
tappaa hänet. Ja sen minä teenkin. — Totisesti!

— Olisitte sen tehnyt hänen täällä ollessaan, — huomautti tyttö


puoleksi ivaten, puoleksi tosissaan.

— Ei ole liian myöhäistä vieläkään, — huusi Tignonville, ja vaikeni


samassa, sillä ovi avautui ja Javette astui sisään.

He katsoivat häneen, ja ennenkuin hän ehti avata suunsa, olivat


he pystyssä. Hänen kalpeat, kiihottuneet kasvonsa, osoittaen
muutakin kuin pelkoa, ilmaisivat hänen tuovan uutisia. Hän sulki
oven jälkeensä, ja muutamassa hetkessä oli kaikki kerrottu.

— Herra voi paeta, jos kiirehtii, — sanoi hän matalalla äänellä, ja


he näkivät hänen vapisevan mielenliikutuksesta. — He syövät juuri
illallista. Mutta hänen täytyy olla sukkela!

— Eikö ovi ole vartioitu?

— On, mutta —

— Ja hän tietää! Emäntänne sanoo hänen tietävän, että minä olen


täällä.
Hetken Javette näytti hämmästyneeltä. — Onhan se mahdollista,
— mutisi hän. — Mutta hän on mennyt ulos.

Rouva Carlat taputti käsiään. — Kuulin oven sulkeutuvan kolme


minuuttia sitten, — sanoi hän.

— Ja jos herra voisi päästä siihen huoneeseen, jossa hän söi


illallista viime kerralla, niin siellä on särkynyt akkuna ainoastaan
tukittu — hän nielaisi pari kertaa kiihdyksissään — jollakin sellaisella,
minkä hän voi siirtää tieltään. Ja silloin herra pääsee kadulle, ja
kaapu suojelee häntä.

— Entä kreivi Hannibalin miehet? — kysyi Tignonville innokkaasti.

— He syövät etuhuoneessa oven vieressä.

— Ahaa! Eivätkä voi nähdä sieltä toiseen huoneeseen?

Javette nyökkäsi. Kerrottuaan asiansa hän näytti olevan


kykenemätön lisäämään sanaakaan. Neiti, joka tiesi hänen olevan
pelkurin, ihmetteli, mistä hän oli saanut rohkeutta sekä tehdä nämä
havainnot että tuoda uutiset. Mutta kun kohtalo oli ollut niin armelias
ja pannut tämän naisen näin toimimaan, oli heidän käytettävä
tilaisuutta — viimeistä, luultavasti kaikkein viimeistä tilaisuutta.

Hän kääntyi Tignonvillen puoleen. — Oi, menkää! — pyysi hän


kuumeisesti. — Menkää, sitä minä rukoilen! Menkää nyt, herra!
Suurin palvelus, minkä voitte minulle osoittaa, on mahdollisimman
pian mennä sellaiseen paikkaan, josta hän ei saa teitä käsiinsä. —
Vieno puna, toivon hohde, oli palannut hänen poskilleen, ja hänen
silmänsä säteilivät.
— Oikein, neiti, — myönsi nuori mies, kerrankin totellen, — minä
menen!
Ja olkaa rohkealla mielellä.

Hän piti hetken aikaa tytön kättä omassaan, sitten siirtyen oven
luo avasi sen ja kuunteli. Kaikki tunkeilivat hänen takanaan.
Kaukainen, hiljainen, alhaalta kuuluva äänten sorina vahvisti tytön
kertomuksen todeksi; muuten oli talossa äänetöntä. Tignonville
katsahti viimeisen kerran neitiin ja viitaten kädellään jäähyväisiksi
hiipi portaille alkaen laskeutua kasvot munkkikaavun alla piilossa. He
näkivät hänen saapuvan portaiden kulmaukseen ja sitten häviävän
sen taakse. He kuuntelivat yhä ja katsoivat toisiaan, kun joku
lattiapalkki narahti taikka kun alhaalta kuuluvat äänet hetkeksi
vaikenivat.
XVII.

