Código de Honra - Nova Máfia - Livro 1 - Flavia Kalpu
Código de Honra - Nova Máfia - Livro 1 - Flavia Kalpu
Código de Honra - Nova Máfia - Livro 1 - Flavia Kalpu
Copyright
Agradecimento
Explicações e Gatilhos
Termos
Hierarquia.
Família Cornelli
Ilustração
Avatares
Sinopse
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 1 - DIEGO
Sobre a Autora
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Copyright © 2024 Flavia Kalpurnia
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e
acontecimentos
descritos, são produtos de imaginação do autor. Qualquer
semelhança
com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
Revisão: Clarice A.I.
Capa: LM.Designer (LysaMoura)
Diagramação: DA AUTORA
Todos os direitos reservados.
São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer
parte
dessa obra, através de quaisquer meios — tangível ou intangível —
sem o
consentimento escrito da autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei nº.
9.610./98
e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Edição digital | Criado no Brasil.
Obrigada por adquirir essa obra e pelo apoio ao livro nacional!
Quero dedicar esse livro as
pessoas que como eu, estão traçando
seu caminho pelas letras e frases,
ideias e pensamentos, sonhos e
vontades, nesse mundo literário.
Quero agradecer meu marido, Leonardo, que sempre diz: ‘não é
importante se você vai ganhar rios de dinheiro, o importante é que leiam
seus livros, que gostem, o dinheiro é bônus’.
E depois de muitos anos, aprendi isso, de verdade.
E quero agradecer cada leitor e leitora, cada livro lançado é graças a
vocês. Obrigada!
Olá!
Vou dar aqui algumas explicações:
Minha máfia é um pouco diferenciada, você irá perceber isso ao
longo da série. Por mais que ainda trate de assuntos machistas, quais
explicarei melhor nos gatilhos, vou colocar mais da minha vontade de ler
como uma máfia poderia ser.
Nomes, locais e situações são meramente invenções da minha
cabeça, não retrato a realidade.
Sobre os gatilhos: os livros contem violência, sangue, mortes,
drogas, tráfico de drogas e mulheres, sexo, mentiras, intriga, palavrões e
palavras que podem ser consideradas insultos. Então, deixo aqui meu aviso
que se você não gosta/não quer ler algo assim, pare aqui.
Quero ressaltar que o foco da série será o romance entre os
personagens, e suas jornadas para que possam ficar juntos. Então, não estou
retratando um livro sobre a máfia, mas sim, onde ela é o pano de fundo.
Se ainda está por aqui, sejam bem vindos ao mundo da Nova Máfia
e das famílias de Chicago. Divirta-se e cuidado para não se apaixonar
perdidamente.
Buquê de rosas vermelhas:
famíliares recebem tal gesto da
família que foi responsável pela
morte de algum parente, um ato de
‘condolências’, mas também um
aviso.
Giustizia: ato que um Don ou Consigliere pode tomar contra alguém
que prejudicou a família.
Una unità: reunião das famílias mafiosas ou casamento. Um evento
que reune todas as famílias da cidade e seus membros.
Don – o chefe da família.
Consiglieri – o acompanhante e conselheiro do Don. É a mão direita
do Don e aquele que sugere ideias.
Soldado – é a pessoa que está sempre na linha de frente, faz todo o
serviço braçal.
“Uma nova máfia está surgindo pelas ruas de Chicago.
Não é minha melhor ideia, mas devo dizer que olhar bem nos olhos
dele e dizer que acabaremos com tudo porque a união entre famílias é o
mais importante e ele está fazendo aquilo de forma errada, ao tentar
entregar uma das mulheres deles, para a minha como se fosse uma
mercadoria a ser utilizada quando bem entendesse, não era o correto.
Além da idade, que para mim, era onde todo o erro começava.
Marco pigarreia, passa a mão pelo cabelo, que está ensebado de
tanto que ele faz esse movimento. Sorrio de lado. Fui ensinado, desde
criança, que os sinais de fraqueza aparecem rapidamente quando
pressionamos alguém que tem muito a perder.
A não ser que ele saiba o que está fazendo, assim como eu.
Aguardo.
— A menos que seja comigo, ou outro Don, não dou a mínima para
esse noivado.
— Ela…
— Poderia ser apenas respeito — Diego diz, mas ele próprio sabia
que não era apenas isso. — Muitos homens, principalmente essa nova leva,
não aceitam que as mulheres sejam moeda de troca.
Entro mais fundo no beco, passos atrás de mim, contam que Diego
está comigo. Sei que é ele. Esse homem é meu braço direito, mas também
minha sombra. Me deixaria sozinho apenas se a morte chegasse. A minha
ou a dele.
Olho por cima do ombro, vejo que ele está parado há alguns metros,
arma para cima, atira duas vezes e derruba dois homens que se arriscaram
na entrada do beco. Meus olhos vasculham todo o local, janelas altas de
prédios altos. Sujeira. Cheiro de comida estragada. Uma merda de uma
chuva desgraçada começa a cair.
— Porra — meu grito chama a atenção de Diego, que olha por cima
do ombro rapidamente.
O oriental está despenteado, respirando rápido, coberto pela sombra
que a falta de luz trás, mas consigo divisar bem seu rosto levemente
irritado. Diego é um homem que primeiro faz o que tem que ser feito,
depois sente. Depois preocupa-se, desespera.
Reajo e sinto tudo, mesmo que seja por dentro e sem deixar que os
outros saibam. Fui moldado em outra escola, minha família era meu tudo,
meu pai era meu exemplo. E homem nunca chorava, homem nunca perdia a
cabeça na frente de ninguém.
Mas poderia destruir com as mãos seis cômodos, como vi meu pai
fazer uma vez porque descobrimos que minha mãe tinha um câncer
inoperável e estava em seus dias finais.
— Ali, chefe.
Ouço Diego dizer, apontando com a cabeça para uma das portas,
antes de ser atingido por dois tiros, um no peito, o outro no ombro.
Desgraçados.
Minutos.
— É a dona.
Dou outro passo, chegando bem próximo. Ela chora e geme. Porra,
eu não estou fazendo absolutamente nada.
— Anton?
— Pare de chorar.
Aquilo não foi gratidão, foi sarcasmo. A observo por mais alguns
segundos, mas saio sem dizer mais nada, vendo Diego e Philip na entrada
do beco, me esperando. Guardo minha arma. A rua está lotada de corpos,
carros, viaturas e problemas.
