LucianoVieiraRocha Dissert

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1

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA


CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES

UMA NOÇÃO HISTÓRICA DE INTOLERÂNCIA RELIGIOSA: AS


CONCEITUAÇÕES E O CASO DOS JESUÍTAS NO BRASIL COLÔNIA.

Luciano Vieira Rocha

JOÃO PESSOA
AGOSTO DE 2011
1

UMA NOÇÃO HISTÓRICA DE INTOLERÂNCIA RELIGIOSA: AS


CONCEITUAÇÕES E O CASO DOS JESUÍTAS NO BRASIL COLÔNIA.

Luciano Vieira Rocha


Orientador: Carlos André Macêdo Cavalcanti

Dissertação de Mestrado apresentada


ao Programa de Pós-Graduação em Ciências
das Religiões do Centro de Educação UFPB
em cumprimento como uma das exigências
para obtenção do título de Mestre em Ciências
das Religiões, área de concentração Religião
Cultura e Produção Simbólica.

JOÃO PESSOA
2011
Catalogação na publicação
Seção de Catalogação e Classificação

R672n Rocha, Luciano Vieira.


Uma noção histórica de intolerância religiosa : as
conceituações e o caso dos jesuítas no Brasil Colônia /
Luciano Vieira Rocha. - João Pessoa, 2011.
95 f. : il.

Orientação: Carlos André Macêdo Cavalcanti.


Dissertação (Mestrado) - UFPB/CE.

1. Intolerância religiosa. 2. Companhia de Jesus. 3.


Colonização. 4. Eurocentrismo. 5. Catolicismo
português. I. Cavalcanti, Carlos André Macêdo. II.
Título.

UFPB/BC CDU 2:316.647.5(043)

Elaborado por WALQUELINE DA SILVA ARAUJO - CRB-15/514


3

DEDICATÓRIA

A todo aquele que faz da vida sua religião, do trabalho sua manifestação de fé e agradece
com a doação.

“Fia”, você é assim!


4

AGRADECIMENTOS

À força criadora da vida, que traça e/ou possibilita o destino e/ou nossas possibilidades
materiais e espirituais, que nome se dê nas religiões ou religiosidades, idiomas ou dialetos não
importa.

A minha mãe, por tudo! Estaria sendo reducionista se enumerasse aqui;

Ao meu pai, pelo incentivo e pelos debates “filosóficos” tidos entre nós, sua colaboração
bibliográfica e revisão textual;

A Josevânia ...;

Aos meus irmãos, que sempre acreditam nos potenciais das pessoas e foram /são suporte
fraterno durante toda minha vida;

A minha família pelo carinho e afeto;

A todos os professores pelos quais passei em minha vida: ajudaram-me a concluir mais
essa etapa;

A meu orientador Carlos André, que sempre me incentiva e desperta inspiração,


indicando as melhores possibilidades de análise e de relevância acadêmica, sempre com
alternativas.

Aos meus amigos que colaboraram de forma direta ou indiretamente na construção


desse trabalho, em especial Bruno Medeiros.
5

EPÍGRAFE

O que as paredes pichadas têm pra me dizer?


O que os muros sociais têm pra me contar?
Por que aprendemos tão cedo a rezar?
Por que tantas seitas têm aqui seu lugar?
Marcelo Yuca - Brixton Bronx ou Baixada
6

RESUMO

ROCHA, Luciano Vieira. Uma Noção Histórica de Intolerância Religiosa:


Conceituações e o Caso dos Jesuítas no Brasil Colônia. 2011. 97 f. Dissertação (Mestrado) -
PPGCR Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, 2011.

Estudo de História como disciplina base em Ciências das Religiões, campo


delineado no primeiro capítulo, sobre a Companhia de Jesus no Brasil Colônia enquanto parte
da instalação do Estado Português. É a religião, no contexto moderno, elemento que perpassa a
noção de sagrado e vai à identidade de estado como elemento unificador e organizador social.
Essa noção de religião como identidade nacional lusa, Portugal transmite por meio da Igreja
Católica, um de seus instrumentos para implementar na sociedade esse sentimento de pertença
ao estado português é a catequese jesuítica. Trabalha-se também a importância do catolicismo
na formação do Estado Nacional português. Destaca-se a compreensão do conceito de
intolerância religiosa enquanto prática jesuítica na Idade Moderna e parâmetro de visão de
mundo dualística e eurocêntrica. Sobre conceituação de intolerância religiosa, é feito um
levantamento de documentos e pensadores que no decorrer da História Moderna até a
Atualidade são destaque para a formação da mentalidade contemporânea. Outro importante
aspecto analisado é a prática do cristianismo no Novo Mundo, sendo necessário se flexibilizar
para ser assimilado.

PALAVRAS-CHAVE: Intolerância Religiosa, Companhia de Jesus, Colonização, Catolicismo


português, Eurocentrismo.
7

ABSTRACT

ROCHA, Luciano Vieira. A Historical Notion of Religious Intolerance:


Concepts and the Case of Jesuits in Colonial Brazil. 2011. 97 f. Dissertation (Master’s
Degree) – PPGCR Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, 2011.

A study of History as a fundamental subject in Religion Sciences, a field delineated in


the first chapter, on the Company of Jesus in Colonial Brazil as a part of the Portuguese state
formation. The religion in the modern context is an element which passes by the sacred notion
and goes to the State identity as a unified element and social organizer. Portugal has transmitted
by the Catholic Church this notion of religion as a luso national identity, and one of its
instruments for implementing in the society this belonging feeling to the Portuguese state is the
Jesuit catechesis. It is also mentioned the importance of the Catholicism in the formation of the
Portuguese National State. The comprehension of religious intolerance as a Jesuit practice in
the Modern Age as pattern of the dualistic and Eurocentric world view is highlighted.
Concerning the concept of religious intolerance, it was performed a survey of documents and
thinkers that during the Modern History until the Contemporaneity have been relevant for the
formation of the contemporary mentality. Another important aspect which was analyzed is the
practice of the Christianity in the New World, being necessary its flexibility in order to be
assimilated.

KEYWORDS: Religious Intolerance, Company of Jesus, Colonization, Portuguese


Catholicism, Eurocentrism.
8

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Linhas Temporais de Raiz Judaico-Cristã................................................................20


Figura 2 A Primeira Missa no Brasil.......................................................................................29
Figura 3 França, 26 de Agosto de 1789 .................................................................................40
Figura 4 O uso da religião como afirmação da maioria.........................................................54
Figura 5 Chegada de Vasco da Gama às Índias......................................................................59
Figura 6 Símbolo da Companhia de Jesus...............................................................................72
Figura 7 Fixação territorial dos jesuítas com a fundação de São Paulo................................74
9

LISTA DE MAPAS

Mapa 1 A unificação do território português..........................................................................56


Mapa 2 Mapa Mundi em 1459.................................................................................................66
Mapa 2 Mapa Mundi em 1570.................................................................................................67
10

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 13

2 HISTÓRIA E CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES 19


2.1 A HISTÓRIA COMO PRECURSORA DAS CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES 19
O tempo linear da cristandade 19
As referências 22
A Chegada do cristianismo no Brasil 24
História eclesiástica 25
História das religiões 27
Nova História 28
2.2 CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES, UM CAMPO DISCIPLINAR 31
Multidisciplinaridade 31
Sociologia e as religiões 33
Antropologia e religiões 35

3 INTOLERÂNCIA RELIGIOSA 39
3.1 DELIMITAÇÃO HISTÓRICA E FILOSÓFICA 39
Raízes documentais da ideia atual de tolerância religiosa 39
John Locke e a tolerância religiosa 45
O Tratado sobre a tolerância de Voltaire 48
3.2 CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE INTOLERÂNCIA 51
O conceito no contexto político da modernidade ocidental 51
O conceito contemporâneo 53

4 O CAMINHO E A VERDADE 56
4.1 O CAMINHO – CATOLICISMO PORTUGUÊS RUMO AO NOVO MUNDO 56
Portugal, um estado católico 56
A expansão religiosa 60
O catolicismo português 61
Dicotomias sobre o Novo Mundo 65
11

4.2 A VERDADE – O PARADIGMA DA REALIDADE JESUÍTA 72


A formação da Companhia de Jesus 72
A autocompreensão dos jesuítas 75
A catequese no início da colonização 78
A construção do outro 82
Flexibilizações e ortodoxias na colônia 84

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 88

REFERÊNCIAS 91
13

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho estuda a implementação dos valores religiosos cristãos e a


importância da catequese na inserção social do indivíduo pelo primeiro movimento missionário
no Brasil português, que estava no contexto da ocupação e conquista do litoral brasileiro
(HORNAERT et al., 2008), onde a principal atuação religiosa missioneira foi a “Companhia de
Jesus que procurou impor seu espírito ao mundo católico, desde o Concílio de Trento”
(HOLANDA, 1995, p.37).

Para tanto, o objetivo principal deste trabalho é analisar a intolerância religiosa na


atuação da Companhia de Jesus e sua importância no contexto geral da História portuguesa no
ocidente moderno, sendo realizada uma caracterização geral das reformas religiosas ocorridas
no século XV, que resultam no surgimento da companhia de Jesus, o âmago da catequese
missionário-jesuítica. Nesse sentido, compreende-se a gênese dessa prática que toma a si
mesma como referência, em sobreposição às práticas não-cristãs dos povos indígenas
brasileiros que, diferente dos padrões europeus, não possuíam ídolos ou cultos
institucionalizados, sendo, portanto, vistos como sem religião pela Igreja Católica (POMPA,
2006), o que não significa que, por não ter uma doutrinação estruturada, os nativos não tivessem
vida religiosa.

Sendo assim, é notório o posicionamento religioso-cristão de superioridade ante o


não reconhecimento e desconhecimento do universo religioso indígena, o que caracteriza
intolerância religiosa, do ponto de vista deste redator. A aproximação da cultura indígena pelos
jesuítas no Brasil colonial foi feita para permitir a eficiência da missão catequética.

O caráter etnocêntrico do catolicismo do período é tratado como intolerante, pois


recusa a permanência do outro como sujeito válido para a interação dentro da perspectiva de
recusa total ou parcial (CAVALCANTI, 2006), tendo em vista o modelo eurocêntrico da cultura
na modernidade. Esta interpretação é um dos fios condutores do presente trabalho, sendo
resultado de um dos estudos do Grupo Videlicet, pela UFPB, pela análise da História da
Intolerância Religiosa em seus contextos e da historiografia sobre o tema.

Tem-se a presença da religião cristã muito forte no cotidiano e na vivência social


na modernidade ocidental. O presente trabalho é restrito ao universo luso-brasileiro, onde se
concordam com o “grupo teórico que analisa as religiões como a interpretação ou explicação
14

do mundo” (PRANDINI, 2007 p.265). Dessa forma, ter-se-á na produção historiográfica da


época o dogmatismo católico como luz condutora da sociedade. Em tal documentação, da
análise historiográfica, identifica-se o comportamento social do Brasil Colonial no Século XIV.

A importância de investigar os primeiros atos praticados no Brasil, que repercutem


visivelmente nas religiosidades atuais, é que eles condicionaram a história religiosa brasileira e
a identidade cultural miscigenada do país. A temática deste trabalho compreende a percepção
histórica dos valores religiosos e seus reflexos na vida social contemporânea, olhando-se no
presente as reminiscências do passado. É a história das religiões somada ao aporte da História
do Presente nas Ciências das Religiões

No contexto da chegada dos portugueses, a Igreja Católica foi a primeira instituição


a se oficializar, sendo uma das primeiras ações de caráter religioso a celebração de uma missa,
e não atos políticos. Sendo assim, é possível apontar os ritos religiosos como ferramentas
identitárias de uma sociedade e a profundidade das ligações destes com demais aspectos
culturais das sociedades em seus tempos (VILHENA, 2005).

A pesquisa “Uma Noção Histórica De Intolerância Religiosa: As Conceituações E


O Caso Dos Jesuítas No Brasil Colônia.” aponta o perfil religioso dos jesuítas no contexto
ocidental da colonização como modelo de civilização europeu, isto é, um modelo de sociedade
com princípios cristãos (SOUZA, 1986). Esse perfil será identificado pela metodologia
weberiana, com a construção do tipo ideal no capítulo 3.

A intolerância religiosa, ocorrida nos séculos XVI e XVII, pode-se classificar como
intolerância civilizatória (CAVALCANTI, 2010), pois por meio da religião implementa-se a
cultura lusitana no Brasil, justificando-se o aparelhamento de Estado, a reorganização social, e
a sistematização econômica: esta, a princípio, extrativismo e, posteriormente, a monocultura,
em detrimento de todo um modo de vida anterior ao contato com os europeus, com diferentes
paradigmas sociais e culturais.

A definição de intolerância carrega em si uma forte conotação negativa,


naturalmente. Há de se ver, porém, a dialética da intolerância, pois a história bem demonstra
que muitos processos civilizatórios foram carregados de vários tipos de intolerância. O tipo
religioso não foge a esta regra. No caso em estudo, o ato civiliza, acultura e protege, ao mesmo
tempo, complexidade intolerante.
15

O objeto do estudo envolve o posicionamento católico dos portugueses nas questões


religiosas frente aos nativos abarcando o panorama político do absolutismo do mundo moderno.
Também se analisa os fatores econômicos do sistema colonial mercantilista que envolveram a
cristianização, como a relação de padroado entre Estado e Igreja no período colonial, recorrendo
à contextualização histórica conhecimento aos moldes de Raízes do Brasil (HOLLANDA,
1995), em que há apresentação do contexto político e sociocultural dos povos em contato.

Com o objetivo de traçar um perfil de identidade nacional – devido às


impossibilidades que a História como ciência nos traz de um conhecimento acabado, pois toda
produção científica é fruto das leituras de cada autor –, as análises dos encontros, das mediações
e dos posicionamentos religiosos como aspectos culturais de cada sociedade, em seu tempo,
no campo das Ciências das Religiões, visam a ampliar a compreensão das diversidades e das
peculiaridades religiosas como parte da complexidade das relações sociais.

Da mesma forma, é realizada uma apresentação geral do impacto do processo de


intolerância religiosa nas dimensões políticas e econômicas refletidas especificamente na
sociedade brasileira, no contexto das transformações religiosas ocorridas na Europa no início
do que se chama de modernidade.

A presente pesquisa é identificada como História das Religiões, área conexa que
chega a se confundir com a das Ciências das Religiões, uma área de reconhecimento acadêmico
recente, em que se adota uma perspectiva de construção e de ampliação dos estudos sem
proselitismo religioso nas abordagens temáticas.

Por essa razão, é preciso “um levantamento empírico e histórico em favor de um a


reconstrução, a mais detalhada possível, de cada tradição religiosa em sua singularidade.”
(USARSKI 2006, p. 17). Nesta, a fluidez entre as áreas epistemológicas deve ocorrer sem tomar
para si uma perspectiva teórico-metodológica unidisciplinar, caracterizando, assim, a
multidisciplinaridade das Ciências das Religiões. Nesse sentido, seguimos a perspectiva de
Giovanni Filoramo e de Carlo Prandi que consideram as Ciências das Religiões um campo
disciplinar, não uma disciplina com um único campo de atuação, porém com estreitas ligações,
em seu surgimento, com a História, com início de ramificações da História das Religiões. O
capítulo 2, tomará como referências os documentos jurídicos de valor histórico enquanto
parâmetro filosófico para nossos valores. (FILORAMO; PRANDI, 2007)
16

A respeito das análises comparativas dos fenômenos religiosos com a história das
religiões, segue-se a linha apresentada em Origens (ELIADE, 1989), que busca entender como
o fenômeno religioso é compreendido em seu contexto, de acordo com as correntes de
pensamento de cada época, aprofundado melhor no próximo capítulo.

O processo de reconstrução da catequese na colonização brasileira é elaborado por


meio da História das Religiões, que recorre a outras disciplina, permitindo um melhor
entendimento do estudo comparativo: toma-se como metodologia uma perspectiva histórico
weberiana (MARIZ, 2001) em que aparecem os perfis religiosos promovidos pela mediação
religiosa e pelas “sanções psicológicas que, originadas da crença religiosa e da prática da vida
religiosa, orientavam a conduta e a ela prendiam o indivíduo” (WEBER, 1989 p. 67).

A metodologia do sociólogo alemão do século XX, Max Weber, conduz a


construção do “Tipo Ideal” do jesuíta, o qual não seria encontrado em sua “pureza” na história:
seria um levantamento considerando os aspectos políticos, econômicos e culturais,
historicamente construídos, sendo uma idealização do grupo-jesuíta sobre si mesmo. Weber foi
um dos precursores da sociologia da religião.

O levantamento do perfil do jesuíta é feito pela análise da literatura acadêmica em


suas várias correntes. Uma delas, é ligada à Teologia da Libertação, na área de História das
Religiões no Brasil, que exprime, à luz da fé, o seu papel na academia, bem como o da catequese
(PAIVA, 2006). Essa perspectiva de uma “historiografia libertadora” está situada nos estudos
historiográficos consagrados da CEHILA – Comissão de Estudos de História da Igreja na
América Latina –, em que “a função da religião na sociedade, a vitória do cristianismo católico
no Brasil, sua propagação, consolidação e sincretismo” (HORNAERT et al.,2008) são
abordados como a releitura da Igreja sobre si.

Outra abordagem sobre o perfil diz respeito ao significado, para o missionário, de


vir de Portugal para o Brasil converter os indígenas, tendo como uma das principais referências
o livro Operários de uma Vinha Estéril (CASTELNAU-L´ ESTOILE, 2006), fruto do
doutorado em História e Civilização da École des Hautes Études em Sciences Sociales, o qual
será analisado com base na historiografia colonial, numa perspectiva de antropologia das
religiões.

As duas abordagens adotadas e estudadas dão consistência à construção do tipo


ideal do jesuíta, ao tentarem compreender a missão jesuítica internamente, reconstruindo o
17

sentido dos jesuítas sobre si. Os resultados serão apresentados no capítulo 3, identificando os
aspectos de intolerância presentes nesse perfil frente ao nativo.

O processo “civilizatório” dos nativos é tratado, neste caso específico, como


intolerância do Estado português que via a necessidade da atuação da Igreja Católica,
ocorrendo, inclusive, discussões sobre a possibilidade de conversão dos nativos diante das
divergências dos padrões europeus (CASTELNAU-L´ ESTOILE, 2006). Partindo de tais
verificações, não é intenção desse trabalho atribuir juízo de valor à história, mas sim trazer
reflexões para um melhor entendimento da contextualização da história do catolicismo no
Brasil.

A compreensão do conceito e das práticas de intolerância como imposição cultural


no processo de colonização nos remete a reconstruir a interpretação da realidade brasileira com
maior tolerância e harmonia, frente a características religiosas tão profundamente infiltradas ao
longo dos séculos por uma religião que em seu autoconceito é “universal”.

Tal entendimento só é possível se se analisar o contexto de produção das fontes de


pesquisa bem como o contexto em que estão inseridas, como a conjuntura da produção das
fontes e dos objetivos dos que as produziram. No caso desta produção acadêmica identificar-
se-á a linha de trabalho dos autores.

As adaptações do universo religioso português ao Novo Mundo remetem às


particularidades do catolicismo no Brasil, bem como sua permeabilidade em outras
manifestações religiosas, partes indissociáveis da cultura brasileira.

Dessa forma, o presente trabalho pretende também ser suporte para intervenções
que venham a difundir a tolerância pelo do conhecimento e pelo respeito das diferenças nos
choques religiosos ocorridos na História do Brasil. Indica-se que se reflita sobre uma
convivência harmoniosa entre os múltiplos pontos de vista, sejam eles religiosos, sejam
culturais. Manifesta-se mais uma vez o conhecimento das identidades religiosas como uma
parte complexa das relações sociais.