KAKSINTAISTELU.

Portaiden alapäässä Tignonville pysähtyi. Vartijain jymisevät


normandialaiset äänet kaikuivat muutaman askeleen päästä
vasemmalta huoneesta, jonka ovi oli auki. Hän kuuli erään
pilapuheen, jota seurasi raaka naurunhohotus myrskyisine
kättentaputuksineen, ja samalla hän tiesi, että millä hetkellä hyvänsä
voi joku miehistä astua ulos ja keksiä hänet. Onneksi hän saattoi
miltei kädellä ylettyä sen huoneen oveen, jossa oli rikottu akkuna,
käytävän oikealla puolella, ja hän hiipi sinne päin varovasti. Hän
seisoi hetken epäröiden käsi ovenrivalla, mutta säikähtäen
vartiohuoneesta kuuluvaa liikettä, joka ilmaisi muutamien nousevan
ruokapöydästä, hän sysäsi oven auki, pujahti huoneeseen ja sulki
oven jälkeensä. Hän oli turvassa eikä ollut herättänyt mitään kolinaa.
Mutta pöydän ääressä selin häneen, kasvot vaillinaisesti tukittua
akkunaa kohti, istui kreivi Hannibal illallisella!

Nuoren miehen sydän tuntui seisahtuvan. Hyvän aikaa hän


ikäänkuin lumottuna ja kykenemättömänä liikkumaan tuijotti kreivi
Hannibalin selkää. Sitten, kreivin jatkaessa aterioimistaan taakseen
katsomatta, hänen rohkeutensa alkoi palata. Hän oli ehkä tullut niin
hiljaa, huoneeseen, ettei Tavannes ollut mitään huomannut taikka
kenties luullut vain palvelijan tulleen sisään. Oli siis mahdollista, että
hän saattoi poistua samalla tavalla, ja hän oli jo todella nostanut
salvan vetäen mitä varovaisimmin ovea puoleensa, kun Tavannesin
ääni sattui ikäänkuin suoraan hänen kasvoihinsa.

— Pyydän, älkää laskeko sisään vetoa, herra de Tignonville, —


sanoi hän katsomatta taakseen. — Te ette kaapu yllänne ole sille
alttiina, mutta minun laitani on toisin.

Onneton Tignonville seisoi kuin keihään lävistämänä, tuijottaen


toisen takaraivoon. Ensi hetkellä hän ei saanut sanaakaan suustaan.

— Olkaa kirottu! — sähisi hän sitten raivon puuskassa, — olkaa


kirottu!
Te siis tiesitte? Hän oli oikeassa.

— Jos tarkoitatte, että odotin teitä, niin olette oikeassa, — vastasi


kreivi Hannibal. — Katsokaa, teille on katettu, tuolle paikalle ei tunnu
veto akkunasta, ja puku, jonka olette lainannut, suojelee teitä erittäin
hyvin kylmältä. Mutta — eikö se tunnu teistä hiukan tukalalta näin
kesäilmalla?

— Olkaa kirottu! — huusi nuori mies vavisten.

Tavannes kääntyi ja katsoi häntä hymyillen synkästi. — Kirous voi


osua, — sanoi hän, — mutta luulen, ettei se tule teidän
anomuksienne seurauksena. Ja eikö olisi parasta, että nyt
näyttelisitte miehen osaa?

— Jos olisin asestettu, — huusi toinen tulisesti, — ette loukkaisi


minua!
— Istukaa, herra, istukaa, — vastasi kreivi Hannibal ankarasti. —
Puhumme siitä asiasta aivan kohta. Mutta ensiksi minulla on teille
hiukan asiaa. Ettekö halua syödä?

Mutta Tignonville ei tahtonut.

— Hyvä on, —vastasi kreivi jatkaen aterioimistaan. — Minusta on


yhdentekevää, syöttekö vai ette. Minulle riittää, että te olette toinen
niistä kahdesta, jotka minulta puuttuivat tunti sitten, ja että olette
vallassani, herra de Tignonville. Ja teidän avullanne toivon löytäväni
toisenkin.

