Pinto e Castrogiovanni - O Subespaço Geográfico Escola

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 15

O (SUB)ESPAÇO GEOGRÁFICO ESCOLA

Kinsey Pinto1
Antonio Carlos Castrogiovanni 2

Resumo: O presente artigo apresenta a compreensão do espaço escolar como um


subespaço que faz parte do todo – uma possibilidade de leitura do Espaço Geográfico –.
A partir de uma metalinguagem da Geografia parece ser possível entendermos a escola
como um recorte espacial, aqui traduzido como um subespaço geográfico escola.
Construído esse conceito, identificamos as categorias e os conceitos operacionais que
contribuem para a análise interna do subespaço geográfico escola, levando, à reflexão e
à compreensão da instituição escola.

Palavras-chave: escola; (sub)espaço geográfico; ensino; Geografia.

A escola deixou, em parte, de ser apenas um local para o exercício da


aprendizagem responsável pela formação do sujeito. As relações que são estabelecidas
entre os diferentes sujeitos – professores, alunos e funcionários – tomam parcialmente
essa função, colocando os movimentos tradicionais dos processos de ensino e
aprendizagem em segundo ou terceiro plano. Hoje é percebido esse distanciamento da
Escola com o mundo que chamamos de pós-moderno3. Ir à escola, somente para assistir
as aulas e aprender ou ensinar, já não parece ser mais o principal interesse dos alunos e
professores. As relações de identidade criadas pelos sujeitos intra e extra-escolares
fazem necessário um repensar sobre as práticas escolares e os interesses e as
atratividades existentes nos arredores da escola. Segundo Sacristán (2002, p. 95):

[...] o papel da escola frente aos desafios do mundo globalizado é o de abrir


horizontes, estender a cultura, globalizar conteúdos, conhecer experiências
alheias, transpor o local e o próximo e proporcionar aos alunos ir além de
onde estão.

1
Aluno do Programa de Pós-graduação em Geografia, nível de mestrado acadêmico – Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Endereço eletrônico: [email protected].
2
Doutor em Comunicação Social na área de Praticas Sociais em Geografia, Comunicação e Turismo.
Professor da UFRGS e da PUCRS. Endereço eletrônico: [email protected]
3
Referência ao período que corresponde às transformações no mundo desde os anos 70 do século
passado. Momento onde o advento de novas tecnologias impulsionadas pela ciência, demandadas nos
grandes centros de investigação e/ou corporações, impõe novas formas de produzir e consumir.

1
A escola é tensa e dinâmica, como é o próprio objeto de estudo da Geografia – o
espaço geográfico (CASTROGIOVANNI, 2007, p.13). Assim, a partir de uma análise
metalingüística, podemos através da Geografia, procurar entender a Escola enquanto um
território, ou mais especificamente. Como um (sub)espaço geográfico4, e, assim,
identificarmos categorias analíticas internas do Espaço Geográfico que estão inseridas
nesse subespaço, a fim de refletir sobre as relações existentes entre sociedade e escola.
Temos de início uma inquietude: como os sujeitos que compõe o Espaço
Geográfico lêem esse território escolar? A partir dessa leitura e da interação, que os
sujeitos estabelecem nesse espaço, pode-se estudar as categorias do espaço apontando
como a identidade escolar se faz, ou não, presente?

Um Conjunto Indissociável...

Na tentativa de construir o conceito de um subespaço geográfico escola,


entendemos que, primeiramente, se faz necessária uma compreensão do Espaço
Geográfico. Concebido como objeto de estudo da Geografia o espaço geográfico,
segundo Ruy Moreira (1985), é a materialidade do processo do trabalho, trata-se da
“relação homem-meio” em uma expressão historicamente concreta.

[...] é a natureza, mas a natureza em seu vaivém dialético: ora a primeira que
se transforma em segunda, ora mais adiante a segunda que reverte em
primeira, para mais além voltar a ser segunda. [...]História na sua expressão
concreta de dada sociedade [...] (MOREIRA, 1985, p.86).