Uma definição objetiva de intolerância ainda não é tarefa simples. Principalmente


quando se tem um objeto histórico, é preciso compreender os valores da época estudados e a
partir deles, classificá-los dentro do entendimento contemporâneo, sem a busca de julgamento
de valores.
18

Esta pesquisa utilizará como fontes e referências o desenvolvimento de entendimento de


tolerância religiosa em documentos jurídico-históricos e em ideias do liberalismo que
inspiraram tais documentos no capítulo seguinte. Essas concepções moldaram e moldam a
noção de tolerância religiosa brasileira, o que possibilitam convivência harmônica e dessa
forma, entender a noção do seu oposto, a intolerância, e identificar se é válida a aplicação do
conceito à ação jesuítica de conversão dos povos nativos do Brasil, nos séculos XVI e XVII.
19

2 HISTÓRIA E CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES

2.1 A HISTÓRIA COMO PRECURSORA DAS CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES

O tempo linear da cristandade

Convencionalmente utiliza-se o calendário cristão como referência cronológica. Tal


prática demonstra o poder de influência do cristianismo no nosso cotidiano. Isso não quer dizer
que se considera o marco religioso cristão, que é o nascimento de Cristo, como determinante
do início da História, já que essa ciência trata da atividade do homem no tempo. A importância
desse cronômetro é ser o referencial que se adota para marcar a passagem do tempo.

Percebem-se similaridades quanto ao sentido da passagem do tempo nos


calendários judeu e muçulmano, contudo com referências distintas. No calendário cristão não
há uma datação específica para início ou fim dos tempos, o referencial adotado é o nascimento
de Jesus Cristo há vinte e um séculos, havendo uma estimativa e não uma certeza do período
em que ele nasceu e morreu.

A grande transformação por parte do cristianismo, que é o calendário que se adota,


em relação ao judaísmo, é que de uma religião étnica, passa a ser uma religião histórica, ou seja,
a história passa a ser a história da salvação da humanidade. (FILORAMO, 2005). A presença
do jesuíta no Brasil colonial é um ato “para a salvação do mundo”, segundo essa concepção
cristã.

Por linearidade do tempo, os historiadores denominam o sentido dado à contagem


do tempo desde o início, com a criação do mundo, e seu final, ou seja, o caminho à escatologia.
As principais bases para esse entendimento são que o cristianismo dedica livros específicos à
cosmogonia, ao Gênesis, e à escatologia, e ao Apocalipse.

Durante toda a Idade Média até a Idade Moderna, com a ascensão da História como
ciência, havia, para o ocidente, a visão de linearidade do tempo rumo à escatologia devido à
forte influência da Igreja Católica, na construção do conhecimento. Prova disso são as teorias
escatológicas do ano mil e da descoberta do Novo Mundo. Isso a reflete o problema da distinção
entre tempo histórico e devir histórico, isto é, as transformações ocorridas com o passar do
tempo nas sociedades em seus diversos aspectos (LeGoff, 1994).
20

A História necessariamente precisa de uma referência temporal para a


contextualização dos fatos que o historiador analisa. Ao se utilizar como escala de tempo o
calendário cristão, tem-se um excelente exemplo da aproximação com as Ciências das
Religiões, no mundo ocidental, principalmente no estudo dos jesuítas e da sua cosmovisão.

Nesse sentido, os conceitos de tempo e história refletem uma determinada cultura,


contudo aspiram à universalidade, colaboram para uma identidade de si e distinguem-se das
outras, na sua consciência histórica. A essa compreensão de identidade dentro do seu tempo
chama-se de historicidade (WEHLING, 1994), a exemplo das linhas cronológicas judaico-cristã
e muçulmana apontadas na Figura 1 abaixo:

Figura 1 – Linhas temporais de raiz judaico-cristã1.

Nos calendários, têm três marcos iniciais bem distintos: a criação do mundo
segundo a Torá para os judeus, na primeira linha; O nascimento de Jesus Cristo, para os cristãos
na segunda; A fuga de Maomé para Medina, denominada de Hégira para os muçulmanos, na
terceira.

Dessa forma, pode-se observar o quão diverso pode ser o entendimento cronológico
a partir da religião, mesmo as três religiões possuindo a mesma raiz originária. O Livro de
Gênesis do Antigo Testamento e um entendimento linear da passagem do tempo
à escatologia, isto é, ao Fim do Mundo, tanto um como o outro são únicos e irreversíveis.
(ELIADE, 2007)

1
Gráfico autoral construído com dados da pesquisa (COTRIM, 2010).
21

Aplicando o raciocínio de Eliade em O Sagrado e o Profano, no pensamento


cristão-jesuítico, a História é entendida como uma dimensão do mundo, que a partir de Jesus
Cristo, se revela como uma nova dimensão da presença de Deus no mundo.

A História volta a ser a História sagrada – tal como foi concebida,


dentro de uma perspectiva mítica, nas religiões primitivas e arcaicas. O
cristianismo conduz a uma teologia e não a uma filosofia da História,
pois as intervenções de Deus na história, e, sobretudo, a Encarnação na
pessoa histórica de Jesus, o Cristo, têm uma finalidade histórica – a
salvação do homem. (ELIADE, 1992 p.58)

A humanidade então, vive o tempo religioso graças a sua mitologia fundadora, com
a criação do mundo, aspira a redenção a partir do início da contagem do tempo com a vinda do
salvador e aguarda seu retorno escatológico. Finda a contagem do tempo, vivenciando apenas
o sagrado a partir de então. Sob o cristianismo, o tempo religioso – pode parecer paradoxal- é
vivido na história.

Sobre a Criação do Mundo, Eliade aponta como o homem religioso aplica o mito
da criação no mundo em que o revive a partir de suas criações e descobertas, como no caso da
chegada ao continente americano onde houve uma edenização -por alguns- das novas terras,
remetendo ao paraíso de Adão e Eva.

Por outro lado, também houve uma conotação negativista da descoberta das novas
terras como uma espécie de purgatório terrestre, como analisa Laura de Mello e Souza, em
algumas de suas obras como Inferno Atlântico. Contudo, a representação dualista possui caráter
religioso, com uma interpretação escatológica da história da humana como parte do plano
divino. Os jesuítas buscavam este fim escatológico ao converter os indígenas, tirando-lhes de
sua própria cultura e introduzindo o cristianismo europeu.

A compreensão da linearidade do tempo é apenas uma das abordagens


historiográficas que se toma como parte intrínseca deste objeto de estudo. Numa análise maior
da historiografia, isto é, de como a história é produzida, podem-se identificar outros modos de
compreensão da passagem do tempo, a exemplo da historiografia marxista que aponta a história
como um ciclo do movimento das classes sociais, sem qualquer vínculo direto com o plano
religioso.
22

Sendo o rumo à escatologia um dos pilares da ética social cristã, ocorre a vivência
de uma ambivalência entre salvação e condenação no fim dos tempos. Buscando assim,
interpretar sinais dessa escatologia na vivência diária e apontar fundamentos, principalmente,
nas passagens bíblicas do livro Apocalipse. Mais adiante, no capítulo 3, retomar-se-á o discurso
ambivalente quanto à percepção de mundo cristã, no contexto da colonização.

As referências

Didaticamente, chama-se de Pré-história o período anterior à utilização da escrita


pelo homem. Contudo, sabe-se que esta prática não foi nem é universal. A partir dela, porém,
tem uma maior consistência dos registros intencionais da atividade humana, em seus diversos
fins. Isso facilita o trabalho do historiador na localização das fontes.

O uso da escrita durante o processo de hominização2, mesmo que não alfabética, e


sim por de figuras, denominada pictográfica, é associado à religiosidade humana remetendo à
caça e à fertilidade. Não se entra na discussão de como a religiosidade influencia no processo
de hominização e no desenvolvimento da comunicação. Mas apenas mostram-se como tais
registros, atribuídos à religiosidade, contribuem como fontes para a História.

As primeiras correntes historiográficas ocidentais davam tamanha importância à


escrita e a documentação escrita, que somente elas eram tidas como fontes verdadeiras para o
estudo da história. Sendo assim, a história do cristianismo era fundamentalmente baseada nos
textos sagrados, o que caracteriza, o início da Ciência da Religião (GRESCHAT, 2005).
Quando se defronta com a temática indígena, vê-se a densidade de uma religião ágrafa.

A partir das problematizações contemporâneas têm diversas mudanças na forma de


construção do conhecimento histórico. As concepções e os objetos de estudo deixam de ter a
estrutura fechada do positivismo: passam a uma concepção macro de tempo histórico, bem
como a multiplicação do entendimento de uma fonte.

2
Ponto de Vista científico-evolutivo, consistindo na transformação das espécies hominídeas durante o
Paleolítico.
23

Citando Lucien Febvre3, em História e Memória, Jaques Le Goff aborda a


importância das fontes na construção do conhecimento historiográfico:

A História fez-se sem dúvida, com documentos escritos. Quando há.


Mas pode e deve fazer-se sem documentos escritos, se não existirem.
(...) Em suma, com tudo o que sendo próprio do homem. Dele depende,
lhe serve, o exprime, torna significante sua presença, atividades gostos
e maneiras de ser. (1949 apud FEBVRE; LE GOFF, 1994 p.107)

Dessa forma, o entendimento das fontes alarga-se, deixando de ser apenas em


documentos escritos, para dar um maior entendimento de como a atividade do homem no tempo
deixa de ser linear-evolutiva para dar fôlego a uma abordagem referente à diversidade
cultural/social com suas permanências, descontinuidades e contradições, que se apresentadas
nas multiplicidades de referências cronológicas com base nos eventos humanos ou da natureza,
enfocando a micro-história e as diversidades.

Seguindo esse raciocínio, o passado é tido como um tempo em que os fatos podem
ser remontados e reanalisados, em contradição com correntes historiográficas cristãs que tinham
uma concepção fatalista e linear da direção e significado do tempo tido como escatológico ou
determinista. (SILVEIRA, 2004).

Fora a produção documental da época, como, por exemplo as cartas jesuíticas e os


discursos eclesiásticos, ainda se tem a bibliografia acadêmica, com revistas, anais de eventos e
artigos científicos. Possui o respaldo científico, é o reflexo do pensamento da época e essa
bibliografia traz melhor entendimento do processo de colonização de acordo com os novos
estudos sobre a temática.

Como forma de análise do entendimento da época, também, pode-se recorrer à


produção filosófica de uma época como reflexo do pensamento de uma sociedade e das
transformações que tais escritos representam. Utilizar-se-á no próximo capítulo obras
filosóficas e documentos jurídicos na compreensão do contexto religioso do mundo moderno
ocidental, tanto como base da origem da compreensão brasileira atual de intolerância como do
entendimento da sociedade em que as obras foram produzidas.

3
Febvre, 1949, p.428 Apud Jacques Le Goff, “Documento/Monumento” In: História e Memória.
Tradução Bernardo Leitão... [et al.] Campinas: Editora da UNICAMP, 1994, p. 107.
24

A chegada do cristianismo no Brasil

A história do cristianismo no Brasil é simultânea à chegada da produção historiográfica


no Brasil. Isso porque toda documentação historiográfica de caráter religioso é produzida pelo
clero católico, dessa forma, Edênio Valle interpreta em entrevista à revista REVER:

as Ciências da Religião têm início no Brasil quase que


simultaneamente à chegada dos portugueses... Nós temos entre os
cronistas, entre os primeiros jesuítas, uma série de elementos que são
de Ciências da Religião, a designação científica, é que não existia
(MARQUES; ROCHA, 2007 p.192).

Tais cronistas desempenham um papel múltiplo: como antropólogos, ao relatarem


os costumes dos povos, como historiadores, ao relatarem os acontecimentos: como geógrafos,
ao descreverem a paisagem, e diversos outros elementos que poderiam ser enumerados.

Como os povos que entraram em contato com os jesuítas não dominavam a escrita
nem possuíam um costume de registrar os acontecimentos, não tinham uma produção
documental formal de funcionalidade historiográfica, sendo seus conhecimentos transmitidos
oralmente de geração para geração. Nesse sentido, a história produzida pelos jesuítas é tratada
como precursora das Ciências das Religiões4, em que há um tratamento das fontes não nos
aspectos espirituais da religião, mas sim de como eles atuaram na nossa sociedade e marcaram
nossa identidade cultural brasileiro, com um recorte de conhecimento do ponto de vista da
época.

Vale lembrar que toda produção documental do início da colonização brasileira é


produto do ponto de vista católico, com caráter missionário e do ponto de vista português, como
bem lembra José Maria Paiva:

O Jesuíta que aqui lançou as sementes da pregação cristã, via seu mundo
com olhos contemporâneos, sob a ótica do século. Sua ação se regia
pela visão o orbis christianus(...) a imagem cristã medieval do mundo
(PAIVA, 2006 pp.21-22)

4
Recorde-se que o termo Ciências das Religiões é parcialmente sinônimo de História das Religiões.
25

A chegada do cristianismo no Brasil, vem atrelada à política colonialista portuguesa


não podendo agir apenas de acordo com a pregação cristã e a rigidez católica. Era necessária
flexibilização de adaptação nas novas terras, bem como entendimento do outro, que se dá pelo
ponto de vista católico expansionista português do século XVI.

Este cristianismo estava passando por reformas e adaptações a partir das mudanças
que culminaram, a partir do surgimento do luteranismo, com uma ruptura de setores cristãos
com a Igreja Católica, o que demonstra que a chegada da religião ao Brasil foi um catolicismo
de contatos e de adaptações com um novo referencial, o de conquistar adeptos e súditos no
Novo Mundo. Um cristianismo reformado! Tridentino.

Uma das principais dificuldades encontradas para a manutenção da rigidez doutrinária


da Igreja Católica foi a dispersão geográfica, como lembra Luiz Mott em História da Vida
Privada no Brasil Vol. 1:

No Brasil, como os centros urbanos eram raros e com débil tradição


associativa, as ruas inóspitas pela poeira do verão e a lama na estação
chuvosa, as praças ameaçadoras pela presença inesperada de animais
selvagens, índios e negros indômitos, muitas das celebrações religiosas
que no Velho Mundo tinham lugar ao ar livre, na América portuguesa
ou foram abandonadas ou tiveram de se transferir para dentro dos
templos ou, ainda ficar restrita a celebração doméstica. (MOTT, 1997
pp.161-162)

Conclui-se que a ritualística do catolicismo se modificou em terras distantes ao


controle central de Roma, tendo de se adaptar e flexibilizar para a conquista de adeptos e
manutenção dos fiéis. Mudava-se os mitos, mas o mito permanecido.

História eclesiástica

É importante lembrar que a História da Igreja Católica no Brasil não é


obrigatoriamente a História da Religião ou do Catolicismo no Brasil. A História Eclesiástica,
no caso dos jesuítas, é fiel à filiação religiosa, sendo parte de seu conjunto dogmático interno e
da Teologia.
26

Na apresentação do livro História da Igreja no Brasil, Enrique Dussel, presidente


da Comissão de Estudos Históricos da Igreja Latino-Americana (CEHILA) destaca:

A história da Igreja reconstitui a vida da igreja conforme a metodologia


histórica. É um trabalho científico. Ao mesmo tempo, porém, a história
da Igreja inclui como momento constitutivo da reconstrução do fato
histórico a interpretação à luz da fé. É um trabalho teológico.
(HORNAERT, 2008 p.5)

A História do Catolicismo no Brasil remete ao campo das mentalidades e da


penetração social da atuação da Igreja Católica como instituição, sujeita a adaptações, a recusas
e a aceitações. Isso quer dizer que ela pode ser objeto de estudo de várias áreas, ou seja, das
Ciências das Religiões e de outras, e não apenas uma caracterização dogmática de crenças, sem
debate científico.

Em História das Religiões, a fé em si não é objeto de estudo propriamente dito, mas


sim, um componente para entender o fenômeno da religião na sociedade: a fé é objeto de estudo
da Teologia. Conclui-se que em História das Religiões, o debate da validade dogmática ou
veracidade das crenças não está em jogo. Muito pelo contrário, faz-se necessário aceitar o
fenômeno para analisá-lo como característica de uma identidade cultural.

O presente trabalho tem como foco não a História do catolicismo no Brasil, mas a
ação de uma das ordens atuantes, a Companhia de Jesus, utilizando-se do entendimento de
outras ordens ou instituições, como o caso da Inquisição, para levantamento da mentalidade
religiosa católica na sociedade colonial. Por Inquisição, entende-se nesse contexto, o Tribunal
do Santo Ofício atuante em Portugal.

A distinção principal entre a história institucional religiosa e a história da religião


está no campo teológico: a primeira é de caráter confessional, em alguns casos, e a segunda
remete a história da mentalidade, bem mais volátil e discutível.

Pode-se exemplificar como história da Igreja o debate sotereológico a respeito dos


índios. Isto é, se eles tinham alma ou não, sendo ou não passíveis de conversão e salvação
segundo os preceitos da Igreja Católica. Por outro lado, têm-se as adesões mediante o trabalho
catequético no seio da Igreja Católica por parte dos nativos, não se importando com o debate
teológico a respeito do seu salvacionismo, mas incluindo-os ao seu panteão de crenças.
27

História das religiões

A partir do século XIX, as Ciências das Religiões, já com denominação própria,


buscam ganhar estatuto científico, nem sempre como uma disciplina autônoma, mas com o
paradigma da História das Religiões, devido aos três níveis de perspectivas metodológicas da
História das Religiões: histórico-filológico, história comparada e história das religiões.
(FILORAMO, G. e PRANDI C., 2007).

A perspectiva histórico-filológica é de caráter linguístico, ou seja, de interpretação


da língua e dos textos sagrados, de cada uma das religiões. Tal perspectiva é fundamental para
a compreensão das relações sociais. No caso dos jesuítas e dos nativos, tem-se a linguagem oral
e gestual como principal ponte de comunicação religiosa, recorrendo-se na arte à junção desses
dois aspectos pelo do teatro.

A história comparada é fundada pelo alemão Max Muller na metade do século XIX,
iniciando a utilização do termo Religionswissenchaf Ciência da Religião. utiliza-se de seus
trabalhos como filólogo interpretando o Veda, texto hindu. Sua atividade consiste, então em
uma equiparação de termos e de crenças entre as religiões analisadas, com a publicação da obra
Rig Veda.

Max Muller não partiu de uma metodologia histórica tradicional propriamente dita,
para o entendimento em sua história comparada, e sim das interpretações linguísticas indo-
europeias, sistematizando e correlacionando os significados religiosos.

Quanto à perspectiva de História das Religiões, se entende como o conjunto de


disciplinas que aplicam seus métodos às análises das religiões, ficando bem próxima à
perspectiva da Nova História.

A História estuda religiões de maneira longitudinal, as Ciências das


Religiões as estudam de maneira transversal. Cortes longitudinais são
feitos dentro de uma religião particular; eles reconstroem o
desenvolvimento de um objeto religioso entre dois pontos de seu
contínuo histórico. Cortes transversais percorrem várias religiões com
função de investigar um traço universal. (GRESCHAT, 2005 p.47).

O estudo sobre intolerância religiosa católica pode ser analisado como um corte
transversal, pela ação jesuítica pela adaptação à religiosidade indígena e pelas absorções das
28

duas partes, de modo que não é um estudo que abarca apenas uma religião, mas integra
elementos da diversidade religiosa colonial.

Um dos grandes colaboradores no estudo da História das Religiões é Mircea Eliade,


que, em seu livro Origens, faz um levantamento das abordagens das escolas historiográficas
sobre o tratamento das religiões e sobre o entendimento nas suas concepções Eliade atua sob
uma análise específica ou busca elementos comuns ou generalizantes entre as religiões, desde
o entendimento positivista até a Nova Escola.