— Kenenkä toisen? — huusi Tignonville.

— Papin, — vastasi Tavannes hymyillen, — niin juuri, papin.


Pariisissa ei ole monta jäljellä teidän uskonveljistänne. Mutta tiedän,
että tapasitte yhden tänä aamuna.

— Minäkö? Minäkö tapasin?

— Niin, herra, te! Ja viidessä minuutissa voitte saada hänet


käsiinne, kuten tiedätte.

Herra de Tignonville hengitti raskaasti, ja hänen kasvonsa kävivät


entistä kalpeammiksi.

— Teillä on vakooja, — huusi hän. — Teillä on vakooja tuolla


yläkerrassa!

Tavannes kohotti kupin huulilleen ja joi. Laskettuaan sen jälleen


pöydälle hän virkkoi:
— Saattaa olla. Minä tiedän, eikä sillä ole väliä, kuinka tiedän.
Minun asiani on käyttää parhaimmalla tavalla omia tietojani — ja
teidän!

Herra de Tignonville nauroi hävyttömästi. — Käyttäkää omianne


parhain päin, minulta ette saa mitään tietoja.

— Sen saamme nähdä, — vastasi kreivi Hannibal. —


Muistelkaapa, millaista oli kaksi päivää sitten, herra de Tignonville.
Jos olisin mennyt neiti de Vrillacin luo viime lauvantaina ja sanonut
hänelle: »tulkaa vaimokseni taikka luvatkaa tulla», minkä vastauksen
olisin saanut?

— Hän olisi sanonut, että olette häpeämätön! — vastasi nuori


mies kiivaasti. — Ja minä —

— Se ei kuulu asiaan, mitä te olisitte tehnyt, — keskeytti


Tavannes. — Riittää, että hän olisi vastannut, kuten otaksutte. Mutta
tänään hän on antanut minulle lupauksensa.

— Niin, — tiuskaisi Tignonville, — sellaisissa oloissa, joissa ei


yksikään kunnian mies —

— Sanokaamme omituisissa oloissa.

— Entä sitten?

— Jotka yhä jatkuvat! Huomatkaa se, herra de Tignonville, —


jatkoi kreivi kumartuen eteenpäin ja katsoen nuorta miestä
tarkoittavasti. — Ne olot jatkuvat yhä! Ja ne voivat vaikuttaa toisen
tahtoon samoin kuin hänenkin! Kuunnelkaa! Kuuletteko? — ja
nousten synkistyvin kasvoin tuolistaan hän osoitti puoleksi tukittua
akkunaa, jonka kautta kuului selvästi miesjoukon tahdikkaita askelia.
— Kuuletteko, herra? Ymmärrättekö, mitä se merkitsee? Samoin
kuin oli eilen, on myöskin tänään. Tänä aamuna tapettiin presidentti
La Place. He etsivät yhä. Virta ei vielä ole täynnä eikä hirsipuu
kyllästynyt. Minun ei tarvitse tehdä muuta kuin avata akkuna ja
osoittaa teitä, eikä henkenne ole kalliimpi kuin hullun koiran, jota
ajetaan kadulla takaa!

Nuori mies oli myöskin noussut. Hän seisoi katsellen Tavannesia,


kaapu oli liukunut hänen kasvoiltaan, ja hänen silmänsä laajenivat.

— Te koetatte pelottaa minua! — huusi hän. — Te luulette, että


minä olen kyllin raukkamainen uhratakseni hänet pelastuakseni itse.
Te —

— Te olitte kyllin pelkuri peräytyäksenne eilen, seistessänne


tämän akkunan luona ja odottaessanne kuolemaa! — vastasi kreivi
Hannibal julmasti. — Te peräydyitte silloin ja saatatte peräytyä
vieläkin!

— Pankaa minut koetukselle! — vastasi Tignonville raivosta


vavisten. —
Koettakaa! — Mutta toisen tuijottaessa häneen liikahtamatta hän
huusi:
— Mutta te ette uskalla, ette uskalla!

— Miksikä en?

