4 - o Feudalismo

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O Feudalismo

APRESENTAR UMA VISÃO DE CONJUNTO DOS PROCESSOS HISTÓRICOS DE LONGA DURAÇÃO


QUE LEVARAM À FORMAÇÃO DO CHAMADO FEUDALISMO NA EUROPA OCIDENTAL (SÉCULOS V-
X).
NESTE TÓPICO
Feudalismo
A Sociedade Feudal
Suserania e vassalagem
Referências

Feudalismo
As raízes do feudalismo
A rigor, devemos entender que o chamado feudalismo, como modelo de explicação social, somente pode
ser compreendido se relacionado à realidade histórica existente entre os séculos X e XIII, isto é, no
contexto da Idade Média Central. Vamos deixar claro que período é esse que estamos apontando:
costuma-se dividir a Idade Média em Alta Idade Média (séc. V-IX), Idade Média Central (séc. X-XIII) e
Baixa Idade Média (séc. XIV-XVI), mas há quem a dívida apenas entre Alta e Baixa.
O feudalismo foi o resultado de um processo histórico longo e complexo, onde ocorreu a fusão de distintas
tradições. Muitas heranças da civilização grega-romana foram misturadas aos costumes dos grupos que
usualmente chamamos de germânicos. Estes adentraram as fronteiras de Roma, e o contato entre esses
povos resultou na mistura das tradições germânicas e romanas (incluindo a presença da Igreja Católica).
Assim, a sociedade feudal herdou do Império Romano, algumas práticas administrativas e jurídicas de
Estado, tentando manter os antigos territórios romanos (agora vários reinos diferentes) sob uma unidade
religiosa. Devemos entender que a Alta Idade Média foi um período de transição com a crise do Império
Romano do Ocidente, a assimilação das tradições germânicas e a expansão do cristianismo, formulando
uma civilização original cuja identidade articula as características herdadas daquelas três distintas
tradições: a civilização feudal.
O medievalista Franco Jr (1984) aponta as sete características fundamentais do processo de formação do
feudalismo, a partir da crise do Império Romano no século III até se concluir no século X, e que se
configuram como o processo de ruptura entre a antiguidade e a medievalidade. São elas a ruralização da
sociedade, o enrijecimento da hierarquia social, a fragmentação do poder central, as novas relações de
dependência pessoal, a privatização da defesa, clericalização da sociedade e as transformações na
mentalidade. As quais veremos sob um aspecto geral na sequência.
Tais características são apresentadas não de forma cronológica, visto que todas esses sete elementos vão
ocorrendo ao mesmo tempo, uma influenciando a outra, e não como itens que se formam numa sequência
linear, uma após a outra. A descrição também hierarquiza o ritmo de impacto de cada aspecto, iniciando
pelos fenômenos de ordem econômica (duração dinâmica, no nível factual), passando pelas
transformações na organização social e política (duração média, no nível conjuntural) até atingir os níveis
ideológicos (longa duração, no nível estrutural).
O movimento expansionista de Roma, ao longo dos séculos, fez decair a produção rural interna de suas
áreas originais, enquanto o aumento da mão de obra escrava fez uma grande parcela da sociedade livre
ficar ociosa, pobre e desempregada. Ocorre então o enfraquecimento gradativo dos pequenos e médios
proprietários, fazendo aumentar a presença de latifúndios (grandes quantidades de terra pertencentes a
poucas pessoas) e a dominação política do Estado pelos mais ricos (oligarquia). Isso levou, a princípio, a
uma diminuição da vida rural, pois a maior parte da população camponesa migrou para as cidades, mas
com a crise imperial dos séculos III e IV, a vida nas cidades ficou no limite do sustentável, com a miséria, a
fome e as doenças.
Ao mesmo tempo, como Roma havia encerrado sua política de expansão territorial, diminuiu a quantidade
de escravos e aumentaram os custos de sua manutenção, levando os grandes proprietários rurais a
libertar seus escravos, arregimentar colonos livres e aceitar a migração de povos bárbaros em suas terras,
trabalhando sob um regime de servidão, já no século IV, provocando agora o movimento inverso, um fluxo
migratório das cidades de volta aos campos, com força maior a partir dos séculos V e VI.
Por esse sistema, Bloch (1982) explica que os proprietários rurais arrendavam parte de suas terras a
colonos mediante o pagamento de duas obrigações distintas: trabalhar alguns dias da semana na terra do
senhor, com toda a produção daqueles dias pertencendo ao proprietário latifundiário (dando origem à
prática feudal do pagamento da corveia); e pagar uma parcela proporcional da produção obtida no lote
arrendado ao proprietário (dando origem à prática feudal do pagamento da talha). Ou seja, ao mesmo
tempo em que dispunham de um pequeno lote para morar e produzir por conta própria, um percentual
obtido nesse pequeno lote arrendado pertencia ao senhor, em troca de também trabalhar nas terras gerais
do proprietário por alguns dias da semana. Tudo isso também em troca de segurança, no contexto das
invasões de germanos e hunos e, depois, de normandos e sarracenos.
Colonato e Comitatus:
O regime de colonato criou uma nova categoria de trabalhador dependente do proprietário fundiário, que
pode bem ser descrita pela fórmula consagrada: o colono é um homem livre, mas preso à terra. A
servidão, contudo, também contribuiu para o gradativo fim da escravidão na Europa, mas levou a um
enrijecimento da hierarquia social durante a Alta Idade Média. Tal situação, persiste até hoje em alguns
países, ainda que de forma clandestina. Na Rússia, por exemplo, só em 1861 o czar Alexandre II destituiu
oficialmente a servidão, tornando o colono totalmente livre para sair das terras onde vivia e trabalhava
