Artigo Economia Circular
Artigo Economia Circular
Artigo Economia Circular
Mauro Campello
MC Treinamentos
[email protected]
Resumo
O objetivo principal do artigo é uma análise sobre a economia circular, ou seja, entender o que é, os conceitos
principais sobre o tema, seus princípios e, claro, seus benefícios. Também aborda aspectos sobre a economia
linear - o modelo base atual de produção, sustentabilidade, logística e logística reversa, essas última
fundamentais para a produção. O processo tradicional de produção de bens e serviços usa, em grande maioria,
recursos extraídos da natureza em uma velocidade elevada, sem que haja tempo de regeneração da mesma. Por
outro lado, no final do processo de produção e pós-consumo dos produtos, ocorre um acúmulo de resíduos nem
sempre adequadamente descartado, com outro impacto para a natureza - o lixo. Porém, muitas vezes esse lixo
tem valor, se bem processado, além de poder ser reaproveitado como insumo de outros processos e, em um
limite maior, nem existir. Esse é o novo conceito da economia circular, que permite mudanças significativas, não
só na produção, mas em todo o processo, alterando formas de consumo, de relacionamento entre os entes da
cadeia de suprimentos, de produção, além do próprio negócio. São abordados temas de desenvolvimento
sustentável, os 17 objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS), a forma como a economia circular contribui
para alguns desses objetivos, a importância da logística reversa em relação à economia circular e na
sustentabilidade para as empresas e sociedade do ponto de vista econômico, ambiental e social, gerando
benefícios e valor para as partes envolvidas.
Palavras-chave: economia linear, economia circular, logística, sustentabilidade.
Abstract
The main objective of the article is an analysis of the circular economy, that is, to understand what it is, the main
concepts on the theme, its principles and, of course, its benefits. It also addresses aspects of the linear economy -
the current base model of production, sustainability, logistics and reverse logistics, the latter fundamental to
production. The traditional process of producing goods and services uses, in the great majority, resources
extracted from nature at a high speed, with no time for its regeneration. On the other hand, at the end of the
production and post-consumption process of the products, there is an accumulation of waste that is not always
properly disposed of, with another impact on nature - garbage. However, this garbage is often valuable, if well
processed, in addition to being able to be reused as an input for other processes and, at a higher limit, not even
exist. This is the new concept of the circular economy, which allows significant changes, not only in production,
but in the entire process, changing forms of consumption, of relationships between the entities in the supply
chain, of production, in addition to the business itself. Sustainable development themes are addressed, the 17
sustainable development objectives (SDGs), the way the circular economy contributes to some of these objectives,
the importance of reverse logistics in relation to the circular economy and sustainability for companies and
society from the point of view. economic, environmental and social view, generating benefits and value for the
parties involved.
Keywords: linear economy, circular economy, logistics, sustainability.
1. Introdução
A economia vem mudando rapidamente ao longo do tempo com diversas descobertas e
invenções logo incorporadas no dia-a-dia das pessoas e empresas. Desde a produção manual
(artesanal) até a Indústria 4.0, muitas mudanças aconteceram na busca de resultados,
resultados e mais resultados.
Em muitos processos produtivos, as matérias-primas principais são extraídas da natureza e
isso vem acontecendo em velocidade tal que não permite a recuperação do planeta. Da mesma
forma, muitos resíduos do processo de produção e pós-consumo contribuem para impactos ao
meio ambiente e ao ser humano, com graves consequências: problemas de poluição,
aquecimento global, saúde, doenças entre outros.
O processo atual de produção de bens ou serviços é baseado na exploração, produção
propriamente dita, consumo e descarte final, a chamada economia linear. Com certeza, esse
processo tem algumas implicações negativas, como a exploração desenfreada de recursos
naturais, além do descarte final, muitas vezes feito de forma indevida, com sérios problemas
ao meio ambiente.