— Ette! Sillä jos minä kuolen, niin menetätte hänet, — vastasi


Tignonville voitonvarmasti — Te ette uskalla, sillä minun
turvallisuuteni on osa hinnasta ja merkitsee teille enemmän kuin
minulle itselleni! Uhkailkaa vain, herra de Tavannes, ja kerskailkaa ja
huutakaa ja osoittakaa akkunaa — ja hän matki ilkkuen ja
ylenkatseellisesti toisen liikettä, — mutta minun turvallisuuteni on
tärkeämpi teille kun itselleni! Ja siihen se asia loppuu.

— Niinkö luulette?

— Minä tiedän sen!

Kahdella harppauksella kreivi Hannibal oli akkunan luona. Hän


kävi käsiksi akkunan toista puolta peittävään laudoitukseen ja
kiskaisi siitä suuren palan irti. Iltavalo tulvaili sisään aukosta ja osui
hänen kasvoilleen kohottaen niiden kiihoittunutta hehkua, kun hän
kääntyi vastustajaansa päin.

— Jos siis tiedätte sen, — huusi hän, — niin toimikaa Herran


nimessä sen mukaan! — ja hän osoitti akkunaa.

— Toimikaa sen mukaan?

— Niin, juuri niin! — kertasi Tavannes säkenöivin silmin. — Tie on


avoinna! Jos tahdotte pelastaa rakastettunne, niin tässä on tie! Jos
tahdotte pelastaa hänet siitä syleilystä, jota hän kauhistuu, silmistä,
joiden katsetta hän vapisee, isännän kädestä, niin tuossa on tie!
Ettekä te tahdo pelastaa ainoastaan hänen hansikastaan, vaan
hänet itsensä, hänen sielunsa ja ruumiinsa! Siis, — jatkoi hän
hillittömällä äänellä, jossa väreili ylenkatse ja katkeruus, — syöskää
leijonien eteen, uljas rakastaja! Annatteko henkenne hänen
kunniansa vuoksi? Tahdotteko kuolla, jotta hän jäisi immeksi?
Uhraatteko päänne pelastaaksenne hänen sormensa? Siis,
hypätkää alas! Kilpakenttä on avoinna, hiekka on ripoteltu! Omasta
suustanne olen kuullut, että jos teitä kohtaa turmio, hän on
pelastettu! Ulos siis arvoisa herra! Huutakaa: »minä olen hugenotti»,
ja silloin tapahtuu Jumalan tahto!
Tignonville oli käynyt tuhkanharmaaksi. — Tai oikeastaan teidän!
— läähätti hän. — Teidän tahtonne, te pahahenki! Sittenkin —

— Te aiotte lähteä! Ha, ha! Te aiotte lähteä!

Hetken näytti siltä, että hän aikoi lähteä. Hämäyksen


kiihdyttämättä ja suunniltaan Tavannesin osoittamasta ylenkatseesta
hän heitti kiusaajaansa vihasta palavan katseen ja kiivaasti
hengittäen laski kätensä akkunalaudan reunalle ikäänkuin
hypätäkseen ulos.

Mutta sen käy huonosti, joka kerran on paennut vihollista. Hänen


katseensa sattui lähellä seisovaan jousimiesjoukkoon, joiden
teräksisillä keihäänkärjillä ilta-auringon säteet välähtelivät ja tuntuivat
sydämeen asti kylmiltä. Kuolema, mutta ei taistelutanterella eikä
tuhansien yllyttävien katsojien nähden, vaan tällä hämärtyvällä
kadulla vihollisen nauraessa akkunasta, sellainen kuolema, jota ei
seuraisi kosto, ilman varmuutta, että tyttö vihdoinkin olisi turvassa,
voisi johtua vain puhtaasta rakkaudesta, kun lapsi rakastaa
vanhempiansa, vanhemmat lastaan, mies sitä naista, joka hänelle on
ainoa koko maailmassa!

