Econceio1, Artigo - Regiane Souza - Capulanas 11 Paginas - Final
Econceio1, Artigo - Regiane Souza - Capulanas 11 Paginas - Final
Econceio1, Artigo - Regiane Souza - Capulanas 11 Paginas - Final
Centro de Artes, Humanidades e Letras (CAHL) da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB)
ISSN 2317-6989
Resumo
1Mestranda no Programa de Pós-Graduação em História da África, da Diáspora e dos Povos Indígenas pela
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Correio eletrônico: [email protected].
Introdução
2Fala do estilista durante a conversa no Sunset Talkno, que teve como tema: Arte, Cultura, Poesia, Música e
Fotografia. Maputo - Moçambique. 03 dez. 2018.
1. Conceito de moda
Se por um lado a moda é vista como uso, hábito, estilo geralmente aceito, variável
no tempo e resultante de determinado gosto, idéia ou capricho, ou das influências
do meio; bem como fenômeno social ou cultural, mais ou menos coercitivo, que
consiste na mudança periódica de estilo, e cuja vitalidade provém da necessidade
de conquistar ou manter, por algum tempo determinada posição social; modo
significa maneira, feição, forma, jeito, sistema, prática, via, habilidade e em alguns
casos, processo de aculturação.5
Mas a forma de pensar moda é algo subjetivo, pois ainda é um espaço no qual
podemos notar uma reprodução de elementos que classificam, enaltece alguns grupos, suas
culturas e padrões estéticos, ao mesmo tempo em que segregam grupos, especialmente os
que foram historicamente marginalizados.
3 BUENO, Silveira, Minidicionário da língua portuguesa. Ed. rev. e atual-São Paulo: FTD, 2000. p. 518.
4 CIDREIRA, Renata Pitombo. “Os sentidos da moda: Vestuário, Comunicação e Cultura.” São Paulo:
Editora Annablume, 2005. p. 30.
5 Ibidem, p. 30-31.
Assim sendo, é muito relevante o cuidado e a sensibilidade nas análises sobre moda, pois
entender moda como costume pode ser também problemático, se partirmos do simples
questionamento: quem são os sujeitos e os costumes que sempre foram colocados como 78
representantes da moda? Para Barreto e Soares, (2014):
2. Contexto Histórico
6 BARRETO, Carol; SOARES, Leandro. Gênero, Cultura e Linguagem: narrativas da aparência. Salvador:
Enecult -2014. p. 4.
7 CALANCA, Daniela. História Social da Moda. 2a edição, São Paulo: Editora Senac, 2011.
8 BARRETO, SOARES, op. cit., p. 2.
9 Veja mais em: https://www.sadc.int/about-sadc/. Acesso em: 20 mar. 2021.
10 As discussões sobre os processos coloniais portugueses e suas implicações em Moçambique são múltiplas e
bastante complexas. Para esse fim, confira: WAGNER, A. P. A administração da África Oriental Portuguesa na
segunda metade do século XVIII: Notas para o estudo da região de Moçambique. História Unisinos, Rio
Grande do Sul, v. 11, n. 1, p. 72-83, jun. 2007.; DIAS, Jill. História da Colonização - África (Séc. XVII-XX). Ler
História, Universidade Nova de Lisboa, n. 21, p. 128-145, 1991.; FOLADOR, Thiago de Araujo. Os africanos
escolhem o que vão levar: os tecidos indianos no comércio de marfim e escravos. Rev. Hist. (São Paulo), São
Paulo, n. 177, 2018. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-
83092018000100502&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 18 ago. 2019.
11 Como nos demonstrou Alberto da Costa e Silva, no caso das Américas, notadamente com o Brasil, em suas
obras: SILVA, Alberto da Costa e. Um rio chamado Atlântico: a África no Brasil e o Brasil na África. 5.
ed. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011.; SILVA, Alberto da Costa e. O Brasil, a África e o Atlântico no século
XIX. Estudos avançados, São Paulo, v. 8, n. 21, p. 21-42, ago. 1994. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141994000200003&lng=en&nrm=iso. Acesso
em: 3 ago. 2019.