Nesse passeio sobre o conhecimento na área de religiões, o historiador e filósofo


Romeno foca-se no conceito de religião e seu entendimento enquanto prática. Analisa o sagrado
e o mito, ou seja, tudo aquilo que transcende o entorno materialmente determinado e se mostra
mediante as vivências, as interpretações humanas e as suas variações enquanto discurso,
conceito, prática e forma. Dedica-se também à apresentação das diversas modalidades
religiosas em Tratado de História das Religiões”, apontando aproximações entre as religiões
para um melhor entendimento fenomenológico. (ELIADE, 2010)

Nova História

A interdisciplinaridade tanto é característica, quanto causadora da escola dos


annales, que deu origem à Nova História, na França. Essa corrente historiográfica vai surgir do
debate entre pluralidade regionais, religiosas, políticas, etc., em que estão inseridos
colaboradores da Revista dos Annales (REIS, 2000).

A revista, que tem hoje mais de sessenta anos, foi fundada para
promover uma nova espécie de história e continua, ainda hoje, a
encorajar inovações. As ideias diretrizes da revista, que criou e excitou
entusiasmo em muitos leitores, na França e no exterior, podem ser
sumariadas brevemente. Em primeiro lugar, a substituição da
tradicional narrativa de acontecimentos por uma história-problema. Em
segundo lugar, a história de todas as atividades humanas e não apenas
história política. Em terceiro lugar, visando completar os dois primeiros
objetivos, a colaboração com outras disciplinas, tais como a geografia,
a sociologia, a psicologia, a economia, a linguística, a antropologia
social, e tantas outras. (BURKE, 1991)
29

Dessa forma, as pesquisas adotaram ponto de vistas filosóficos, sociológicos,


políticos e culturais. Enfim, aspectos diversos que possuem o homem em sociedade como
objeto de estudo, atendendo a questões da macro e micro História.

O auxílio mútuo de outras ciências na construção do conhecimento historiográfico,


também, se torna um ramo de cada ciência e traçando um perfil de seu desenvolvimento e
entendimento metodológico do desenrolar de cada uma delas: é parte dessa metodologia
historiográfica.

Tais características de entrelaçamento de áreas, tanto em método quanto em objeto,


explicitam a finalidade da História com as Ciências das Religiões, ciências pelo uso da História
não exclusivo, mas sim das diversas ciências que colaboram na construção de conhecimento
científico sobre as religiões.

No presente trabalho parte-se de documentos jurídicos com representatividades em


seu tempo e que repercutem até hoje, como se analisa na construção do conceito de intolerância
no capítulo 2. Essas representatividades são reflexos da mentalidade de uma época, assim como
as fontes visuais buscam retratar a visão do autor sobre um fato ou época. Por exemplo, a análise
da pintura, A Primeira Missa no Brasil, feita em óleo Victor Meireles, reproduzida abaixo,
representando um acontecimento do século XVI.

Figura 2 A primeira Missa no Brasil5

5
Victor Meireles. A Primeira missa no Brasil. Óleo sobre tela em exposição no Museu Municipal de
São Paulo. Disponível em: https://www.infoescola.com/historia/primeira-missa-no-brasil/
30

Percebe-se que essa figura acima não é apenas uma fonte histórica, é um trabalho
no campo da arte, servindo para análise do imaginário do pintor e da pintura sobre a história no
século XIX. Graças aos simbolismos presentes religiosos católicos, como a cruz e a
indumentária dos que estão mais próximos do símbolo e pela reação dos índios que estão
presentes, alguns com curiosidade apontando, abaixo à esquerda, ou rejeitando, pajé em pé
abaixo à direita.

Tais apontamentos servem como referência de estudos antropológicos, pelas


características apontadas no vestiário, nos instrumentos e na linguagem corporal remissiva ao
contato cultural. O próprio título da obra a exalta como objeto de estudo religioso.

O resultado da análise de uma fonte histórica por qualquer método ou área, será,
sem sombra de dúvida, uma análise historiográfica, seja da época em que foi produzida ou que
representa. Assim, a análise de uma fonte que remete ao fenômeno religioso será abraçada pelas
Ciências das Religiões.

As Ciências das Religiões, constituem um campo disciplinar com múltiplas


ciências e métodos no estudo das religiões como objeto de análise. São semelhantes à
abordagem da Nova História sobre o objeto de estudo: têm a multidisciplinaridade como uma
ferramenta de reconstrução e de suporte de conhecimento.
31

2.2 CIÊNCIAS DAS RELIGIÕES UM CAMPO DISCIPLINAR

Multidisciplinaridade

A utilização do termo ciências devido à pluralidade de abordagens científicas no


fenômeno religioso é vital para o seu estudo, do mesmo modo que a história se utiliza de outras
ciências para compreender o passado. Ao utilizarem as religiões como objeto, é necessário,
também uma série de abordagens metodológicas desaconselhando uma ciência específica as
para religiões. Neste sentido, dentro das ciências humanas, o estudo das religiões segue a análise
de um fenômeno religioso universal, impossível de ser identificado, um padrão recorrente em
que as religiões devem ser estudadas de forma plural, isto é, cada uma delas nas suas
especificidades antropológicas. (CAMURÇA, 2008).

Têm-se como principais disciplinas-base para o estudo das Ciências das Religiões
a história, a sociologia, a psicologia, a antropologia e a linguística. Essas disciplinas-base,
porém, isso não se restringem a essas áreas: podem ser aplicadas a diversos campos da área da
saúde e tomar seus objetos para análise do fenômeno religioso.

Na mesma linha de raciocínio, Marcelo Camurça aponta para a diversidade


religiosa, justificando o duplo “s” em Ciências das Religiões tendo como base o antropólogo
Fransz Boas:

A diversidade religiosa, o ritmo de contado entre as religiões mutações


históricas por que passam desafiam uma ideia de generalização ou
unidade, alternativa ao evolucionismo. Franz Boas, dentro de sua visão
histórico-culturalista, diz só ser possível uma análise comparativa entre
dados comparáveis. Dessa forma, segundo ele, pode-se definir um
padrão recorrente, mas não um fenômeno universal. (CAMURÇA,
2008 p.31)

E complementa:

[...] O exercício da relativização antropológica apontou para a ideia de


que não existiria uma religião, mas religiões, no plural. Fundadas em
pressupostos diferenciados e infinitamente múltiplos. (...) esse método
32

situou a formulação dos conceitos em critérios que legitimaram


determinadas práticas ou crenças como algo qualificado: a religião e
outras não! Convém lembrar que o próprio cristianismo – considerado
por inúmeros pensadores ocidentais como a religião que mais se
aproximava do conceito filosófico-histórico de religião – foi acusado
pelas autoridades romanas como uma forma de “ateísmo”, por se
recusar a prestar deferência aos deuses da polis à época, única forma
concebível de religião: a religião do Estado. (CAMURÇA, 2008 pp.32)

Nesse aspecto, com o conjunto de disciplinas, tem-se um suporte metodológico de


uso de vários critérios avaliativos e caracterizadores dos fenômenos religiosos, não apenas por
dogmatismo religioso em seu contexto. Surge tal suporte metodológico não de uma intenção da
criação de uma ciência, mas da articulação entre as ciências.

A plasticidade do entendimento do fenômeno religioso e até mesmo da


caracterização de religião aumenta, sobretudo a partir das ideias de Mircea Eliade para quem a
referência à Religião é a experiência religiosa, não simplesmente a crença em uma ou mais
divindades, mas a relação com o sagrado, conceituando o homem crente em homo religiosus.
(ELIADE,1992)

Dessa forma, é necessário ter sempre em mente que esta concepção de religiosidade
vem das últimas décadas do século XX: as características do homo religiosus estavam presentes
nas sociedades indígenas, porém, não eram compreendidas como formas religiosas pelo
cristianismo institucional, pois, durante muitos séculos, só houvera a compreensão teológica,
fora isso uma negativa de outras manifestações religiosas como autênticas.

A utilização da religião ou do fenômeno religioso como objeto de estudo, como já


dito, é passível de abordagem por várias ciências e métodos. Contudo, no presente trabalho, o
tratamento da religiosidade e dos contatos religiosos estarão mais presentes nos campos da
História, Sociologia e Antropologia das Religiões. Quanto às fontes, podem ser encaixadas
também nas áreas da Filosofia e do Direito. Também utilizaremos recursos visuais que podem
ser trabalhados ainda no campo das Artes e da Geografia.
33

A Sociologia e as religiões

Desde o surgimento da sociologia como disciplina no século XIX e no início do


século XX, os ditos clássicos fundadores da sociologia Marx, Durkheim e Weber preocuparam-
se com a religião como uma área para a compreensão da sociedade moderna em transformação,
posterior às rupturas ocorridas com as revoluções Industrial, Francesa e Inglesa.
(QUITANERO, 2002)

O filósofo e sociólogo alemão, Karl Marx, num primeiro momento de seus estudos
assemelha religião à alienação, posição refletida em uma de suas célebres frases: “a religião é
o ópio do povo”. Contudo, essa frase não resume as ideias completas do filósofo. A partir de A
Ideologia Alemã, ele passa a considerar a religião como ideologia, sendo um reflexo das
relações de dominação, chegando a afirmar em O Capital: “O mundo religioso é o reflexo do
mundo real” (MARX, 1965 p.623).

Atualmente, no pensamento marxista, ainda existem tendências que sustentam a


religião como parte da ideologia dominante. Dessa forma, ela justificaria a organização social
entre ricos e pobres. Por outro lado, também identifica as lutas cristãs sociopolíticas,
comportando-se então a religião ora como ideologia dominante, ora como parte da “ideologia
dominada”. (LESBAUPIN, 2003)

Vale lembrar que Marx não dedicou suas obras à religião, senão aos aspectos
econômicos das relações sociais. Ela foi mencionada como componente importante da estrutura
social, na formação das ideias e na convergência das pessoas de aspirações dogmáticas
semelhantes.

Outro grande expoente da sociologia, considerado como um dos fundadores da


disciplina como ciência é o francês Émile Durkheim. Ele chega a se dedicar à temática religiosa
em seus estudos no livro Formas elementares da religião em que analisa, por objetivação do
sentimento, como fenômeno religioso se apresenta, a exemplo do trecho:

“A força religiosa é apenas o sentimento que a coletividade inspira a seus


membros, mas projetado para fora das consciências que o experimentam,
e objetivado. Para objetivar-se fixa-se sobre um objeto que então se torna
sagrado...” (DURKHEIM, 2001 p.285)
34

Dessa forma, Durkheim caracteriza a religião como socialmente construída e


vivenciada em sociedade, por meio das características específicas de cada uma, não analisando
ou se dedicando às crenças individuais.

Durkheim também discute a religião como um dos valores da sociedade, sendo um


signo dela e um fato social, isto é, produzidos pela sociedade e “impostos” ao indivíduo na sua
formação como uma de suas características de identidade no seu contexto. (COSTA, 1997)

Para Durkheim, é a sociedade que constitui e impõe os valores, definindo qual ou


quais devem ser promovidos ou não, graças principalmente à educação. Para sobreviver a
sociedade precisa conservar os seus valores diante das novas gerações, e o ambiente religioso
é um espaço privilegiado nesse sentido.

Finalmente, o sociólogo alemão Max Weber, no entendimento das religiões


ocidentais, cria o conceito de “Tipo Ideal”, que seria o perfil religioso dentro de um contexto a
partir dos requisitos necessários para o indivíduo se encaixar num determinado conjunto de
valores, sem que tal ideal tenha existido na realidade, é o conjunto de características que
identifica o fiel. (CAVALCANTI, 2006)

Essa identificação possui uma influência econômica que Weber chama de ethos
econômico, que permeia sua produção em várias obras, sendo a análise sociológica das religiões
uma constante nos seus livros, destacando:

... a observação geral das relações entre as mais importantes religiões


culturais com a economia e a estrutura social de seu contexto, destaca
as duas relações causais, até onde for necessário desenvolver para achar
pontos de comparação com o subsequente desenvolvimento ocidental.
Apenas assim é que se pode tentar uma avaliação causal daqueles
elementos da ética econômica das religiões ocidentais que as
diferenciam das outras, com alguma esperança de atingir, pelo menos,
um tolerável grau de aproximação que destacam propositadamente em
cada cultura aqueles aspectos nos quais diferia e difere da civilização
ocidental. (WEBER, 1989 p.12)

Weber apresenta um entendimento sociológico da ética religiosa, e seu impacto na


esfera econômico social a partir de cinco religiões que considera mundiais. São elas: o
confucionismo, hinduísmo, islamismo, budismo e cristianismo. Como entendimento da ética
religiosa dos grupos sociais, o sociólogo não defende que ela seja determinante na economia
35

ou na organização social, senão de importante valor interpretativo: cada grupo possui seus
valores de acordo com o seu contexto. Ele aprofunda essa abordagem no livro Sociologia das
Religiões. (WEBER, 2010)

O tratamento dado pelos sociólogos acima citados, baseia-se nas principais


religiões ocidentais. Dessa forma, não se pode caracterizar o trabalho deles como um trabalho
dedicado às religiões universalmente. Contudo, podem-se aplicar seus métodos para a melhor
análise do fenômeno social religioso, com importante contribuição para o desenvolvimento do
conhecimento das religiões.

É importante destacar que Marx, Durkheim e Weber fazem diferentes abordagens


no estudo das religiões: o primeiro a analisa como ideologia de grupo, Durkheim vê a questão
religiosa como produto de uma sociedade e Weber estuda as religiões como uma das abordagens
de compreensão da sociedade.

Antropologia e religiões

Inserida nas ciências humanas, a Antropologia também passa a se desenvolver a


partir do século XIX, de acordo com as transformações que o entendimento científico sofre
neste século. No contexto das Ciências das Religiões, essa disciplina que se ocupa da atividade
humana como um ser cultural. Tem na religião um dos principais elementos caracterizadores
de sociedade.

A problemática central das primeiras correntes de Antropologia das Religiões é a


definição de religião, que teve como impulso inicial o entendimento das religiões extra
europeias e entendimento dela nas sociedades pré-cristãs.

A disciplina passa por correntes de tratamento do entendimento religioso como o


estruturalismo, com um dos grandes expoentes, Malinowsk, que se debruçou sobre a
diferenciação entre magia, ciência e religião. Um outro elemento de destaque é o estudo das
traduções religiosas: é o caso do encontro entre o cristianismo português e a estrutura religiosa-
nativo-brasileira, cujo problema consiste em:
36

...adentrar o universo mental de uma cultura estrangeira e o problema


de tornar aquele universo compreensível aos outros, aos membros da
própria cultura. De modo a explicar o Outro, é necessário comparar os
costumes estrangeiros aos elementos com os quais eles estão mais
familiarizados. (SCHMIDT, 2007 p.68)

Nesse sentido, Cristina Pompa na obra Religião Como Tradução, serve-se da base
teórica de aplicação do conhecimento antropológico, destacando a análise histórica dos jesuítas
das cartas dos missionários:

Com efeito, a pesquisa historiográfica conduzida nesses textos pode


dizer algo sobre as condições histórico-culturais da produção do
discurso evangelizador. Um estudo desse tipo volta-se, sobretudo, para
a reconstituição da dinâmica interna à própria cultura ocidental, onde a
construção intelectual da humanidade ´outra´ se deu entre a cosmologia
medieval, o humanismo renascentista e a realpolitik colonial.
Do ponto de vista antropológico, porém, é limitante pensar que os textos
de missionários e viajantes não nos possam devolver nada além de
informações sobre a cultura ocidental que os produziu (POMPA, 2003
p. 25)

A análise antropologia da produção documental, permite identificar elementos de


outra cultura. Tendo em mente a realidade de produção em que a fonte foi elaborada, identifica-
se melhor as características diferentes à mentalidade do produtor dessa fonte.

Atualmente existe uma grande influência de Clifford Geertz, devido à introdução


de conceitos-chaves como: mito, rito e símbolo. Todos eles se vinculam ao entendimento do
ethos religioso como compreensão de mundo e assimilação da realidade, com o seguinte
conceito de religião:

... um sistema de símbolos que atua para estabelecer poderosas,


penetrantes e duradouras disposições e motivações no homem através
da formulação de conceitos de uma ordem de uma existência geral e
vestido essas concepções com tal aura de fatualidade que as disposições
e motivações parecem singularmente realistas... (GEERTZ, 1989
p.105)

Mircea Eliade segue a mesma linha de raciocínio, entendendo o mito em algumas


sociedades como “um modelo para a conduta humana, conferindo significação e valor à
37

existência.” (ELIADE, 2007 p.8). Ou seja, o mito revela como deve ser a vivência das
atividades mais significativas para o homem.

O conhecimento do funcionamento dos mitos serve para esclarecer as etapas do


pensamento da história do homem. Para Eliade o melhor entendimento de mito na
contemporaneidade é o conceito:

O mito conta uma história sagrada, ele relata um acontecimento


ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do ‘princípio’. Em
outros termos o mito narra como, graças às façanhas dos Entes
Sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja ela uma realidade
total, o Cosmo, ou apenas um fragmento... Os mitos revelam, portanto,
sua atividade criadora e desvendam a sacralidade (ou simplesmente a
‘sobrenaturalidade’) de suas obras. (ELIADE, 2007 p. 11)

Ao trabalhar com a questão religiosa indígena, Lusival Barcelos discute o conceito


de ritos como uma renovação dos mitos, ou seja, no rito o mito é revivido e reproduzido,
podendo ser ressignificado, com a manutenção viva da realidade cultural.

Os ritos têm uma proximidade com os mitos porque fazem parte do


legado cultural de um povo e atualizam os significados e conteúdos dos
mitos(...) Através dos ritos, exteriorizam-se e se manifestam
publicamente a espiritualidade, expressa-se a fé na divindade.
(BARCELOS, 2005 p.29)

Tanto nos mitos quantos nos ritos estão os símbolos que são uma das formas de se
expressar a religiosidade, ou seja, é um tipo de linguagem não verbal que remete à uma
significação, no caso, espiritual que dá sentido à leitura do mundo religioso, como afirma
Rubem Alves:

A religião nasce com o poder que os homens têm de dar nomes às


coisas, fazendo uma discriminação entre coisas de importância
secundária e coisas nas quais seu destino, sua vida e sua morte se
dependuram. E esta é a razão por que, fazendo uma abstração dos
sentimentos e experiências pessoais que acompanham o encontro com
o sagrado, a religião se nos apresenta como um certo tipo de fala, um
discurso, uma rede de símbolos. Com estes símbolos, os homens
discriminam objetos, tempos e espaços, construindo, com o seu auxílio,
uma abóbada sagrada com que recobrem o seu mundo. (ALVES, 1981
p.24)
38

Percebe-se, então, que é plenamente possível adentrar no entendimento do cerne


das religiões, sem ser teólogo, bem como as implicações delas nas sociedades, mesmo sem
nenhum um levantamento do desenvolvimento institucional.

A discussão feita nesse capítulo delimita as aplicações científicas da área também


para a noção debatida no próximo capítulo.
39

3. INTOLERÂNCIA RELIGIOSA

3.1 DELIMITAÇÃO HISTÓRICA E FILOSÓFICA

Raízes documentais da ideia atual de tolerância religiosa

Ao se trabalhar com qualquer tipo de história, religiosa ou não, deve-se partir de


uma problematização do presente para se mergulhar no passado, o que permite identificar-se
qual o paradigma de intolerância religiosa. A partir de então, caracteriza-se sua ocorrência em
outros tempos, segundo o entendimento atual, até porque há transformações de conceitos e de
metodologias que ocorrem com o passar do tempo.

Sendo assim, não se utilizam os conceitos de época, senão os que se compreendem


para uma caracterização de época fidedigna, sem a parcialidade dos atores sociais analisados.

