Código de Honra - Nova Máfia - Livro 1 - Flavia Kalpu

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Capa

Copyright
Agradecimento
Explicações e Gatilhos
Termos
Hierarquia.
Família Cornelli
Ilustração
Avatares
Sinopse
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 1 - DIEGO
Sobre a Autora
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Copyright © 2024 Flavia Kalpurnia
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e
acontecimentos
descritos, são produtos de imaginação do autor. Qualquer
semelhança
com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
Revisão: Clarice A.I.
Capa: LM.Designer (LysaMoura)
Diagramação: DA AUTORA
Todos os direitos reservados.
São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer
parte
dessa obra, através de quaisquer meios — tangível ou intangível —
sem o
consentimento escrito da autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei nº.
9.610./98
e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Edição digital | Criado no Brasil.
Obrigada por adquirir essa obra e pelo apoio ao livro nacional!
Quero dedicar esse livro as
pessoas que como eu, estão traçando
seu caminho pelas letras e frases,
ideias e pensamentos, sonhos e
vontades, nesse mundo literário.
Quero agradecer meu marido, Leonardo, que sempre diz: ‘não é
importante se você vai ganhar rios de dinheiro, o importante é que leiam
seus livros, que gostem, o dinheiro é bônus’.
E depois de muitos anos, aprendi isso, de verdade.
E quero agradecer cada leitor e leitora, cada livro lançado é graças a
vocês. Obrigada!
Olá!
Vou dar aqui algumas explicações:
Minha máfia é um pouco diferenciada, você irá perceber isso ao
longo da série. Por mais que ainda trate de assuntos machistas, quais
explicarei melhor nos gatilhos, vou colocar mais da minha vontade de ler
como uma máfia poderia ser.
Nomes, locais e situações são meramente invenções da minha
cabeça, não retrato a realidade.
Sobre os gatilhos: os livros contem violência, sangue, mortes,
drogas, tráfico de drogas e mulheres, sexo, mentiras, intriga, palavrões e
palavras que podem ser consideradas insultos. Então, deixo aqui meu aviso
que se você não gosta/não quer ler algo assim, pare aqui.
Quero ressaltar que o foco da série será o romance entre os
personagens, e suas jornadas para que possam ficar juntos. Então, não estou
retratando um livro sobre a máfia, mas sim, onde ela é o pano de fundo.
Se ainda está por aqui, sejam bem vindos ao mundo da Nova Máfia
e das famílias de Chicago. Divirta-se e cuidado para não se apaixonar
perdidamente.
Buquê de rosas vermelhas:
famíliares recebem tal gesto da
família que foi responsável pela
morte de algum parente, um ato de
‘condolências’, mas também um
aviso.
Giustizia: ato que um Don ou Consigliere pode tomar contra alguém
que prejudicou a família.
Una unità: reunião das famílias mafiosas ou casamento. Um evento
que reune todas as famílias da cidade e seus membros.
Don – o chefe da família.
Consiglieri – o acompanhante e conselheiro do Don. É a mão direita
do Don e aquele que sugere ideias.
Soldado – é a pessoa que está sempre na linha de frente, faz todo o
serviço braçal.
“Uma nova máfia está surgindo pelas ruas de Chicago.

Um Don que está sendo ameaçado de morte, quase atira na dona de


uma delicatessen. Mas o que poderia sair errado, acaba se tornando uma
atração absurda.

O mundo do crime está diferente, algumas famílias não querem mais


cumprir as regras. Anton terá que defender seu reinado, sua vida e a mulher
que acaba de conhecer, Dominika, mas que não deixará que ninguém toque
em um fio de cabelo dela.

O início de uma saga sobre romance, crime, tráfico e redenção,


começa aqui.”
Arrumei o terno e me recostei na confortável cadeira estofada. Os
olhos de todos estavam virados para o outro lado da grande mesa. Eles
olhavam para o homem, que de uma forma incrivelmente infantil e inútil,
tentava me intimidar com o silêncio que fazia perante minha pergunta.

Os olhos pretos daquele homem, Marco Tettulli, consigliere[1] de


Francesco, Don[2] da Família Tettulli, que se encontra acamado por velhice,
estão quase saltando. Ele olha para todos os lados, observando e analisando
tudo que pode. Ele entende que as decisões tomadas aqui são extremamente
sérias, qualquer erro poderia resultar em sua morte, na destruição da família
Tettulli, e na queda de inúmeros negócios.

Não é minha melhor ideia, mas devo dizer que olhar bem nos olhos
dele e dizer que acabaremos com tudo porque a união entre famílias é o
mais importante e ele está fazendo aquilo de forma errada, ao tentar
entregar uma das mulheres deles, para a minha como se fosse uma
mercadoria a ser utilizada quando bem entendesse, não era o correto.

Além da idade, que para mim, era onde todo o erro começava.
Marco pigarreia, passa a mão pelo cabelo, que está ensebado de
tanto que ele faz esse movimento. Sorrio de lado. Fui ensinado, desde
criança, que os sinais de fraqueza aparecem rapidamente quando
pressionamos alguém que tem muito a perder.

Um homem, em uma situação como a dele, tendo que simplesmente


decidir pelo destino de muitas pessoas com apenas algumas frases, pode
demonstrar fraqueza.

A não ser que ele saiba o que está fazendo, assim como eu.

Ele volta a passar a mão no cabelo. O homem ao meu lado, ajeita o


terno, abrindo um botão. Levanto a mão esquerda, sinalizando que ele não
deve agir sobre nada. Ainda. Estamos em vinte homens dentro de um
grande salão. O restaurante do hotel Veneza, fechado para que essa reunião
acontecesse em terreno neutro.

Aguardo.

Minha paciência é grande, mas costuma acabar. E quando acaba,


não sou a melhor pessoa para se ter por perto.

— Marco — minha voz já condena o quanto estou irritado por


aguardar por uma resolução que todos sabemos que terá que acontecer. E
que toda essa situação acontecerá do meu jeito. — Lisbella é uma garota de
quinze anos. Não quero garotinhas por entre meus homens.

— Francesco sempre disse que…

— Francesco, com todo respeito, é um velho. — Noto pelo canto


dos olhos que alguns homens dele se sentiram ofendidos, entendo pela
forma como se movem.
Sorrio. Chamar alguém de velho é apenas uma constatação.

— É a neta dele. — Marco ainda tenta me convencer.

— Exato. Parece que está tentando me vender um peixe. — Alguns


homens da família Tettulli se empertigam. Lealdade é algo que prezo. Mas
não tolero babaquices.

Levanto, devagar. Sei que dedos irritados estão espalhados pelo


amplo salão de paredes douradas, carpete recém trocado, mesas com as
cadeiras em seu tampo, teto branco abobado com luzes parcialmente
ligadas. É um lugar lindo, não gostaria de sujá-lo com sangue e buracos de
tiros.

— Diga a Francesco que aceito Carmelita com honra em minha


família, mas Lisbella não casará com ninguém dos Cornelli aos quinze anos
— digo, enquanto abotoo meu paletó. Vejo Diego, meu consigliere,
aproximar-se um pequeno passo. Sorrio de lado. — Meu primo é um
homem, não um menino.

Vejo o homem de pele clara, enrugada, cansado, passar a mão no


rosto, como se estivesse completamente resignado, esgotado. Olho para os
homens dele. Alguns com anos suficientes para estarem concluindo o
ensino médio, outros com tempo de vida suficiente para serem meu pai. Em
todas as famílias começamos cedo a saber o que e quem seremos dentro do
círculo, mas são poucos e raros os que duram até a idade de Francesco:
oitenta e seis anos.

É cruel, mas é o que somos. É quem somos.

— Estamos em 2024. Atualize-se. Não farei uma menina casar com


um homem. — Digo, deixando claro que a discussão acabou e ele tem
apenas uma resposta que pode me dar.
— Carmelita está noiva. — Ele diz, baixo, como se fosse alguma
notícia que fosse me chocar. Dou de ombros.

— A menos que seja comigo, ou outro Don, não dou a mínima para
esse noivado.

Vejo um rapaz ao canto se mover, como se fosse dizer algo ou agir.


O olho, sério. Diego olha na mesma direção. Ouço Philip atrás de mim,
aproximando-se. Temos muitos dedos nervosos nessa sala.

— Ela…

— Vai se casar com meu primo, será bem-vinda em minha família e


minha casa. Lisbella poderá fazer isso em alguns anos, caso seja realmente
de interesse de Francesco que nossos laços e negócios se estendam. —
Volto meus olhos para Marco, sorrindo enquanto falo.

Ele aguarda um segundo, assentindo logo após.

— Diego fará os arranjos. — Me viro, começando a sair de perto da


mesa. — E mate aquele soldado que é o noivo de Carmelita, não quero
problemas com isso, Marco.

Ouço comoção atrás de mim, mas não me viro. Nunca o faria, se


tenho Diego e Philip para resolver isso. Seria um insulto virar-me e não
demonstrar a confiança que sinto neles. Ouço um tiro abafado enquanto
abro a porta de madeira maciça da entrada do restaurante.

O som da rua, das pessoas, dos carros e da vida na cidade me


acertam de uma vez. A noite está com uma agitação que nada tem a ver
com a comoção dentro do restaurante. Diego está ao meu lado em
segundos. Philip chega logo após.
Olho para ambos, vendo-os rir.

Meu consigliere, um oriental muito sério, está me olhando de forma


acusatória, mas está rindo ainda.

— Ele era o noivo, como sabia?

Philip, que está ao lado de Diego, ri alto agora.

— Anton falou do noivado ser desfeito. Ele foi o único que


ficou bravinho. — Vejo o homem de cem quilos e quase dois metros, imitar
um touro bravo.

— Poderia ser apenas respeito — Diego diz, mas ele próprio sabia
que não era apenas isso. — Muitos homens, principalmente essa nova leva,
não aceitam que as mulheres sejam moeda de troca.

Meu carro estaciona no meio-fio, à minha frente, o motorista desce,


abrindo a porta de trás. Uma SUV preta, janelas insulfilmes, outros dois
carros iguais atrás, meus soldados[3] preparam-se para entrarem neles.

— Não me agrada fazer isso, Diego. Mas enquanto não fizerem


outras formas de firmar uma lealdade, com medo de que suas meninas
percam a vida, não vejo como não vamos negociá-las.

Ele assente, Philip também.

Entro no carro, mas antes mesmo que consiga me ajustar no banco,


ouço pneus acelerando e cantando na rua atrás de nós. Olho pelo vidro
traseiro, vendo um carro vir em nossa direção, cortando o trânsito e batendo
com força na lataria do lado oposto onde estou.
Além do barulho alto, vidro estilhaçado e gritos, vejo que existem
quatro homens dentro do carro, mas que também existem mais cinco ou seis
correndo em nossa direção pela direita.

— É a porra de uma emboscada. Corre, Anton.

Philip grita. Essa merda não poderia acontecer em pior momento.

Estou fora do carro, correndo, arma na mão. Entro em um beco,


vazio, escuro, mas existem luzes acima de portas fechadas, são as portas
dos fundos de alguns restaurantes e outros estabelecimentos.

Ouço comoção, gritos, tiros e destravo minha arma. Estou com


quarenta e seis anos, não sou mais um rapaz. Posso fazer meus exercícios
diários, mas essa merda é simplesmente ridícula.

Entro mais fundo no beco, passos atrás de mim, contam que Diego
está comigo. Sei que é ele. Esse homem é meu braço direito, mas também
minha sombra. Me deixaria sozinho apenas se a morte chegasse. A minha
ou a dele.

Olho por cima do ombro, vejo que ele está parado há alguns metros,
arma para cima, atira duas vezes e derruba dois homens que se arriscaram
na entrada do beco. Meus olhos vasculham todo o local, janelas altas de
prédios altos. Sujeira. Cheiro de comida estragada. Uma merda de uma
chuva desgraçada começa a cair.

— Porra — meu grito chama a atenção de Diego, que olha por cima
do ombro rapidamente.
O oriental está despenteado, respirando rápido, coberto pela sombra
que a falta de luz trás, mas consigo divisar bem seu rosto levemente
irritado. Diego é um homem que primeiro faz o que tem que ser feito,
depois sente. Depois preocupa-se, desespera.

Completamente meu oposto.

Reajo e sinto tudo, mesmo que seja por dentro e sem deixar que os
outros saibam. Fui moldado em outra escola, minha família era meu tudo,
meu pai era meu exemplo. E homem nunca chorava, homem nunca perdia a
cabeça na frente de ninguém.

Mas poderia destruir com as mãos seis cômodos, como vi meu pai
fazer uma vez porque descobrimos que minha mãe tinha um câncer
inoperável e estava em seus dias finais.

— Ali, chefe.

Ouço Diego dizer, apontando com a cabeça para uma das portas,
antes de ser atingido por dois tiros, um no peito, o outro no ombro.

Desgraçados.

A sola do meu sapato de couro fez contato com a porta, mandando


lascas de madeira e o trinco para todos os lados, no primeiro chute. A porra
do beco não estar iluminado era bom, poderia entrar ali, aguardar, sair e
caçar os desgraçados que haviam me emboscado.

Eu descobriria quem fez aquilo, eu mataria um por um. Não me


interessava quem era.
Pisco várias vezes, adaptando minha visão, tentando enxergar algo.
É a despensa de um restaurante ou lanchonete. Parei ao lado de uma
prateleira, prestando atenção em tudo. Levantei a arma, dedo no gatilho
pronto para atirar no que se movesse. Mas nada aconteceu, mais nenhum
som se fez ouvir, nem dentro, nem fora.

Minutos.

O porra do Diego entrou pela porta, cambaleando, quase caindo de


cara no chão. Dou um passo em sua direção, mas ouço movimento atrás de
mim, no único canto escuro do cômodo.

Em um segundo me virei, meu dedo apertou o gatilho, mas


meu consigliere estava levantando meus braços, gritando, me fazendo errar
o alvo.

— É a dona.

Olhos verdes me fitaram cheios de lágrimas. O rosto redondo,


vermelho e pálido, ao mesmo tempo, apenas me encararam, como se eu
fosse uma espécie de monstro. Abaixei a arma e afastei Diego, olhando-o se
recostar na prateleira mais próxima, sangue escorrendo do ombro.

— Essa merda sempre dói.

Um soluço me faz voltar a olhar para o canto escuro da despensa.


Ela está abaixada, ainda chora. Tento vê-la melhor, mas a falta de luz ali me
impede. Dou um passo, ela geme assustada, empurrando-se mais contra a
parede e a prateleira quase vazia, como se quisesse fundir-se a eles.

Dou outro passo, chegando bem próximo. Ela chora e geme. Porra,
eu não estou fazendo absolutamente nada.
— Anton?

A voz de Philip do lado de fora me faz virar rápido, levantando a


arma, ficando completamente na frente da mulher, inconsciente, fazendo
um escudo. Vejo que ele vem com a mão direita para cima, com a esquerda
segurando a arma em riste, pronta.

— Matamos todos. São os Ferro.

— Quê? — Diego pergunta, aproximando-se do outro homem. Dá


dois passos em falso. Meu primo o segura, rindo.

— Mentira que te acertaram. — O tom de brincadeira faz Diego se


irritar, mas não rejeita a ajuda para sair dali.

Olho para trás.

Agora que minha visão está brevemente acostumada, vejo a mulher


no chão. Ela usa um vestido branco de flores verdes, um sapato verde está
perdido em qualquer lugar, o outro está quase saindo de seu pé. A pele é
branca como a neve, as bochechas vermelhas, assim como os cabelos, se
destacam.

Me viro, me abaixando, olhando-a nos olhos, querendo que ela não


chore mais. Eu não estou fazendo porra nenhuma para ela chorar desse
jeito.

— Alguém ficará de vigia em sua porta para que não tenha


problemas. Vou enviar alguém para arrumá-la e lhe ressarcir qualquer outro
dano. — Minhas palavras a fazem tremer, não sei se gosto ou não da reação.
Medo em mulheres não me atrai.
Analiso a mulher que está na minha frente. No máximo, vinte e
cinco, se estou chutando certo. Ela é uma mulher grande, gorda, com um
semblante de alguém que, ao mesmo tempo, tem medo, mas que faria um
belo estrago em meu rosto e corpo, se tentasse tocá-la de forma abusiva.

— Pare de chorar.

Ela engole em seco, o choro para na hora. A vejo inclusive prender a


respiração.

— Perdão por quase matá-la.

Me levanto, andando até a porta. A ouço dizer algo, me viro, vendo


que ela está ainda na mesma posição, mas os olhos verdes com longos cílios
e lágrimas, me olham com raiva.

— Obrigada por não me matar.

Aquilo não foi gratidão, foi sarcasmo. A observo por mais alguns
segundos, mas saio sem dizer mais nada, vendo Diego e Philip na entrada
do beco, me esperando. Guardo minha arma. A rua está lotada de corpos,
carros, viaturas e problemas.

— Deixe um homem vigiando a porta que quebrei. Mande alguém


arrumar.

Diego assente, mas escora em Philip, que dá risada.

— Vou levá-lo para doutor Christopher. — O vejo me fitar de cima a


baixo, analisando.
— Estou bem. Vá.

Minha irritação está grande. Quero descobrir tudo sobre o que houve
hoje aqui. Quero a cabeça das pessoas que fizeram toda essa emboscada e
quero para agora. Olho para o beco, vejo a silhueta dela na porta. Ao menos
alguém está satisfeito de estar vivo hoje.

Entro em outro dos carros que não foram destruídos e vou para casa.
Rotina.

Eu sempre fui uma criatura de rotina. Sempre gostei das coisas em


seu devido lugar, as pessoas fazendo o que deveriam fazer. Desde criança
fui educada em um orfanato de freiras, e elas eram estritamente rotineiras.

Levantar às cinco e meia, tomar café às seis, escola às sete, almoçar


meio-dia, treinos às duas, trabalhos manuais às cinco, banho às seis, jantar
às oito, culto às nove, dormir às dez. Todos os dias da semana.

Era bom, não poderia dizer que não. Ter rotina, saber o que seria
feito, quando seria feito, sem surpresas, era melhor. Mesmo que aos fins de
semana algumas das crianças fossem para a casa das famílias e eu ficasse
lá.

O colégio era de freiras, mas não apenas de órfãs. Desde que me


entendo por gente, sou órfã. Nunca tive pais. Algumas das freiras contam
que fui deixada por uma velha, ainda bebê. Que não entendiam o que ela
dizia, que era definitivamente russo ou próximo.
Aperto a massa em minha mão, batendo-a outra vez no balcão,
voltando a repetir o processo várias e várias vezes. Rotina. Recosto o
quadril no mármore gelado, o silêncio esse horário, nessa cidade, é
simplesmente incrível.

Olho o relógio, sovando mais algumas vezes a massa. Quase seis da


manhã. Preciso colocar a mistura em minhas mãos em descanso na
geladeira e me preparar para mais um dia.

Rotina.

Seis horas começo a abrir minha delicatessen[4]. Às sete minhas


duas funcionárias chegam. Oito horas abrimos e fechamos às sete. Arrumo,
limpo e preparo para o próximo dia até às dez e vou para meu kitnet do
outro lado da rua. Às cinco estou aqui novamente e tudo se reinicia.

São as pequenas coisas que saem do planejamento que me deixam


um pouco apreensiva, mas nada que não possa colocar novamente dentro da
rotina do dia a dia. Ser uma pessoa sozinha no mundo pode ser desafiador,
mas ao mesmo tempo, me fez ser uma pessoa centrada.

Ando pelo pequeno depósito aos fundos, minhas prateleiras estão


quase vazias, estamos terminando a semana, vou repor tudo amanhã. Vê-las
assim me faz sorrir, significa que tudo que tínhamos foi utilizado e vendido.
Os negócios vão bem.

Apago as luzes, checando a porta dos fundos, verificando que está


trancada. Vou para a parte da frente, acendendo as luzes, ligando o ar-
condicionado. É um espaço simples, apenas três mesas, doze cadeiras,
madeira simples, mas envernizada e preservada ao máximo.
Nossas paredes são pintadas de verde-musgo, combinando com o
chão que é terracota. Quadros com pinturas abstratas. Os balcões são
brancos, quase gelo. Amo a mistura de cores, ao mesmo tempo que elas se
compõe. Sorrio enquanto vou até atrás do balcão, ligando a refrigeração
deles, olhando para as prateleiras de vidro onde colocaremos os produtos.

Me viro, abrindo a torneira na pequena pia que temos ali, lavando


bem minhas mãos e olhando-me no espelho que cobre uma ponta à outra da
parede. Consigo ver a loja inteira. Uma cliente me disse que seria bom fazer
aquilo, para ficar de olho quando estivesse de costas embalando algo.

Adotei a ideia. Olho meu reflexo por alguns segundos. Meus


cabelos estão presos de qualquer jeito em minha cabeça, fios vermelhos
caem para todos os lados. Meu rosto está pálido nessa luz amarela, meus
olhos parecem cansados. Mas refletem como estou: cansada. Ter meu
negócio aos vinte e cinco anos é exaustivo, mesmo que seja incrível.

Viro-me quando ouço pequenas batidas na porta de vidro da entrada.


Noemia está ali, sorrindo, acenando. Uma mulher divorciada, cheia de
vitalidade e com dois filhos para criar, minha funcionária mais confiável.

Abro a porta, vendo-a entrar e retirar as luvas, colocando-as na bolsa


que carrega no ombro.

— Essa cidade fica gelada cada dia mais — diz de primeira,


sorrindo e retirando o gorro. — Parece que estamos mudando de estação a
cada semana.

— O mundo está acabando, não ficou sabendo? — Pergunto, rindo.


Ela ri também, soltando os longos cabelos castanhos. Sua pele clara
está levemente avermelhada do vento lá fora. A vejo se dirigir para os
fundos, onde deixará sua bolsa, pegará seu uniforme, a toca e começará o
dia, seguir a rotina.

Esse é um dia normal. Até que deixa de ser.

Fiona, minha outra funcionária está recolhendo as coisas deixadas


nas mesas por nossos últimos clientes. Ela olha pela vitrine que temos,
vendo vários e vários carros pararem ao longo da rua, praticamente ao
mesmo tempo.

— O que houve? — A questiono, vendo que ela está se esticando


toda para ver melhor.

— Olha esse tanto de SUV — comenta, se aproximando da vitrine,


segurando os pratos e talheres que foram usados.

Vou até ela, olhando também a movimentação. Não que não fosse
normal, qualquer rua nessa cidade é assim, mas consigo entender a
curiosidade dela, parece que algo mais está acontecendo. Aproveito para
trancar a porta da frente, colocando nosso cartaz que diz que estamos
fechados.

Vejo diversos homens descendo dos carros, andando até um


restaurante na outra esquina. Olho bem e parece que ele está fechado.
Estranho. O Veneza nunca fecha durante a semana.

— Parecem mafiosos — ela comenta, olhando para a rua ao meu


lado.

A olho sorrindo, balançando a cabeça.


— Pare de ler tanta ficção, você está obcecada. — Dou risada,
vendo Noemia vir dos fundos, limpando a mão no avental branco impecável
com a logo da delicatessen.

— O que houve? — Questiona.

— Mafiosos. — Fiona responde, animada.

Reviro os olhos. Ela não tem ideia se é isso, mas manterá essa
história o máximo que puder. Me afasto, dando espaço para as duas olharem
pela vitrine. Dou risada. Claro que vejo TV e sei que Chicago não está livre
do crime.

Ouço notícias sobre criminosos, corrupção, tráfico.

Mas aqueles homens bem vestidos, sérios, não são a máfia italiana,
com certeza são homens que estão em uma reunião de negócios, escolheram
o melhor restaurante da redondeza e o fecharam para que pudessem
negociar suas empresas e produtos em paz. E comendo boa comida.

Os minutos se passam, as duas perdem o interesse nos homens que


apareceram de dentro dos grandes carros e voltam a fazer o que tinham que
fazer. As vejo terminando de arrumar tudo, deixando impecável para o
próximo dia.

— Até amanhã, Dominika — Fiona diz, saindo com Noemia, me


deixando sozinha para finalizar o pouco que resta.
Vou até à porta, tranco, descendo a grade de ferro e a trancando
também. Olho pela rua, vendo a noite ainda movimentada. Pessoas indo
para casa, jovens começando a se preparar para a noite de sexta. Carros
passam, sirenes ao longe se fazem ouvir. As pessoas continuam bem
despertas.

Observo que os carros dos ‘mafiosos’ continuam ali. Um sorriso


repuxa meus lábios, uma longa reunião entre chefes da Máfia, ao que vejo.

Dou de ombros. Me viro, apagando as luzes da parte da frente, me


concentrando em deixar tudo arrumado agora na parte de trás. Em silêncio e
concentrada, termino em minutos e vou até o depósito, olhando a lista que
tenho presa em uma prancheta, que está pendurada em uma das prateleiras.

Respiro fundo, pegando a caneta e começando a anotar tudo que


preciso repor amanhã.

Um barulho estranho me faz olhar para a direção da parte da frente


da loja, pareceu muito uma batida de carro; o que não seria nada absurdo,
vivemos em uma cidade grande, com muitas pessoas e consequentemente,
muitos carros.

Paro de me mover, tentando ouvir algo mais. Engulo em seco


quando ouço estampidos. Aquilo parece demais com tiros. Continuo parada,
apenas tentando identificar. Meus olhos captam movimentação na rua,
engulo em seco novamente.

Pelo silêncio que estou, consigo ouvir quando passos muito pesados
se movimentam no beco atrás do prédio. Olho para a porta dos fundos. Eu a
tranquei. Tranquei? Meu Deus, eu tranquei essa porta?
Decido que checarei, existem mais barulhos de tiros na parte da
frente, mas sei que tem pessoas no beco. Ando devagar, tentando não fazer
barulho no pequeno cômodo, para não chamar atenção. Olho para cima,
vendo a pequena e enferrujada janela, a luz do lado de fora está ligada.