Trata-se, então, de um espaço produzido, produtor, reproduzido e reprodutor.


Está sempre em transformação, transformando conjuntamente a sociedade.

Corresponde à um espaço construído e alterado pelo homem, pode ser definido


com sendo o palco das realizações humanas nas quais estão as relações entre os homens
e desses com a natureza. O espaço geográfico abriga o homem e todos os elementos
naturais, tais como relevo, clima, vegetação e tudo que nela está inserido.

É através do trabalho que o homem é capaz de construir e desenvolver tudo


aquilo que é indispensável à sua sobrevivência. O termo “trabalho” significa todo

4
O termo (sub)espaço aqui não está condicionado à uma submissão do espaço, pelo contrário, difere-se à
um determinado recorte, ou ainda, à uma limitação escalar.

2
esforço físico e mental humano com finalidade de produzir algo útil a si mesmo ou a
alguém.

O conjunto de atividades desempenhadas pelas sociedades continuamente


promove a modificação do espaço geográfico. A partir da Primeira Revolução Industrial
o homem enfatizou a retirada de recursos dispostos na natureza a fim de abastecer as
indústrias de matéria-prima, que é um item primordial nessa atividade, ao passo que a
população crescia era acompanhado pelo alto consumo de alimentos e bens de consumo.

Com o avanço tecnológico, o homem criou uma série de mecanismos para


facilitar a manipulação dos elementos da natureza, máquinas e equipamentos facilitaram
a vida do homem e dinamizaram o processo de exploração de recursos, como os
minerais, além do desenvolvimento de toda produção agropecuária com a inserção de
tecnologias, como tratores, plantadeiras, colheitadeiras e muitos outros.

Na produção agropecuária se faz necessário transformar o meio, pois retira toda


cobertura vegetal original que é substituída por pastagens e lavouras, essas derivam
outros impactos como erosão, poluição e contaminação do solo e dos mananciais.

Nos centros urbanos as alterações são percebidas nas construções presentes,


essas transformações ocorrem em loteamentos que em um período era somente uma
área desabitada e passou a abrigar construções residenciais, além de áreas destinadas ao
comércio e indústria. Desse modo, nas cidades de todo mundo sempre ocorrem
modificações no espaço, são identificadas nas novas construções, nas reformas de
residências, lojas e todas as formas de edificações.

Diante dessas considerações (re)constata-se que o espaço geográfico não é


estático, pois até mesmo a deteriorização de um edifício ou monumento é considerado
uma alteração do espaço e automaticamente da paisagem, por isso as mudanças são
contínuas e dinâmicas. O espaço geográfico é produto do trabalho humano sobre a
natureza e todas as relações sociais ao longo da história.

O espaço geográfico abriga todas as partes do planeta passíveis de serem


analisadas, catalogadas e classificadas pelas inúmeras especialidades da ciência
geográfica.

3
No entanto, surgiram novos conceitos acerca desse tema. Por exemplo, a
configuração da hierarquia das cidades provavelmente é proveniente do estudo do
conjunto de atividades de bens e serviços disponíveis para aquelas populações que
vivem nas proximidades (áreas rurais, cidades menores), aqui existe um espaço
hierárquico e não homogêneo, como no caso do cerrado.

A Geografia Cultural na análise do ser humano disponibiliza outra definição


para o significado de Espaço Geográfico: lugar onde os seres vivos, inclusive os
humanos, buscam instituir laços afetivos relacionados ao respeito ou mesmo ao temor.

Os espaços sagrados formados por um conjunto de ritos religiosos e culturais são


exemplos de conceitos que a expressão pode ter.

Na teoria exposta por Santos (1996) que é uma teoria da ação. O espaço é o
resultado da ação e objeto articulados, potência e ato dialeticamente integrados num
sistema, sendo:

[...] formado por um conjunto indissociável, solidário e também


contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados
isoladamente, mas como o quadro único no qual a história se dá (SANTOS,
1996, P.51).