As características culturais do século XXI possuem relações com as transformações


sociais vindas da compreensão da sociedade a partir das ideologias das revoluções burguesas:
a Revolução Gloriosa (1688/9) ocorrida na Inglaterra; a declaração de emancipação das 13
Colônias com a consequente formação dos Estados Unidos e a Revolução Francesa (1789).

Essas transformações se aplicam a vários campos do saber que compõem as


Ciências das Religiões: mais uma vez se verifica sua pluralidade de áreas, e a História
recorrendo ao Direito e à Filosofia.

Passa-se, então, a apontar o encadeamento histórico da nossa concepção de


tolerância religiosa para, a partir dele concluir-se seu oposto para aplicá-lo à ação jesuítica
analisada nos capítulos seguintes.

Cada uma das revoluções burguesas gerou um documento que inspira a Declaração
Universal dos Direitos do Homem, documento que norteia a harmonia social atualmente. São
eles, respectivamente, a Declaração dos Direitos (Bill of Rights); A Declaração dos Direitos do
Estado da Virgínia (1776); Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
40

Todos esses movimentos e documentos jurídicos são associados à liberdade de


pensamento, de crença e de expressão. Especificamente, quanto à tolerância religiosa tem-se
este trecho na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão:

“Art. 10º. Ninguém pode ser molestado por suas opiniões, incluindo
opiniões religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem
pública estabelecida pela lei.” (FERREIRA, 1978)

Figura 3 – França, 26 de Agosto de 17896

Diante do proposto, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão realizada


pela Revolução Francesa, consolida uma conquista de liberdade religiosa, deixando explícito
que havia uma prática de intolerância religiosa, pelas de restrições sociais e pelas
discriminações oriundas das práticas religiosas entre os franceses.

Antes do documento francês, tem-se a Declaração dos Direitos do Estado da


Virgínia em 1776, que se antecipou em proclamar sua emancipação, desencadeando a luta

6
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, pintura de Jean-Jacques-François Le Barbier, c. 1789,
óleo sobre tela, 71 cm x 56 cm, Museu Carnavalet, Paris. Disponível em:
https://ensinarhistoria.com.br/declaracoes-dos-direitos-seculo-xviii-avancos-limites/
41

transformadora da América do Norte e unificadora das ex-colônias inglesas. Essa declaração


também especifica questões de tolerância religiosa ressaltada como cristã:

Artigo 18º

A religião ou o culto devido ao Criador, e a maneira de se desobrigar


dele, devem ser dirigidos unicamente pela razão e pela convicção, e
jamais pela força e pela violência, donde se segue que todo homem deve
gozar de inteira liberdade na forma do culto ditado pôr sua consciência
e também da mais completa liberdade e não deve ser embaraçado nem
punido pelo magistrado, a menos, que, sob pretexto de religião, ele
perturbe a paz ou a segurança da sociedade. É dever recíproco de todos
os cidadãos praticar a tolerância cristã, o amor à caridade uns com os
outros. (VIRGÌNIA, 1776)

No caso da Virgínia, é identificado explicitamente a prática da intolerância


religiosa, inclusive com uso da violência por parte do Estado com o mando dos magistrados. A
partir da Declaração dos Direitos do Estado da Virgínia, o cidadão deve seguir a religião que
mais lhe convém, mas não como uma imposição dogmática. Além do mais, é instigada a prática
da tolerância uns com os outros. No caso, é utilizada como referência a tolerância cristã, devido
também à forte influência do cristianismo no meio social em que a carta foi proclamada.

A luta pela liberdade religiosa, oficializada em documentos políticos das


transformações modernas7, ainda é mais antiga, não ficando restrita à colônia: já ocorria na
metrópole inglesa como se pode ver na Proclamação dos Direitos (Bill of Rigths), no ano de
1689:

16. A esta petição de seus direitos fomos estimulados, particularmente,


pela declaração de S. A. o Príncipe de Orange (depois Guilherme III),
que levará a termo a liberdade do país, que se acha tão adiantada, e
esperamos que não permitirá sejam desconhecidos os direitos que
acabamos de recordar, nem que se reproduzam os atentados contra a
sua religião, direitos e liberdades. (INGLATERRA, 1689)

7
Nos referimos à Idade Moderna.
42

Mais uma vez, é identificada a intolerância religiosa na sociedade como forma de


restrições políticas e sociais no mundo ocidental, haja vista as relações políticas internas da
Inglaterra.

Até o século XVII, havia cartas de pensadores e livros que abordavam a intolerância
religiosa. A partir da Proclamação dos Direitos à liberdade religiosa como direito e
característica das sociedades do mundo moderno, tal liberdade passa a ganhar grande destaque
nas diretrizes jurídicas das nações.

Estes documentos e revoluções tiveram sua importância nas relações sociais de suas
sociedades: no Direito, na Filosofia e na compreensão do seu tempo. Eles inspiram o princípio
diretriz da boa vivência entre as nações, entre povos e entre indivíduos na sociedade
contemporânea do século XXI. A partir deles, tem-se a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, assinada pela Organização das Nações Unidas em 1948, que, especificamente,
quanto à tolerância religiosa, aponta as seguintes diretrizes:

Artigo II.

Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades


estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja
de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra
natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer
outra condição.

(...)Artigo XVIII.

Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e


religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e
a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela
prática, pelo culto e pela observância, em público ou em particular.

(...)Artigo XXVI.

Todo ser humano tem direito à instrução (...)promoverá a compreensão,


a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou
religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da
manutenção da paz. (ONU, 1948)
43

Os artigos acima expostos confirmam e estipulam as aspirações e as garantias


individuais universais como direito à liberdade de pensamento e de crença, eliminando as
distinções que venham a ocorrer em detrimento ao não respeito à pluralidade cultural, política
ou biológica, garantindo o direito à instrução religiosa e a tolerância entre os grupos.

No Brasil, especificamente, tem-se no artigo 5º da Constituição Federal, o reflexo


do estabelecido no documento da ONU, quanto às garantias individuais:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer


natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...) VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo


assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma
da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa


nas entidades civis e militares de internação coletiva;

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa


ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-
se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação
alternativa, fixada em lei; (BRASIL, Constituição1988)

A Constituição brasileira não só garante as liberdades individuais como também a


assistência religiosa em locais de internação coletiva como: hospitais, presídios, casas de
repouso para idosos e hospitais psiquiátricos. Não especifica ou discerne práticas e crenças,
ressalta a convivência religiosa entre os brasileiros e residentes no país, dá aparato legal contra
as práticas intolerantes e aponta diretrizes para a harmonia social.

Destaca-se a importância da constituição brasileira em garantir direitos e promover


a liberdade religiosa, haja vista a relativa juventude da separação entre Estado e religião
católica, ocorrida somente em 1889, com a Proclamação da República. Tem-se uma distância
temporal de três séculos em relação ao primeiro documento que garante a laicidade do estado,
na Inglaterra, o que só reafirma o posicionamento da importância das conquistas das garantias
dos direitos individuais.

Recentemente, a UNESCO, órgão da ONU, declara os princípios da tolerância,


definida como:
44

Artigo 1º - Significado da tolerância.

1.1 A tolerância é o respeito, a aceitação e o apreço da riqueza e da


diversidade das culturas de nosso mundo, de nossos modos de
expressão e de nossas maneiras de exprimir nossa qualidade de seres
humanos. É fomentada pelo conhecimento, a abertura de espírito, a
comunicação e a liberdade de pensamento, de consciência e de crença.
A tolerância é a harmonia na diferença. Não só é um dever de ordem
ética; é igualmente uma necessidade política e jurídica. A tolerância é
uma virtude que torna a paz possível e contribui para substituir uma
cultura de guerra por uma cultura de paz.

(...)1.4 (...). Significa também que ninguém deve impor suas opiniões a
outrem. (UNESCO, 1995)

No último documento tem-se não somente a citação da importância da tolerância


religiosa, mas como sua conceituação, a fim de deixar claro a sua abrangência em que se deu
destaque apenas aos aspectos religiosos.

Após uma rápida abordagem dos documentos que direcionam e apresentam a


tolerância religiosa de forma jurídica e histórica, é importante destacar os pensadores que
influenciaram a modernidade e as transformações no comportamento social denominado de
liberalismo8, o âmago para o entendimento da noção atual de harmonia religiosa. Dentre os
vários pensadores que abordaram o tema, merecem destaque John Locke e Voltaire, que
possuem obras específicas quanto ao comportamento religioso em sociedade.

Como característica do Liberalismo, tem-se o individualismo, o que atribui ao


indivíduo a meta final das relações sociais na sociedade de que faz parte. Sendo assim, seus
direitos são anteriores à criação dos interesses do estado civil, com seus direitos naturais e
inalienáveis.

O liberalismo tem como uma de suas linhas teóricas o jusnaturalismo, que


representa, no campo da moral e no campo político, a reivindicação da autonomia da razão:

8
Sistema político-filosófico-social que baseia-se na defesa da liberdade individual contra a coerção do
Estado, nos campos político ,econômico, religioso e intelectual, melhor estruturado a partir do século XVII.
45

caracteriza-se, pela tradição liberal, como doutrina dos direitos naturais, fundando os Direitos
Humanos na modernidade. (Abbagnano, 2003)

O liberalismo foi revolucionário em sua época ao defender a propriedade privada


moderna como direito de todos em contraste com os senhorios ainda reinantes.

A base do o jusnaturalismo é o estado de natureza, condição do homem antes do


estado civil, definido de várias formas pelos filósofos no decorrer do tempo. John Locke no seu
livro Segundo Tratado Sobre o Governo, define o estado de natureza como:

...um estado de perfeita liberdade, em que cada um regulamenta suas


próprias ações e dispõe de suas posses e de si mesmo como bem lhe
aprouver, dentro dos limites da lei da natureza sem pedir permissão a
ninguém, nem depender da vontade de ninguém. (LOCKE, 1973)

John Locke e a tolerância religiosa

John Locke é identificado com um dos grandes nomes da tradição liberal moderna
com influência já no século XVII e consolidada no século XVIII, dentro de sua produção
filosófica. Uma das suas obras que mais se destaca no campo da liberdade religiosa é a Carta
Acerca da Tolerância, escrita entre 1685-1686, durante o exílio na Holanda, publicada somente
em 1689, de forma anônima e em latim.

Inglês, criado numa família anglicana, ao fim da vida, Locke declarava-se apenas
cristão, sendo percebido em sua época, no campo religioso, como um teólogo racionalista. Ele
tem uma grande importância nas ciências humanas, sendo considerado o idealizador do
empirismo, sistema filosófico-científico que afirma os homens aprenderem pela experiência.

Como representante do liberalismo, o filósofo analisa, na Carta Acerca da


Tolerância, que a liberdade individual de fé fortalece a ideia de que a religião não deve ser uma
das atribuições do Estado. Restringe as atribuições da magistratura à vida civil, cabendo ao
âmbito privado do indivíduo sua religiosidade na religião que lhe convém. Isso ocorre em um
contexto de alianças entre os governos dos Estados Nacionais e as Igrejas em ruptura recente
com o catolicismo, em que as Igrejas reformistas buscam apoio nas monarquias gerando, um
fortalecimento mútuo.
46

Locke identifica a igreja como uma sociedade livre e voluntária sobre a qual
argumenta:

Nenhum homem, por natureza se inclina a uma igreja ou seita em


particular, mas cada um se reúne voluntariamente àquela sociedade em
que ele acredita ter encontrado profissão de fé e adoração
verdadeiramente aceitável por Deus. (LOCKE, 2004 p.81)

A liberdade individual de fé é reafirmada na descrição dos deveres de cada um com


respeito à tolerância em seu papel como membro da igreja. Cabe a esta qualificar e julgar,
segundo seus preceitos internos, o comportamento de seus membros e, então, expulsá-los de
seu convívio religioso ou não, pela sua conduta individual de fé, caso esteja em grave desacordo
com seu convívio ou pensamento religioso.

Por outro lado, o cuidado de cada homem pertence a ele próprio: não há leis que
obriguem ninguém, por exemplo, a seguir determinada profissão. Cada um atua de acordo com
seus interesses. Também não caberia ao estado criar leis que obriguem o homem a seguir esta
ou aquela doutrina do príncipe, confirmando-se um processo de intolerância religiosa aos que
não seguem a religião do monarca.

Assim, o indivíduo como cidadão teria seus direitos civis invioláveis e preservados,
não cabendo à igreja a atuação neste campo, sendo ela responsável por analisar pelos critérios
da caridade, evitando qualquer injúria por parte do Estado ou pela igreja em decorrência das
escolhas pessoais de credo.

Seguindo esta linha de raciocínio, John Locke discute que não cabe aos membros
do clero possuir autoridade sobre os que não conhecem suas doutrinas específicas, isto é, os
leigos, pois seu poder está restrito aos limites da igreja. Expõe que:

Ninguém, portanto, não importa o ofício eclesiástico que o dignifica,


baseado na religião, pode destituir outro homem que não pertence à sua
igreja ou à fé, de sua vida, liberdade ou qualquer porção de seus bens
terrenos, pois o que não é legal para toda a Igreja não pode ser mediante
qualquer direito eclesiástico legal para um de seus membros. (LOCKE,
2004 p.86)
47

Ratificando as palavras acima, Locke exemplifica o caso da colonização da


América por parte dos cristãos, tomando dos nativos os bens e a vida em nome da Igreja, isto
é, utilizando a religião como pretexto à ambição e à pilhagem.

Embora Locke considerasse apenas as sociedades de base econômica monetária, as


suas ideias ressaltam caso português e a colonização do Brasil com o processo de conversão
dos nativos como forma de torná-los súditos da coroa portuguesa. Caso contrário, caracterizava-
se uma guerra justa, ou seja, contra “infiéis”. Todavia, o pensamento de Locke não reflete nem
influencia Portugal, como o faz na Inglaterra.

Tal comportamento seria causa justa para os muçulmanos pilharem e dizimarem os


cristãos por divergirem da sua doutrina, sendo, então, a tolerância um princípio religioso,
essencial à convivência harmoniosa entre os homens, chegando Locke a propõe:

... se a lei da tolerância fosse estabelecida, de que todas as igrejas


fossem obrigadas a estabelecer a tolerância, como fundamento para sua
própria liberdade e ensina a liberdade de consciência, como direito
natural de todo homem, sejam igualmente dissidentes ou membros. E
que ninguém fosse compelido a assuntos religiosos pela lei ou pela
força. (LOCKE, 2004 p.105)

As ideias de Locke sobre liberdade de culto e crença inspiraram vários movimentos


liberais, que transformaram a Idade Moderna e dão suporte aos Diretos Humanos também no
campo de que hoje chamamos de diversidade religiosa. Suas aspirações de lei da tolerância
foram concretizadas não no sentido de uma obrigatoriedade interna, mas nos aspectos legais
como vistos nos documentos acima apontados.

A Carta Acerca da Tolerância analisa ainda diversos aspectos que justificam a


separação das atribuições da igreja das atribuições civis dos magistrados. Contudo, nesta
pesquisa foca-se apenas a questão específica da tolerância religiosa e da liberdade individual
de crença, características do individualismo liberal.

Conclui-se também que o debate a respeito do direito à crença e à prática religiosa


livre não é uma problemática da contemporaneidade. Há tempos essa discussão busca e ganha
espaço e cada vez mais importância na sociedade brasileira principalmente a partir de uma
maior diversidade religiosa ocorrida a partir do século XVI. Ganha ainda mais destaque na
48

sociedade contemporânea a liberdade de crença religiosa com a laicidade do Estado, ou seja, a


desvinculação legal da religião da administração política.

O tratado sobre a tolerância de Voltaire

Pensador moderno, do século XVIII, vivenciou uma França com a disseminação do


liberalismo mais desenvolvido, François-Marie Arouet (1694-1778), utilizando o pseudônimo
Voltaire, dedicou uma obra a respeito da temática da liberdade religiosa.

A disseminação das ideias liberais na França, contudo, não refletem sua prática,
devido à grande discriminação sofria pelos reformistas não católicos, não tendo direitos civis
legais, como casamento e herança, fora do catolicismo. É nesse contexto que o pensador francês
dará grande contribuição ao iluminismo no tocante às liberdades individuais nessa passagem
tomamo-lo como referência e inspiração para os documentos já referidos e para os costumes
sobre a tolerância religiosa.

Em dezembro de 1763, Voltaire escreve o Tratado Sobre a Tolerância. Na Europa,


grande parte das intolerâncias religiosas ocorreram no próprio cristianismo, como o caso que
inspira o autor a produzir o referido livro, sobre a morte de Pedro Calas. Esta que resultou na
condenação do pai, Jean Calas com motivações religiosas, por ele e sua família não serem
católicos. Ele morre em decorrências dos suplícios aos quais é condenado pela corte francesa.

Inicialmente, o filósofo faz apontamentos entre guerras religiosas internas ao


cristianismo e externas à fé cristã. Recorrendo ao uso da razão, ao invés de explicações
dogmáticas contra a intolerância religiosa, que tanto sangue já havia derramado, o autor afirma:

A filosofia, somente a filosofia, essa irmã da religião, desarmou as mãos


que a superstição o havia por tanto tempo ensanguentado, e o espírito
humano, despertando de sua embriaguez, ficou assustado como os
excessos a que o fanatismo o havia levado. (VOLTAIRE, 2008 p. 33)
49

Partindo dessa afirmação, o filósofo alega que a tolerância nunca se utilizou de


artifícios violentos para que houvesse uma unidade entre as pessoas de uma mesma sociedade.
Muito pelo contrário, a prática da tolerância é o ponto central para o fim dos conflitos religiosos.

Voltaire utiliza o comportamento religioso de Portugal em Goa, atribuindo aos


portugueses, frente aos povos de fé diversa, os seguintes dizeres:

Creia ou o odiarei; creia ou lhe farei todo o mal que puder; monstro,
você não tem minha religião, portanto, não tem religião alguma; é
necessário que você se torne o horror de seus vizinhos, de sua cidade,
de sua província. (VOLTAIRE, 2008 p. 43)

Nessas palavras, fica explícita a prática da intolerância religiosa externa ao


dogmatismo católico e cristão, que tanto incomoda ao longo dos séculos, sendo estorvo para a
harmonia social. Ressalve-se que a obra de Voltaire tende a estigmatizar povos e grupos, com
sua ironia, mas não deixa de ser - e foi- preciosa fonte para os direitos humanos.

Na sua obra, o filósofo faz um levantamento da pretensa harmonia religiosa


existente entre os gregos, exemplificando, inclusive, a existência de templos a deuses
estrangeiros. O único caso de intolerância religiosa de que se tem notícia é o de Sócrates.

Entre os romanos também havia a hegemonia da tolerância. Provas disso são a


existência do comércio entre os judeus desde as guerras púnicas e estes conservarem sinagogas
até a época moderna desde os tempos do imperador Augusto.

No caso de Jesus Cristo, é atribuída a dissidência religiosa dele aos judeus, sendo
estes os únicos inimigos dos cristãos, não os romanos, como Voltaire demonstra no trecho:

Aí está o próprio Espírito Santo declarando que os romanos não eram


perseguidores e que eram justos. Não foram os romanos que se
sublevaram contra São Paulo, foram os judeus. São Tiago, irmão de
Jesus, foi apedrejado por ordem de um judeu saduceu e não por um
romano. Foram unicamente os judeus que apedrejaram Santo
Estevão(...) (VOLTAIRE, 2008 p. 51)

Quanto aos judeus, Voltaire dedica dois capítulos apontando-os como um povo de
extrema tolerância, mesmo com direito divino sobre os outros povos. Finaliza um dos capítulos,
50

afirmando que o Deus judeu não apenas tolerava como também tinha um cuidado paternal com
todos os povos.