Antes mesmo que eu consiga fazer algo, ouço alguém falar bem
próximo. Volto todos os meus passos, me abaixando, quase caindo. O chão
está frio, perdi uma das minhas sapatilhas enquanto retornava. Segurei
firmemente na prateleira atrás de mim.

Olho ao redor, vendo que, na verdade, eu me encurralei. Não estou


na porta, estou por entre duas prateleiras que são firmemente presas ao chão
e ao teto. Nem ao menos conseguiria derrubá-las ou movê-las.

Prendo a respiração quando vejo por debaixo da porta alguém parar


ali.

Um enorme estrondo se faz ouvir no pequeno cômodo. Coloco a


mão na boca, me impedindo de fazer qualquer som. A porta está
completamente aberta, a folha de madeira está presa apenas pelas
dobradiças de cima. Tento me empurrar mais para trás, não quero que me
vejam, mas me mover pode ser um erro.

O que entra pela porta não é um homem, é um monstro. Tem


facilmente dois metros, o sobretudo balança conforme ele se move. Tento
não olhar muito para seu rosto, mas é impossível não ficar observando. O
medo está me fazendo tremer e chorar. Odeio chorar. No orfanato, crianças
choronas eram consideradas fracas.

No sistema, não podemos ser fracos. E eu havia aprendido isso de


formas bem complicadas.
De perfil o vejo observar tudo, analisando cada prateleira, mas seu
foco real é a porta. Ele aguarda, apenas parado ali. O queixo quadrado,
nariz proeminente, olhos severos, cabelos curtos. Poderia passar por um
CEO pelas roupas e pelo rosto com a barba por fazer, mas que claramente é
intencional.

A postura, o porte, as roupas, tudo nele grita caro, mas a enorme


arma na mão grita morte. Fico ali, quieta, respirando o mais superficial
possível. Então, alguém se aproxima da porta. O homem na despensa se
vira, olhando sério.

Um homem, visivelmente ferido aparece no portal, escorando no


batente, olhando o gigante. O vejo se mover um passo, indo na direção do
homem ferido, e minha perna escorrega quando tento me apoiar ainda mais
à prateleira.

Um estampido ensurdecedor enche o ambiente e eu fico paralisada.


O monstro está com a arma levantada, o homem machucado o impediu de
atirar em mim.

Seus olhos claros me fitam, mas logo desviam. Ele está muito mais
interessado no outro homem, que está sangrando. Engulo em seco, agora
vendo que ele tem um buraco no paletó, no ombro. Começo a chorar
novamente, sem conseguir me conter.

Ele dá um passo em minha direção, fico ainda mais assustada,


tentando me afastar dele, como se fosse conseguir atravessar a parede e sair
na loja ao lado. O vejo parar bem próximo de mim, olhando-me de cima.

Parece ainda mais com um monstro visto daqui.

— Anton?
Outra voz masculina chama, ele se vira, a arma está apontada para a
porta, para quem o estava chamando. Anton. O corpo dele está na minha
frente, suas pernas bloqueiam minha visão de tudo. Engulo o choro, mas
não consigo parar.

Assisti filmes demais de máfia, de crimes, para saber que eles não
vão me deixar viva. Ele tem que me matar. Vi seu rosto, e o rosto do outro.
Eles simplesmente não podem me deixar viver.

— Matamos todos. São os Ferro.

Um soluço estrangulado saí da minha garganta. Os outros dois


trocam algumas palavras, mas o monstro se vira para mim novamente. Seus
olhos me analisam, correndo por todo o meu corpo. Consigo sentir as íris
correndo cada pequeno pedaço de pele, é como se ele estivesse me tocando.

Soluço outra vez, tentando não chorar, mas está se provando


impossível. O vejo se abaixar, agachando a minha frente. Mesmo fazendo
esse movimento, ainda é alto, grande, forte. Ele, com certeza, poderia
quebrar meu pescoço, se quisesse. Choro ainda mais com a possibilidade
dele me machucar.

Estou em menor número.

— Alguém ficará de vigia em sua porta para que não tenha


problemas. Vou enviar alguém para arrumá-la e lhe ressarcir qualquer outro
dano. — Tremo com o som de sua voz. Deus, é tão grossa e baixa que é
como se viesse de dentro da terra.

Ele me fita muito sério, meu medo me faz continuar chorando.


Simplesmente não consigo parar. Mas olho bem nos olhos claros, se ele
tentar me tocar, lutarei. Se ele, ou qualquer outro, tentar algo, lutarei até o
último momento.
Tal pensamento me faz chorar ainda mais.

— Pare de chorar.

Suas palavras me assustam, mas paro na mesma hora, prendendo a


respiração inconscientemente. Ele me olha satisfeito.

— Perdão por quase matá-la.

Perdão por quase matá-la? Ele está falando sério?

O vejo se levantar, indo para a porta. Antes mesmo que eu consiga


me segurar, digo:

— Obrigada por não me matar.

Eu conseguia sentir sarcasmo escorrendo das minhas palavras. Meu


Deus, eu não deveria ter dito isso. Ele fica me olhando por cima do ombro.
Logo após sai. Os outros homens já saíram, eu nem ao menos percebi.

Anton.

O monstro tem nome. Me levanto, olhando a porta novamente. Eu


não consigo acreditar que tudo isso aconteceu. Ando até a porta, devagar,
tentando ouvir se existe alguém ali. Engulo em seco, vozes e barulhos estão
longe.

Espio o beco, vendo na entrada, muitos carros. Os três homens estão


ali também. O monstro me olha novamente, como se estivesse sentindo que
eu o observava. Permaneço parada, apenas olhando, enquanto ele entra em
um dos veículos e vai embora.
Minhas pernas finalmente cedem, me fazendo cair sentada na porta
do beco, chorando mais uma vez, dessa vez de alívio. Estou viva. Mas por
quanto tempo? Quem são aquelas pessoas? Levanto minha cabeça, vendo as
luzes de carros de polícia inundando a rua, a entrada do beco.

Sirenes, homens falando, medo. Essa noite de sexta seria longa, bem
longa.
Cada família tem sua estrutura, não é diferente em nenhuma das
famílias de Chicago. Menos ainda nas que comandam a Cidade dos Ventos.
As estruturas podem mudar de uma para outra, de geração a geração. Mas o
que não muda são os fatos de que existem hierarquias, e elas são seguidas a
risco, colocadas à prova e, muitas vezes, destroem clãs inteiros.

Os Cornelli estão na cidade há mais de dois séculos, vindos de


cidades na Itália, os homens e mulheres que hoje comandam boa parte de
Chicago são descendentes de lavradores, fazendeiros e comerciantes. Havia,
alguns que conseguiram seguir caminhos diferentes, profissões lícitas.

Alguns como os bisavós, avós, pais e tios de Anton decidiram que


poderia usufruir da cidade de maneiras que outros ainda não o faziam.
Logicamente, não poderiam fazer sozinhos, era impossível. Então, outras
famílias surgiram.

A estrutura era a mesma, o respeito era o mesmo, a divisão do


terreno da grande cidade foi fácil, eram apenas quatro famílias. Quatro
porções de um todo. E ainda assim, cada um deles parecia desejar todas as
outras regiões para si. Mesmo que tivesse entrado em acordo que dividiriam
de forma justa.

Os Cornelli sempre estavam um passo à frente. Todos as empresas


lícitas faturavam o suficiente para que não pudessem investigá-los o tempo
todo. Os Ferro cuidavam da parte mais suja da cidade, usufruindo das
drogas e prostituição que se instaurou anos antes.
A família Rossi eram donos das estradas e dos portos. Já os Bianchi
eram homens dos ares, comandavam todos os aeroportos.

Lucros. Todos tinham. Era regra clara, não havia meios de faturarem
se não houvesse cooperação entre eles. E, entre a polícia.

Corrupção sempre existiu e sempre existirá. Até porque boa parte


das pessoas consideram que ganham menos do que deveriam, do que
mereciam. Então, cada família tinha sua fatia na corrupção, sua parte do
outro lado da lei que era colocado por debaixo do tapete.

A fatia do bolo ficava maior ou menor conforme um Don falecia.


Fosse por causas naturais ou porque alguma negociação saiu errada e
eliminaram o homem. Isso poderia acontecer de tempos em tempos. Mas a
estrutura tinha quatro bases, e sempre teria. Nenhuma família sobrepunha a
outra.

Caso uma tentasse, as outras três a sufocavam até que tudo voltasse
ao normal.

Em tempos menos modernos, mulheres eram usadas em transações


para a vida continuar acontecendo normalmente. Para que o respeito e
ligações continuassem de forma saudável. Obviamente, como homens,
existiam aqueles que não respeitavam as ‘moedas’ de troca, faziam o que
bem entendiam com a família oposta e pronto.

Então, as outras colocavam essa família no lugar dela mais uma vez
e a roda continuava a girar. Novos enlaces eram feitos, novas mortes,
casamentos, nascimentos. Ao longo dos anos, pessoas de fora também
foram acrescentadas, homens e mulheres de confiança.
Os tradicionalistas não aceitavam mulheres em seu meio para darem
opiniões, comandos ou já outros, que pensavam no futuro, sabiam que isso
era apenas questão de tempo para acontecer. Os Bianchi, há mais de quinze
anos, eram comandados por uma mulher.

Jullietta Bianchi, uma mulher de apenas um metro e cinquenta e


três, com olhos pretos como a noite, cabelos cacheados, pele preta brilhante.
Não era italiana, era uma somaliana agregada à família por casamento. O
sogro a casara com seu marido, antigo Don, quando ela tinha apenas
quatorze anos, uma transação muito vantajosa para a família dele e dela.

Quando os dois foram assassinados fora do país, ela assumiu. E


desde então, era conhecida como a Rainha do Gelo. Jullietta não era cruel,
mas era justa. Não deixava que ninguém se enganasse com sua autoridade.
O que ela dizia era lei na família. E quem não gostasse disso, não vivia
outro dia para questioná-la.

Os Rossi abominavam isso, mas não queriam mais dor de cabeça


que o necessário, então não a questionavam sobre um novo Don. Os Ferro
não ligavam, a sucessão aconteceria em certo momento e teriam que lidar
com outra pessoa, para eles o sexo não importava.

Para os Cornelli era igual, apenas que na atual formação da família,


o Don, gostava de lidar com uma mulher como Jullietta. Ela não só entendia
como tudo funcionava, como sempre estava estudando, sempre aprendendo
sobre tudo. Gostava de conversar com ela, era inteligente e muito perspicaz.
Anton sabia que ela era uma ótima aliada.

E nunca havia sido contra mulheres dentro da organização, fossem


em qual cargo fosse. Tinha inúmeras soldados, inclusive uma prima, irmã
de Philip, que estava em sua guarda pessoal. Desde criança ela conseguia
deixar os primos assustados com a violência e ódio no olhar. Todos sabiam
que seria questão de tempo para ela deixar claro qual seria sua posição na
família. E Corina não aceitava ser feita de moeda de troca.
A família Tettulli era menor, uma porção bem pequena da fatia do
bolo se designava a eles, mas estavam sempre por ali, sem quererem uma
grande parte de nada, mas com dedos gananciosos em todos os comércios e
transações.

A realidade das pessoas que viviam dentro daquela grande cidade do


Illinois era bem diferente de qualquer outra que eles poderiam conhecer.
Cada família de um modo, mas todas com um objetivo: honra, dinheiro e
prosperidade para os descendentes.
A noite ter sido um inferno é dizer o mínimo do que aconteceu.

Além de toda a situação ter sido muito estressante, com policiais


vindo pegar meu testemunho, homens estranhos rondando minha porta,
perícia retirando a bala que ficou cravada no teto da despensa, ainda tive
crises de choro.

Era quase cinco da manhã quando finalmente me informaram que eu


poderia voltar para casa, e que se necessitassem de mais alguma declaração,
entrariam em contato comigo. Mas eu não sabia mais o que falar. Eu ficava
vendo os olhos dele, Anton, me encarando, me mandando parar de chorar.

Ao mesmo tempo que queria socar a cara dele, queria me esconder e


fugir. Não é síndrome alguma, eu realmente tive medo. De morrer. De não
conseguir chegar até o próximo dia.

Várias vezes durante as horas que estive em meu kitnet, olhei pela
janela, vendo a avenida, carros, motos, caminhões passavam normalmente
pelo local onde havia acontecido todo aquele pesadelo durante a noite. Mas
o beco ainda mantinha a faixa amarela e preta da polícia.
Mesmo que eu soubesse que os oficiais não haviam colocado aquilo.
Eles não me pediram para não abrir hoje, mas achei melhor fazer isso.

Não sabia se aquelas pessoas voltariam, se poderia ser novamente


alvo de uma arma. Não queria Fiona ou Noemia envolvidas.

Um carro estranho ficou parado do outro lado da rua o tempo todo


que a polícia esteve ali. Olhei várias vezes para eles, tentando identificar se
poderia ser o homem que apontou a arma para mim. Ou o que estava
sangrando, ou até mesmo o outro. Mas não eram eles.

O policial, que estava sentado à minha frente, dentro


da delicatessen, segurando uma caderneta minúscula, uma caneta velha e
um sorriso que deveria ser apaziguador, mas que parecia mais que ele
queria se convencer das coisas, do que a mim, me garantiu que eu estava
segura, que deveria esquecer aquele carro.

A imensa sensação de que ele sabia quem estava no veículo, que


sabia quem eram aquelas pessoas e que eu deveria apenas acenar e
concordar, era grande. Mas eu estava tão assustada, tão cansada, que apenas
não toquei mais no assunto.

Olhando agora novamente pela janela, de banho tomado, cabelo


lavado, vinte minutos de choro incontrolável enquanto tentava não sentar no
chão do box, ficando com pena de mim mesma, conseguia ver que a faixa
de impedimento de travessia estava balançando com o vento, o sol estava
forte e parecia que não iria se esconder tão cedo.

Os policiais me garantiram repetidamente que eu poderia ir para


casa, que ninguém entraria na despensa. A certeza de tal afirmação me
deixou incomodada. Mas eu sabia que eles tinham conhecimento de que
alguém ficaria ali. Que Anton cumpriria exatamente sua promessa.
Tomei um gole de café, desceu amargo. Olhei minha caneca,
achando o gosto horrível. Era melhor tomar um bom café da manhã na rua,
passar no mercado, fazer os pedidos necessários, orçar o conserto da porta.

Ficar aqui sentindo pena de mim mesma, chorando, olhando para


todos os meus problemas, não os faria desaparecer.

Precisava me lembrar que estava sozinha, como sempre, para


resolver as coisas. Me virei, olhando meu kitnet. Cinquenta metros
quadrados. Minúsculo. Mas era meu. Piso de madeira, paredes salmão para
todos os lados. À minha frente estava a cozinha, com a pia à direita perto da
entrada, e o fogão, a geladeira e o armário à esquerda, separando levemente
o próximo ambiente.

Um quarto conjugado com sala e escritório ficava na extrema


esquerda. Uma porta aos fundos era o banheiro. E era isso. Minha casa,
pequena, mas suficiente, atendia quem por anos teve apenas uma cama em
um beliche.

Andei até a pia, deixando a caneca ali. Voltei para o quarto, tirei o
roupão, jogando-o na cadeira da minha mesa em frente ao computador.
Andei até a cômoda, achando as roupas que queria. Coloquei calças,
sapatilha, camiseta e peguei um casaco. O sol poderia estar queimando os
desavisados, mas a cidade não era conhecida como a Cidade dos Ventos à
toa. Eu sempre saio preparada.

Uma manhã produtiva passa rápido. Tomei café, fiz compras e pedi
que fossem entregues em meu apartamento. Liguei para alguns
fornecedores pedindo que fizessem as entregas na segunda, não conseguiria
recebê-los hoje na parte da tarde. Não especifiquei o motivo, apenas disse
que havia tido um imprevisto.
Não creio que seria sensato de minha parte esclarecer o que havia
ocorrido. Fiz o caminho de volta para casa, mas então notei o carro que
estava de vigia a madrugada toda, agora parado em frente à loja. Engoli em
seco e atravessei a rua.

Parei bem próxima do vidro da vitrine, olhando para dentro,


tentando ver se havia alguém lá dentro. Não consegui ver ninguém, tudo
parecia imóvel, do mesmo jeito que deixei quando saí de lá, após dar meu
depoimento para o policial. Então, fui andando devagar e tentando não fazer
barulho pela calçada, até o beco.

Parei em frente a faixa, olhando para dentro do grande espaço onde


as coisas haviam se desenrolado ontem. O plástico havia sido rasgado ao
meio, em frente à minha porta dos fundos tinham quatro pessoas. Duas
estavam olhando para mim, duas estavam conversando. Me aproximei,
vendo que os homens que pareciam seguranças de boate avisarem os outros,
mas não se moveram.

O loiro que vi ontem a noite, se virou, me olhando, sorrindo. Ele era


grande, forte, rosto quadrado, parecia um lutador. O terno não combinava
nada com ele, principalmente com todas aquelas tatuagens em suas mãos e
pescoço.

— Senhorita Pavlova. — Os olhos claros dele me fitaram de cima a


baixo, observando atentamente minhas mãos.

Parei a alguns metros de distância, olhando agora a mulher que não


havia se virado, apenas me olhou por cima do ombro. Ela usava um casaco
grande, jeans e botas. A pele tinha um tom mais escuro, como se estivesse
no sol o dia todo. Os pretos e longos cabelos estavam em duas tranças bem
apertadas. Seu rosto lembrava vagamente o do loiro ao lado dela.

— O que estão fazendo? Quem são vocês?


— Viemos recolocar sua porta. — Ele me respondeu, ainda
sorrindo, aproximando-se alguns passos. — E também saber se está tudo
bem.

Dei um passo para frente, vendo que os homens que estavam


parados como duas estátuas, se moveram milímetros mais próximos, como
se estivessem esperando que eu fosse atacar o lutador. Ele sorriu ainda mais
quando me viu olhar aquela reação. Como se estivesse achando graça dos
homens estarem prontos para defendê-lo.

— Então, precisa de algo? — A pergunta dele me deixou irritada.

— Sim, explicações.

Cruzei os braços, mas a mulher riu. Ela se virou, olhando para mim
de forma debochada. Ela era magra, com músculos aparentes em suas coxas
pelo jeans apertado, e carregava um coldre com duas armas nos ombros. Só
consegui ver porque o longo casaco estava aberto. Mas, aparentemente, essa
era a intenção dela.

Engoli em seco e dei um passo para trás.

O loiro olhou para o lado, para entender a minha reação e balançou


a cabeça, revirando os olhos.

— Ignore minha irmã, ela adora atenção. — Ele se aproximou,


puxando do bolso interno do casaco um cartão. — Creio que você possa
precisar de ajuda... esse número pertence ao nosso advogado.

Olhei o cartão estendido por uma enorme mão tatuada. Mordi a


parte de dentro da bochecha, péssimo hábito. Levei a mão até o papel,
olhando as letras e números impressos com força, formando um alto-relevo.
— Nosso… de quem?

O loiro sorriu, apenas isso. Olhei para a porta dos fundos da loja,
vendo-a intacta, perfeita, até mesmo a pintura parecia nova nos batentes.
Eles deveriam ter trocado tudo.

— Tenha um ótimo fim de semana.

Ele desejou, passando por mim. Os outros dois o seguiram, mas a


mulher ficou, o rosto me fitando séria. A olhei também. Após tudo que
havia acontecido aqui, eu estava pouco me lixando com aquela mulher
tentando me intimidar.

Ela achou algo engraçado, pois sorriu abertamente, assentiu e


começou a andar em minha direção. A vi parar ombro a ombro, inclinando-
se, deixando o rosto bem próximo do meu.

— A família Cornelli agradece sua paciência e discrição. — A voz


daquela mulher tão próxima assim, me enviou arrepios pela espinha.

E não eram bons arrepios.

— Corina, inferno, vamos embora.

Ouvi o loiro falar, mas não me virei. Ela riu enquanto saia do beco.
Olhei para o cartão mais uma vez, rasgando-o em vários pedaços e jogando-
os no chão. Eu não queria saber quem eles eram, não queria nada com
nenhum deles.
Desde o momento em que tudo aquilo começou até agora, eu queria
apagar. Colocaria uma pedra enorme por cima disso e seguiria. Não estava
interessada em saber quem eles eram, porque estavam ali ontem, como
fizeram tudo que fizeram hoje e menos ainda porque andavam armados.

Tudo aquilo, para mim, acabava ali. Eu sabia muito bem quando
deveria simplesmente largar um assunto. E aquele, era um desses
momentos. Respirei fundo, empurrei meu cabelo para cima, prendendo os
fios já secos de qualquer jeito e fui em direção à minha porta.

A trancaria e iria para casa, amanhã seria outro dia.


— Com toda a sinceridade, Diego, quero mais é que todos se fodam.

Ouço Philip dizer enquanto me aproximo da cozinha. O sol já está


aparecendo por todas as janelas do corredor, o barulho da casa com as
poucas pessoas que cuidam e moram aqui ainda está começando.

A mansão de oito quartos, três salas, nove banheiros, cozinha, sala


de jantar, academia, piscina interna, pátio, quadra, garagens. Eu não uso
nem um terço do que essa casa oferece, ainda assim, não deixaria para trás
ou venderia uma das únicas coisas que meu pai conseguiu me deixar que
não veio amaldiçoada com nosso relacionamento podre.

Olho pelas paredes da sala de jantar onde temos alguns quadros.


Meu pai, minha mãe, eu, meus tios e primos. Todos estamos retratados ali e
apenas três daquelas pessoas nas pinturas, estão vivos. O nome Cornelli
leva a maldição da família para longe.

Estar conectado ao nosso sangue, à nossa herança, nunca é positivo.


Mas foi o que a vida nos deu. Usarei de bom grado e farei o melhor que
puder. Afinal, ser o Don, nunca me deixou dúvidas de que eu teria que fazer
e ser o melhor para essa família.
Ouço Diego responder, Corina ri, Philip também. Abro a porta dupla
da cozinha, vendo os três sentados nos banquinhos altos da grande e
ocupada ilha ao centro. Duas cozinheiras se viram minimamente, acenando
em respeito com a cabeça para mim.

Faço o movimento de volta.

— Como está, chefe?

Os três se levantam, mesmo que Diego continue mastigando o donut


que havia acabado de colocar na boca. Olho para ele,
meu consigliere parece estar pronto para tomar mais dois tiros. Me
aproximo, dando leves tapas em suas costas, do lado do ombro que não foi
atingido.

— Parece melhor — comento, vendo que os três voltam a se sentar.


— Pode servir meu café aqui, Grace.

A mulher mais velha na cozinha assente, olhando para a outra moça,


que está começando a pegar tudo que precisa para mim. Sorrio brevemente
em agradecimento. Olho para o que os outros estão comendo.

Paro na ponta da ilha, sentando no banquinho ali, Diego à minha


direita, os irmãos à minha esquerda. Diego estava com o ombro enfaixado,
o peito também. A faixa é visível por debaixo da camisa branca de botões.

— O colete segurou bem o do peito, mas do ombro entrou e saiu.

— Um milímetro para o lado e ele estaria deitado em uma maca de


hospital — Philip diz, olhando para Diego e depois para mim. — O Doutor
disse que se ele tivesse se movido um milímetro para o lado, o ombro teria
sido estilhaçado.
— Vamos agradecer a péssima pontaria dos Ferro.

Levanto minha xícara de café, recém-colocada à minha frente,


vendo os três fazerem o mesmo. Me recosto no encosto desconfortável
desses banquinhos, odeio sentar ali. Não consigo entender porque eles
preferem tomar café aqui.

— Quero toda e qualquer informação sobre o que houve ontem. —


Aponto para Diego, vendo-o assentir. — Alguém quer que eu esteja fora da
jogada e duvido que seja por causa de negócios com os Tettulli.

— O que acha que pode ser, Chefe?

Corina me pergunta, curiosa. Olho minha prima seriamente. Ela


consegue ser bonita e bruta ao mesmo tempo. Me lembro quando meu pai e
meu tio quiserem nos unir. Lembro bem de ver meu tio dar um tapa forte na
cara da garotinha de dez anos, quando ela disse que eu não era legal e que
ela não ia casar comigo.

Eu a apoiei nessa decisão, convencendo meu pai e meu tio de que


Corina seria muito melhor fazendo outras coisas da vida do que apenas
tendo que casar com alguém e ser mãe. Aquela mulher nunca seria mãe.
Ela, simplesmente, não tinha o material necessário. Não queria e não seria.

— Não tenho a menor ideia — comento. Bebo mais do café,


mastigo um pouco de bacon e ovos. — Aquele bairro é neutro, no máximo
alguns imóveis são dos Rossi, se não me engano.

— Eles não tentaram metralhar o Tettulli — Diego diz, olhando bem


sério para mim. — Era você. Era o seu carro. Qualquer que seja a situação
com a família Ferro, eles estavam te tornando um alvo.
— Sim. Utilizaremos toda e qualquer fonte de informação para
descobrir. Quero todos os responsáveis, mortos.

Ele assente. Volto a comer, aguardando um pouco para tocar no


assunto que quero falar. Philip pode saber melhor que Diego sobre isso.

— Já enviaram uma equipe para recolocarem a porta do beco?

Philip toma um gole de seu café, me olhando bem nos olhos. O


homem de quase dois metros, mais de cem quilos, cara de poucos amigos,
com a mão ao redor de uma pequena xícara e o dedo mindinho quase que
levantado.

Estou cercado de pessoas disfuncionais. Sorrio de lado.

— Não. Vamos com eles, inspecionar e falar com a proprietária que


você quase sentou o dedo.

Corina apenas balança a cabeça e revira os olhos. Ela sabe bem que
o irmão é um piadista, que a frase tem duplo sentido. Finjo que não ouvi,
balanço a cabeça, continuando a comer.

— Quero a planta do prédio, do contrato de compra e venda, e do


proprietário na minha sala até amanhã à tarde. — Philip assente, dessa vez
sem sorrir ou falar nada.

O local pode ser de alguém que não me quer nas redondezas. Que
alguém não aprecia nossa presença constante no bairro, talvez aquele
imóvel contenha algo que desejam esconder. Pode ser apenas uma
coincidência. Mas quero saber.
— Não é mais fácil chamá-la para sair do que comprar o prédio?