A ação exprime-se e se realiza no objeto. O objeto tem autonomia de existência,


mas não tem autonomia de significação. O que ele é vem das diferentes relações que
mantém com o todo, e, portanto, com os sujeitos. Os objetos que constituem o Espaço
Geográfico são obrigatoriamente contínuos e a população de objetos considerada pelo
autor não resulta de uma seleção, ainda que sábia e metódica, do pesquisador. O espaço
dos geógrafos leva em conta todos os objetos existentes numa extensão contínua.

O comportamento da ação tem uma orientação que dá ligação e sentido ao ato


projetado, subordinada a normas. A ação é um processo dotado de propósito dado o seu
caráter de intencionalidade, uma essencialidade portada pela técnica na formada divisão
do trabalho e que liga ação e objeto numa relação de sujeito-objeto.

Santos (1996) faz a seguinte distinção das formas de análises do espaço: em


categorias analíticas internas, em recortes espaciais e em processos básicos externos ao
espaço. Com esse enfoque não hierarquizado, porém interligado, e, com, a visualização
de alguns principais alicerces constituintes do espaço, temos assim, no esquema (figura

4
1) a seguir, uma possibilidade de compreensão da disposição das categorias, facilitando
a leitura do objeto de estudo geográfico.

Figura 1. O Espaço Geográfico5

O espaço geográfico deve ser considerado como algo que participa igualmente
da condição do social e do físico, um misto, um híbrido amalgamado. Cabe a Geografia
formular e estabelecer os conceitos de Espaço Geográfico e espaço, não podendo ser
encontradas em outras disciplinas.

Para Castrogiovanni (2003), “o espaço é tudo e todos: compreende todas as


estruturas e formas de organização e interações, E, portanto, compreensão da
formação dos grupos sociais, a diversidade social e cultural, assim como apropriação
da natureza por parte dos homens...” conferindo assim, uma propriedade complexa ao
espaço geográfico, a partir da compreensão da totalidade e da própria inter-relação.

Reforçando a presença do pensamento complexo inserido no conceito de espaço


geográfico, Suertegaray (2000) classifica o espaço como “uno e múltiplo”

[...] podemos pensar o espaço geográfico como um todo uno e múltiplo,


aberto a múltiplas conexões que se expressam através dos diferentes
conceitos já apresentados. Estes ao mesmo tempo em que se separam visões

5
Fonte:do autor.

5
também as unem [...] o espaço geográfico pode ser lido através do conceito
de paisagem e ou território, e ou lugar, e ou ambiente; sem desconhecermos
que cada uma dessas dimensões está contida em todas as demais
(SUERTEGARAY, 2000, p.31).

A partir dos infinitos recortes que podemos atribuir ao espaço, ainda implica em
dúvidas quanto à escolha sobre qual conceito operacional que daremos enfoque diante à
um determinado estudo, pois bem, essa inquietação pode ser suprimida quando não
negamos a complementação dos conceitos e sua articulação, cada conceito operacional
ou categoria do espaço apresentam de fato diferentes olhares e expressam diferentes
leituras e, é, no caminho do método, da pesquisa que elegeremos por qual ótica do
espaço seguiremos nosso estudo.

O Território Escolar

O território, em suas mais variadas leituras está relacionado ao poder, mas não
apenas ao poder político. Ele diz respeito tanto ao poder no sentido mais concreto, de
dominação, quanto ao poder no sentido mais simbólico, de apropriação. É também, um
processo muito simbólico, carregado das marcas do vivido, do valor de uso, e ao mesmo
tempo concreto, funcional e vinculado ao valor de troca.

“O território diz respeito à projeção sobre um espaço determinado de


estruturas específicas de um grupo humano, que inclui a maneira de
repartição e, gestão o ordenamento desse espaço” (BRUNET, 1992, apud,
CLAVAL, 1996, p. 9).