A obra acima analisada é publicada pouco antes da eclosão da Revolução Francesa,


que reivindica o fim do absolutismo monárquico. Este teve como uma de suas características a
união entre o poder do Estado e o da Igreja Católica, não existindo, pois, liberdade e tolerância
religiosa legal.
Sendo assim, a obra de Voltaire uma base filosófica para a não intervenção do
estado na liberdade de crença individual, trazendo para o processo revolucionário francês um
amadurecimento das ideias de Locke, sendo ambos significativos para o liberalismo e
inspiração contemporânea para a compreensão e desenvolvimento do conceito de tolerância
religiosa.
51

3.2 CONSTRUÇÃO DO CONCEITO

O conceito no contexto político da modernidade ocidental

As principais lutas ocorridas na História Moderna (séculos XVI a XVII), vinculadas


à convivência religiosa pacífica, não estão especificamente no campo dogmático ou doutrinário
religioso. As pesquisas verificaram que na Europa Ocidental não há busca de renovação na
interpretação teológica na direção do conceito de harmonia em sociedade entre pessoas de
religiões diferentes. Muito pelo contrário, existe, a partir das reformas religiosas, do século
XVI, uma luta de afirmação religiosa em cada comunidade, que se caracterizava como negação
às divergências de suas doutrinas.

Com as divergências religiosas, do ponto de vista dos reformadores estudiosos da


Bíblia sobre a Igreja Católica Romana, ocorreram diversas rupturas no corpo social da igreja
que atingiram também o campo político. Vários príncipes querendo maior autonomia, apoiaram
os reformistas protestantes. Tais rupturas chegam a ser colocadas como uma obrigatoriedade
dos súditos para com os Estados Nacionais. Exemplo disso é o Anglicanismo na Inglaterra.

A Europa ocidental vivia um contexto político de concentração de poderes nas mãos


dos reis, chamado de Absolutismo monárquico. Locke deixou bastante claro, nas Cartas Sobre
a Tolerância, a situação da Inglaterra. Voltaire descreveu a seu modo a situação de intolerância
religiosa na França por parte dos magistrados, representantes do Estado. Adiante analisar-se-ão
com maiores detalhes, algumas questões reformistas.

Os atritos religiosos internos nas sociedades europeias ocidentais abalavam a


organização política, dificultando a administração. Dessa forma, a convivência pacífica era um
instrumento de praticidade política: ameniza os conflitos sociais e serve como pano de fundo
para o fortalecimento do poder real em detrimento da influência religiosa do cristianismo na
condução da sociedade. (FERNÁNDEZ-ARMESTO, 1997)

Na modernidade, quando começou a se discutir a tolerância religiosa, o debate nada


tinha a ver com o individualismo ou com o liberalismo iluminista diretamente. Muito menos
com a noção de Direitos Humanos atual. Tinha relação com o fortalecimento do Estado e/ou do
Absolutismo, que tinham a intenção de deixar a religião institucionalizada de lado: era uma
52

resposta ao Concílio de Trento9 que aprofundara a ortodoxia católica e dificultara a boa


convivência entre interpretações diversas no cristianismo.

Um fortalecimento dos poderes locais, baseado na aceitação popular do poder do


regente com vista ao reconhecimento da liberdade de crença, acaba findando alguns conflitos
sociais e dinamizando a economia local, como foi feito em 1598, em Amsterdã:

O compromisso com a tolerância tendia a vicejar nas cidades


independentes onde os conflitos inibiam o comércio e os vizinhos com
pontos de vista diversos se acotovelavam numa dependência mútua.
(FERNÁNDEZ-ARMESTO, 1997 p. 326)

O entendimento da tolerância religiosa também não é uma mudança na


interpretação dos textos sagrados ou em qualquer outra instrução religiosa. É sim uma tentativa
de escapar das perseguições e das intrigas decorrentes de discordâncias dogmáticas. É um ato
político.

A intolerância religiosa é associada, no início do século XVI, a um entrave ao


desenvolvimento comercial, por parte dos que discursam pela harmonia entre os vizinhos. A
aceitação da multiplicidade de religiões vem a ser praticada em alguns burgos, mas não pelo
Estado. No decorrer do século, a ideia irá amadurecer por parte dos combatentes ao
Absolutismo, o que já foi apontado anteriormente. Porém, só virá a ser consolidada com as
legislações decorrentes das revoluções no final da modernidade, que buscam romper com o
absolutismo monárquico a partir da ascensão da burguesia mercantil e industrial.

Na modernidade, a intolerância religiosa é entendida e analisada em seu contexto


como a perseguição de grupos e a indivíduos e a exclusão de ambos que discordam da religião
praticada pelo soberano da sociedade em que vivem. Os jesuítas que desembarcaram no Brasil
para colonizar em terra, evangelizando-a, jamais conheceram esses conceitos atuais acerca de
intolerância e dos Direitos Humanos.

A utilização da prática da tortura com indicação doutrinária do corpo cristão, a


exemplo da Inquisição, não apenas a católica, chegando a utilizar a pena de morte, com aparto

9
Um dos principais concílios do catolicismo convocado por Paulo III, com a finalidade de assegurar a
disciplina do clero católico e a unidade da fé. Uma resposta às Reformas Protestantes no Século XVI.
53

do Estado, faz parte do imaginário religioso moderno como Voltaire, analisa no Tratado Sobre
a Tolerância, algo inconcebível pela cristandade atual.

Na Idade Moderna, a religião fazia parte do jogo político com bastante força,
fortalecendo e legitimando o poder real, que havia surgido enfraquecido no decorrer da Idade
Média com o declínio do comércio e do isolamento das cidades. Na primeira grande cisão10 do
Cristianismo moderno no século XVI, o discurso sobre a intolerância religiosa apresenta mais
uma aspiração política e social, do que religiosa propriamente dita pelo dogmatismo cristão.

O conceito contemporâneo

Atualmente, compreende-se a intolerância como uma manifestação de rejeição ao


diferente das próprias características culturais, políticas ou físicas, no contexto religioso Mário
Miranda Filho conceitua:

Do ponto de vista empírico, a intolerância é uma manifestação perversa,


como cremos, de uma autoafirmação excludente, particularista,
tribalista, que institui fronteiras apenas com o propósito de demarcar o
território do mesmo em relação ao outro, do nosso em relação ao deles
– ‘os infiéis’ – numa operação em que os segundos são sempre potencial
ou realmente excluídos, senão eliminados. Ser
intolerante é instituir uma identidade (de Ego, de grupo), com o
propósito de negar ao outro sua humanidade, sua dignidade. (FILHO,
2007 p. 21)

A rejeição do outro e do grupo não é um comportamento religioso que tem origem


no século XXI, nem de apenas um grupo, é uma problemática que se apresenta ao longo da
história Europa Ocidental, como uma questão de identidade e continua presente ainda hoje, com
outros contornos e dimensões.

Aponta-se como exemplo de grandes dimensões de intolerância religiosa o caso dos


judeus na II Guerra Mundial, haja vista a abolição desse tipo de comportamento social a ONU
destaca a convivência harmoniosa da diversidade religiosa na Declaração Universal dos
Direitos do Homem e do Cidadão, como já analisado no primeiro capítulo. Nesse sentido, o

10
A Reforma Luterana em 1517. A excomunhão de Lutero e crescente número de seguidores a partir da publicação
das suas críticas à Igreja Católica resulta no surgimento de uma nova Igreja cristã, sem subordinação ao papa.
54

entendimento social de intolerância vem da oposição ao conceito de tolerância, já exposto no


primeiro capítulo e ratificado em 1995 pela UNESCO, Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura.

A compreensão da intolerância como autoafirmação em negação ao outro é uma


compreensão social e acadêmica que existe atualmente no mundo Ocidental, levando em
consideração as diferentes interpretações religiosas sobre de si mesmas. Não havendo tal
entendimento e prática em diferentes momentos históricos e lugares, atualmente os entraves
salvacionistas derramaram sangue ou excluíram socialmente pessoas e/ou grupos assim, cada
momento e lugar devem ser enxergados de acordo com sua conjuntura política e social.

Na atualidade a maior parte dos países da Europa e da América vive um contexto


político de Estado laico, ou seja, o estado não professa crenças. Contudo, permite a total
liberdade religiosa. Essa é uma conquista realizada ao longo do tempo, após vários embates
entre filósofos, teólogos, juristas e poderes constitutivos do Estado com os religiosos das mais
diversas crenças.

Vencida a barreira da construção da laicidade do Estado, resta à sociedade colocar


em prática a convivência pacífica de suas práticas religiosas sem imposições, e com
reconhecimento e aceitação de práticas divergentes à própria fé.

Exemplos de agressões contra religiosos, contra cultos e contra religiões de origem


africana e indígena não faltam num país de maioria cristã, como é o Brasil, cuja maior parte da
população é etnicamente aparentada de tais grupos sociais. Cite-se nesse sentido também o caso
das eleições para presidente em 2010. Na campanha eleitoral, os candidatos gastaram parte de
seu tempo com justificativas que “provavam” o cristianismo de sua fé pessoal.

Fig. 4 O uso da religião como afirmação da maioria11.

11
Charge de NANI: Campanha de uma nota só - Religião. Disponível em:
http://www.nanihumor.com/search/label/%eleicoes202010
55

A charge acima serve de exemplo que na vida política atual se faz necessário
apresentar-se com identidade religiosa na maior parcela da população. O uso da religião na
campanha também ocorreu em eleições Estaduais.

Para entender o processo social dessa negação do outro analisa-se como se deu a
introdução do cristianismo no Brasil pela Companhia de Jesus, tomando sua doutrina como a
única verdade: negam-se cultos não cristãos e trazem para si as futuras gerações que originam
em parte a religiosidade católica no Brasil.

No capítulo seguinte, passa-se a examinar parte das origens da intolerância religiosa


no cristianismo português, trazido para o Brasil que de uma região com três vertentes religiosas
possuía boa convivência social. Antes da formação do Estado Nacional, passa a ter uma
bandeira de intolerância como forma de identidade nacional, com o estabelecimento e com
reconhecimento da Monarquia por parte do Papa.

A seguir, passa-se ao processo de compreensão religiosa do mundo pelos


portugueses e a identificação da Companhia de Jesus, em seu tempo, na da doutrina do
cristianismo.
Os jesuítas jamais entenderiam como intolerância religiosa, sua ação missionária. A
conversão era para eles e para o quadro mental da época um trabalho salvacionista. A
abordagem do trabalho dos jesuítas como intolerante só é possível se tomarmos como parâmetro
o conceito de intolerância apresentado neste capítulo e aplicá-lo como trabalho de história
problematizando a conjuntura do presente para enxergar no passado as origens dos
comportamentos sociais reminiscentes.
56

4. O CAMINHO E A VERDADE
4.1. O CAMINHO - CATOLICISMO PORTUGUÊS RUMO AO NOVO MUNDO

Portugal, um estado católico


Apresentadas as possibilidades conceituais da intolerância religiosa, parte-se para
o percurso histórico de Portugal relativo ao tema, como um caso exemplificador da temática
complexa desse conceito.

Neste capítulo é feita uma contextualização religiosa de Portugal a partir de sua


formação enquanto Estado, em decorrência da Reconquista, pois, entre os séculos VIII e XII, a
Península Ibérica foi dominada pelos árabes, que tendo tomado posse da terra, aceitaram os
grupos de cristãos lá existentes, o que fez com que esta população ibérica mantivesse sua cultura
e sua a religião cristã, que havia se estabelecido na região desde o Império Romano.

A luta para a expulsão dos muçulmanos12 da Península Ibérica é denominado de


Reconquista, e causará uma grande fragmentação política no território, agora retomado, onde a
primeira região a se organizar politicamente, após o domínio islâmico, foi Portugal, como se
pode verificar nos mapas abaixo:

Mapa 1: A unificação do território português.13

12
Os muçulmanos haviam ocupado a Península Ibérica do início do Século VIII até o final do século XV.
13
Formação das monarquias nacionais de Portugal e Espanha. (COTRIM, 2010 pg.255.)
57

No processo de formação do Estado português, as lutas internas e a guerra contra


os muçulmanos desestruturaram a organização política e militar, mas mantiveram a estrutura
paroquial e diocesana, com os fiéis reunidos em volta das igrejas e unidos ao prelado. (GALLI,
1997)

Mantinha-se a religião, mas os poderes políticos mudavam. Não se restaurou o


poder aos representantes ou às famílias dos nobres portugueses o período da invasão
muçulmana, senão aos novos representantes que haviam expulsado os árabes.

A estrutura administrativa, enfraquecida pela ausência de documentos escritos e de


legislação geral, faz-se mais pela autoridade dos nobres na reocupação do que em uma titulação
dada pelo rei. (SARAIVA, 2011)

Desde sua formação como estado nacional, Portugal tem o catolicismo como uma
das afirmativas de identidade nacional de grande valor tanto do Estado quanto do aspecto social,
tendo servido também como um aglutinador de interesses. Esse processo compreende as
condições históricas que proporcionaram a formação simultânea da nacionalidade e do Estado,
onde a organização política existente permitiu a duradoura luta contra os muçulmanos e contra
as forças de Leão e de Castela, que também participaram da luta pela reconquista da Península
Ibérica.

O primeiro rei de Portugal foi D. Afonso Henrique, tendo seu primeiro ato de
reconhecimento da independência, com a vitória em São Mamede14, sobre as intenções do reino
de Galiza em incluir Portugal nos seus domínios. Porém, o reconhecimento formal se dá por
parte da Igreja de Roma. Dessa forma, o Estado nasce a partir do reconhecimento de D. Afonso
Henrique pela Igreja em 1179, caracterizando-se a união entre a Igreja e o Estado português
desde já.

A consolidação territorial e política, se dá pelo avanço português em direção ao sul


e a progressiva expulsão dos árabes no território, não faltando atribuições milagrosas neste
processo, ante o baixo número de soldados portugueses contra os mouros. Isso vem apenas
reforçar a religião cristã, no processo de reconquista. O principal milagre atribuído à

14
Torneio de jogos entre nobres que valia acordos políticos.
58

cosmogonia cristã foi na Batalha de Ourique15, tendo Sant´Iago de Compostela como patrono
na expulsão dos mouros. Neste sentido José Hermano Saraiva aponta:

Ourique serve a partir daí de argumento político: a intervenção pessoal


de Deus era a prova de que a existência de um Portugal independente
faz parte da ordem divina e, portanto, eterna, do mundo. (SARAIVA,
2011 p.68)

Dessa forma, confirma-se mais uma vez o sentimento do povo português como uma
nação abençoada por Deus frente à sua fidelidade em devoção ao catolicismo. Esse sentimento
se repetirá outras vezes, até mesmo na colônia, como no processo de expulsão dos Holandeses,
relatado por Evaldo Cabral de Mello16: “Os milagres são não só a causa da vitória mas também
‘nosso maior brasão’" (MELLO, 2008, p. 260)

A religião é, portanto, no contexto moderno, um elemento que perpassa a noção de


sagrado e vai à identidade de estado como elemento unificador e organizador social. Essa noção
de religião como identidade nacional lusa, Portugal transmite por meio da Igreja Católica, e um
de seus instrumentos para implementar na sociedade esse sentimento de pertença ao estado
português é a catequese jesuítica.

Expansão religiosa

Após a Reconquista, a sociedade portuguesa passa a ter outras necessidades de


consumo solucionadas pela crescente burguesia mercantil. Contudo, os artigos mais valiosos
necessariamente passavam por grandes viagens marítimas. Esse é apenas um dos fatores do
pioneirismo português a se lançar com maior empenho à expansão marítima.

15
Em inferioridade numérica os cristãos vencem o exército mouro.
16
A obra Rubro Veio, é um levantamento do imaginário lusitano sobre a reconquista de Pernambuco, que
havia sido invadida pelos holandeses e lá estavam à quase um quarto de século.
59

O progresso náutico e o avanço por águas cada vez mais longínquas não é fruto de
empreitada de determinado grupo comercial, mas sim o resultado de trabalho técnico conjunto
que buscava ampliar o poder do rei, fortalecer o comércio e difundir a fé católica.

Tal desenvolvimento nos transportes, no conhecimento geográfico e nos contatos


comerciais, agregados à Igreja Católica, reflete-se sobre as especificidades da necessidade da
cristianização dos nativos das regiões que passam a fazer parte do mundo conhecido europeu.
Essas especificidades estão intimamente ligadas com a questão da identidade nacional que se
analisará no decorrer deste capítulo.

Muito do que se vê hoje apenas como intolerância religiosa, dar-se-á como parte de
uma destinação divina que marcou a constelação simbólica fundadora da nação portuguesa.
Sendo assim, teria a missão de levar o cristianismo a todos.

Tal simbolismo está presente na imagem abaixo nas várias cruzes presentes no
estandarte, no Brasão português, nas bandeiras das caravelas e no cetro, o que aponta para a
forte ligação da expansão marítima portuguesa com a Igreja Católica, no imaginário moderno.

Figura 5: Chegada de Vasco da Gama às Índias17

17
Iconografia de Ernesto Casanova, parte da edição de Os Lusíadas de 1880. Disponível em:
< http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Vascodagama.JPG >
60

O expansionismo não atende apenas à identidade religiosa e à expansão do


cristianismo. Esse processo inicia-se logo após a expansão territorial na Península Ibérica, como
explica José Hermano Saraiva:

Os motivos que levavam em Portugal o rei a interessar-se pelas


atividades do mar tem seguramente sua origem na guerra contra o Islão.
Terminada em 1249 a guerra terrestre contra os mouros, os Portugueses
prosseguiram numa guerra marítima, numa intensa ação naval contra os
corsários que flagelavam o litoral e dificultavam a navegação mercantil.
Essa guerra no mar foi assumida pela Ordem de Cristo. (SARAIVA,
2011 p. 136)

Findada a guerra contra os muçulmanos, diversos interesses sociais levavam ainda


mais à continuidade da expansão náutica. Para o clero e para a nobreza, a cristianização e a
conquista de novas regiões eram maneiras de servir a Deus e ao rei. Este por sua vez, tinha
interesse no aumento da receita com a anexação de novas fontes de riqueza, além do prestígio,
algo muito importante na mentalidade da nobreza da época. Quanto aos mercadores, era uma
garantia de lucro certo, com novas matérias-primas para revenda em alto preço.

Para a camada menos favorecida economicamente da população, aventurar-se no


mar era uma alternativa para sair da miséria. Quanto aos perseguidos pelas mais diversas causas,
seja pela justiça, seja pela discriminação religiosa, a emigração representava uma possibilidade
de viver melhor, eximindo-se de suas culpas no serviço náutico à coroa.

Um outro fator, no século XIV, também é destacado pelo historiador Arno Wehling
com motivador para a expansão marítima:

O Ciclo de pestes também prejudicou fortemente o comércio, não tanto


pela diminuição do consumo – sempre restrita a uma reduzida elite -,
mas pela desorganização das rotas comerciais, com o deslocamento
contínuo das populações que fugiam das áreas mais atingidas pelos
flagelos. (WEHLING, 1994, p.23)

Como resultado, a expansão comercial aplica a implementação de um sistema de


colonização que enriqueceria a Coroa de Portugal por meio de novas fontes de matéria prima
das colônias, povoada pelos europeus, em várias regiões novas de contato: na América, na
África e na Ásia. Juntamente com o fortalecimento do Estado português, o cristianismo se
61

estenderia às novas regiões, levado por diversas Ordens como: as dos missionários jesuítas, as
dos franciscanos e as dos capuchinhos, além das intervenções do Santo Ofício na colônia.