Corina questiona, me olhando séria. Os outros dois ficam quietos,


fingindo que não ouviram nada. Coloco meu garfo no prato, vazio, vendo
Grace apontar para a outra mulher que pode retirar a louça.

Olho minha prima. O coldre das armas que usa está nos ombros, a
roupa que ela veste é a de serviço. As enormes tranças estão jogadas para
trás. Ela não é uma mulher que você teria medo, se não fosse, o fato de que
sei que ela é tão perigosa ou pior que o irmão e que meu consigliere. Já a vi
matar homens maiores que ela, usando as mãos. Torturando soldados por
informação, sem nem mesmo mudar a expressão do rosto.

A família não destruiu Corina, como a mãe dela disse uma vez. A
família moldou uma mulher que nunca seria nada a não ser um soldado.
Uma máquina de matar. Já estava tudo dentro dela, nós apenas deixamos
que ela nos mostrasse isso.

— Como anda a sua vida amorosa, prima?

Philip deu risada, Diego também. Nós não sabíamos se ela gostava
de homens, de mulheres, se odiava tudo. Nunca vimos ninguém ao lado
dela. Jamais ouvi um sussurro sobre seus apetites. Se Corina saia com
alguém, se transava com alguém, apenas ela e a pessoa sabiam, nós nunca
vimos nada.

— Muito bem, obrigada — ela respondeu, ainda séria, pegando um


bacon e o mordendo na metade, mastigando e voltando a falar. Era
revoltante como Corina era muito parecida com os homens que a cercavam,
inclusive na escrotice. — Mas não respondeu, precisa comprar o prédio
para trazer a mulher para transar?
— Esse não é o motivo. — Minha resposta a fez soltar uma risada
pelo nariz, fazendo um sinal de positivo com o dedão e pegando outro
bacon, comendo e não dizendo mais nada.

Não expliquei, não tinha que dar satisfação. Apesar de não desejar
me estender nesse tema, a realidade é que preciso garantir que todos esses
imóveis não sejam de prioridade para os Ferro.

Se eles e Rossi estão negociando, algo ali tem importância. E aquela


mulher, a ruiva, dona da delicatessen, com seus olhos claros cheios de
lágrimas e voz petulante, pode significar algo para alguém ali. Apesar de
duvidar.

Se a situação não tivesse ocorrido, não estaríamos naquele lugar


nem teríamos conhecido o estabelecimento ou imóvel. Se eu não estivesse
me escondendo para não ser morto, não teria me aproximado dali, nunca.
Contudo, ainda assim, desejava o mapa do local, almejava possuí-lo. Havia
algo estranho ali, e eu queria saber por quê. Nem que para isso fosse
necessário comprar todo o quarteirão e desmontá-lo tijolo por tijolo.

— Pagamos a dona? — Corina questiona.

— Dominika Pavlova — Philip diz, olhando para o celular, rolando


a tela e vendo a ficha, que mandei puxar na madrugada anterior. — Não tem
nem mesmo uma multa de trânsito.

— Pessoas muito limpas assim me deixam cauteloso — Diego


comenta, sou obrigado a concordar.

— Órfã, sem ligações com ninguém que conhecemos — Philip diz


um pouco consternado. — Nosso T.I. está precisando dar uma atualizada
nas coisas, essa ficha só vai até dois anos atrás.
— Você tem reunião com aquela… filha do banqueiro de Jersey. —
Diego me lembra. Tenho que resolver isso ainda hoje. Pode ser que eu já
resolva o problema do T.I. para Philip.

— Não se preocupe, posso te dar um hacker novo ainda hoje.

Philip assente, mas continua a olhar a ficha de Dominika.

— Envie-me isso, junto com as outras documentações. — Me


levanto, vendo os três fazerem o mesmo.

— Não acredito que nesse arquivo terá se ela gosta de ostras ou


baby-beef — comenta Corina, sorrindo, enquanto mastiga mais um pedaço
de bacon.

Apenas olho para ela, respirando fundo e saindo da cozinha. Minha


família é meu bem mais preciso, meu legado é tudo que mais prezo. Mas, às
vezes, meu desejo de eliminar Corina supera um pouco essas emoções.

A ouço rir, junto com os outros dois. Me permito sorrir sem que eles
vejam. Tenho pessoas fiéis ao meu lado, que dariam a vida por mim, por
nossa família. Mas que foi ameaçada ontem, e eu quero a cabeça de quem
ousou fazer isso.

E não é no sentido figurado. Quero a cabeça do mandante de tudo


isso, pingando no tapete do meu escritório, manchando minha mesa. E
quero o mais rápido possível.
Explicar para Fiona e Noemia o que aconteceu foi um parto.

Primeiro que precisava contornar todo o pânico que senti, não queria
que elas ficassem me adulando. Deixei o meu medo o máximo possível
escondido, mesmo que ainda sentisse um arrepio ao lembrar os olhos
daquele homem em mim.

Havia sonhado nas duas últimas noites com ele arrombando a porta
novamente, mas dessa vez em meu apartamento. A sensação era de que ele
não havia me esquecido, de que estava ainda ali, dentro da delicatessen, me
olhando por entre as prateleiras, apenas esperando.

— Espera, mas eles falaram com você? — Noemia perguntou.

— Sim — respondi de forma prática, me recostando no balcão,


cruzando os braços. — Eles vieram e arrumaram a porta, deixaram
inclusive absolutamente tudo limpo.

— Isso foi no sábado? — Assenti, quando Fiona perguntou. —


Porque não nos contou ontem?

Dei de ombros.
A verdade é que passei boa parte da manhã de domingo sentada no
meu sofá, analisando segundo a segundo o que havia acontecido, tentando
esquecer os detalhes do rosto, do corpo e do jeito de cada uma daquelas
pessoas.

E a parte da tarde procurando imóveis para mudar


minha delicatessen de lugar, fazendo cálculos - quais sou obrigada a dizer
que sabia serem impossíveis e improváveis - para que pudesse sair daquele
local, recomeçar. Não achei um imóvel como o que eu tinha ali, e menos
ainda conseguiria um empréstimo para fazer essa mudança.

— A realidade é que isso aconteceu, desde então não vi mais


nenhuma SUV por aqui…

Fiona se movimentou rapidamente, caminhando até a vitrine,


observando ambos os lados da calçada, como se estivesse em busca de algo.
Franzi o cenho. Noemia me olhou, procurando uma resposta. Dei de
ombros, não tinha ideia do que estava acontecendo.

— Ok, vamos lá — ela disse, sem se virar, ainda olhando para o


lado de fora. Era sete e meia da manhã, não entendia o que ela poderia estar
tentando encontrar. — Leio muitos livros de máfia…

— Claro, era só o que me faltava.

Noemia diz, revirando os olhos, virando-se para a caixa de doces


que está aberta. Recebemos o pedido há alguns minutos e o entregador
perguntou se estava tudo bem, pois não recebi o pedido no sábado. As duas
ouviram isso e tive que contar tudo.

— É sério, escuta.
A mulher mais nova se virou, vindo em nossa direção, notei que seu
rosto estava um pouco pálido.

— Tem um carro parado no mesmo lugar desde que chegamos, com


duas pessoas dentro. — A fala não surtiu o efeito que ela esperava, então
ela continuou. — Eles estão de terno, apenas lá dentro, sem fazer nada, só
fumando.

— E isso os transforma em mafiosos? — Noemia questionou,


colocando as luvas descartáveis.

— Se eles continuarem ali pelo resto do dia, sim.

Não entendi a empolgação, mas balancei a cabeça, achando graça.


Ela estava animada, mas acredito que mudaria de opinião se estivesse
presente naquele dia, naquele instante. Anton. Por mais que eu quisesse
esquecer aquele homem, esquecer quem ele era, não conseguia.

O motivo realmente era pelo fato dele ser um homem poderoso. Não
havia pesquisado, mas o modo como ele foi protegido, como o outro o
chamou de chefe e como as ordens dele foram acatadas, não restava dúvida
alguma.

— Niki? — Noemia falou, encostando a mão em meu ombro.

Olhei em seu rosto, vendo sua expressão preocupada.

— Falei com você duas vezes. — Sorri, não querendo deixar o


momento tenso.

— Desculpe, estava pensando na remessa de carne de porco.


Mentira. As duas conseguiram ver em minha fala, mas não disseram
nada. Olhei de uma para a outra, esperando que continuassem a conversa.

— Como dizia, é impossível que possamos saber ao certo se são as


mesmas pessoas em todos os turnos, mas podemos perceber padrões. —
Fiona estava empolgada e convicta no que dizia.

— Padrões? — Perguntei, Noemia me olhou reprovando, não


querendo que eu incentivasse a outra a continuar falando.

Dei risada, vendo que a mais nova estava empolgada, ela parecia
entender do que estava falando. A vi se aproximar, pegando o pano de prato
limpo da pilha que eu havia colocado no balcão mais cedo.

— Sim. Eles são muito organizados — ela estava discursando


enquanto começava a limpar os vidros das vitrines. — Se estão te vigiando,
não vão deixar que fique sozinha. Vão fazer turnos, podem inclusive
colocar câmeras, escutas…

— Meu Deus, estamos lidando com a CIA? — Noemia pergunta,


mas está rindo.

— Se eles forem mesmo da máfia, é muito pior.

Engoli em seco. Eu tinha certeza de que eram da máfia, que eram


pessoas perigosas. O cartão que eu havia jogado fora poderia ter me dado
alguma dica, o nome dele poderia me indicar algo, mas eu estava
completamente disposta a colocar uma pedra nesse assunto.

— Você não escutou mesmo nenhum nome? — Fiona estava me


olhando de canto de olho, como se procurasse alguma reação minha que
indicasse que eu estava mentindo.
Balancei a cabeça, não querendo deixar a mentira na minha voz me
entregar. Ainda pensar no nome daquele homem me deixava com arrepios
por todo o corpo. Os olhos eram de alguém que poderia fazer cada uma das
coisas que Fiona dissera.

Ele havia deixado os homens vigiando minha porta, repôs o estrago


que ele mesmo fizera, não me cobrou um centavo e os policiais estavam
fingindo que eles não existiam. Era incrível como a ficção por muitas vezes
retratava a verdade.

Fui para o canto onde cuidava da papelada, sentando na pequena


mesa aos fundos, olhando para o laptop, papéis, recibos. Era inacreditável
como as coisas haviam se acumulado por um simples evento.

Me sentei, prendendo o cabelo para cima, decidida a trabalhar.


Minha cabeça não resolveria nada se eu ficasse pensando em carros parados
na rua, com pessoas aleatórias, cuidando da própria vida enquanto eu
achava que a máfia italiana estava me perseguindo.

Isso não existia. Pessoas normais não eram vigiadas. Eu era apenas
dona de uma delicatessen, que infelizmente havia sido invadida por um
criminoso. Mas era isso. Não havia mais nada. Não havia conexão. Eles não
estavam me vigiando, não teria propósito.

Fiona e Noemia trabalharam conversando brevemente sobre o


assunto. A mais velha provocando a mais nova, fazendo perguntas, dando
risada das explicações. Prestei atenção poucas vezes, estava querendo focar
em todas as pequenas coisas que havia deixado de fazer no fim de semana.

Clientes novos e habituais passaram pela loja durante o dia. Alguns


eu mesma atendi, gostando de ter esse estreitamento de relação. Por duas
vezes, enquanto estava no balcão, de costas, me peguei olhando pelo
espelho para o lado de fora, observando o carro que Fiona mencionou.
Ainda estava lá. Parado no mesmo lugar. Duas pessoas dentro,
fumando. Achei graça nas duas vezes. Não era possível que estava
realmente me deixando convencer que Fiona poderia estar certa.

Balancei a cabeça e continuei meu dia. Era interessante como


podemos nos deixar influenciar por algumas narrativas fantásticas.
Principalmente se passamos por um evento fora de nossa rotina, de nosso
costume de vida.

Por isso, quando elas fecharam tudo, limparam, arrumaram seus


armários e foram embora, me forcei a ficar. Não deixaria o medo me
vencer. Eu ficaria em minha loja, sim. Não permitiria que um medo
irracional de algo que eu nem sabia o que poderia ser, me fizesse largar tudo
ali e correr para casa, me esconder.

Terminei meus afazeres, pegando todas as coisas que precisava levar


para casa, para organizar nas pastas. Peguei o pedaço de uma nova torta de
frango que havia separado para comer, não queria cozinhar tão tarde. Fechei
tudo normalmente, tranquei, saí e parei na calçada.

A noite estava bem fria, o vento gélido estava levantando poeira,


sujeira, casacos e vestidos. Olhei ao redor, tentando não ser óbvia ao
observar o carro.

Ainda estava lá.

Engoli em seco. Se não fosse por Fiona e suas teorias conspiratórias,


talvez eu não tivesse notado. Mas uma vez que vi, não havia modo de não
ver, de ignorar. Quem eram aquelas pessoas? Por que estavam ali?
Respirei fundo, pegando a chave do apartamento no bolso,
atravessando a rua equilibrando tudo nos braços. Coloquei a chave no
portão, mas minha visão periférica viu movimento no carro, que estava
estacionado do meu lado da rua.

Virei meu rosto instintivamente, olhando para dentro do veículo.


Mesmo que estivesse há uns bons cinco metros, conseguia ver alguém se
movendo lá dentro. Parecia que o passageiro estava olhando para mim. E o
que mais me deixou assustada, ele parecia estar com uma câmera nas mãos.

Virei a chave e entrei o mais rápido possível. O medo de ser verdade


o que eu havia acabado de ver era assustador. Passei pelo hall quase
correndo e me escondi dentro do elevador, dando risada quando parei para
pensar no absurdo que havia acabado de acontecer.

Eu não estava sendo vigiada. Aquelas pessoas não eram mafiosas.


Precisava parar de dar atenção ao que Fiona falava, ela lia livros demais
sobre esses assuntos, não era saudável. Te deixava paranoica, assim como
estou nesse momento.

Entrei em casa, decidida a esquecer tudo aquilo. Na minha reação de


louca minutos atrás. Coloquei tudo na mesa de centro, pegando um garfo na
cozinha e voltando para comer e terminar de me organizar em minhas
papeladas.

Tinha pegado o envelope que me entregaram mais cedo, colocando


junto com todo o resto que precisava olhar das entregas, dos gastos e
algumas outras coisas que tinha que resolver durante a semana.

O carimbo no envelope me deixou saber que era da imobiliária do


prédio, então estava esperando a renovação do aluguel, que já estava
atrasada. Normalmente eles me enviavam os papéis para assinatura em
janeiro, estávamos no final de fevereiro e ainda nada.
Por isso não dei tanta importância. Mas quando abri e vi o que era,
percebi que deveria ter dado atenção àquilo quando chegou. Sentei em meu
minúsculo sofá, tirando o casaco e jogando-o de lado.

Reli o papel, observando atentamente o que estava escrito. O prédio


tinha um novo dono. Eu já previa que isso iria ocorrer, afinal, o imóvel
estava disponível para compra há anos, em algum momento alguém
adquiriria os quatro andares de tijolos visíveis da década de vinte.

O único problema era a assinatura ao final do contrato. Li e reli.

— Anton Cornelli… você só pode estar brincando comigo.


Inúmeras fotos dela estavam espalhadas na minha mesa. Eu estava
parecendo um pervertido com essas coisas aqui. Talvez precisasse de
serviço, estava com muito tempo, se poderia me dar ao luxo de ficar
analisando fotos da mulher da delicatessen.

Mesmo que eu soubesse muito bem porque estava olhando.

Não sou um tarado, não sou um maníaco, mas estou curioso. Não é
complicado, nem mesmo demorado para descobrir algo sobre alguém,
especialmente alguém que não está envolvido em atividades ilegais.

É o caso de Dominika Pavlova. Vinte e cinco anos. Solteira. Órfã.


Veio do nada. É uma empreendedora. Olhei seu saldo bancário, os
empréstimos, financiamentos. A mulher realmente montou seu próprio
negócio do zero.

Me recosto em minha cadeira, olhando bem meu escritório. Quatro


da manhã. Tudo que tenho, veio da minha família. Obviamente não apenas
herdei, mantive, organizei, fiz prosperar. Mas eles fizeram o restante
acontecer. Meu pai me deixou parte do que tenho e quem sou.
As coisas estão evoluindo, mas tento acompanhar. Não é fácil, não é
simples. Nosso negócio foi feito para ser a moda antiga, aos encontros entre
mafiosos no escuro, na calada da noite, em bares proibidos e bordéis
disfarçados.

É um clichê, mas é um que funciona.

Olho para a grande janela. A noite está bem escura. Meu pai dizia
que noites escuras trazem problemas. Paramim, o máximo que já me
trouxeram foram: assassinatos, dinheiro, sexo.

Volto a olhar as fotos. Ela parece assustada. Os olhos claros,


grandes, estão mirando a máquina. Ela viu que eles estavam ali, sabia para
onde olhar, mas duvido que tivesse a mínima ideia de quem havia mandado
que a vigiassem.

Diego me disse ser desnecessário, que ele conhecia a região. Mandei


mesmo assim. Não era por ela, não era pelo prédio, a situação completa
tinha me deixado com os nervos à flor da pele, não queria deixar nenhum
ponto passar despercebido.

O dono do prédio havia se recusado a vender para mim, dizendo


‘com todo respeito, mas é um prédio familiar’. Eu entendia o que ele queria
dizer, a região não pertencia a ninguém, era como se fosse apenas um lugar
de passagem, terreno neutro que decidiram que seria ótimo deixarem para
reuniões e futuros negócios.

Perguntei apenas mais uma vez, o homem pareceu entender que eu


não estava disposto a escutar outro não, menos ainda perguntar uma terceira
vez. Diego e Philip o deixaram ciente disso, parando ao seu lado, à minha
frente, em meu escritório.
Diego estava menos intimidador com a tipoia, mas ainda assim, as
pessoas tendem a entender o recado com certa facilidade quando os tiro de
casa cedo, sem grandes explicações, os trago para dentro da minha mansão.
É uma atitude que diz muito.

Ouvi alguns murmúrios dele dizendo que o pai poderia não


concordar, mas me recostei na poltrona, observando bem o homem à minha
frente. Ele não tinha ideia do motivo de ter sido chamado ali, não sabia o
porquê eu o arrastara até lá, até agora.

Diego e Philip se aproximaram novamente, deixando claro que


aquela ainda não era a resposta que estávamos esperando. Na verdade, eu
não precisava de nenhuma afirmação dele ou do pai, poderia obrigá-los a
me vender o prédio, sem ser cordial.

Porém, fui criado em uma família que preza por fazer negócios do
jeito certo, de poder olhar nos olhos das pessoas com quem estou fazendo
negócio, comprando, vendendo ou apenas trocando.

Isso não significa que não arrancamos dedos, quebramos joelhos,


matamos parentes. Toda a mística ao redor de nossa família não é mentira.
Não sou apenas um bicho-papão, sou um monstro. Mas um, justo.

Não falo nada que não seja necessário para minha sobrevivência. E
aquele homem me negar aquele prédio é mais do que apenas minha
sobrevivência, é meu ego. Não costumo lidar com esse tipo de ataque.

— Acredito que ele vá vender, só preciso conversar com ele. — O


medo na voz dele não me agrada, pessoas fazem burrada quando estão com
medo.

Assenti, olhando para Diego e depois olhei o homem novamente.


— Diego irá com você, levando tudo que necessita para a transação
ser feita. — Minhas palavras o fizeram abrir a boca, como se fosse me
contestar. Me levantei, arrumando os punhos da camisa preta que estava
usando. — Ele só voltará para essa casa com os papéis assinados. E quero
meu consigliere aqui em três horas.

Me virei, preparando outros papéis para a próxima reunião que teria.


Ouvi que o tiravam da sala, não dei a mínima para o que aconteceria hoje
com esse homem, Diego voltaria com o papel assinado em menos que três
horas.

E voltou.

Lá estava minha cópia da escritura ao lado das fotos dela.

Subo meus olhos para o porta retrato que está sempre ali, me
vigiando e me guiando: meus pais. Sou a imagem do meu pai, não temos
praticamente nenhuma diferença, mas minha mãe era uma beldade. Sofia
Cornelli.

Não apenas uma mulher de valor, mas uma esposa, mãe, dona de um
império ao lado de meu pai.

Era difícil ver um sem o outro. Era impossível se ter meu pai feliz
sem ver minha mãe sorrindo. E foi o fim dele ao vê-la em um caixão
quando o câncer a levou. Ele nunca mais foi o mesmo, não mais encostou
em outra mulher, nunca mais sorriu.

Nosso meio é cruel e duro, mas a vida tratou meu pai de forma ainda
mais sanguinária. Em poucos anos ele foi assassinado, eu já era adulto, mas
ainda sentia a dor da perda dela, e agora, dele. A vida estava me tratando da
mesma forma.
Não pensei em continuar linhagem, pensei em prosperar, fincar o
nome dele na história, em deixar todos saberem que ele havia, sim, criado
um herdeiro digno. E que inclusive a dona Sofia teria muito orgulho.

Por isso não era casado, não tinha filhos, não queria sentir a dor que
vira nos olhos de meu pai por sobre o corpo frio da minha mãe no
necrotério. Não ansiava a ira que ele tinha dentro dele após isso. Nem as
noites não dormidas porque a cama estava vazia e gelada.

O mundo é um lugar frio e maldito, não quero que fique pior. Olho
as fotos de Dominika outra vez, seu rosto redondo assustado. O meu mundo
é o que fez aquela expressão nos olhos dela. Não fui eu. Estou tentando
protegê-la disso, uma vez que me parece que aquele espaço da cidade pode
tornar-se disputado e violento.

Agora que tenho investimentos ali posso me dar ao luxo de me


preocupar.

— Como se já não tivesse inúmeras preocupações…

Digo para mim mesmo, como uma pessoa com problemas mentais
falando sozinha. Mas a verdade era realmente essa. Eu estava cavando mais
um problema, e sabia disso. Mas ao menos, esse, eu sabia o que fazer.

Era o que eu pensava.

Era o que eu esperava.


— Você tem um gosto estranho para homens — Noemia disse, da
porta da despensa.

A olhei, não entendendo o que ela queria dizer. A vi me fitar


curiosa, como se estivesse me vendo pela primeira vez. Deixei em uma das
prateleiras a caixa de pequenos sacos de farinha que carregava, sabendo
bem que estava suja com o pó por todos os lados.

— Não entendi — disse, me aproximando dela.

Vi a mulher cruzando os braços por cima do avental que usamos


como uniforme e semicerrar os olhos, me fazendo olhá-la sem entender o
que estava acontecendo.

— Fiona está em polvorosa, diz que ele tem cara de mafioso.

Aquela frase deveria soar debochada, descolada, até mesmo


engraçada. Mas desde segunda-feira quando recebi os papéis do novo
contrato de aluguel, com o nome do novo dono, eu estava com certo receio
daquela palavra.
O Google tinha me dado poucos detalhes sobre Anton Cornelli, mas
o suficiente para saber que ele era dono de metade da cidade. Não só apenas
imóveis - como esse que estou locando, no momento -, mas empresas,
revistas, marcas.

E pelas coisas que aconteceram naquele dia: do crime também.

— Ele pediu um café, vários salgados para viagem, mas está


aguardando para falar com a dona do estabelecimento.

A voz dela estava abafada, minha cabeça estava apenas pensando no


que ele estava fazendo ali. Eu não estava disposta a sair dali para descobrir,
mas se Noemia dissera que me chamaria, ele não iria embora.

— Você está pálida — ela comentou, me fazendo olhá-la um pouco


receosa.

Tentei sorrir, não querendo que ela ficasse preocupada. Poderia não
ser ele. Não era porque eu estava com medo de tudo que havia acontecido
no final de semana que agora as coisas se resumiam em homens armados e
compras de imóveis.

Respirei fundo, sorrindo e batendo as mãos no meu vestido,


tentando em vão me livrar da farinha que estava em mim. Noemia ainda
estava me olhando um pouco receosa, mas não disse nada, apenas me
deixou passar, avisando que terminaria de guardar os itens no estoque.

Ele estava de costas. E mesmo assim, eu sabia que era ele. Eu


conseguia identificar que era Anton Cornelli. Sua figura estava cravada em
minha mente, milímetro a milímetro. Parei atrás do balcão, olhando-o.
Alto, forte, cabelo alinhado. Sua pele parecia ser queimada do sol.
Eu estava tremendo sem perceber. Apertei uma mão na outra, parando bem
próxima, mas mantendo o balcão entre nós.

Fiona estava fingindo limpar as mesas, olhando-o e sorrindo. Deus,


se ela soubesse o que esse homem era, como ele havia me aterrorizado.
Respirei fundo outra vez, engolindo em seco e falando:

— Boa tarde, sou a proprietária, Dominika… — Minha voz falhou


no final, bem quando ele se virava para mim.

O rosto era exatamente como me lembrava. Olhos claros estão quase


transparentes, verdes como nunca vi antes. Mandíbula quadrada,
sobrancelhas grossas, nariz proeminente, barba recém-feita. O monstro
estava me fitando de forma séria, mas não como há dias atrás.

— Boa tarde. — Sua voz enviou novos arrepios em minha espinha.


A lembrança daquela noite bem viva em minha mente. — Sou Anton
Cornelli, novo…

— Proprietário do prédio. Recebi o contrato atualizado.

A boca dele se moveu brevemente na direita, para cima, os lábios


estavam fechados, mas ele havia sorrido por um segundo. Engoli em seco,
algo nele me aterrorizava e me deixava à beira, como se eu não conseguisse
controlar minha boca.

— Meu sócio disse serem os melhores salgados da cidade…


Ele me mostrou o embrulho que estava levando. Olhei bem dentro
de seus olhos, vendo que eu não estava falando com um criminoso ali, mas
alguém que estava tentando conversar. Respirei fundo, olhando ao redor,
vendo dois homens encostados no carro estacionado na vaga proibida do
lado de fora.