Minha irritação está grande. Quero descobrir tudo sobre o que houve
hoje aqui. Quero a cabeça das pessoas que fizeram toda essa emboscada e
quero para agora. Olho para o beco, vejo a silhueta dela na porta. Ao menos
alguém está satisfeito de estar vivo hoje.
Entro em outro dos carros que não foram destruídos e vou para casa.
Rotina.
Era bom, não poderia dizer que não. Ter rotina, saber o que seria
feito, quando seria feito, sem surpresas, era melhor. Mesmo que aos fins de
semana algumas das crianças fossem para a casa das famílias e eu ficasse
lá.
Rotina.
Vou até ela, olhando também a movimentação. Não que não fosse
normal, qualquer rua nessa cidade é assim, mas consigo entender a
curiosidade dela, parece que algo mais está acontecendo. Aproveito para
trancar a porta da frente, colocando nosso cartaz que diz que estamos
fechados.
Reviro os olhos. Ela não tem ideia se é isso, mas manterá essa
história o máximo que puder. Me afasto, dando espaço para as duas olharem
pela vitrine. Dou risada. Claro que vejo TV e sei que Chicago não está livre
do crime.
Mas aqueles homens bem vestidos, sérios, não são a máfia italiana,
com certeza são homens que estão em uma reunião de negócios, escolheram
o melhor restaurante da redondeza e o fecharam para que pudessem
negociar suas empresas e produtos em paz. E comendo boa comida.
Pelo silêncio que estou, consigo ouvir quando passos muito pesados
se movimentam no beco atrás do prédio. Olho para a porta dos fundos. Eu a
tranquei. Tranquei? Meu Deus, eu tranquei essa porta?
Decido que checarei, existem mais barulhos de tiros na parte da
frente, mas sei que tem pessoas no beco. Ando devagar, tentando não fazer
barulho no pequeno cômodo, para não chamar atenção. Olho para cima,
vendo a pequena e enferrujada janela, a luz do lado de fora está ligada.
Antes mesmo que eu consiga fazer algo, ouço alguém falar bem
próximo. Volto todos os meus passos, me abaixando, quase caindo. O chão
está frio, perdi uma das minhas sapatilhas enquanto retornava. Segurei
firmemente na prateleira atrás de mim.
Seus olhos claros me fitam, mas logo desviam. Ele está muito mais
interessado no outro homem, que está sangrando. Engulo em seco, agora
vendo que ele tem um buraco no paletó, no ombro. Começo a chorar
novamente, sem conseguir me conter.
— Anton?
Outra voz masculina chama, ele se vira, a arma está apontada para a
porta, para quem o estava chamando. Anton. O corpo dele está na minha
frente, suas pernas bloqueiam minha visão de tudo. Engulo o choro, mas
não consigo parar.
Assisti filmes demais de máfia, de crimes, para saber que eles não
vão me deixar viva. Ele tem que me matar. Vi seu rosto, e o rosto do outro.
Eles simplesmente não podem me deixar viver.
— Pare de chorar.
Anton.
Sirenes, homens falando, medo. Essa noite de sexta seria longa, bem
longa.
Cada família tem sua estrutura, não é diferente em nenhuma das
famílias de Chicago. Menos ainda nas que comandam a Cidade dos Ventos.
As estruturas podem mudar de uma para outra, de geração a geração. Mas o
que não muda são os fatos de que existem hierarquias, e elas são seguidas a
risco, colocadas à prova e, muitas vezes, destroem clãs inteiros.
Lucros. Todos tinham. Era regra clara, não havia meios de faturarem
se não houvesse cooperação entre eles. E, entre a polícia.
Caso uma tentasse, as outras três a sufocavam até que tudo voltasse
ao normal.
Então, as outras colocavam essa família no lugar dela mais uma vez
e a roda continuava a girar. Novos enlaces eram feitos, novas mortes,
casamentos, nascimentos. Ao longo dos anos, pessoas de fora também
foram acrescentadas, homens e mulheres de confiança.
Os tradicionalistas não aceitavam mulheres em seu meio para darem
opiniões, comandos ou já outros, que pensavam no futuro, sabiam que isso
era apenas questão de tempo para acontecer. Os Bianchi, há mais de quinze
anos, eram comandados por uma mulher.
Várias vezes durante as horas que estive em meu kitnet, olhei pela
janela, vendo a avenida, carros, motos, caminhões passavam normalmente
pelo local onde havia acontecido todo aquele pesadelo durante a noite. Mas
o beco ainda mantinha a faixa amarela e preta da polícia.
Mesmo que eu soubesse que os oficiais não haviam colocado aquilo.
Eles não me pediram para não abrir hoje, mas achei melhor fazer isso.
Andei até a pia, deixando a caneca ali. Voltei para o quarto, tirei o
roupão, jogando-o na cadeira da minha mesa em frente ao computador.
Andei até a cômoda, achando as roupas que queria. Coloquei calças,
sapatilha, camiseta e peguei um casaco. O sol poderia estar queimando os
desavisados, mas a cidade não era conhecida como a Cidade dos Ventos à
toa. Eu sempre saio preparada.
Uma manhã produtiva passa rápido. Tomei café, fiz compras e pedi
que fossem entregues em meu apartamento. Liguei para alguns
fornecedores pedindo que fizessem as entregas na segunda, não conseguiria
recebê-los hoje na parte da tarde. Não especifiquei o motivo, apenas disse
que havia tido um imprevisto.
Não creio que seria sensato de minha parte esclarecer o que havia
ocorrido. Fiz o caminho de volta para casa, mas então notei o carro que
estava de vigia a madrugada toda, agora parado em frente à loja. Engoli em
seco e atravessei a rua.
— Sim, explicações.
Cruzei os braços, mas a mulher riu. Ela se virou, olhando para mim
de forma debochada. Ela era magra, com músculos aparentes em suas coxas
pelo jeans apertado, e carregava um coldre com duas armas nos ombros. Só
consegui ver porque o longo casaco estava aberto. Mas, aparentemente, essa
era a intenção dela.
O loiro sorriu, apenas isso. Olhei para a porta dos fundos da loja,
vendo-a intacta, perfeita, até mesmo a pintura parecia nova nos batentes.
Eles deveriam ter trocado tudo.
Ouvi o loiro falar, mas não me virei. Ela riu enquanto saia do beco.
Olhei para o cartão mais uma vez, rasgando-o em vários pedaços e jogando-
os no chão. Eu não queria saber quem eles eram, não queria nada com
nenhum deles.