12 DAVID, Hedges. História de Moçambique, Vol. 3, Moçambique no auge do colonialismo, 1930-1961. Maputo:
3. Capulanas em Moçambique
57; NEWITT, Malyn. A history of Mozambique. Bloomington: Indiana University Press, 1995. p. 489.
16 NEWITT, Malyn. A history of Mozambique. Bloomington: Indiana University Press, 1995. p. 489
17 Malangatana, África grita. Poema retirado do livro: TORCATO Maria de Lurdes. ROLLETTA, Paola.
“Capulanas e lenços”. Edição: missanga ideias e projetos Lda. Editora Kauri Resort, Maputo 2011.
Na África oriental onde se fala suaíli, diz-se que este modo de vestir surgiu em
meados do século XIX, quando as mulheres começaram a comprar lenços (em suaíli
diz-se leso) de tecido de algodão estampado e colorido, trazido pelos mercadores
portugueses do Oriente para Mombaça. Em vez de comprar um a um, mandavam
cortar seis quadrados de uma vez, dividiam este pano ao meio e coziam o lado
mais comprido fazendo uma “capulana” de 3x2 lenços. Depois era só envolver o
corpo, amarrar com mais ou menos estilo e a moda impunha-se à medida que
cada vez mais mulheres faziam o mesmo. 19
Não se sabe de forma efetiva a origem do nome ou de onde veio esse tecido, muitos
países do continente africano fazem uso de tecidos, que se assemelham às capulanas, mas os
mesmos também são nomeados de forma diferente, como aborda TORCATO e ROLLETTA,
2011:
Noutros países estes panos podem ter outros nomes. No Quénia chamase “kanga”.
Na África Ocidental, no Congo ou no Senegal, chamam-lhe “pagne”. Muitas línguas 81
moçambicanas têm nomes vernáculos para estes retângulos de tecido. Mas
“capulana” é o nome mais usado, desde de norte a sul, de leste a oeste, em
Moçambique. Hoje o nome faz parte do léxico da língua portuguesa mas não é
uma palavra de idêntica origem.20
Mas, ainda que distintas as nomeações dadas a esse tecido, o que chama à atenção
é a forma como se usa em Moçambique. No dia a dia são utilizadas de diferentes formas,
tais como: para carregar o bebê, nas machambas, como parte da indumentária, para
cerimônias religiosas, fúnebres, nos ritos de iniciação, noivados, lobolos, 21 bem como em datas
comemorativas de diferentes categorias, a qual “fala de forma singular sobre cada uma
delas”.
Tempo destaca que muitas mulheres em todo país principalmente nas províncias de
Nampula e Maputo guardavam “ricas coleções de capulanas em malas e velhos baús”. A
dona só poderia se "desfazer em caso de extrema necessidade financeira" em que poderia
vender, ou repassar para as mulheres da família como um tipo de herança ou como prenda
de casamento". Revelando também que as mulheres que usam esse tecido sempre têm
histórias para contar “nota importante, falara antes o nome da capulana”22.
18 HENRIK, Ellert. Mosaico Moçambique. Editora. Kapicua Livros e multimídia, lda. 2016.
19 TORCATO; ROLLETTA. op. cit., p. 1.
20 Idem.
21 São comparados a dotes pagos pelo noivo à família da noiva. Veja mais em: SANTANA, Jacimara Souza.
Mulheres de Moçambique na revista Tempo: o debate sobre o lobolo (casamento). Revista de História, v. 1,
n. 2, p. 82-98, maio. 2009.
22 Revista Tempo, 395, 22. 05. 1978. p. 38. Disponível em: Arquivo Histórico de Moçambique: Maputo. Acesso
em: 2018.