E, para Di Méo (1996), examinar o território implica em examinar os


dispositivos sociais que levam a que os atores sociais conheçam e sintam os limites de
seus territórios e se reconheçam dentro deles. O território denota um espaço que o
indivíduo conhece, onde se reconhece e é reconhecido. Na escola, encontramos esses
dispositivos sociais na organicidade escolar, desde sua administração até a sua
dinâmica, operados por seus atores, no caso, os sujeitos escolares (alunos, professores,
funcionários e sociedade).

Para um melhor entendimento do surgimento da escola enquanto território é


importante que façamos uma distinção de escola e de educação. A origem da educação
está diretamente associada com a origem do ser humano. Na busca de sua

6
sobrevivência, o ser humano, precisou admitir e relacionar as leis da natureza, ou seja,
precisou a aprender a viver vivendo, dando início ao processo de auto-educação.

Em seus primeiros passos, os seres humanos, vivendo coletivamente, utilizavam-


se de meios de existência primárias: primeiramente em função coleta de alimentos e
recursos para garantir a vida e conseqüentemente em função da agricultura e pecuária.
Logo, a educação passava a ser o alicerce da própria vida, homens e mulheres se
educavam no cotidiano e na alternância de gerações.

“[...] Neste período a família e a comunidade próxima davam conta da


transmissão dos conhecimentos necessários para transformar cada criança
em um participante pleno de seu grupo social. Convivendo, as crianças
aprendiam a língua, os costumes, a religião, as normas da comunidade, bem
como as suas técnicas de sobrevivência. Aprendiam os papéis masculinos e
femininos diretamente com os adultos e as lendas, os mitos, as crenças, com
os membros mais velhos do grupo social” (XAVIER, 2003, p.55).

Na organização do grupo social e nas respectivas funções atribuídas e


distribuídas a cada membro do grupo, percebe-se a configuração de um espaço social
como base da “comunidade próxima”. Reflete-se, então, num (proto)território, a partir
das relações de interação com a natureza externa, identificação com membros do grupo,
movimentação sobre o espaço por meio de práticas sociais.

A troca do estilo de vida do ser humano, passagem das primeiras formas de


garantir a sobrevivência em função da coleta, pela agricultura e pecuária, obriga o ser
humano a suprimir a forma nômade e fixarem-se sobre a terra, assim, as relações de
poder intensificam-se, modelando diferenças sociais sobre o espaço. As classes sociais.

Para Xavier (2003), é nessa diferenciação entre os membros da comunidade que


se esboça a origem da escola. É nesse período, que parte do grupo social (proprietários
de terras) permite-se a viver do ócio, uma vez que, não é preciso mais trabalhar para
sobreviver, pois outra parte do grupo (a maioria) é sobrecarregada por essa função. No
contexto da folga do trabalho, do descanso e do lazer que há a possibilidade do advento
da instituição escolar. Aqueles que possuíam tempo livre reuniam-se para dedicarem-se
em conjunto à tarefas da escola (lugar do ócio em grego), enquanto a outra parcela
sócia, mantinha-se constantemente atrás de sua sobrevivência: trabalhando e educando-
se a partir do próprio trabalho. A autora, afirma também que essa situação parece ter se
mantido ao longo de toda a Idade Média, desde o Classicismo as funções educacionais

7
admitem valores desiguais de acordo com os segmentos sociais (clero, nobreza,
burguesia e “demais” – trabalho físico, que exige pouca instrução).

De certa forma, esses valores desiguais que concebem as atividades educacionais


a partir do status social perduram atualmente. Compreendemos aqui, que o subespaço
geográfico escola de hoje, neste aspecto sócio-econômico, trata-se em parte, de uma
reprodução invariável desde a origem da escola. Será que está diferenciação educação
não instiga a diferenciação e o afastamento da sociedade, tornando-a cada vez mais
segregada e impondo mais limites internos ao Espaço Geográfico?