O aspecto missionário é também fruto da reforma do cristianismo no século XV,

como explica Felipe Fernández – Armesto, no qual o protestantismo surge não como uma

ruptura da Igreja, mas como um movimento dentro dela, visando ao aprofundamento da

consciência cristã. Em resposta, a Igreja Católica licencia a criação da Ordem da Companhia

de Jesus (FERNÁNDEZ-ARMESTO, 1997).

Ordem de caráter missionário e que levaria o catolicismo e a salvação àqueles que


desconhecem as palavras de Jesus Cristo.

O catolicismo português

Na chegada dos portugueses ao Brasil e no início da colonização, a espiritualidade


cristã possuía como visão de mundo a orbis christianus, uma percepção ainda medieval, que o
historiador das religiões José Maria de Paiva analisa:

Crença que o mundo é de Deus, cujo representante na terra é a Igreja


Católica. Este Deus, por ser verdadeiro, exigia que todos o
reconhecessem e lhe prestassem culto. A verdade absoluta, eis o
princípio e o fim do orbis christianus (PAIVA, 2006 p. 22)

Com esse entendimento do mundo, a fé católica era sinônimo de verdade e de


salvação, já que era uma ordem divina para a qual o que estivesse fora dessa ordem era pecado
e condenação. Dessa forma, a expansão territorial ganhou contornos catequéticos de novos
batismos dos povos que entrassem em contato com o cristianismo na expansão colonial dos
séculos XV e XVI.

Tal pensamento tem origem medieval em que a própria formação do Estado


português entre os séculos XII e XIV tivera uma cultura com três vertentes religiosas,
conviviam harmoniosamente na Idade Média, a cristã, a árabe e a judaica. A partir da formação
62

do Estado, a identidade apenas cristã é assimilada pela sociedade portuguesa, as duas últimas
começaram a ser excluídas com a Reconquista, não sobrando elementos substanciais para
estudos de culturas tão ricas.

“São as primeiras fases de um processo que iria durar séculos: um país


onde grande parte da população teria de viver parecer o que não era e
tentar esconder-se da morte clamando uma fé que não tinha. A viver
com o credo na boca” (SARAIVA, 2011 p.88)

A expressão viver com o “credo na boca” passaria a ser uma constante ante as
perseguições da intolerância religiosa portuguesa aos muçulmanos e aos judeus, que, inclusive
foram recebidos por Portugal, enquanto Aragão e Castela18 os perseguiam, para, depois também
expulsá-los ou eram, então, convertidos ao catolicismo sem mais opções e se tornariam os
principais inimigos do catolicismo português durante séculos, já que os muçulmanos não
representavam mais uma ameaça. Os inimigos da fé seriam, depois os judeus conversos,
chamados de cristãos-novos.

A questão dos judeus e cristãos-novos, na sociedade portuguesa e colonial


brasileira, abre outro vetor para os estudos sobre a intolerância, tendo sua maior
representatividade na Inquisição portuguesa que os via como uma das principais ameaças à
ordem social da religião. Por outro lado, os jesuítas tinham como um dos principais papeis o de
introduzir o cristianismo a quem o desconhecia, como, por exemplo, aos nativos. Sendo assim,
a Inquisição possuía caráter regulador social, daí uma maior associação com a intolerância, e
os Jesuítas tinham a característica missionária.

A migração dos judeus e cristãos novos vem a ser uma das necessidades atendidas
pela expansão marítima, que, ao alargarem a fila de marinheiros purgavam seus pecados
enfrentando o mar. Além disso serviam à Coroa portuguesa. Dessa forma, Portugal buscava ser
uma nação unicamente católica.

Em análise sobre a sociedade colonial brasileira, a historiadora Sônia Siqueira traça


um perfil do pensamento missionário português no contexto da colonização. Portugal, nascido
da luta contra o muçulmano, enfrentou as reformas ao lado do catolicismo apresentou na sua
identidade, o caráter missionário.

18
Reinos da Península Ibérica.
63

A difusão geográfica da Igreja implicava numa pluralidade de adeptos,


de culturas e de mentalidades. Seria vã e inconsistente se anão ficassem
todos unidos. A evangelização e a propagação das crenças tinham
implícita a ideia de unidade. Unidades dos homens com Deus através
da própria santidade. Una e Santa. (SIQUEIRA, 1978 p.28)

Dessa forma, a implantação de ordens religiosas missionárias no Brasil, como a


Companhia de Jesus, é não somente uma manifestação da Igreja Católica, mas de identidade
nacional lusitana para agregar os diversos comportamentos religiosos que na colônia se
manifestaram, no sentido de homogeneização com o catolicismo.

Ser lusitano é sinônimo não somente de professar o credo católico, mas vivenciá-
lo. Contudo, isso não basta. É necessário possuir uma genealogia católica a fim de ter uma
pureza de sangue, principalmente, para adentrar nas ordens religiosas ou na Inquisição e levar
as práticas adiante na sociedade.

Algumas das práticas mais comuns do catolicismo português na vida privada, que
mantinham a força da religião eram: a confissão auricular; os espaços estilizados de capelas
particulares, mas de acesso público, sendo, assim, ponto de coesão social; a relação pessoal com
o sagrado pela oração, destacando-se entre, suas finalidades, a proteção e as necessidades
básicas da vida diária e o entendimento da comunidade como o conjunto dos vivos e dos mortos,
dos pecadores e dos santos. (MATTOSO, 2011)

A confissão auricular gera um sentimento de proximidade com o sagrado, um


diálogo direto com o divino que mantém o fiel em dia com suas obrigações pessoais, bem como
a aceitação da sacralidade dos membros do clero na absolvição dos pecados confessados, o que
remete à questão de reconhecimento do poder transcendente da Igreja.

Os espaços personalizados são pontos de encontro para a realização de cultos


coletivos, como, por exemplo, as procissões. Eles ficam à disposição como oratórios às causas
específicas a que os templos são levantados.

As orações eram reflexo de uma cultura de tradição oral em todas as camadas


sociais. Existiam também os livros de orações, porém a tais livros apenas a nobreza tinha
acesso, devido ao requisito básico da instrução para leitura.
64

Quanto ao entendimento da comunidade como a unidade sendo parte de todo o


conjunto de vivos e mortos, pecadores e santos, o maior reflexo disso é o comportamento
intolerante diante do diferente, temendo que Deus castigasse a toda uma sociedade em
decorrência dos elementos impuros. Um grande exemplo disso era tal atribuição às causas da
peste negra na Europa representada por diversas vezes na iconografia por flechas que atingiam
a todos.

Em suma, se não se fugira a tempo, rico ou pobre, jovem ou velho,


estava-se ao alcance da flecha do horrível arqueiro. Imaginada pelos
meios eclesiásticos leitores do Apocalipse e sensíveis a aspecto punitivo
das epidemias, a comparação entre o ataque da peste ao das flechas que
se abatem de improviso sobre vítimas teve por resultado a promoção de
São Sebastião19 na piedade popular. (DELUMEAU, 1989 p.116)

A compreensão da sociedade como unidade e atitudes particulares como contato


direto com o divino, são base de atitudes intolerantes frente à desqualificação e à eliminação de
práticas não cristãs tomando para si características positivas e negativando o outro, o diferente.
Vale lembrar que essa concepção considerada como intolerância no século XXI, na
modernidade lusitana era compreendida como expressão de identidade nacional portuguesa.

Esses elementos de identidade lusitana estarão presentes na colônia, porém


adaptados e flexibilizados, como se verá no último item deste capítulo, mas não servirá como
bandeira de identidade nacional, mas de pertença social. Os movimentos de identidades
nacionais como nativistas brasileiros são relativos a questões políticas e econômicas dos grupos
locais em choque com a administração portuguesa, principalmente, no século XVIII, como a
revolta de Beckman no Maranhão, a Guerra dos Emboabas na região das Minas Gerais e São
Paulo, e a Revolta dos Mascates em Pernambuco.

Sendo assim, pode-se dizer que o catolicismo português no Brasil Colônia, é um


elemento que traz à sociedade um sentimento de pertença de grupo forte. Mas uma bandeira de
identidade nacional brasileira como foi a religião em Portugal não será um fator característico
dos movimentos sociais nativistas e ou emancipacionistas.

19
São Sebastião é um santo protetor português que morrera crivado por flechas.
65

Dicotomias sobre o Novo Mundo

No mundo moderno, a América e a Oceania eram desconhecidas. Sobre a China, a


Índia e a África subsaariana, tinham-se informações imprecisas por relatos de viajantes do final
da Idade Média e livros de geografia da antiguidade, sendo, então, o mundo conhecido
diretamente pelos Europeus apenas o norte da África até o Mar Báltico, da Inglaterra ao Norte
da Rússia e o Oriente próximo. A partir dos descobrimentos, Arno Wehling relata:

(...) No espaço de poucas gerações o acanhado universo cristão


medieval, que admitia com absolutos e irretocáveis sua fé e seus
princípios, viu-se profundamente abalados com a descoberta de outros
universos- tempo, diferentes na fé, na atitude perante a vida, na língua
e nos costumes. (WEHLING, 1994 p. 48)

Uma enorme mudança na concepção geográfica e imaginária do mundo ocorre na


Idade Moderna. Essas transformações, mesmo na compreensão do mundo físico possuem
reflexo no imaginário que remete ao tempo linear escatológico, já que ocorrem interpretações
edenizadoras e de purgatório do novo mundo.

Uma lista enorme de produção historiográfica atual pode ser elencada, mas tome-
se como principal referência Ronaldo Vainfas que, na obra A Heresia dos Índios, faz um
esclarecimento da mentalidade portuguesa do combate com as sombras, isto é, diante do
desconhecido apontar algo negativo do seu repertório imaginário mediante animalização e
demonização, analisadas com relação aos rituais indígenas ou com relação ao:

Prisioneiros da confusão entre o céu e inferno que tentavam dirimir na


velha cristandade, os europeus a reproduziram no trópico. Afinal,
lembra-nos Delumeau, foram eles que trouxeram para a América o seu
próprio diabo nos porões de seus navios. Trouxeram o demônio e seus
conflitos e dilemas religiosos, que não tardariam a projetar-se em seus
discurso e imagens acerca do índio. (VAINFAS, 1995 p. 63)
66

A partir do mapa a seguir, pode-se ter uma melhor noção do impacto geográfico
que a expansão marítima produziu. Pelo mapa mundi que o veneziano Fra Mauro produziu a
pedido da coroa portuguesa em 1459 pode-se perceber o fenômeno:

Mapa 2: Mapa Mundi 145920

Em menos de um século, a concepção cartográfica do mundo muda


consideravelmente, alterando a economia e trazendo ao europeu novas problemáticas e
soluções. São problemáticas de como manter a integridade do império e a defesa contra os
inimigos comerciais, bem como fazer com que as novas regiões sejam habitáveis com o mínimo
do “padrão europeu”, pelo menos, no aspecto religioso, que já identificado é uma questão de
identidade missionária no caso de Portugal.

Como soluções têm-se, o aparecimento de novas rotas comerciais, a ampliação dos


mercados e o aumento dos lucros tanto da burguesia mercantil, como do Estado pelas novas

20
FRA MAURO. Mapa Mundi. 1459. Disponível em:
< http://commons.wikimedia.org/wiki/File:FraMauroMap.jpg >
67

matérias-primas e regiões produtoras, além da questão migratória, já mencionada, em relação à


limpeza religiosa territorial em Portugal.

Por outro mapa, feito pelo cartógrafo Abraham Ortelius em 1570, intitulado o
“Typvs Orbis Terrarvm”, que numa tradução literal seria “Tipo do Mundo das Terras”
apresenta-se novas dimensões geográficas do mundo conhecido:

Mapa 3: Mapa Mundi em 157021

Quanto à crônica contemporânea a época, sobre encontram visões ora edenizadoras,


ou seja, de paraíso na terra ante a chegada à América, ora condenatórias caracterizando as terras
tropicais como um purgatório. É uma dicotomia religiosa característica do cristão europeu
moderno, que Jean Delumeau analisa em História do Medo no Ocidente, dedicando o início da
sua obra aos medos do mar.

21
ORTELIUS, Abraham. Typvs Orbis Terrarvm.1570 Disponível em:
< http://commons.wikimedia.org/wiki/File:OrteliusWorldMap1570.jpg?uselang=pt >
68

O medo do mar enquanto parte da religiosidade, devido às associações com o


dilúvio bíblico e seres ameaçadores que nele vivem, como se acreditava na Idade Moderna,
levanta alguns aspectos da mentalidade do português vindo ao Brasil superou seus medos e
glorificou-se com as novas terras que passam a ser de sua regência política e comercial,
enquanto não havia ainda todo um domínio técnico. Coletivamente, o mar era associado às
imagens de aflição.

De diferentes maneiras a mentalidade coletiva estabelecia laços entre


mar e pecado. Nos romances medievais, volta como um topos o
episódio da tempestade que se forma por causa da presença de um
grande pecado- ou de uma mulher grávida, e portanto impura- a bordo
do navio assaltado pelas ondas com se o mal atraísse o mal.
(DELUMEAU, 1989 p.49)

Jean Delumeau, em vasta pesquisa de fontes aponta algumas das


representatividades do mar no imaginário europeu anterior às navegações e o domínio técnico
sobre o mar que minou os fundamentos fantásticos de temor das águas. Enquanto a terra seria
um local de segurança, o mar era um local de nostalgias. E mais:

Lugar do medo, da morte e da demência, abismo onde vivem satã os


demônios e monstros, o mar um dia desaparecerá, quando toda criação
for regenerada (DELUMEAU, 1989 p. 50)

Nessa mesma linha de análise, a historiadora Laura de Melo e Souza apresenta as


representatividades da natureza paradisíaca que o europeu dá a colônia. Já os comportamentos
humanos eram demonizados, chegando a afirmar: “O Brasil, colônia portuguesa, nascia sob o
signo do Demo e das projeções do imaginário do homem ocidental.” (SOUZA, 1986 p.28)

Especialista na área de religião na colônia, Laura de Melo e Souza, tem destaque


em suas duas principais obras com a temática da demonologia na colônia: Inferno Atlântico e
O Diabo e a Terra de Santa Cruz. Ao final do primeiro capítulo do segundo livro, a historiadora
aponta:

Paraíso Terrestre pela natureza, inferno pela humanidade peculiar que


abrigava, o Brasil era purgatório pela sua relação com a metrópole.
Homens danados podiam alcançar os céus através do esforço honesto,
do trabalho diário da sujeição à vontade metropolitana. O sistema
69

colonial perpetuava a purgação: lançava sobre a colônia elementos


indesejáveis, prometendo-lhes o éden e iniciando sua purificação
através do exílio ritual representado pela travessia atlântica. (SOUZA,
1989 p.84)

Os elementos indesejáveis aos quais a autora se refere são os judeus, os cristãos-


novos, os pagãos, os criminosos e os miseráveis, que na colônia vieram se instalar servindo
como mão de obra e com papel de produtividade econômica de uma forma ou de outra, além
do povoamento.

Por outro lado, o historiador brasileiro, Sérgio Buarque de Holanda, faz uma análise
das representatividades que possuíam os animais no Brasil encontrados pelos portugueses, a
partir das obras modernas e medievais, fazendo sempre a associação com o bestiário ou fábulas
medievais que relatavam criaturas semelhantes e com os diversos significados que a um mesmo
animal poderiam ser atribuídos. Por exemplo, a jiboia, era ora associada à serpente do mal, ora
à cautela e sabedoria. (HOLANDA, 2000).

Vale lembrar que essas são as percepções dos historiadores a partir dos documentos
e das obras da época que eles destacam e tomam como objeto de estudo. A narrativa
historiográfica na atualidade requer cuidados que os documentos e livros analisados pelos
autores dessas épocas passadas não tiveram ou são claramente a visão cristã tomada como
verdade absoluta por parte de quem as produziu, como membro da Igreja Católica, ou fruto da
mentalidade da época.

Diferentes autores demonstram a proximidade do surgimento do Brasil para os


portugueses, com diversos medos e com demonização da vida. Dessa percepção para o
aguçamento do imaginário da intolerância foi um salto. Afinal, o cristão deve banir o mal do
mundo pela conversão e pela doutrinação, seja pelo expurgo dos pecados dos cristãos.

As ambivalências de percepções - ora sagradas, ora demoníacas - também estão


presentes nos documentos produzidos pelos cronistas da época, e fazem parte da incorporação
do novo ao imaginário luso-cristão. Pero Vaz de Caminha é um representante do humanismo
cultural cristão do século XV: dentro dos limites da época ele abre-se ao conhecimento do outro.
(POMPA, 2003)
70

Na chegada dos portugueses há uma visão edenizadora no documento produzido


pelo religioso franciscano, Pero Vaz, em sua carta em primeiro de maio de 1500, documento
este considerado a “Certidão de Nascimento” do Brasil para o mundo ocidental. O padre relata:

Parece-me gente de tal inocência que, se nós entendêssemos sua fala e


eles a nossa, seriam logo cristãos, visto que não têm, nem entendem
crença alguma segundo as aparências. E, portanto, se os degredados,
que aqui hão de ficar aprenderem bem a sua fala e os entenderem, não
duvido que eles, segundo a santa intenção de Vossa Alteza, se farão
cristãos e crer em nossa santa fé, à qual praza a Nosso Senhor que os
traga, porque, certo, esta gente é boa e de boa simplicidade. E imprimir-
se-á ligeiramente neles qualquer cunho, que lhes quiserem dar. E pois,
Nosso Senhor, que lhes deu bons corpos e bons rostos, como a bons
homens, por aqui nos trouxe, creio que não foi sem causa. (CASTRO,
2010 p.111)

Um outro cronista, Pedro Magalhães Gandavo, também descreverá a respeito da


organização religiosa, política e jurídica, não com uma descrição de degradação, senão do
entendimento português a partir da sua cultura, dentro do contexto do documento, mas fazendo
referência à ausência de Fé, do Rei e da Lei.

Não adoram coisa alguma nem têm para si que há na outra vida glória
para os bons, e pena para os maus, tudo cuidam que se acaba nesta e
que as almas fenecem com os corpos, e assim vivem bestialmente sem
ter conta, nem peso, nem medida. (GANDAVO, 1980 p. 9)

Os dois exemplos citados deixam margens para diversas interpretações dos


historiadores da época, ora mencionando a carta de Caminha como uma exaltação à inocência
dos nativos, ora comparando-os a animais. Ao animalizar o índio, discute-se a possibilidade de
sua conversão, já que eram bestializados e não possuíam cultos, no entendimento dos
portugueses, ainda mais pelo constante dilema entre céu e inferno em que vivia o homem
moderno, principalmente depois do conhecimento das novas terras.

No caso dos Jesuítas, quanto ao entendimento do nativo, a princípio da instalação


deles no país nas Cartas entre 1539-1553, principalmente, nas cartas de Manoel da Nóbrega,
pode-se identificar recorrência quanto à rejeição às práticas da poligamia, canibalismo e do não
aprofundamento na assimilação do cristianismo, apesar de frequentemente ser relatadas a fácil
adesão do nativo à religião cristã. (LEITE, 1954)
71

Já na primeira carta de Manoel da Nóbrega, é possível identificar as ambivalências


como a poligamia e o desejo de conversão:

... a gente toda vive em pecado mortal, e não nenhum que deixe de ter
muitas mulheres das quais estão cheios de filhos e é grande mal(...) os
índios dessa terra tem grande desejo de aprender e perguntados se
querem, mostram grandes desejos(...) todos estes que tratam conosco,
dizem que querem ser com nós. (LEITE, 1954 p.110-111)

A antropóloga Cristina Pompa ressalta alguns planos de fundo da atribuição de


valores na percepção dos europeus para com os nativos como, por exemplo, as transformações
culturais entre a Idade Média e o Renascimento, isto é, as convulsões entre a fé e a ciência, que
dão o tom ao discurso de entendimento do outro.