Hän peräytyi. — Te ette säästäisi häntä! — huusi hän, ja hänen


kasvoiltaan virtasi hiki, sillä hän tiesi nyt, ettei lähtisi. — Te koetatte
päästä minusta eroon! Te pettäisitte minut, ja sitten —

— Omat sananne tuomitsevat teidät! — sanoi kreivi Hannibal


vakavasti. —
Tehän itse sanoitte niin. Mutta sittenkin vannon. Vannonko sen teille?

Mutta Tignonville peräytyi yhä ja vaikeni.


— Enkö? Voi teitä, jalo ritari, urhea sankari! Tiesinhän sen!
Luuletteko, etten tiennyt, kenen kanssa olin tekemisissä? — ja kreivi
Hannibal purskahti tylyyn nauruun kääntäen toiselle selkänsä
ikäänkuin ei enää välittäisi hänestä. — Te ette tahdo kuolla hänen
kanssaan ettekä hänen puolestaan. Teille sopisi paremmin hänen
alushameensa ja hänelle teidän polvihousunne. Taikka ei sentään,
paras olette munkkina. Kuulkaa neuvoani, herra de Tignonville,
lopettakaa aseitten käyttö; rukousnauhalla, makeilla sanoilla ja
lavertelemalla pyhästä kirkkoäidistä voitte petkuttaa naisia, aivan
varmaan myöskin heidän parhaimpiansa! Eiväthän he kaikki ole
sentapaisia kuin serkkuni, ivaava, myrkyllinen pilkkakirves — teillä oli
kai siellä huono menestys?

— Jospa minulla olisi miekka! — puhisi Tignonville raivosta lyijyn


karvaisena. — Te parjaatte minua raukaksi, kun en tahdo kuolla
teidän mieliksenne. Mutta antakaa minulle miekka, ja minä osoitan
teille, olenko pelkuri!

Tavannes pysähtyi. — Sitäkö tarkoitatte, niinkö? — kysyi hän


muuttuneella äänellä. — Minä —

— Antakaa minulle miekka, — toisti Tignonville ojentaen vapisevia


käsiään. Miekka! Helppo on solvata aseetonta miestä, mutta —

— Haluatteko taistella?

Muuta en pyydä! En mitään muuta! Antakaa minulle miekka, —


pyysi hän kiihkeästi, ja ääni vapisi maltitonna. — Te itse olette
pelkuri!

Kreivi Hannibal tuijotti häneen. — Ja mitä hyötyä minulla on teidän


kanssanne taistelemisesta? — aprikoi hän hitaasti. — Te olette
vallassani, minä voin menetellä kanssanne kuinka haluan. Voin
huutaa tästä akkunasta ja antaa teidät ilmi taikka voin kutsua väkeni

— Pelkuri! Pelkuri!

— Mitä? No hyvä, sanon teille kuinka teemme, — ja hän hymyili


viekkaasti. — Annan teille miekan, herra de Tignonville, ja taistelen
kanssanne täällä, tässä huoneessa, jalka jalkaa vasten, mutta
yhdellä ehdolla.

— Mikä se on? Mikä se on? — huusi nuori mies. — Mainitkaa


ehtonne!

— Jos voitan teidät, niin hankitte minulle hugenottipapin.

— Minäkö hankkisin teille — —

— Hugenottipapin. Niin, niin juuri, taikka ilmoitatte, mistä voin


sellaisen löytää.

Nuori mies peräytyi. — En koskaan! — sanoi hän.

— Te tiedätte, mistä sellaisen voisi tavata.

— En koskaan! En koskaan!

— Te voitte saada hänet käsiinne viidessä minuutissa, kuten


tiedätte.

— Minä en tahdo.

— Siinä tapauksessa en miekkaile kanssanne! — vastasi kreivi


Hannibal tyynesti ja kääntyi nuoresta miehestä taas poispäin. —
Suotte minulle anteeksi, jos sanon, herra de Tignonville, että
päätöksenne taistella on yhtä häilyvä kuin päätöksenne kuolla. En
luule, että olisitte saavuttanut menestystä hovissa. Vielä on eräs
seikka, jota luullakseni ette ole tullut ajatelleeksi. Jos taistelemme,
niin te mahdollisesti surmaatte minut, jolloin tuo ehto ei minua
hyödytä. Taikka minä — mikä on luultavampaa, — lisäsi hän
hymyillen kylmästi, — surmaan teidät enkä siinäkään tapauksessa
ole paremmassa asemassa.