Na configuração da escola a organização e as principais funções tomam formas


junto com o advento da modernidade - nessa fase conta com setores populares -, com
surgimento da sociedade urbano-industrial e com a instalação do modo de produção
capitalista na Europa e nos Estados Unidos, diretamente influenciados pela revolução
Francesa. Conforme Xavier (2003):

“[...] o surgimento da educação escolar não coincide apenas com o advento


do capitalismo e da industrialização, ela é fundamentalmente determinada
pela emergência dos estados territoriais-administrativos da Modernidade –
os estados nacionais -, que criaram sistemas de escolarização de massa para
a educação da população embasada na pedagogia cristã. Administração
burocrática e pedagogia pastoril-disciplinar são as características do sistema
escolar moderno criado para a cristianização das populações leigas, pela
transferência disciplina espiritual para as rotinas da vida diária” (p.57).

A escola como instituição social, no caminhar histórico, representou um local


relevante para os diversos povos e sociedade, tendo peculiaridades específicas de acordo
com contexto social vigente. Isto implica dizer que, sobre a escola ocorre uma
construção social produzida de modo coletivo, incluindo valores, crenças, idéias e
pensamentos que acabam influenciando a identidade social de determinados grupos.
Para Lima (2006):

O valor atribuído pela sociedade á instituição escolar pode desencadear


aspectos favoráveis ou desfavoráveis. Isso faz com que os alunos
demonstrem, em suas práticas sociais diárias, a identificação com a escola
[...] (p.116).

8
Assim, a escola passa a ser um local amplo, culturalmente múltiplo que abrange
elementos organizacionais de questões sociais multidimensionais, o que nos permite
relacionar diretamente à complexidade do espaço geográfico, bem como, ao subespaço
geográfico escola.

O (Sub)Espaço Escola

A escola, até então tratada como um espaço, responsável pela produção do


sujeito (pós)moderno, vem sendo questionada se está realmente cumprindo esse papel.
A instituição que prima pela disciplina e pela informação, reconheceria seu real
compromisso e/ou os subsídios que dinamizam processos socializadores e civilizatórios
estariam entrando em conflito? Para compreendermos melhor esta inquietude é
necessário fazermos uma brevíssima apresentação sobre as histórias da escola. Xavier
(2003) sugere que a origem da instituição confunde-se com o processo de existência.
Em síntese, o sujeito a partir de vivências e educação, educa-se, uma vez que a
educação era a própria vida, nesse processo educavam-se também novas gerações, as
famílias e conseqüentemente as comunidades próximas já estavam engajadas no
processo de transformação. Em segundo momento, há um modo de produção
sedentário, que desencadeou classes sociais possibilitando o advento da escola. Com o
tempo as escolas moldam novas configurações conforme o movimento social.
Visando a gestão territorial e populacional o Estado utiliza-se da escola como
uma solução para um rol de problemas da modernidade, tais como o crescimento
demográfico, a necessidade de trabalho produtivo mantendo a população controlada e
disciplinada, construindo e agendando verdades que satisfação a manutenção do poder,
além de fortalecer capacidades sociais – desenvolvimento –. No século XVIII,
transformações sociais e políticas apresentam a escola como uma necessidade. Para
Xavier (2003, p.70): “Significa compreender a educação como um fenômeno de toda a
sociedade, um processo não centrado na escolarização dos cidadãos, mas na
civilização das sociedades”.
Nos séculos seguintes a necessidade da escola se faz indispensável na
participação da vida social, posteriormente, na melhoria da qualidade de vida da
população.