É que as capulanas têm nome. Por isso <<falam>>. O nome que usam é-lhes
atribuído por associação com um determinado acontecimento político, social
(porvezes de fundamentos supersticiosos) ou por associações com um determinado
fenómeno da natureza. Assim, grande parte dos acontecimentos coloniais que
marcaram a memória do povo – prisão de Ngungunhana segundo nos frisaram, as
rivalidades territoriais entre os portugueses e os alemães aquando da II guerra
mundial a propósito dos limites entre Moçambique e o então Tanganyca, a
obrigatoriedade da pose, a praga de gafanhotos que assolou o centro de
Moçambique em 1934, as doenças de impacto social etc, tudo isso ficou registrado
através da atribuição de nomes a capulanas postas à venda no mercado na mesma
altura em que estes fenômenos se davam. 24
A capulana é mais que um simples tecido, além de ser caracterizada como parte da
indumentária dessas mulheres, carrega representatividade, que mesmo não sendo
originalmente de Moçambique, se tornou símbolo de representação e expressão sociocultural 82
e socioeconômica. “São o relato materializado da potência recriadora das mulheres
moçambicanas, revelando a presença destas no mundo e as interações entre gênero,
colonização, independência, tradição e modernidade, entre outros”25.
Nesse sentido, podemos tomar como exemplo o dia da Mulher Moçambicana. Em
Moçambique todo ano, no dia 07 de abril acontece uma grande festa, como forma de ato
político; em que as mulheres vão às ruas para celebrar a emancipação das moçambicanas;
a força e bravura demonstrada por Josina Machel26, que faleceu em 07 de abril 1971, devido
a problemas de saúde, mas deixou um legado de força política e resistência feminina,
tornando-se também símbolo de representação da luta dessas mulheres.
O 07 de abril é marcado também pelo uso das capulanas. Nesse dia muitas
moçambicanas vestem-se com esse tecido de diferentes cores e estampas. Alguns grupos
23 Revista Tempo, 395, 22. 05. 1978, p. 37. Disponível em: Arquivo Histórico de Moçambique, Maputo. Acesso
em 2018.
24Revista Tempo, 395, 22. 05. 1978. p. 3. Disponível em: Arquivo Histórico de Moçambique, Maputo. Acesso em
2018.
25 SANTOS, Denise do Nascimento. Baú de Capulanas: utilização da capulana na construção de um material
didático sobre o feminino em Moçambique. 2017. Trabalho de conclusão de curso (Especialização em História
da África) – Instituto de Ciências Humanas, Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais, 2017. p. 22.
26 SANTOS, Amanda Carneiro. Lute como uma mulher: Josina Machel e o movimento de libertação em
Moçambique (1962-1980). 2018. Dissertação (Mestrado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018. Disponível em:
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-13052019-113230/pt-br.php. Acesso em: 21 jul. 2019.
27 Creme que se obtém friccionando o caule descascado dessa planta numa pedra com algumas gotas de água
e que depois pode ser aplicado na pele (ex; o mussiro é usado como máscara facial). Disponível em
https://dicionario.priberam.org/mussiro. Acesso em: 19 ago. 2019.
28 Entrevista com o estilista Nivaldo Thierry no Mozambique Fashion Week - MFW -2018. Entrevista feita por
Regiane Marques no ano de 2018 em Maputo - Moçambique. Essa entrevista faz parte do meu arquivo pessoal.
29 Idem.
Considerações finais
Moçambique, assim como o Brasil, foi destruído pelo processo de colonização
portuguesa, não roubaram apenas suas riquezas materiais, mas vidas e consequentemente
suas culturas foram dizimadas. Mesmo após o processo de independência dos países, a
construção de elementos culturais foi e é um processo que exige um certo esforço, pois existe,
e sempre existiu, uma predisposição em aceitar a cultura e consequentemente a moda
eurocêntrica, que diante da opressão colonial foi vista como padrão de beleza e tendência
a ser seguida.
30Como pode ser visto em: http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/234. Acesso em: 16 fez. 2021.
HALL, Stuart. “A identidade cultural na pós-modernidade”. Rio de Janeiro: Ed: 11ª. Editora DP&A,
31
2005. p. 38.
KI-ZERBO, J. Introdução Geral. p. XXXIII. in: KI-ZERBO, J. História Geral da África. Vol. I. 2ª ed. rev. Brasília:
32
86