Um deles é o que havia aparecido para arrumar minha porta, o outro


era o oriental que tinha sido baleado naquela noite, o que me salvou. Eles
estavam rindo de algo.

— Muito gentil da parte dele — fui sincera no que disse. — Mas


como posso ajudá-lo, senhor Cornelli?

— Existe algo no prédio que necessita que seja feito? Alguma


melhoria? Reclamação?

Franzi o cenho. Ele estava ali, tentando parecer uma pessoa normal,
com preocupações sobre uma nova aquisição, quando sabíamos que ele era
muito mais que apenas um dono preocupado?

A camisa que ele vestia estava bem esticado por seu peito, branca,
deixava ver alguns desenhos por debaixo, nos braços. Ele era um monstro
realmente, com certeza dois metros de um homem assustador.

— Realmente deu-se a esse trabalho?

Ele sorriu pelo canto da boca novamente. Eu não conseguia


controlar minha boca, precisava parar de tremer de medo e de atacá-lo com
sarcasmo.
— Duvido muito que não tenha algumas pessoas que possam lhe
informar sobre essas pequenas coisas — disse, cruzando os braços, vendo
ao fundo Fiona me olhando com espanto.

— Tem razão. — A voz dele me deixou saber que eu não tinha


razão em nada, mas que ele não se importava com isso, falaria e faria o que
quisesse independente do que eu pensava. — Vim até aqui para chamá-la
para um jantar de negócios.

O fitei sem entender muito bem o que ele havia dito.

— Jantar de negócios?

— Sim. — Pela resposta que recebi, notei que ele não era muito
adepto de não receber respostas quando e quais queria.

— Quais negócios?

Minha pergunta era genuína. O vi se aproximar mais um passo do


balcão, primeiro olhando para fora, vendo seus homens que ainda estavam
rindo, para logo após me olhar novamente.

O verde de suas íris estava mais escuro.

— Vou deixá-la ciente apenas uma vez, Dominika, vou levá-la para
jantar amanhã, às oito. Discutiremos sobre sua delicatessen, sobre o imóvel,
sobre o raio que o parta, mas estará nesse jantar comigo e pronto.

Meus olhos semicerram de forma automática. O medo que sinto dele


é terrível, desencadeia meu instinto de sobrevivência, me faz não conseguir
me conter, então simplesmente saio falando.
Dou um passo também, apoiando os cotovelos no balcão, vendo-o
me olhar surpreso, mas não mover um músculo.

— Não me interessa quem você é, não vou fazer nada que eu não
queira.

Ele deixou aquelas palavras pesarem, me permitiu ter meu momento


de glória. Sorri. Ele também. De alguma forma, aquele sorriso fez meus
joelhos tremerem. Medo e vontade se misturaram dentro de mim.

Mas que merda, Dominika.

— Oito horas. Diego a encontrará no hall do seu prédio. — Ele se


virou, começando a sair. Abri minha boca para retrucar, mas ele apenas me
olhou por cima do próprio ombro. — Sei absolutamente tudo sobre você,
não se preocupe.

Ele saiu sem dizer mais nada e eu não consegui falar. Ao mesmo
tempo que sabia que não poderia retrucar sobre nada, também não sabia se
deveria, ou se conseguiria.

Meus joelhos ainda estavam tremendo, meus braços apoiados no


balcão, talvez por isso não estivesse esparramada no chão. Fiona se
aproximou, Noemia também. As perguntas foram disparadas, mas eu
apenas conseguia olhar Anton entrando no carro com os outros dois
homens. Ele estava sério, mas os outros dois ainda estavam rindo.

O que havia acabado de acontecer ali? O homem que tentou me


matar no final de semana havia acabado de me ordenar a jantar com ele?
Joguei meu celular na mesa, olhando para Corina à minha frente.
Ela estava apenas me fitando, jogada em uma das poltronas do escritório,
apenas esperando que eu falasse o que era para ser feito.

— Tem alguma ideia do motivo disso ter acontecido?

Ela nega, balançando a cabeça, apenas me olhando.

Bato a mão na mesa, irritado. Ela sorri de lado, como se estivesse se


divertindo. Observo minha prima bem seriamente.

— Já parou para pensar que seu apoio pelas outras famílias pode ser
exatamente o que os Ferro estão querendo tirar?

— Eles sabem que não vou deixar barato…

— Não é isso — ela diz, me interrompendo.


Me recosto, cruzando os dedos das duas mãos por sobre a barriga,
aguardando. Odeio que passem por cima do que estou falando, meu humor
está péssimo desde o último final de semana, não sou a melhor pessoa para
ser irritada agora.

Aguardo. Ela se levanta, tirando o casaco e o jogando onde estava


sentada. Já faz um tempo que Corina não é uma adolescente teimosa, com o
nariz quebrado, sangrando, que entrou por minha porta exigindo ser
colocada na guarda.

Lembro que ri e a questionei porque deveria fazer isso. Diego e


Philip entraram logo após, ambos com olhos roxo, nariz e boca sangrando,
desarmados, camisas rasgadas, pareciam terem sido atropelados por um
carro em alta velocidade.

Ela era dez anos mais nova do que eu, dois a menos que Philip, até
os dez anos de idade, não tínhamos motivos para pensar que ela conseguiria
ser alguém na guarda ou ser alguém relevante na família desse modo.
Apenas uma mulher bruta.

Após esse dia, com dezessete, ela já era um soldado. Estava dentro.
Não me arrependi em nenhum momento, mesmo que por várias vezes não
queria colocar minha família na linha de frente. Meu sangue não era para
ser meu escudo em qualquer situação de risco.

Mas ela era. Corina era e estava feliz com isso.

— Vamos supor que você não tenha herdeiros. — A voz dela


escorre sarcasmo. Finjo demência. — Então, se você morrer, a sucessão
óbvia é seu irmão.

— Que eu não tenho — digo.


— Que você não tem. Então, seu consigliere, ficará em seu lugar até
que o conselho coloque outra pessoa, afinal, não existe ninguém de sangue
direto para assumir.

— Philip…

— Nunca deixariam, ele é seu primo por parte de mãe.

Concordo, assentindo com um balançar de cabeça. Ela está andando


de um lado para o outro, fazendo conjecturas enquanto analisa a situação
calma. Uma qualidade ótima em uma pessoa que sempre está batendo em
alguém.

— Diego, com certeza, seguraria o cargo por um tempo, mas os


outros Dons iriam querer colocar alguém logo. — Ela para, se vira, me olha
bem séria. — E se eles eliminarem Diego rapidamente, talvez até ao mesmo
tempo que você…

— Eles podem decidir de uma vez quem terá minha família e tudo
que temos.

Ela assente, bem séria. É um plano simples, já feito algumas vezes


em inúmeras ocasiões por muitas famílias aqui e ao redor do mundo.
Porém, algo ainda não encaixa.

— Bianchi não está compactuando com isso.

— Ela não, duvido que qualquer Rossi também. Os Tettulli podem


querer subir na hierarquia e ganhar sua cadeira no conselho… mas os Ferro
estão fazendo isso. — Ela se senta outra vez, mordendo a unha do dedão
enquanto pensa. — Eles estão tramando porque…
— Eu tenho maior domínio sobre incontáveis negócios do que eles
desejam...

— Não, o Don teria conversado com você, oferecido comprar,


trocado por um bom casamento. Não… os Ferro não querem parceria, nem
divisão, eles querem você morto.

Fico olhando Corina pensar seriamente no assunto. Faço o mesmo.


Não estou conseguindo encaixar os acontecimentos com os motivos. Há
algo que não está aparente. Algo que ainda não sabemos. Respiro fundo,
passando a mão pelo rosto.

— Há algum negócio que você se recusaria a fazer? Algo que eles


podem ter interesse em fazer e precisam que você suma, para concretizar?

A pergunta dela é interessante.

— Vá atrás disso.

Ela assente e se levanta, pegando o sobretudo, começando a colocá-


lo quando um bip ecoa pelo cômodo. Olhamos para meu celular. Bufo
irritado com o aparelho.

— Você precisa de uma secretária — ela diz, antes de sair, sorrindo.

— Mais uma mulher mandando em mim, com certeza.

Sua risada se espalha pelo corredor, por onde ela sai andando
enquanto digita no celular, fazendo o que mandei. Olho meu celular outra
vez. O dia está definitivamente um inferno.
Me levanto, pegando todos os papéis que tenho que ler, analisar.
Estou concentrado quando ouço um bip vindo do aparelho que está
soterrado.

O encontro, vendo que passei mais de duas horas lendo, assinando,


rasgando e me irritando ainda mais.

Reunião: Emily

— Quem diabos é Emily?

Minha cabeça é ótima para certas coisas, mas a porra da minha


memória está indo embora bem rápido. Estar próximo dos cinquenta anos
não é simplesmente estar próximos dos cinquenta anos. A vida era uma
ladeira abaixo e sem freio.

Largo o celular na mesa, olhando os papéis que continuo segurando,


lendo mais algumas linhas, quando a merda do bip ecoa novamente. Então,
alguém bate na porta.

Diego coloca a cabeça para dentro, me olhando do outro lado do


cômodo. Ele está com um semblante de que está se divertindo com algo.
Não entendo.

— Vou trazer a sua reunião.

Não entendo que merda está acontecendo.

Coloco as mangas da camisa para cima. A porta se abre


completamente agora e Diego coloca uma garota à minha frente, olho para
ele sem entender que merda é aquela.
— A filha do banqueiro que queria uma reunião com você. Emily.

Ele está sorrindo. Os olhos puxados dele estão quase fechados do


quanto ele está tentando se segurar para não rir.

Solto todos os papéis que segurava, na mesa, andando até a parte da


frente, gesticulando para que a garota se sente em uma das poltronas.

Observo bem. É uma garota, uma moleca. Óculos redondos, cabelos


com dreads, roupa de colegial que fuma maconha o dia todo. Vejo um corte
recente no lábio e um olho roxo. Semicerro os olhos enquanto sento
parcialmente no tampo da mesa.

— Quem fez isso?

Aponto para o corte, olhando meu consigliere, mas ele nega. Ela
apenas me olha, sem responder nada.

— Não gosto de perguntar as coisas duas vezes.

A vejo olhar bem dentro dos meus olhos, como se estivesse me


desafiando. Mas ela se senta no lugar que apontei anteriormente, se ajeita,
desconfortável, morde o lábio machucado e responde.

— Meu pai.

Até sua voz tem tom de adolescente. Olho Diego, ele percebe as
mesmas coisas que eu. Passo a mão no rosto. Definitivamente não era isso
que eu estava buscando quando disse que aceitaria que ela pagasse a dívida
do pai.
Deveriam ter pesquisado com mais afinco. Preciso de um T.I.
melhor, realmente.

— E ainda assim está aqui para pagar a dívida dele.

— Melhor aqui do que lá.

— Quem te garante?

Diego pergunta, apesar de que se ela não me der motivos muito


sérios, não tenho porque pedir para que a machuquem.

— Você não vai me bater, sou boa no que faço a ponto de você
aceitar esse pagamento da dívida dele.

A audácia. Ela era perfeita para o serviço. O meu setor inteiro de T.


I. só tem homens, ela precisará ser uma leoa se for sobreviver ali.

Me levanto, olhando Diego e depois para ela. A vejo engolir em


seco, mas sem desviar os olhos nenhum momento dos meus. Por mais que
pareça, não estou lidando com uma menina.

— Sabe que vai morrer aqui, não? A dívida que seu pai tem comigo,
é maior que qualquer trabalho que você possa fazer.

Ela assente, sem pensar por um segundo. Aquela resiliência me


deixa receoso. Algo mais estava acontecendo na casa dela.

— Me traía e eu mesmo mato você.


Aponto para a porta e Diego coloca a mão no ombro dela, indicando
que a reunião acabou. Me viro, voltando a meus papéis. Incluindo a pasta
que meu consigliere acaba de deixar ali, o nome da garota está impresso na
lateral.

— Obrigada.

Sua voz é forte agora, mas ainda um pouco infantil. A olho por cima
de meu ombro, vendo que eles estão saindo do cômodo. Assim que a porta
se fecha, passo os dedos pelos olhos fechados, cansado.

Uma adolescente no meio de adultos. Eu estava na merda mais um


pouco.
Oito reuniões, quatro visitas a imóveis, vinte e três pessoas que
mandei eliminar, um milhão de ligações.

Minha cabeça estava latejando de forma que qualquer um que estava


falando comigo, estava tomando um esporro gratuito. Não dei a mínima
para quem fosse. Qualquer um merecia ser xingado.

Me joguei no sofá da sala de TV, um copo de whisky cowboy[5]


quase que derramando do vidro e fechei os olhos. Era mais de seis da tarde,
ainda não sabia como tantas coisas cabiam em um dia.

Ser um Don não era só ser dono das coisas e das pessoas. Eu tinha
uma vida pública e na legalidade para participar. Tinha que comandar
empresas, marcas e inúmeras situações pela cidade. Quando, na verdade, eu
preferia ser apenas Don e me preocupar com apenas um lado das coisas.

Respirei fundo, virando o copo todo na boca, ouvindo alguém bater


na porta.

— Puta que pariu…

Diego colocou a cabeça para dentro do cômodo, rindo.


— Não acredito que minha mãe fosse, mas…

Abri os olhos, muito irritado, mas não consegui não sorrir. Diego
estava me fitando da porta, esperando. Franzi o cenho, que merda ele estava
esperando? Me levantei, indo até o carrinho ao canto, onde todas as bebidas
estavam.

— O que você quer?

— Vou buscar a senhorita Pavlova. — Ele disse, me fazendo


lembrar do compromisso que eu havia firmado com a ruiva. — Ou devo
cancelar?

Coloquei mais um copo quase cheio de whisky para dentro, virando


tudo de uma vez. Diego fez uma careta em desagrado. Dei de ombros,
tentado a fazer outra vez. Mas achei melhor não.

Passei a mão pelo rosto, tentando entender como já fazia vinte e


quatro horas que eu havia pisado naquele estabelecimento e ordenado que
ela jantasse comigo.

Olhei meu consigliere. Ele ainda estava imóvel na porta,


aguardando que eu dissesse algo ou tomasse alguma atitude. Respirei
fundo, olhando ao redor. O enorme cômodo estava um pouco vazio, meu
pai não gostava de assistir TV, então aquela sala nunca foi tão usada, em sua
época.

Eu já não tinha tempo para assistir, então também não havia dado
tanta atenção.

— Não vou dar esse gosto a ela. — Minha resposta o fez sorrir. —
Traga-a.
Ele assentiu, virando-se. Porém, antes de sair, Diego fez o que
sempre faz, me olhou sério e deu um conselho bem estranho para quando eu
mesmo sei que estou fazendo merda.

— Posso estar enganado, mas algumas mulheres preferem não ser


obrigadas a jantar.

Levantei a mão direita, mostrando meu dedo do meio, mas o homem


já estava fechando a porta, me deixando sozinho por mais alguns minutos.

Eu estava fazendo aquilo errado. Por uma boceta? Era possível. Mas
ela não era só isso. Eu queria conversar com ela. Por que quase havia
espalhado o cérebro dela por toda a despensa da delicatessen? Talvez.

A verdade é que ela não era nada para mim, mas aquele local
poderia ser. Eu queria conversar com ela, entender os motivos de querer um
novo empréstimo.

Cavei a vida dela. Cavei cada pequeno pedaço dos vinte e cinco
anos. Poderia ter ido mais fundo e descoberto quem eram os pais dela,
fuçado e desvendado motivos para entregarem para uma mulher de idade,
colocá-la em um orfanato em Chicago.

Porém, aquela informação não me ajudaria em nada. Eu queria saber


sobre ela agora. Queria aquela mulher em constante contato comigo.

Novamente, poderia ter começado com o pé errado, mas não


interessava, não era porque eu poderia nem mesmo tocá-la que cancelaria
aquela reunião. Quando disse que discutiríamos negócios, não estava
brincando.
Se acontecer dela terminar a noite sentada no meu pau, gemendo,
me deixando fodê-la por inteiro, ótimo. Caso não, ainda teria uma situação
muito boa para resolver. Negócios sempre aparecem em lugares
inesperados, e pelos números que vi na conta bancária dela e em toda a
receita e impostos que ela pagava pelo comércio, aquele era um excelente
investimento.

Respirei fundo outra vez, saindo da sala de TV, dando de cara com
Bruce, meu motorista. O olhei bem sério, ele deveria ter saído com Diego
há muito tempo. O homem estava igual uma estátua, parado no corredor
semi iluminado pelas luzes amarelas artificiais presas ao teto e pela luz
natural que ainda vinha de fora.

— Senhor Alido disse que buscará a senhorita Pavlova ele mesmo.

Achei aquilo interessante. Olhei no relógio. Ele havia saído bem


mais cedo que o necessário. Talvez fosse passar em algum outro lugar antes.
Assenti, vendo que o homem ainda assim continuou no mesmo lugar.

— Senhor Anton, posso fazer um pedido?

Cruzei os braços. As coisas que soldados precisam, passam para


outros mais velhos ou diretamente para Diego. Achei aquilo levemente
interessante.

Aguardei.

Bruce era um homem alto, grande, um italiano nato. Mas a verdade


é que eu sabia que tinha um bom coração, por isso era meu motorista. Se
precisasse agir, era rápido, mas ele preferia evitar. Principalmente após a
pequena Isabella nascer. A menina era a paixão de sua vida.
— O senhor sabe… Isabella fará cinco anos…

— Já? — Aquilo me pegou desprevenido.

— Sim, o tempo passa rápido.

Ele falou orgulhoso. Esperei que continuasse.

— Poderia tirar o final de semana de folga? Levá-la para um parque


no sul. — Não estava entendendo porque ele estava me pedindo aquilo.
Mas ele continuou, deve ter percebido que eu estava sem entender. — Já
tenho um substituto, não ficará sem motorista. Apenas…

Ele estava prestes a me pedir algo que, possivelmente, não sou


famoso por realizar. Esperei. Se ele queria algo, que pedisse, eu não iria
facilitar.

— Posso alugar o Bentley, por causa do espaço? As coisas de


criança… a outra filha de Janice também quer ir…

Bati com a mão em seu ombro, olhando-o nos olhos.

— Você sabe onde as chaves estão. Tenho certeza de que cuidará do


meu carro.

Os olhos do homem brilharam. O vi assentir, agradecendo várias


vezes. Me afastei, caminhando pelo corredor.

— Senhor Anton? — O ouvi me chamar, olhei-o por cima do


ombro. — O que dizem sobre o senhor, não é verdade. Seu coração está no
lugar certo, sim.
Assenti, levando aquilo como um elogio. Continuei andando,
subindo para meu quarto, ouvindo apenas pouca movimentação dentro da
casa.

Estava acostumado a ser tratado como um monstro, era normal, era


como eu tinha que ser visto. Meus homens sabiam que não sou conhecido
por ser um homem injusto, mas sou severo em minhas punições.

Não posso controlar um império, uma máfia, um legado, se for um


homem de bom coração.

Mas é bom ouvir que alguém vê que estou com o coração no lugar
certo. Não me torna um fraco, mas um humano. Mesmo que, às vezes,
prefiro não ser.
Dizer que eu não havia pensado em toda a situação desde que Anton
Cornelli saiu pela porta da delicatessen seria uma mentira. O homem não só
tinha uma presença, mas também tinha uma audácia, um jeito horrível de
impor sua vontade, que me fazia querer fazer o contrário só por despeito.

Fiona quase pulou por cima de uma mesa para saber o que estava
acontecendo. Já Noemia, que estava observando nossa interação o tempo
todo, mas com olhos críticos, e não com olhos fascinados, como a outra,
sabia que eu estava desconfortável.

Arrumei meu cabelo com mãos trêmulas, fingi uma normalidade


que não existia, informando para as duas que ele era o novo proprietário do
prédio, que viera para que pudéssemos nos reunir e tratar algumas
pendências.

Claro que eu não contei que ele havia arrombado a porta, quase me
matado, quase morrido. Menos ainda que eu não tinha opção, que ele havia
me ordenado jantar com ele.

E não contei também que eu não iria.


Não iria a um jantar com um homem que obviamente era um
criminoso. Meu senso de moral é muito maior que isso. Não quero nenhum
tipo de envolvimento com essas pessoas.

Todos eles parecem perigosos, mortais e que, cedo ou tarde, vão


morrer com um tiro cravado nas costas.

Por isso, estava tranquila. Havia acabado de entrar em meu


apartamento, estava deixando a pequena compra de feira ao lado da pia,
para limpar e higienizar as frutas e vegetais antes de guardar, quando o
apito característico do interfone soou.

Estendi a mão pegando o objeto, prendendo-o entre o rosto e o


ombro enquanto começava a desembalar as compras, deixando-as ao lado
das sacolas.

— Alô?

— Ele odeia atrasos.

Por um segundo pensei que alguém tinha chamado o número do


apartamento errado, já estava pronta para dizer que o homem do outro lado
deveria verificar qual apartamento ele gostaria de interfonar, quando ele
continuou.

— Cheguei mais cedo porque tinha a sensação de que você o faria


ficar irritado, Dominika.

Engoli em seco. Eu já sabia quem era que estava do outro lado e não
tive nem mesmo tempo de retrucar, ele voltou a falar:
— Te dou vinte minutos ou subirei e te levarei a força.

O clique no fone me deixou saber que ele havia desligado. Fiquei


olhando o aparelho por alguns segundos, tentada a quebrá-lo. No entanto,
eu teria que desembolsar algum dinheiro para comprar outro e instalar,
então simplesmente o coloquei no receptor, olhando ao redor.

A audácia do homem era inacreditável.

Anton havia realmente mandado seu homem me esperar na frente de


meu prédio e eu estava pronta para deixá-lo mofando ali.

Mas e se ele cumprisse com o que havia dito? Se em vinte minutos


ele estivesse ali, arrombando minha porta e me levando à força? Se fosse
Diego, o oriental, talvez eu o superasse em peso. Eu era maior que ele, com
certeza mais pesada, poderia usar isso ao meu favor.

— Se ele estiver armado…

Obviamente ele estaria armado. O homem era um criminoso, claro


que andaria armado para todos os lados.

Fui andando devagar até minha janela, como se ele pudesse me ver.
Abri a cortina, olhando para baixo. Muitas pessoas e carros na rua, mas
apenas um estava estacionado em local proibido, em frente à loja.

Era o oriental que estava ali, me fitando sorrindo. Os braços


cruzados, encostado no carro, no porta-malas, esperando. Os longos cabelos
balançavam para todos os lados, o terno bem alinhado, o rosto fino e pálido,
me deixava saber que sim, ele subiria e me arrastaria para dentro daquele
SUV.
Virei-me, olhando para meu apartamento. Mas que infernos aquele
homem queria comigo? Por que ele pensava que poderia fazer aquelas
coisas? Quem ele pensava ser?

Andei irritada até o banheiro, tirando a roupa. Eu iria nesse jantar,


deixaria claro para aquele homem que o prédio poderia ser dele, mas eu não
queria ter nada com qualquer ilegalidade que ele estivesse começando a
planejar para o local.

Caso ele não aceitasse essa resposta, eu sairia de lá em um saco


preto, mas não cederia. Não me interessava o que ele tivesse a dizer.

Anton Cornelli não poderia ter tudo que ele bem entendesse apenas
por ser ele. Não era possível que as pessoas não haviam ainda dito não.

— O quê?

Questionei o homem que estava me fitando surpreso enquanto eu


atravessava a rua, me aproximando do carro preto.

— Um jantar de negócios — suas palavras soaram estranhas, como


se estivesse debochando de mim.

— Caso não seja, darei meia volta e você pode tentar me arrastar até
Anton.
Diversão passou pelos olhos quase cinza daquele homem, mas ele
não disse nada, apenas se dirigiu até a porta traseira do lado do passageiro,
abrindo e aguardando.

Olhei ao redor, como se houvesse qualquer tipo de salvação ali, mas


as pessoas estavam cuidando da própria vida, seguindo para suas casas ou
diversão. Ninguém ali estava preocupado com o que poderia estar
acontecendo com uma ruiva, bem vestida, entrando em um carro com um
asiático bem vestido e inocente.

Porque se você realmente olhasse, a cena era essa. Mas Diego tem
uma aura que emana perigo. Posso ver isso, porque o vi com tiros no corpo,
segurando uma arma, protegendo Anton e o impedindo de me matar? Sim.
Mas ainda assim, ele tem olhos de alguém que já sofreu, mas também sabe
fazer pessoas sofrerem.

— Obrigada — agradeci assim que entrei no carro, vendo-o acenar


com a cabeça, fechando a porta e seguindo para o outro lado, sentando na
parte da frente e ligando o veículo.

O vi sair pelas ruas da cidade, começando a sair do grande centro.

— Aonde vamos?

— Mansão Cornelli. — Ele respondeu baixo, me olhando pelo


retrovisor.

— Por quê?

— Mais fácil sumir com seu corpo. — O sorriso dele era apenas um
levantar dos cantos dos lábios, mas suficiente para enviar duas mensagens
ao meu cérebro: diversão e perigo.
O fitei duramente pelo retrovisor, meu olhar não sendo nem
minimamente eficaz, o sorriso continuou nos lábios dele, enquanto dirigia
cada vez para mais longe do centro.

Engoli em seco, mesmo que não achasse que aquela era a realidade,
Diego parecia disposto a se livrar de mim, se Anton mandasse. Por isso, não
levei a sério, mas também não estava completamente convencida de que
isso não aconteceria.

Era melhor estar alerta.

Em minutos chegamos. Os portões que se abriram eram de uma


mansão. Altos, grossos, intransponíveis sem uma autorização. Dois guardas
armados estavam de vigia na parte externa, dois na interna. Engoli em seco
outra vez, eles não escondiam as armas ali, era visível que Anton estava
protegido por todos os lados por pessoas dispostas a matar quem tentasse
entrar sem ser convidado.

Um caminho de pedras escuras era margeado por altas árvores,


cheias de flores vermelhas. Aquilo era lindo.