Uma outra questão apontada por ela seria a dos conflitos internacionais para o
domínio colonial entre franceses e portugueses, entre portugueses e holandeses, cada um com
suas alianças e percepções sobre a demonização do outro, presente também nos estilos
literários. São várias as intolerâncias religiosas que entrecruzam entre si nesses conflitos.

Por fim, são levados em conta os relatos de católicos e de protestantes com pontos
de vista divergentes quanto à economia, à política e à crítica da civilização ocidental por parte
dos protestantes. (POMPA, 2003)

É nesse universo de entendimentos que a história da catequese no Brasil em cada


época e em cada lugar ganha uma roupagem. Diante das fontes o historiador seleciona seus
dados e faz suas construções da realidade. No caso em análise, o trabalho identifica uma
construção social identitária como modelo, e o catolicismo português e sua percepção de mundo
como uma superioridade social e cultural, crendo ser necessária a conversão dos nativos para a
salvação destes, bem como engajamento ao império português.
72

4.2 A VERDADE – O PARADIGMA DA REALIDADE JESUÍTA

A formação da Companhia de Jesus

Os primeiros jesuítas surgiram de um grupo de jovens de diversos países que


estudavam na Universidade de Paris, juntos na capela dos Mártires em Montmartre. Os
companheiros fizeram um voto de ir à Terra Santa assim que seus estudos fossem concluídos,
para converterem os infiéis. Seu idealizador foi o espanhol Inácio Lopez de Recalde, nascido
em 1491 na província de Guipuzcoa, castelo de Loyola.

A criação da Ordem da Companhia de Jesus só foi autorizada em Roma por Paulo


III, no ano de 1540. Os jesuítas prometeram obediência incondicional, colocaram-se à
disposição do papa, tendo como campo de ação: ensino, confissão, pregação e obras de
caridade. (PARIS, 2000).

Figura 6: Brasão da Companhia de Jesus22

Uma das motivações para a criação da Companhia de Jesus é a reação católica às


reformas pelas quais a cristandade passa a partir das críticas de Lutero.

A cristandade da época estava passando por divisões e conflitos, mas


também se expandindo – brotando e se espalhando em um amplo
movimento do qual a Reforma era apenas uma parte. A competição por
almas entre os apóstolos protestantes, católicos e ortodoxos foi a
superposição de potentes obras missionárias, para as quais cada tradição
destinou enormes recursos em esferas distintas. Dirigiam-se às
comunidades não-evangelizadas fora da Europa. (FERNÁNDEZ-
ARMESTO, 1997 p. 227)

22
Brasão da Companhia de Jesus. Disponível em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Companhia_de_Jesus#/media/Ficheiro:Ihs-logo.svg.
73

Na Europa, os jesuítas atuaram em universidades, em colégios e em seminários,


buscando restabelecer a antiga posição da Igreja Católica Romana, que havia sofrido perdas
com as reformas, enquanto no Novo Mundo, estabeleceram o trabalho pedagógico das missões,
objetivando expandir e manter fiéis para a Igreja Católica os povos não atingidos pela expansão
protestante. Nesse sentido, a criação da Companhia de Jesus atinge objetivos não somente do
Estado, mas do próprio catolicismo e da mentalidade do cristianismo moderno como modelo
de conduta da vida social.

Considerando as percepções das dualidades edênicas e demoníacas na Europa


moderna para compreensão dos povos americanos, africanos e asiáticos que passam a fazer
parte do imaginário europeu, faz sentido, no seu contexto, difundir-se o cristianismo. A
situação, porém, revela que o jesuíta toma a si mesmo como referência de conduta, ignorando
as estruturas religiosas alheias, o que no entendimento contemporâneo, como já apontado,
caracteriza uma intolerância religiosa.

Quanto à hierarquia da Ordem, no topo estavam os membros que fizeram juramento


missionário e voto particular de obediência ao Papa, os sacerdotes, designando atividades para
as demais hierarquias. Tendo inicialmente caráter itinerante, devido às demandas de tarefas de
ensino, a Companhia resolveu se fixar fundando colégios, e, como consequência, veio a
necessidade de crescimento do número de membros. (CASTELNAU-L´ ESTOILE, 2006) Todo
aquele que estava relacionado com a Companhia de Jesus era chamado de jesuíta, sendo uma
das formas de ingresso o noviciado, que após dois anos de provações realizava os votos de
pobreza, de castidade e de obediência, tornando-se coadjutor.

As Constituições da Companhia de Jesus, elaboradas por Inácio de Loyola,


especificam as outras hierarquias: coadjutores poderiam ser temporais ou escolásticos. Os
primeiros se encarregavam dos trabalhos materiais, sendo enfermeiros, cozinheiros ou
arquitetos. Já os escolásticos eram estudantes, e com o fim dos estudos, ordenavam-se padres e
realizavam um quarto voto, nele busca-se combater as dissidências do catolicismo, como
resposta às reformas religiosas.

A quarta categoria é a daqueles que são admitidos indeterminadamente


em relação ao grau para o qual com o tempo se revelarem mais aptos,
não fixando ainda a companhia para qual deles seja mais idôneo o seu
talento. Deverão eles, ao entrar, vir indiferentes, para qualquer grau,
74

deixando a decisão ao Superior, E todos, de sua parte, devem manter


essa disposição. (IGLESIAS, 2004 p.48)

O aumento do número de membros da Companhia leva a uma necessidade de


autonomia econômica vinda de alunos externos com ganho de importância material pedagógica.
Sendo assim, a Companhia age com uma importância mais do que apenas religiosa, mas de
grande impacto social, que é a educação.

Os jesuítas não estavam servindo apenas à obras da catequese, mas


lançavam as bases da educação popular e, espalhando nas novas
gerações a mesma fé, mesma língua, e os mesmos costumes,
começavam a forjar, na unidade espiritual, a unidade política de uma
nova pátria. (AZEVEDO, 1976 p.15)

O mesmo grupo social jesuíta que desconhecia profundamente o respeito à


identidade do outro - princípio que só surgiria sistematizado no século XX- atuava na educação
de homens e mulheres nascidos fora dos grupos sociais dominantes. Outra finalidade jesuítica
no mundo moderno é a consolidação e a fixação territorial das novas terras. Como a exemplo
tem-se a obra de Antônio Parreiras de 1913, retratando a fundação de São Paulo por jesuítas:

Figura 7: Fixação territorial dos Jesuítas com a fundação de São Paulo23

23
PARREIRAS, Antônio. Fundação de São Paulo, 1913. obra exposta na Pinacoteca Municipal de São
Paulo. Disponível em: < http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Ant%C3%B4nio_Parreiras_-
_Funda%C3%A7%C3%A3o_de_S%C3%A3o_Paulo,_1913.jpg >
75

A ilustração apresenta um imaginário recente que reforça a fixação do catolicismo


na colônia com força fundadora penetrando na ideia de identidade nacional com a expansão
territorial portuguesa, já que a cidade de São Paulo ficava afastada dos primeiros locais de
fixação, existentes no litoral nordestino.

O historiador Arno Wehling confirma que os jesuítas eram mais que simplesmente
uma intervenção do Estado pela Igreja, pois tinham seus próprios objetivos, que algumas vezes
se confrontavam com os interesses colonizadores. Por exemplo a oposição à escravidão dos
nativos: “É errôneo apresentá-los como mero braço religioso do estado ou acobertados de
interesses privados. Tinham seus próprios fins, nem sempre compatíveis com os demais.”
(WEHLING, 1994 p.83) Essa finalidade principal é especificada no próprio regimento por
Loyola:

O fim da Companhia não é somente ocupar-se, com a Graça Divina,


com a salvação e perfeição das almas próprias, mas com esta mesma
graça esforçar-se para a salvação e perfeição das do próximo.
(IGLESIAS, 2004 p. 65)

Conclui-se que a companhia de Jesus é uma reforma do cristianismo,


especificamente: do catolicismo, não somente da conduta interna e dogmática do mundo
católico, mas de maior apresentação da Igreja Católica de Roma ao mundo, focando-se em
grande parte nas populações que não conheciam o cristianismo nos moldes europeus como:
Brasil, Angola, Etiópia, Índia, Indonésia, China e Japão.

A autocompreensão dos Jesuítas

O raciocínio lógico jesuítico é aristotélico, com a concepção de que a ligação entre


o corpo e a alma se dá graças às sensações físicas, sendo esta, na concepção de Aristóteles, “a
realização da potência própria do corpo: donde se pode dizer que ela não existe sem o corpo
nem como corpo.” (ABBAGNANO, 2003 p. 28)
76

A própria Ordem via-se como um corpo, disperso pelos quatro continentes da obra
missionária, em que cada integrante era um membro regido pelo preposto Gera em Roma, a
cabeça do corpo. Tal Ordem tem a compreensão ambígua do desgaste do corpo e da capacidade
de evolução da alma com o passar do tempo, de acordo com as atitudes de cada um. Isso é uma
contradição inerente ao homem, entendimento claro no próprio documento de criação da
Ordem, em que o próprio Inácio afirma no corpo do texto:

o homem é levado a poder vencer-se a si mesmo e assegurar sua forma


de vida por uma determinação livre de aflições prejudiciais ... [pela
educação do corpo e do espírito] pois o que sustenta a fé é a educação
das gerações em suas virtudes”. A educação do corpo era, portanto, um
meio de educar a alma. E, mesmo as representações do corpo humano
deveriam ser cuidadosamente elaboradas. Pois, a partir desse
pressuposto, a exposição dos corpos não somente era inadmissível, do
ponto de vista moral, como também era inadequada à civilização do
espírito. (FLECK, 2004 p. 262)

O rigor de conduta do missionário é o reflexo da reforma do catolicismo em resposta


às críticas pela falta de preparo do clero pelos reformistas protestantes. Dessa forma, o exemplo
moral daqueles que trazem consigo a salvação é uma das principais normas de conduta dos
jesuítas. É um comportamento sadio e exemplar dentro do cristianismo, com a tarefa de
expandir pelo mundo a salvação.

Do ponto de vista moral, os jesuítas buscavam a santificação pessoal,


através do método descrito nos Exercícios Espirituais, e do ponto de
vista institucional, procuravam se engajar em atividades apostólicas de
conversão às quais eram levados pelo princípio sotereológico tomista
de que o trabalho de caridade contribui para a salvação da alma. Neste
sentido, a oferta jesuítica se encontrava com a demanda papal para a
retomada de uma ação tipo universalista. Esta iniciativa papal de
interferir diretamente no envio de pregadores, se confirmou em Trento:
a igreja contra reformista teve como característica principal a
acentuação de seu universalismo e, por isso mesmo, assumiu a direção
da Conquista Espiritual.(POMPA 2003, p. 65)

Os Exercícios Espirituais, expostos nas Constituições da Companhia de Jesus


consistiam num autoexame de consciência de toda a vida, com confissão dos pecados e
meditação sobre eles e mais:
77

Contemplando as cenas e os mistérios da vida, morte e ressurreição de


Cristo, nosso senhor, exercitando-a na oração vocal e mental, segundo
a capacidade de cada um, como no Senhor nosso lhe será mostrado, etc.
(IGESIAS, 2004 p. 57)

Devido ao caráter de difusão pela conquista espiritual, uma das formas de manter a
ordem e a disciplina pela dificuldade da dispersão dos jesuítas, foi a comunicação feita por de
cartas. No caso do Brasil, os deslocamentos eram perigosos devido aos animais e às tribos, que
desconheciam o trabalho missionário mais ao interior. Assim o meio mais viável de transporte
era a navegação litorânea, mas isso implicava abandonar o posto e abrir espaço para dispersão
religiosa, sendo o envio de cartas por esse meio.

As cartas serviam tanto como relatos aos superiores como troca de experiências
entre os jesuítas, já que cada um possuía liberdade de agir. Nos ideais da instituição, reforça-se
a questão da adaptabilidade e as particularidades de cada região, levando à flexibilização da
ortodoxia católica colonial em relação às práticas religiosas europeias.

Reconhecer a colônia e adaptar-se a ela tendo como tarefa apresentar o cerne do


cristianismo a quem não o conhece. Com a reflexão sobre seus comportamentos, os jesuítas
sentiam-se como importantes membros do corpo cristão de função essencial, na reação católica
expansionista de cristianização.

Era preciso ser cristão, deixar-se batizar, ingressar na Igreja dos


portugueses, ingressar em sua sociedade ali estava a salvação fora dali,
a condenação. Boa hora a vinda dos portugueses! Quem anuncia isto é
o missionário, porta-voz da sociedade, que chegara se impondo pela
força, destruindo sua primitiva condição. O índio não tinha opção: ou
se sujeitava ou era escravizado; ou se aliava e se salvava ou não se
aliava e se condenava. O batismo abria as portas para esta sociedade
salvacionista. Destarte, a pregação jesuítica tinha um dúplice caráter
salvacionista: salvava o índio do inferno, pondo-o no céu; e, salvava-o
de sua situação inferior, introduzindo-o na sociedade portuguesa.
Dificilmente se poderia discernir entre uma e outra salvação. (PAIVA,
2006 p.57)

Se a única forma de salvação está no cristianismo, fora dele socialmente a


escravidão e, espiritualmente, o inferno, o jesuíta coloca o nativo numa situação de inferioridade
por não possuir a mesma fé que o português. Fica evidente a intolerância religiosa dos jesuítas
78

como parte do processo dito civilizatório pelo europeu moderno, ou seja, uma intolerância
religiosa como parte de uma intolerância civilizatória, como se concebe academicamente na
atualidade. No pensamento cristão moderno, o trabalho catequético consiste exatamente em
modificar os parâmetros desviantes e conflitivos da fé católica, com o como resultado da
conversão fidedigna e da consequente salvação do converso.

A catequese no início da colonização

A Companhia de Jesus chega ao Brasil com apenas seis membros no governo geral
de Tomé de Souza, com menos de nove anos de fundação, marcando o início da História da
Educação no Brasil e consequentemente uma enorme força transformadora da mentalidade dos
povos nativos da colônia com novos paradigmas a serem assimilados. A chegada da Companhia
é um ato de imposição cultural visto com a maior naturalidade no século XVI. Dessa forma,
incompreensão e rejeição das práticas religiosas dos nativos brasileiros caracterizam a
intolerância religiosa dentro de um projeto de intolerância civilizatória.

Do ponto de vista teológico e institucional, as diretrizes da missão no


Brasil foram determinadas totalmente pelo pensamento jesuítico. Com
efeito, não há dúvida de que foram os homens da companhia os teóricos
e os realizadores da empresa católica na terra de Santa Cruz. Sobretudo,
tendo os inacianos a obrigação institucional de escrever, a
documentação jesuítica é de longe a mais completa, o que possibilita
acompanhar a evolução do que poderíamos chamar de ‘teologia
missionária’, entre a filosofia neotomista, o plano eclesiástico
tridentino, o sonho utópico e heroico da Conquista Espiritual e a
realidade do cotidiano colonial. (POMPA, 2003 p.57)

Com esse arcabouço filosófico, os seis membros da Companhia de Jesus, liderados


por Manoel da Nóbrega, teriam como uma das principais missões a manutenção da unidade
numa sociedade tão heterogênea quanto a brasileira. Em aproximadamente 15 dias após a
chegada, já funcionava uma escola.

O ensino destinado a formar uma cultura básica, livre e desinteressada,


sem preocupações profissionais, e igual, uniforme em toda a extensão
do território. A cultura brasileira que por ele se formou se difundido nas
elites coloniais não podia evidentemente ser chamada de “nacional” se
79

não no sentido quantitativo da palavra (...) Internacionalista de


tendência, inspirada por uma ideologia religiosa, católica, (...)
estreitamente ligada à cultura europeia da Idade Média e alheia a
fronteiras políticas. (AZEVEDO, 1976 p. 43)

É uma cultura básica que tem como elemento de ligação e de assimilação a religião.
Esse modelo cultural estabelece pontos de associação para um melhor entendimento entre
portugueses e nativos a apresentação do paradigma religioso português como um benefício,
algo positivo. Essa cultura apresenta um entendimento dualístico do mundo que servia também
como amálgama da diversidade social na colônia e traz uma noção de unidade espiritual da
cristandade, isto é, da sociedade colonial que no Brasil se formava com a crescente ocupação
europeia.

O salvacionismo milenarista seria a modalidade de pensamento que se


enraizou na mentalidade ou imaginação coletiva brasileira, que
representa o misto de assimilação dos valores religiosos salvacionistas
do catolicismo oficial, as demandas prementes das populações
desfavorecidas por um milenarismo rebelde a um padrão imposto pela
igreja que busca a realização do reino celeste na terra. (ANDRADE,
2002 p. 49)

Tendo consigo os meios para a salvação, cabia ao jesuíta fazer a mediação religiosa
com os nativos e estabelecer pontos de convergência entre as culturas para uma melhor
assimilação dos nativos ao pensamento sotereológico que, a princípio, alegava-se não
conhecerem os nativos. Contudo, os estudos de Ronaldo Vainfas relatam uma prática religiosa
dos nativos na Bahia que remete a uma noção de salvação chamada de Santidade pelos
católicos, mas que numa tradução direta da língua seria a “Terra sem mal”.

O momento em que todos haveriam de ‘voar ao céu’, a chegada do lugar


onde não faltariam ‘mantimentos ou viveres’, ‘comeres e beberes’: os
frutos cresceriam sozinhos na terra, e as flechas caçariam por conta
própria no mato, as velhas se tornariam moças e não haveria
necessidade senão de bailar, cantar, festejar beber e fumar. (VAINFAS,
1995 p. 106)

Dessa forma, é esvaziada a concepção de que os nativos desconheciam religião ou


religiosidade. Seria o que Mircea Eliade chamaria de espaço sagrado, o lugar da Terra Sem
80

Mal, que estaria no tempo sagrado, no sentido de origem ou fim. Caracteriza-se, dessa forma,
o que ele chama de homo religiosus, isto é, o homem que acredita em algo. (ELIADE, 1992)
Havia uma não compreensão dos ritos e das crenças indígenas, por não haver semelhança, mas
entendiam que os nativos possuíam práticas religiosas, fazendo pontos de convergência e de
significado das práticas indígenas no imaginário católico.

Os jesuítas eram reflexo de seu tempo e vivenciavam o cristianismo tendo-o como


única referência: utilizaram a religião como meio de entendimento e de incorporação da
divergência cultural a fim de entrarem no seu sistema de comunicação. Eles interpretaram os
ritos dos indígenas, reapresentando-os com significados cristãos por meio do ensino.

Sendo a maior parte da população iletrada, no Brasil colonial, a palavra oral era o
veículo transmissor de ideias. Na cultura ocidental moderna, a arte da retórica constituiu-se
como lugar de experimentação das potencialidades da palavra, sendo esse processo o de
transmissão do ensino jesuíta. A palavra eloquente não apenas veicula a coisa, como induz
comportamentos diante dela, associando a razão, a verdade e a moralidade. (MASSIMI &
FREITAS, 2007)

A atuação da Companhia de Jesus com interesses próprios no processo da conversão


cristã salvacionista não ficava isenta às flutuações econômicas e às mudanças políticas na
administração da Colônia, pois com as mudanças trazidas pela prosperidade da cana-de-açúcar
no final do século XVI, mudavam-se os interesses sobre os papéis sociais dos nativos, buscando
neles mais uma alternativa de mão-de-obra.