Nuoren miehen kalpeat kasvot ilmaisivat, että hänen rinnassaan


oli ristiriita. Hänen kunniakseen olkoon sanottu, että hänen kätensä
suorastaan syyhyi kaivaten miekankahvaa — siihen hän oli kyllin
rohkea. Hän vihasi, ja ainoastaan tällä tapaa hän saattoi kostaa.
Mutta entä rangaistus, jos hän epäonnistuisi! Ja sittenkin, mitä siitä?
Hän oli nyt helvetissä, nöyryytyksen, häpeän, tappiolle joutuneen
helvetissä, vihollisensa kiusaamana! Hän saattoi vain panna itsensä
alttiiksi alemmalle helvetille.

— Minä suostun! — huudahti hän lopuksi käheästi. — Antakaa


minulle miekka ja pitäkää itsestänne huolta.

— Te lupaatte?

— Minä lupaan!

— Hyvä on, — vastasi kreivi Hannibal herttaisesti, — mutta näin


emme voi miekkailla, meidän täytyy saada enemmän valoa. — Ja
hän harppasi ovelle avaten sen, huusi luoksensa normandialaisen ja
käski hänen siirtää pöydän ja tuoda tusinan kynttilöitä, sillä valo oli
häipymässä kapeilla kaduilla ja huoneessa, akkunan ollessa
puoleksi tukittuna, alkoi jo hämärtää. Tignonvillen päässä jyskytti, ja
hän ihmetteli, että palvelija ei vähimmässäkään määrässä ilmaissut
hämmästystään eikä sanonut sanaakaan, kunnes Tavannes
määräystensä lisäksi käski tuoda pari miekkaa.

— Herran miekka on täällä, — vastasi Bigot vaikeatajuisella


murteellaan. — Hän jätti sen tänne eilen aamulla.

— Oletpa sinä hyvä mies, Bigot, — vastasi Tavannes niin iloisesti


ja hyvätuulisesti, että Tignonville hämmästyi. — Ja pian saat naida
Suzannen.

Normandialainen hymyili happamesti ja lähti hakemaan aseita.

— Teillä on kai tikari? — jatkoi kreivi Hannibal samalla iloisella


äänellä, joka oli jo hämmästyttänyt Tignonvilleä. — Mainiota!
Tahdotteko riisua kaapunne vai taistellaanko näin? Hyvä on, herra,
siinä epätodenmukaisessa tapauksessa, että onni suosii teitä, on
teidän noin puettuna parempi olla. Mies, joka juoksee katuja pitkin
paitahihasillaan, voi joutua rettelöihin, — ja hän nauroi hilpeästi.

Tignonville kuunteli, ja hänen raivonsa alkoi muuttua


hämmästykseksi. Mies, joka piti miekkailua neljän seinän
sisäpuolella huvituksena, ja joka piti vihollista vallassaan ja kuitenkin
oli valmis syrjäyttämään tämän edun, astumaan taistelutanterelle ja
panemaan henkensä alttiiksi päähänpiston vuoksi, sellainen mies oli
hänen kokemuksiensa ulkopuolella, vaikka Poitoussa näinä sotien
aikoina miehet olivat uljaita. Sillä mitä, kysyi hän itseltään, Tavannes
voitti taistelulla? Saisiko hän neidin omakseen? Mutta olihan neiti
hänen vallassaan, jos intohimo pääsisi hänessä voitolle; ja jos hänen
lupauksensa oli esteenä, mikä tuntui mahdottomalta hänen
maineensa kannalta, niin hänen tarvitsi vain odottaa, ja huomenna
tai ylihuomenna tai sitä seuraavana päivänä hän voisi tavata jonkin

Você também pode gostar