— A mãe de Anton amava essas flores, o pai mandou plantar por


todo o terreno quando ela morreu, para lembrar-se dela.

— Oh. Que lindo.

Realmente era. Um gesto assim para lembrar a esposa falecida é


algo tocante. Sorri ao ver que era verdade o que Diego dissera, assim que
entramos na área que mais dois carros estavam estacionados, mais e mais
vasos, arbustos e árvores eram recheados daquela flor. Parecia terem uma
infinidade delas ali.
Sai do veículo antes que Diego abrisse a porta, vendo-o sorrir disso.

— Uma lady. — Brincou, me fazendo sorrir de lado, mas aceitando


a mão que ele oferecia para me ajudar a andar pelas pedras, uma vez que eu
estava com um pequeno salto.

— Tire as mãos dela, Diego, ou Anton vai cortar todos seus dedos.

Uma voz feminina me chamou a atenção do alto dos pequenos


degraus brancos que estávamos subindo. A mulher que estava arrumando
minha porta aquele dia, estava parada na frente da casa, comendo uma barra
de chocolate, me fitando.

— Sei me cuidar sozinha, obrigada.

Soltei a mão de Diego assim que chegamos em frente às enormes


portas de carvalho. Os dois se encaram, nenhum prestando atenção em mim
por alguns segundos. Aproveitei para olhar ao redor, vendo a enorme casa
de três andares, pintada de amarelo-claro.

Inúmeras janelas brancas. Algumas com as cortinas fechadas, outras


com as folhas de madeira abertas, deixando a vista de dentro ser conferida.
Muitas pessoas deveriam morar ali. Muitas luzes acessas.

— Leve-a, Anton está com fome.

Olhei para a mulher outra vez, notando que ela estava novamente
com o casaco aberto, as armas à vista. Encarei seu rosto, me aproximando
um passo. Ela não deu a mínima para a minha aproximação, continuou com
a mesma posição, comendo, relaxada.
— Não sei o que ele é seu, e não…

— Meu primo. — Declarou com a boca cheia de chocolate. — Você


vai entender rápido que aqui você não é ameaça para ninguém.

— Corina… — Diego disse, em tom cansado, passando a mão no


rosto.

— Talvez ao pau dele…

Ela deu de ombros, virando-se e entrando.

Por um segundo fiquei colada ao chão, surpresa. Mas meu cérebro


deu uma ação às minhas pernas, e em segundos eu estava no amplo hall da
mansão, segurando aquela mulher desbocada pelo braço, virando-a para
mim.

— Escuta aqui, sua sem noção.

Ela estava rindo, mas me olhando ameaçadoramente. Havia


terminado o chocolate, estava lambendo os dedos sujos. Havia algo nela
que me dizia que tudo aquilo era fachada, mas uma que ela sabia usar muito
bem e que não deixava ninguém derrubar.

Que ela mataria quem tentasse.

— Eu nunca vi Anton trazer as piranhas dele para cá, normalmente


ele fode no carro, no banheiro de algum lugar e ótimo. — A mão dela
segurou meu braço. Os dedos finos apertaram com uma força surreal para
alguém do tamanho dela.
Olhei em seus olhos verdes, o sorriso ainda estava lá.

— Você deve ser mais do que uma piranha. Anime-se. Ele está
precisando de um herdeiro.

— Corina!

A voz de Anton ecoou pelo cômodo, fazendo com que nós três
olhássemos para a direita. O homem estava parado em frente a porta de uma
enorme sala de jantar. Corina me soltou devagar, assim como eu a ela.
Diego estava próximo a Anton em um instante, murmurando algo
suavemente.

Vi o homem me encarar bem sério, mas sorrir no segundo seguinte,


fitando Diego. O oriental me fitou uma última vez por cima do ombro,
sorrindo. Então, olhou Corina, fazendo um movimento com a cabeça,
chamando-a para ir com ele.

Os olhos verdes dela me fitaram de cima a baixo, sorrindo.

— Você é o número dele.

— Corina, pelo amor de Deus…

Anton estava irritado, mas parecia ter uma paciência ímpar com a
prima. A mulher saiu do cômodo com Diego, me deixando sozinha no Hall,
olhando o dono da casa, sem saber o que fazer.

— Ela é difícil — ele disse, dando um passo para o lado, mostrando


a sala de jantar com a mão.
— Um eufemismo — comentei enquanto entrava no outro cômodo.

— Mas tem bom coração.

— Poderia tirá-lo do peito dela para que eu veja?

Ele riu. Um riso rouco, alto, grosso. Um arrepio passou por minha
espinha. Um que nada tinha com o medo que sinto por Anton Cornelli. Me
afastei alguns passos, qualquer desculpa para não deixá-lo ver qualquer
reação.

Olhei ao redor. Um local lindo. Móveis com madeiras grossas,


tapetes coloridos, iluminação baixa amarelada, deixando o ambiente
agradável. Uma mesa de seis lugares ocupava o centro do local. Dois
lugares na ponta estavam arrumados com pratos, talheres, taças e copos.

Me dirigi até um deles, me sentando sem cerimônia alguma.


Procurei Anton, achando o homem encostado em uma parede, me olhando
com olhos curiosos. Levantei as sobrancelhas, o questionando.

— Você é realmente alguém que não aceita nada de ninguém de


graça, não é?

Não entendi a pergunta, apenas o fitei seriamente.

— Diego me disse que você não viria. — Assenti, curtamente. Ele


sorriu, aproximando-se. — Apenas a menção de um possível sequestro te
fez vir.

— Não sou fã disso.


Minha língua ficava sem controle com Anton perto. O medo e a
afronta estavam se digladiando desde que o vi. Ele se sentou ao meu lado,
na ponta da mesa, me fitando.

— A proposta que quero fazer a você é de negócios. — Respirei


fundo, abrindo a boca para negar, mas ele levantou a mão, me fazendo parar
o que diria. — Não se engane, não quero nada ilícito de você. Minha
proposta é completamente dentro da legalidade.

Lá estava. Anton Cornelli havia dito sem precisar falar que ele era
um criminoso. O que o fazia um criminoso, eu não sabia. Mas a prova
estava naquela frase. Apoiei meus cotovelos na mesa, um gesto que ele
ficou observando por alguns segundos.

— Não preciso de sócio.

— Ouça o que tenho a falar, Pavlova.

Era uma ordem.

Um tremor se apossou do meu corpo, trazendo as sensações daquela


noite em mim. Lembrar das palavras dele, do medo, da ordem, tudo estava
se misturando. Anton pareceu perceber.

— Escute minha proposta enquanto comemos.

Por um passe de mágica, duas mulheres começaram a trazer pratos e


mais pratos de comida, doces, vinhos, água e sucos. Fitei tudo aquilo
achando surreal que apenas nós dois comeríamos.

— Coma.
Outra ordem.

Mas essa fingi não ouvir. Peguei uma taça de vinho e olhei a
comida, meu estômago estava revolto, mas beberia antes de comer.
Precisava me acalmar.

Sem nem ao menos pensar, Anton começou a falar sobre


minha delicatessen, sobre lucros, gastos, gerenciamento. Em minutos ele
tinha minha completa atenção. O homem havia feito uma pesquisa vasta e
profunda.

Com mais alguns minutos eu estava comendo, ouvindo enquanto ele


dizia sua proposta, ficando empolgado ao falar sobre um futuro para o meu
negócio. Notei cada detalhe de seu rosto enquanto ele falava, analisando.

Era um homem bonito, mas com traços duros. Ele parecia estar
pronto para fazer um estrago em qualquer lugar que aparecesse, inclusive
na cabeça de uma mulher desavisada.

— Mas podemos deixar tudo isso de lado e focar em você gerar meu
herdeiro, como Corina disse.

Parei de comer o doce que estava na minha frente, terminando de


mastigar a cereja rapidamente.

— O quê?

— Brincadeiras à parte. Entendo você querer negar que exista tesão


entre nós. Fique à vontade, mas sabe que podemos apenas transar e
continuar essa parceria.
Eu ri. Foi espontâneo. Ele não pareceu gostar disso.

— Não permitira que encostasse em mim, Anton. Nem com uma


vara de dois metros.

Levantei, indo para trás da cadeira. A reunião de negócios havia


acabado ali para mim. Ele estava partindo para outro território. Eu não
entraria ali, não cairia na lábia dele.

Apesar de que sim, a tensão entre nós era grande. Parecíamos ímãs
querendo ficar próximos a qualquer custo. Mas, também sabia que aquilo
não era nada saudável, para mim. Para ele, eu não tinha ideia. E, com
sinceridade, não estava querendo saber.

— Você não está entendendo, Pavlova — ele disse, se levantando e


começando a caminhar em minha direção. — Não é uma pergunta.

Dei dois passos para trás, ele estava muito próximo.

— Não me interessa, Cornelli — falei, já que iríamos usar


sobrenomes. — Não vai encostar em mim desse modo.

O homem parecia um touro bravo. Ele fechou o semblante, vindo


até mim ainda mais rápido. Sua mão bateu no interruptor das luzes da sala,
ligando todas de uma só vez. Meus olhos arderam.

Minhas costas bateram na parede ao fundo, próximo da porta de


entrada. Ele estava parado à minha frente, me olhando muito sério. Eu tinha
que inclinar a cabeça para cima para olhá-lo nos olhos, ele tinha que fazer o
contrário.
— Vire-se para a porra da parede, Dominika.

A voz grossa, autoritária, me deixou com as pernas bambas, mas


obedeci, mesmo que minha vontade fosse mandá-lo ir à merda.

Eu estava com medo, mas sentia aquela sensação de vontade de


contrariá-lo se apossando de mim também. Anton poderia ser quem fosse,
existia um limite para suas ordens.

Mas não tive tempo nem mesmo de dizer algo, seu corpo pressionou
o meu, sua mão segurou meu queixo, com força, não me dando
oportunidades de me separar ou virar.

A outra mão se embrenhou em minhas calças, abrindo o botão. Eu


estava tremendo de vontade. Temos essa atração ridícula um pelo outro,
mas eu não conseguia crer que seria apenas ele colocar as mãos em mim e
eu seria uma manteiga derretida. Era bem patético da minha parte, já tinha
dito para ele que nunca chegaria perto dele daquele modo minutos antes.

O corpo agora estava completamente pressionado ao meu, consegui


sentir o quão duro ele já estava, mesmo por dentro das calças. Gemi. Eu
gemi sem conseguir me controlar, ganhando um sorriso dele.

Semicerrei meus olhos, odiando que ele estivesse satisfeito.

Em segundos os dedos dele encontraram minha calcinha, achando


meu clitóris facilmente, mesmo que por cima do tecido. Ele sorriu outra
vez, começando a me tocar ali, primeiro devagar, logo começando de forma
rápida.
Puxei meu rosto de seu aperto, não querendo que ele ficasse me
olhando nos olhos enquanto me masturbava. Já não estava sendo fácil não
gozar simples e facilmente por toda aquela situação. Ele me pressionava na
parede, me deixando louca.

O corpo forte, grande, parecia que me engoliria sem fazer esforço.

Merda, eu não tinha nem mesmo beijado esse homem. O que era
tudo aquilo?

Sem pensar, empurrei meu corpo para trás, forçando-o a me


empurrar para frente, me prendendo entre ele e a parede. Fechei os olhos,
minhas coxas tremiam. Porém, senti que ele estava gostando. Seu pau
estava duro, esfregando-se por minha bunda toda, como se não soubesse
onde queria parar.

Minha mente me dizia para interromper tudo aquilo, afinal nós não
havíamos nos tocado pele com pele, ele não estava por dentro da minha
calcinha, eu poderia usar isso como defesa contra minha vergonha mais
tarde.

Claro que era uma defesa ridícula, mas eu estaria discutindo comigo
mesma, não ligaria. Mas não dava para parar naquele momento. Nenhum
dos dois queria parar, era visível.

Empurrei, os gemidos e estremecidas dele estavam me deixando


louca. Não sabia o que fazer agora, por isso apenas fiquei parada. O pau
dele estava encaixado em minha bunda, mesmo que ainda estivéssemos
ambos completamente vestidos, aquela sensação era tão boa.
Os dedos dele me atacavam, brincando com meu clitóris por cima
da renda ainda. O cômodo estava tão iluminado agora que parecia um
consultório. Eu estava gemendo desesperada, parecia que nunca tinha tido
um orgasmo na vida.

Empinei, querendo mais do corpo dele pressionado ao meu. Ele


mordeu meu pescoço, me fazendo amolecer e Anton percebeu a deixa.

Seus dentes cravaram em minha pele, a mão se movimentou mais


rápida, o pau se encaixou ainda mais duro em mim, pronto, eu estava
entregue.

— Goze agora.

Era isso que eu precisava. Minhas pernas amoleceram, meu corpo


tremeu violentamente, meus olhos se fecharam e eu empinei, esfregando
sem pudor algum no pau dele.

Anton rosnou e me mordeu outra vez, também esfregando o quadril


em mim, me dizendo que eu o mataria do coração, o quanto ele estava se
sentindo um moleque agora.

Minha mente estava turva, nublada. Meu corpo estava entregue, se


esse fosse o momento que ele me mataria por todas as coisas que disse no
jantar, eu seria um alvo fácil.

Entretanto, Anton me virou, segurando meu rosto com as duas


enormes mãos, me beijando. Sua boca reivindicou a minha, a língua me
acariciou. Eu já havia sido beijada antes, mas nada se comparava àquilo.
Era um beijo e uma carícia ao mesmo tempo. Como se por aquele gesto
Anton estivesse me deixando vê-lo por inteiro.
Cada célula do meu corpo estava tremendo e se rebelando ao mesmo
tempo, com o movimento de sua boca, de sua língua. Seu corpo estava
junto ao meu, me apertando, me segurando.

Qualquer ideia que eu tinha de que ele não me afetaria após aquele
lapso que tivemos, acabou ali.
Bato outra vez no saco de areia da academia, com força. Suor
escorre por meu corpo, o ar condicionado está desligado. São quatro da
manhã. Eu não consegui dormir, meu corpo está em alerta, como se eu
conseguisse prever que algo acontecerá.

Era sempre desse modo. Minha família dizia ser uma maldição, eu
chamava de instinto. Ter um alerta constante em sua cabeça sobre algo que
pode te matar, seja o que for, é bom. Mesmo que isso deixe tudo
incrivelmente mais difícil de fazer.

Acerto outra vez, e outra. Meus braços estão ardendo, meus dedos
estão com cãibra. Não consigo dormir, estou em alerta por diversos
motivos. Deitei na cama, pensei em todas as coisas que preciso resolver,
necessárias para que meu negócio, minha família continue.

Tenho quarenta e seis anos, não ficarei mais novo, não estou
deixando esse império para alguém do meu sangue. Até agora vivi dele e
para ele. Corina não poderia ter me perguntado, colocado essa pulga atrás
da minha orelha. A maldita sempre consegue fazer essas coisas.

Mas ela tem razão. Corina colocou um questionamento dentro da


minha cabeça: quem assumirá, se ou quando, eu morrer?
Hierarquias são coisas a serem levadas a sério, mas a linhagem
direta dos Cornelli terminaria comigo. Philip e Corina são meus parentes
mais próximos, mas ainda assim não assumiriam de primeira. Teriam que
matar muitos para conseguir isso.

Seguro o saco de areia, parando com ele no centro do cômodo. Suor


escorre por minha testa, limpo com as costas da luva, espalhando mais suor
por meu rosto do que o retirando. Observo as sombras das luzes do lado de
fora sendo projetadas para dentro pelas grandes portas de vidro da
academia.

Estou sozinho. Não sou imbecil de negar que ter uma mãe morta
pelo câncer, um pai assassinado, nenhum irmão legítimo, nenhum filho, me
deixa completamente sozinho. Algumas dessas coisas não são minha culpa,
mas uma grande e bem importante é.

Não consegui me importar suficiente para fazer um herdeiro.


Mulheres sempre foram problemas que eu não queria resolver, não estava
disposto a lidar. Tinha muitas outras coisas que eram necessárias antes.

Então, essa parte foi ficando para trás. Essa área ficou escanteada.
Um moleque correndo pela casa ou uma menina rindo e se divertindo com a
mãe não era nem mesmo de longe algo que eu poderia me dar ao luxo de ter
naquele momento.

Pessoas estavam tentando me matar, todos os dias. Por mais que eu


soubesse que gerações e gerações faziam isso há anos, eu ainda tinha todas
as porras de restrições. Pensar em alguém fazer com minha esposa e um
filho ou filha o que fizeram com meu pai, me deixa com uma raiva nada
saudável.
Soltei o saco, voltando a bater, andando ao redor dele. Pensar em
coisas como aquelas fazia meu sangue ferver. E pensar em família me fazia
voltar ao real motivo de estar acordado: Dominika.

Lembrar da bunda grande, redonda, perfeita de Dominika naquela


calça social, enquanto eu esfregava meu pau nela, gozando dentro da minha
calça, era ao mesmo tempo, excitante e vergonhoso. Não fodê-la foi a coisa
mais difícil que já fiz na vida.

Deixá-la ir embora após tudo aquilo não foi simples. Mas ela pediu,
com olhos verdes brilhantes, estremecendo não apenas de desejo, mas de
medo. Então, a soltei, dando vários passos para trás, chamando Diego.

Pedi que a levasse para casa, entregando o contrato da sociedade


para ela quando a deixasse em segurança.

Diego não comentou que havia achado tudo aquilo estranho. Menos
ainda a mancha em minha calça. Mas conheço meu consigliere. Ele é meu
braço direito, sabe quando algo está fora do eixo. Porém, sabe ser paciente e
discreto quando precisa.

Beijá-la foi um erro.

Enfiar minha língua na boca dela, me abrir e baixar a guarda, me fez


deixar com que ela entrasse. E Dominika havia se instalado em cada
pedaço. Era emocionado e patético. Tenho quarenta e seis anos. Não sou um
moleque. Já comi mais mulheres do que posso lembrar. Já fui perseguido e
quase assassinado inúmeras vezes. Matei a sangue-frio muitos homens e
mulheres.
Mas nada havia me fodido a cabeça igual essa mulher. Preciso
resolver isso. Preciso colocar a cabeça no lugar e descobrir como posso
voltar ao eixo. Não estou procurando uma esposa, uma mãe para um
possível filho.

Dominika Pavlova não será isso.

Farei que seja mais.

Ela entendendo rapidamente que é minha a partir de agora ou não.

Não havia nada menos satisfatório do que saber que buquês de rosas
vermelhas estavam chegando na casa de alguém porque eliminamos uma
pessoa importante que morava ali. Mas naquela situação atual, eu estava
mandando buquês para as famílias de quem fosse dormir com os peixes,
como meu pai dizia.

Buquês e mais buquês estavam sendo enviados.

As coisas haviam saído do controle por alguns dias. Corina e Philip


estavam em busca de quem seria capaz de fazer qualquer tipo de
movimentos onde eu pudesse ser o alvo e me tornar estatística para eles
prosseguirem.
Diego estava tentando continuar alguns negócios sem que fosse
obrigatória minha presença. Mas existem coisas que não se pode enviar
um consigliere, o homem que tem que estar presente é o Don.

E lá estava eu.

A família Bianchi era forte e poderosa, a Don era uma mulher justa,
mas cruel com quem merecia. Não aceitava que a colocassem para baixo,
que a fizessem se sentir como se por não ter um pau, ela não merecia ser
ouvida.

Por muitos anos soubemos de muitos homens que estão


‘desaparecidos’, apenas por se negarem a negociar com ela, alegando que
apenas respeitavam um Don homem. Não me importa o que ela tem entre as
pernas, a mulher lidera aquela família como qualquer outra pessoa digna,
isso é a única coisa que realmente importa.

Gosto de lidar com pessoas íntegras, pessoas que sabem o que estão
fazendo. O futuro estava nos mostrando há anos que não podemos mais
olhar para trás e acreditar que algo como isso não aconteceria. Mais cedo ou
mais tarde uma mulher poderia comandar qualquer família.

Ela se levantou quando entrei no cômodo, um gesto de respeito que


todos fazemos para qualquer Don que entra em um cômodo que já estamos,
mesmo que a contra gosto.

Ela faz de bom grado. Gosto disso.

Jullietta é uma mulher pequena, mas com olhos negros atentos.


Procurou rapidamente por entre os homens que estavam me acompanhando,
Diego. Meu consigliere é minha sombra, ela sabia que se ele não estava ali,
algo estava errado.
Estamos em um dos meus hotéis, o lounge quase que vazio por
ordem minha. Separei tal lugar para podermos conversar sem interrupções e
menos ainda, problemas como os da última vez que me reuni com
um consigliere de uma das famílias.

Não creio que as pessoas que desejam minha morte, irão falhar uma
segunda vez.

Ela está com cinco soldados a cercando como se fosse uma espécie
rara. Estou apenas com Corina e mais três soldados mais velhos. Me
aproximo para abraçá-la, sentindo os lábios dela em meu rosto de leve, com
o máximo de respeito. Assim com faço com ela quando a cumprimento.

— Então, soube que está começando a comprar terreno neutro.

A voz dela é baixa, mas firme. O sorriso que ela me dá diz muito.

Me sento em uma das poltronas do lounge, abrindo o botão do


sobretudo, ficando confortável dentro do possível. Estar com um alvo na
porra das costas não é nada agradável.

A sensação de que alguém está me observando a cada momento,


cada passo, não passa. Sinto que alguém está me acompanhando, anotando
tudo que faço, quando e com quem.

— Apenas um bom negócio que estava barato — respondo


vagamente, mas ela sorri de lado, como se soubesse que é mentira.

— O que anda acontecendo? Por que atentaram contra você?


A pergunta fez com que parasse de sorrir, ela não estava mais
jogando verde, ela estava ali para recolher respostas.

Inclinei-me para frente, apoiando meus cotovelos nos joelhos,


olhando sério para a Don sentada na poltrona ao meu lado. O casaco de pele
que ela veste parece muito autêntico, como se até poucos dias atrás ainda
estivesse vagando pela savana.

Os longos cabelos têm vida. A pele brilha preta. O corpo é


escultural. Jullietta conhece todos os problemas em ser quem e como é.
Entretanto, não dá a mínima. É uma mulher poderosa, não vai simplesmente
deixar um problema que pode afetá-la passar.

— Ainda estou procurando os motivos.

— Ferro?

Sua pergunta me faz olhá-la, sério. Os olhos dela estão cravados em


meu rosto, procurando algo.

— Eles não são discretos. — Dá de ombros, como se não importasse


o que diz. — Os Rossi sabem o que podem ou não fazer, mas os Ferro…
meus passarinhos e suas esquinas, são valiosos demais para que eles não
tentem algo de tempos em tempos.

Os passarinhos são os aviões que ela usa para traficar drogas,


pessoas, informações, o que quiser. O espaço aéreo é dela, Jullietta o
controla. Minhas esquinas são as ruas principais que sou dono, quais
sempre foram visadas para poderem colocar pontos de vendas de drogas e
sexo.
Eu os utilizo, mas sei que muitas das famílias gostariam de ter
aqueles pontos. É muito lucrativo. Não me engano por nenhum momento
que qualquer um dos Dons não gostaria que eu morresse para poderem
depenar o que é Cornelli e ter controle de tudo isso.

— Se estão tentando me matar, estão fazendo do jeito errado.

Ela sorri do que falo, mas balança a cabeça, assentindo. Espero.


Jullietta está ali por um assunto específico.

— Precisa de um herdeiro, Anton.

Sua voz é séria, mesmo que o rosto tenha voltado à máscara de


antes. A olho de canto de olho. Ela não está falando aquilo porque gosta de
mim, ou de crianças em alguma unità anual. O que ela está dizendo é que
não posso deixar a família desamparada.

— Eu sei.

Passo a mão no rosto, me recostando na poltrona verde que encaixa


perfeitamente ao ambiente, a decoração verde e dourada do hotel.

— Ninguém poderá fazer nada se você morrer, mas se um herderio


direto de seu sangue estiver vivo — ela diz, mas existe um porém por trás
de suas palavras. — Mesmo que Diego é que vá criá-lo.

Sei bem o que ela está tentando dizer.

É a realidade. Ela estava grávida de gêmeos quando se tornou viúva.


Uma mulher sozinha, com duas crianças. Mas ela deu conta de tudo,
o consigliere dos Bianchi a forjou direitinho.
— Não precisa estar apaixonado. — A ouço dizer e a olho de canto
de olho. — Às vezes, é simplesmente isso, ter um herdeiro.

— Não seja hipócrita. — Minha voz saí ríspida, Corina se move ao


meu lado. — Estava grávida quando mataram seu marido.

— Sim, estava grávida do homem para o qual fui vendida como


carne.

Ela diz ainda mais ríspida. Mas o rosto suaviza com as próximas
palavras, como se algum sentimento dentro dela tivesse tomado conta de
sua boca.

— Mas amei meu marido, o amei ainda mais por me dar meus
filhos.

Amor.

Amor quase enlouqueceu meu pai quando minha mãe morreu. Amor
quase o matou quando ele percebeu que eu era seu único herdeiro e que
poderia, também, me perder um dia.

Essa palavra era o que me fazia querer Dominika na minha vida


após apenas um beijo. E eu era patético em estar cedendo a algo tão rápido,
perigoso.

— Nós não temos esse direito, Anton, ao menos, não o tempo todo
— ela disse, com a voz triste, mas o rosto é uma máscara, não demonstra
absolutamente nada outra vez.
Ela sabia que existia alguém. Jullietta sabia da existência de
Dominika. Alguém estava vigiando meus passos, os últimos
acontecimentos, e informando todas as famílias.

— Faça um herdeiro, deixe suas coisas em ordem.

Era um conselho. Um bem sábio.

— Preciso que repasse todo o material que meus passarinhos


trazem, Anton. O que temos é lucrativo e seguro. Deixe suas coisas em
ordem.

Ela se levantou, deixando claro que aquela reunião havia acabado,


ela estava satisfeita com as respostas que tirou de mim. Me levantei, me
despedindo e vendo a mulher sair do edifício.