Para estabelecer firmemente sua autoridade na aldeia os jesuítas


dependem sempre da relação de forças que se dá entre eles e a colônia,
os colonos e o governador geral, o que explica as flutuações da política
e a sucessão de leis indígenas na virada do século. (CASTELNAU-L´
ESTOILE, 2006p. 274)

O trabalho missionário possuía principalmente caráter religioso e subordinação


direta à Igreja Católica, mas não se sujeitava somente a ela, tinha de estar adequada aos
interesses comerciais da coroa, pois como explica José Maria Paiva:

O estamento tinha um objetivo: conquistar mão-de-obra - Precisava que


se convertesse? - Em teoria, não. Na prática do século, porém, isto era
uma exigência evidente. O estamento precisava dos missionários para
81

atingir seu próprio objetivo. Pela catequese, ainda que se comunicasse


a vivência com Deus - sua razão de ser-, inculcavam-se os valores da
cultura portuguesa. Desta forma a catequese, com tal se tornou
conflitiva. Os missionários não chegaram a tomar consciência desta
utilização da catequese. Tinha por ideal introduzir os índios na fé cristã,
o que lhes parecia significar a necessidade de seu aportuguesamento.
Este aportuguesamento não se realizava platonicamente: tratava-se de
arranjar um lugar e um papel para os índios dentro da sociedade
portuguesa. Não custa imaginar que o lugar e papel lhes estavam
destinados. Seu objetivo primordial era a conversão cristã, conquanto
os colonos continuassem vendo na catequese uma instrumentalização
dos índios para seus fins mercantis. (PAIVA, 2006 p. 52)

A colonização lusitana, no contexto do século XVI, economicamente, buscava


aumentar a balança comercial e expandir os domínios da coroa. Tal crescimento econômico e
de fronteiras, respeitava as restrições religiosas de não utilização da mão-de-obra indígena no
trabalho escravo, que fazia parte do mundo cristão. Essa aliança do Estado com a Igreja foi um
dos principais eixos do fortalecimento dos reis na Idade Moderna, tendo a conversão como
necessidade da incorporação dos nativos à sociedade, caracteriza-se mais uma vez a intolerância
religiosa como parte do processo de intolerância civilizatória, apresentada a seguir por Carlos
André Cavalcanti:

A Intolerância Civilizatória busca a supressão das diferenças pela


imposição de um paradigma que, em sua lógica interior, se considera e
se diz superior e que só pode ser assim analisado pelo historiador em
função de valores autoatribuídos pelo próprio agente histórico. A
submissão do vencido ocorre aqui por sua inclusão/conversão para uma
outra ordem mental e valorativa - diversa e oposta à sua original -, onde
aqueles que ingressam no "novo" quadro de valores são tidos eles
mesmos como o "botim" alcançado. (CAVALCANTI, 2010 p. 28-29)

A atuação da Companhia de Jesus adequa-se a essa configuração de transformação


de valores com o jesuíta como agente responsável pelo contato de interpretação da cultura
nativa e por reapresentá-la aos índios ressignificada e contextualizada na cosmovisão cristã.
82

A construção do outro

A questão da “tradução” pela da religião do outro, ou seja, descrever e identificar a


religião constituem o universo do novo. Essa tradução é instrumento preferencial para dizer e
pensar a cultura dos outros aparece no esforço missionário de traduzir a língua e a cultura nativa,
é uma constante histórica que permanece viva até hoje. (MONTERO, 2006 p. 20) Neste sentido,
Cristina Pompa também ressalta:

O código religioso permite pensar a civilização, não por acaso que os


viajantes e os missionários percebem a falta, nos homens americanos,
de fé, lei e rei, crença, direito e política, os princípios da civilização.
(POMPA, 2006 p. 117)

Na mentalidade cristã da Idade Moderna, a descoberta de novas terras com povos


selvagens e não cristãos não se assemelha de forma nenhuma com o padrão europeu.
Historiador José Maria Paiva aponta um entendimento dos cristãos sobre os povos encontrados
no Brasil:

A missão aos infiéis- não por terem renegado a fé mas por não a terem
conhecido ainda- era dever de todos portanto era todo o seu universo
que se estremecia com o desafio nascente. Havia urgência de anunciar
a Palavra da salvação, para que, crendo, fossem batizados e
ingressassem no mundo verdadeiro, e não crendo, fossem castigados e
escravizados. Assim, submetidos, haveria lugar para a implantação de
uma ordem, legal, institucionalizada; a presença da graça cobrindo
novamente todas as regiões, da terra, garantindo-se desta forma a
unidade do orbe cristão. Era sua mesma sobrevivência que impunha a
conquista, pela força das armas, em guerra santa, para declarar aos
índios o seu direito de se tornarem cristão, de se salvarem. Os direitos
humanos do orbis christianus eram, com efeito, direitos de ser cristão,
direitos estes que ninguém podia restringir, mas direitos estes, também,
que ninguém podia recusar. (PAIVA, 2006 p. 23)

Esses direitos não reconhecem a diferença e a alteridade. É uma prática que


reconhece não haver negação ou desvio do cristianismo na sociedade que havia de ser corrigido,
como no caso da atuação da Inquisição moderna na Europa e até mesmo no Brasil com menor
vigor. A conversão era, então, a imposição de uma religião alienígena e incorporada como se
83

fosse natural à cosmologia dos nativos pelas traduções religiosas e pelas adaptações ao
imaginário já existente, tendo com o objetivo do avanço do cristianismo, a Igreja Católica, na
modernidade, atua com:

O caráter guerreiro do discurso evangelizador fez também com que os


missionários não tivessem interesse real em conhecer e respeitar a
cultura dos "outros" aos quais foram enviados: africanos e indígenas(...)
A igreja que evangelizou o Brasil foi uma Igreja "em pé de guerra". Ora
a guerra “mobiliza” as pessoas, para conquistar, dilatar, expandir,
propagar. Na guerra, o que importa é a disciplina: daí o caráter imposto
e disciplinatório de toda a catequese durante o antigo sistema colonial,
daí também o lugar central ocupado pela doutrinação. (HORNEART,
2008 p. 27)

Serafim Leite, em História da Companhia de Jesus no Brasil, destaca como a


Companhia de Jesus percebia sua missão:

O fruto destas missões consiste em fazê-los de bárbaros homens, e de


homens, cristãos e de cristãos perseverantes na fé. A Isto procuram
aqueles missionários, acomodando-se a viver com eles e a fazer o ofício
de cura, pai, médico, enfermeiro, tutor e ainda mestre para ensinar-lhes
a roçar e plantar seus mantimentos, porque tais são, que antes haviam
de ir caçando cada dia pelo mato e buscando alguma furta silvestre que
acomodar-se a trabalhar e a plantar.

Era intolerância religiosa sem uso de violência física, mas por imposição de um
modo de vida aos nativos que não era o de sua sociedade, a regulamentação do cotidiano a partir
da própria referência portuguesa, sem permitir a liberdade do outro, estigmatizando-o como
bárbaro. Havia um entendimento pejorativo de que somente os jesuítas poderiam torná-los
homens: ignoravam a crença alheia.

Podemos perceber que os poucos relatos que sobre as “crenças”


indígenas apresentam já versões cristãs ou cristianizadas, de temas
mitológicos. Melhor dizendo, eles apresentam já aquele processo de
“tradução” que marca a percepção e a devolução para o outro, da nova
realidade colonial e missionária. Se é de “crença” que se fala, ela não
pode deixar de carregar em si a marca do Ocidente cristão, que da
“crença” é o inventor. (POMPA. 2006 p. 128)
84

Desse modo, o discurso sobre o outro não é um relato que busca de fato
compreender o outro e sim uma projeção das próprias características cristãs portuguesas ou da
ausência delas, como a própria questão da "Santidade de Jaguaripe24”, analisada por Ronaldo
Vainfas. Este confirma, por parte da Inquisição, ou seja, Igreja Católica, a não compreensão
dos ritos dos índios apontados como heresias. Contudo, o ritual existia antes mesmo da chegada
dos portugueses, o que não caracteriza uma afronta ou violação do catolicismo, senão uma
perseguição às suas práticas religiosas. (VAINFAS, 1995)

A Companhia de Jesus tendia a flexibilizar-se para manter a Igreja Católica em


expansão, adaptar suas práticas, não seus dogmas e exercícios espirituais, com o fim maior: a
conversão, entendimento e prática dos preceitos do cristianismo por parte dos primeiros
habitantes do Brasil, antes da chegada dos europeus.

Flexibilizações e ortodoxias na colônia

Para obter sucesso, o catolicismo português expansionista e salvacionista, tinha de


necessariamente converter ao cristianismo os nativos. Rijo em sua ortodoxia com o clero
reformado, o cristianismo jesuíta era doutrinário e disciplinatório. Todavia, havia alguns
paradoxos quanto à ortodoxia ao se instalar na colônia. Adaptações faziam-se necessárias para
possibilitarem a assimilação e a fixação do cristianismo na Colônia.

A primeira delas dá-se na Ordem da Companhia de Jesus, que havia sido criada
com caráter itinerante. No Brasil, porém, só foi possível de se realizar conversões com local
fixo, isto é, as missões ou as reduções, uma espécie de escola com a finalidade de assimilar os
costumes para melhor transmitir a religião católica: havia dificuldades de transporte e de
imensidão geográfica. Sendo assim, a fixação era uma necessidade para atração e manutenção
dos convertidos e reforço da fé dos fiéis.

Outro pilar religioso da ortodoxia católica dificultado devido à geografia do Brasil,


foi a indispensabilidade da frequência aos sacramentos. Pois eram uma prática amalgamadora
do corpo místico do Brasil e um contrapeso socializador significativo para compensar a

24
Cerimônia religiosa indígena, ora analisada como rito profético, ora como movimento de resistência
aos portugueses.
85

dispersão espacial e o isolamento social na imensidão da América portuguesa. Tais dispersão e


isolamento comprometiam a assiduidade dos fiéis até mesmo pelo restrito número de membros
do clero.

Como vimos, as cerimônias e os rituais públicos eram presentes no cotidiano


português: os templos, mesmo particulares, eram atrativos para o público em geral,
demonstrando a força religiosa da coletividade. No Brasil devido à periculosidade das praças
(animais, poeira, lama, índios e negros rebeldes), tais cerimônias e ritos ou foram abandonadas
ficaram dentro dos templos ou ficou restrita à celebração doméstica. (MOTT, 1997)

As cerimônias e rituais públicos funcionam como catalisadores de pertença de


grupo religioso, bem como controle comunitário e manutenção da hierarquia social. Dessa
forma havia a necessidade da conversão dos nativos, não apenas pelo caráter religioso, mas
também pelo controle social do Estado pois:

A ação externa significava (era sinal de) a conversão: a realidade se


tornava outra, ainda que não se percebesse de imediato toda sua
consequência. Uma vez batizados, os atos que contradissessem a fé
cristã expressariam tão-somente distorção individual da vontade e não
mais, disformidade total da realidade, disformidade coletiva. (PAIVA,
2006 p.23)

Na prática cotidiana, os nativos demonstravam curiosidade pelos ritos católicos, e


participaram deles. Não abandonavam, porém, suas práticas, entendidas como pecaminosas
pela cristandade, como: a poligamia e comer carnes nas sextas-feiras. Essa última característica
de identidade católica fica mais difícil, ao se adentrar no interior, pela dificuldade de se achar
peixe. (LEITE, 1954) Percebendo a tendência dos nativos a aceitarem os novos costumes
católicos, contudo, sem entenderem a necessidade do abandono de suas práticas, a Companhia
viu-se na necessidade de tolerar as ‘violações’.

A ‘tolerância das violações’ é um dos princípios fundamentais da


prática catequética dos jesuítas, que teve enorme importância e grandes
consequências na formação de uma ‘cultura híbrida’ nas aldeias. Nelas,
criaram-se os rituais católicos ‘interpretados’ pelos indígenas e a
tradução não apenas na língua mas nos códigos tupi dos princípios
cristãos, conforme as formas de catequese defendidas por Anchieta; por
outro lado, a partir do mesmo princípio, produziram-se perigosos
‘desvios’ dos quais a ‘Santidade de Jaguaripe’ é um exemplo. E,
finalmente, a persistência de alguns rituais indígenas, traduzidos pelos
jesuítas com o termo ‘jogos’, e por isso tolerados, nas aldeias ‘tapaui’
86

do século XVII, mostra a elasticidade de um pensamento catequético


que sacrificou o respeito das formas à obtenção de resultados.
(POMPA, 2006 p. 68)

A flexibilização e até mesmo assimilação de outras tradições religiosas objetivando


a hegemonia do cristianismo, não é uma prática que surge na modernidade. Na Idade Média, os
primeiros líderes cristãos já incorporavam elementos pagãos a fim de apagar divergências
cristãs, substituindo os mitos ou locais, mas, permanecendo os ritos como demonstra Keith
Thomas em Religião e o Declínio da Magia:

O antigo culto às fontes, árvores e pedras não foi abolido, mas


modificado, transformando sítios pagãos em sítios cristãos e
associando-os a um santo, em vês de uma divindade pagã. As festas
pagãs foram igualmente incorporadas ao ano eclesiástico. O Ano Novo
tornou-se a Festa da Circuncisão, o May Day, virou o dia de São Filipe
e São Tiago, a Noite de Solstício de Verão passou a ser o Nascimento
de São João Batista. Os ritos de fertilidade se converteram em
procissões cristãs, e o Lenho de Dezembro foi introduzido na
celebração do nascimento de Cristo. (THOMAS, 1991 p.52)

Na colônia, o cristianismo teve que se adaptar, não somente a Companhia de Jesus


flexibilizou-se a própria Inquisição foi mais frouxa no Brasil colonial, como demonstra Sônia
Siqueira:

Luta inútil essa de reprimir o sincretismo. Inútil porque os contendores


desconheciam as verdadeiras dimensões do problema. Atacavam casos
isolados, nunca a fonte do mal. Ignoravam-na. Mesmo que tivessem
tido a percepção nítida da questão, teriam sido impotentes diante dela.
Esse hibridismo de crenças era tão fatal quanto o de raças. A
mestiçagem era a resposta ao grande desafio que as terras brasileiras
lançaram ao branco. Era a sua grande possibilidade de subsistência. E
ele - o branco- tinha se decidido subsistir. (SIQUEIRA, 1978 p. 60)

O sincretismo foi positivo para o cristianismo, como percebe-se no cristianismo da


grande parte da população brasileira. Com as práticas pacíficas na conversão e com as
tolerâncias adaptativas para a sobrevivência da unidade cristã, o que se tem como saldo desse
processo a fixação e permanência do pensamento sotereológico cristão em proporções
87

destoantes com o legado religioso indígena sobrevivente extraoficialmente, a cada geração de


curumins conversos.

Ortodoxo em seus mitos e seus dogmas, o cristianismo permanece graças a


flexibilidade de seus ritos e releituras incorporação das crenças dos que converte a fim de
imputar um sentimento do converso a convicção dos fundamentos de sua fé, consolidada na
doutrinação ao longo dos séculos.
88

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Atualmente, há constante luta pelas liberdades individuais e coletivas, pelo


convívio harmonioso das diversidades sociais e culturais, e consequentemente pela tolerância
religiosa. Sendo assim, a pesquisa realizada aponta compreensões das raízes da intolerância
religiosa portuguesa católica pela da atuação da Companhia de Jesus.

A Companhia de Jesus surge como resposta da Igreja Católica às Reformas


religiosas, sendo a Ordem jesuítica uma referência moral para o cristianismo católico com
caráter missionário, ou seja, ampliar o número de fiéis da Igreja Católica então contestada.

A ação missionária jesuítica, em seu tempo, age em conformidade com as regras


sociais, não vendo em si mesma um processo negativo de aculturação e repressão das culturas
nativas: mas, coloca-se como estandarte de salvacionismo e de civilização.

A religião Católica em Portugal faz parte da própria identidade nacional, pois sua
formação como Estado Nacional acontece com a reconquista territorial, após expulsão dos
muçulmanos da Península Ibérica pelos cristãos e consolida-se politicamente com o aval do
Papa. A partir da reconquista territorial dos cristãos na Península Ibérica, ocorre a expansão do
comércio e a consolidação da força do Estado, resultando no Sistema Colonial, que ampliaria o
império português e levaria a religião católica ao Novo Mundo.

Novo Mundo inserido na visão dualística do imaginário cristão europeu tudo se


encaixava no parâmetro céu/inferno: as terras descobertas, o outro e os seus costumes. O Novo
Mundo havia de ser reflexo de algo neste parâmetro, e a Igreja Católica fazia das novas terras.
Os nativos e suas práticas, haveriam de ser convertidos para que, conhecendo Cristo, se
livrassem do mal.

Com a expansão do mundo conhecido, a Companhia de Jesus é modelo cristão


português na Colônia, praticante da autorreflexão e da obediência. Cada indivíduo da Ordem é
membro do corpo, unidos pela fé com a função de assimilar o outro e traduzir, por meio da
religião, o modelo de vida cristão lusitano.

O papel do jesuíta é apreender a cosmovisão do nativo para melhor traduzir, por


meio da religião cristã, e reformular pela catequese, o cotidiano dos índios, tirando-os da
condição de barbárie e fazendo-os súditos da Coroa portuguesa. Apenas mediante a negação
89

dos próprios costumes religiosos e a aceitação real de Cristo é que o índio se salva do inferno e
das perseguições dos colonos em busca de mão-de-obra.

Do ponto vista a atual, o processo de cristianização como única salvação possível,


se entende como intolerância religiosa dentro do processo civilizatório, isto é, introdução do
Brasil na globalização do mundo europeu, em expansão, na cosmovisão dualista, apresentando
a religião cristã católica como única aceitável pelo Estado português.

Atualmente, a conquista de direito de crença individual está consolidada


juridicamente na Constituição Brasileira e apontada como diretriz da harmonia social pela
ONU, o que reforça a relevância de debate do tema. Por outro lado, na prática, há um longo
caminho a ser percorrido para a efetivação do respeito à liberdade de crenças individuais.
Isso se percebe nos discursos políticos eleitorais que levantam questões religiosas como
pertença de grupo da maioria, negativando as religiões e/ou as religiosidades não cristãs. Esse
foi um dos aspectos da atualidade que instigou a pesquisa Uma Noção Histórica de Intolerância
Religiosa: As Conceituações e o Caso dos Jesuítas no Brasil Colônia.

O apontamento, na História nacional, de como foi imputada a noção de


salvacionismo exclusivo do cristianismo também considera que foi preciso o catolicismo
adaptar-se e flexibilizar-se a fim de ser assimilado e praticado na colônia o que denota a
complexidade das relações sociais: não são dois blocos monolíticos que se chocam, e um deles
simplesmente desaparece. Os dois conjuntos religiosos se modificam. Contudo, apenas, o
cristão é missionário e visa ao desaparecimento da outra forma religiosa.

A abordagem do conceito de Intolerância tem suporte multidisciplinar, a começar


pelos princípios filosóficos na modernidade que sustentam as sociedades e se consolidam em
leis ou diretrizes sociais implicativas das grandes transformações na Idade Moderna e
permanecem nos Direitos Humanos na atualidade.

Para análise da percepção do imaginário religioso e até mesmo do entendimento


do que é religião, fazem-se referências a outros campos científicos: História, Sociologia,
Antropologia e Filosofi . Como se trata do cristianismo, refere-se naturalmente à Teologia.

Dessa forma a pesquisa historiográfica desenvolvida objetivando uma conceituação


de intolerância religiosa e uma aplicação no caso da catequese jesuítica, não deixa de ser
multidisciplinar, perfeitamente adequada ao campo das Ciências das Religiões.
90

Assim, conclui-se que assim como Portugal já nasce como Estado Católico, o
Brasil, como parte do mundo ocidental conhecido e posteriormente com sua emancipação
política, também nasce católico, deixando o cristianismo como herança à maior parte da
população brasileira, mesmo após a laicização do Estado como o republicanismo em 1889. É
um cristianismo dogmático e dualista: dentro dele a salvação, fora dele o pecado.
91

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