Desde o momento em que tudo aquilo começou até agora, eu queria
apagar. Colocaria uma pedra enorme por cima disso e seguiria. Não estava
interessada em saber quem eles eram, porque estavam ali ontem, como
fizeram tudo que fizeram hoje e menos ainda porque andavam armados.
Tudo aquilo, para mim, acabava ali. Eu sabia muito bem quando
deveria simplesmente largar um assunto. E aquele, era um desses
momentos. Respirei fundo, empurrei meu cabelo para cima, prendendo os
fios já secos de qualquer jeito e fui em direção à minha porta.
Corina apenas balança a cabeça e revira os olhos. Ela sabe bem que
o irmão é um piadista, que a frase tem duplo sentido. Finjo que não ouvi,
balanço a cabeça, continuando a comer.
O local pode ser de alguém que não me quer nas redondezas. Que
alguém não aprecia nossa presença constante no bairro, talvez aquele
imóvel contenha algo que desejam esconder. Pode ser apenas uma
coincidência. Mas quero saber.
— Não é mais fácil chamá-la para sair do que comprar o prédio?
Olho minha prima. O coldre das armas que usa está nos ombros, a
roupa que ela veste é a de serviço. As enormes tranças estão jogadas para
trás. Ela não é uma mulher que você teria medo, se não fosse, o fato de que
sei que ela é tão perigosa ou pior que o irmão e que meu consigliere. Já a vi
matar homens maiores que ela, usando as mãos. Torturando soldados por
informação, sem nem mesmo mudar a expressão do rosto.
A família não destruiu Corina, como a mãe dela disse uma vez. A
família moldou uma mulher que nunca seria nada a não ser um soldado.
Uma máquina de matar. Já estava tudo dentro dela, nós apenas deixamos
que ela nos mostrasse isso.
Philip deu risada, Diego também. Nós não sabíamos se ela gostava
de homens, de mulheres, se odiava tudo. Nunca vimos ninguém ao lado
dela. Jamais ouvi um sussurro sobre seus apetites. Se Corina saia com
alguém, se transava com alguém, apenas ela e a pessoa sabiam, nós nunca
vimos nada.
Não expliquei, não tinha que dar satisfação. Apesar de não desejar
me estender nesse tema, a realidade é que preciso garantir que todos esses
imóveis não sejam de prioridade para os Ferro.
A ouço rir, junto com os outros dois. Me permito sorrir sem que eles
vejam. Tenho pessoas fiéis ao meu lado, que dariam a vida por mim, por
nossa família. Mas que foi ameaçada ontem, e eu quero a cabeça de quem
ousou fazer isso.
Primeiro que precisava contornar todo o pânico que senti, não queria
que elas ficassem me adulando. Deixei o meu medo o máximo possível
escondido, mesmo que ainda sentisse um arrepio ao lembrar os olhos
daquele homem em mim.
Havia sonhado nas duas últimas noites com ele arrombando a porta
novamente, mas dessa vez em meu apartamento. A sensação era de que ele
não havia me esquecido, de que estava ainda ali, dentro da delicatessen, me
olhando por entre as prateleiras, apenas esperando.
Dei de ombros.
A verdade é que passei boa parte da manhã de domingo sentada no
meu sofá, analisando segundo a segundo o que havia acontecido, tentando
esquecer os detalhes do rosto, do corpo e do jeito de cada uma daquelas
pessoas.
— É sério, escuta.
A mulher mais nova se virou, vindo em nossa direção, notei que seu
rosto estava um pouco pálido.
O motivo realmente era pelo fato dele ser um homem poderoso. Não
havia pesquisado, mas o modo como ele foi protegido, como o outro o
chamou de chefe e como as ordens dele foram acatadas, não restava dúvida
alguma.
Dei risada, vendo que a mais nova estava empolgada, ela parecia
entender do que estava falando. A vi se aproximar, pegando o pano de prato
limpo da pilha que eu havia colocado no balcão mais cedo.
Isso não existia. Pessoas normais não eram vigiadas. Eu era apenas
dona de uma delicatessen, que infelizmente havia sido invadida por um
criminoso. Mas era isso. Não havia mais nada. Não havia conexão. Eles não
estavam me vigiando, não teria propósito.
Não sou um tarado, não sou um maníaco, mas estou curioso. Não é
complicado, nem mesmo demorado para descobrir algo sobre alguém,
especialmente alguém que não está envolvido em atividades ilegais.
Olho para a grande janela. A noite está bem escura. Meu pai dizia
que noites escuras trazem problemas. Paramim, o máximo que já me
trouxeram foram: assassinatos, dinheiro, sexo.
Porém, fui criado em uma família que preza por fazer negócios do
jeito certo, de poder olhar nos olhos das pessoas com quem estou fazendo
negócio, comprando, vendendo ou apenas trocando.
Não falo nada que não seja necessário para minha sobrevivência. E
aquele homem me negar aquele prédio é mais do que apenas minha
sobrevivência, é meu ego. Não costumo lidar com esse tipo de ataque.
E voltou.
Subo meus olhos para o porta retrato que está sempre ali, me
vigiando e me guiando: meus pais. Sou a imagem do meu pai, não temos
praticamente nenhuma diferença, mas minha mãe era uma beldade. Sofia
Cornelli.
Não apenas uma mulher de valor, mas uma esposa, mãe, dona de um
império ao lado de meu pai.
Era difícil ver um sem o outro. Era impossível se ter meu pai feliz
sem ver minha mãe sorrindo. E foi o fim dele ao vê-la em um caixão
quando o câncer a levou. Ele nunca mais foi o mesmo, não mais encostou
em outra mulher, nunca mais sorriu.
Nosso meio é cruel e duro, mas a vida tratou meu pai de forma ainda
mais sanguinária. Em poucos anos ele foi assassinado, eu já era adulto, mas
ainda sentia a dor da perda dela, e agora, dele. A vida estava me tratando da
mesma forma.
Não pensei em continuar linhagem, pensei em prosperar, fincar o
nome dele na história, em deixar todos saberem que ele havia, sim, criado
um herdeiro digno. E que inclusive a dona Sofia teria muito orgulho.
Por isso não era casado, não tinha filhos, não queria sentir a dor que
vira nos olhos de meu pai por sobre o corpo frio da minha mãe no
necrotério. Não ansiava a ira que ele tinha dentro dele após isso. Nem as
noites não dormidas porque a cama estava vazia e gelada.
O mundo é um lugar frio e maldito, não quero que fique pior. Olho
as fotos de Dominika outra vez, seu rosto redondo assustado. O meu mundo
é o que fez aquela expressão nos olhos dela. Não fui eu. Estou tentando
protegê-la disso, uma vez que me parece que aquele espaço da cidade pode
tornar-se disputado e violento.