Respirei fundo, olhando Corina, que me fitava muito séria.

— Ainda não é isso — ela diz, pensativa. — Se eles quisessem


comandar as ruas, saberiam que precisam da Bianchi também.

— Ou a falta dela.

Declaro e os olhos de minha prima se arregalam brevemente,


surpresa. Mas essa é a última coisa que estou.

Vivemos entre lobos, não me surpreenderia que um atacasse outro.


Mesmo que para isso tivesse que atacar vários outros antes.
Saio do prédio, seguindo para a mansão. Preciso pensar, preciso que
Diego tenha respostas, que Philip me traga novidades. Já é quase nove da
noite quando consigo pisar dentro de minha casa. Estou exausto, dormiria a
porra de um dia todo.

Porém, assim que entro em meu escritório, Philip entra também, me


olhando bem sério.

— Acabam de tentar matar Jullietta Bianchi a caminho do


aeroporto.

Me viro, olhando meu primo de forma séria.

— Ela está bem, morreram apenas alguns soldados…

Não digo nada, apenas fico fitando Philip. Ele sabe bem o que estou
pensando. Era inevitável pensar daquele modo após isso.

— Alguém está me seguindo, de perto — declaro, o homem à minha


frente apenas acena, concordando.

— Alguém da família?

Sua pergunta me machuca.

Não consigo acreditar que alguém a quem providenciei comida,


emprego, moradia e minha lealdade poderia me trair tão facilmente, e aos
meus associados, para um inimigo. Porém, tudo que estava acontecendo,
me dizia que sim.

— Querem eliminar a concorrência.


— Destruindo tudo que pode mantê-lo aqui e ativo. — Philip fala, e
a única imagem que vem na minha cabeça é Dominika.

Se Jullietta sabe sobre ela, todos sabem. Por mais que nada tenha
acontecido, eu cravei um alvo nas costas dela. A porra de um alvo vermelho
brilhante.

Comprei o prédio, fui até ela, a obriguei vir aqui, investi em seu
empreendimento. Fechei os olhos, irritado com minha burrice sentimental.

— Vá até Dominika, mande Diego também. Eles vão matá-la.

Meu primo assente e sai correndo. Sento em meu sofá, olhando o


tapete. Eu não preciso disso. Nem quero isso. Não serei meu pai quebrando
tudo por um coração dilacerado.

Não amo Dominika, mas ela é minha. E ninguém colocará a mão no


que é meu.
— Chega a ser cansativo ficar fazendo tudo isso para quase nenhum
resultado.

Um dos homens ao canto diz, atraindo o olhar de quase todos os


outros engravatados ali.

Era visível que as pessoas sentadas naquela longa mesa, dentro


daquela cozinha em um restaurante na área da família Ferro, estavam
apreensivos. Eles todos sabiam que o ataque a Anton Cornelli e Jullietta
Bianchi não seria visto com bons olhos pela única família ainda sem ter
nenhum tipo de membro falecido.

Mas eles não estavam se importando muito. O plano estava traçado.


Os homens estavam a caminho de fazer com que ninguém sobrevivesse.
Não era de interesse deles que alguém das outras três famílias ficasse vivo.

Certamente era impossível eliminar todos os membros, mas eles


estavam apenas mirando nos Dons e seus herdeiros.

— E o que você sugere?

Um senhor perguntou, curioso.


Não estavam ali para discutir, mas para aguardar sobre o próximo
passo que deveriam dar. A família Ferro poderia não ser tão numerosa
quanto as outras, mas era grande e os homens corajosos. Algumas pessoas
diriam burros e inconsequentes, mas eles pensavam diferente.

Há anos os mais velhos queriam tomar controle das ruas da cidade.


Mas existia a família Cornelli que tinha os melhores lugares, as melhores
áreas de drogas e prostituição. Por isso, expandiram, passaram a traficar.

Os homens da família Ferro não tinham escrúpulos, e achavam


patético e demonstração de fraqueza quem tinha. Por mais que fizessem
parte de uma sociedade do crime organizada, com regras e limites, estavam
há muito tempo planejando um meio de serem a única família, de estarem
na frente de todos os negócios.

Ou ao menos, não precisarem de tantas fatias serem cortadas desse


bolo.

Existir uma mulher comandando uma família era desrespeito. Eles


não conseguiam entender como os outros dois Dons principais não davam a
mínima. Por isso, eles haviam decidido que ela também morreria.

Vender drogas, traficar drogas. Vender mulheres, traficar mulheres.


Para os Ferro era bem simples. O problema é que Cornellis e Bianchis
controlavam o ar e as ruas.

Não tiveram coragem de entrar no ramo de tráfico de mulheres,


levando também todas as drogas possíveis. Mas os Ferro tinham. E alguns
dos homens mais velhos tinham quase que certeza de que os Rossi
poderiam querer participar.
— Mate as mulheres, matem os parentes, os filhos, os consiglieres e
os soldados mais graduados. — O homem disse, aproximando-se da mesa,
vendo todos os olhos nele. Sentiu-se importante, mesmo que fosse um
soldado qualquer. — Só então os Dons vão ficar vulneráveis.

Um tiro resoou alto pela sala, muitos levantaram e apontaram a


arma para o senhor que havia feito a pergunta ao soldado. Que agora estava
esticado na mesa, sangrando pela testa, onde o tiro tinha acertado
precisamente.

— Me tragam ideias idiotas e responderei desse modo.

Muitos ali sabiam que mesmo que fosse uma boa ideia, o homem
teria aquela reação. Ele odiava ser interrompido ou contrariado. Lorenzo
Ferro era o Don, e sua paciência era pequena e limitada.

— Não temos porque elaborar, criar métodos novos — Lorenzo


disse, levantando-se devagar, já não era um homem de vinte anos, mas não
deixaria que vissem que a idade também o afetara de forma rápida. —
Apenas precisamos matar Anton e sua nova mulherzinha. Não me interessa
se é a noiva, puta, amiga, foda-se. Quero essa mulher morta.

Ninguém disse absolutamente nada, apenas assentiram,


concordando com o homem, que ainda estava segurando a própria arma,
olhando ao redor.

— E mandem tirar esse lixo daqui.


O Don apontou para o soldado morto na mesa, que começava a
escorregar para fora devagar, indo em direção ao chão. O sangue que
empoçava no tampo de aço inoxidável começava a cair para os lados,
sujando o piso branco, respingando na calça dos mais próximos. Porém,
ninguém disse absolutamente nada. As pessoas sabiam melhor do que
reclamar de algo assim para Lorenzo.

A verdade é que toda a família Ferro estava empenhada em matar


Anton Cornelli, quem estivesse com ele e também a mulher que ele estava
levando em sua casa.

Porque, em todos os anos, que os Ferro haviam passado vigiando


Anton Cornelli, até mesmo seu pai e avô, aquela era a primeira vez que eles
precisariam agir desse modo. Até aquela última geração, as coisas estavam
sob controle, agora se tornava mais complicado manter o poder de verdade.

Lorenzo tinha dois filhos vivos e dois mortos em disputas por


território. Ele não lamentou muito, ainda tinha herdeiros, conseguiu o que
queria com o sacrifício deles. Mas o homem levava seus negócios não
apenas à sério, mas como prioridade.

E ele não deixaria que aquela prioridade mudasse. Ele teria total
controle das ruas, do tráfico e dos ares. Se precisasse dizimar duas grandes
famílias para isso, que assim fosse.
Eu era ridícula.

Minha vida estava completamente bagunçada. Estar próxima de


Anton despertava dois sentimentos: medo e tesão.

Sim, tesão. Porque sou uma louca. O homem tinha tentado me


matar, como eu poderia estar tão enfeitiçada? E eu estava sim.

Quando estávamos jantando, conversando sobre negócios, eu estava


interessada, mas ao mesmo tempo, estava atenta. Quando ele partiu para
cima de mim, me prensando na parede daquele modo, sem nos beijarmos,
sem nenhuma palavra antes, apenas deixando que nossas vontades se
soltassem, sabia que eu estava ferrada.

Agora, o beijo. Aquela parte havia feito tudo sair do controle e eu


era ridícula. Pelo amor de Deus, era um beijo. De um homem vinte e um
anos mais velho, um criminoso, sombrio.

Porém, era também um beijo que havia me feito descobrir que eu


era suscetível a ficar mole com poucas coisas. Meu corpo havia se tornado
uma grande geleia, como se não pudesse controlar nada.
A língua dele apenas acariciando a minha, os lábios moldados ao
meu, e o clichê maior era, que eles realmente foram feitos um para o outro.
Anton estava me beijando e me deixando entrar em sua pele, assim como
ele estava na minha.

Poderia esfregar as pontas dos dedos por meus lábios quantas vezes
quisesse, ainda o sentia contra minha boca.

O beijo dele era diferente de tudo que já havia me acontecido na


vida. Anton tinha, de algum modo, entrado por todos os meus poros. E eu
não quero isso.

Ele não era um bom homem, sentia toda uma aura de perigo, de
desgraça por trás da vida dele. Mas não podia negar que era atrativo, que eu
queria estar por perto.

Balancei a cabeça, decidida a deixar essas sensações para lá. Cair


nas graças dele apenas me faria ter um caminhão de problemas que eu não
queria, não estava disposta a deixar isso acontecer.

Por isso, tomei banho, coloquei meu pijama e fui dormir. Não que
eu tenha dormido. Na verdade, eu não dormi nada. Rodei na cama horas,
cochilando por alguns minutos. Olhava meu celular de tempos em tempos
para saber que horas eram.

Queria ter certeza de que não perderia a hora de acordar e começar


um novo dia, mas também queria ter certeza de que tinha algumas horas
ainda para aproveitar e dormir tranquilamente.

Mas não aconteceu, eu estava desperta e bem irritada.


Não conseguir uma boa noite de descanso é o pior para mim. Estar
com fome é horrível, mas não dormir é ainda pior. Não funciono de um
jeito normal, as coisas parecem me tirar do sério com uma facilidade bem
grande.

Desisti de rodar de um lado para o outro, levantando, ignorando


minha cabeça pensando em Anton, no que havia acontecido. Eu não poderia
deixar que esse homem afetasse minha vida desse modo. Preciso ter
controle.

Por isso, pelos próximos dias fiquei na mesma rotina, sem pensar
muito, apenas trabalhar e trabalhar. Um rapaz muito estranho em uma moto
havia passado para pegar o contrato. Ele entrou, avisou a mando de quem
tinha ido e, assim que entreguei o envelope com o contrato assinado - e
Deus sabe que relutei apenas cinco minutos para assinar e não foi pelos
motivos errados -, ele se virou e foi embora.

Até agora, nada havia acontecido. Não houve nenhum tipo de


mensagem, nenhuma movimentação bancária, novos móveis ou comidas.
Nada. Nem mesmo meu advogado sabia algo sobre, apenas que uma cópia
do contrato havia chegado para ele, com todos os carimbos, protocolos e
taxas, já pagas.

Por isso, decidi que esperaria, não seria bom forçar uma
aproximação. Ele estava ciente de como o negócio funcionava, como eu
trabalhava. Se estivesse querendo fazer mudanças, poderia convocar uma
reunião.

Fechei os olhos e balancei a cabeça.

Uma reunião em local público, onde poderíamos terminar sem


ambos tendo orgasmos nas roupas.
— Meu Deus do céu…

Um calor absurdo subiu e esquentou meu rosto, como se apenas a


lembrança daquela noite fosse suficiente. Fechei os olhos, apoiando as
mãos no balcão à minha frente, evitando derrubar a bandeja de doces que
estava segurando.

Fiona e Noemia estavam limpando as mesas e recolhendo louças


que clientes que haviam acabado de sair, deixaram. Olhei para a calçada,
observando o dia nublado. Em breve choveria, as pessoas estavam olhando
para cima durante toda a manhã.

Terminei de colocar os novos doces na vitrine quando tudo se tornou


em câmera lenta. Vi duas motos pararem em frente à loja, mas havia algo de
diferente no modo como os ocupantes - quatro pessoas - apenas as largaram
de qualquer jeito, descendo delas com grandes jaquetas abertas.

— Se abaixem.

Gritei assim que vi o que os quatro homens estavam segurando. Em


menos de um segundo vidro estourou próximo de mim, ouvi Fiona gritando
e Noemia se jogou no chão.

O som que uma arma faz quando é disparada, é inacreditável.


Vemos em filmes e sempre pensamos ser alto, mas nada se compara ao que
estava acontecendo ali.

Não era apenas o barulho das balas saindo das armas, mas tudo se
quebrando com os impactos. Ouvi Fiona gritar outra vez e olhei para o lado
enquanto engatinhava abaixada. Ela estava sentada atrás de uma mesa, mas
não parecia que estava se escondendo efetivamente, parecia estar caída.
Me escondi atrás do granito do balcão principal, olhando para ela,
vendo-a com a mão na barriga, o avental começando a ficar vermelho.
Tentei me aproximar, mas não conseguia. Várias coisas me atingiram,
acabei cortando o rosto com algum recipiente que tinha acabado de
estourar.

Uma geleia vermelha, com cheiro de morango, escorreu pelo meu


cabelo e meu rosto. Tudo ao nosso redor estava sendo destruído. O caos
estava instaurado. Não precisava pensar muito para saber o que estava
acontecendo: eu estava sendo atacada. A grande pergunta é: queriam matar
Anton, mandar um recado a ele, ou me tirarem de seu caminho?

Os estouros não paravam, pareciam que nunca teriam fim. Olhei


Fiona outra vez, ela estava ainda com a mão na barriga, tinha sangue em
sua calça jeans e no chão ao redor dela, mas ela não estava se movendo.
Gritei seu nome várias vezes, os segundos pareciam horas enquanto eu
pensava como chegar até ela.

Girei meu corpo um pouco atrás do granito, tentando ver algo que
não fosse apenas essa destruição. Noemia estava gritando, abaixada atrás do
outro balcão. Seu braço esquerdo estava completamente ensanguentado.
Engatinhei até ela, os estalos das balas passando por cima de nós duas.

Vidro, comida, bebidas caíam das prateleiras, se espalhando pelo


chão. Me cortei algumas vezes nas mãos e joelhos. Fiquei ao lado dela,
olhando seu braço. Tinha um pedaço de seu bíceps faltando. Pele e carne
foram arrancados. Puxei seu avental, rasgando o tecido com certa
dificuldade. O enrolei no ferimento, vendo o tecido grosso e branco, tingir
de vermelho em segundos, igual havia acontecido com Fiona.

— Vai ficar tudo bem.

Eu não sabia quem eu queria convencer, eu ou ela.


Os barulhos de balas não paravam. Da posição que estava não
conseguia ver Fiona, mas conseguia ouvir que os tiros pararam, um barulho
grande de metal contra metal e gritos haviam tomado conta do lugar.

Me arrisquei levantar a cabeça, ver o que poderia ter acontecido.


Noemia tentou me segurar, mas eu precisava saber.

Vi uma das motos presa embaixo de uma SUV, um dos atiradores


estava prensado entre o veículo, o que um dia foi uma moto e o meio-fio.
Abaixei os olhos, não querendo ver aquela cena. Ele estava morto, era um
fato. O homem estava com o pescoço virado em um ângulo estranho.

Outro estava sendo contido por um engravatado, que reconheci


rapidamente: Diego.

— Vá atrás deles. — Ele gritou da rua, mas como a vitrine principal


estava quebrada, consegui ouvir perfeitamente.

Um SUV que estava atrás partiu cantando pneu. Uma terceira fez o
mesmo, e outra apenas ficou ali, vidros fechados, como os ocupantes
apenas estivessem aguardando.

— Levem esse lixo para Anton.

O oriental parecia estar falando sozinho, mas vi ser com um homem


que estava parado fora do meu campo de visão. Ignorei completamente esse
cenário, andando até Fiona.

A segurei pelos ombros, chamando seu nome.


Um gemido de dor escapou de seus lábios, mas a cor da pele dela
estava esverdeada, como se estivesse ficando podre. Suas roupas, cabelo,
tudo estava sujo com sangue, comida, vidro e madeira.

Comecei a escutar sirenes de carros de polícia e ambulâncias,


possivelmente até mesmo dos bombeiros. Chacoalhei Fiona outra vez,
tentando mantê-la consciente, mas duas mãos me seguraram pela cintura,
me obrigando a levantar.

— Vamos embora agora.

Olhei para Diego, que estava me puxando. Me soltei de suas mãos


com força, indo até minha amiga, mas ele prendeu novamente os braços ao
meu redor.

Para um homem magro, Diego ter conseguido me levantar, uma


mulher de mais de noventa quilos, é um feito realmente. Lutei contra ele,
não querendo deixar nenhuma delas ali, sozinhas.

— Se você ficar terá que dar depoimento. Meus homens vão ajudá-
las em tudo. — Sua voz estava baixa em meu ouvido, calma. Mas por trás
de cada palavra sua, eu sabia que não tinha nenhuma escolha. — Não me
faça te sedar, Dominika.

— Eu quero ajudá-las — disse, muito mais para bater o pé e não ir


com ele, do que realmente qualquer coisa. Não me importava muito comigo
nesse momento.

— Formou-se em medicina desde a última vez que a vi?


Diego me questionou enquanto praticamente me jogava no banco de
trás da SUV que estava prensando um dos atiradores na calçada. Abri a
boca para responder, mas ele fechou a porta com força na minha cara. Puxei
a maçaneta, mas ela não cedeu.

Puxei novamente, dessa vez com mais força, mas nada. Fui para o
outro lado, tentando o mesmo, mas nada aconteceu. O oriental entrou do
lado do motorista, me olhando incrédulo.

— Realmente terei que sedá-la?

— Aonde vamos? — Questionei, mas ele estava apenas parado, me


olhando, esperando uma resposta minha.

Me recostei a contragosto, cruzando os braços. Pareceu resposta


suficiente para ele. O carro foi ligado, o barulho de metal sendo arrastado e
logo após sendo deixado para trás foi nauseante.

Não me atrevi olhar para saber se o corpo estava na rua agora, com
certeza o havíamos movido ao sair com o SUV. A rua estava deserta, as
pessoas que normalmente estariam nas lojas, se movimentando, estavam
escondidas, haviam fugido com medo.

Respirei fundo, lágrimas se acumulando em meus olhos


involuntariamente. Meu Deus, o que havia acontecido? Noemia e Fiona
ficariam bem?

— Ele não tem culpa — Diego disse, me olhando pelo retrovisor.

— Claro que não. — Minha voz estava destilando ódio, lágrimas


caíram por minhas bochechas. — Afinal, ele é o quê?
— Um dos chefes da máfia de Illinois.

A sinceridade dele foi algo que eu não estava esperando. Passei a


mão no ferimento em minha testa, reclamando de dor, Diego me olhou pelo
retrovisor preocupado.

— Não esfregue, o ferimento pode ter vidro. Suas mãos estão


imundas.

— Preciso de um hospital.

Diego me olhou por cima do ombro, me encarando, um sorriso bem


debochado nos lábios finos. Eu nunca pensei em agredir alguém, mas estava
bem tentada a fazer isso com ele.

— Caso seus ferimentos sejam maiores do que estou vendo,


chamarei nosso médico.

Nosso médico.

A máfia tinha o próprio médico.

Lógico que eles tinham o próprio médico. Como iriam aparecer em


um hospital com dois tiros e explicar? Com certeza hospitais tem protocolos
que obrigam que seja reportado qualquer tipo de entrada com ferimentos
assim.

Fiquei em silêncio o restante do caminho. Minha cabeça repassava a


visão de Fiona no chão, sangrando. Ela havia sido atingida na barriga.
Noemia havia perdido uma parte do braço. Eu era a única que estava inteira.
Meus ferimentos eram superficiais.
Me recostei e chorei o restante do caminho, deixando finalmente a
sensação de impotência tomar conta de mim.

Era uma cabana.

Não tão afastada do centro, apenas em uma área mais arborizada.


Dois andares, madeira rústica. Diego estacionou e destravou as portas.
Desci irritada, querendo socá-lo.

— Meu cativeiro?

— Sim.

Ele não estava brincando, eu ficaria ali querendo ou não.

O vi se virar, começando a andar na direção da porta de vidro, que


parecia ser a da entrada da cozinha.

— Por favor, Dominika, não estou a fim de lutar contra você — ele
disse, sem paciência. — Mas não me importo de explicar para Anton
porque está com um olho roxo.

Engoli em seco, mas ele sorriu de lado, como se quisesse me deixar


saber que estava brincando. Já eu andei em sua direção, sem ter certeza se
era ou não brincadeira.
O interior era sóbrio. Não havia decoração, não tinha estilo. Era uma
cabana de madeira, móveis e piso de mogno. Tudo parecia uma continuação
de si mesmo, as cores idênticas.

— Sente-se.

Me sentei na mesa de quatro lugares no meio da cozinha. O vi andar


até um armário ao canto, pegando uma pequena maleta branca. A cruz
vermelha na frente me deixou saber o que era aquilo.

Diego parecia pensativo. Pousou a maleta na mesa à minha frente,


abrindo e pegando inúmeras coisas. Ele colocou luvas, pegando gaze e um
líquido transparente, passando primeiro no tecido para então começar a
passar o tecido em mim.

— Isso está doendo.

Reclamei e Diego deu de ombros.

— Poderia ter levado um tiro, isso sim, dói. — A fala dele me fez
lembrar que Noemia estava baleada e que eu não tinha como saber o estado
de Fiona, que com certeza, havia sido alvejada também.

— Se Anton não tivesse arrombado minha porta…

— Se existisse um meio dele não estar na sua vida, ele não estaria.

Diego disse isso sem colocar ênfase em nada. Suas palavras eram
vazias e nós dois sabíamos disso.
Ele continuou limpando os ferimentos do meu rosto, me olhando de
tempos em tempos bem fundo nos olhos. Diego parecia um homem muito
inteligente. Além de perspicaz. E bonito.

— Sabe que ele não está realmente interessado na delicatessen, né?

— Jura?

Sarcasmo escorreu pelos cantos da minha boca e ele deu risada, alta
e sincera, finalizando de me ajudar e retirando as luvas. Segurei seu
cotovelo, impedindo que ele se afastasse, o fazendo me olhar atento:

— Me dê notícias delas, por favor? — Pedi, soltando-o devagar e


respirando fundo. — Sei que não vão me deixar sair daqui tão cedo,
então…

— Vou ao hospital assim que sair daqui e darei notícias a você


pessoalmente.

Ele estava sendo sincero. Era bom conseguir ver a verdade no rosto
e nos olhos de alguém. Engoli em seco antes de perguntar:

— O que você é?

— Sou o que chamam de consigliere. O braço direito de Anton. —


Sua resposta tinha um ar de orgulho.

— Se ele morrer, você assume.

— Se ele morrer, estou morto. Morri antes tentando protegê-lo.


Diego disse isso com muito orgulho.

O vi jogar as gazes sujas e as luvas fora, guardando o kit onde eu


pudesse encontrar com facilidade, caso precisasse.

— Não somos monstros, apenas… nossa vida é diferente.

— Deveriam avisar isso para qualquer um que se aproxima de


vocês. — Minha fala saiu amarga. Por mais que estivesse com raiva, eles
haviam me salvado dos homens que tentaram me matar também. Mesmo
que só tivessem tentado me matar por causa deles.

— Farei uma cartilha com as devidas explicações e alerta para os


próximos aventureiros.

Sorri e ele sorriu também. Era bom ter uma pessoa para deixar o
clima mais leve. Mesmo que fosse uma pessoa que tinha me levado à força
e contra minha vontade para uma cabana longe de tudo e todos, após um
tiroteio e que também era um assassino da máfia.

Eu estava perdendo o contato com a realidade, era isso.


2002

A notícia havia se espalhado como fogo em palha. Cesare Cornelli


estava morto. Não apenas morto, assassinado.

As coisas haviam saído do controle do Don e, ele e seus homens de


confiança, estavam na viatura, em direção ao IML. O restante da família
estava em luto, todos estavam em choque.

Quem teria coragem de fazer aquela atrocidade com o homem, em


um simples passeio que ele estava com parentes? Quem teria coragem de
atacar uma família desse modo? À luz do dia?

Crianças, mulheres, idosos. Uma variedade de pessoas foram


atingidas, mas o alvo principal era Cesare. Muitos viram o atirador olhar
bem fundo nos olhos do Don antes de abrir fogo. Muitos viram Cesare
tentar proteger a irmã grávida, colocando-se na frente dela, mas
infelizmente não houve salvação para nenhum deles.

Coisas assim aconteciam com certa frequência, não tão explícitas ou


com esse tanto de vítimas. Mas isso não impedia que fosse uma tragédia.
Isso não tirava o peso das mortes. Muito menos fazia justiça para os que
ficavam.

E era óbvio que a família Cornelli faria justiça.


Deixariam os policiais, detetives e juízes fazerem a justiça que eles
eram obrigados a servir para a sociedade, a que eles - e grande parte dos
civis - acreditavam. Mas eles também serviriam a justiça deles.

Uma onda de mortes e envio de buquês de rosas vermelhas para as


viúvas assolou a cidade de Chicago por semanas. Anton Cornelli, mesmo
sendo um jovem homem que ainda não sabia como comandar uma família,
estava à frente de tudo isso.

Ele não estava disposto a esperar investigações, prisões,


julgamentos, os famosos trâmites na lei. O homem queria que os
mandantes, intermediários e perpetradores fossem mortos.

E ele os mataria.

Por isso, quando todas as coisas começaram a acontecer na cidade,


homens jovens e velhos começaram a morrer aos montes, a polícia passou a
vigiar o novo Don. E isso até resolveu as coisas por alguns dias. Mas
apenas por alguns dias.

Os culpados de terem tirado Cesare Cornelli da jogada


abruptamente, se entregaram para a polícia, o medo do que poderia
acontecer com eles na rua, era pior do que qualquer destino que os policiais
poderiam entregar em uma cela.

Então, eles preferiram se esconder na prisão.