para um senhor.
Comitatus: os senhores da terra, unidos pelos laços de vassalagem, comprometiam-se a ser fiéis e a
honrar uns aos outros. No colonato, o proprietário de terras dava proteção e trabalho aos colonos que, em
troca, entregavam ao senhor parte de sua produção.
A Sociedade Feudal
A sociedade feudal resultante desse processo era, certamente, um tipo de organização na qual a distância
social entre os proprietários fundiários e os trabalhadores rurais foi muito ampliada, pois a fragmentação
de poderes administrativos, militares e jurídicos com a queda do Império e a descentralização da
autoridade do Estado, delegou poderes regionais e locais aos proprietários latifundiários. Isto fez com que
os mais ricos proprietários de terras fossem agraciados com títulos militares, cargos ministeriais,
arrecadação e aplicação de impostos e prerrogativas comerciais, todos com foro para legislar e administrar
as regiões onde estão suas terras (feudos), além de contar com a vitaliciedade (ficam no cargo até morrer)
e a hereditariedade (passam o cargo para os filhos, netos ou herdeiros legais) de seus títulos.
Portanto de acordo com Pernoud (1997) com a formação dos reinos germânicos, completou-se o ciclo da
ruralização, instituindo uma realidade na qual os poderes políticos regionais substituíram a soberania
centralizada, como ocorria sob o Império Romano, sendo agora a autoridade fiscal do Estado transferida
para os proprietários de terras. Nesse contexto, os reis apresentam-se com frágeis poderes. Em primeiro
lugar, porque sua soberania estava sendo exercida sobre um território muito delimitado, recortado da
integridade do Império Romano agonizante. Em segundo lugar, porque, internamente, o crescente poder
dos proprietários rurais reduziu drasticamente a intensidade e o alcance da soberania estatal.
Como muitas das atribuições do Estado passam a ser exercidas pelos latifundiários, o poder que antes se
enfeixava nas instituições estatais passa para as mãos de particulares, impulsionando assim o
desenvolvimento das relações de dependência pessoal, produto do esvaziamento do espaço público em
curso. Para o camponês dependente foi possivel suprir suas necessidades de alimentação e proteção por
meio de contrato com os senhores feudais que aumentaram seu prestígio e poder. Dessa forma, o poder
econômico justificou o poder político e o prestígio social que eram marcas tanto da tradição romana quanto
germânica.
Muitos pequenos proprietários para driblar ou mesmo fugir de pagar maiores impostos e da excessiva
burocracia do Estado, passam suas terras a um senhor, o qual amplia sua propriedade, permitindo que os
antigos proprietários continuem vivendo nessas mesmas terras, agora como servos. A vassalagem é uma
forma mais completa disso tudo, tendo sua maior difusão em meados do século VIII.
De origem germânica, o contrato de encomendação registrava a súplica do dependente diante do superior,
no texto desse formulário do século VIII:
Eu, Bertério, coloquei a corda em meu pescoço e me entreguei sob o poder de Alarido e de sua esposa
Ermengarda para que desde este dia façais de mim e de minha descendência o que quiserdes, os vossos
herdeiros o mesmo que vós, podendo guardar-me, vender-me, dar-me a outros ou conservar-se e se eu
quiser esquivar-me do vosso serviço, podeis deter-me vós mesmos ou vossos enviados, do mesmo modo
que o fariam com vossos restantes escravos originais.
(PINSKY, 1982, p. 69.)
Nesses contratos, os concessores cediam o usufruto da terra, mas não à propriedade da mesma. O
benefício era a fonte econômica do sustento para quem recebia, devendo assim prestar serviços ao
suserano. Durante a Alta Idade Média, as relações de dependência pessoal não somente se
desenvolveram como também tomaram formas mais específicas e elaboradas. Até o século VI, a
vassalagem era uma instituição de caráter servil, implicando na concessão de lotes de terras para um
trabalhador dependente que efetivamente seria o agricultor, sendo a contrapartida um rendimento de
caráter econômico. A partir do século VIII, porém, na passagem do Império Merovíngio para o Império
Carolíngio (ambas dinastias reinantes do então Reino dos Francos, futura França), a vassalagem tornou-
se uma instituição que selava a aliança entre homens livres e de mesma condição social. Ou seja, tornou-
se um contrato de uso exclusivo da nobreza. O vassalo (servidor fiel) passou então a constituir um elo em
uma grande cadeia de fidelidade que ligava os mais poderosos (suseranos) a seus dependentes
(vassalos).
A Estrutura Social no Feudalismo:
Usualmente a sociedade estava dividida em clero, nobres e servos. Dessa forma, no topo social feudal
estavam os senhores feudais e na sua base, os servos, a camada produtiva.
O Senhor Feudal ou suserano (podia ser um rei ou nobre) possuiam a posse legal das terras e detinham a
administração de seu feudo.
Os Servos (camponeses) eram a maioria da população e não tinham a propriedade da terra, estavam
presos a ela por uma série de obrigações devidas ao seu senhor. Mas, diferentemente dos escravos não
podiam ser vendidos.
Assim como os outros grupos, o Clero também não era uma camada homogênea, os altos postos como
bispos e arcebispos eram destinados aos de origem aristocrática, já os abades\padres de paróquias eram
oriundos das categorias mais baixas. A Igreja também possuía terras e tinham servos que lhes deviam as
mesmas obrigações que prestavam para um senhor feudal.
Quer conhecer mais sobre o tema? então leia Marc Bloch "A sociedade feudal" um clássico da
historiografia.