O artigo visa apresentar o conceito atual de produção - a economia linear - e um conceito
diferente - a economia circular - com mudanças em muitos aspectos, principalmente a
exploração de recursos naturais e o descarte, com o objetivo ideal de chegar ao volume zero
de resíduos ou bem próximo disso. Também são feitas considerações sobre sustentabilidade,
logística - um processo importante da produção de bens e serviços - e logística reversa, que já
incorpora aspectos relevantes da economia circular e contribui para seu maior
desenvolvimento. Esses três conceitos são importantes de acordo com as premissas do
processo de economia circular, tema principal do trabalho.
Como fato adicional, no final de 2019, o mundo foi afetado pela pandemia do corona vírus,
causa da doença denominada COVID-19, com crescente contaminação de indivíduos, muitos
óbitos e efeitos negativos para a economia mundial, sem ser possível imaginar tal impacto,
mas isso gera outros tipos de resíduos - os hospitalares - que demandam tratamento específico
no descarte e tratamento.
2. Economia: suas fases e as mudanças
A evolução da economia ao longo do tempo ocorre por mudanças significativas que levam a
sociedade ao progresso, muitas vezes podendo se questionar tal progresso. As mudanças nesse
desenvolvimento ocorrem de forma tão significativa que refletem na forma como a sociedade
vive, consome e se relaciona.
Até 1780 era uma sociedade principalmente agrícola com emprego da força física e uma vida
praticamente sem tecnologia, nos moldes da tecnologia atual (SANTOS, 2020). De 1780 a
1980, vivemos a sociedade industrial com uso da força da máquina. Ocorre forte aumento da
produção. De 1980 até nossos dias, temos a sociedade digital, com a conectividade.
Nessa era tudo acontece de forma muito rápida. Para que se tenha uma ideia dessa velocidade,
a Figura 1 apresenta o que acontece na internet em apenas um único minuto, com base no ano
de 2019.
Nesse ambiente de fortes e rápidas mudanças, são necessárias novas habilidade nas pessoas,
além de novos modelos de negócios, como, por exemplo, as relações bancárias feitas por
internet ou aplicativos bancários sem necessidade de ir às agências, e também nos governos,
em termos de atualização de legislações específicas e fiscalização e controle das ações
necessárias.
Figura 1- O que acontece na internet em um minuto.
3. As revoluções industriais
De acordo com Santos (2020), e de forma resumida, as diversas revoluções industriais são
assim descritas.
1ª. Revolução Industrial: ocorreu na Inglaterra no final do século XVIII. Os fatos
marcantes foram o carvão, a máquina a vapor, o ferro e a indústria têxtil. A grande
mudança foi a passagem do trabalho artesanal, com baixo volume de produção, para o
trabalho mecânico, com altos volumes produzidos. Surgem as primeiras estradas de ferro,
com alta capacidade de transporte e maior velocidade;
2ª. Revolução Industrial: data de meados do século XIX e seus fatos mais relevantes são a
eletricidade, o desenvolvimento da química, conceitos de gestão. A massificação da
manufatura é presente. Surge o avião, refrigeradores, alimentos enlatados e os primeiros
telefones;
3ª. Revolução Industrial: surgiu na segunda metade do século XX e tem como principal
matéria-prima a informação. Temos o computador, avanços diversos em praticamente
todas as áreas do conhecimento, a manipulação atômica e a tecnologia espacial, além da
exploração do petróleo;
4ª. Revolução Industrial: marcada pela forte utilização da tecnologia da informação (TI)
na indústria. Schwab (2018) cita que uma revolução tecnológica intensa será responsável
por mudanças na forma de viver, trabalhar e de relacionar, algo diferente de tudo que o
homem já vivenciou anteriormente. É a vida conectada.
A 4ª. Revolução Industrial reúne o conceito de fábrica inteligente que agrega a
nanotecnologia, neurotecnologia, biotecnologia, robótica, inteligência artificial, internet das
coisas, computação em nuvem, entre outros. Ou seja, é a Indústria 4.0, conceito que une
automação e tecnologia da informação, bem como outras inovações tecnológicas desses
campos, aplicado na manufatura, transformando matérias-primas em produtos de valor
agregado. Ocorre a substituição do homem pela máquina, fato que já vem acontecendo faz
tempo. Segundo a FIA-USP, é um salto tecnológico com intenso uso da automação de forma
que robôs desempenhem funções cada vez mais complexas.