Digo para mim mesmo, como uma pessoa com problemas mentais
falando sozinha. Mas a verdade era realmente essa. Eu estava cavando mais
um problema, e sabia disso. Mas ao menos, esse, eu sabia o que fazer.
Tentei sorrir, não querendo que ela ficasse preocupada. Poderia não
ser ele. Não era porque eu estava com medo de tudo que havia acontecido
no final de semana que agora as coisas se resumiam em homens armados e
compras de imóveis.
Franzi o cenho. Ele estava ali, tentando parecer uma pessoa normal,
com preocupações sobre uma nova aquisição, quando sabíamos que ele era
muito mais que apenas um dono preocupado?
A camisa que ele vestia estava bem esticado por seu peito, branca,
deixava ver alguns desenhos por debaixo, nos braços. Ele era um monstro
realmente, com certeza dois metros de um homem assustador.
— Jantar de negócios?
— Sim. — Pela resposta que recebi, notei que ele não era muito
adepto de não receber respostas quando e quais queria.
— Quais negócios?
— Vou deixá-la ciente apenas uma vez, Dominika, vou levá-la para
jantar amanhã, às oito. Discutiremos sobre sua delicatessen, sobre o imóvel,
sobre o raio que o parta, mas estará nesse jantar comigo e pronto.
— Não me interessa quem você é, não vou fazer nada que eu não
queira.
Ele saiu sem dizer mais nada e eu não consegui falar. Ao mesmo
tempo que sabia que não poderia retrucar sobre nada, também não sabia se
deveria, ou se conseguiria.
— Já parou para pensar que seu apoio pelas outras famílias pode ser
exatamente o que os Ferro estão querendo tirar?
Ela era dez anos mais nova do que eu, dois a menos que Philip, até
os dez anos de idade, não tínhamos motivos para pensar que ela conseguiria
ser alguém na guarda ou ser alguém relevante na família desse modo.
Apenas uma mulher bruta.
Após esse dia, com dezessete, ela já era um soldado. Estava dentro.
Não me arrependi em nenhum momento, mesmo que por várias vezes não
queria colocar minha família na linha de frente. Meu sangue não era para
ser meu escudo em qualquer situação de risco.
— Philip…
— Eles podem decidir de uma vez quem terá minha família e tudo
que temos.
— Vá atrás disso.
Sua risada se espalha pelo corredor, por onde ela sai andando
enquanto digita no celular, fazendo o que mandei. Olho meu celular outra
vez. O dia está definitivamente um inferno.
Me levanto, pegando todos os papéis que tenho que ler, analisar.
Estou concentrado quando ouço um bip vindo do aparelho que está
soterrado.
Reunião: Emily
Aponto para o corte, olhando meu consigliere, mas ele nega. Ela
apenas me olha, sem responder nada.
— Meu pai.
Até sua voz tem tom de adolescente. Olho Diego, ele percebe as
mesmas coisas que eu. Passo a mão no rosto. Definitivamente não era isso
que eu estava buscando quando disse que aceitaria que ela pagasse a dívida
do pai.
Deveriam ter pesquisado com mais afinco. Preciso de um T.I.
melhor, realmente.
— Quem te garante?
— Você não vai me bater, sou boa no que faço a ponto de você
aceitar esse pagamento da dívida dele.
— Sabe que vai morrer aqui, não? A dívida que seu pai tem comigo,
é maior que qualquer trabalho que você possa fazer.
— Obrigada.
Sua voz é forte agora, mas ainda um pouco infantil. A olho por cima
de meu ombro, vendo que eles estão saindo do cômodo. Assim que a porta
se fecha, passo os dedos pelos olhos fechados, cansado.
Ser um Don não era só ser dono das coisas e das pessoas. Eu tinha
uma vida pública e na legalidade para participar. Tinha que comandar
empresas, marcas e inúmeras situações pela cidade. Quando, na verdade, eu
preferia ser apenas Don e me preocupar com apenas um lado das coisas.
Abri os olhos, muito irritado, mas não consegui não sorrir. Diego
estava me fitando da porta, esperando. Franzi o cenho, que merda ele estava
esperando? Me levantei, indo até o carrinho ao canto, onde todas as bebidas
estavam.
Eu já não tinha tempo para assistir, então também não havia dado
tanta atenção.
— Não vou dar esse gosto a ela. — Minha resposta o fez sorrir. —
Traga-a.
Ele assentiu, virando-se. Porém, antes de sair, Diego fez o que
sempre faz, me olhou sério e deu um conselho bem estranho para quando eu
mesmo sei que estou fazendo merda.
Eu estava fazendo aquilo errado. Por uma boceta? Era possível. Mas
ela não era só isso. Eu queria conversar com ela. Por que quase havia
espalhado o cérebro dela por toda a despensa da delicatessen? Talvez.
A verdade é que ela não era nada para mim, mas aquele local
poderia ser. Eu queria conversar com ela, entender os motivos de querer um
novo empréstimo.
Cavei a vida dela. Cavei cada pequeno pedaço dos vinte e cinco
anos. Poderia ter ido mais fundo e descoberto quem eram os pais dela,
fuçado e desvendado motivos para entregarem para uma mulher de idade,
colocá-la em um orfanato em Chicago.
Respirei fundo outra vez, saindo da sala de TV, dando de cara com
Bruce, meu motorista. O olhei bem sério, ele deveria ter saído com Diego
há muito tempo. O homem estava igual uma estátua, parado no corredor
semi iluminado pelas luzes amarelas artificiais presas ao teto e pela luz
natural que ainda vinha de fora.
Aguardei.
Mas é bom ouvir que alguém vê que estou com o coração no lugar
certo. Não me torna um fraco, mas um humano. Mesmo que, às vezes,
prefiro não ser.
Dizer que eu não havia pensado em toda a situação desde que Anton
Cornelli saiu pela porta da delicatessen seria uma mentira. O homem não só
tinha uma presença, mas também tinha uma audácia, um jeito horrível de
impor sua vontade, que me fazia querer fazer o contrário só por despeito.
Fiona quase pulou por cima de uma mesa para saber o que estava
acontecendo. Já Noemia, que estava observando nossa interação o tempo
todo, mas com olhos críticos, e não com olhos fascinados, como a outra,
sabia que eu estava desconfortável.
Claro que eu não contei que ele havia arrombado a porta, quase me
matado, quase morrido. Menos ainda que eu não tinha opção, que ele havia
me ordenado jantar com ele.