Suserania e vassalagem
Os juramentos de fidelidade ao Rei reafirmavam tais laços, mas agora eram combinados a um reforço
religioso católico, como um apoio sagrado e incondicional ao Rei nos períodos de guerras e crises. A partir
do século VIII-IX, portanto, só um vassalo sacramentado recebia um feudo, sendo que a vassalagem
também foi ampliada de um senhor feudal para outros abaixo dele na hierarquia social. Um vassalo
desses, portanto, podia defender os interesses do seu senhor feudal, mas não necessariamente os
interesses do Rei.
De acordo com Bloch (1982) ao receber o benefício da imunidade, o vassalo conquistava a completa
isenção do controle real sobre o lote recebido como primeiro benefício, o que implicava na prática ampla
autonomia administrativa e judiciária, de recrutamento militar e em questões fiscais, incluindo a
manutenção de exércitos privados, ou seja, milícias particulares ligadas por interesses pessoais e
obediência hierárquica a este senhor. De certa forma, essa estrutura já existia desde Roma, com o
declínio do exército imperial e o crescimento dos latifúndios sendo autorizados a constituírem exércitos
particulares para defesa regional. No entanto, também fazia parte da cultura dos povos bárbaros ter um
bando de guerreiros ligados por um juramento ao chefe. Mas, ao longo dos séculos IX e X, no período final
do Império Carolíngio, as invasões de vikings, sarracenos e húngaros, como vimos em aula anterior,
forçaram novamente uma maior privatização da defesa de forma definitiva.
Uma característica não só da formação do feudalismo, como do próprio pensamento medieval,
representou uma das mais profundas transformações sociais ocorridas no início do medievo, com a nova
Igreja Católica e suas reformas, como veremos mais profundamente em aula posterior. Os sacerdotes do
paganismo greco-romano, por exemplo, nunca chegaram a se institucionalizar com tamanha formalidade e
burocracia, também nunca agiram de maneira tão impositiva e proibitiva em relação a outras religiões, ao
nível do que o catolicismo chegou a fazer nos séculos seguintes. Há também que considerar o caráter
quantitativo (o clero cristão teve uma quantidade muito maior à que existia antes, mesmo em outras
sociedades) e o caráter qualitativo, já que o clero católico se tornou um grupo social à parte, uma outra
classe, diferente das demais, pois tinha privilégios especiais, certas imunidades jurídicas e acesso ao
poder político-econômico, sujeita às suas próprias leis. Além disso, o clero cristão não era representante
do povo ou de um Rei, mas sim, diziam-se representantes de Cristo/Deus, daí uma forte autoridade moral,
impondo-se aos poucos sobre a vida cotidiana da população.
Com isso, um novo relacionamento homem/Deus passa a ter seu espaço, uma nova concepção do papel
do homem no universo, bem como uma nova auto concepção do homem. Na antiguidade clássica ou
pagã, a relação predominante era entre o homem e a natureza, o que produziu o racionalismo ainda no
período antigo. Mas, por ser de caráter mais urbano e intelectual, tal racionalismo antigo ficou restrito a
uma elite, tendo sua ação sobre a sociedade em geral muito limitada. Já o cristianismo, rejeitando as
explicações racionais e a ciência, confiando todo entendimento necessário do mundo e da sociedade à
Bíblia e à Deus, criou um conformismo, uma aceitação cega e uma fé inabalável aos dogmas ditados pelo
clero (e um maniqueísmo antes não considerado).
O período do chamado Império Carolíngio (VIII-X), sob o domínio do Rei Carlos Magno (o qual, apesar da
fragmentação e descentralização do poder, era muitos respeitado pelos seus vassalos) foi o período de
implantação, ajustes, conflitos e a concretização do que foi chamado posteriormente de feudalismo e de
uma mentalidade medieval.