Para alguns autores, seria o caminho para a 5ª. Revolução: conectando o homem, a máquina e
o mundo na era da inteligência.
4. Economia linear
O avanço da tecnologia e da industrialização provocou transformações diversas na vida
humana como novos materiais, praticidade no dia a dia, além de maior expectativa de vida.
Assim, com o aumento das necessidades humanas - hoje são cerca de 7,2 bilhões de
habitantes com previsão de 11 bilhões em 2050 - a produção crescente é diretamente
proporcional à exploração de recursos naturais com impactos sérios e desgastes ao meio
ambiente.
Essa é a característica da economia linear: um modelo de produção baseado na extração,
produção, uso e descarte de recursos e materiais, sem levar em conta a capacidade
regenerativa do planeta. O modelo é apresentado na Figura 2.
Figura 2- Economia linear
Fonte: SENAI
O desenvolvimento tecnológico contribui com a otimização de processos produtivos, acelera a
produção em níveis cada vez maiores, contribui com ganhos de capacidade e maior
produtividade, mas com maior exploração dos recursos naturais.
Tal exploração contribui para o desgaste de reservas naturais importantes com duas
possibilidades bem marcantes: escassez de recursos naturais e indisponibilidade de matérias-
primas para a indústria. No primeiro caso, a maior exploração e de forma mais rápida que a
capacidade de regeneração provoca desgaste no ecossistema. No segundo caso, ocorre
impacto nas reservas globais e empresas terão problemas com suprimento de matérias-primas
e o resultado, além da indisponibilidade, é a volatilidade no custo das commodities.
Essa situação é crítica, pois compromete, dentro de certo tempo, a continuidade de muitos
negócios.
5. O novo consumidor
Esse avanço tecnológico gera transformações na produção e, também, no consumo. Com a
oferta constante de produtos, os indivíduos e consumidores são afetados e tendem a consumir
por impulso na maioria das vezes. Isso, no modelo de economia linear, gera mais extração e
mais descarte, com impactos de diversas formas no meio ambiente: extração de materiais,
descarte indevido, poluição, não regeneração, apenas citando alguns.
Se a forma de comprar das pessoas mudar, as empresas terão que mudar a forma de produzir e
vender, adaptando-se a essas mudanças. Não se pode deixar de considerar que o consumidor
está mais informado, mais exigente, mais consciente e pesquisa antes de comprar. A internet
facilita tal pesquisa. Assim, muda a forma de compra, não mais por impulso e preço: é a
compra consciente.
A revolução digital atual propicia mudanças culturais, bem como mudanças no
comportamento dos consumidores, fazendo com que a indústria se atente para isso.
A revolução industrial dava a sensação que o fornecimento de produtos ou serviços seria
constante. Com um modelo de produção baseado na exploração de recursos naturais e sendo o
desenvolvimento de produtos com obsolescência programada, ocorria nova compra em
função do curto ciclo de vida. Com o cliente mais informado, acontece a insatisfação do
mesmo com opção de compra por outra marca do mesmo produto que o satisfaça de forma
mais completa, comprometendo a perpetuidade do negócio pela perda de clientes. Um
exemplo marcante é a NOKIA, que foi líder mundial na produção e venda de celulares e, de
uma hora para outra, praticamente desapareceu e está tentando retornar ao mercado.
Podem-se ser destacados quatro riscos nesse processo de economia linear:
Risco de suprimento pela falta de recursos naturais pela exaustão atual verificada e seus
impactos ambientais;
Risco de competitividade devido à obsolescência programada que afeta a qualidade dos
produtos;
Risco de conflitos pela perda de colaboração na cadeia produtiva;
Risco de sobrevivência no futuro.
Os riscos exigem uma boa gestão dos mesmos de forma a mitiga-los e definir investimentos
nos negócios.
6. Definição de sustentabilidade
Na observação dos avanços tecnológicos e científicos que ocorreram ao longo dos anos,
percebe-se que a espécie humana também passou por profunda evolução.
Segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, a
expectativa de vida da população aumentou 41,7 anos em pouco mais de um século. Temos
como exemplo um cidadão brasileiro que pode viver até 75 anos de idade, mas para isso se
faz necessário o uso de diversos recursos naturais que garantam seu bem estar e a manutenção
de uma vida saudável. O crescimento acelerado da população e a intensa utilização da
tecnologia na produção geraram uma necessidade de extrair recursos naturais de forma
inconsciente e com maior velocidade, ocasionando o desequilíbrio ambiental capaz de colocar
em risco o ecossistema (ou seja, o sistema formado pela inter-relação dos seres vivos com o
ambiente), segundo Peña et al (2017). Para alguns autores e pesquisadores, o ecossistema
terrestre é incapaz de sustentar o nível de atividade econômica e de consumo de matéria-
prima nos níveis atuais.
Com os diversos impactos causados pelo homem ao meio ambiente, surgiram diversos
movimentos e conceitos relativos à preservação do planeta. Atualmente a sustentabilidade é
uma ferramenta que pode auxiliar no equilíbrio dessa situação preocupante vivida em várias
partes do mundo, apesar de ser compreendida e interpretada de diferentes percepções por
alguns países, o que compromete o seu real significado. Diversos autores a definem como
uma transformação social e ecológica, para outros é o desenvolvimento, crescimento de
maneira renovada, diferente da atual.
O termo sustentabilidade passou a ter maior relevância a partir da década de 70, com a
Conferência sobre o Ambiente Humano das Nações Unidas (em Estocolmo), onde é
manifestada, de forma clara e a nível mundial, a preocupação com as questões ambientais
globais. O Relatório Brundtland - Our Common Future - preparado pela Comissão Mundial
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1987), formaliza pela primeira vez o conceito de
desenvolvimento sustentável: “o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem
comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades e
aspirações”.
A Conferência das Nações Unidas sobre desenvolvimento sustentável estabeleceu, em 2012,
no Rio de Janeiro, 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). A meta era produzir
um conjunto de objetivos que suprisse os desafios ambientais, políticos e econômicos mais
urgentes que o mundo enfrentava. Tais objetivos são apresentados na Figura 3.
Figura 3- 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
Fonte: nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/.
Importante destacar que para os países em desenvolvimento, existe a necessidade de atuação
em todos os 17 objetivos definidos pelas Nações Unidas, como o caso do Brasil, com grandes
diferenças econômicas e sociais.
A sustentabilidade também pode ser definida como a utilização dos serviços da natureza
dentro do princípio de manutenção do capital natural, isto é, a utilização dos recursos naturais
de acordo com a sua capacidade de renovação dentro do sistema como um todo (BELLEN,
2002). As duas definições de sustentabilidade citadas apresentam em comum a preocupação
com o futuro, não só das gerações, mas de todo o sistema envolvido.
Apesar da situação atual vivida pelo planeta, o termo sustentabilidade gera controvérsia, pois
ainda não atingiu a sociedade de forma global. Ferramentas que estimulem o desenvolvimento
de ações sustentáveis na sociedade, monitoramentos, aceitação das restrições ecológicas e os
desafios socioeconômicos são necessários. O método da pegada ecológica (do inglês
ecological foot print method) procura sensibilizar as pessoas, relacionando os limites da
natureza com os limites biofísicos para auxiliar nas decisões. A sociedade precisa ter
consciência de que não se deve visar apenas o lucro e o bem-estar, que além desses fatores há
uma ligação entre o mundo natural e o mundo do trabalho que não pode ser desfeita,
conforme Peña et al (2017).
Chaves e Campello (2016) citam que de acordo com a evolução do mundo em relação às
questões estratégicas relacionadas aos aspectos econômicos, ambientais e sociais, surge um
novo conceito na década de 90 que fica mundialmente conhecido como The Triple Bottom
Line (ELKINGTON, 1997), conhecido por tripé da sustentabilidade ou 3 P’s: People, Profit
and Planet, que envolve os aspectos social, econômico e ambiental. A Figura 4 apresenta o
tripé da sustentabilidade e as interseções entre as três áreas envolvidas: suportável, equitável e
viável.
Figura 4- Tripé da sustentabilidade.