— Alô?
Engoli em seco. Eu já sabia quem era que estava do outro lado e não
tive nem mesmo tempo de retrucar, ele voltou a falar:
— Te dou vinte minutos ou subirei e te levarei a força.
Fui andando devagar até minha janela, como se ele pudesse me ver.
Abri a cortina, olhando para baixo. Muitas pessoas e carros na rua, mas
apenas um estava estacionado em local proibido, em frente à loja.
Anton Cornelli não poderia ter tudo que ele bem entendesse apenas
por ser ele. Não era possível que as pessoas não haviam ainda dito não.
— O quê?
— Caso não seja, darei meia volta e você pode tentar me arrastar até
Anton.
Diversão passou pelos olhos quase cinza daquele homem, mas ele
não disse nada, apenas se dirigiu até a porta traseira do lado do passageiro,
abrindo e aguardando.
Porque se você realmente olhasse, a cena era essa. Mas Diego tem
uma aura que emana perigo. Posso ver isso, porque o vi com tiros no corpo,
segurando uma arma, protegendo Anton e o impedindo de me matar? Sim.
Mas ainda assim, ele tem olhos de alguém que já sofreu, mas também sabe
fazer pessoas sofrerem.
— Aonde vamos?
— Por quê?
— Mais fácil sumir com seu corpo. — O sorriso dele era apenas um
levantar dos cantos dos lábios, mas suficiente para enviar duas mensagens
ao meu cérebro: diversão e perigo.
O fitei duramente pelo retrovisor, meu olhar não sendo nem
minimamente eficaz, o sorriso continuou nos lábios dele, enquanto dirigia
cada vez para mais longe do centro.
Engoli em seco, mesmo que não achasse que aquela era a realidade,
Diego parecia disposto a se livrar de mim, se Anton mandasse. Por isso, não
levei a sério, mas também não estava completamente convencida de que
isso não aconteceria.
— Tire as mãos dela, Diego, ou Anton vai cortar todos seus dedos.
Olhei para a mulher outra vez, notando que ela estava novamente
com o casaco aberto, as armas à vista. Encarei seu rosto, me aproximando
um passo. Ela não deu a mínima para a minha aproximação, continuou com
a mesma posição, comendo, relaxada.
— Não sei o que ele é seu, e não…
— Você deve ser mais do que uma piranha. Anime-se. Ele está
precisando de um herdeiro.
— Corina!
A voz de Anton ecoou pelo cômodo, fazendo com que nós três
olhássemos para a direita. O homem estava parado em frente a porta de uma
enorme sala de jantar. Corina me soltou devagar, assim como eu a ela.
Diego estava próximo a Anton em um instante, murmurando algo
suavemente.
Anton estava irritado, mas parecia ter uma paciência ímpar com a
prima. A mulher saiu do cômodo com Diego, me deixando sozinha no Hall,
olhando o dono da casa, sem saber o que fazer.
Ele riu. Um riso rouco, alto, grosso. Um arrepio passou por minha
espinha. Um que nada tinha com o medo que sinto por Anton Cornelli. Me
afastei alguns passos, qualquer desculpa para não deixá-lo ver qualquer
reação.
Lá estava. Anton Cornelli havia dito sem precisar falar que ele era
um criminoso. O que o fazia um criminoso, eu não sabia. Mas a prova
estava naquela frase. Apoiei meus cotovelos na mesa, um gesto que ele
ficou observando por alguns segundos.
— Coma.
Outra ordem.
Mas essa fingi não ouvir. Peguei uma taça de vinho e olhei a
comida, meu estômago estava revolto, mas beberia antes de comer.
Precisava me acalmar.
Era um homem bonito, mas com traços duros. Ele parecia estar
pronto para fazer um estrago em qualquer lugar que aparecesse, inclusive
na cabeça de uma mulher desavisada.
— Mas podemos deixar tudo isso de lado e focar em você gerar meu
herdeiro, como Corina disse.
— O quê?
Apesar de que sim, a tensão entre nós era grande. Parecíamos ímãs
querendo ficar próximos a qualquer custo. Mas, também sabia que aquilo
não era nada saudável, para mim. Para ele, eu não tinha ideia. E, com
sinceridade, não estava querendo saber.
Mas não tive tempo nem mesmo de dizer algo, seu corpo pressionou
o meu, sua mão segurou meu queixo, com força, não me dando
oportunidades de me separar ou virar.
Merda, eu não tinha nem mesmo beijado esse homem. O que era
tudo aquilo?
Minha mente me dizia para interromper tudo aquilo, afinal nós não
havíamos nos tocado pele com pele, ele não estava por dentro da minha
calcinha, eu poderia usar isso como defesa contra minha vergonha mais
tarde.
Claro que era uma defesa ridícula, mas eu estaria discutindo comigo
mesma, não ligaria. Mas não dava para parar naquele momento. Nenhum
dos dois queria parar, era visível.
— Goze agora.
Qualquer ideia que eu tinha de que ele não me afetaria após aquele
lapso que tivemos, acabou ali.
Bato outra vez no saco de areia da academia, com força. Suor
escorre por meu corpo, o ar condicionado está desligado. São quatro da
manhã. Eu não consegui dormir, meu corpo está em alerta, como se eu
conseguisse prever que algo acontecerá.
Era sempre desse modo. Minha família dizia ser uma maldição, eu
chamava de instinto. Ter um alerta constante em sua cabeça sobre algo que
pode te matar, seja o que for, é bom. Mesmo que isso deixe tudo
incrivelmente mais difícil de fazer.
Acerto outra vez, e outra. Meus braços estão ardendo, meus dedos
estão com cãibra. Não consigo dormir, estou em alerta por diversos
motivos. Deitei na cama, pensei em todas as coisas que preciso resolver,
necessárias para que meu negócio, minha família continue.
Tenho quarenta e seis anos, não ficarei mais novo, não estou
deixando esse império para alguém do meu sangue. Até agora vivi dele e
para ele. Corina não poderia ter me perguntado, colocado essa pulga atrás
da minha orelha. A maldita sempre consegue fazer essas coisas.
Estou sozinho. Não sou imbecil de negar que ter uma mãe morta
pelo câncer, um pai assassinado, nenhum irmão legítimo, nenhum filho, me
deixa completamente sozinho. Algumas dessas coisas não são minha culpa,
mas uma grande e bem importante é.
Então, essa parte foi ficando para trás. Essa área ficou escanteada.