Vassalagem
Ilustração produzida no período medieval de servos colhendo trigo de acordo com o calendário.
Fonte: Wikimedia Commons/ Reprodução

Referências
BLOCH, Marc. A sociedade feudal. Lisboa: Edições 70, 1982.
CARVALHO, Cibele. O nascimento do sistema feudal. In: CARVALHO, Cibele. História Medieval. Curitiba:
InterSabres, 2016. cap. 2, p. 61-88. E-book. Disponível em:
https://plataforma.bvirtual.com.br/Acervo/Publicacao/41656. Acesso em: 18 mar. 2021.
FRANCO JR., Hilário. O feudalismo. São Paulo: Brasiliense, 1984.
MAALOUF, Amin. As cruzadas vista pelos Àrabes. SP: Brasiliense, 1998.
PERNOUD, Régine. Luz sobre a Idade Média. Lisboa: Edições Europa-América, 1997.
PINSKY, Jaime (Org.). Modo de produção feudal. São Paulo: Global, 1982.
SANTIAGO, Theo. Do feudalismo ao capitalismo: uma discussão histórica. São Paulo: Contexto, 2015. E-
book. Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br/Acervo/Publicacao/31376. Acesso em: 18 mar.
2021.
SOKOLOWSKI, Mateus. A estrutura e a sociedade medieval. In: SOKOLOWSKI, Mateus. A estrutura e a
sociedade medieval. Clássicos da história: Georges Duby. Curitiba: Contentus, 2020. cap. 4, p. 48-62. E-
book. Disponível em: https://plataforma.bvirtual.com.br/Acervo/Publicacao/186351. Acesso em: 18 mar.
2021.

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