9
A partir da obra do Foucault (1993), compreendem-se melhor os corpos
submissos – corpos dóceis – e exercitados produzidos pela disciplina. O período
histórico referente à disciplina é um período em que surge uma arte do corpo humano.
Fundamentado não apenas no aperfeiçoamento das habilidades, mas principalmente na
formação de uma relação que torne o corpo tão submisso quanto útil – política das
coerções: maquinaria de poder que examina, desarticula e recompõe o corpo humano –.
A disciplina prima à distribuição dos sujeitos da complexidade e, portanto,
riqueza do espaço, através dos colégios e quartéis, do quadriculamento – cada individuo
no seu lugar e em cada lugar um individuo –, das localizações funcionais, necessidade
de distribuir e dividir o espaço com rigor a partir de suas funções, e da divisão dos
corpos por uma localização que os mantém numa determinada rede de relações, a fim de
criar um quadro vivo condicionado ao controle. Esse controle se faz através de horários,
da elaboração temporal de determinada atividade, da correlação do corpo dos gestos, da
articulação corpo-objeto na codificação instrumental do corpo e da utilização exaustiva
do corpo com a finalidade de aprimorar técnicas e ganhar tempo. O poder das
disciplinas apresenta as operações do corpo como um organismo. Assim a partir desses
fatores citados configura-se o exercício, elemento de uma tecnologia política do corpo e
do tempo.
Logo, a disciplina não seria apenas uma arte da distribuição dos corpos, da
extração e acumulação do tempo, mas sim de compor forças objetivando a eficiência do
aparelho/organismo.
Segundo Foucault (1993), o poder disciplinar justifica-se no uso de simples
instrumentos: a vigilância hierárquica, a sansão normalizadora e na combinação dessas
no processo que configurará o exame. A vigilância – escalar – transforma-se num
operador econômico importante, pois além de ser parte do aparelho de produção é
fundamental no poder disciplinar. A sanção normalizadora põe em funcionamento a
relação dos atos, os desempenhos, os comportamentos singulares ao conjunto –
comparação/diferenciação – e o principio de uma regra a seguir. O exame por sua vez,
é uma combinação das técnicas, é o centro dos processos para constituição do individuo
– eixo político da individualização –.
Na apropriação do espaço pela disciplina escolar, encontramos a representação
panóptica, constituida num aparelho de controle sobre seus próprios mecanismos –
manutenção do poder –, é no panóptico que se encontra um local privilegiado para
viabilizar a analise das transformações se podem obter sobre os homens, porque

10
funciona como um laboratório de poder. Seus mecanismos de observação estão
presentes em todas as frentes, descobrindo e conhecendo a fundo objetos em todas as
superfícies.
Focault (1993) justifica o advento da prisão nas instituições seja ela de ensino ou
não, a partir da disciplina. A gênese e a razão dos processos disciplinar nos remetem a
uma série de questões no campo da educação. Entre essas, estaria o poder da disciplina,
bem como os procedimentos que o regulam, saturados na pós-modernidade ou não?
A instituição escolar parece representar „o porquê‟ da pedagogia como disciplina
humana e também dá base ao papel do educador – educar, disciplinar, instruir e
desenvolver –, sendo o dispositivo que se constrói a fim de suprimir a infância e a
adolescência.
Para Naradowisk (1998), a idéia de que, efetivamente, a criança, no sentido
moderno, obediente, dependente e suscetível de ser amada é uma idéia que está
passando por uma crise de decadência.
Referindo-se que a infância moderna morre sobre a fuga de um pólo da infância
hiper-realizada com tudo, informação e lazer ao alcance, parecem não suscitar carinho e
ternura e, outro ponto de fuga de um pólo da infância (des)realizada – independente,
crianças que vivem nas ruas e trabalham desde cedo –. Entre esses pólos, podemos
encontrar a maioria restante das crianças. Sobre pólos de atração: a infância da
realidade virtual (harmônica e equilibrada) e a infância da realidade real (violenta e
marginalizada). Neste ponto, encontramos outras inquietações: ocorre hoje uma perda
gradual de valores sociais, por parte das crianças, através de uma desvalorização do
espaço escola, ou não? Qual é a posição da família frente à essas realidades?
Essas crianças enquanto alunos colocam em crise a idéia/conceito de sujeito e o
dispositivo escola-família que põe em jogo a incapacidade da instituição escola nesse
cenário de mudanças rápidas, onde somente adolescentes e crianças são capazes de
acompanhar tal velocidade. Assim, é possível pensarmos neste momento que é
necessário voltar a pensar a escola e a infância em termos de desafio a fim de
avançarmos sobre a estagnação que se instalou sobre nós.
Ao repensarmos a escola e a form(ação) dos sujeitos é entendermos que se trata
de um desafio na busca de medidas/passos que devemos tomar rumo não somente a
novos pensamentos e, sim, a novas ações. Quando sabemos da tamanha velocidade das
mudanças e das dificuldades em alcançá-las, o não-inovar, mas o renovar se faz
urgente... Sempre é hora, portanto de iniciarmos!