Um moleque correndo pela casa ou uma menina rindo e se divertindo com a
mãe não era nem mesmo de longe algo que eu poderia me dar ao luxo de ter
naquele momento.
Deixá-la ir embora após tudo aquilo não foi simples. Mas ela pediu,
com olhos verdes brilhantes, estremecendo não apenas de desejo, mas de
medo. Então, a soltei, dando vários passos para trás, chamando Diego.
Diego não comentou que havia achado tudo aquilo estranho. Menos
ainda a mancha em minha calça. Mas conheço meu consigliere. Ele é meu
braço direito, sabe quando algo está fora do eixo. Porém, sabe ser paciente e
discreto quando precisa.
Não havia nada menos satisfatório do que saber que buquês de rosas
vermelhas estavam chegando na casa de alguém porque eliminamos uma
pessoa importante que morava ali. Mas naquela situação atual, eu estava
mandando buquês para as famílias de quem fosse dormir com os peixes,
como meu pai dizia.
E lá estava eu.
A família Bianchi era forte e poderosa, a Don era uma mulher justa,
mas cruel com quem merecia. Não aceitava que a colocassem para baixo,
que a fizessem se sentir como se por não ter um pau, ela não merecia ser
ouvida.
Gosto de lidar com pessoas íntegras, pessoas que sabem o que estão
fazendo. O futuro estava nos mostrando há anos que não podemos mais
olhar para trás e acreditar que algo como isso não aconteceria. Mais cedo ou
mais tarde uma mulher poderia comandar qualquer família.
Não creio que as pessoas que desejam minha morte, irão falhar uma
segunda vez.
Ela está com cinco soldados a cercando como se fosse uma espécie
rara. Estou apenas com Corina e mais três soldados mais velhos. Me
aproximo para abraçá-la, sentindo os lábios dela em meu rosto de leve, com
o máximo de respeito. Assim com faço com ela quando a cumprimento.
A voz dela é baixa, mas firme. O sorriso que ela me dá diz muito.
— Ferro?
— Eu sei.
Ela diz ainda mais ríspida. Mas o rosto suaviza com as próximas
palavras, como se algum sentimento dentro dela tivesse tomado conta de
sua boca.
— Mas amei meu marido, o amei ainda mais por me dar meus
filhos.
Amor.
Amor quase enlouqueceu meu pai quando minha mãe morreu. Amor
quase o matou quando ele percebeu que eu era seu único herdeiro e que
poderia, também, me perder um dia.
— Nós não temos esse direito, Anton, ao menos, não o tempo todo
— ela disse, com a voz triste, mas o rosto é uma máscara, não demonstra
absolutamente nada outra vez.
Ela sabia que existia alguém. Jullietta sabia da existência de
Dominika. Alguém estava vigiando meus passos, os últimos
acontecimentos, e informando todas as famílias.
— Ou a falta dela.
Não digo nada, apenas fico fitando Philip. Ele sabe bem o que estou
pensando. Era inevitável pensar daquele modo após isso.
— Alguém da família?
Se Jullietta sabe sobre ela, todos sabem. Por mais que nada tenha
acontecido, eu cravei um alvo nas costas dela. A porra de um alvo vermelho
brilhante.
Comprei o prédio, fui até ela, a obriguei vir aqui, investi em seu
empreendimento. Fechei os olhos, irritado com minha burrice sentimental.
Muitos ali sabiam que mesmo que fosse uma boa ideia, o homem
teria aquela reação. Ele odiava ser interrompido ou contrariado. Lorenzo
Ferro era o Don, e sua paciência era pequena e limitada.
E ele não deixaria que aquela prioridade mudasse. Ele teria total
controle das ruas, do tráfico e dos ares. Se precisasse dizimar duas grandes
famílias para isso, que assim fosse.
Eu era ridícula.
Poderia esfregar as pontas dos dedos por meus lábios quantas vezes
quisesse, ainda o sentia contra minha boca.
Ele não era um bom homem, sentia toda uma aura de perigo, de
desgraça por trás da vida dele. Mas não podia negar que era atrativo, que eu
queria estar por perto.
Por isso, tomei banho, coloquei meu pijama e fui dormir. Não que
eu tenha dormido. Na verdade, eu não dormi nada. Rodei na cama horas,
cochilando por alguns minutos. Olhava meu celular de tempos em tempos
para saber que horas eram.
Por isso, pelos próximos dias fiquei na mesma rotina, sem pensar
muito, apenas trabalhar e trabalhar. Um rapaz muito estranho em uma moto
havia passado para pegar o contrato. Ele entrou, avisou a mando de quem
tinha ido e, assim que entreguei o envelope com o contrato assinado - e
Deus sabe que relutei apenas cinco minutos para assinar e não foi pelos
motivos errados -, ele se virou e foi embora.
Por isso, decidi que esperaria, não seria bom forçar uma
aproximação. Ele estava ciente de como o negócio funcionava, como eu
trabalhava. Se estivesse querendo fazer mudanças, poderia convocar uma
reunião.
— Se abaixem.
Não era apenas o barulho das balas saindo das armas, mas tudo se
quebrando com os impactos. Ouvi Fiona gritar outra vez e olhei para o lado
enquanto engatinhava abaixada. Ela estava sentada atrás de uma mesa, mas
não parecia que estava se escondendo efetivamente, parecia estar caída.
Me escondi atrás do granito do balcão principal, olhando para ela,
vendo-a com a mão na barriga, o avental começando a ficar vermelho.
Tentei me aproximar, mas não conseguia. Várias coisas me atingiram,
acabei cortando o rosto com algum recipiente que tinha acabado de
estourar.
Girei meu corpo um pouco atrás do granito, tentando ver algo que
não fosse apenas essa destruição. Noemia estava gritando, abaixada atrás do
outro balcão. Seu braço esquerdo estava completamente ensanguentado.
Engatinhei até ela, os estalos das balas passando por cima de nós duas.
Um SUV que estava atrás partiu cantando pneu. Uma terceira fez o
mesmo, e outra apenas ficou ali, vidros fechados, como os ocupantes
apenas estivessem aguardando.
— Se você ficar terá que dar depoimento. Meus homens vão ajudá-
las em tudo. — Sua voz estava baixa em meu ouvido, calma. Mas por trás
de cada palavra sua, eu sabia que não tinha nenhuma escolha. — Não me
faça te sedar, Dominika.
Puxei novamente, dessa vez com mais força, mas nada. Fui para o
outro lado, tentando o mesmo, mas nada aconteceu. O oriental entrou do
lado do motorista, me olhando incrédulo.