Mas famílias como as que comandavam tudo na Cidade dos Ventos,


não estavam no topo à toa. Existiam conexões para todos os lados, então,
quando Anton soube onde os mandantes da morte de seus parentes
estariam, fez questão de também estar.
Pela mídia no caso, não havia como entrar na prisão pelos meios
ilegais. O novo Don da família Cornelli entrou pelas portas da cadeia pelos
meios legais: agressão a um oficial em serviço.

Isso tudo em menos de seis horas após agredir o homem


uniformizado na rua, que até aquele momento estava se perguntando porque
um engravatado tinha simplesmente lhe dado um soco e dois chutes na
frente da delegacia. Diego afastou outros policiais que tentaram impedir
Anton de continuar as agressões e um soldado da família Cornelli, que
estava junto dos outros dois, apenas empurrou e derrubou uma policial
feminina que estava por perto.

Possivelmente, alguns anos mais tarde ele compreendeu, viu Anton


outra vez, mas naquele instante o oficial estava simplesmente confuso e
bastante irritado.

Assim que Anton entrou na cela, todos os outros presos sabiam


quem ele era. E o motivo de estar ali. Foi questão de minutos para que o
plano com Diego e Leonardo fosse organizado e colocado em prática.

Diego estava segurando a grade da cela fechada, olhando nos olhos


do policial que pedia reforços pelo rádio preso ao ombro, tentando abrir a
tranca de todos os jeitos. Leonardo estava empurrando a grade fechada
também. Não seria fácil entrar naquele local.

O silêncio sepulcral do local só era quebrado pela voz do oficial


pedindo reforços e o pedido de socorro abafado do homem que estava
sendo estrangulado por Anton Cornelli.
Todos os outros homens naquela cela ou das outras ao redor, apenas
observavam, não faziam nada, não ousaram interferir. Uma regra sempre foi
bem clara: não se deveria interferir em uma giustizia[6] que
qualquer Don ou consigliere estivesse fazendo, ou conheceriam o poder
dela.

No total foram quatro homens, Anton apenas estrangulou o


primeiro. Os outros, ele ofereceu dinheiro - muito dinheiro - para que os
outros presos matassem ali mesmo.

Alguns que estavam naquela cela eram homens que sempre estavam
entrando e saindo do sistema prisional, dinheiro eram bem-vindo nesses
momentos. Por isso, em minutos os outros três estavam mortos,
ensanguentados no chão de cimento batido.

Quando reforços chegaram, o oficial que estava tentando abrir a


porta da cela, que chamou por ajuda, estava encostado na grade, olhando
para um ponto específico. Ele viu o que Anton fez, ouviu a proposta dele,
sabia que não adiantaria mais nada, os homens estavam mortos.

Não houve julgamento, truculência, nada. No dia seguinte, Anton,


Diego e Leonardo saíram andando daquela prisão, um recado fora dado:
Anton Cornelli era um novo Don.

Aquela era uma nova máfia.


Ver aquela cena me lembrava muito o que eu havia visto quando fui
ao local onde mataram meu pai, minha tia grávida e meu tio. Ali era
surpreendente que apenas uma das três tivesse sido realmente ferida. Pelo
tanto de cápsulas, pela quantidade de furos, elas teriam que ter virado a
porra de uma peneira.

Quatro homens atirando com metralhadoras automáticas: não


estavam querendo mandar recado, eles queriam executar quem estivesse no
imóvel.

Passei a mão pelo rosto.

Estou cansado dessa merda. Quero matar um por um, quero arrancar
a cabeça de cada um deles. Estava possesso por alguém tentar me matar, de
tentarem me atingir na minha área, de fazerem algo contra minha vida e
ainda não terem a hombridade de se identificarem.

Mas agora eles estavam fazendo algo contra uma pessoa que não era
culpada, contra alguém que não poderia de forma alguma ter sua vida
encerrada porque estava associada a mim.
Parei no meio da loja completamente destruída. Isso não tinha meios
de ser resolvido com vassoura, pá e rodo. Tudo ali teria que começar do
zero. Fechei os olhos, o cheiro de pólvora estava impregnado no ar.

Pólvora e sangue. Muito sangue.

Philip parou na calçada, passando as pernas por onde estava a


vitrine antigamente, olhando ao redor enquanto entrava.

— Eles não queriam mandar recado, Anton. — Sua voz estava


raivosa, ele entendia tão bem quanto eu o que era tudo aquilo.

Me virei, colocando as mãos no bolso da calça social, olhando para


ele bem sério.

— Quero que refaça o local, o mais fiel possível ao que estava


originalmente — disse, cansado, vendo meu primo me olhar sério, mas com
uma ponta de preocupação. — Vou até o atirador agora… onde está sua
irmã? Quero levá-la comigo.

— No carro.

Assenti. Comecei a andar para fora da destruição, pisando em cacos


de vidro e comida despedaçada, mas Philip falou:

— O cara do T.I., é novo?

Me virei, sem entender o que ele queria dizer.

— Recebi um relatório extremamente detalhado e com informações


recolhidas de ontem. — Ele parecia surpreso e satisfeito.
Sorri de lado.

— É nova, muito nova.

Vi a confusão passar por seu rosto, mas deixaria que descobrisse


sozinho o que eu queria dizer.

Voltei a andar na direção dos carros estacionados em locais


proibidos. Corina estava encostada em um Camaro preto, ela estava
refazendo as tranças nos cabelos. Seus olhos me observavam atentos.

— Irá comigo, ver um dos atiradores.


Ela sorriu, alegre. Por vezes, tinha medo de como ela poderia ser tão
ruim como todos os meus outros soldados.

— Deveria trocar de camiseta, branco não será uma cor favorável


agora.

Corina sorriu ainda mais, assentindo e entrando no lugar do


motorista. Nós trabalharemos agora. E em algo que demanda estômago
forte e paciência.

— Temos o dia todo.


Corina se divertia fazendo isso. Ela estava rodeando o homem,
pisando em seus dedos, o coturno já estava manchado de sangue. A vi se
abaixar, falando algo para ele.

A casa que estávamos era em um bairro quase que completamente


abandonado. Muitas casas haviam sofrido com o clima do país, tendo sido
largadas para trás. Então, sempre poderíamos usá-las para esse tipo de
questionamento.

O babaca do atirador estava amarrado como um leitão, mas os


braços estavam para cima, o que deixava os dedos vulneráveis. Eu estava
encostado na parede aos fundos, apenas olhando, vendo minha prima
trabalhar.

Minha paciência estava pequena, mas não poderia querer apenas


respostas rasas, precisava saber até o nome da mãe desse desgraçado.
Mataria todos, enviaria rosas para Lorenzo Ferro. Ele não estava sabendo o
que estava fazendo.

Mas mostraria quão fundo era o buraco que ele estava cavando.

— Quebre o joelho.

Sugeri. Corina sorriu, jogando as tranças para trás. O homem no


chão me fitou, desesperado.

Ele era um italiano nato. Alto, forte e um desgraçado. Porém, até


mesmo os mais forte, tem seu ponto fraco. Em algum momento esse cara
falaria, ele começaria a nos dizer tudo. E quando chegasse esse momento,
eu absorveria cada letra.
Não haveria informação que eu deixaria passar, os Ferro havia
começado uma guerra que não conseguiriam vencer. Lorenzo teria seus
outros filhos assassinados. Faria questão de eu mesmo matar e enviar as
cabeças.

Mas, por enquanto, eu tinha apenas esse fiel soldado.

Os olhos do homem no chão se arregalaram quando Corina voltou


do cômodo ao lado com uma marreta de construção. A observei
atentamente. Ela estava adorando. Minha prima gostava de bater em
pessoas, ela achava aquilo um ótimo passatempo.

Um soldado entrou pela outra porta, nos alertando.

— Senhor — ele me chamou, abaixando a cabeça assim que o olhei.


— O senhor Alido pediu para avisar que a funcionária da senhorita Pavlova
está fora de perigo, a cirurgia acabou há alguns minutos.

— Ótimo. Obrigado.

O rapaz levantou os olhos brevemente, me olhando para saber se


deveria ficar ou sair. Não me lembrava dele. Com certeza a nova leva que
Diego e Philip trouxeram.

— Pode ir.

Ele assentiu novamente, mas seus olhos correram para o homem no


chão e para a mulher com a marreta, apenas aguardando. O vi engolir em
seco, mas ainda assim olhar o corpo de Corina. Minha prima pareceu
perceber que algo estava ocorrendo, ela se virou, posicionando a marreta no
ombro com uma facilidade admirável, como se fizesse isso sempre.
— O Chefe disse que pode ir, Finn. — Olhei sério para minha
prima. — Ou quer ajudar?

O rapaz apenas balançou a cabeça, negativamente, saindo do


cômodo pela mesma porta que entrou. Observei atentamente Corina, vendo-
a me fitar e levantar uma sobrancelha, como se estivesse me fazendo uma
pergunta.

— Então, é ele?

Corina não me respondeu, mas sua reação foi resposta suficiente.

A mulher se virou em fúria, acertando primeiro a coxa esquerda do


homem no chão, que tentou escapar como uma minhoca rastejando. Então,
ela mirou melhor e acertou o joelho, explodindo-o em vários pedaços
dentro da calça jeans, que se rasgou com os ossos e se tingiu com o sangue.

Sorri de lado. Corina era uma Cornelli, não havia nada que a tirasse
do prumo, a não ser o próprio coração. Esse era nosso defeito, a porra da
nossa fraqueza.

Meu avô, meu pai, meus tios. Todos tivemos momentos de fraqueza
por amar alguém. Eu estava aprendendo agora o que era isso, com quarenta
e seis anos. Mesmo que ainda não entendesse como, e se a velocidade que
havia acontecido, era como as outras pessoas sentiam isso.

O grito do homem ferido me levou de volta à realidade. Olhei para o


rosto dele, vendo cuspir sangue, alguns dentes já faltando. Cruzei os braços,
me recostando ainda mais na parede suja e com um fedor demoníaco.
A madeira de lei que um dia foi o chão desta casa estava coberta de
lixo, roupas, pedaços de móveis. Sangue e ossos não deixariam a
‘decoração’ pior. Corina bateu no mesmo joelho já quebrado, a força menor
agora, porque ela sabia que iria amputar a perna dele se acertasse com a
força anterior.

E ele morrer em minutos sangrando não estava nos planos.

— Se nos der nomes, endereços, planos, estratégias, as receitas de


bolinho da sua mãe, podemos acabar com isso bem rápido — Corina diz, a
segunda piadista da família. — Mas se dificultar…

Ela deu de ombros, olhando o homem ferido no chão. O atirador a


olhava em desespero, a boca tremia enquanto ele chorava, jurando não
saber de nada.

— Acerte o outro, se não falar, acerte os cotovelos.

Minha fala gerou um pânico sem precedentes no homem. Ele tentou


rastejar enquanto gritava que nos contaria, mas que contaria tudo. Sorri,
satisfeito, nada como ameaçar quebrar cotovelos para incentivar a pessoa a
falar.

Corina largou a marreta, jogando as tranças para trás, olhando para


mim e se aproximando, falando baixo.

— Não toque nele, Anton. — Estávamos ombro a ombro. Olhei para


baixo, nos olhos dela. — Por favor.

— Não sei sobre o que estamos falando.


Era claro que ela estava falando sobre o soldado que saiu correndo
quando ela falou com ele. Óbvio que agora ela estava com medo que eu
fizesse algo. Não era como se existissem muitos homens com coragem para
tocar em Corina desse modo, mas o que tivesse, teria que passar primeiro
por Philip, depois por Diego e então por mim.

Por enquanto, ele estava livre. Eu tinha outras preocupações em


mente. Me aproximei do homem que chorava no chão, o sangue estava
espalhado por toda parte.

Me abaixei, bem próximo à cabeça dele.

— Comece.
Ele estava sentado na cama.

Anton tinha finalmente aparecido após vários dias.

— Preciso me trocar.

— Fique à vontade. — Sua voz estava séria, mas havia algo por trás,
escondido.

Cruzei os braços. Estava apenas de toalha, não haveria meios de


passar por ele para pegar minha roupa, sem que tudo ficasse à mostra.

— Poderia sair?

— É minha casa.

Eu quase retruquei, mas ele se levantou, ficando parado ao pé da


cama, seus quase dois metros imponentes e excitantes. E é claro que meus
olhos traidores correram todo seu corpo. Suspirei contra minha vontade ao
chegar em suas coxas.
Seu pau marcava a calça jeans que ele estava usando, e eu estava
olhando fixamente para lá sem conseguir desviar. Engoli em seco. Ele
estava me provocando apenas parado, sem dizer nada. Então, esticou a mão,
segurando a toalha, mas sem tirá-la. Fiquei esperando o que ele faria, não
sabia qual próximo passo eu poderia dar.

Porém, com um puxão, ele a arrancou de mim, jogando-a longe, me


fazendo colocar as mãos em meus seios e tentando cobrir o meio das
pernas. Por Deus, ele era louco.

— Se não tirar as mãos daí e me deixar vê-la, eu mesmo farei.

Levantei o queixo, o desafiando. Mesmo que sua ordem tivesse


mandado arrepios absurdos por meu corpo traidor, não iria simplesmente
obedecê-lo. Tinha amor-próprio.

Um pouco.

Em menos de um minuto, Anton havia segurado meus pulsos, me


obrigando a me mostrar a ele, seus olhos observaram tudo com uma fome
absurda. Seu toque em mim não era forte, mas deixava bem claro que ele
estava no controle da situação.

Assim como quando me puxou na direção da cama, me jogando.


Sou grande, Anton pode ser forte, mas me virar, me puxar, empurrar,
levantar é algo que exige certo esforço. E ele estava mostrando que tinha de
sobra.

Minhas costas bateram no colchão, desarrumando tudo. O olhei. Ele


estava tirando a camiseta, jogando-a pelo quarto. Meu Deus, eu sabia onde
aquilo ia acabar, mas enquanto meu corpo já estava pronto para ele, minha
cabeça estava gritando que eu precisava parar aquilo naquele instante.
— Levante os joelhos, me deixe ver sua boceta.

Levantei uma sobrancelha, quem ele pensava ser?

O vi bufar irritado, odiando ser contrariado, mas parecia estar tão


sedento, tão pronto e com vontade, que não iria discutir muito. Suas grandes
mãos seguraram meus pés, os colocando na beira da cama, me abrindo para
ele por completo.

Eu estava tremendo, olhando bem dentro dos olhos dele. Anton


estava feroz, como um animal, um que estava predando, não atacando. O
cômodo estava claro, eu conseguia ver absolutamente tudo.

Engoli em seco, vendo-o beijar minhas coxas, segurando-as abertas,


me olhando por inteiro. O sorriso dele me deixou sem graça. Era como se
olhar para mim, fosse como ver um doce muito bom. Segurei o lençol com
força, apertando-o em meus dedos assim que vi Anton descer o rosto por
entre minhas coxas.

O hálito quente chegou primeiro, e olhei para o teto, esperando,


antecipando o momento. Porém, apenas sentia isso, o hálito quente, os
dedos cravados em minha pele. Esperei mais alguns segundos, mas nada
aconteceu.

Levantei meu rosto, olhando para ele:

— Agora sim.

Sua língua me lambeu de baixo para cima, me fazendo jogar a


cabeça para trás, arqueando e gemendo. A visão e a sensação de sua língua
apenas me tocando uma única vez, me fez quase enlouquecer.
Entretanto, mais uma vez estávamos ali, parados. Ele queria que eu
olhasse, que ficasse observando a tortura que ele faria comigo. Respirei
fundo, tentando me acalmar. Olhei novamente, ele não disse mais nada,
apenas sorrindo, voltando a me lamber, me observando o tempo todo.

Era uma tortura.

Pronto, estava resolvido. Aquilo que ele estava fazendo era uma
tortura e acredito que eu poderia perder mesmo a sanidade se ele
continuasse. O homem não perdia tempo algum. Sua língua me lambia, seus
lábios me chupavam com força, os sons obscenos, os rosnados dele apenas
deixavam tudo ainda melhor.

Sua língua lambia devagar cada pequeno pedaço que encontrava,


entrando e saindo de mim, devagar. Eu o via rir, e planejava fazê-lo sofrer
assim como eu. Os olhos não se moviam do meu rosto, a boca não parava
de me atacar. Várias mordiscadas em meu clitóris estava me tirando do
prumo, já estava gemendo em plenos pulmões.

— Anton, eu…

— Goza na minha língua, agora.

Minhas coxas estavam tremendo, seus braços as seguravam com


força, a diferença de nossas cores de pele era incrível. O vi sorrir enquanto
lambia e chupava meu clitóris, me fazendo tremer ainda mais, jogando a
cabeça para trás, gozando como nunca.

Meu corpo arqueou, mas Anton manteve meu quadril parado,


lambendo e chupando meus lábios, rosnando e saboreando. Os sons era de
como se ele estivesse comendo o melhor dos manjares.
Meu orgasmo me atravessou violentamente, fazia meses que não
tinha ninguém, e Anton conseguiu me estragar para qualquer outro. Suas
carícias foram diminuindo, me fazendo gemer mais baixo, amolecendo no
colchão.

Abri os olhos, primeiro vendo o teto, depois levantei a cabeça,


vendo Anton sorrindo, ajoelhado no chão do quarto.

— Ótimo, agora olhe isso.

Um gemido longo escapou da minha boca, meu corpo todo estava


estremecendo mais uma vez. Sua mão direita estava por entre minhas
pernas, o dedão massageava meu clitóris, que estava sensível, enquanto um
dedo procurava minha abertura.

Tremi olhando a cena. Anton ainda segurava minha outra coxa com
força, uma marca vermelha já estava aparecendo. Me apoiei nos cotovelos,
disposta a olhá-lo me torturar. Faria com que ele pagasse, por isso não
deixaria mais fácil.

O dedo deslizou fácil, eu estava completamente molhada. Era fácil


ficar desse jeito após tudo que havia acontecido. Os olhos dele estavam
negros, duas piscinas de desejo. E eu queria que ele ficasse ainda mais
descontrolado.

A sensação de ser invadida era incrível. Eu estava entregue. Meu


gemido o deixou saber que eu queria mais. Ele colocou outro dedo,
movendo meu clitóris devagar, apenas para me fazer apertá-lo dentro de
mim.
O vai e vem de sua mão, me fez gemer, tremendo e caindo
novamente deitada na cama. Era incrível. Eu queria morrer ali. Não ligava
para mais nada, eu apenas queria continuar a ser tocada por Anton o resto
da vida. Balancei o quadril, pedindo que ele acelerasse. Ele riu, me fazendo
olhá-lo, brava.

— Fique olhando e te fodo.

Levantei em meus cotovelos outra vez. O homem riu. Um riso


contagiante, satisfeito. A vontade que tive foi de simplesmente deixá-lo
fazer o que quisesse comigo.

Reclamei quando ele retirou os dedos, mas gemi sem qualquer


pudor quando ele os chupou, limpando-os. Anton não valia nada. Ele sabia
que eu estava entregue, louca por ele.

Não me movi um milímetro, apenas o fitei.

A calça jeans estava longe dele em um segundo, no seguinte ele


estava engatinhando por cima de mim, afastando minhas coxas com os
joelhos agressivamente. Suas mãos estavam ao lado de meus ombros, seu
rosto me fitava sério.

— Vou foder você sem camisinha, Dominika, porque quero gozar


bem fundo.

— Eu quero, eu…

Minha frase se perdeu, ele segurou o pau na mão, encaixando-o em


minha entrada rapidamente. O quadril deu apenas um empurrão para frente,
me fazendo arquear e gritar.
Nossos corpos estavam colados, quentes. Eu o abracei, segurando-o
em mim. Conseguia sentir seu coração batendo forte no peito. O meu estava
igual. O abracei com as pernas também, tentando me acostumar com a
intrusão.

Anton beijou meu pescoço, mordiscando, acariciando meus cabelos


com os dedos calmos e pacientes. Seu pau estava pulsando dentro de mim,
exigindo nossa atenção.

Procurei sua boca, beijando-o. Anton perdeu o controle. Enquanto


nossas línguas se encontravam devagar, tranquilas, seu quadril se movia
rápido e com força. Estávamos desesperados. Meu corpo estava
respondendo ao dele imediatamente, o dele estava enlouquecendo.

Abri os olhos, vendo-o voltar a ficar apoiando nas mãos, me fitando


de cima. E que visão. Se eu não estava louca com esse homem, agora eu
estaria. Anton era forte, sua pele dourada era linda. Poucas tatuagens nos
braços, peito com cicatrizes.

Seu rosto sério, era uma máscara de vontade. Seus olhos me


fitavam, procurando por algo, o que seria, não tinha ideia.

Afastei o máximo que consegui minhas pernas, vendo Anton olhar


meus seios, lambendo os lábios, como se estivesse novamente vendo um
doce incrível.

Dei risada, ele me olhou nos olhos.

— Mais…
Seu quadril parou. Ele estava enterrado em mim. Cada centímetro
de seu pau estava dentro de mim, pulsando, exigindo espaço. E eu estava
pronta para despencar no precipício do orgasmo novamente.

Anton se moveu apenas mais duas vezes para trás e para frente, me
fazendo gozar, estremecendo, gemendo e pedindo mais. Minhas unhas
pequenas estavam arranhando seu quadril, puxando-o, incentivando-o a se
mover. Eu estava em êxtase, não conseguia pensar direito.

Um segundo após, quando eu me acalmava, saindo da nuvem de


plenitude, Anton voltou a se mover, dessa vez com força e rápido,
enlouquecido. Me segurei em seus braços, usando-os para me manter o
máximo que conseguia parada. O homem estava entrando e saindo de meu
corpo como se estivesse possuído.

Estava duro, quente, pronto. Em um segundo ele estava gozando,


rosnando meu nome, olhando fixamente para meus seios que estavam
pulando para cima e para baixo com nossos movimentos.

— Puta merda…

O peso dele me apertou, me fazendo rir. Anton estava deitado em


mim, mas estava fazendo força, como se quisesse me esmagar. A piada do
ano, mas ainda assim, estávamos os dois rindo em segundos.

Ele se levantou, rolando pelo colchão, indo em direção ao banheiro.


Olhei sua bunda. Redondinha, deliciosa. O homem inteiro era perfeito. Me
joguei deitada, olhando o teto. O barulho do chuveiro se fez ouvir, mas eu
estava tão cansada, as pernas ainda estavam tremendo que decidi me dar
alguns minutos antes de poder sair dali.
Fechei os olhos e alguns segundos depois, os abri, assustada, tudo
estava silencioso. Olhei na direção do banheiro e vi Anton sentado na
poltrona ao canto, em silêncio, apenas me fitando, sem roupa alguma.

— O que houve?

— Você dormiu — ele disse, um sorriso no canto dos lábios. — Há


uma hora.

— Uma hora?

Levantei assustada, ele apenas assentiu. Era compreensível dada as


circunstâncias.

— Porque não me acordou?

— Posso te foder a qualquer momento, Dominika. Assisti-la dormir


é algo novo.

Engoli em seco.

Ver Anton entregue desse modo estava me deixando um pouco com


medo. E não era o mesmo medo do nosso primeiro encontro. Me aproximei,
me ajoelhando à sua frente. Preferia ignorar essas sensações, focar em
outras, as que eu conseguia lidar bem.

Seus olhos escureceram de imediato, seu pau, que já estava ficando


duro, ganhou vida. Lambi os lábios, vendo-o segurar os braços da poltrona
de tecido. Sorri de lado. Era minha vez.
Beijei suas coxas, sentindo o cheiro do sabonete que eu havia usado
um tempo antes, ainda em sua pele. Ele estava quente. Subi meus olhos até
seu rosto, adorando o modo como o maxilar estava travado, tenso.

Não demorei como ele fez, segurei seu pau em minha mão,
lambendo toda sua extensão e colocando-o na boca. Anton rosnou como um
animal enjaulado. Sorri, satisfeita. Ele rosnou outra vez.

Tirei seu pau da minha boca, movendo minha mão rapidamente,


querendo deixá-lo pegando fogo. Mas voltava a chupá-lo, fazendo questão
de usar a língua para deixá-lo louco, como ele havia feito comigo.

Estava completamente excitada outra vez, louca para tê-lo dentro de


mim. O beijei, lambi, chupei, fazendo todos os barulhos obscenos que
conseguia, sempre com os olhos colados aos dele. Anton estava
enlouquecendo e eu estava adorando poder ter poder sobre esse homem.

Lambi toda sua extensão mais uma vez, sorrindo. O coloquei na


boca, chupando bem no fundo da minha boca. Anton estava muito sério,
não querendo demonstrar nada mais. Mas seu corpo estava estremecendo a
cada vez que eu passava a língua.

— Tire da boca.

Balancei a cabeça, negando. Mas Anton não me deixou escolher.


Seus dedos seguraram meu cabelo com força, me puxando para cima, sem
me dar opções.

Tinha certeza de que vários fios vermelhos ficariam na mão dele.

— Vire e sente.
Era ordem atrás de ordem. E eu como uma boa ridícula excitada,
obedecia. Sabia que me beneficiaria. Fiz o que ele pediu, sentando em suas
coxas, deixando que ele se guiasse para dentro do meu corpo, como nós
dois queríamos tanto. Não foi necessário que eu fizesse quase nada, apenas
gemer e adorar a posição.

— Se toque, goze em mim, Nika.

O apelido me pegou.

Virei meu rosto de lado, olhando-o por cima de meu ombro. Anton
estava com os olhos claros, brilhantes, como se o que via não fosse uma
mulher que ele estava fodendo há horas, mas sim o amor da vida dele.

Meus olhos voltaram a olhar para frente, tratei de esquecer aquilo


por enquanto. Não queria pensar muito naqueles sentimentos agora. Eram
absurdos demais. Movi meu quadril, para cima e para baixo, apoiada em
suas coxas.

Toquei meu clitóris com a ponta dos dedos, estava sensível ao


extremo, teria um novo orgasmo em segundos, era fato. O homem havia me
deixado tão sensível, tão satisfeita, que não levaria tempo para derreter
outra vez em um monte de geleia.

— Vou gozar outra vez — declarei baixinho, ouvindo-o rir baixo,


adorando minha frase.