11
Parece não ser possível esquecermos o papel do professor nesse contexto ao
fazermos esse tipo de leitura. Novas criações e trabalhos de formas diferentes em sala
de aula (Por que não fora da sala?), não são sinônimos de trabalhar mais, pelo contrário,
de termos mais prazer e trabalharmos, assim, menos! Este desafio pode desenvolver a
capacidade reflexiva dos sujeitos professores e alunos. Na escola de hoje pouco temos
visto sobre a operacionalização as categorias da Geografia, através da reflexão, de novas
possibilidades de comunicação, motivações nos processos escolares. Não é por menos
que a Geografia e a escola são “chatas” e/ou os alunos “são fracos”. Conforme Kaercher
(2004, p. 173), certas são utopias necessárias:

[...] só com múltiplos caminhos poderemos buscar nossa utopia: um ensino


de Geografia que auxilie na autonomia intelectual dos educandos e estimule
neles o desejo radical de uma sociedade plural, democrática e que combate
todas as formas de injustiças sociais.

Da necessidade de ler a escola como um (sub)espaço...

Para dar conta desta preocupação parece ser importante compreendermos a categoria
espacial da totalidade – um processo básico externo ao espaço –, reexaminado suas
transformações, processos, atuação com a própria existência do espaço geografíco, bem
como suas formas de aparência. Refere-se a noção de totalidade ao conjunto de todas as
coisas e de todos os homens, em sua realidade, ou seja, em suas relações, e em seu
movimento. Totalidade é o tecido absoluto das partes em relação mútua. Compreende
conjuntamente o Planeta, isto é, natureza e comunidade humana – duas formas
principais da totalidade. Conhecimento da totalidade sugere sua desarmonia, está
sempre em movimento em um ciclíco processo de totalização. Dessa forma, o espaço é
numa especificação do conjunto social, um aspescto particular da sociedade global. O
todo só se faz através do conhecimento das partes (fragmentos), e essas se fazem
simultâneamente somente através do todo – processo de totalização.

A totalidade é, ao mesmo tempo, o real-abstrato e o real concreto. Só se torna


existência, só se realiza completamente, através das formas sociais, incluindo
as geográficas. E a cada momento de sua evolução, a totalidade sofre uma
metamorfose. Volta a ser real-abstrato (SANTOS, 1996, p.98).

12
O movimento da totalidade altera os signos das variáveis que o constitui, pois os
signos não acompanham o movimento, ou seja, a cada transformação social,
obrigatóriamente, renovam-se ideologias e símbolos que assumem novos e mutantes
sentidos nesse processo.
Ao procurarmos compreender o território escolar como um (sub)espaço do Espaço
Geográfico que é constituído por esse conjunto indissociável de sistemas de objetos e
sistemas de ações constantemente tensionados entre si. Lemos um (sub)espaço capaz de
representar as tensões do mundo, e, que, ao mesmo tempo assume uma individualidade
quase que impossível de ser compreendida isoladamente.
As categorias como lugar, não-lugar, “entre-lugar” (CASTROGIOVANNI, 2006),
permitem entender o subespaço geográfico escola – ler as identidades –. Os conceitos
categóricos do espaço geográfico ao serem analisados para que proponham estudos e
conseqüentemente se apontem contribuições para um repensar do espaço escolar a fim
de qualificá-lo. Cada subespaço geográfico escola é específico, porém mundializado nas
suas atitudes e aparências, pois faz parte do todo.