Não me atrevi olhar para saber se o corpo estava na rua agora, com
certeza o havíamos movido ao sair com o SUV. A rua estava deserta, as
pessoas que normalmente estariam nas lojas, se movimentando, estavam
escondidas, haviam fugido com medo.
— Preciso de um hospital.
Nosso médico.
— Meu cativeiro?
— Sim.
— Por favor, Dominika, não estou a fim de lutar contra você — ele
disse, sem paciência. — Mas não me importo de explicar para Anton
porque está com um olho roxo.
— Sente-se.
— Poderia ter levado um tiro, isso sim, dói. — A fala dele me fez
lembrar que Noemia estava baleada e que eu não tinha como saber o estado
de Fiona, que com certeza, havia sido alvejada também.
— Se existisse um meio dele não estar na sua vida, ele não estaria.
Diego disse isso sem colocar ênfase em nada. Suas palavras eram
vazias e nós dois sabíamos disso.
Ele continuou limpando os ferimentos do meu rosto, me olhando de
tempos em tempos bem fundo nos olhos. Diego parecia um homem muito
inteligente. Além de perspicaz. E bonito.
— Jura?
Sarcasmo escorreu pelos cantos da minha boca e ele deu risada, alta
e sincera, finalizando de me ajudar e retirando as luvas. Segurei seu
cotovelo, impedindo que ele se afastasse, o fazendo me olhar atento:
Ele estava sendo sincero. Era bom conseguir ver a verdade no rosto
e nos olhos de alguém. Engoli em seco antes de perguntar:
— O que você é?
Sorri e ele sorriu também. Era bom ter uma pessoa para deixar o
clima mais leve. Mesmo que fosse uma pessoa que tinha me levado à força
e contra minha vontade para uma cabana longe de tudo e todos, após um
tiroteio e que também era um assassino da máfia.
E ele os mataria.
Alguns que estavam naquela cela eram homens que sempre estavam
entrando e saindo do sistema prisional, dinheiro eram bem-vindo nesses
momentos. Por isso, em minutos os outros três estavam mortos,
ensanguentados no chão de cimento batido.
Estou cansado dessa merda. Quero matar um por um, quero arrancar
a cabeça de cada um deles. Estava possesso por alguém tentar me matar, de
tentarem me atingir na minha área, de fazerem algo contra minha vida e
ainda não terem a hombridade de se identificarem.
Mas agora eles estavam fazendo algo contra uma pessoa que não era
culpada, contra alguém que não poderia de forma alguma ter sua vida
encerrada porque estava associada a mim.
Parei no meio da loja completamente destruída. Isso não tinha meios
de ser resolvido com vassoura, pá e rodo. Tudo ali teria que começar do
zero. Fechei os olhos, o cheiro de pólvora estava impregnado no ar.
— No carro.
Mas mostraria quão fundo era o buraco que ele estava cavando.
— Quebre o joelho.
— Ótimo. Obrigado.
— Pode ir.
— Então, é ele?
Sorri de lado. Corina era uma Cornelli, não havia nada que a tirasse
do prumo, a não ser o próprio coração. Esse era nosso defeito, a porra da
nossa fraqueza.
Meu avô, meu pai, meus tios. Todos tivemos momentos de fraqueza
por amar alguém. Eu estava aprendendo agora o que era isso, com quarenta
e seis anos. Mesmo que ainda não entendesse como, e se a velocidade que
havia acontecido, era como as outras pessoas sentiam isso.
— Comece.
Ele estava sentado na cama.
— Preciso me trocar.
— Fique à vontade. — Sua voz estava séria, mas havia algo por trás,
escondido.
— Poderia sair?
— É minha casa.
Um pouco.
— Agora sim.
Pronto, estava resolvido. Aquilo que ele estava fazendo era uma
tortura e acredito que eu poderia perder mesmo a sanidade se ele
continuasse. O homem não perdia tempo algum. Sua língua me lambia, seus
lábios me chupavam com força, os sons obscenos, os rosnados dele apenas
deixavam tudo ainda melhor.
— Anton, eu…
Tremi olhando a cena. Anton ainda segurava minha outra coxa com
força, uma marca vermelha já estava aparecendo. Me apoiei nos cotovelos,
disposta a olhá-lo me torturar. Faria com que ele pagasse, por isso não
deixaria mais fácil.
— Eu quero, eu…
— Mais…
Seu quadril parou. Ele estava enterrado em mim. Cada centímetro
de seu pau estava dentro de mim, pulsando, exigindo espaço. E eu estava
pronta para despencar no precipício do orgasmo novamente.
Anton se moveu apenas mais duas vezes para trás e para frente, me
fazendo gozar, estremecendo, gemendo e pedindo mais. Minhas unhas
pequenas estavam arranhando seu quadril, puxando-o, incentivando-o a se
mover. Eu estava em êxtase, não conseguia pensar direito.
— Puta merda…
— O que houve?
— Uma hora?
Engoli em seco.
Não demorei como ele fez, segurei seu pau em minha mão,
lambendo toda sua extensão e colocando-o na boca. Anton rosnou como um
animal enjaulado. Sorri, satisfeita. Ele rosnou outra vez.
— Tire da boca.
— Vire e sente.
Era ordem atrás de ordem. E eu como uma boa ridícula excitada,
obedecia. Sabia que me beneficiaria. Fiz o que ele pediu, sentando em suas
coxas, deixando que ele se guiasse para dentro do meu corpo, como nós
dois queríamos tanto. Não foi necessário que eu fizesse quase nada, apenas
gemer e adorar a posição.
O apelido me pegou.
Virei meu rosto de lado, olhando-o por cima de meu ombro. Anton
estava com os olhos claros, brilhantes, como se o que via não fosse uma
mulher que ele estava fodendo há horas, mas sim o amor da vida dele.
O ignorei.
Seus dedos me seguraram pelo quadril, guiando meus movimentos.
Movi meu clitóris no mesmo ritmo, tremendo e gemendo. Arqueei,
rebolando em Anton, sentindo-o pulsando dentro de mim. Ele estava pronto
também.
Seus dedos seguraram meu cabelo outra vez, virando meu rosto, me
fazendo gemer mais alto pela posição. Sua boca fez contato com a minha,
me beijando com força. E então, ele veio. Consegui sentir o exato momento
que ele gozou dentro de mim.
Digo, passando as mãos por meus fios, retirando seus dedos dali, me
soltando. Anton me solta a contra gosto. Me levanto devagar, retirando-o de
dentro de mim com certo pesar, apenas para ser apertada por dois grandes
braços.