O ignorei.
Seus dedos me seguraram pelo quadril, guiando meus movimentos.
Movi meu clitóris no mesmo ritmo, tremendo e gemendo. Arqueei,
rebolando em Anton, sentindo-o pulsando dentro de mim. Ele estava pronto
também.

Seus dedos seguraram meu cabelo outra vez, virando meu rosto, me
fazendo gemer mais alto pela posição. Sua boca fez contato com a minha,
me beijando com força. E então, ele veio. Consegui sentir o exato momento
que ele gozou dentro de mim.

Meus dedos não pararam de me tocar, me deixando ainda mais


insana. O apertei dentro, não querendo que ele saísse. Rebolei, gemi,
estremeci. Anton pulsava dentro de mim gloriosamente. Eu queria aquilo
para sempre.

Aos poucos, fomos nos acalmando. A posição que eu estava era


desconfortável, inclinada para trás, cabelos sendo puxados. O beijo ficou
mais calmo, uma carícia.

— Minha vida acaba de ficar muito mais complicada, Nika.

Anton diz, os lábios contra os meus, sua outra mão, acariciando um


dos meus seios, devagar, como se a mão dele estivesse ali desde o dia que
nascemos. Uma intimidade completamente absurda. Minha pele reconhece
a dele com facilidade agora.

— Não foi só a sua.

Digo, passando as mãos por meus fios, retirando seus dedos dali, me
soltando. Anton me solta a contra gosto. Me levanto devagar, retirando-o de
dentro de mim com certo pesar, apenas para ser apertada por dois grandes
braços.
— Você não vai ficar longe de mim, Dominika, entenda isso — ele
diz, me olhando de cima. Nossos corpos sem uma única peça de roupa estão
suados, quentes, cansados. — Eu sou quem sou e o que sou, tenho tudo que
quero. E eu quero você.

— Não sou um brinquedo. — Esse falatório possessivo não é minha


praia.

— Ainda assim continua sendo minha, Nika.

Ele me beija, me impedindo de continuar discutindo. Meu corpo se


ascende como uma tocha, minha alma para, se acalma assustadoramente. É
como se Anton tivesse a chave para me desligar.

Minutos depois estou deitada na cama novamente, Anton está me


fodendo outra vez, me levando a loucura, me obrigando a esquecer aquelas
declarações e sentimentos por um tempo.

Apenas por um tempo.


Abri os olhos, apenas para fechá-los com força. A porra do sol
estava inundando o quarto todo. Os cobri com a mão direita, levando a mão
esquerda para meu lado, apenas para encontrar a cama vazia e fria.

Sentei, observando ao redor. Não tinha menor ideia de que horas


eram, não sabia onde Dominika estava, mas parecia que o dia tinha
praticamente começado há muitas horas.

Não durmo assim há vinte anos. Desde que minha mãe morreu e
meu pai ficou sozinho, sentindo a dor de perder o amor da vida dele. Pisco
mais algumas vezes, passando as mãos no rosto, tentando despertar de uma
vez por todas.

Há algo estranho, algo está errado no ambiente, e em poucos


segundos, eu descubro o que é: todas as roupas que eram de Dominika
desapareceram. Ela poderia estar usando, mas com a sujeira que estavam,
rasgadas, com sangue, duvido que ela voltaria a colocá-las.

Na verdade, não havia entendido porque ela ainda não as jogou fora.

Os blusões e shorts que mandei entregar a ela no primeiro dia,


estavam na poltrona, dobrados e empilhados, como se ela estivesse
deixando-os porque não usaria mais.
Ela não estava usando minhas roupas, mas as dela haviam sumido.
Isso só poderia indicar uma coisa. Preferi acreditar que não, mas achei
melhor pensar na desgraça primeiro, meu jeito favorito de levar a vida.

Me levanto, sem me importar em me vestir, abro a porta do quarto, a


casa está silenciosa. Paro no grande corredor de madeira, ouvindo
atentamente, querendo saber se existe alguém se movimentando pela casa.

Sei que tenho homens do lado de fora fazendo a guarda, então,


apenas desço correndo, olhando ao redor, vendo que ela não está ali
também, mas a porta dos fundos, na cozinha, está aberta.

Corro até lá, vendo um soldado me olhar surpreso, mas cravar os


olhos em meu rosto no mesmo segundo:

— Onde está a ruiva? — Ele faz uma careta de que não sabe de
quem estou falando. É provável que ele realmente não soubesse, pois eles
não tinham autorização para entrar e ela não tinha autorização para sair. —
Você viu alguém saindo dessa casa?

— Não, senhor.

Ele está com medo. Deveria realmente estar.

Dominika não está na casa, ele não a viu sair. Algo está seriamente
errado.

— Ligue para Diego e Philip, diga que Dominika fugiu.

Não espero para ver sua resposta, me viro, pronto para incendiar a
cidade de Chicago atrás dela.
A cronologia da fuga dela foi fácil de entender: assim que fechei os
olhos e dormi, Dominika se vestiu com suas roupas antigas e saiu da casa. É
claro que eu não estava pronto para aquilo. Não era costume alguém
escapar no meio da noite da minha cama, mas aquele nível de fuga não
estava apenas mexendo com meu ego masculino e sim com a minha raiva.

Ela não estava ciente de todas as merdas que estavam acontecendo.


A loja ter sido dizimada não era nada, comparada ao que poderia acontecer
com ela.

Não gostava de pensar nisso, eu estava há muitos anos


sendo Don para não saber o que poderia ser feito. O ponto fraco de qualquer
família, eram as mulheres. E o ponto forte também.

Elas mantinham a família junta, mas poderiam destruir também


quando algo como isso acontecia.

— Emily mandou os vídeos e fotos — Diego diz, entrando em


minha sala, olhando seriamente para meu computador.

Estou andando de um lado para o outro, bebendo como um


alcoolista. Não quero ver esses vídeos, então, apenas balanço a cabeça,
vendo meu consigliere entender o que isso significa.
Diego se senta em minha cadeira, abrindo os arquivos enviados pelo
sistema interno. Vejo de longe ele analisar um por um dos vídeos, ficando
em silêncio o tempo todo. Seus olhos miram a tela do computador, seus
dedos se apertam uns aos outros. Ele está muito irritado, odeia dessa
situação tanto quanto eu.

— Ela só pode estar de brincadeira.

Assim que ele diz isso, me aproximo do aparelho, vendo que ele
está assistindo um vídeo de Dominika andando pela rodovia à noite, por
estradas que quase não são iluminadas. Muitas possibilidades poderiam
acontecer: atropelamento, estupro, sequestro, assassinato.

Não era possível que ela não tivesse ideia de que o mundo é um
lugar perigoso. Que à noite as coisas ficam ainda piores.

— Para onde ela foi?

O vídeo acaba, não existe mais nada. Minha pergunta não é


respondida nem pelo arquivo enviado e nem por Diego. Arremesso o copo
vazio que está em minha mão, na parede, fazendo-o virar milhões de cacos.

— Se não a encontrar…

Começo a dizer, me virando para ele, mas Diego está estranhamente


quieto, olhando algo mais na tela do computador. Volto os dois passos que
dei para jogar o copo longe e vejo uma foto.

É borrada, escura, mas é visível que é Dominika. Ela está abrindo o


portão do próprio prédio. Não consigo acreditar que ela conseguiu chegar
até a porra da cidade andando durante a madrugada.
Mas a expressão de seu rosto é de medo, ela está vendo algo muito
errado atrás dela. Uma van escura está estacionada ali. Algo estranho
começa a se apossar da minha mente. Alguém ousou encostar nela.

Diego passa para a próxima foto e conseguimos ver que ela estava,
sim, vendo alguém. E esse alguém a segura pelos cabelos e está tampando
sua boca, impedindo-a de gritar, por trás.

Na foto seguinte, existem dois homens lutando para colocar uma


Dominika raivosa na van. Na próxima, ela está levando um soco no rosto, a
imagem pega exatamente esse segundo. Em outra, eles estão saindo com o
carro, transportando-a para algum lugar.

Meu sangue estava fervendo, eu estava vendo tudo vermelho.


Apertei com toda minha força o encosto da cadeira, batendo a outra mão na
mesa. O mouse se moveu, voltando para a foto onde a agrediam.

Era visível que os homens estavam de tocaia. Todo uma


indumentária preta, camuflando a identidade dos agressores. Eles tiveram
que agredi-la, deixá-la inconsciente, porque Dominika não se deixaria ser
levada sem lutar.

— Há quantas horas isso aconteceu?

— Dezessete — ele diz, baixo, sabe o que aquela resposta significa


melhor do que eu.

Bato a mão na mesa outra vez. Começo a andar pela sala, olhando
para os cantos, não sabendo por onde começar. Eu tinha que ir atrás dela,
tinha que trazer Dominika de volta.

— Ache-a.
Ordeno e Diego apenas me olha, sem mover um músculo do corpo.
Me aproximo dele, rápido, com raiva.

— Pense antes de agir, Anton.

— Eu a quero de volta.

Seguro Diego pela camisa, levantando-o da minha cadeira,


empurrando-o para o meio da sala. Ele não reage, não revida. Fico com
ainda mais raiva. Quero que ele me ataque, quero poder quebrá-lo.

— Pense, Anton. Se você se expor, eles vão te matar. Isso inclui


expor seus sentimentos. Podem matá-la apenas para vê-lo definhar.

Chuto com força minha cadeira, meus olhos caindo novamente na


foto dela apanhando. Minha visão fica borrada de ódio com essa cena.

— Essas fotos são de um vídeo de baixa qualidade, Emily o


melhorou e conseguiu os dados da van.

Não preciso olhar meu consigliere para saber o que vem em


seguida:

— Foi roubada há dois dias, incendiada na rodovia que leva ao


porto. Dois corpos de homens dentro. — O olho, sem entender. — Soldados
Ferro. Eles estão deixando uma pilha de corpos para alguém limpar e levar
a culpa.

Passo a mão no rosto, respirando fundo.


— Querem que eu seja suspeito, ou seja, fique vigiado pela polícia
vinte e quatro horas — declaro, vendo Diego assentir, enquanto arruma a
camiseta que baguncei, quase rasgando.

Meu sangue está tão quente, estou com tanta raiva que esse gesto me
dá vontade de rasgá-la do corpo dele e fazê-lo engolir cada pequena porra
de fibra.

— Acredito que querem que você declare guerra. Muito mais fácil
reunir as outras famílias se você for o louco.

Vou até Diego, vendo o asiático cravar os pés no chão, pronto para
aguentar o que eu quiser fazer com ele. Não tenho certeza se acho isso bom
ou não, mas sei que posso confiar nele para qualquer situação.

Paro à sua frente, olhando-o nos olhos.

— Eles encostaram nela, a guerra já está declarada.

Vejo-o assentir devagar, sem dizer mais nada.

Os Ferro podem não ter expressado o que querem ou que estão


tentando eliminar as outras famílias, mas ao tomar aquela atitude, era
precisamente o que estavam fazendo.

Não sou Don de minha família há mais de vinte anos à toa.


Mostrarei para quem ficar em meu caminho, que não deveria ter feito isso.
Não pouparei esforços, não ficarei esperando que as coisas se resolvam.
Dominika é minha, vou trazê-la de volta, nem que tenha que
torturar, matar, esquartejar todos os membros da família Ferro. Não existirá
um homem, mulher ou criança daquela dinastia salvo se eu não a encontrar.

Chicago arderia se eu não encontrasse minha Nika.


Meu rosto estava latejando, meu maxilar parecia estar quebrado.
Conseguia sentir o inchaço se formando. Olhei ao redor, mas não estava
vendo nada, as luzes estavam apagadas, mas eu conseguia ouvir
respirações, baixas e fracas.

Tentei me mover, mas estava com as mãos amarradas, as cordas já


estavam cortando meus punhos. Onde estava? O que havia acontecido?

Engoli em seco, relembrando cada segundo. Tinha me arriscado,


saindo da cabana de Anton, após termos passado uma noite incrível. Mas
verdade é que a intensidade de nossos sentimentos tinha me assustado.

Não ia mentir, não era apenas os dele, mas os meus também. Tudo
foi rápido demais, insano demais. Era como se fossemos dois adolescentes
nos apaixonando pela primeira vez. O que não era verdade, já tinha tido
meu coração quebrado, já tinha me sentido triste e desamparada.

Porém, nada assim.

Nada como o que estava me acontecendo com o que sentia por


Anton. O corpo, a voz, os olhares, tudo nele me deixava de pernas bambas.
E tudo nele me assustava na intensidade.
Por isso, coloquei minhas roupas do dia do ataque e saí do quarto, o
sol já estava começando a se mostrar, bem fraco, deveria ser cinco da
manhã.

Saí do cômodo, andando devagar, evitando fazer barulho. Pensei


que ele teria um sono leve, que acordaria comigo tentando escapar, mas
Anton dormia pesado, roncando, como se não fizesse aquilo há anos.

Abri a porta, todo pequeno som parecia retumbante. Olhei para trás,
vendo-o apenas se virar na cama, coberto pelo lençol. O observei por alguns
minutos. Não poderia negar, gostava dele, queria estar com ele, mas as
coisas não poderiam começar assim.

Não era idiota de achar que ele não estaria na minha porta - talvez
até derrubando com o pé, outra agora -, exigindo saber porque fui embora.
Mas eu precisava. Eu tinha que me manter afastada, pelo menos hoje.

Me conheço o suficiente para saber que não tomarei nenhuma


decisão inteligente ou sensata se ficasse. Por isso, fechei a porta, desci as
escadas e parei na cozinha. Sair pela porta dos fundos, por onde havia
entrado com Diego dias atrás, foi mais fácil do que imaginei.

Alguns homens de Anton estavam jogando cartas na varanda da


frente, conseguia ouvi-los tentando ser silenciosos. Parei na escuridão que
estava a parte de trás da casa, olhando ao redor. Não havia ninguém ali. Eles
estavam tranquilos, o chefe estava na casa, nada poderia acontecer.

Corri, cheguei na rodovia cansada, mas corri mais um pouco. O


restante andei. Mas a todo momento olhei por cima de meu ombro. Então,
quando pisei na calçada de meu prédio, esperava ver Diego ou Philip,
encostados na grade do portão, apenas me esperando.

Mas não foi isso.


Olhei para o outro lado da rua, muitas pessoas estavam começando a
limpar o local. Minha loja havia sido destruída por completo, estava
irreconhecível. Meu coração se apertou de uma forma horrível. Era um filho
para mim. Tudo o que eu havia sonhado e idealizado.

Quase vinte homens estavam retirando sujeira do local, jogando em


uma caçamba. Alguns estavam levando sacos de cimento, argamassa, latas
de tinta para dentro. Anton estava por trás daquilo, com certeza.

Respirei fundo.

Aquilo só havia me provado que sim, eu precisava de um tempo


para me organizar. Não tinha ilusão de que não seria obrigada a confrontar
Anton em pouco tempo, mas queria fazer isso com a cabeça livre, calma.
Enfrentá-lo intoxicada dele, não seria justo comigo.

Fui até uma pedra solta na entrada do prédio, achando a chave


reserva do portão. Era um esconderijo óbvio, mas havia funcionado. Olhei
ao redor, abrindo a grade, mas então tudo estava acontecendo rápido
demais.

Uma van parada no meio fio. Alguém me chamando por meu nome.
Um homem tentando me segurar e tampar minha boca. Outro vindo ajudá-
lo, porque lutei e então um soco.

Me lembro de sentir a dor da mão dele me acertando em cheio no


rosto, mas apenas isso. O sol, que brilhava forte, quando eles me levaram
havia se apagado em um segundo.

O grande erro foi revidar, mas foi instintivo. Não conseguiria me


deixar ser levada sem lutar. E o resultado era aquele.
Não sabia onde estava, nem quem tinha me levado. Sabia que Anton
não faria isso comigo, então, estava sendo mantida amarrada por outras
pessoas.

Poderiam ser os mesmos que metralharam minha loja, que quase


mataram Fiona e Noemia. O mundo de Anton é diferente do meu, não me
arrisco dizer que sei o que vem a seguir.

Coloco as mãos por entre meus joelhos, apertando. Puxo meus


braços, tentando me soltar, mas as cordas apertam ainda mais ao invés de
afrouxarem ou saírem

Um suspiro ao meu lado me deixou saber que tinha alguém ali.

— Olá?

Minha voz pareceu alta demais, era como se estivesse em uma


caverna. Consegui ouvir vários suspiros ao meu redor, e agora prestando
bastante atenção, estava escutando choro. Algumas pessoas estavam
chorando.

— Quem está aí?

Minha pergunta não teve resposta imediata, porém, a pessoa ao meu


lado suspirou outra vez, fungando o nariz também.

— Por favor, quem está aí?

— Cale a boca, eles vão aparecer aqui.


Uma mulher sussurrou ao meu lado, como se estivesse com muito
medo de quem poderia aparecer. Virei minha cabeça, querendo me situar,
saber onde ela estava. Abaixei a cabeça, fechando os olhos, apurando os
ouvidos.

— Por favor…

— Cala a boca — ela disse, outra vez, mas agora com uma urgência
maior do que da primeira.

Dessa vez consegui identificar de onde viera. Abri os olhos, mesmo


que não conseguisse ver nada, virei meu rosto na direção que tinha certeza
de que estava a voz da mulher e disse:

— Por favor, poderia me dizer o que está acontecendo?

— O que acha que está acontecendo?

Outra voz, mais grossa, mais irritada, sussurrou à minha direita.


Virei meu rosto para lá, mesmo que não conseguisse enxergar.

— Homens estão nos vendendo, garota, uma a uma. — Engoli em


seco. Tráfico? — Às vezes eles nos vendem aos lotes. Quem sabe como
será hoje.

Estava em pânico, aquilo só poderia ser um engano. Não era


possível que alguém fizera isso. Me desesperei, tentando com mais força
ainda liberar minhas mãos. Por alguns segundos apenas tive a ilusão que
estava conseguindo, mas assim que tentava separá-las, via que não movera
nem mesmo um milímetro.
— Me ajude, me solte que eu…

— Você acha que não tentamos isso?

A voz mais baixa, fina, do outro lado, disse. Parecia uma


adolescente. Abaixei minha voz, sentindo que meus olhos estavam ardendo,
lágrimas começaram a cair por minhas bochechas.

— Porque não tentam mais?

A resposta veio em forma de susto. Uma porta se abriu ao fundo,


barulho de metal estridente. Pisquei várias vezes, olhando ao redor
conforme a luz entrava no ambiente.

Era um contêiner lotado de mulheres seminuas. Eu estava entre


mulheres que seriam vendidas. Algumas estavam em pé, outras sentadas,
mas todas estavam soltas. Não consegui ver nenhuma outra amarrada, como
eu estava.

Meus olhos encontraram com os de algumas, mas logo elas


desviavam o olhar, não querendo me fitar. Vi mulheres novas, quase
adolescentes. Algumas mais velhas. De todas as cores, alturas e pesos.

Meu Deus!

Aquilo era um pesadelo. Respirei fundo, olhando para a porta. Um


homem com o rosto cansado, com algumas rugas entra, apenas alguns
centímetros no contêiner, todas as mulheres em seu caminho se afastam.
Muitos choros começaram. Olho ao redor, vendo que elas estão
sujas, com cortes, hematomas, abaixam a cabeça e escondem os rostos.
Muitas delas estão com tufos de cabelo faltando. Aquilo é desolador.

Volto a olhar o homem na porta, que agora está olhando ao redor,


como se procurasse por alguém em específico até que me encontra.

Seus olhos pretos me acham, medo passa por sua face por alguns
segundos, desaparecendo da mesma forma que surgiu. Ele vira a cabeça
para o lado, falando com um homem alto, de terno, que está parado como
um armário, apenas aguardando alguma ordem.

— Sim, senhor Tettulli.

O homem diz e anda na minha direção, chutando as mulheres que


não saíram de seu caminho há tempo. Sua enorme mão me segura pela
corda nos punhos, me levantando, me machucando. Meu grito ficou preso
na garganta. O que fariam comigo?
Já existiram inúmeras situações em que disse a Anton que não
gostaria de estar em seu lugar, mas essa ganha todas.

Ser um homem de família, carregar esse fardo, já é alguém que


prometi a mim mesmo, desde meus nove anos, que eu não seria. Prometi
isso ao ver o corpo da mulher que me adotou, que me trouxe para essa
família, Sofia Cornelli, em um caixão, morta por uma doença implacável.

Cesare estava desolado, Anton parecia desconectado da realidade.


Não quero isso. Por esse motivo, sempre estive ao lado dele, deixei claro
que a família viria em primeiro, que nenhuma mulher poderia ocupar um
lugar de destaque. Os Cornelli viriam na frente, sempre.

Mas como a família viria sempre na frente, lá estava eu, em um


avião, indo em direção ao Brasil. Anton não havia gostado de ter
seu consigliere focando todos seus esforços em outra situação que não fosse
encontrar Dominika. Entretanto, tínhamos que resolver esse problema.

Nossa família tinha empresas de fachada, eu era CEO de algumas.


Porém, nosso real lucro era de drogas, crimes, comando de outras empresas.
Não havia motivo para não ser sincero, éramos o que éramos.
Então, estar em um avião, lendo o relatório sobre as buscas de
Dominika, que estava desaparecida há quase duas semanas, era estressante.
Tinha que estar com Philip, com nossos soldados, caçando quem fosse que
tivesse levado a mulher do chefe.

Mesmo que a culpa fosse dela própria, não havia nenhuma desculpa
para terem levado a mulher. Vi as fotos do momento em que a pegaram
várias e várias vezes, gostando de ver que ela não deixou de lutar. Dominika
seria uma ótima esposa para Anton.

Ela não se deixou levar sem combater, mesmo que não soubesse
quem era que estava tentando machucá-la. Dominika havia descido em meu
conceito ao fugir no meio da madrugada, mas ganhara ainda mais meu
respeito por quase acertar o pé no rosto de um dos homens que estava
tentando colocá-la dentro da van.

Me recostei na poltrona, olhando para o laptop aberto no suporte do


encosto da poltrona da frente. Não tinha ninguém ao meu lado, estava
sentado na janela. Era de noite, boa parte das pessoas estão dormindo, mas
preciso enviar algumas respostas.

Philip é um moleque ainda, mesmo com quase quarenta anos, mas


trabalha caçando pessoas como ninguém. Gosto do estilo dele. Não gosta de
dar ordens, prefere ir ver com os próprios olhos.

Entretanto, está começando a perder a paciência com essa situação.


Ele percebe o quanto Anton está desestruturado com esse cenário
envolvendo Dominika. Não gosta de ver a família sofrer. Também não
gosto, mas sou mais racional quando se trata de resolver tais problemas.

Sei quem pegou a ruiva, o motivo e o que farão com ela.


Não preciso ser um hacker para saber que os Ferro são traficantes de
mulheres. Que teremos que ter muito cuidado, pois estamos mexendo em
um vespeiro mundial.

Mesmo que eu saiba que Anton mexeria até no inferno por


Dominika. Abro a foto que recebi há dois dias, olhando a direita. O ‘lote’ de
mulheres será leiloado em dez dias. Vejo Dominika no canto da foto, cabeça
levantada, sem medo de mostrar o rosto, como as outras.

Ela não está se curvando, ela não vai se curvar.

Não mostrei a Anton isso, ele chegaria com o pé na porta da casa


dos Ferro, arrancaria a cabeça de Lorenzo com as mãos. Preciso ser
inteligente nisso, não posso deixar as emoções dele, o levarem para o
caixão.

Encontrarei esse local, tirarei Dominika de lá. Mas enquanto isso


não acontece, vou apenas trabalhar na cidade de São Paulo, depois Santos e
então voltar para a minha Cidade dos Ventos.
FLAVIA KALPURNIA, de São Vicente, São Paulo, hoje mora em Belo Horizonte. Casada, mãe
de gatos e cachorros, sócia de um estúdio de música com seu marido. Escritora desde os 14 anos,
sempre foi apaixonada pelos livros. Encantou-se por Harry Potter ainda criança e escrevia fanfictions
até começar a rascunhar livros autorais em 2009.
Leitora de romances hot e terror, gosta de se arriscar em thrillers e fantasia, para ler e
escrever. É autora de vários livros publicados na Amazon, incluindo Olhos Negros, seu primeiro
romance, e que trata de questões familiares e sentimentos conflitantes e proibidos.
Todos os livros digitais da Autora estão disponíveis na
Amazon.
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[1]
Atua como conselheiro do Don, é o único que de fato pode ponderar as ações do chefe, servindo
como uma segunda opinião. Normalmente é um posto ocupado por alguém de muita experiência e
perícia para intermediar conflitos e negociações
[2]
Por ele passam todas as decisões acerca da família, e para ele devem chegar uma percentagem dos
lucros de todas as operações de seus membros.
[3]
posto básico da hierarquia. São membros efetivos da organização, conhecidos como
homens feitos. São eles os responsáveis por conduzir as operações nas ruas e executar os serviços de
maior importância.
[4]
No Canadá, Irlanda, Bélgica e no Reino Unido as delicatesses são lugares que vendem queijos
finos e carnes nobres (charcuteria). Vinhos e bebidas alcoólicas refinadas. Pães e salgados especiais.
Doces, temperos, condimentos, laticínios e iguarias no geral. Conjugados com um café.

Nos EUA e na Austrália o mesmo conceito se aplica, mas com a ideia de um restaurante mais forte
do que a do resto do estabelecimento e em geral é voltado para um público vegano ou de comidas
saudáveis.
Na França, Itália, Alemanha, Suíça e Áustria o mesmo conceito dos outros países europeus, só com o
foco nos produtos de marcas e produtos industriais de luxo como caviar, trufas, conjugando assim o
espaço com um café e um pequeno armazém. Dentro de um lugar de arquitetura extremamente
requintada.

[5]
O whisky cowboy é uma maneira tradicional de beber whisky, sem gelo ou água. O nome vem
dos cowboys americanos, que costumavam beber whisky puro em shots.
[6]
Justiça em italiano.

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