Compreendida as formas de relacionamento estabelecidas pelos sujeitos


escolares, temos condições de estabelecer ferramentas de estudo do subespaço
geográfico escola, possibilitando, assim, uma apresentação da situação no ambiente e
escolar e juntos buscar práticas que viabilizem a escola de desempenhar seu papel de
formação do sujeito.

Entendemos que nessa leitura, da escola como um recorte espacial, seja possível
aplicar sobre esse os mais variados conceitos operacionais do Espaço Geográfico, como
a paisagem, a região e o lugar. E, é, no lugar, como um sentimento de pertencimento,
que localizamos a identidade, categoria mais próxima do sujeito no complexo objeto de
estudo da Geografia. Para Massey (2008), a categoria lugar pode ser entendida “como
um tecer de estórias em processo, como um momento dentro das geometrias de poder,
como uma constelação particular, dentro das topografias mais amplas de espaço, e como
em processo, uma tarefa inacabada”. Assim, sendo, reflete nesse (sub)espaço a(s)
identidade(s) da sociedade de hoje, e configuram-se no cotidiano escolar as tensões
deste, que se trata também, de um espaço social.
Na tentativa de construir os conceitos de lugar, não-lugar e “entre-lugar” na
complexidade do (sub)espaço geográfico escola, adiantam-se as inquietações: cumpre a
escola e a seu real papel enquanto instituição de ensino? De quê papel devemos referir

13
na atualidade? Que leituras fazem os sujeitos e atores sociais sobre esse subespaço?
Como utilizar as próprias categorias que a Geografia nos oferece para entendermos o
espaço geográfico na compreensão do (sub)espaço geográfico escola? Parece um
desafio e ao mesmo tempo uma sabedoria que deve advir do conhecimento geográfico!

Referências
CASTROGIOVANNI, Antonio C.. A Complexidade do Espaço Geográfico Escola:
lugar para estudar ou entre - lugar para turistificar?. Cadernos do Aplicação (UFRGS).
2006. v. 19, p. 87-96.

_____, Antonio. C.. CALLAI, Helena. C. SCHÄFFER, N. O. KAERCHER, N. A.


(Orgs.). Geografia em Sala de Aula: práticas e reflexões. 4ª ed. Porto Alegre. Editora
da UFRGS. 2003.

14
_____, Antonio. C.; ROSSATO, S.; LUZ, R. R. S.. Ensino de Geografia: caminhos e
encantos. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2007.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir - nascimento da prisão. 10ª ed. Petrópolis:


Vozes, 1993.

KAERCHER, Nestor André. A Geografia Escolar na Prática Docente: a utopia e os


obstáculos epistemológicos da Geografia crítica. São Paulo, SP: USP, 2004. Tese
(Doutorado em Geografia Humana) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas, Universidade de São Paulo.

LIMA, Rita. C. P.; GONÇALVES, Marlene F. C. (Orgs.). Sujeito, escola,


representações. Florianópolis: Insular. 1ª ed., 2006.

MASSEY, Doreen. Pelo Espaço. Uma nova política da espacialidade. Bertrand


Brasil,2008.

MÉO, Guy Di. Les territoires du quotidien. Paris: L‟Harmattan, 1996.

NARADOWISK, Mariano. Adeus à infância: e à escola que educava. In: SILVA,


Luiz Heron. (Org.). A escola cidadã no contexto da globalização. Petrópolis: Vozes,
1998, p. 172-177.

SACRISTÁN. J. G. Educar e Conviver na Cultura Global – as exigências da


cidadania. Porto Alegre: Artmed, 2002.

SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. São


Paulo: Edusp, 1996.

XAVIER, Maria Luisa M. Os Incluídos na Escola: o disciplinamento nos processos


emancipatórios (cap. 5 – A modernidade: escola e disciplina para além das evidências –
p.54 – 74). Porto Alegre, RS: UFRGS, 2003. Tese (Doutorado em Educação) –
Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

15

Você também pode gostar