— Você não vai ficar longe de mim, Dominika, entenda isso — ele
diz, me olhando de cima. Nossos corpos sem uma única peça de roupa estão
suados, quentes, cansados. — Eu sou quem sou e o que sou, tenho tudo que
quero. E eu quero você.
Não durmo assim há vinte anos. Desde que minha mãe morreu e
meu pai ficou sozinho, sentindo a dor de perder o amor da vida dele. Pisco
mais algumas vezes, passando as mãos no rosto, tentando despertar de uma
vez por todas.
Na verdade, não havia entendido porque ela ainda não as jogou fora.
— Onde está a ruiva? — Ele faz uma careta de que não sabe de
quem estou falando. É provável que ele realmente não soubesse, pois eles
não tinham autorização para entrar e ela não tinha autorização para sair. —
Você viu alguém saindo dessa casa?
— Não, senhor.
Dominika não está na casa, ele não a viu sair. Algo está seriamente
errado.
Não espero para ver sua resposta, me viro, pronto para incendiar a
cidade de Chicago atrás dela.
A cronologia da fuga dela foi fácil de entender: assim que fechei os
olhos e dormi, Dominika se vestiu com suas roupas antigas e saiu da casa. É
claro que eu não estava pronto para aquilo. Não era costume alguém
escapar no meio da noite da minha cama, mas aquele nível de fuga não
estava apenas mexendo com meu ego masculino e sim com a minha raiva.
Assim que ele diz isso, me aproximo do aparelho, vendo que ele
está assistindo um vídeo de Dominika andando pela rodovia à noite, por
estradas que quase não são iluminadas. Muitas possibilidades poderiam
acontecer: atropelamento, estupro, sequestro, assassinato.
Não era possível que ela não tivesse ideia de que o mundo é um
lugar perigoso. Que à noite as coisas ficam ainda piores.
— Se não a encontrar…
Diego passa para a próxima foto e conseguimos ver que ela estava,
sim, vendo alguém. E esse alguém a segura pelos cabelos e está tampando
sua boca, impedindo-a de gritar, por trás.
Bato a mão na mesa outra vez. Começo a andar pela sala, olhando
para os cantos, não sabendo por onde começar. Eu tinha que ir atrás dela,
tinha que trazer Dominika de volta.
— Ache-a.
Ordeno e Diego apenas me olha, sem mover um músculo do corpo.
Me aproximo dele, rápido, com raiva.
— Eu a quero de volta.
Meu sangue está tão quente, estou com tanta raiva que esse gesto me
dá vontade de rasgá-la do corpo dele e fazê-lo engolir cada pequena porra
de fibra.
— Acredito que querem que você declare guerra. Muito mais fácil
reunir as outras famílias se você for o louco.
Vou até Diego, vendo o asiático cravar os pés no chão, pronto para
aguentar o que eu quiser fazer com ele. Não tenho certeza se acho isso bom
ou não, mas sei que posso confiar nele para qualquer situação.
Não ia mentir, não era apenas os dele, mas os meus também. Tudo
foi rápido demais, insano demais. Era como se fossemos dois adolescentes
nos apaixonando pela primeira vez. O que não era verdade, já tinha tido
meu coração quebrado, já tinha me sentido triste e desamparada.
Abri a porta, todo pequeno som parecia retumbante. Olhei para trás,
vendo-o apenas se virar na cama, coberto pelo lençol. O observei por alguns
minutos. Não poderia negar, gostava dele, queria estar com ele, mas as
coisas não poderiam começar assim.
Não era idiota de achar que ele não estaria na minha porta - talvez
até derrubando com o pé, outra agora -, exigindo saber porque fui embora.
Mas eu precisava. Eu tinha que me manter afastada, pelo menos hoje.
Respirei fundo.
Uma van parada no meio fio. Alguém me chamando por meu nome.
Um homem tentando me segurar e tampar minha boca. Outro vindo ajudá-
lo, porque lutei e então um soco.
— Olá?
— Por favor…
— Cala a boca — ela disse, outra vez, mas agora com uma urgência
maior do que da primeira.
Meu Deus!
Seus olhos pretos me acham, medo passa por sua face por alguns
segundos, desaparecendo da mesma forma que surgiu. Ele vira a cabeça
para o lado, falando com um homem alto, de terno, que está parado como
um armário, apenas aguardando alguma ordem.
Mesmo que a culpa fosse dela própria, não havia nenhuma desculpa
para terem levado a mulher. Vi as fotos do momento em que a pegaram
várias e várias vezes, gostando de ver que ela não deixou de lutar. Dominika
seria uma ótima esposa para Anton.
Ela não se deixou levar sem combater, mesmo que não soubesse
quem era que estava tentando machucá-la. Dominika havia descido em meu
conceito ao fugir no meio da madrugada, mas ganhara ainda mais meu
respeito por quase acertar o pé no rosto de um dos homens que estava
tentando colocá-la dentro da van.
[1]
Atua como conselheiro do Don, é o único que de fato pode ponderar as ações do chefe, servindo
como uma segunda opinião. Normalmente é um posto ocupado por alguém de muita experiência e
perícia para intermediar conflitos e negociações
[2]
Por ele passam todas as decisões acerca da família, e para ele devem chegar uma percentagem dos
lucros de todas as operações de seus membros.
[3]
posto básico da hierarquia. São membros efetivos da organização, conhecidos como
homens feitos. São eles os responsáveis por conduzir as operações nas ruas e executar os serviços de
maior importância.
[4]
No Canadá, Irlanda, Bélgica e no Reino Unido as delicatesses são lugares que vendem queijos
finos e carnes nobres (charcuteria). Vinhos e bebidas alcoólicas refinadas. Pães e salgados especiais.
Doces, temperos, condimentos, laticínios e iguarias no geral. Conjugados com um café.
Nos EUA e na Austrália o mesmo conceito se aplica, mas com a ideia de um restaurante mais forte
do que a do resto do estabelecimento e em geral é voltado para um público vegano ou de comidas
saudáveis.
Na França, Itália, Alemanha, Suíça e Áustria o mesmo conceito dos outros países europeus, só com o
foco nos produtos de marcas e produtos industriais de luxo como caviar, trufas, conjugando assim o
espaço com um café e um pequeno armazém. Dentro de um lugar de arquitetura extremamente
requintada.
[5]
O whisky cowboy é uma maneira tradicional de beber whisky, sem gelo ou água. O nome vem
dos cowboys americanos, que costumavam beber whisky puro em shots.
[6]
Justiça em italiano.